A Repercussao GA REPERCUSSÃO GERAL DOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS E A OBJETIVAÇÃO DO CONTROLE CONCRETO DE CONSTITUCIONALIDADEeral Clarissa

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A repercussão geral foi criada como mais um requisito de admissibilidade dorecurso extraordinário. Com isso, alterou-se não apenas o próprio trâmite recursal, mastambém a feição do controle de constitucionalidade no Brasil, pois a repercussão geralintroduz elementos do processo objetivo no recurso extraordinário.

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  • A REPERCUSSO GERAL DOS RECURSOS EXTRAORDINRIOS E A OBJETIVAO

    DO CONTROLE CONCRETO DE CONSTITUCIONALIDADE

    Clarissa Teixeira Paiva

    Procuradora Federal e especialista em Direito Constitucional

    RESUMO: A repercusso geral foi criada como mais um requisito de admissibilidade do

    recurso extraordinrio. Com isso, alterou-se no apenas o prprio trmite recursal, mas

    tambm a feio do controle de constitucionalidade no Brasil, pois a repercusso geral

    introduz elementos do processo objetivo no recurso extraordinrio. O objetivo deste

    estudo, portanto, analisar todas as alteraes inseridas com a criao da repercusso

    geral e demonstrar em que medida esse novo instituto contribui para o processo de

    objetivao do controle concreto, que vem ocorrendo gradativamente nos ltimos anos.

    Para tanto, foi utilizada pesquisa bibliogrfica e jurisprudencial, com abordagem atravs

    do mtodo dedutivo, e coleta de dados pela documentao indireta. Desta forma,

    constatou-se que a repercusso geral aproxima o recurso extraordinrio do controle

    abstrato em dois pontos principais: primeiro, com a prpria exigncia de que a questo

    constitucional seja relevante e transcendente ao interesse subjetivo das partes, e,

    segundo, pela existncia de efeito vinculante em todas as decises proferidas pelo STF

    no julgamento dos recursos extraordinrios. Essas caractersticas da repercusso geral,

    juntamente com outras mudanas legislativas e jurisprudenciais, diminuem as diferenas

    entre o controle concreto e o abstrato, principalmente por atribuir efeitos gerais s

    decises do STF, independentemente da modalidade de controle.

    PALAVRAS-CHAVE: Repercusso Geral. Recurso Extraordinrio. Controle de

    Constitucionalidade.

    SUMRIO: 1 Introduo; 2 A repercusso geral dos

    recursos extraordinrios; 3 A objetivao do controle

    concreto de constitucionalidade; 4 Concluso;

    5 Referncias.

    1 INTRODUO

    A repercusso geral foi criada pela Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro

    de 2004. Posteriormente, foi regulamentada pela Lei n. 11.418, de 19 de dezembro de

    2006, a qual inseriu os artigos 543-A e 543-B no Cdigo de Processo Civil, e tambm

    pela Emenda Regimental n. 21, de 30 de abril de 2007, a qual alterou o Regimento

    Interno do Supremo Tribunal Federal (STF).

    Com a criao da repercusso geral, o recurso extraordinrio ganha mais um

    requisito de admissibilidade e o STF passa a ter o poder de selecionar para julgamento

    apenas questes constitucionais relevantes e abrangentes. Trata-se de uma alterao

    significativa no trmite do recurso extraordinrio, o qual passa a ter uma nova feio

    inclusive como instrumento do controle de constitucionalidade concreto.

    So grandes as expectativas em torno da aplicao da repercusso geral, pois se

    espera que esse novo instituto gere resultados positivos para a jurisdio constitucional

    brasileira. ntido que a repercusso geral foi criada com o objetivo principal de firmar o

    STF como corte constitucional, pois a apreciao restrita a matrias relevantes que

    extrapolem o interesse das partes pretende livrar o STF do papel de mera instncia

    recursal. Reflexamente, a repercusso geral tambm pretende reduzir gradativamente a

    quantidade de recursos extraordinrios, o que contribuir para a celeridade e eficincia

  • 2

    da prestao jurisdicional. So pretenses muito ambiciosas para um mero requisito de

    admissibilidade recursal, mas, caso as expectativas se confirmem, a repercusso geral

    ser um marco na histria do Direito Constitucional brasileiro.

    A repercusso geral se destaca tambm como um mecanismo de grande

    importncia dentro do controle de constitucionalidade. O recurso extraordinrio pode no

    ser o nico, mas o principal meio de exerccio do controle de constitucionalidade difuso,

    pois atravs dele que se obtm o mais amplo acesso ao STF. A exigncia da

    repercusso geral, todavia, altera o papel do recurso extraordinrio, pois ela representa

    a insero de elementos do processo objetivo no controle de constitucionalidade

    concreto.

    primeira vista, causa estranheza a exigncia de repercusso geral no controle

    concreto. A necessidade da demonstrao de questes transcendentes aos interesses das

    partes induz a uma identificao automtica com o controle abstrato de

    constitucionalidade, por se tratar de uma caracterstica prpria do processo objetivo.

    Todavia, essa mudana de paradigma aparentemente contraditria compatvel com a

    nova realidade do controle de constitucionalidade no Brasil.

    Nesse contexto, o objetivo deste estudo analisar a contribuio da repercusso

    geral para a tendncia da objetivao do controle concreto de constitucionalidade.

    Entendimentos jurisprudenciais e alteraes legislativas ocorridas nos ltimos 10

    anos apontam para a existncia de uma tendncia de se introduzir elementos do

    processo objetivo no controle concreto, aproximando-o do controle abstrato. Da a o uso

    do termo objetivao do controle concreto em referncia ao uso de elementos do processo objetivo em processos nos quais as questes constitucionais so discutidas em

    um contexto subjetivo, regido por regras processuais comuns. Assim, o que antes eram

    caractersticas prprias do controle abstrato agora tambm podem ser observadas no

    controle concreto.

    Por isso, relevante demonstrar em que medida a repercusso geral vem

    contribuindo para a objetivao do controle concentrado e como esse fenmeno est

    relacionado ao fortalecimento do STF como Corte Constitucional.

    2 A REPERCUSSO GERAL DOS RECURSOS EXTRAORDINRIOS

    2.1 Introduo da Repercusso Geral no Direito Brasileiro

    A repercusso geral foi criada pela Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro

    de 2004, que inseriu o 3 ao art. 102 da Constituio, o qual traz a seguinte redao:

    No recurso extraordinrio o recorrente dever demonstrar a repercusso geral das questes constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admisso do recurso, somente podendo recus-lo pela manifestao de dois teros de seus membros.

    Como se pode notar, trata-se de norma constitucional de eficcia limitada, j que

    foi prevista a necessidade de regulamentao por meio de lei ordinria. Por isso, a

    repercusso geral s passou a ser exigida depois que foi regulamentada pela Lei n.

    11.418, de 19 de dezembro de 2006, a qual inseriu os artigos 543-A e 543-B no CPC, e

    pela Emenda Regimental n. 21, de 30 de abril de 2007, a qual alterou o Regimento

    Interno do STF.

    Assim, embora tenha sido introduzida pela EC n. 45/04, a repercusso geral s

    pde ser aplicada com a entrada em vigor da ER n. 21/07, em 3 de maio de 2007, mais de dois anos depois da sua criao1. A partir dessa data, todos os recursos

    extraordinrios devero conter uma preliminar de repercusso geral, em que o

    recorrente dever convencer o STF da existncia de questes relevantes do ponto de

    1 Questo de Ordem no AI n. 664.567.

  • 3

    vista econmico, poltico, social ou jurdico, que ultrapassem os interesse subjetivos da

    causa (art. 543-A, 1 do CPC).

    Parte da doutrina, ao questionar o significado de repercusso geral, afirma tratar-se de conceito vago e indeterminado2, o qual demanda interpretao caso a caso pelo STF.

    Apesar disso, possvel estabelecer previamente alguns parmetros de interpretao que

    possam orientar a anlise feita pelo STF, tal como fez JOS MIGUEL GARCIA MEDINA, ao

    afirmar que repercusso geral significa a existncia de relevncia que transcende o caso concreto, revestindo-se de interesse geral.3 CARREIRA ALVIM, por sua vez, ressalta que, embora a repercusso tenha que ser geral, isso no significa deva ser, necessariamente, de mbito nacional, podendo ser regional e, at mesmo, local, pois, na opinio dele:

    Seria inconcebvel vedar o recurso extraordinrio a uma questo constitucional pelo fato de ter expresso local, quando at mesmo a validade de lei local contestada em face de lei federal, que tambm uma questo constitucional, foi deslocada para o mbito do art. 102, III, d, da Constituio

    4.

    Alguns exemplos do que seriam questes relevantes do ponto de vista econmico, poltico, social ou jurdico j podem ser retirados da lista de recursos com repercusso geral, j apreciados pelo STF. Questes com reflexos econmicos seriam as que detm

    um potencial multiplicador de aes, tais como casos envolvendo reajustes de

    remunerao de servidores pblicos5. A repercusso poltica pode ser verificada em casos

    que envolvam cobrana de contribuies especiais, como a de iluminao pblica6 e o

    seguro apago7, ou ainda em relao ao controle de constitucionalidade do processo

    legislativo.8 Do ponto de social, podem ser considerados casos que envolvam a

    concesso de benefcio assistencial9 e servios de sade pblica10. E, quanto relevncia

    jurdica, so consideradas com repercusso geral questes envolvendo regras

    processuais, como a fixao de jurisdio e competncia11. Todavia, preciso ressaltar

    que as questes no se enquadram necessariamente em apenas um dos aspectos

    previstos na lei, pois uma questo pode ser considerada relevante em mais de um ponto

    de vista.

    2 Nesse sentido: AURELLI, Arlete Ins. Repercusso Geral como Requisito de Admissibilidade do Recurso Extraordinrio. Revista de

    Processo. So Paulo: Revista dos Tribunais, ano 32, n. 151, set. 2007. p. 147; ARAJO, Jos Henrique Mouta. A Eficcia da Deciso

    Envolvendo a Repercusso Geral e os Novos Poderes dos Relatores e dos Tribunais Locais. Revista de Processo. So Paulo: Revista dos Tribunais, ano 32, n. 152, out. 2007. p. 185; ALVIM, J. E. Carreira. Alguns Aspectos dos Recursos Extraordinrio e Especial na Reforma

    do Judicirio (EC n. 45/2004). In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Reforma do Judicirio: Primeiros Ensaios Crticos Sobre a

    EC n. 45/2004. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 325; MEDINA, Jos Miguel Garcia. WAMBIER, Luiz Rodrigues. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Repercusso Geral e Smula Vinculante: Relevantes Novidades Trazidas pela EC. n. 45/2004. In:

    WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Reforma do Judicirio: Primeiros Ensaios Crticos Sobre a EC n. 45/2004. So Paulo: Revista

    dos Tribunais, 2005. p. 374.

    3 MEDINA, Jos Miguel Garcia. Variaes Recentes Sobre os Recursos Extraordinrio e Especial Breves Consideraes. In: FUX, Luiz,

    NERY JNIOR, Nelson, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Processo e Constituio: Estudos em Homenagem ao Professor Jos Carlos Barbosa Moreira. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 1058.

    4 ALVIM, J. E. Carreira. Alguns Aspectos dos Recursos Extraordinrio e Especial na Reforma do Judicirio (EC n. 45/2004). In:

    WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Reforma do Judicirio: Primeiros Ensaios Crticos Sobre a EC n. 45/2004. So Paulo:

    Revista dos Tribunais, 2005. p. 325.

    5 Servidor Pblico Civil. Reajustes de Remunerao, Proventos ou Penso. ndice da URV Lei 8.880/1994. ndice de 11,98% (RE 561836)

    6 Contribuio de Iluminao Pblica (RE 573675).

    7 Seguro Apago (Lei 10.438/02) (RE 576189).

    8 Processo Legislativo (RE 570392).

    9 Benefcio Assistencial, art. 203,V CF/88 (RE 567985).

    10 Tratamento Mdico-Hospitalar e/ou Fornecimento de Medicamentos (RE 566471).

    11 Competncia (RE 567454 e RE 573202).

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    Sobre a natureza jurdica da repercusso geral, a maioria da doutrina, bem como o

    STF12, entende que se trata de requisito de admissibilidade do recurso extraordinrio.

    Para LUIZ GUILHERME MARINONI e DANIEL MITIDIERO, a repercusso geral um

    requisito intrnseco de admissibilidade, pois est relacionada existncia, ou no, do

    poder de recorrer, assim como o interesse recursal, a legitimidade, a inexistncia de fato

    impeditivo do direito de recorrer e, ainda, o enfrentamento da questo constitucional, no

    caso especfico do recurso extraordinrio13.

    Embora se atribua natureza poltica repercusso geral14, em relao ao poder de

    seleo das causas pelo STF, inegvel a natureza processual do instituto, pois se trata

    de requisito prvio anlise do mrito recursal. Ademais, a obrigatoriedade de

    motivao da deciso e o acesso livre s sesses de julgamento so caractersticas que

    asseguram a natureza jurdica da repercusso geral.

    A anlise da repercusso geral competncia exclusiva do STF. Embora o tribunal

    ou a turma de origem tenham atribuio para realizar juzo de admissibilidade do recurso

    extraordinrio, essa anlise, todavia, no pode ser estendida quanto existncia de

    repercusso geral da questo constitucional. O que o juzo de origem poder fazer

    apenas a anlise normal dos requisitos de admissibilidade e a verificao da presena, ou

    no, da preliminar de repercusso geral. A nica hiptese em que o juzo a quo poder

    negar seguimento a um recurso em razo da repercusso geral quando for verificada a

    ausncia da preliminar.

    A parte recorrente dever, portanto, convencer os Ministros do STF quanto

    existncia de repercusso geral da questo constitucional suscitada. Da forma como o

    instituto foi concebido, entende-se existir uma presuno em favor da presena de

    repercusso geral em todos os recursos extraordinrios, pois, mesmo se a minoria dos

    ministros for a favor, o recurso ser admitido e julgado. Isso porque o 3 ao art. 102 da

    Constituio prev que o recurso s pode ser rejeitado pela ausncia de repercusso

    geral em conseqncia do voto de pelo menos dois teros dos seus membros. Ademais, o

    2 do art. 543-A do CPC j prev a presuno de repercusso geral sempre que o recurso impugnar deciso contrria a smula ou jurisprudncia dominante do Tribunal.

    O CPC e o RISTF trazem regulamentao especfica quanto repercusso geral nos

    casos de multiplicidade de recursos com fundamento em idntica controvrsia. Nesses

    casos, o tribunal ou a turma de origem devero selecionar um ou mais recursos

    representativos da controvrsia, os chamados recursos paradigma15, e os demais ficaro

    sobrestados (art. 543-B, 1, do CPC). Se a deciso do STF for pela inexistncia de

    repercusso geral, todos os recursos restaro automaticamente no admitidos (2). Na

    hiptese contrria, o juzo de origem poder se retratar, alterando o julgamento do

    acrdo recorrido, no caso de provimento do recurso paradigma; ou declarar

    prejudicados os recursos sobrestados, caso o acrdo seja mantido pelo STF (3).

    De acordo com estudo realizado pelo Gabinete Extraordinrio de Assuntos

    Institucionais do STF16, as finalidades da repercusso geral so: a) firmar o papel do STF

    12

    Supremo Tribunal Federal, Gabinete Extraordinrio de Assuntos Institucionais. Repercusso Geral no Recurso Extraordinrio. Posio:

    Dezembro de 2007. Disponvel em: . Acesso em: 10 mar. 2008.

    13 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercusso Geral no Recurso Extraordinrio. So Paulo: Revista dos Tribunais,

    2007. p. 32.

    14 Nesse sentido: ARAJO, Marcelo Labanca Corra de; BARROS, Luciano Jos Pinheiro. O estreitamento da via difusa no controle de

    constitucionalidade e a comprovao da repercusso geral nos recursos extraordinrios. Disponvel em:

    . Acesso em: 8 abr. 2008 e; YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de Oliveira. A Repercusso Geral do Recurso Extraordinrio: Uma Volta ao Passado? So Paulo:

    Revista Dialtica de Direito Processual, n. 53, agosto, 2007.

    15 ARAJO, Jos Henrique Mouta. A Eficcia da Deciso Envolvendo a Repercusso Geral e os Novos Poderes dos Relatores e dos

    Tribunais Locais. Revista de Processo. So Paulo: Revista dos Tribunais, ano 32, n. 152, out. 2007. p. 191.

    16 Supremo Tribunal Federal, Gabinete Extraordinrio de Assuntos Institucionais. Repercusso Geral no Recurso Extraordinrio.

    Posio: Dezembro de 2007. Disponvel em:

  • 5

    como Corte Constitucional e no como instncia recursal; b) ensejar que o STF s analise

    questes relevantes para a ordem constitucional, cuja soluo extrapole o interesse

    subjetivo das partes e; c) fazer com que o STF decida uma nica vez cada questo

    constitucional, no se pronunciando em outros processos com idntica matria.

    A preocupao em firmar o STF como Corte Constitucional , provavelmente, a

    principal tarefa da repercusso geral. Isso porque a reduo dos julgamentos apenas a

    casos de repercusso geral e a necessidade de o Tribunal se pronunciar apenas uma vez

    em recursos mltiplos com fundamento em idntica controvrsia tm como finalidade

    valorizar a competncia do STF. Com a repercusso geral, limita-se o acesso tanto pela

    seleo do que merece ser julgado pelos Ministros, quanto pela atribuio de efeito

    transcendente aos fundamentos determinantes das decises, o que tem o poder de

    vincular os rgos Judicirios inferiores. Com isso, a expectativa de diminuio do

    volume de recursos que chega at o Tribunal.

    2.2 Repercusso Geral X Argio de Relevncia

    A repercusso geral tem sido comparada pela doutrina com a argio de

    relevncia (EC n. 7/77), a qual vigorou no Brasil at a Constituio de 1988. Embora

    existam algumas semelhanas entre os dois institutos, as diferenas so muito mais

    perceptveis17.

    A argio de relevncia, tal como a repercusso geral, ensejava uma certa triagem na admisso dos recursos extraordinrios, barrando-os em funo da matria ou

    da alada18, mas nesse ponto apenas que os dois institutos se aproximam.

    De acordo com LUIZ GUILHERME MARINONI e DANIEL MITIDIERO, a argio de

    relevncia e a repercusso geral se diferenciariam nos prprios conceitos. Enquanto a

    primeira estaria principalmente focada no conceito de relevncia, a segunda exigiria, alm da relevncia, a transcendncia da questo constitucional debatida.

    A argio de relevncia era exigida para na interposio do recurso extraordinrio,

    mas ela era referente apenas questo federal. Na poca em que a argio de

    relevncia foi criada, ainda no existia o STJ e o recurso extraordinrio servia tanto para

    a proteo das leis federais quanto da Constituio. Portanto, no era exigida a argio

    de relevncia quanto s questes constitucionais19.

    A anlise da argio de relevncia era feita de forma mais precria em relao

    repercusso geral. Primeiro, porque as decises do STF no precisavam de motivao20

    e, depois, porque os julgamentos eram sigilosos. O julgamento era realizado pelo Tribunal Pleno, reunido em Conselho, sem a presena das partes e de seus advogados, publicando-se o resultado no Dirio de Justia da Unio apenas com a indicao

    acolhida ou no acolhida21.

    As lembranas da argio de relevncia no so as melhores, pois, conforme

    aponta RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, a discricionariedade no processo de seleo,

    Geral.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2008.

    17 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercusso Geral no Recurso Extraordinrio. So Paulo: Revista dos Tribunais,

    2007. p. 30.

    18 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A Realidade Judiciria Brasileira e os Tribunais da Federao STF e STJ: Inevitabilidade de

    Elementos de Conteno dos Recursos a Eles Dirigidos. In: FUX, Luiz, NERY JNIOR, Nelson, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Processo e Constituio: Estudos em Homenagem ao Professor Jos Carlos Barbosa Moreira. So Paulo: Revista dos

    Tribunais, 2006. p. 1076.

    19 YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de Oliveira. A Repercusso Geral do Recurso Extraordinrio: Uma Volta ao Passado?

    So Paulo: Revista Dialtica de Direito Processual, n. 53, agosto, 2007. p. 46 e 47.

    20 MANCUSO, op. cit.

    21 YOSHIKAWA, op. cit.

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    aliada ao reduzidssimo nmero de argies acolhidas, contribuiu para que a classe dos

    advogados se opusesse ao sistema.22

    Portanto, para que no seja feita injustia repercusso geral, aconselhvel que

    se evite falar que ela representa a volta da argio de relevncia, j que os dois

    institutos so muito diferentes.

    2.3 A Inspirao Norte-Americana do Petition for Certiorari

    A repercusso geral teve como inspirao institutos como a petition for certiorari do

    direito norte-americano. Quando a parte no est satisfeita com a deciso proferida por

    uma Corte inferior, previsto recurso Suprema Corte, a qual s aceitar julgar o

    pedido se nele estiver contida questo de ampla relevncia que merea ser analisada. A

    cada ano, a Suprema Corte inicia seus trabalhos analisando todas as petitions for

    certiorari, entre as quais sero escolhidos os casos que sero julgados ao longo do ano.

    A repercusso geral parecida com a petition for certiorari em alguns aspectos. O

    primeiro quanto ao prprio critrio de admisso do recurso. Um dos fatores analisados

    pelos membros da Suprema Corte justamente a importncia geral do caso, o que seria

    o equivalente ao nosso conceito de repercusso geral.23 Outra semelhana diz respeito ao

    quorum de aprovao. Tanto na Suprema Corte, quanto no STF o voto da minoria pode

    ser suficiente para admitir o recurso. Embora ambas as casas operem pela regra da

    maioria, nos EUA basta o voto de quatro dos nove julgadores24, e, no Brasil, o recurso s

    no ser admitido se 3/5 dos ministros forem contra.

    interessante notar que a petition for certiorari traz caractersticas semelhantes

    tambm argio de relevncia. A Suprema Corte decide se os recursos sero

    admitidos ou no em sesses sigilosas, na presena apenas dos prprios julgadores, sem

    acesso nem aos advogados. Alm disso, nem todas as petitions so levadas a julgamento

    e discutidas pela Corte e muitas delas so simplesmente rejeitadas. Isso ocorre quando o

    julgador responsvel pelo processo reconhece que no h a menor chance de o pedido

    ser aprovado, pois nenhum outro julgador seria a favor do prosseguimento do recurso.

    Essas certiorari que so rejeitadas de imediato so tidas como dead listed.25

    Como resultado, a grande maioria dos casos submetidos Suprema Corte tem o

    pedido de certiorari negado. Aproximadamente 7.500 recursos so protocolados a cada

    ano, mas apenas algo entre 80 e 150 so apreciados26.

    WILLIAM H. REHNQUIST, ex-membro da Suprema Corte, ressalta que a certiorari

    foi criada em 1925 como parte da reforma do sistema judicirio norte-americano. Antes

    disso, a Suprema Corte tinha um papel no muito diferente de qualquer outra corte de

    apelao, em que a principal funo analisar se a lei foi corretamente aplicada e corrigir

    erros cometidos por instncias inferiores. Todavia, aps da Guerra Civil, vrios fatores,

    dentre eles o crescimento do comrcio e o aumento da populao, levaram ao

    surgimento de mais litgios, o que acabou congestionando a Suprema Corte. Em 1890,

    um processo levava trs anos e meio para ser julgado. Assim, aps algumas reformas, o

    congresso norte-americano finalmente editou o Certiorari Act em 1925.

    A Suprema Corte, ento, deixou de ser a mais alta corte de reviso para se tornar

    uma verdadeira Corte Constitucional, responsvel por julgar apenas casos de ampla

    relevncia. o que defende WILLIAM H. REHNQUIST:

    22 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A Realidade Judiciria Brasileira e os Tribunais da Federao STF e STJ:

    Inevitabilidade de Elementos de Conteno dos Recursos a Eles Dirigidos. In: FUX, Luiz, NERY JNIOR, Nelson,

    WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Processo e Constituio: Estudos em Homenagem ao Professor Jos Carlos

    Barbosa Moreira. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 1076.

    23 RHENQUIST, op. cit., p. 235.

    24 RHENQUIST, William H. The Supreme Court. Vintage Books: New York, 2002. p. 233.

    25 Idem.

    26 Informaes retiradas da internet:< http://en.wikipedia.org/wiki/Certiorari>. Acesso em: 17 dez. 2007.

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    Occasionally, trial judges make mistakes within the federal system, and state appellate courts sit to do the same in every state system. It would be a useless duplication of theses functions if the Supreme Court of the Unites States were to serve simply as an even higher court for the correction of errors in cases involving no generally important principal of law. The Supreme Court, quite correctly in my opinion, instead seeks to

    pick from several thousand cases it is annually asked to review, those cases involving unsettled questions of federal constitutional or statutory law of general interest.

    O Brasil, ao criar um instituto semelhante petition for certiorari norte-americana,

    visa tambm eliminar a funo de simples instncia revisora para reforar o papel do STF

    como Corte Constitucional.

    2.4 Casos de Repercusso Geral j Decididos pelo STF

    Mais de um ano depois da entrada em vigor da repercusso geral como requisito de

    admissibilidade dos recursos extraordinrios, o STF j teve a oportunidade de se

    manifestar sobre a existncia ou no de repercusso geral em 63 recursos

    extraordinrios, dos quais 50 foram admitidos, e 13 rejeitados27. As matrias de Direito

    Tributrio, at o momento, so a maioria dentre as que foram recebidas com

    repercusso geral. Em seguida aparecem as matrias de Direito Administrativo e de

    Direito Constitucional.

    Esses nmeros comprovam que era infundado o receio de que a exigncia da

    repercusso geral da matria limitaria demasiadamente o acesso ao STF por meio do

    controle concreto. Embora 63 recursos ainda seja uma amostra pouco representativa, o

    fato de a imensa maioria (quase 80%) ter sido admitida j indica que a presuno de

    existncia de repercusso geral tende a ser confirmada.

    A expectativa de reduo de recursos extraordinrios, ao que tudo indica,

    concretizar-se- apenas com o passar do tempo, na medida em que o STF no ter mais

    que se manifestar repetidas vezes sobre a mesma matria. Como a tendncia de que

    quase todos os recursos extraordinrios sejam admitidos, o volume no diminuir at

    que o STF tenha se manifestado de forma definitiva sobre vrias matrias.

    3 A OBJETIVAO DO CONTROLE CONCRETO DE CONSTITUCIONALIDADE

    3.1 Aproximao entre os Modelos de Controle Concreto e Abstrato: nova

    tendncia

    Recentes alteraes legislativas e jurisprudncias nos ltimos anos tm chamado

    ateno pela insero de traos caractersticos do processo objetivo no controle concreto

    de constitucionalidade. Essas mudanas tm alterado significativamente o controle de

    constitucionalidade brasileiro por meio de uma aproximao cada vez mais evidente

    entre os modelos concreto e abstrato. Talvez a experincia brasileira de convivncia

    entre as duas formas de controle, consagradas no direito internacional, tenha caminhado

    para um estgio evolutivo de aperfeioamento em que se procura privilegiar o melhor

    que cada sistema tem a oferecer. Nesse sentido, tm sido mais freqentes as

    manifestaes de influncia do controle concreto pelo controle abstrato.

    Vrias razes tm sido apontadas no sentido de explicar a ocorrncia dessa nova

    tendncia. A valorizao do STF como Corte Constitucional tem sido um dos motivos

    freqentemente apontados pela doutrina28. Vrias das mudanas ocorridas tem a funo

    27 Disponvel em:

    . Acesso

    em: 17 mai. 2008.

    28 Nesse sentido: GOMES JUNIOR, Luiz Manoel. A repercusso geral da questo constitucional no recurso extraordinrio.

    Revista Sntese de Direito Civil e Processual Civil. Porto Alegre: Sntese, v. 6, n. 34, mar./abr., 2005. p. 96;

    MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A Realidade Judiciria Brasileira e os Tribunais da Federao STF e STJ: Inevitabilidade de Elementos de Conteno dos Recursos a Eles Dirigidos. In: FUX, Luiz, NERY JNIOR, Nelson,

  • 8

    de diminuir o volume de processos em trmite no STF atravs da atribuio de efeitos

    gerais a qualquer deciso em controle de constitucionalidade proferida pelo pleno e da

    criao de barreiras de conteno de recursos.

    O crescimento do controle abstrato a partir da Constituio de 1988 tambm pode

    ter chamado ateno para a necessidade de alteraes no controle concreto, como bem

    observa GILMAR FERREIRA MENDES:

    A convivncia do modelo incidental difuso tradicional com um sistema de

    mltiplas aes diretas ADI, ADC, ADIo, ADPF e representao interventiva operou significativa mudana no controle de constitucionalidade brasileiro. Uma observao trivial revela tendncia de dessubjetivizao das formas processuais, especialmente daquelas aplicveis ao modelo de controle incidental, antes dotadas de ampla feio subjetiva, com simples eficcia inter partes.

    [...]

    A amplitude conferida pela Constituio de 1988 ao controle abstrato de normas contribuiu para tornar visveis as inadequaes ou insuficincias do modelo difuso de controle de constitucionalidade. No s a notria superao do instituto da suspenso de execuo da lei pelo Senado

    Federal, mas tambm a complexidade e a demora na obteno de julgamento definitivo da questo constitucional pelo Supremo Tribunal, na via incidental, exige reforma radical do sistema difuso de controle de

    constitucionalidade entre ns29

    .

    Assim, podem ser mencionados como parte dessa tendncia de objetivao30, dessubjetivizao31 ou abstrao32 do controle concreto: a reinterpretao do papel do Senado (art. 52, X), a possibilidade de o relator dar provimento a recurso quando a

    deciso recorrida estiver em confronto com a jurisprudncia do STF (art. 557, 1o-A do

    CPC), a transcendncia dos motivos determinantes da declarao de

    inconstitucionalidade de leis municipais, a dispensabilidade do procedimento do art. 97

    da Constituio, a causa de pedir aberta dos recursos extraordinrios, a smula

    vinculante, a modulao dos efeitos da declarao de inconstitucionalidade em controle

    concreto e a repercusso geral dos recursos extraordinrios.

    3.1.1 Reinterpretao do Papel do Senado (art. 52, x, da constituio federal)

    De acordo com o art. 52, X, da Constituio, compete privativamente ao Senado

    Federal suspender a execuo, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional

    WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Processo e Constituio: Estudos em Homenagem ao Professor Jos Carlos

    Barbosa Moreira. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 1073; MEDINA, Jos Miguel Garcia. Variaes Recentes

    Sobre os Recursos Extraordinrio e Especial Breves Consideraes. In: FUX, Luiz, NERY JNIOR, Nelson, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Processo e Constituio: Estudos em Homenagem ao Professor Jos Carlos

    Barbosa Moreira. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 1052; CORTS, Osmar Mendes Paixo. As Inovaes da EC

    n. 45/2004 Quanto ao Cabimento do Recurso Extraordinrio. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Reforma do

    Judicirio: Primeiros Ensaios Crticos Sobre a EC n. 45/2004. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 535;

    YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de Oliveira. A Repercusso Geral do Recurso Extraordinrio: Uma Volta ao Passado?

    So Paulo: Revista Dialtica de Direito Processual, n. 53, agosto, 2007. p. 45.

    29 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocncio Mrtires; BRANCO, Paulo Gonet. Curso de Direito Constitucional.

    So Paulo: Saraiva, 2007. p. 1038 e 1047.

    30 TAVARES, Andr Ramos. Curso de direito constitucional. So Paulo: Saraiva, 2007. p. 272.

    31 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocncio Mrtires; BRANCO, Paulo Gonet. Curso de Direito Constitucional.

    So Paulo: Saraiva, 2007. p. 1047.

    32 Utilizam o termo: Eduardo Francisco de Souza (A abstrao do controle difuso de constitucionalidade. Revista Jurdica:

    Braslia, v. 9, n. 89, p.01-23, fev./mar, 2008. Disponvel em: . Acesso em:

    8 abr. 2008) e Jonatas Vieira de Lima (A tendncia de abstrao do controle difuso de constitucionalidade no direito

    brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1320, 11 fev. 2007. Disponvel em:

    . Acesso em: 08 abr. 2008).

  • 9

    por deciso definitiva do Supremo Tribunal Federal. Essa regra apareceu pela primeira vez na Constituio de 1934 e foi repetida nos textos subseqentes33.

    O sentido da norma de dar efeitos gerais s declaraes de inconstitucionalidade

    proferidas pelo STF. Caberia ao Senado, por meio de resoluo, o papel de retirar do

    ordenamento jurdico a norma contrria ao texto Constitucional. Com isso, a deciso do

    STF teria eficcia erga omnes e efeito vinculante. Como no existia nenhuma norma que

    servisse de fundamento para a existncia de efeitos amplos quanto s decises

    proferidas pelo STF em controle de constitucionalidade, entendeu-se por bem atribuir ao

    Senado a funo de suspender a execuo da lei declarada inconstitucional34, como que

    em respeito ao princpio da separao dos poderes. Se o Legislativo quem tem o poder

    de criar leis, a ele tambm cabe a funo de retira-las do ordenamento jurdico em caso

    de incompatibilidade com a Constituio.

    Tanto GILMAR FERREIRA MENDES35 quanto LUS ROBERTO BARROSO36 apontam a

    influncia do direito norte-americano como razo histrica para a criao da suspenso

    da execuo das leis pelo Senado. que no modelo de controle difuso norte-americano,

    as decises proferidas pela Suprema Corte possuem efeito vinculante, o que d

    amplitude geral imediata s declaraes de inconstitucionalidade, graas ao stare decisis

    (precedente), caracterstico da Common Law. O mesmo no ocorre no Brasil, onde a tradio romano-germnica vigorante no atribui eficcia vinculante s decises judiciais,

    nem mesmo as do Supremo Tribunal.37 Assim, a funo do Senado seria proporcionar efeitos gerais s decises do STF por meio de uma resoluo que promovesse a

    suspenso da execuo da lei declarada inconstitucional.

    Com a criao da representao de inconstitucionalidade38, o equivalente atual

    ADI, o STF manifestou entendimento no sentido de que o papel do Senado s seria

    cabvel quando a declarao de inconstitucionalidade fosse proferida em controle difuso,

    no julgamento do caso concreto. Isso porque, no controle concentrado, as decises do

    STF j teriam efeitos amplos, em razo da perda de eficcia da norma39. O que j era

    entendimento jurisprudencial, mais tarde, foi confirmado com a edio da Lei n.

    9.868/99, que atribui eficcia contra todos e efeito vinculante s declaraes de

    inconstitucionalidade ou de constitucionalidade em controle abstrato.

    Embora a jurisprudncia tenha limitado o papel do Senado apenas s declaraes

    de inconstitucionalidade em sede de controle concreto, o interessante que a regra

    constitucional, desde a sua origem, no foi adstrita a apenas um dos modelos de

    controle. Ou seja, a princpio, caberia ao Senado suspender a execuo da lei declarada

    inconstitucional tanto em controle concreto como em controle abstrato.

    Nessa linha, inevitvel que se questione o papel atribudo ao Senado, ainda mais

    aps as mudanas introduzidas no controle de constitucionalidade desde a Constituio

    de 1988. Se, por construo jurisprudencial, o STF atribuiu efeitos gerais s declaraes

    de inconstitucionalidade em controle abstrato, sem a necessidade do pronunciamento do

    Senado, o que impediria a utilizao desse mesmo entendimento nas decises proferidas

    em controle concreto?

    33 BARROSO, Lus Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: Exposio Sistemtica da

    Doutrina e Anlise Crtica da Jurisprudncia. So Paulo: Saraiva, 2008. p. 119.

    34 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocncio Mrtires; BRANCO, Paulo Gonet. Curso de Direito Constitucional.

    So Paulo: Saraiva, 2007. p. 1026.

    35 Idem.

    36 BARROSO, op. cit., p. 120.

    37 Idem

    38 Introduzida pela EC. n. 16, de 1965.

    39 STF, Processo Administrativo n. 4.477/72, Acrdo publicado no DJU de 16 de maio de 1977.

  • 10

    Para GILMAR FERREIRA MENDES, teria havido uma verdadeira mutao

    constitucional, pois o papel do Senado tem passado por um processo de obsolescncia e,

    hoje, justificar-se-ia apenas por motivos exclusivamente histricos. Como argumento, ele

    ressalta que o instituto, da forma como foi conformado na prtica, no serviria sua

    principal funo, que de afirmao da teoria da nulidade da lei inconstitucional. A

    dependncia da manifestao discricionria do Poder Legislativo deixaria nas mos de um

    rgo poltico o que deveria ser conseqncia natural da inconstitucionalidade declarada

    pelo rgo judicial superior. Assim, parece legtimo entender que a frmula relativa suspenso de execuo da lei pelo Senado Federal h de ter simples efeito de

    publicidade.40 Essa tese sustentada pelo Ministro j encontra respaldo em alteraes legislativas e jurisprudenciais que apontam para a existncia de efeitos gerais das

    declaraes de inconstitucionalidade em controle difuso, mesmo sem a manifestao do

    Senado. Eis o trecho em ele ressalta esse posicionamento:

    Dessa forma, se o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle

    incidental, chegar concluso, de modo definitivo, de que a lei inconstitucional, essa deciso ter efeitos gerais, fazendo-se a comunicao ao Senado Federal para que publique a deciso no Dirio do Congresso. Tal como assente, no (mais) a deciso do Senado que confere eficcia geral ao julgamento do Supremo. A prpria deciso da Corte contm essa fora normativa. Parece evidente ser essa a orientao implcita nas diversas decises judiciais e legislativas acima referidas.

    Assim, o Senado no ter a faculdade de publicar ou no a deciso, uma vez que no cuida de deciso substantiva, mas de simples dever de publicao [...]. A no-publicao no ter o condo de impedir que a

    deciso do Supremo assuma a sua real eficcia41

    .

    LUS ROBERTO BARROSO tambm segue a mesma linha de entendimento ao

    defender que:

    [...] essa competncia atribuda ao Senado tornou-se um anacronismo. Uma deciso do Pleno do Supremo Tribunal Federal, seja em controle

    incidental ou em ao direta, deve ter o mesmo alcance e produzir os

    mesmos efeitos. Respeitada a razo histrica da previso constitucional, quando de sua instituio em 1934, j no h lgica razovel em sua

    manuteno42

    .

    Portanto, em que pese acusaes de usurpao de competncia43, a reinterpretao

    do papel do Senado parece inevitvel ante as vrias manifestaes jurisprudenciais e

    legislativas que indicam a inutilidade da suspenso da execuo da lei para a atribuio

    de efeitos gerais s decises do STF. Primeiramente, a jurisprudncia j tinha se

    manifestado no sentido de afastar do controle abstrato a necessidade de provocao do

    Senado e, depois, a tendncia da objetivao do controle concreto apenas confirma a

    urgncia em se readequar o art. 52, X, nova realidade constitucional.

    3.1.2 Art. 557, 1O-A DO CPC

    O art. 557, 1o-A do CPC traz a seguinte redao: Se a deciso recorrida estiver em manifesto confronto com smula ou com jurisprudncia dominante do Supremo

    Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poder dar provimento ao recurso.

    40 MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO; Inocncio Mrtires; BRANCO, Paulo Gonet. Curso de Direito Constitucional.

    So Paulo: Saraiva, 2007. p. 1032 a 1037.

    41 MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO; Inocncio Mrtires, BRANCO; Paulo Gonet. Curso de Direito Constitucional.

    So Paulo: Saraiva, 2007. p. 1037.

    42 BARROSO, Lus Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro: Exposio Sistemtica da

    Doutrina e Anlise Crtica da Jurisprudncia. So Paulo: Saraiva, 2008. p. 122.

    43 Nesse sentido: LIMA, Jonatas Vieira de. A tendncia de abstrao do controle difuso de constitucionalidade no

    direito brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1320, 11 fev. 2007. Disponvel em:

    . Acesso em: 08 abr. 2008.

  • 11

    A importncia dessa norma est em permitir que o mrito do recurso seja julgado

    monocraticamente pelo relator, caso a deciso recorrida seja contrria a smula ou a

    jurisprudncia dominante do STF ou de Tribunal Superior. A possibilidade de o prprio

    relator julgar o recurso sem ter que submet-lo ao julgamento colegiado representa uma

    supresso de etapas, em nome do princpio da celeridade processual, em razo da fora

    atribuda s smulas e a jurisprudncia dos Tribunais Superiores.

    Por traz dessa norma, percebe-se a inteno do legislador em ampliar os efeitos

    das decises do STF em controle difuso. Embora no exista efeito vinculante

    propriamente dito, a possibilidade de se reformar sentena contrria a entendimento

    pacfico do STF, por meio de deciso monocrtica, uma tentativa de desencorajar a

    adoo de solues divergentes por parte dos juzes de primeiro grau. Alm de servir

    como um alerta aos que insistirem em adotar posies contrrias, a regra tambm preza

    pela segurana jurdica ao proporcionar a uniformizao de entendimentos,

    especialmente quanto interpretao da Constituio.

    Assim, o art. 557, 1o-A, do CPC, mesmo que singelamente, uma das mudanas

    que contribuem objetivao do controle difuso, pois a regra claramente preza pelo

    respeito jurisprudncia do STF.

    3.1.3 Eficcia Transcendente da Declarao de Inconstitucionalidade de Leis

    Municipais

    Em alguns julgados recentes44, o STF manifestou a existncia de eficcia

    transcendente dos fundamentos determinantes de decises proferidas em controle de

    constitucionalidade difuso, envolvendo leis municipais.

    O controle de constitucionalidade de leis municipais pode chegar ao STF por meio

    de recurso extraordinrio, instrumento do controle difuso. Em caso de declarao de

    inconstitucionalidade de uma lei municipal, a princpio, os efeitos da deciso deveriam se

    limitar apenas s partes e alcanar apenas a lei que foi declarada inconstitucional.

    Todavia, como comum a existncia de legislao semelhante em vrios municpios,

    possvel que uma lei, de outro municpio, mas de mesmo contedo, seja questionada

    perante o STF. E principalmente nesses casos que se tem atribudo a transcendncia

    dos motivos determinantes da deciso proferida em recurso precedente para, com base

    no art. 557, 1o-A, do CPC, estender-se os efeitos da inconstitucionalidade para toda lei

    de contedo idntico e, assim, dar-se provimento imediato ao recurso extraordinrio.

    Em suma, tem-se considerado dispensvel, no caso de modelos legais idnticos, a submisso da questo ao plenrio.45

    Observe-se o despacho proferido pelo Min. MAURCIO CORRA, no RE 228.844 de

    sua relatoria:

    O Tribunal Pleno, na Sesso de 20.11.96, ao julgar o RE n 153.771-0/MG (Relator para o acrdo o Ministro MOREIRA ALVES, DJU de 05.09.97), que cuidava do IPTU progressivo exigido pelo Municpio de Belo Horizonte, pacificou exegese segundo a qual a progressividade do IPTU, que

    imposto de natureza real em que no se pode levar em considerao a

    capacidade econmica do contribuinte, s admissvel, em face do disposto no artigo 182, 2, da Constituio Federal, para o fim extrafiscal de assegurar o cumprimento da funo social da propriedade, obedecidos os requisitos previstos no 4 do referido artigo.

    Ante o exposto, com fundamento no artigo 557, 1, do Cdigo de

    Processo Civil, alterado pela Lei n 9.756/98, conheo do recurso extraordinrio e dou-lhe provimento. Invertidos os nus da sucumbncia. Intime-se.

    44 A ADI 3.345 e a ADI 3.365 tiveram como paradigma o RE 197.917 .

    45 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocncio Mrtires; BRANCO, Paulo Gonet. Curso de Direito Constitucional. So

    Paulo: Saraiva, 2007. p. 1035.

  • 12

    Embora se tenha conhecimento de decises mais antigas que j conferiam efeitos

    gerais a decises sobre controle de constitucionalidade de leis municipais, como o RE

    228.844 acima mencionado, parece que foi s recentemente que o efeito transcendente

    dos motivos determinantes surgiu propriamente como teoria46.

    O caso mais ilustrativo da existncia de efeitos transcendentes em controle de

    constitucionalidade de leis municipais o RE 197.91747. Na oportunidade, o STF

    reconheceu a inconstitucionalidade de lei do municpio de Mira Estrela SP, que previa nmero excessivo de vereadores, incompatvel com o tamanho da populao. Em

    seqncia, reconhecendo o posicionamento do STF, em tese apenas restritivo para as

    partes, o TSE editou a Resoluo n. 21.702/2004, a qual reduziu o nmero de

    vereadores em todo Brasil. Essa resoluo, ento, foi atacada por duas ADI48, mas

    ambas foram rejeitadas sob o argumento de que o ato normativo atacado era compatvel

    com a interpretao constitucional dada pelo STF no RE 197.917, ao qual se atribuiu

    efeito transcendente aos fundamentos determinantes49.

    Assim, a atribuio de efeito transcendente aos motivos determinantes pode ser

    interpretada como mais uma tendncia de objetivao do controle concreto, ou de

    aproximao entre as duas formas de controle, conforme opinio de MARCELO ARAJO e

    LUCIANO BARROS:

    Curial, portanto, esclarecer que, na medida em que o Supremo Tribunal Federal concede efeitos transcendentes deciso que declara a inconstitucionalidade de uma norma, em sede de controle difuso (via Recurso Extraordinrio), naturalmente est-se diante de uma aproximao

    do modelo difuso ao modelo concentrado de controle de constitucionalidade, eis que os fundamentos daquela deciso, aparentemente utilizados apenas na fronteira do processo inter partes, passam a transcender o prprio processo, aplicando-se a outros casos, desenhando uma espcie de efeito geral (efeito tpico de decises oriundas de um controle concentrado).

    Em certa medida, portanto, a transcendncia dos fundamentos determinantes

    confere efeito vinculante ao entendimento firmado pelo STF, mesmo em controle

    concreto, o que, inclusive, torna dispensvel a manifestao do Senado Federal para a

    atribuio de efeitos gerais (art. 52, X, da CF)50.

    3.1.4 Dispensabilidade do Procedimento do art. 97 da Constituio Federal

    No controle difuso, uma vez suscitada a inconstitucionalidade de uma norma no

    tribunal, o relator dever submeter a questo turma ou cmara competente para o

    julgamento do processo. Se for rejeitada, o processo continua normalmente, mas se for

    acolhida (por maioria simples), segue para apreciao pelo pleno ou rgo especial (arts.

    480 a 481 do CPC e art. 97 da CF).

    O plenrio, ento, ir decidir sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da

    norma (por maioria absoluta) e, com base nesse entendimento vinculante, o rgo

    fracionrio decide, posteriormente, sobre o caso concreto.

    E nos casos em que o STF j se manifestou pela inconstitucionalidade da norma

    questionada no tribunal? O que se questionava era justamente sobre a necessidade de se

    46 Um dos primeiros julgados a trazer a teoria dos motivos determinantes a Rcl 2.363 de 23 de outubro de 2003.

    47 Disponvel em: . Acesso em: 26 abr. 2008.

    48 ADI 3.345 e ADI 3.365.

    49 Informativo n. 398. Disponvel em:

    . Acesso em: 26 abr. 2008.

    50 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocncio Mrtires; BRANCO, Paulo Gonet. Curso de Direito Constitucional.

    So Paulo: Saraiva, 2007. p. 1035.

  • 13

    cumprir o procedimento previsto no art. 97 da Constituio mesmo quando j existisse

    precedente do STF.

    Antes de a questo ser definitivamente regulamentada pelo CPC, no pargrafo

    nico do art. 481 (introduzido pela Lei 9.756/98), o STF j vinha firmando entendimento

    pela dispensabilidade do encaminhamento da matria ao plenrio, no em afronta ao art.

    97 da Constituio, mas a favor da sua interpretao de acordo os princpios da

    economia processual e da segurana jurdica51, evitando-se a burocratizao dos atos

    judiciais52. Em um trecho do seu voto no AgRegAI 168.149, o Ministro Marco Aurlio

    ressalta que a razo de ser do preceito est na necessidade de evitar-se que rgos fracionrios apreciem, pela vez primeira, a pecha de inconstitucionalidade argida em

    relao a um certo ato normativo. Quando a questo j foi decidida pelo STF, a regra perde totalmente o sentido.

    Portanto, em razo da jurisprudncia do STF, posteriormente consagrada no

    pargrafo nico do art. 481, do CPC, os rgos fracionrios dos tribunais no esto mais

    obrigados a enviar a matria apreciao do plenrio quando o STF j tiver se

    pronunciado, tanto em controle abstrato quanto em controle concreto.

    A dispensa do encaminhamento da questo constitucional ao plenrio dos tribunais

    quando j houver pronunciamento do STF mais um caso em que se verifica a atribuio

    de efeitos gerais s decises proferidas em controle concreto de constitucionalidade. Esse

    entendimento, conforme observa GILMAR FERREIRA MENDES53, segue a tendncia de se

    atribuir efeito vinculante s decises do STF tambm em controle difuso, aproximando-o

    do controle concentrado.

    3.1.5 Causa de Pedir Aberta nos Recursos Extraordinrios

    A existncia de causa de pedir aberta uma das caractersticas do processo

    objetivo, o qual no obedece s regras processuais prprias dos conflitos intersubjetivos de interesses.54 No processo objetivo, como nas aes diretas de inconstitucionalidade, o STF no est adstrito aos motivos apontados pelos legitimados na petio inicial. Isso

    significa que uma lei pode ser declarada inconstitucional ainda que por motivos diversos

    dos referentes causa de pedir da ao.

    Todavia, no direito processual comum, a apreciao do juiz ao caso limitada pela

    causa de pedir e pelo pedido formulados nos autos. Um juiz no pode reconhecer a

    procedncia do pedido por fundamentos diferentes dos que foram argidos na petio

    inicial, sob pena de extrapolar os limites da lide. Isso porque as regras processuais

    comuns servem conduo de soluo de conflitos de interesses intersubjetivos, em que

    os fatos so essenciais para a composio da causa.

    J no processo objetivo, como no h lide55 e a constitucionalidade da lei

    questionada em tese, no h limites fundamentao do STF, o que justifica a existncia

    de causa de pedir aberta.

    Em relao ao recurso extraordinrio, orientado pelas regras processuais comuns, a

    anlise recursal pressupe-se restrita aos fundamentos da deciso recorrida e s razes

    do recurso.

    Entretanto, com o julgamento do RE 298.69456, o STF abriu caminho para a

    possibilidade de se julgar o recurso extraordinrio com base em fundamento diverso do

    51 RE 190.728

    52 AgRegAI 168.149

    53 MENDES, Gilmar Ferreira. O controle incidental de normas no direito brasileiro. In: Meirelles, Hely Lopes. 28. Ed. 8.

    parte. Mandado de Segurana. So Paulo: Malheiros, 2005. p. 528-602.

    54 TAVARES, Andr Ramos. Curso de direito constitucional. So Paulo: Saraiva, 2007. p. 239.

    55 TAVARES, op. cit.,. p. 241.

    56 Inteiro teor disponvel em:< http://www.stf.gov.br/portal/inteiroTeor/pesquisarInteiroTeor.asp>. Acesso em: 20 abr. 2008.

  • 14

    contido no acrdo recorrido. A ao discutia questes relativas a vencimentos de

    servidores pblicos do municpio de So Paulo. Em resumo, o Tribunal de Justia havia

    dado ganho de causa aos servidores, utilizando como fundamento a existncia de direito

    adquirido a reajuste de vencimento. O recurso extraordinrio, portanto, alegou ofensa

    constituio em razo da inexistncia de direito adquirido no caso, pois existiria mera

    expectativa de direito. O Relator, o Min. SEPLVEDA PERTENCE, proferiu voto no sentido

    de conhecer do recurso, pela caracterizao de ofensa Constituio (art. 102, III, a), mas por negar-lhe provimento, por entender que o acrdo recorrido deveria ser mantido

    em obedincia ao princpio da irredutibilidade de vencimentos, e no propriamente em

    razo da existncia de direito adquirido.

    O RE 298.694, portanto, inova em dois sentidos. Primeiro, na separao entre os

    juzos de admissibilidade e de mrito dos recursos extraordinrios interpostos com base

    na alnea a; e, segundo, por permitir o julgamento por meio de fundamento diverso do enfrentado pelo acrdo recorrido. Sobre essa mudana de entendimento, bastante

    ilustrativo o voto do Min. CEZAR PELUSO:

    E, no juzo do mrito, tambm penso que o Tribunal no est vinculado ao fundamento que o recorrente invoque no recurso extraordinrio. E, aqui, a segunda questo, que me parece importantssima, suscitada no voto do

    eminente Relator. Considero que interpretao restritiva quanto profundidade do efeito devolutivo do extraordinrio implica duas graves contradies, muito bem percebidas por S. Exa.. A primeira a contradio imediata com a funo constitucional precpua do Supremo, que a de valer pela mesma Constituio, na sua inteireza. No possvel, sem renncia a tal funo, admitir que esta Corte esteja impedida de reconhecer a incidncia de certa norma constitucional, sob

    singelo fundamento de que no teria sido invocada nas razes ou nas contra-razes do recurso extraordinrio. E a segunda, mais grave que a primeira, que j gravssima, parece-me ser a contradio com a ordem jurdica em si, porque no consigo conceber como o Supremo Tribunal Federal possa modificar o contedo de uma deciso, com base no

    argumento de que teria havido ofensa a determinada regra ou princpio constitucional, quando esteja clarssimo, nos autos, que esse mesmo

    contedo decisrio deva subsistir pela aplicao de outra norma ou princpio constitucional, incidente sobre os fatos da causa. Noutras palavras, o Supremo Tribunal Federal estaria, em tal conjuntura, modificando o teor da deciso que reconhece estar conforme Constituio!

    Com isso, admitiu-se a existncia de causa de pedir aberta tambm no controle

    concreto de constitucionalidade. o que defende FREDIE DIDIER JNIOR:

    semelhana do que j acontece no julgamento das aes de controle concentrado de constitucionalidade, a causa de pedir (no caso, a causa de pedir recursal) aberta, permitindo que o STF decida a questo da

    constitucionalidade com base em outro fundamento, mesmo que no

    enfrentado pelo tribunal recorrido57

    .

    A causa de pedir aberta mais uma caracterstica do processo objetivo e do

    controle abstrato que foi adaptada para o controle concreto. Assim, as diferenas entre

    os modelos so cada vez menos evidentes.

    3.1.6 Smula Vinculante

    Tanto a smula vinculante quanto a repercusso geral foram criadas dentro do

    pacote da reforma do Poder Judicirio, a qual ganhou corpo atravs da EC n. 45/04. Um

    dos objetivos da reforma era criar instrumentos capazes de conferir mais celeridade ao

    57 DIDIER JNIOR, Fredie. Transformaes do Recurso Extraordinrio. In: FUX, Luiz, NERY JNIOR, Nelson,

    WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Processo e Constituio: Estudos em Homenagem ao Professor Jos Carlos

    Barbosa Moreira. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 985.

  • 15

    trmite processual. Nessa linha, a smula vinculante foi idealizada para solucionar de

    forma rpida e uniforme questes pacficas no mbito do STF, ao tornar obrigatria a

    adoo, por parte do Judicirio e da Administrao Pblica, de entendimento pacfico do

    STF em matria constitucional. Por isso, trata-se de uma das inovaes legislativas mais

    importantes dentro da tendncia de objetivao do controle concreto de

    constitucionalidade.

    De acordo com ANDR RAMOS TAVARES58, a discusso acerca da smula vinculante

    pressupe a considerao dos dois grandes modelos de sistemas jurdicos: o da Common

    Law (modelo jurisprudencial) e o da Civil Law (modelo codificado). A diferena inicial

    entre os dois modelos tem diminudo com o surgimento de mecanismos como a smula

    vinculante no Brasil, que oriunda de reiteradas decises idnticas sobre um mesmo

    assunto, o que muito parecido com chamado precedente (stare decisis), caracterstico

    da Common Law. Em ltima anlise, a smula vinculante acaba por inserir no modelo

    codificado, baseado essencialmente na lei, um mecanismo ligado ao caso concreto e que

    privilegia a deciso judicial.

    Nesse mesmo sentido, impossvel no observar a smula vinculante como um

    mecanismo de aproximao entre o controle concreto e o controle abstrato de

    constitucionalidade. A edio de smula vinculante nos moldes do art. 103-A da

    Constituio, tornar obrigatrio o respeito a entendimento pacfico do STF em controle

    difuso59. O efeito vinculante, que era uma caracterstica prpria do controle concentrado,

    agora tambm pode ser observado em relao a decises proferidas em controle difuso.

    GILMAR FERREIRA MENDES chama ateno para o enfraquecimento da suspenso

    da execuo da lei inconstitucional pelo Senado com a criao da smula vinculante. Para

    ele, a smula conferir interpretao vinculante deciso que declara a inconstitucionalidade sem que a lei declarada inconstitucional tenha sido eliminada

    formalmente do ordenamento jurdico (falta de eficcia geral da deciso declaratria de

    inconstitucionalidade).60 Assim, apesar da inexistncia de eficcia erga omnes61, a smula vinculante cumprir o efeito de obrigar o Judicirio e a Administrao a seguir a

    jurisprudncia do STF.

    Ademais, com a teoria do efeito transcendente dos motivos determinantes, que

    confere efeito vinculante s decises proferidas em controle concreto, questiona-se at

    mesmo a utilidade da smula vinculante62. Todavia, deve-se destacar que o efeito

    transcendente no se opera automaticamente, em qualquer julgamento do STF em

    controle concreto. A jurisprudncia tem demonstrado, como nos casos de

    inconstitucionalidade de leis municipais, que a transcendncia dos motivos determinantes

    s ocorre em casos de repercusso geral, principalmente quando h risco de

    multiplicao de processos sobre a mesma questo. Alm disso, o efeito transcendente

    no depende de quorum para ser atribudo, ao contrrio do que ocorre com a smula

    vinculante.

    58 TAVARES, Andr Ramos. Perplexidades do Novo Instituto da Smula Vinculante no Direito Brasileiro. Revista

    Eletrnica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Pblico, n 11, julho/agosto/setembro,

    2007. Disponvel em:< http://www.direitodoestado.com.br/rede.asp>. Acesso em: 17 abr. 2007.

    59 At 2 de maio de 2008, o STF j havia editado quatro smulas vinculantes.

    60 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocncio Mrtires; BRANCO, Paulo Gonet. Curso de Direito Constitucional. So

    Paulo: Saraiva, 2007. p. 1037.

    61 De acordo com Roger Stiefelmann Leal (O Efeito Vinculante na Jurisdio Constitucional. So Paulo: Saraiva, 2006. p.

    144), a smula vinculante apresenta aspectos singulares e um deles a atribuio de efeito vinculante sem que se confira

    eficcia contra todos, o que seria indito na ordem jurdica brasileira.

    62 BASTOS, Marcelo Lessa apud OLIVEIRA, Hlder Braulino Paulo de. Reflexes sobre o Controle Difuso de

    Constitucionalidade, Smula Vinculante, Resoluo do Senado (artigo 52, X, da Constituio Federal) e as Leis n

    8.072/90 e n 11.464/07. Revista Juristas, Joo Pessoa, a. III, n. 92, 19/09/2006. Disponvel em:

    . Acesso em: 8.abr. 2008.

  • 16

    Para HLDER DE OLIVEIRA, o reconhecimento de efeito transcendente seria o

    primeiro passo para a elaborao de smula vinculante63

    . Essa aposta se confirmou j na

    sesso plenria que julgou os primeiros recursos extraordinrios com repercusso

    geral64

    , pois o STF acabou por aprovar a quarta smula vinculante. O contedo da nova

    smula diz respeito deciso proferida no RE 565.714, que discutia a legalidade de se

    usar o salrio mnimo como base do clculo do adicional de insalubridade.

    Se se presumir a existncia de efeito transcendente em todas as decises

    proferidas em recursos extraordinrios com repercusso geral, ento, existir uma forte

    inclinao para a edio de smulas vinculantes para a consolidao do entendimento do

    STF nesses julgamentos.

    3.1.7 Modulao dos Efeitos da Declarao de Inconstitucionalidade em

    Controle Concreto

    A modulao dos efeitos da declarao de inconstitucionalidade em controle

    abstrato se tornou possvel a partir da Lei 9.868/99 (art. 27). Assim, por maioria de dois

    teros de seus membros, o STF pode restringir os efeitos da declarao de

    inconstitucionalidade ou decidir que ela s tenha eficcia a partir de seu trnsito em

    julgado ou de outro momento futuro.

    Embora a referida norma seja restrita aos casos de declarao de

    inconstitucionalidade em controle abstrato, o STF vem admitindo a modulao dos efeitos

    da deciso tambm em sede de controle concreto.

    Pode ser citado como exemplo o RE 197.91765, em que o STF declarou a

    inconstitucionalidade de lei do municpio de Mira Estrela SP, a qual previa um nmero excessivo de vereadores, em ofensa ao art. 29, IV, da Constituio. Todavia, o STF se

    manifestou no sentido de modular os efeitos da inconstitucionalidade, para que a

    nulidade da lei s surtisse efeitos pro futuro, para se evitar o caos que ocorreria no caso

    da anulao de todos os atos proferidos com a participao dos vereadores excedentes. Ento, a deciso do STF foi no sentido de atribuir eficcia deciso apenas a partir das

    eleies seguintes, quando, ento, reduzir-se-ia o nmero de vereadores.

    Outro caso de destaque o HC 82.95966. At o julgamento desse Habeas Corpus, o

    STF vinha decidindo pela constitucionalidade da Lei de Crimes Hediondos (lei n.

    8.072/90), com relao vedao da progresso de regime. No entanto, com a mudana

    de entendimento, o art. 2o, 1o, foi declarado inconstitucional com efeitos apenas ex

    nunc e com a ressalva de que a deciso seria vlida somente para os que estavam

    cumprindo pena.

    Com isso, observa-se que a jurisprudncia do STF tem se mostrado favorvel

    modulao dos efeitos das declaraes de inconstitucionalidade, sem distinguir o tipo de

    controle. Trata-se, portanto, de mais um caso de objetivao do controle concreto, por

    meio da adoo de mecanismo tpico do controle abstrato de constitucionalidade.67

    3.1.8 Cabimento de Reclamao por Desrespeito a Deciso Proferida pelo STF

    em Controle Concreto

    63 OLIVEIRA, Hlder Braulino Paulo de. Reflexes sobre o Controle Difuso de Constitucionalidade, Smula Vinculante,

    Resoluo do Senado (artigo 52, X, da Constituio Federal) e as Leis n 8.072/90 e n 11.464/07. Revista Juristas, Joo

    Pessoa, a. III, n. 92, 19/09/2006. Disponvel em: . Acesso em: 8

    abr. 2008.

    64 O julgamento do RE 570.177 e do RE 565.714 ocorreu na sesso plenria de 30 de abril de 2008.

    65 Inteiro teor disponvel em: . Acesso em: 26 abr. 2008.

    66 Inteiro teor disponvel em: . Acesso em: 26 abr. 2008.

    67 DIDIER JNIOR, Fredie. Transformaes do Recurso Extraordinrio. In: FUX, Luiz, NERY JNIOR, Nelson,

    WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Processo e Constituio: Estudos em Homenagem ao Professor Jos Carlos

    Barbosa Moreira. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 985.

  • 17

    A reclamao, cuja origem jurisprudencial, s foi prevista formalmente pela

    primeira vez em 1957, no Regimento Interno do STF. O status constitucional, todavia, s

    foi adquirido com a Constituio de 198868. Assim, o artigo 102, I, l, do texto constitucional atual prev a reclamao para a preservao da competncia e garantia da

    autoridade das decises do STF.

    O texto constitucional no traz detalhes quanto ao cabimento da reclamao, sendo

    sucinto em prev-la como instrumento cuja finalidade assegurar a preservao da

    competncia e a garantia das decises do STF. Isso, no entanto, suficiente para se

    entender que a reclamao est diretamente relacionada existncia de efeito

    vinculante, pois, se no houver obrigatoriedade de cumprimento da deciso, no se pode

    atribuir qualquer responsabilidade quanto ao desrespeito sua autoridade.

    Como a propositura da reclamao pressupe desrespeito ao contedo de julgado

    por parte de quem deveria cumpri-lo, de incio, a jurisprudncia havia sido firmada no

    sentido de autorizar o uso da reclamao apenas pela parte prejudicada com a

    contrariedade da deciso. Tanto que, inicialmente, a reclamao no era admitida pelo

    STF nem contra desobedincia s decises proferidas em sede de controle abstrato de

    normas69.

    Com a legitimao restrita s partes do processo em que a deciso desrespeitada

    havia sido proferida e com a impossibilidade de cabimento em controle abstrato, a

    reclamao era um instrumento pouco popular na jurisdio constitucional brasileira.

    Todavia, a evoluo do entendimento jurisprudencial e as alteraes legislativas

    ocorridas ao longo do tempo foram responsveis pelo crescimento da reclamao. A EC

    n. 3/93, previu a reclamao para a garantia da autoridade das decises do STF em ADC;

    o julgamento da questo de ordem em agravo regimental na Rcl 1.880 deu sinais de

    grande evoluo quanto ao cabimento da reclamao em controle concentrado,

    ampliando-o a todos que comprovassem prejuzos advindos do descumprimento das

    decises do STF e; por fim, a EC n. 45/04 acabou com qualquer controvrsia

    remanescente ao dotar de efeito vinculante e de eficcia contra todos as decises

    proferidas em ADI70. Restava apenas ampliar a legitimidade para a propositura da

    reclamao para assegurar a autoridade das decises do STF tambm em controle

    difuso.

    No havia dvidas quanto possibilidade da propositura de reclamao pela parte

    integrante do processo cuja desobedincia deciso do STF tinha ocorrido em seu

    prejuzo71. Isso porque da natureza do controle difuso a existncia de efeitos apenas

    inter partes. Entretanto, para se cogitar do cabimento de reclamao proposta por

    terceiros, ou seja, por qualquer pessoa prejudicada, seria preciso reconhecer a existncia

    de efeito vinculante em relao s decises proferidas em controle difuso.

    Obviamente que a smula vinculante criou uma possibilidade, mesmo que indireta,

    de se propor reclamao em desrespeito a deciso do STF em controle concreto. Mas foi

    a teoria do efeito transcendente dos motivos determinantes que abriu caminho para a

    reclamao em controle concreto, j que a existncia de efeito vinculante suficiente

    para admitir-se o cabimento da reclamao.

    Sobre essa questo, a Rcl 4.335 ainda nem teve o seu julgamento concludo72, mas

    j uma promessa de mudanas no STF quanto legitimidade ampla da reclamao em

    68 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocncio Mrtires; BRANCO, Paulo Gonet. Curso de Direito Constitucional.

    So Paulo: Saraiva, 2007. p. 1228.

    69 MENDES; COELHO; BRANCO, op. cit., p. 1232.

    70 Idem.

    71 Serve como exemplo a Rcl 3.488, que foi proposta pela Federao Nacional dos Empregados Postos de Servios de

    Combustveis e Derivados de Petrleo, pela garantia da autoridade da deciso do STF no RE 202.097, em que o

    reclamante figurou como recorrente.

    72 At 26 de abril de 2008, o relator, o Min. Gilmar Ferreira Mendes, havia votado no sentido de admitir a reclamao e, no

  • 18

    sede de controle difuso. A Rcl 4.335 foi proposta pela Defensoria Pblica da Unio no

    Estado do Acre com alegao de descumprimento da deciso do STF no HC 82.959, em

    que foi declarada inconstitucional a vedao de progresso do regime da pena, prevista

    na Lei de Crimes Hediondos. Nem a reclamante, nem o reclamado foram partes no HC

    82.959 e, a princpio no haveria legitimidade para a propositura da reclamao. Porm,

    patente a existncia de efeitos transcendentes por parte da deciso proferida pelo STF

    no caso, pois, no fosse essa a inteno, teria sido totalmente intil a preocupao de se

    modular os efeitos da declarao de inconstitucionalidade, fazendo constar no acrdo

    que a deciso no gerar conseqncias jurdicas com relao s penas j extintas.73

    A amplitude da legitimidade da reclamao como garantia da autoridade da deciso

    do STF tambm em controle difuso significaria uma enorme mudana no controle de

    constitucionalidade brasileiro. Essa possibilidade aproximaria ainda mais o controle difuso

    do controle concentrado, pois no existiriam mais diferenas relevantes quanto aos

    efeitos produzidos pelas decises proferidas nos dois modelos. Afinal, se a jurisprudncia

    do STF deve ser respeitada, no deveria haver distines de acordo o modelo de controle

    em que foi proferida a deciso.

    3.2 Repercusso Geral como um Mecanismo de Objetivao do Controle Difuso

    O STF o tribunal que, no Brasil, deveria fazer as vezes de Corte Constitucional,

    pois ele responsvel pela ltima palavra quanto interpretao da Constituio.

    Entretanto, a ampla constitucionalizao do Direito Brasileiro permite que um enorme

    volume de aes chegue at o STF atravs do recurso extraordinrio, pois no difcil

    encontrar o fundamento constitucional exigido como pressuposto de admissibilidade. O

    que deveria ser extraordinrio, todavia, tornou-se banal e o STF viu-se assoberbado por

    uma quantidade desumana de processos sem qualquer relevncia para a sociedade.

    Assim, a exigncia de repercusso geral nos recursos extraordinrios talvez o

    mecanismo que estava faltando para uma sintonia quase perfeita entre o controle

    abstrato e o controle concreto.

    3.2.1 Exigncia da Demonstrao de Questes Transcendentes aos Interesses

    das Partes

    Se ao STF cabe a guarda da Constituio, de se questionar a razo de se atribuir

    efeitos e conseqncias diferentes s decises proferidas pelo Tribunal, conforme o

    modelo de controle de constitucionalidade. O fato que nem todas as questes julgadas

    pelo STF em controle difuso eram relevantes a ponto de justificarem a atribuio de

    efeitos gerais, como ocorre nas aes de controle concentrado. Como conferir valor

    idntico a todas as decises se nem todas eram igualmente valiosas?

    Todas as decises proferidas pelo STF deveriam ter a mesma amplitude e o mesmo

    valor74, pois, como Corte Constitucional, o STF deveria se ocupar apenas de questes

    mrito, julga-la procedente. Ele foi acompanhado pelo Min. Eros Grau. J os Min. Seplveda Pertence e Joaquim Barbosa

    votaram em sentido contrrio.

    73 Inteiro teor disponvel em: . Acesso em: 26

    abr. 2008.

    74 Nesse sentido, so bastante persuasivas as palavras do Min. Francisco Rezek em seu voto proferido na Questo de Ordem

    na ADC 1, em que ele defende a existncia de efeito vinculante a todas as decises do STF: Insiste-se em que um dos aspectos sedutores do nosso sistema o livre convencimento do Juiz ante o caso concreto e sua prerrogativa de dizer o

    direito conforme sua conscincia, revelia, se necessrio, do que tenham dito tribunais a ele superiores. Isso faz algum

    sentido na medida em que ilimitado o ndice de variedade das situaes concretas: no h um processo igual ao outro no

    mbito do confronto entre interesses individuais. Mas pergunto-me se h algum respeito pelo interesse pblico em abonar-

    se essa forma de rebeldia a decises de cortes superiores. Houve uma poca membros mais antigos desse Tribunal o recordam em que determinado Tribunal de Justia, numa prestigiosa unidade da Federao, dava-se crnica e assumidamente a desafiar a jurisprudncia do Supremo a respeito de um tema sumulado (um tema, por sinal, menor: a

    representatividade da ofendida em caso de crime contra os costumes). O Supremo tinha posio firme, constante e

    unnime a tal respeito, e certo Tribunal de Justia, porque pensava diferentemente, dava-se prtica de decidir nos termos

    de sua prpria convico, valorizando a chamada liberdade de convencimento, prpria de todo juiz ou tribunal. Resultado:

    todas essas decises eram, mediante recurso, derrubadas por esta casa. Aquilo que deveria acabar na origem, luz da

  • 19

    relevantes e de grande importncia para o pas. Todavia, a democratizao excessiva do

    recurso extraordinrio acabou desvirtuando o sistema de forma que o STF acabou sendo

    visto como um mero tribunal de terceira ou quarta instncia75.

    O que ainda separava os dois modelos de controle era a falta de repercusso geral

    em muitas das aes que chegavam at o STF por meio de controle difuso, j que no

    controle abstrato essa caracterstica presumidamente existente. Ento, nem todas as

    questes julgadas pelo STF eram de fato relevantes.

    Com a criao da repercusso geral como requisito de admissibilidade do recurso

    extraordinrio, o STF passar a se ocupar apenas de questes transcendentes ao

    interesse das partes, o que uma grande mudana no controle de constitucionalidade

    Brasileiro. Isso porque esse verdadeiro filtro de acesso impossibilitar que toda e

    qualquer questo constitucional em controle difuso demande a pronncia do STF.

    A repercusso geral tambm contribuir para a expanso da teoria do efeito

    transcendente dos motivos determinantes. Como visto anteriormente, a jurisprudncia

    do STF tem reconhecido a transcendncia dos fundamentos das decises em que existe

    repercusso geral, ante o risco de multiplicao de aes sobre a mesma questo. Nesse

    sentido, se o STF julgar apenas recursos extraordinrios em que h repercusso geral,

    existe uma perspectiva de que todas as decises proferidas nesses recursos tenham

    efeitos transcendentes.

    MARCELO ARAJO e LUCIANO BARROS sustentam que o STF, mesmo antes da EC.

    n. 45/04, j vinha dando tratamento diferenciado a julgamentos proferidos em controle

    difuso que continham uma repercusso geral ao conferir efeito transcendente apenas em alguns casos.76

    A exigncia de repercusso geral , por si s, uma mudana significativa no

    controle de constitucionalidade por alterar o manejo do recurso extraordinrio, que o

    instrumento mais importante dentro do controle difuso. Porm o impacto da repercusso

    geral vai muito alm disso se ela for vista como ponto de partida para o fortalecimento

    de outras mudanas. A criao da repercusso geral provavelmente implicar na

    atribuio de transcendncia aos motivos determinantes de todas as decises em recurso

    extraordinrio e, como resultado, poder ser admitida reclamao como garantia da

    autoridade das decises do STF em controle difuso. Tambm h uma expectativa da

    edio de um nmero maior de smulas vinculantes a partir de decises proferidas em

    recursos extraordinrios com repercusso geral77. Como se pode perceber, existe um

    potencial ainda maior de evoluo de todo o sistema de controle de constitucionalidade

    por traz da repercusso geral.

    jurisprudncia do Supremo, s acabava aqui, depois de um lamentvel dispndio de recursos financeiros, de tempo e de

    energia, num Judicirio j congestionado e com tempo mnimo para cuidar de coisas novas. [...] Com todo o respeito pelo

    que pensam alguns processualistas, no vejo beleza alguma nisso. Pelo contrrio, parece-me uma situao imoral, com que

    a conscincia jurdica no deveria, em hiptese alguma, contemporizar. De modo que me pergunto: faz sentido no ser

    vinculante uma deciso da Suprema Corte do pas? No estou falando, naturalmente, de fatos concretos, cada um com o

    seu perfil, reclamando o esforo hermenutico da lei pelo juiz que conhece as caractersticas prprias do caso. Estou me

    referindo s hipteses de pura anlise jurdica. Tem alguma seriedade a idia de que se devam fomentar decises

    expressivas de rebeldia? A que serve isso? Onde est o interesse pblico eis que esse tipo de poltica prospere? (Inteiro

    teor disponvel em:

    75 GOMES JUNIOR, Luiz Manoel. A repercusso geral da questo constitucional no recurso extraordinrio. Revista Sntese

    de Direito Civil e Processual Civil. Porto Alegre: Sntese, v. 6, n. 34, mar./abr., 2005. p. 96.

    76 ARAJO, Marcelo Labanca Corra de; BARROS, Luciano Jos Pinheiro. O estreitamento da via difusa no controle de

    constitucionalidade e a comprovao da repercusso geral nos recursos extraordinrios. Disponvel em:

    . Acesso

    em: 8 abr. 2008.

    77 Na sesso plenria em que foram julgados os primeiros recursos extraordinrios com repercusso geral, em 30 de abril de

    2008, o STF editou a quarta smula vinculante sobre os fundamentos da deciso proferida no RE 565.714.

  • 20

    A repercusso geral , portanto, uma das mudanas mais significativas dentro da

    tendncia de se eliminar as barreiras que distinguiam o controle de constitucionalidade

    abstrato do concreto.

    3.2.2 Efeitos Transcendentes da Deciso Proferida no Recurso Paradigma no

    Caso de Recursos Extraordinrios Mltiplos com Fundamento em Idntica

    Controvrsia

    Nos casos em que houver multiplicidade de recursos extraordinrios com

    fundamento em idntica controvrsia, o CPC (art. 543- B) e o Regimento Interno do STF

    prevem um trmite diferenciado tanto para a anlise da repercusso geral, quanto em

    relao ao julgamento do mrito.

    O art. 543-B do CPC prev o sobrestamento dos recursos extraordinrios com

    fundamento em idntica controvrsia nos tribunais ou turmas recursais de origem at

    que o STF se pronuncie sobre o caso. Ser enviado apenas um ou mais recursos paradigmas78 para que o STF primeiramente se manifeste sobre a repercusso geral e,

    depois, sobre o mrito, caso o recurso seja admitido. Qualquer que seja a deciso, ela

    vincula os rgos inferiores, seja em relao repercusso geral, seja em relao ao

    mrito. nesse aspecto que fica clara a finalidade de fazer com que o STF s se manifeste uma nica fez sobre matrias em que exista multiplicidade de recursos79.

    interessante observar que, embora o STF j tenha firmado entendimento em

    relao a vrias matrias, apenas a partir da entrada em vigor da regulamentao da repercusso geral80 que ser possvel adotar o procedimento previsto no art. 543-B do

    CPC em relao aos recursos mltiplos, no sentido de vincular tribunais e turmas

    recursais.

    Inicialmente, indispensvel a anlise quanto existncia ou no de repercusso

    geral em relao matria. Para tanto, basta que o STF se pronuncie apenas uma vez,

    quer pela presena de repercusso, quer pela ausncia. Como resultado, sero formadas

    duas listas s quais sero adicionadas novas matrias a medida em que o STF for

    analisando os recursos extraordinrios com preliminar de repercusso geral.

    J nesse ponto, a deciso do Tribunal vinculante, pois, nas matrias em que for

    declarada a ausncia de repercusso geral, o rgo de origem no poder admitir os

    recursos extraordinrios sobre a mesma matria. O efeito imediato, nesse caso,

    bloquear todos os recursos que no tenham repercusso geral.

    Entretanto, deve-se ressaltar que a multiplicidade de recursos com fundamento em idntica controvrsia j pressupe se tratar de matria com repercusso geral81. Por isso,

    provvel que todas as matrias em que existam recursos mltiplos, ou com potencial

    multiplicador, sejam admitidas e julgadas pelo STF, pois a deciso servir como um

    precedente a ser seguido em casos semelhantes.

    Uma vez reconhecida a existncia de repercusso geral e admitido o recurso, basta

    que o STF se pronuncie sobre o mrito uma s vez. Isso porque da forma como o art.

    543-B previu o procedimento quanto aos recursos mltiplos, os motivos determinantes

    78 ARAJO, Jos Henrique Mouta. A Eficcia da Deciso Envolvendo a Repercusso Geral e os Novos Poderes dos

    Relatores e dos Tribunais Locais. Revista de Processo. So Paulo: Revista dos Tribunais, ano 32, n. 152, out. 2007. p.

    186.

    79 Supremo Tribunal Federal, Gabinete Extraordinrio de Assuntos Institucionais. Repercusso Geral no Recurso

    Extraordinrio. Posio: Dezembro de 2007. Disponvel em:

    . Acesso em: 10 mar.

    2008.

    80 O STF s passou a exigir a preliminar de repercusso a partir de 3 de maio de 2008, data em que entrou em vigor a

    Emenda Regimental n. 21 de 2007.

    81 MEDINA, Jos Miguel Garcia. Variaes Recentes Sobre os Recursos Extraordinrio e Especial Breves Consideraes. In: FUX, Luiz, NERY JNIOR, Nelson, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Processo e Constituio: Estudos

    em Homenagem ao Professor Jos Carlos Barbosa Moreira. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 1050-1067.

  • 21

    da deciso tero efeitos transcendentes, o que significa a existncia de efeito vinculante82

    quanto aos fundamentos da deciso. O curioso que essa vinculao vlida tanto para

    julgamentos futuros, quanto para os processos j julgados. O CPC determina que, aps o

    julgamento do mrito pelo STF, o rgo de origem dever declarar o recurso prejudicado,

    caso o acrdo recorrido seja mantido, ou retratar-se de forma a adequar o acrdo

    deciso do STF, no caso de reforma. O objetivo claro que a questo seja resolvida

    ainda na origem, mesmo que para isso o tribunal ou a turma recursal tenha que alterar o

    julgamento j proferido.

    Quanto ao poder de alterao da deciso colegiada j prolatada, JOS HENRIQUE

    MOUTA ARAJO aponta para a criao de mais uma exceo ao art. 463 do CPC, o qual

    prev as hipteses de alterao da sentena aps a publicao, e tambm questiona a

    constitucionalidade da regra, pois o juzo de retratao transferiria, indiretamente, ao

    rgo de origem, o juzo de mrito do recurso extraordinrio, o que contraria o art. 102, III, da Constituio83.

    De fato, restam dvidas quanto ao destino do recurso extraordinrio nos casos de

    retratao. Como a hiptese no se encontra prevista no art. 463 do CPC, o acrdo no

    poderia ser simplesmente alterado aps a deciso do STF no recurso paradigma. Tal

    reforma s seria possvel em sede recursal, mas a a competncia para julgar o mrito do

    recurso extraordinrio do STF. O mais razovel que o rgo de origem se retrate,

    alterando o julgamento, e o recurso no seja admitido por falta de interesse recursal

    superveniente. Dessa forma, evitar-se-ia a inconstitucionalidade em razo do julgamento

    do mrito do recurso extraordinrio por outro rgo que no o STF.

    No futuro, quando o STF j tiver se manifestado sobre a repercusso geral em

    vrias matrias, espera-se uma reduo drstica na quantidade de recursos extraordinrios84. Primeiro, porque j ser de conhecimento de todos quais so as

    matrias com e sem repercusso geral e, segundo, porque as matrias com repercusso

    geral j tero sido julgadas, o que obrigar os tribunais e turmas recursais a seguir o

    entendimento do STF. Sobraro apenas as matrias inditas e os casos em que os rgos

    inferiores insistirem em no se retratar.

    O efeito transcendente da deciso proferida no recurso paradigma no caso de

    recursos extraordinrios mltiplos com fundamento em idntica controvrsia aproxima

    ainda mais os controle concreto e abstrato. Com a repercusso geral, o STF s precisar

    se pronunciar uma nica vez sobre a questo constitucional presente em recursos

    mltiplos de matria idntica. Qualquer que seja a deciso, quanto repercusso geral

    ou quanto ao mrito depois de admitido o recurso, os tribunais e turmas recursais ficam

    vinculados deciso do STF, devendo respeitar os seus fundamentos determinantes.

    Com isso, os mecanismos criados pelo CPC restringem o acesso ao STF, que, quando

    permitido, demanda um nico pronunciamento de forma definitiva, tal como ocorre no

    julgamento das aes de controle abstrato.

    4 CONCLUSO

    A repercusso geral uma das mudanas mais significativas para a modernizao

    do controle de constitucionalidade brasileiro. Mesmo que se trate de um mero requisito

    de admissibilidade do recurso extraordinrio, a sua aplicao tem um papel fundamental

    na valorizao do STF como Corte Constitucional.

    82 ARAJO, Jos Henrique Mouta. A Eficcia da Deciso Envolvendo a Repercusso Geral e os Novos Poderes dos

    Relatores e dos Tribunais Locais. Revista de Processo. So Paulo: Revista dos Tribunais, ano 32, n. 152, out. 2007. p.

    191.

    83 ARAJO, op. cit., p. 193.

    84 ARAJO, op. cit., p. 191.

  • 22

    A repercusso geral no pode ser inteiramente compreendida se analisada de forma

    isolada. As inovaes ocorridas nos ltimos anos abriram caminho para que a nossa

    jurisdio constitucional recebesse com naturalidade o instituto da repercusso geral. Os

    novos entendimentos jurisprudenciais, juntamente com as recentes alteraes

    legislativas, so responsveis pelo amadurecimento do controle de constitucionalidade no

    Brasil e a repercusso geral apenas parte desse processo. Assim, no contexto da

    tendncia de objetivao do controle concreto que a repercusso geral tem que ser

    analisada.

    A reinterpretao do papel do Senado (art. 52, X, da Constituio), a teoria da

    transcendncia dos motivos determinantes, a smula vinculante e a legitimidade ampla

    para a propositura de reclamao tambm em controle concreto so alguns exemplos de

    idias que se libertaram da diviso tradicional entre os dois modelos de controle de

    constitucionalidade. Nesse sentido, a repercusso geral mais uma inovao que

    contribui para a objetivao do controle concreto.

    A repercusso geral aproxima o controle concreto do controle abstrato na medida

    em que introduz elementos do processo objetivo no trmite do recurso extraordinrio. A

    primeira mudana diz respeito prpria exigncia da demonstrao de que a questo

    constitucional suscitada relevante e transcendente ao interesse das partes, o que

    uma caracterstica do controle abstrato. Outra inovao a existncia de efeito

    vinculante em relao a todas as decises proferidas nos recursos extraordinrios desde

    a existncia ou no de repercusso geral at a deciso de mrito. No caso de no ser

    reconhecida a repercusso geral de uma determinada matria, todos os tribunais

    inferiores tem a