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1 A RELEVÂNCIA DA ECONOMIA SOLIDÁRIA E DA EDUCAÇÃO DO CAMPO Hélio Clemente Fernandes 1 RESUMO: A partir do entendimento de José Luís Fiori, quando escreve Os moedeiros falsos, percebe-se que a hegemonia conquistada pelo liberalismo implicou em consequências para as políticas públicas na América Latina e no Brasil. Perante as crises do capital e todas as mazelas oriundas deste modo de produção vigente, intenta-se apontar algumas considerações sobre a relevância da Economia Solidária e da educação do campo na construção de alternativas que possam viabilizar uma nova sociedade. Essa reflexão ao tentar aproximar-se dos pressupostos do materialismo histórico dialético, enseja contribuir com os trabalhadores que sobrevivem na lida do campo. Afinal, a finalidade primeira da educação (seja do campo, da cidade...) é tornar a vida das pessoas melhor. O artigo aponta algumas considerações acerca da história da Economia Solidária e sua relação com a educação do campo diante da sociedade do capital. PALAVRAS-CHAVE: Educação; Economia Solidária; Educação do Campo. INTRODUÇÃO O panorama sob o qual se busca compreender a temática da Economia Solidária e Educação do Campo é dado pela sociedade dual, excludente, capitalista. José Luís Fiori, quando escreve Os moedeiros falsos desvela a hegemonia conquistada pelo liberalismo (ideologia em favor do capital), expõe os impactos da implantação da doutrina liberal nas políticas públicas, sobretudo, na América Latina e no Brasil. Segundo o autor supracitado não há nenhuma diferença entre o novo e o velho liberalismo. O liberalismo defende historicamente o livre mercado, a não intervenção estatal na economia. Para os intelectuais liberais, o Estado deve ser mínimo para as questões sociais e máximo para satisfazer os interesses mercadológicos. Os liberais são intransigentes na defesa ideológica do individualismo, onde a igualdade apresenta-se como um mero discurso e somente nas condições iniciais de oportunidades. Pois, segundo suas convicções são as competências de cada indivíduo que promovem as desigualdades sociais. 1 Professor de História e Filosofia. Mestre em Educação pela UNIOESTE. Professor do curso de Especialização em Educação do Campo, CTESOP. E-mail: [email protected]

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A RELEVÂNCIA DA ECONOMIA SOLIDÁRIA E DA EDUCAÇÃO DO CAMPO

Hélio Clemente Fernandes1

RESUMO: A partir do entendimento de José Luís Fiori, quando escreve Os moedeiros falsos,

percebe-se que a hegemonia conquistada pelo liberalismo implicou em consequências para as políticas

públicas na América Latina e no Brasil. Perante as crises do capital e todas as mazelas oriundas deste

modo de produção vigente, intenta-se apontar algumas considerações sobre a relevância da Economia

Solidária e da educação do campo na construção de alternativas que possam viabilizar uma nova

sociedade. Essa reflexão ao tentar aproximar-se dos pressupostos do materialismo histórico dialético,

enseja contribuir com os trabalhadores que sobrevivem na lida do campo. Afinal, a finalidade primeira

da educação (seja do campo, da cidade...) é tornar a vida das pessoas melhor. O artigo aponta algumas

considerações acerca da história da Economia Solidária e sua relação com a educação do campo diante

da sociedade do capital.

PALAVRAS-CHAVE: Educação; Economia Solidária; Educação do Campo.

INTRODUÇÃO

O panorama sob o qual se busca compreender a temática da Economia Solidária e

Educação do Campo é dado pela sociedade dual, excludente, capitalista. José Luís Fiori,

quando escreve Os moedeiros falsos desvela a hegemonia conquistada pelo liberalismo

(ideologia em favor do capital), expõe os impactos da implantação da doutrina liberal nas

políticas públicas, sobretudo, na América Latina e no Brasil. Segundo o autor supracitado não

há nenhuma diferença entre o novo e o velho liberalismo. O liberalismo defende

historicamente o livre mercado, a não intervenção estatal na economia. Para os intelectuais

liberais, o Estado deve ser mínimo para as questões sociais e máximo para satisfazer os

interesses mercadológicos.

Os liberais são intransigentes na defesa ideológica do individualismo, onde a

igualdade apresenta-se como um mero discurso e somente nas condições iniciais de

oportunidades. Pois, segundo suas convicções são as competências de cada indivíduo que

promovem as desigualdades sociais.

1 Professor de História e Filosofia. Mestre em Educação pela UNIOESTE. Professor do curso de

Especialização em Educação do Campo, CTESOP. E-mail: [email protected]

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Assim sendo, num contexto de ultraliberalismo2 onde temos o avanço do capital contra

o trabalhador, emerge a relevância da Economia Solidária e da educação, entre elas a

Educação do Campo, que possa contribuir com a classe que vive do/e a partir do trabalho.

[...] É que este novo neoliberalismo aparece como uma vitória ideológica que abre portas e

legítima uma espécie de selvagem vingança do capital contra a política e contra os

trabalhadores. Isto acontece porque essa vitória neoliberal se dá logo após uma época em

que as políticas públicas e a luta dos trabalhadores conseguiram em conjunto construir uma

das obras institucionais que eu reputaria das mais complexas e impressionantes que a

humanidade conseguiu montar, e que foi o chamado Welfare state. E, portanto, é

contra esta obra, sobretudo, que hoje se insurge o fundamentalismo liberal (FIORI, 1997, p.

205).

Apesar das ideias de Hayek ganhar força nos anos 60 na academia norte-americana,

foi somente a partir dos anos de 1990 que isso vai influenciar a aplicação das políticas

econômicas na América Latina e no Brasil durante o governo Collor. Tudo isso acontece pela

via política e econômica.

Com o retorno do liberalismo quem perde é a classe trabalhadora. O liberalismo prega

o desmantelamento do sistema de proteção social no intuito de aumentar os postos de trabalho

(ideologia que visa enganar o trabalhador). Cresceu o desemprego e atualmente já não se tem

a mesma convicção de que a redução dos direitos sociais faz a retomada do crescimento.

No quadro atual, observa-se que os governos tornaram-se reféns da especulação do

mercado. O mundo globalizado ocorreu do ponto de vista financeiro. Os governos deixam

de investir em educação para salvarem bancos, grandes empresas, enfim, para salvar o

mercado que, por sua vez, força os governantes a votarem em favor deles. Tem-se, desta

forma, um Estado a serviço dos interesses econômicos. O espaço da política pública, nesta

esteira, encontra-se reduzido, fragilizado.

Neste panorama, onde a ideologia liberal afirma que com a diminuição das políticas

públicas ocorre a ampliação de ofertas de empregos o debate em torno da educação no campo

e da Economia Solidária é fundamental.

2 Contribui com o debate acerca da problemática conceitual concernente ao termo liberalismo os escritos do

professor Paulino José Orso Neoliberalismo: equívocos e consequências onde percebemos que o mais

apropriado é ultraliberalismo ao invés de neoliberalismo, pois se trata de um liberalismo aprimorado,

radicalizado, com poucas novidades.

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Quanto à Educação do Campo, pesquisas apontam o maior número dos excluídos da

sala de aula, morarem em espaços rurais. Assim, a Educação do Campo aproxima-se a

educação de Jovens e Adultos na luta para concretizar o direito de todos os seres humanos ao

acesso e permanência na realização dos estudos.

Feito estas considerações, destacamos que após a década de 80 intensificou-se o

desenvolvimento de inúmeros movimentos cooperativistas, associativos, solidários no Brasil e

no mundo. Estes fatos foram decisivos para a ampliação da temática em torno da economia

solidária. Nesta esteira, no âmbito da educação do campo, objetiva-se explicitar a relevância

da Economia Solidária e a Educação do Campo na sociedade do capital. Essa reflexão ao

tentar aproximar-se dos pressupostos do materialismo histórico dialético, enseja

contribuir com a ampliação da consciência de classe dos trabalhadores de modo geral e, em

específico, com os trabalhadores que reproduzem sua existência a partir do campo. Afinal, a

finalidade primeira da educação (seja do campo, da cidade...) é tornar a vida das pessoas

melhor. Que este estudo seja mais uma ferramenta capaz de propiciar aos trabalhadores:

consciência, realização e felicidade.

De modo dialético o homem ao trabalhar modificou a natureza e ao fazer isso se

modificou. Neste sentido, a economia solidária pressupõe modos também particulares de

interação de seus membros e entre estes e o meio externo. Destarte, de antemão, pode-se dizer

que a efetivação da Economia Solidária liga-se umbilicalmente a um novo homem, a uma

nova mulher. Ou seja, ela reclama um novo modo de gerir o econômico diferentemente do

que é reverenciado no modo de produção capitalista. A centralidade do capital cede seu

espaço para o ser humano. A acumulação individual de dinheiro é deslocada para o coletivo.

Neste contexto, o Estado é chamado constantemente a redefinir o seu papel na

esperança de dominar o indomável famigerado capital. Como regular um modo de produção

em que a crise é uma realidade premente? Com a queda da bolsa de Nova York (1929) temos

a recessão nos Estados Unidos da América. Tornou-se notória a crise do modelo Fordista e a

intervenção do Estado na economia que passou a ser conhecido como o Estado do Bem-

Estar-Social (Estado Providência). Nota-se que a partir da Revolução Industrial (1750) o

capitalismo industrial ganhou musculatura e passa-se a falar em proteção ao meio

ambiente, economia sustentável, economia solidária.

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Para a realização deste estudo, buscou-se dividi-lo em três partes: De início alguns

apontamentos sobre a história, a Economia Solidária e a educação; na sequência temos a

exposição da Economia Solidária na sociedade do capital; e, após, enfatiza-se um pouco sobre

a relevância de uma Educação para a solidariedade. Para finalizar, algumas considerações

finais são apresentadas.

A HISTÓRIA, A ECONOMIA SOLIDÁRIA E A EDUCAÇÃO

No Centro de Tradição Gaúcha (CTG), localizado no município de Cascavel/PR,

encontra-se a frase: “quem não cultiva a tradição morre de geração em geração”. A seu modo,

percebe-se a partir disso que a história é fundamental para o avanço do conhecimento entre os

seres humanos. Com o estudo do passado busca-se compreender o presente. Neste ato,

almeja-se projetar-se para a construção de um futuro promissor. Só quem sabe de onde veio,

pode saber onde está e, deste modo, saber para onde vai.

Convêm assinalar, ainda, as proposições de Karl Marx sobre a importância do estudo

da história para compreendermos a sociedade que vivemos.

Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem, não a fazem sob

circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas

e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um

pesadelo o cérebro dos vivos. E justamente quando parecem empenhados em

revolucionar-se a si e às coisas, em criar algo que jamais existiu, precisamente nesses

períodos de crise revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em seu auxílio os

espíritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos de guerra e as

roupagens, a fim de apresentar-se nessa linguagem emprestada (1977, p. 18).

Com base neste entendimento se registra os apontamentos de Noelle Marie Paule

Lechat, em palestra proferida na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) no ano de

2002 - durante o II Seminário de incubadoras tecnológicas de cooperativas populares - de que

é preciso analisar “quais são nossos pressupostos, nosso quadro conceitual e teórico,

como estamos construindo os conceitos de Economia Solidária, de incubadora tecnológica de

cooperativas populares etc” (LECHAT, 2002, p. 4). Portanto, o resgate da origem da

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Economia Solidária no mundo é importante na elucidação do que ocorre no Brasil nas suas

inúmeras regiões.

Do mesmo modo que o Rio Nilo (Egito) possui muitas nascentes também a

Economia Solidária é resultante de muitas implicações sociais. Obviamente, é impossível

explicitar neste espaço todas estas multiplicidades de condições que propiciaram a

solidificação da Economia Solidária e, sim, apresentar na atualidade algumas das

contribuições da Economia Solidária e da Educação do Campo que pode contribuir para

fortalecer a consciência dos trabalhadores acerca da necessidade da superação definitiva do

modo de produção capitalista.

A pesquisa historiográfica aponta que a Economia Solidária remonta o cooperativismo

proletário, referente às lutas de resistência após à Revolução Industrial dos meados do século

XVIII, especificamente nos séculos XIX e XX. Nesta esteira, inúmeras experiências foram

realizadas, fomentadas, especialmente por aqueles que foram considerados socialistas

utópicos, entre eles: Robert Owen (1771-1859), Carlos Fourier (1772-1837), Louis Blanc

(1811-1882). Com destaque para a Sociedade dos Pioneiros Equitativos de Rochdale (1844).

De acordo com Paul Singer “a economia solidária foi concebida pelos ‘utópicos’ como uma

nova sociedade que unisse a forma industrial de produção com a organização comunitária da

vida social” (2002, p. 115).

Depois de muitos anos de luta e embate entre capital e trabalho, constata-se que na

atualidade os trabalhadores encontram-se subjugados aos ditames das relações capitalistas.

Nesta perspectiva, afirma-se que o trabalhador é livre para trabalhar e receber o que o patrão

desejar pagar.

A partir da constatação da realidade de que o mundo do trabalho sofre com o avanço

do liberalismo e a crise do capital, destaca-se que a partir dos anos 80 surge no Brasil

experiências de Economia Solidária oriundas dos meios populares do campo e da cidade.

Entretanto, sua ampliação acontece após a década de 1990 onde alcança maior espaço e

reconhecimento em resposta ao avanço da ideologia do Estado mínimo para as questões

sociais e máximo para atender aos interesses da especulação capitalista. Para ocupar o vazio

deixado pelo Estado a Economia Solidária nasce como uma proposta de inclusão social, na

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tentativa de promover a geração de trabalho e distribuição de renda para o proletário e seus

familiares.

Em síntese a Economia Solidária é uma resposta:

[...] ao estrangulamento financeiro do desenvolvimento, à desregulação da economia e à

liberação dos movimentos do capital, que acarretam, nos diversos países, desemprego em

massa, fechamento de firmas e marginalização cada vez maior dos desempregados crônicos

e dos que sabem que não têm possibilidade de voltar a encontrar emprego, por causa da

idade, falta de qualificação ou de experiência profissional, discriminação de raça ou gênero

etc. (SINGER, 2003, p. 116-7).

Os interesses de quem almeja angariar fortunas, isto é, o interesse do capital,

decididamente, não coincide com o interesse do trabalho. Ao promover a concentração de

riquezas nas mãos de poucos em prejuízo da maioria. Na procura pela acumulação de capital

o capitalista não tem escrúpulos ao poluir o meio ambiente, desde que isso o coloque na

frente por um ano de seus concorrentes. Além disso, a lógica do capital ao ter como pilar a

divisão entre produção e consumo vive as crises da superprodução. De nada adianta a

produção se não houver para quem vender. Portanto, o modo de produção capitalista vive

crises cíclicas que ameaçam, no limite, a vida do ser humano e a própria terra. Diante disso, o

que fazer? A mudança por meio da revolução? Quebrar com o sistema elitista e colocar os

trabalhadores no poder?

As indagações são muitas e enquanto não se decide o que deve ser feito no âmbito da

prática, a Economia Solidária pode representar uma revolução silenciosa e gradual ao

promover empreendimentos autogestionados, o coletivismo e participação entre

trabalhadores que produzem e dividem o resultado da produção. Temos assim “uma

distribuição mais justa da renda e estimulando relações sociais de produção e consumo

baseadas na cooperação, na solidariedade e na satisfação e valorização dos seres humanos e

do meio ambiente” (MELLO, 2005, p. 152).

A Economia Solidária exige uma nova mentalidade, formas novas de relações sociais.

A Educação do Campo, numa relação dialética, contribui com a formação dos cidadãos

dispostos a partilhar, cooperar, solidarizar, trabalhar e juntos dividirem o resultado do

trabalho.

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A ECONOMIA SOLIDÁRIA NA SOCIEDADE DO CAPITAL

Após a Revolução Industrial a partir de 1750 a burguesia ganha musculatura e

definitivamente torna-se hegemônica economicamente e socialmente. A máquina a vapor, a

máquina de fiar, o trem são algumas das inovações que alavancaram o desenvolvimento do

sistema capitalista. Em

1789 a burguesia industrial é a principal interessada na Revolução Francesa suplantou

o antigo regime onde quem dominava era a nobreza feudal. A burguesia tal como uma

feiticeira revolucionou os meios de produção feudal ao introduzir novos meios de reprodução

social, porém perdeu o controle daquilo que produziu.

Assim sendo, se por um lado, critica-se que o socialismo pautado na teoria comunista

não se materializou em nenhum lugar, a mesma crítica volta- se ao capitalismo livre do

intervencionismo estatal que sem o Estado Capitalista não consegue manter-se por mais

uma semana. Por mais que seja difícil reconhecer a crítica marxista foi fundamental para o

capitalismo idealizar subterfúgios capazes de garantir sua perpetuação até os dias atuais.

A contradição é inerente ao modo de produção capitalista. Por isso, não causa espanto

as justificativas de que no Brasil os ideais burgueses de cidadania não foram concretizados,

uma vez que neste país não ocorreu a Revolução Francesa (burguesa) e, portanto, o país não é

considerado capitalista. Todavia, Ester Buffa, e outros intelectuais são contrários a essa

hipótese, pois:

O Brasil é um país capitalista, com uma indústria competitiva, inclusive

internacionalmente. Só que a realização do capitalismo, aqui, não se dá nos mesmos termos

em que ocorre na Europa. Aqui a realização do capital – que afinal é o sujeito do

capitalismo – se faz às custas da marginalização da maioria dos brasileiros. Então fica a

questão: como conseguir que, no limiar do século XXI, os brasileiros se transformem em

cidadãos? (BUFFA, 2002, p. 29).

Em relação ao fragmento em destaque, vale recordar das palavras de Dom Pedro

Casaldáliga de que “o capitalismo é intrinsecamente pecaminoso”. Uma vez pautado na

concorrência desenfreada, na lógica de concentração de riquezas este sistema alimenta a

própria ruína.

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Depois da crise do modelo Fordista, o Estado do Bem-estar-social (Providência) passa

a ser contestado duramente. O casamento entre os diversos interesses no jogo do mercado

com a presença do Estado regulador não conseguiu produzir as soluções necessárias para o

desenvolvimento social sustentável. Diante deste desafio, na academia, passa-se a discutir a

questão da redefinição do papel do Estado na sua função reguladora (LIPIETZ, 1991).

Perante este avanço do capital, do neoliberalismo, do Estado mínimo para as questões

sociais e máximo para o fortalecimento do Capital a sociedade civil é convocada a atuar,

se posicionar. As mazelas acarretadas pelo sistema concêntrico e excludente afronta aos

direitos constitucionais dos cidadãos. O distanciamento do Estado abre precedente e legitima

a atuação da denominada economia solidária nos mais diversos países. Sem olvidar dos

aspectos políticos, econômicos e sociais, o fato é que com toda força emerge inúmeras

organizações sociais solidárias que intentam sanar e, no pior das hipóteses, minimizar as

consequências de um sistema econômico onde a vida (valor fim) tornou-se um valor meio.

Essas organizações atuam em setores diversos, tais como saúde, educação,

transporte, lazer, desenvolvimento urbano, proteção do meio- ambiente, serviços

domésticos, alimentação, defesa de direitos, etc. e têm como objetivo comum a promoção

do interesse geral. Podem assumir também formas jurídicas e nomenclaturas

diferencias, já que seu surgimento está ligado à formação institucional e à dinâmica

presente em cada sociedade (ANDION, p. 82, 2005).

Estas entidades pautadas na economia solidária são uma tentativa de oferecer novas

possibilidades de organização social. Diferentemente do que acontece devido aos ditames do

capital, a economia solidária propõe a reciprocidade, domesticidade e a redistribuição dos

bens produzidos historicamente pelos homens (POLANYI, 1983). Trata-se de um empenho

na direção de produzir e partilhar riquezas.

Neste sentido, se escreve na atualidade, acerca da noção de economia plural no sentido

de uma economia que admite uma diversidade de formas de produção e distribuição do

dinheiro arrecadado entre os integrantes da organização solidária. O trabalho realizado

coletivamente gera recursos materiais que são partilhados entre todo o grupo. Este modo de

proceder se permite alternativas ao caos provocado pelo modo de produção capitalista que

concentra riquezas nas mãos de uma minoria em detrimento da maioria. Além disso, “permite

ampliar o olhar sobre o econômico para além da visão dominante, que reduz seu significado à

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ideia de economia de mercado, permitindo, ainda, perceber certas singularidades, próprias às

práticas de economia solidária” (FRANÇA FILHO, p. 159).

A concentração de riquezas proporcionada pela economia de mercado é o ponto fraco

- tendão de Aquiles - do sistema capitalista. A propriedade privada no capitalismo é o

sumo bem, é um bem inestimável, intocável. O proprietário dos meios de produção encontra-

se numa situação privilegiada em relação aos que somente possuem a força de trabalho para

vender e, assim, garantir sua sobrevivência. Nesta esteira, Paul Singer afirma que “a economia

solidária pode ser pensada como um modo de produção ideado para superar o capitalismo”

(SINGER, 2005, p. 13).

Na sociedade do capital a preocupação com a valorização e acumulação de riquezas

empurra os seres humanos para a marginalidade. É um sistema que se alimenta de crises onde

quem paga a conta é sempre a classe trabalhadora. Por isso, a urgência da construção de uma

economia (do grego oikos + nomos = administração da casa, num sentido literal) que tenha

como finalidade cuidar bem da casa, do mundo. Uma economia capaz de

providenciar tudo que é necessário para que a vida seja abundante e para todos os habitantes.

Neste sentido a Economia solidária implica no produzir voltado para atender e satisfazer as

necessidades dos seres humanos. A Economia solidária associa-se a produção, comércio e

consumo (de modo equilibrado, com interação entre ambos). A prioridade são as pessoas e

não a voracidade infinita do capital. Por isso, ela pode ser a alternativa para a construção de

uma sociedade “onde cada um produz conforme a possibilidade e retira conforme a

necessidade”.

Esta assertiva nos leva a compreender a relevância da Economia Solidária como

promotora de uma educação que almeja formar estudantes capazes de ocuparem funções

de administradores, de gestores de empreendimentos pautados na compreensão da

propriedade dos meios de produção enquanto de interesse do social, da coletividade. Uma

educação livre das prisões do individualismo, voltada para o ser humano que se realiza na

interação recíproca com o seus semelhantes. A cooperação supera a competição. O lado

comunitário tem preponderância diante do individual. A educação meramente livresca, teórica

cede lugar a Educação da Práxis. Em outras palavras, a teoria precisa vir junto com a prática.

Busca-se, desta forma, romper com a cisão dicotômica entre teoria e prática. Uma educação

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para aprimorar práticas conscientes de solidariedade, de cooperação, de participação

entre pessoas com objetivos afins. Por isso, numa Educação da Práxis no momento do ensino-

aprendizagem se revela as relações de respeito e reciprocidade entre o professor e o

educando, entre professores e estudantes. A centralidade é o conhecimento construído em

comunhão entre o professor e os estudantes que se apropriam do que fora produzido

historicamente e juntos reelaboram e constroem o saber. Portanto, o docente não é o dono da

verdade, do dogma que transmite aos estudantes. Nem tão pouco um doutrinador de uma

verdade revelada e imutável. Pelo contrário, é um professor solidário, que dialoga e enfrenta

as dificuldades do saber juntamente com seus estudantes, companheiros de estudo. Para

Marcos Arruda:

Essa educação integra de maneira dinâmica e complementar o ato de conhecer o ato de

trabalhar. Mas ela não se limita aos jovens e adultos trabalhadores. Pretende implantar-se

igualmente no sistema escolar das crianças e adolescentes. Reconceber a educação escolar

na perspectiva da Economia Solidária implica introduzir nos programas de ensino-

aprendizagem a “alfabetização” em Filosofia da Libertação e em Economia Solidária

(2005, p. 37).

Por isso tudo, pode-se dizer que o processo educacional na Economia Solidária é

fundamental. Pois, ela vai contra a lógica do capital que se configura hegemônico nas

mentalidades. Na Economia Solidária não existe empregado, nem patrão, pois o que há

são grupos de autogestão3. O consumismo desenfreado sucumbe diante do consumo

responsável e consciente. Deste modo, favorece o cultivo de produtos saudáveis e a

sustentabilidade do desenvolvimento econômico. Enfim, com sua política de distribuição de

bens ocorre uma mudança social, sem concentração de riquezas, fortunas.

Assim sendo, a Economia Solidária é desafiada a edificar mecanismos que sirvam

como alternativa ao capitalismo com suas consequências nefastas. Neste mote, precisa

encontrar meios para fortalecer a viabilidade de grupos de solidariedade e, sendo assim é

essencial que invista na educação em prol de uma mentalidade cultural solidária. Tencionar o

Estado capitalista para que invista em políticas públicas contribui para que os desafios sejam

superados.

3 As decisões são realizadas com base na participação da coletividade, de modo democrático e compartilhado.

Não há o dono dos meios de produção que determina hierarquicamente.

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EDUCAÇÃO DO CAMPO E SOLIDARIEDADE

A Economia Solidária ao caracterizar-se enquanto um conjunto de ações econômicas

onde a poupança, o crédito, a produção, distribuição e consumo, centrado na dignidade da

pessoa, do trabalhador, do ser humano. Ao organizar-se dentro dos princípios da

solidariedade, de modo coletivo e com base na autogestão, a Economia Solidária apresenta-se

como uma alternativa para a superação do capitalismo.

Percebe-se que a Economia Solidária implica em valores que diferem do propalado

pela Indústria Cultural do sistema capitalista. Faz-se oportuno, então, uma educação que

produza a contra hegemonia. Somente por meio do processo educativo a Economia solidária

se firma, pois depende da autogestão e de trabalhadores e trabalhadoras que compartilham do

mesmo ideal que pressupõe a solidariedade ao invés da competição desenfreada

(ASSEBURG; ORGANDO, 2006). Trata-se do resistir ao imperioso e famigerado capital, por

meio da construção de um novo projeto de organização social, política, onde a relação entre

mulheres e homens será de reciprocidade e comunhão. Neste não haverá patrão e empregados,

explorador e explorados, quem só manda e quem só obedece.

Para uma nova economia embasada pela solidariedade é essencial o novo homem,

educado segundo os preceitos da partilha ao invés do acumulo, da divisão em detrimento da

concentração de riquezas. Com este objetivo “a escola é o instrumento para elaborar os

intelectuais de diversos graus” (GRAMSCI, 1978, p. 347) e, sendo assim, deve estar a

serviço da educação do campo, da economia solidária. Ao cumprir essa função colabora com

a construção de uma sociedade onde a centralidade é o ser humano, o sujeito emancipado.

No âmbito de estudos organizacionais a economia solidária apresenta- se como um

desafio para os intelectuais. Ela impõe aos estudiosos a relevância de construção,

desconstrução e reconstrução do referencial teórico capaz de aproximar-se da explicitação da

pedagogia referente ao campo. “A construção de um paradigma próprio de análise institui-se,

assim, como condição fundamental para pesquisas em gestão dos empreendimentos

solidários” (COSTA, CARRION, 2009, p. 66).

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De acordo com Antônio Gramsci “cada grupo social, nascendo sobre o terreno

originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo

tempo e organicamente, um ou mais grupos de intelectuais” (1978, p. 343). Estes fazem a

reflexão que se encontra em estreita ligação como interesses de classe. Não existem teorias

neutras. O isentar-se de tomar uma posição nos embates é em si uma tomada de

posição na sociedade em que o forte explora e maltrata o fraco.

De modo específico, a Economia Solidária insere-se em atividades econômicas

voltadas para produção de bens, financiamentos, prestação de serviços, comércio justo e

consumos solidários. A Economia Solidária finalidade precípua das cooperativas,

associações, empresas de autogestão, redes solidárias, grupos solidários, clubes de troca é a

socialização do que fora produzido pelos membros cooperadores entre pares. Ao colocar o ser

humano na centralidade a Economia Solidária rivaliza com o modo de organização vigente

que prioriza o lucro a qualquer custo.

Numa sociedade assim, pautada na concentração de riquezas, marcada pela crise

decorrente da falta de conexão entre produção e consumo, em hipótese alguma interessa ao

capital a socialização do saber. Dito de outro modo, não é conveniente que os trabalhadores se

apropriem do conhecimento historicamente construído pela humanidade. A socialização do

saber que emancipa e humaniza o ser humano é uma contradição na sociedade onde tudo

tende a ser uma mercadoria em função do capital.

A desqualificação da escola, por diferentes mecanismos aqui apenas referidos, constitui-se,

ao lado dos mecanismos inseridos no próprio processo produtivo, numa forma sutil e

eficaz de negar o acesso aos níveis mais elevados de saber à classe trabalhadora. Esta

negação, por sua vez, constitui-se numa das formas de mantê-la marginalizada das decisões

que balizam o destino da sociedade (FRIGOTTO, 1989, p. 179).

Em partes, a citação da passagem contribui para entendermos o fato de muitos

educadores, professores afirmarem que: “para o sistema, quando a escola não funciona, então

ela está no caminho certo”. Portanto, uma escola ao trabalhar os conteúdos, ao propiciar a

socialização do conhecimento torna-se revolucionária, um sinal de contradição na

sociedade dual onde quem é detentor dos meios de produção manda e a maioria, que são os

trabalhadores, obedece. Em tese e na maioria das vezes, quem só possui a força de trabalho

são pagos para trabalhar e não para pensar. Destarte a luta por uma escola pública (com

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qualidade, gratuita, universal) para os filhos dos trabalhadores representa na sociedade dual

uma contradição. Nossa aposta é que ao ampliarmos os valores que embasam a Economia

Solidária possamos acirrar ainda mais as contradições intrínsecas ao capitalismo e construir o

novo a partir do velho. Uma revolução lenta e gradual onde a educação ocupa papel precípuo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na academia, em simpósios, seminários, palestras, é comum a crítica ao modo de

produção capitalista. Debate-se exaustivamente acerca da exploração do trabalhador, da

desigualdade social, das crises provocadas pelas falhas inerentes à lógica do capitalismo que

concentra riqueza. Diante disso: o que fazer? Como produzir o contrário para que a crítica

marxista não fique somente no plano das ideias, do mundo metafísico?

As indagações são abundantes e as respostas parciais não resolvem. Ao final do

manifesto comunista Karl Marx e F. Engels apresentam o caminho para a superação da lógica

na qual a vida encontra-se subjulgada ao capital ao conclamarem: “Trabalhadores do mundo

inteiro, uni-vos!”. Sim, mas passou-se muito tempo e continua o dilema: Como fazer para unir

a classe trabalhadora, aqueles que somente possuem o trabalho para viver?

A intelectualidade da esquerda aponta que a Economia Solidária não rompe com a

lógica do capital. Do contrário, ao buscar humanizar o capitalismo (desumano em essência)

fornecem subsídios para que ele ganhe fôlego e se perpetue por um pouco mais de tempo.

Todavia, enquanto a propalada revolução que irá por fim ao capitalismo insano, nos

colocamos favoráveis ao desenvolvimento de mecanismos que promovam uma economia

pautada na solidariedade, centrada no homem, que tencione em favor da produção e

distribuição das riquezas de modo justo. Nesse propósito, a Economia Solidária e a

Educação do campo são ferramentas indispensáveis para a promoção de uma nova

sociedade.

Ao escrever sobre Pedagogia da Terra: novos ventos na universidade, Lisete R. G.

Arelaro almeja a construção de “uma sociedade que seja mais democrática e menos desigual”

(2005, p. 45).

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Portanto, considera-se uma conquista a Pedagogia do Campo inserida nas Instituições

de Ensino Superior pelo Brasil afora. O processo de formação é indispensável para o

acirramento das contradições do capitalismo. Uma Revolução lenta e gradual.

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