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A Relação entre Política Externa e Planejamento Estratégico por meio do
caso do Programa de Obtenção de Submarinos Nucleares (Prosub)
Giordano Bruno Antoniazzi Ronconi1
Aryádna Kaline dos Santos Silva Costa2
Débora Ferreira Lima3
Isadora da Silva Marçal4
Jéssica Pires Barbosa Barreto5
Stephanny Siebra Monteiro de Castro6
Resumo
O presente artigo tem como objetivo analisar a relação entre a política externa e o
planejamento estratégico de um país, admitindo que políticas de governo condicionam a
política externa a determinadas ações com uma visão específica estrategicamente, e essa
visão se formula em um processo maior de política de Estado, isso condicionaria a
formulação de um planejamento de defesa. Em um segundo momento, o artigo analisa essas
relações no caso brasileiro, exemplificado pelo Programa de Submarinos (PROSUB).
Usando de conceitos da Teoria Realista Neoclássica, como a ideia de que a Política Externa
é influenciada por variáveis internas e externas. Usando de fontes artigos acadêmicos e
documentos oficiais, o artigo conclui que o Prosub é um grande exemplo de como é a
percepção brasileira sobre o meio internacional no âmbito da defesa nacional, ou seja, a ideia
de que o Atlântico Sul e a Amazônia Azul necessitavam de defesa, influi no planejamento
estratégico nacional.
Palavras-Chave: Defesa; Política Externa; Planejamento Estratégico; Prosub
1 Professor de Relações Internacionais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Email:
[email protected] 2 Graduanda em Relações Internacionais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Email:
[email protected] 3 Graduanda em Relações Internacionais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Email:
[email protected] 4 Graduanda em Relações Internacionais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Email:
[email protected] 5 Graduanda em Relações Internacionais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Email:
[email protected] 6 Graduanda em Relações Internacionais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Email:
1. Introdução
O presente artigo tem como objetivo primário analisar a relação da política externa
com o planejamento de defesa de um país. Isto é, busca-se compreender como a política
externa influencia o planejamento de defesa. Admitindo que políticas de governo
condicionam a política externa a determinadas ações com uma visão específica
estrategicamente, tal formulação participa de um processo maior de política de Estado.
Assim, nossa hipótese é de que determinadas ações de política externa, por moldarem a
percepção estratégica nacional, acabam também influindo na concepção estratégica dentro
do planejamento de defesa, resultando em programas de aquisições alinhados com tais
visões.
Reconhecendo que o planejamento de defesa pode ser entendido em diferentes níveis
(planejamento estratégico, planejamento operacional e planejamento de projetos) que estão
interligados, é possível assumir que a estratégia está vinculada à concepção política. As
ações de política externa são fatores de influência na concepção de planejamento estratégico,
que por sua vez ingere todo perfil do planejamento de defesa, formalizando assim uma
conduta com ações específicas. Isso influi no planejamento estratégico que por sua vez
molda o planejamento de defesa, que gerará determinados projetos, como o do Programa de
Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB), da Marinha do Brasil, que será abordado como
estudo de caso deste trabalho.
O PROSUB se insere como um projeto formulado pelo planejamento de defesa, que
teve como concepção um planejamento estratégico, tendo este sua influência por ações de
política externa, o que mostra a relação indissociável destes conceitos. Sendo assim,
pretende-se mostrar que as ações de política externa condicionam determinadas diretrizes do
planejamento estratégico, moldando o planejamento de defesa de forma geral, que por sua
vez cria uma demanda de capacidades materiais inserida no projeto do PROSUB.
Desta forma, essa pesquisa buscará relacionar as variáveis da Política Externa e do
Planejamento de Defesa, tendo como fontes artigos acadêmicos, documentos
governamentais e discursos oficiais, aplicando essa relação na análise do projeto acima
identificado. O método dedutivo do estudo de caso também se aplica ao estudo, pois partirá
de teorias específicas – Teoria Realista Neoclássica – para compreender os fenômenos
abordados.
A Teoria Realista Neoclássica possui como principal característica a incorporação
de variáveis tanto internas quanto externas, trazendo a ideia, segundo Rose (1998, p.146,
tradução livre), de que “a política externa de um país é guiada tanto pela sua posição no
Sistema Internacional quanto de suas capacidades materiais”, conceitos fundamentais à essa
pesquisa. Esse é o ponto principal que vai nortear as discussões que virão neste artigo,
tomando a política externa como variável independente e o planejamento de defesa como
variável dependente que está condicionada à política externa.
Além disso, “o impacto da força dessas capacidades na política externa é indireta e
complexa, porque as pressões sistêmicas precisam ser traduzidas por variáveis intervenientes
ao nível da unidade” (DALL’AGNOL, 2015, p.16). Também trazem a ideia, assim como o
Realismo Tradicional, da anarquia do Sistema Internacional e mostram que a posição dos
Estados no Sistema internacional e a distribuição de poder influenciam as políticas externas,
entretanto, Estados com parecida capacidade de poder não necessariamente vão agir da
mesma forma no cenário internacional.
O texto será dividido em seções, abordando primeiramente as características de
Política Externa, as diversas conceituações de Planejamento Estratégico e de defesa e suas
características. Num segundo momento, será abordado como essas variáveis se relacionam
e, em seguida, o caso do projeto brasileiro de submarinos será explicitado, defendendo a
hipótese adotada no artigo.
2. Política Externa e Planejamento Estratégico
Políticas Públicas servem para expressar o que o governo escolhe fazer, o seu por
que e que diferença fará se o fizer. São “soma das atividades do governo” (Peters, 1996) e
são sempre grandes questões públicas. Além disso, a execução da política pública pode ficar
a cargo de diferentes atores, mas tem de ser responsabilidade de algum agente público.
Assim, Políticas Públicas podem ser definidas como
um conjunto de ações definidas pelo Estado para equacionar e resolver um
problema público, a serem executadas por entes estatais ou não [...]
visando determinados objetivos e metas [...], segundo uma estratégia [...]
clara, observando cronogramas de execução [...] e financiada [...] por
recursos orçados previamente, com a especificação de suas fontes
respectivas. (SALOMÃO, 2012, p. 3)
Defesa são ações feitas pelas Forças Armadas, com uma infraestrutura dando suporte,
para garantir a sensação de segurança da sociedade. Assim, “a Defesa Nacional deve ser
entendida como um bem público promovido pelo Estado à sociedade por meio de políticas
públicas” (ALMEIDA, 2010). A Defesa somente é possível com a intervenção da força
estatal, envolvendo políticas militares, e deve ser uma Política de Estado. Por exemplo, um
esforço de enquadramento da Defesa Nacional no contexto de política pública no Brasil foi
a Política Nacional de Defesa, publicada em 1996, no Governo Fernando Henrique Cardoso.
Por ser uma política pública, há a necessidade de observar o que o mandatário fala
sobre defesa no seu discurso de posse, pois elas podem mudar de acordo com o governante.
Com os discursos, temos uma ideia da importância do assunto para o seu Governo. Em 2012
foi a primeira vez que as propostas de Política Nacional de Defesa (PND), Estratégia
Nacional de Defesa (END) e Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN) foram
encaminhadas ao Parlamento, o que mostra um engajamento político em relação à assuntos
de Defesa.
Para uma análise mais profunda do cenário de um país, também há necessidade de
observar a atuação da Política Externa. Sabe-se existir uma conexão direta entre a política
externa e a política de defesa de determinado país. Como passo indispensável para o
entendimento de tal correlação, faz-se necessário a definição de ambos os conceitos. A partir
de então, poderá ser traçado uma linha entre a estratégia de defesa brasileira e sua relação
com o ambiente externo.
Dessa forma, a defesa – embora comumente confundida com segurança – deve ser
concebida de forma mais restrita que esta, uma vez que se aproxima estritamente do setor
militar. Tomando o Estado como principal ator do Sistema Internacional e levando em conta
sua capacidade de manter instituições cujo objetivo é garantir a segurança contra possíveis
ameaças, a defesa pode ser definida como o conjunto de esforços e ações concretas que
visem a promoção da segurança nacional. Logo, infere-se como exemplo mais claro de uma
Comentado [1]: aqui é possível colocar um referência tipo o alsina jr
Comentado [2]: idem
Comentado [3]: então colocar uma nota de rodapé e indicar a diferença entre ambos
ameaça concreta, a agressão direta por parte de outro Estado soberano.
O instrumento utilizado para tal política, como analisado, são as Forças Armadas.
Sabe-se também que seu uso específico pode ser notado, além do âmbito da defesa externa,
como instrumento de segurança contra ameaças provenientes do território nacional. Segundo
Barry Buzan, o conceito de defesa deve ser relacionado unicamente à ideia de segurança
militar externa, negando qualquer utilização dos meios militares para segurança pública do
país. É bem verdade que, seguindo tais linhas de raciocínio, a utilização das Forças Armadas
como polícia convencional, além de constranger a eficácia e necessidade desta última,
contribui para o distanciamento da Instituição Militar de seu real objetivo: o emprego dos
meios necessários para o combate à ameaças externas. (Buzan, 1997)
Em sua relação com a política externa do país, compreende-se a defesa como
estritamente relacionada a esta, devendo estar inserida no plano estratégico da mesma.
Entendendo que a defesa esteja intrinsecamente atribuída ao âmbito do Estado como ator
soberano, não é possível desvencilhá-la da política externa. Caso o faça, corre-se o risco da
perda dos meios de controle da imposição da força no âmbito externo de forma legítima.
Como explicitado por João Paulo Soares Alsina Jr.:
[...] tendo em mente que a diplomacia e as Forças Armadas representam
os vetores clássicos das relações exteriores do Estado-nação moderno [...]
a defesa nacional está inscrita no âmbito das atribuições fundamentais do
Estado territorial soberano. [...] Possuindo a política externa caráter
abrangente por definição, e estando esta condicionada pelo dado da
anarquia no plano internacional, não é possível estudar a política de defesa
de um país sem considerar a primeira como elemento estruturalmente
fundamental. Em síntese, desvinculada da política externa, a política de
defesa torna-se contraproducente e até mesmo detrimental para os
interesses nacionais. (Alsina Jr., 2009)
A Política Externa do país explicita a forma como um país vê determinado Estado no
cenário internacional e, a partir dessa percepção, como ele vai agir. Essa percepção, aliada a
Política de Defesa Nacional, vai influenciar diretamente no Planejamento Estratégico, que
no caso da Defesa, caracteriza-se como a formulação da estratégia, a aplicação operacional
dos meios militares e, consequentemente, dos programas de aquisições para adquirir tais
capacidades materiais. O planejamento de defesa é, em sua essência, a aplicação da
estratégia e sua formulação é fundamentalmente política.
O planejamento estratégico é muitas vezes confundido com as visões empresariais,
que adotam conceitos semelhantes à “estratégia”. No entanto, possuem diferenças cruciais:
a estratégia “militar” 7visa aplicar objetivos definidos politicamente, principalmente para o
confronto direto visando o uso da força física; a estratégia empresarial define os objetivos
considerados estratégicos para o crescimento da empresa e aloca seus recursos para uma
competição que aumente sua presença no mercado (Rainha, et al. 2014).
De forma geral, o planejamento deve ser visto como a forma de implementar a
conjugação indissociável da estratégia, política e poder. Todo planejamento envolve ações
técnicas e políticas, para estabelecer objetivos colocados num contexto futuro, que possuam
7 As aspas são necessárias que somente para diferenciar da estratégia empresarial, pois estratégia
envolve a dimensão militar dentro do seu arcabouço.
diferentes meios e alternativas a serem empregados dentro de diversas fases em períodos
especificados de tempo (Costa e Santos 1997). O planejamento é uma forma de controlar as
consequências de nossas ações, isto é, a habilidade de controlar o futuro com atos no
presente8 (Wildavsky 1973). Por isso que, independente da área, o planejamento estabelece
métodos para olhar para o futuro e coloca em prática relações causais (ou que aparentam ser)
para alcançar no presente um ou mais cenários desejáveis.
O grande desafio de qualquer planejamento de defesa é a opacidade do futuro. Isso
se dá por dois grandes motivos: a incapacidade de prevê-lo com total precisão e as
contradições da estratégia. O primeiro motivo reside na dificuldade de, mesmo utilizando
diversas metodologias para prospectar futuros e compreender tendências importantes, não
se pode ter uma imagem precisa e detalhada de como será o amanhã. O segundo motivo está
relacionado com a incerteza e paradoxos que compõem a ação da estratégia e elevam o
número de considerações que um planejador deve tomar (Gray 2010). Em conjunção, estes
dois fatores fazem com que o espaço de formulação do planejamento de defesa seja um
domínio por visões e interesses (sobre o futuro) de como moldar o perfil de força de um país,
em específico, sua indústria de defesa.
Planejamento estratégico pode, então, ser compreendido como um mecanismo capaz
de posicionar suas organizações e direcionar seus recursos a fim de responder às demandas
da situação atual e também foca em questões futuras, utilizado por militares a fim de
obedecer aos objetivos políticos de um governo. (Meinhart, 2006) Com isso, Gray chega a
uma divisão dentro do planejamento estratégico, na qual distingue algumas ideias:
Planejamento estratégico – carrega muita bagagem controversa, capaz de
confundir, com um pequeno e notável risco de incentivar a difusão
indevida de atenção (militar); Planejamento militar – se fosse favorável a
redação do conceito que colocava em perigo a inclusividade mandatada
pela natureza e pelo caráter subjetivo; Planejamento de guerra – potente
mas inapropriado, exclusivamente no foco (...) necessário para planejar a
paz tanto quanto a guerra. (Gray 2014, tradução livre)
Em contrapartida, Gray ainda define planejamento de defesa como um forte
indicativo do foco militar, sem ser exclusivamente formal com o pensamento civil e suas
atividades. Isso pode ser um saudável compromisso entre compreensões comuns sobre a
estratégia e o planejamento militar. Logo, o planejamento não é política, é sobre política
(Gray 2014, 41). Sua formulação segue uma concepção metodológica e processual
conhecida, no entanto, os rumos que estes procedimentos tomam se dá pela mediação de
interesses políticos. Ocorre assim que o planejamento de defesa percorre dois caminhos
fundamentais: um na sua concepção a partir da visão estratégica e outro na sua
institucionalização de política de governo para uma política de Estado.
Antes de discutir as dimensões estratégicas que permeiam o planejamento, tratemos
deste segundo ponto: a política de defesa que se oficializa no planejamento acaba sendo
inevitavelmente uma política de governo. Justamente pelo fato de que a concepção de
interesse nacional se dá pela interpretação de ameaças frente à soberania do Estado, quem
8 Apesar da simplicidade na conceituação, ao se entender planejamento desta forma se torna de suma
importância para o trabalho: não se deve confundir com um plano formal ou instituições e pessoas incumbidas
com planejamento, a despeito destas serem de grande importância para fundamentar e sustentar o
planejamento. As realizações devem ser o juiz final do planejamento, caso contrário, o planejamento existiria
só porque há um plano, independente do destino guardado para ele (Wildavsky 1973).
decide as prioridades são os atores governantes (Rudzit e Casarões 2015). Assim, a política
de defesa deve sempre ser lembrada que, antes de compor a política de Estado (policy), esta
é, em sua essência uma política de governo (politics). Ela não é neutra, desprovida de
contradições e consensual. Por envolver diferentes atores, com interesses convergentes ou
divergentes, ela envolve relações de poder, instituições políticas e barganha sobre definições
de prioridades e meios. Justamente por se tratar de uma política de defesa, as disputas
políticas centram-se na aplicação de poder. Da mesma forma, o planejamento também é
oriundo do nível de politics, isto é, de governar e manter os objetivos futuros no presente
(Wildavsky 1973). Consequentemente, ele é inseparável do processo de decisão.
Desse modo, esta é uma das principais características de uma política de defesa: por
possuir uma natureza política, esta é um acordo entre os interessados. Por ser uma política
de governo, ela faz parte da elaboração da política de Estado, e “como qualquer política,
provisória, temporária, seus objetivos tenderão a oscilar conforme o grau de diferença entre
os grupos e suas respectivas posições de força no cenário político” (Proença Jr. e Diniz 1998,
37). Qualquer política de defesa tem como necessidade o contínuo aperfeiçoamentos infra e
interinstitucional, com os objetivos de melhorar o controle, os resultados e a interlocução
com os mesmos objetivos da política externa. Tal aprimoramento de um processo contínuo
é o que vai configurando com o de uma política de Estado, pois a institucionalização e o
direcionamento de governança política conseguem sustentá-la no longo prazo. Com tais
características de uma política de defesa, percebe-se que sua formulação requer,
principalmente, o estabelecimento de prioridades e a garantia de continuidade na sua
consecução: pelo fato de que ela é uma política de governo, ela também é uma política
pública. De forma geral, o planejamento de defesa e a estratégia (ou grande estratégia) são
o mesmo assunto. Enquanto um se atém a discussão de formulação política, outro foca na
visão teórica e abstrata das conceituações.
A definição do poder para a vertente realista das Relações Internacionais se situa
fundamentalmente nas capacidades materiais do Estado. Logo, ao tratar-se de um
instrumento para o Estado exercer sua soberania, o poder militar torna-se um valor padrão
para uma avaliação internacional, fundamentado no seu poderio econômico (Carr 2001).
Para maior operacionalidade dos objetivos desta discussão, procura-se diferenciar o poder
nacional em Real (Efetivo) e Latente (Potencial) de acordo com as definições de
Mearsheimer. O primeiro é o poder militar imediato de uma Nação, ou seja, sua capacidade
de projeção de suas Forças Armadas no presente. Não é um conceito puramente quantitativo,
pois é moldado pela relação qualitativa entre as três Forças e pela sua capacidade de projeção
(Mearsheimer 2007). Dessa forma, não basta contar soldados, aviões e navios para mensurar
o Poder Real, é necessário situar estes fatores ao “atrito da guerra”9. Já o Poder Latente seria
a habilidade do Estado transformar eficientemente sua riqueza e população em poder militar.
Essa definição original é ampla demais para o trabalho proposto: atrás da ideia de
“eficiência” estão a capacitação de recursos humanos e de transformação de um complexo
militar-industrial-acadêmico para a criação de Forças Armadas contemporâneas (McNeill
1982). Para Mearsheimer, não era interessante o aprofundamento nesse conceito, pois seu
foco eram as capacidades de prontidão das Grandes Potências. No entanto, o foco em Poder
Potencial é fundamental para uma concepção teórica sobre a indústria de defesa, a inovação
9 Uma tentativa de síntese do Poder Militar é de difícil obtenção, visto que este pode ser ampliado para o
conceito de fungibilidade, afetando de diversas formas a atuação do Estado (Art 1996), ou pela forma de
emprego de forças (Biddle 2004). Não será o objetivo deste trabalho o aprofundamento deste conceito e sim
somente contextualizá-lo na discussão.
tecnológica e a sua potencialidade de dissuasão. Se a exploração de variáveis constituintes
do poder nacional em seus diferentes domínios (recursos naturais, desempenho nacional e
capacidades militares) é de grande número (Tellis, et al. 2000), a Indústria de Defesa (por
incorporar variáveis como tecnologia dual10 , recursos humanos, infraestrutura) se torna uma
das facetas deste poder. Dessa forma, tendo em mente uma grande eficiência na conversão
destas variáveis em Poder Efetivo, fica clara a importância dos elementos (empresas,
laboratórios, formação acadêmica) que pertencem à indústria de defesa (Cortez, Ferreira e
Brick 2014).
O tamanho de um complexo industrial sempre tem o que dizer das potencialidades
de desenvolvimento, imediato e futuro: este relaciona-se fortemente com o crescimento do
PIB, indica as aceitáveis tendências estruturais na sociedade de um país e abre espaço para
possibilidades de investimento produtivo em larga escala. Relacionado com este último
ponto, está também um direcionamento de investimentos públicos em Pesquisa e
Desenvolvimento (P&D), incluindo também a promoção de um complexo institucional que
envolva esforços para promover a inovação tecnológica (Freeman 1995). Não obstante, é
importante frisar o desenvolvimento deste complexo industrial como uma variável
dependente do desenvolvimento econômico nacional (Beckley 2010). Ou seja, um país que
promove uma estratégia de desenvolvimento nacional fornece a sustentação para um esforço
industrial na área bélica. Inverter tal causalidade gera diversas dificuldades não só para a
sobrevivência da indústria de defesa, como também para alcançar objetivos de uma maior
autarquia tecnológica no setor (Brauer 1998, R. A. Bitzinger 2003).
Como reflexo do Poder Potencial, a indústria de defesa, suas capacidades produtivas
e inovadoras, sua relação com o Estado e com a sociedade, está evidente a ideia de
transformação: o Estado que tem capacidades bélicas produtivas e tecnológicas para
empregar suas Forças Armadas aumenta a sua potencialidade de exercer Poder Real no meio
internacional. O aumento do Poder Potencial, por implicar grandes consequências ao
aumentar o Real, insere-se como elemento-chave para objetivos dissuasórios e securitários.
Logo, promover o desenvolvimento de uma indústria de defesa e de seu complexo inovador
(seu Poder Potencial) aumenta as possibilidades dissuasórias que um Estado pode empregar
estrategicamente no sistema internacional.
É com tais considerações que o que se evidencia no processo de planejamento de
defesa, principalmente em tempos de paz, é o objetivo de obtenção de poder potencial e das
possibilidades de aplicação de seu poder efetivo. Os atores e instituições do Estado gerem
esse complexo processo escolhendo caminhos estratégicos, definindo os meios necessários
para alcançar os objetivos políticos estabelecidos na visão estratégica. Nesta “definição de
meios” está toda a procura, desenvolvimento e obtenção necessária de capacidades militares
para o país. Já na definição e escolha de caminhos estratégicos está a compreensão do que
se entende por estratégia nacional.
O planejamento de defesa é um processo que abrange diferentes níveis da defesa
nacional. Ele pode ser entendido, como um relacionamento hierárquico dos planejamentos
estratégico, operacional (ou militar) e de aquisição (ou de programas) (Zrnić 2008). O
gerenciamento destes planejamentos, normalmente incumbido aos planejadores e gestores
10 Tecnologia que adapta-se tanto para uso civil quanto militar (Longo e Moreira 2012). Cabe destacar também
que “o processo de dualização tecnológica pode ser feito de duas maneiras: por spin-off (a utilização de
tecnologias e produtos desenvolvidos para fins militares para objetivos pacíficos) e por spin-in (a incorporação
de tecnologias civis pela indústria de defesa)” (Andrade e Franco 2016, 19).
das organizações de defesa, é a forma de traduzir os objetivos e intenções políticas em
parâmetros que podem guiar escolhas concretas de capacidades militares (Spiegeleire, et al.
2009). Por capacidades, entende-se não só os armamentos e sistemas militares, mas também
o seu perfil de emprego, sua aplicação em conjunto.
O planejamento estratégico é desenvolvido por métodos e sistemas de análise pré-
estabelecidos, a contextualização presente e futura das tendências e cenários nacionais e
internacionais, com o intuito de indicar e formular os caminhos estratégicos que podem ser
tomados dentro de objetivos (fins) políticos (ESG 2009). Com tal análise de ambiente, os
documentos (políticas e estratégias de defesa) guiam as ações e planos de gestão em cada
setor e subsetor da instituição de defesa do país (Brasil 2015). Em outras palavras, define-se
o perfil de força militar e sua forma de emprego para alcançar os fins definidos dentro dos
caminhos estratégicos possíveis (Pompeu 2009, Gray 2014). Percebe-se assim que o
planejamento estratégico é o momento em que os líderes da instituição, com o objetivo de
atender aos objetivos políticos considerados pelo governo, o utilizam para posicionar suas
organizações e direcionar recursos para responder às demandas da situação atual, enquanto
simultaneamente focam nos desafios futuros (Meinhart 2006).
Podemos dizer então que a estratégia é a ponte que conjuga a política com suas
instituições e agências: fins políticos, meios militares e caminhos estratégicos são
conectados, dando sentido lógico a uma realidade complexa (Gray, 2010). A construção de
tal ponte ocorreria neste processo de planejamento, resolvendo politicamente o difícil dilema
entre desenvolver plenas capacidades presentes/futuras e traduzir o plano em um orçamento
viável (Webb, Richter e Bonsper 2010). A coesão da estratégia com o todo se torna
fundamental para que a coordenação entre estes diferentes processos seja possível.
O planejamento operacional (ou de operações) é a distribuição de forças nas regiões
e territórios considerados fundamentais para o prosseguimento dos objetivos estratégicos.
Neste planejamento o seu núcleo é essencialmente a condução militar e a sua otimização
para conduzir missões e treinamentos. A logística se torna um núcleo fundamental, afinal,
ela engloba toda a conduta (a criação, o movimento e a manutenção das forças combatentes)
e as atividades da guerra (Proença Júnior e Duarte 2005).
Desde o fim da Guerra Fria, na crescente incerteza das transformações mundiais, a
dificuldade em identificar adversários potenciais e suas capacidades gerou grandes
inquietações nos formuladores de defesa. Ao invés do envio de requerimentos e substituições
de antigos sistemas militares, visava-se com o planejamento baseado em capacidades uma
estrutura de missões que fossem possíveis serem realizadas no futuro. A utilização da visão
do planejamento baseado em capacidades começou a ser utilizada formalmente em outros
países, uma vez que se trata de uma forma menos custosa e eficiente em termos econômicos.
Há inclusive as tentativas conceituais de financeirizar tal processo como forma de reduzir
riscos na tomada de programas militares (Filinkov e Dortmans 2014).
Mas como já salientado, a validez atual do planejamento de defesa por capacidades
é crescentemente questionada: a não identificação de ameaças impede um desenvolvimento
das capacidades militares no longo prazo. Busca-se no fim desenvolver uma tecnologia
avançada para combater um inimigo genérico (Balasevicius 2016). A contradição é evidente,
afinal, com mudanças de objetivos no curto prazo, fica impossível produzir as capacidades
que inicialmente se procurava obter. O planejamento por requerimentos também não foge
das críticas: mesmo identificando o inimigo, os esforços para planejar as capacidades de
defesa não são militar e economicamente fáceis. Percebe-se assim que o tipo de
planejamento está enraizado na formulação estratégica que o Estado aponta como base, pois
é nela que os objetivos precisam ser sistematizados em diretrizes e ações de obtenção de
produtos militares. As influências externas, a organização institucional e a própria visão de
interesses e procedimentos burocráticos dos atores envolvidos em seu processo de
formulação são de grande importância para trazer esta variável da sua concepção ideal para
um terreno mais empírico.
Uma consideração final sobre essa tipologia é de que as considerações estratégicas
sobre como combater ou se defender de inimigos específicos ou ameaças gerais se assume
no formato de planejamento. Tal apontamento é importante para indicar que não há no início
uma escolha dos planejadores por um tipo ou outro, mas sim que as necessidades de aplicar
a estratégia nacional vão assumindo uma forma semelhante à proposta pela tipologia na
medida em que se desenvolvem ações e diretrizes estratégicas. O planejamento acaba se
tornando uma variável política, influenciada pela percepção dos tomadores de decisão
envolvidos no processo do que é necessário no momento, e não um portfólio de técnicas
possíveis para aplicar a estratégia.
3. O Caso Brasileiro e o PROSUB
Tratando-se da defesa em relação à postura brasileira, o Ex-Ministro Celso Amorim
entende o comportamento do governo como um “poder brando” (soft power), no qual abarca
a “capacidade e persuasão, negociadora e de irradiação de valores que, no caso do Brasil,
tem produzido ganhos concretos”. Um exemplo que corrobora isto é o fortalecimento da
relação entre Brasil e Argentina, marcada pelos ganhos tanto econômicos quanto comerciais
para ambos. E reforça seu argumento quando afirma:
Ao expandir nosso poder brando por meio da cooperação, a política de defesa
coincide com a política externa na promoção de um ordenamento global que
favoreça o entendimento em detrimento do conflito. Mas não tenhamos ilusões: o
poder brando não é suficiente para garantir que o Brasil tenha sempre sua voz
ouvida e respeitada e faça frente a eventuais ameaças, atuais ou potenciais.
(Amorim 2016)
A despeito de não se situar no centro de conflitos ou ameaças internacionais, o Brasil
possui diversas concepções de defesa de seu território, além de visões de promoção de seu
desenvolvimento pela promoção de sua soberania nacional. Alcançar objetivos estratégicos
de sua defesa requer planejamento e, consequentemente, o gerenciamento de recursos.
Mesmo com o fato de que há diferenças na relação de poder entre uma grande potência como
os Estados Unidos e um país emergente como o Brasil não exclui as contradições e
complexidades inerentes no processo de planejamento de defesa. Assim, a despeito de
compreender que os constrangimentos estruturais “flexibilizam” a relação estratégia e
planejamento no Brasil, as dimensões que permeiam ambos conceitos internamente têm seu
papel na promoção de contradições.
A relação organizacional e institucional é de grande importância para compreender
como se formula e aloca recursos do planejamento de defesa. O desenvolvimento de
documentos que formalizam e institucionalizam o processo de planejamento militar
organizam a defesa em três níveis: nacional (com a finalidade de conduzir a PDN), setorial
(focando no emprego das FFAA) e subsetorial (realizado independentemente de cada Força).
Isso faz com que o processo como um todo tenha semelhanças com outros tipos de
Comentado [4]: seria bom um aprofundamento da colocação empírica da peb para o atlantico sul. pelo menos destacar as ações de integração regional por meio da unasul, as zopacas, o pré-sal (que se insere dentro do discurso de amazonia azul)
Comentado [5]: cada um desses pontos poderia render um paragrafo a mais
Comentado [6]: peb e o pré-sal (capitulo 3): http://www.ie.ufrj.br/images/pos-graducao/pped/dissertacoes_e_teses/Francisco_Ebeling_Barros.pdf
Comentado [7]: zopacas e defesa nacional: http://www.editoraletra1.com/anais-congeo/arquivos/978-85-63800-17-6-p147-158.pdf
Comentado [8]: ideia de projeção brasileira como ação da peb: http://72.18.158.4/index.php/tm/article/viewFile/439/513
planejamento baseado em capacidades, tais como OTAN, mas que suas diferenças e
variações sejam de grande impacto na sua aplicação: há uma falta de precisão de
capacidades, assim como uma lacuna nos pressupostos de longo prazo. Tais características
que indicam um planejamento de baixo para cima (bottom-up) resultados de certa liberdade
entre instituições de diferentes níveis (nacional e subsetorial) e das diferentes culturas
administrativas entre as Forças Armadas (Leite 2011).
A despeito das contradições, há um contínuo desenvolvimento da estrutura
metodológica quanto ao planejamento estratégico, resultando nos principais documentos de
diretrizes estratégicas. O Sistema de Planejamento Estratégico da Defesa estrutura o
processo de gestão de defesa, resultado da análise de cenários oriundo de grupos de trabalho
cujos membros são em sua maioria militares representantes de secretarias do MD e
Comandos Militares (Ministério da Defesa 2012).
As transformações que ocorrem na indústria de defesa brasileira (ou BID) são
decorrentes de múltiplos fatores, causados tanto por questões internas quanto por eventos
externos (Dagnino e Filho 2007). Não obstante, as indicações de necessidades dadas pelo
Estado, principal comprador, influem fortemente no tipo de produto a ser desenvolvido.
Logo, discussões que normalmente são específicas à questão da revitalização da indústria de
defesa, tais como spin-off ou tecnologias de uso dual, são em parte resultados das indicações
de planejamento do governo em fomentar determinados tipos de relações civis-militares
neste setor industrial (Dagnino 2008).
Além disso, o gerenciamento do orçamento se torna o principal fluxo causal do
planejamento de defesa para o modelo de indústria, que no caso brasileiro também tem suas
peculiaridades. Com a falta de transparência da indicação dos recursos financeiros para
projetos estratégicos em documentos formais, tais como a END, ocorre uma falta de
previsibilidade, regularidade e continuidade (Moraes 2010), fazendo com que diversas
influências no processo de decisão guiem recursos para interesses específicos. Além disso,
a própria execução do orçamento sofre discrepâncias entre o planejado e o executado
(Pederiva 2004), comprometendo o accountability da instituição e indicando novamente
influências sobre o processo de decisão da alocação de recursos do planejamento de defesa
(Brustolin 2009). Ou seja, a variação na forma do planejamento de defesa, a despeito de ser
um processo complexo e de larga escala sofre diversas influências na sua tradução como
demanda por produtos de defesa e, consequentemente, no próprio desenvolvimento da
indústria deste setor.
Levando em consideração a ideia de que “os objetivos da Política Exterior brasileira
se pautam na manutenção da soberania e da integridade territorial, assim como na
contribuição para a estabilidade regional e na própria inserção internacional” (COSTA,
2016, p.325) o Atlântico Sul aparece forte nessa agenda a partir dos anos 2000, não só como
um espaço estratégico, mas também como importante rota para o Comércio mundial. No
âmbito nacional, a área é importante por causa do pré-sal na plataforma continental do país.
Um ponto principal nessa mudança de política brasileira nos anos 2000 foi a Política Externa
do Governo Lula. Focada no Sul Global, a ideia nacionalista era a de fortalecer o Brasil
como um ator importante no cenário internacional, investindo na cooperação sul-sul. Esse
governo também foi essencial para “mudar a perspectiva sobre o papel de defesa para o país
e a necessidade de investimento nas Forças Armadas, como foi desenvolvido na Estratégia
de Defesa Nacional (EDN).” (COSTA, 2016, p.330).
Para uma projeção do Brasil no Atlântico Sul com capacidade de firmar o país como
um importante ator na região, eram necessárias diversas ações. Um grande exemplo dessas
demandas é o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB), que está descrito
na END de 2008 como uma forma de proteção do patrimônio do país e contribui para o
desenvolvimento da indústria de defesa brasileira.
O projeto e a construção do submarino com propulsão nuclear brasileiro
SN-BR visa atender às diretrizes estabelecidas na Estratégia Nacional de
Defesa, acrescentando uma nova dimensão ao Poder Naval de nosso País.
A posse deste meio naval contribuirá significativamente para assegurar a
soberania nas águas jurisdicionais brasileiras, garantindo ao Brasil
inegáveis capacidades de dissuasão e negação do uso do mar. (Marinha do
Brasil)
O lançamento do Programa Nuclear da Marinha tem seu início datado em 1979, com
a justificativa baseada na ideia da “eficácia dessa embarcação na defesa do imenso litoral do
país no Atlântico Sul, por suas características de discrição, autonomia e velocidade” (Martins
Filho, 2011, p.277), mas, foi somente em 2007 que – ancorado na liberação de mais de R$
1 bilhão para a Marinha – creditou-se verdadeiramente a importância do projeto para a
estratégia militar de defesa brasileira. Tal afirmação pode ser exemplificada na fala do então
presidente Lula no momento de sua visita ao Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo
(CTMSP): “Quanto nós vamos gastar por não termos investido no tempo certo, na hora certa,
para termos as coisas prontas no momento certo?” (Lana, 2014)
Devido a discrepante diferença em relação aos recursos tecnológicos entre países
desenvolvidos e o Brasil, é comum que este tenha encontrado dificuldades no que tange ao
acesso e desenvolvimento de certas tecnologias. No entanto, desde a época do Acordo
Nuclear Brasil-Alemanha (1975), a área do Atlântico Sul já exercia forte importância
estratégica para o Brasil. A necessidade de proteção de tal área foi, então, sendo
progressivamente intensificada, como mostra o presidente Figueiredo ao dar continuidade
ao então vigente Programa Nuclear Paralelo (PNP) (Geraldo & Cossul, 2016). A partir dos
anos 1990, são lançadas as Políticas de Defesa Nacionais (1996 e, posteriormente, em 2005),
bem como a criação da Estratégia Nacional de Defesa em 2008, mostrando a intenção em
elevar a capacidade militar-estratégica brasileira a um nível equiparável a sua condição de
importância regional.
Nesse sentido, entende-se que o Atlântico Sul e, principalmente, a imensa área
costeira do Brasil, são de extraordinária importância estratégica para o país, devendo, assim,
ser protegida de eventuais vulnerabilidades que possam levar a ameaças concretas. Tendo
em vista a recente descoberta de petróleo no Pré-sal brasileiro, a necessidade de proteção da
cobiçada área da Amazônia Azul11 e a indiscutível vocação marítima brasileira – atestada
11 “A Zona Econômica Exclusiva brasileira é uma área oceânica aproximada de 3,6 milhões de km², os quais,
somados aos cerca de 900mil km² de extensão que o Brasil reivindica junto à Organização das Nações Unidas (ONU), perfazem um total aproximado de 4,5 milhões de km². Trata-se de uma extensa área oceânica, adjacente ao continente brasileiro, que corresponde a, aproximadamente, 52% da nossa área continental e que, devido à importância estratégica, às riquezas nela contidas e à imperiosa necessidade de garantir sua proteção, a Marinha do Brasil (MB), buscando alertar a sociedade sobre os seus incalculáveis bens naturais, sua biodiversidade e sua vulnerabilidade, passou a denominá-la “Amazônia Azul”, cuja área é um pouco menor, porém em tudo comparável à ‘Amazônia Verde’ “. (Marinha do Brasil)
por sua continental região costeira – entende-se relevância de um projeto como o PROSUB,
que utiliza-se, além do submarino de projeção nuclear, de outros submarinos convencionais.
O Brasil dispõe de uma verdadeira Amazônia Azul, em relação a qual, sem dúvida,
exerce direitos, mas também tem obrigações de conhecê-la e explorá-la
economicamente de forma racional e sustentável. Consequentemente, as riquezas
incalculáveis desse espaço nacional exigem também um poder naval capaz de
protegê-las. (Carvalho. In Leplac 2010)
Assim, percebe-se o Programa de Submarinos Brasileiro como um programa de
aquisição e desenvolvimento de tecnologia que foi fortemente influenciado pela percepção
brasileira do cenário internacional. Foi percebido pelos tomadores de decisão a necessidade
de maior proteção da Amazônia Azul e do Atlântico Sul através de meios militares capazes
de dissuasão. Essa estratégia é uma característica do Planejamento Estratégico Brasileiro.
4. Considerações Finais
O artigo buscou analisar a relação direta entre a política externa e o planejamento de
defesa, considerando que o processo decisório das estratégias de defesa decorre das
projeções da política externa de um Estado. No caso do Brasil, especificamente, o conceito
se manifesta de forma expressiva no projeto do PROSUB, especialmente na construção do
submarino de propulsão nuclear. O desenvolvimento e conclusão de tal projeto confere ao
país maior poder naval, assim como aumento da capacidade de produção de sua indústria de
defesa.
A visão estratégica brasileira pautada na interconexão das instituições regionais,
como a Unasul e Zopacas, e ancorada na relevância material do Atlântico Sul por meio do
Pré-Sal, estruturou uma política externa voltada para uma autonomia regional. Isso fomentou
conceitos e discursos como o de proteção da nova “Amazônia Azul” e refortaleceu
determinadas visões de defesa. Com a paulatina institucionalização da Política de Defesa
brasileira, estes conceitos e ações tiveram força no planejamento de defesa, ao moldarem as
concepções do planejamento estratégico. Não à toa, programas de obtenção e
desenvolvimento de submarinos tomaram uma grande importância, algo que há 40 anos atrás
seria irreal.
Essas novas dinâmicas e processos ressaltam a importância de aprofundar a relação
entre Política Externa e de Defesa. O vínculo de ambas políticas se dá, como analisado, pela
força e coesão da estratégia nacional: enquanto de um lado ela se traduz em ações e
articulações políticas regionais e internacionais, de outro ela se traduz em obtenção de
capacidades materiais. Compreender esse segundo ponto dentro dos processos existentes no
planejamento de defesa se torna um auxílio análitico de grande uso tanto para estudos de
análise de política internacional, como de estudos estratégicos brasileiros.
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