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A TEORIA DA ABSTRAÇÃO E DA OBJETIVAÇÃO DO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO
Archavir Mário Donelian*
Resumo: O presente artigo trata da Teoria da Abstração e da Objetivação do Recurso
Extraordinário. A referida teoria preceitua que em função de uma mutação constitucional
os efeitos da declaração de inconstitucionalidade realizada em controle difuso e em
controle concentrado estão equiparados. Em função da mutação constitucional o comando
do artigo 52,X da Constituição Federal, que antes da referida mutação tinha por objetivo
a suspender a execução da lei declarada inconstitucional em controle difuso, passa a ter
por objetivo unicamente dar publicidade à declaração de inconstitucionalidade realizada
em controle difuso. Serão abordadas as causas da mutação e seus reflexos no ordenamento
jurídico nacional.
Palavras-chave: Mutação Constitucional. Recurso Extraordinário. Teoria da Abstração e
da Objetivação do Recurso Extraordinário.
Abstract: This article deals with the Theory of Abstraction and the Objectivation of the
Extraordinary Appeal. The aforementioned theory states that due to a constitutional
mutation the effects of the declaration of unconstitutionality performed in diffuse control
and in concentrated control are equated. Due to the constitutional mutation, the command
of article 52, X of the Federal Constitution, which before the said mutation was intended
to suspend the execution of the law declared unconstitutional in diffuse control, has as its
objective only to publicize the declaration of unconstitutionality held in diffuse control.
The causes of the mutation and its repercussions will be addressed in the national legal
order.
Key words: Constitutional Mutation. Extraordinary Appeal. Theory of Abstraction and
Objectification of the Extraordinary Appeal.
Sumário: Introdução; 1.Recurso Extraordinário; 1.1 Exaurimento de instância e causas
decididas; 1.2 Repercussão geral; 1.3 Hipóteses de cabimento; 2. Teoria da Abstração e
da Objetivação do Recurso Extraordinário; 2.1 O inciso X do art.52 da Constituição
Federal; 2.2 A mutação constitucional; Conclusão; Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
No presente trabalho iremos analisar o recurso extraordinário, mais
precisamente em relação à chamada Teoria da Abstração e da Objetivação do recurso
* Mestrando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Formado em Direito pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E-mail:[email protected]
2
extraordinário. Faremos uma breve apresentação do recurso extraordinário apresentando
os requisitos para sua interposição.
A seguir iremos analisar a Teoria da Abstração e Objetivação do Recurso
Extraordinário. A referida teoria equipara a declaração de inconstitucionalidade em
controle concentrado e em controle difuso. Dessa forma, uma lei declarada
inconstitucional, pelo STF, em controle difuso, produzirá efeitos que ultrapassam o caso
concreto em que a lei foi declarada inconstitucional. Assim, os efeitos da decisão de
inconstitucionalidade passam a ter eficácia erga omnes como nas declarações de
inconstitucionalidade em controle concentrado. Essa equiparação decorre de uma
mutação constitucional que faz com que a resolução do Senado prevista no inciso X do
art.52 da Constituição Federal deixa de ser necessária para suspender os efeitos da lei
declarada inconstitucional em controle difuso realizado pelo STF, tendo a função única
de dar publicidade à decisão. A decisão passa a produzir efeitos imediatos, sendo que,
seus efeitos transcenderão o caso concreto em que a decisão foi proferida.
Faremos uma análise da doutrina em torno da matéria, dos seus reflexos na
legislação. Analisaremos também o voto do Ministro Eros Grau na reclamação 4335/AC
de relatoria do Ministro Gilmar Mendes.
1 O RECURSO EXTRAORDINÁRIO
O Recurso Extraordinário1 está previsto no art.102,III da Constituição
Federal, in verbis:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a
guarda da Constituição, cabendo-lhe:
(...)
III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em
única ou última instância, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta
Constituição.
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.
É um recurso que tem por escopo a guarda do sistema jurídico, mais
precisamente da constituição. Tem relação direta com o modelo federativo adotado pelo
Estado. Dessa forma, a constituição é a mesma para todo o país e o STF ao decidir um
1 Também previsto nos artigos 1029 a 1041 do CPC.
3
recurso extraordinário, estará, em tese, definindo a melhor interpretação relativa a
constituição da questão que lhe foi apreciada.
Para que o recurso extraordinário possa ser utilizado devem ser atendidos
certos requisitos. São eles: o exaurimento de instância e a causa decidida, a existência de
repercussão geral e o enquadramento da questão constitucional em uma das hipóteses de
cabimento previstas no inciso III do art.102 da Constituição Federal.
1.1 Exaurimento de instância e causas decididas.
O recurso extraordinário é classificado como um recurso de estrito direito,
isto é, limita-se a analisar a aplicação do direito em relação aos fatos, no acórdão
recorrido. É a chamada causa decidida, constante no inciso III do art.102 da CF.
Cassio Scarpinella Bueno esclarece o sentido e o alcance da expressão causas
decididas:
“Causas decididas” querem significar, antes de tudo, que a decisão que
se submete ao recurso extraordinário e ao recurso são decisões que não
comportam mais quaisquer outros recursos perante os demais órgãos do
jurisdicionais. Pressupõe-se, para empregar expressão comuníssima,
“exaurimento de instância. 2 3 4
Vale destacar que o exaurimento de instância mencionado deve ser
qualificado, não basta esgotar a instância, deve a matéria objeto do recurso ter sido objeto
de prequestionamento. Teresa Arruda Alvim e Bruno Dantas esclarecem o
prequestionamento:
No âmbito dos recursos excepcionais, o pressuposto constitucional de
que as causas tenham efetivamente sido decididas quer significar que o
ponto sobre o qual o recorrente deseja que o STJ ou o STF se pronuncie
deve estar contido no bojo da decisão recorrida.5
2 SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 5ª Ed.São Paulo:
Saraiva.2014.P.239. 3 Enunciado 281 da súmula do STF: É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber na justiça de
origem, recurso ordinário da decisão impugnada. 4 Enunciado 207 da súmula do STJ: É inadmissível recurso especial quando cabíveis embargos
infringentes contra acórdão proferido no tribunal de origem.: 5 ARRUDA ALVIM, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e a Nova
Função dos Tribunais Superiores. São Paulo: RT.2018.P.356.
4
Cassio Scarpinella Bueno faz observação a respeito das origens da palavra
prequestionamento, termo cunhado com base nas constituições de 1891 e 1946 e que
originou as súmulas 282 e 356, ambas do STF. Destaca que a atual Constituição Federal
não faz menção ao referido termo, destacando que:
É das decisões proferidas por outros órgãos jurisdicionais que
decorrem, ou não, violações e contrariedades às normas federais e à
jurisprudência de outros Tribunais. Sem prévia decisão, não há como
estabelecer em que medida as normas federais, constitucionais ou
legais, foram ou deixaram de ser violadas pelos demais componentes
da estrutura do judiciário nacional.
O “prequestionamento”, porém, diferentemente do que insinua o seu
nome, caracteriza-se pelo enfrentamento de uma dada tese de direito
constitucional ou de direito infraconstitucional federal na decisão a ser
recorrida, e não pelo debate ou pela suscitação da questão antes de seu
proferimento.6
O CPC 2015 veicula em seu art.1025 os embargos de declaração
prequestionadores, in verbis:
Art. 1.025. Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o
embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os
embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o
tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou
obscuridade.
Em outros termos, uma vez omissa a decisão judicial, relativamente a questão
que será veiculada no recurso especial ou extraordinário, sendo a referida omissão
aventada em embargos de declaração e o vício não seja sanado, considerar-se-á satisfeito
o requisito do prequestionamento.
1.2 Repercussão geral.
Outro requisito, é o da repercussão geral, a qual está prevista no parágrafo 3º
do art.102 da CF, incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, o qual
transcrevemos abaixo, in verbis:
§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a
repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos
6 SCARPINELLA BUENO, Cassio.Curso Sistematizado de Direito Processual Civil.5ª Ed. São Paulo:
Saraiva.2014.P.240.
5
termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso,
somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus
membros.
Arruda Alvim esclarece o que deve ser observado para que se identifique a
repercussão geral de uma questão:
O que o texto prescreve é que passa a ser necessária , para que possa vir
a ser admitido e julgado um recurso extraordinário, que a repercussão
da matéria discutida seja geral, i.e., que diga respeito a um grande
número de pessoas ou a um largo segmento social, uma decisão sobre
assunto constitucional impactante, sobre tema constitucional muito
controvertido; igualmente, haverá repercussão geral em relação a
decisão que contrarie orientação do STF; que diga respeito à vida, à
liberdade, à federação, à invocação do princípio da proporcionalidade (
em relação à aplicação de texto ou textos constitucionais), etc.,ou, ainda
outros valores conectados a texto constitucional que se alberguem
debaixo da expressão repercussão geral. Deve transcender o interesse
dos litigantes. 7
A questão constitucional a ser analisada deve repercutir de forma a
transcender o interesse das partes. Ponto a ser destacado é que parece ter a questão
constitucional uma presunção de repercussão geral, isto é, só com a manifestação de 2/3
dos membros do STF é que essa presunção será afastada. Dessa forma, o STF se manifesta
para afirmar que a questão veiculada no recurso não possui repercussão geral.
O legislador não enumera as hipóteses em que haverá repercussão federal de
uma questão. Barbosa Moreira, ao comentar o parágrafo 1º do art. 543-A do CPC 1973
( Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973.), com redação similar ao parágrafo 1º do art.1035
do CPC 2015, esclarece esse ponto:
Compreensivelmente, não tentou o legislador uma enumeração
casuística das hipóteses em que deve considerar presente a “repercussão
geral”. Cingiu-se a estatuir que, para tal efeito “será considerada a
existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico,
político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da
causa”(art.543-A, § 1º).8
7 ARRUDA ALVIM, José Manuel. O Recurso Extraordinário Brasileiro e o Instituto da Repercussão
Geral . In: BERIZONCE, Roberto; HITTERS, Juan Carlos; OTEIZA, Eduardo Oteiza (coords.). El
Papel de los Tribunales Superiores: estudios em honor del Dr. Augusto Mario Morello. Santa Fe:
Rubinzal-Culzoni, 2008.P.302 8 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil, V.5. Rio de Janeiro
Forense.2013. P.615/616.
6
Verifica-se dessa forma que a existência da repercussão geral será analisada
pelo STF, podendo qualquer questão apresentar repercussão geral, desde que transcenda
o caso concreto submetido à apreciação do STF.
Isso não impede que o legislador enumere situações em que a repercussão
geral será presumida. Situações em que dada a magnitude da questão a ser analisada,
presume-se sua transcendência em relação ao caso submetido ao STF. O CPC veicula três
situações em que a repercussão geral é presumida. Caso do recurso extraordinário
interposto contra decisão que julga o Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas(art. 987, §1º do CPC), o recurso que impugnar acórdão que contrarie súmula
ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e tenha reconhecido a
inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal, nos termos do art. 97 da Constituição
Federal (art.1035, § 3º do CPC).
Em nosso sentir, pode o STF afastar essa presunção tendo por base o disposto
no § 3º do art. 102 da CF. Esse entendimento decorre da posição hierárquica superior da
Constituição Federal no ordenamento jurídico. Prevalece dessa forma seu comando ante
o comando decorrente do CPC. A última palavra sobre a existência ou não da repercussão
geral será sempre do STF. Em outros termos, a previsão legal não retira a competência
do STF para analisar se a questão veiculada pelo recurso extraordinário possui ou não
repercussão geral.
1.3 Hipóteses de cabimento.
A ofensa que dá ensejo a interposição do recurso extraordinário deverá ser
direta a consituição, isto é, não pode ser reflexa. Será reflexa a ofensa nas ocasiões em
que seja necessário analisar uma norma infraconstitucional para constatar a ofensa a
constituição. Em outros termos, na ofensa direta “olhamos” diretamente para a CF. Na
reflexa, através de uma norma infraconstitucional.9
Teresa Arruda Alvim e Bruno Dantas, tomando por base os ensinamentos de
Nestor Sagües, destacam que existem violações diretas,indiretas e mistas a Constituição
9 Enunciado de súmula 636 do STF: Não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio
constitucional da legalidade, quando a sua verificação pressuponha rever a interpretação dada a normas
infraconstitucionais pela decisão recorrida.
7
e que em todos os casos é cabível a interposição do Recurso Extraordinário. Questões
mistas são aquelas em que se entrelaçam questões constitucionais diretas e indiretas. Caso
de interposição conjunta de Recurso Extraordinário e Especial. Efetivamente, apresenta-
se a questão direta quando estiver em xeque a adequação da lei ou ato infraconstitucional
invocado pela decisão recorrida, ou a decisão, em si considerada, à Constituição
Federal.10 “A questão constitucional indireta, de sua parte, está associada a uma
controvérsia sobre a quebra de hierarquia entre as espécies legislativas ou usurpação de
competência legislativa.”11
Destacam ainda os ilustres processualistas que:
Evidentemente, para que haja a possibilidade de que a decisão seja
impugnada pela via do recurso extraordinário, não há a necessidadede
que haja violação à literalidade da regra constitucional. A violação,
para ensejar RE, deve ser á pauta de conduta, à norma que consta da
CF, compreendida pelo próprio STF (na interpretação que este lhe dê)
à luz da doutrina. 12
Iremos agora analisar as hipóteses de cabimento do contidas nas alíneas “a’ a
“d” do inciso III do art.102 da CF.
A alínea “a” preceitua que, in verbis:
a) contrariar dispositivo desta Constituição.
Temos aqui a hipótese mais abrangente de interposição de recurso
extraordinário.
Cassio Scarpinella Bueno esclarece que:
O verbo “contrariar” merece interpretação ampla, como sinônimo de
violar, contrastar, infringir . Qualquer decisão, conquanto presentes as
exigências do art.102,III, da Constituição Federal, que, de alguma
forma, aplica dispositivo da Constituição Federal rende ensejo ao seu
contraste perante o Supremo Tribunal Federal para que aquele Tribunal
10 ARRUDA ALVIM, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e a Nova
Função dos Tribunais Superiores. São Paulo: RT.2018.p.467. 11 Ibidem.p.467. 12 Ibidem.p.343.
8
verifique o acerto ou o desacerto da interpretação adotada pela decisão
recorrida.13
A alínea “b” preceitua que, in verbis:
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal
Havendo decisão judicial que declare a inconstitucionalidade de tratado ou lei
federal, estará satisfeito o requisito para a interposição do recurso extraordinário.
Eduardo Arruda Alvim14 esclarece que “a decisão que tenha reconhecido
incidentalmente a inconstitucionalidade de uma lei federal, seja ela de ordem material ou
formal, desafia recurso extraordinário nos termos da alínea b do art.102,III da CF.”
Entende15 que a utilização do termo tratado é redundante dado que uma vez recepcionado
o será como lei exceto os tratados de direitos humanos recepcionados com quórum de
emenda à constituição.
A alínea ‘c” preceitua que, in verbis:
c) Julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta
Constituição.
No caso de o ato ou a lei do governo local forem julgados inválidos ao serem
contestados perante a constituição, não caberá recurso extraordinário.
Eduardo Arruda Alvim, a esse respeito esclarece que:
Trata-se, como já afirmamos, de requisito objetivo constatável de plano.
Vale dizer, basta que o tribunal local tenha julgado válido o ato do
governo local ou lei, cuja validade tenha sido contestada em face da
constituição, para ensejar o cabimento do recurso extraordinário. Isso
significa que prevalesceu o ato do governo local ou a lei local,
questionado diante da Constituição Federal. Por outro lado, se a decisão
julgar inválida lei ou ato do governo local questionado diante do Texto
Maior, a parte não poderá manejar o recurso extraordinário nos termos
da alínea c. 16
13 SCARPINELLA BUENO, Cassio.Curso Sistematizado de Direito Processual Civil.5ª Ed. São Paulo:
Saraiva.2014.P.240. 14 ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito Processual Civil. São Paulo: RT.2013.P.1004. 15 Ibidem.p.1005. 16 Ibidem.p.1005.
9
A alínea “d” preceitua que, in verbis:
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.
Trata essa hipótese de caso de violação de competência. Eduardo Arruda
Alvim esclarece esse aspecto da questão:
Na hipótese em testilha ( alínea d do inc.III do art.102 do Texto
Supremo), a controvérsia que se põe não diz respeito á legislação
infraconstitucional, mas sim à distribuição constitucional de
competências para legislar. Se a lei local está sendo contestada em face
de lei federal é porque ela trouxe em seu bojo matéria que deveria ser
de competência do legislador federal.17
Teresa Arruda Alvim e Bruno Dantas fazem observação pertinente a respeito
das alíneas do art.102,III e 105,III ambos da CF:
Para efeito de cabimentodos recursos especial e extraordinário, ofender
o direito, contrariar-se o direito, negar vigência ao direito ao direito são
hoje expressões equivalentes. Interpretar mal o texto de lei é contrariá-
lo, é negar-lhe vigência, é ofendê-lo. Tanto faz o “grau” de ofensa ao
texto do direito positivo: da interpretação “obviamente” incorreta à
interpretação “possível”, pela qual, todavia não optaram o STJ ou o
STF, todas ensejam o cabimento do recurso especial e do recurso
extraordinário pela alínea a . No caso do recurso extraordinário, desde
que haja , é claro, repercussão geral.18
Analisamos até aqui os requisitos necessários para o cabimento do Recurso
Extraordinário. A seguir, passaremos a análise da Teoria da Abstração e Objetivação do
recurso extraordinário, a qual é o objeto desse trabalho.
2. TEORIA DA ABSTRAÇÃO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
17 Ibidem.p.1006. 18 ARRUDA ALVIM, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e a Nova
Função dos Tribunais Superiores. São Paulo: RT.2018.P.348.
10
Passaremos agora a analisar a questão principal desse trabalho. Trata-se da
Teoria da Abstração e da Objetivação do recurso extraordinário. A referida teoria tem por
escopo a ocorrência de uma mutação constitucional que fez com que a resolução do
Senado, prevista no art. 52, X da CF, necessária para que uma lei declarada
inconstitucional pelo STF em controle difuso, tenha seus efeitos expandidos, torne-se
desnecessária. A referida resolução seria unicamente necessária para dar publicidade a
decisão. Note-se que a referida teoria equipara uma declaração de inconstitucionalidade
em controle difuso com a declaração de inscontitucionalidade em controle concentrado,
esta, dotada de efeito vinculante e eficácia erga omnes.
2.1 O inciso X do art. 52 da Constituição Federal.
Teresa Arruda Alvim esclarece quais são os efeitos das decisões proferidas
pelo STF em controle difuso e em controle concentrado de constitucionalidade:
Como antes diversas vezes se frisou, a declaração de
inconstitucionalidade de uma norma, segundo a doutrina tradicional, só
produz efeitos erga omnes (como regra) quando é obtida por meio de
controle concentrado, ou seja, por meio de ação cujo mérito(=objeto
litigioso) seja a incompatibilidade do teor da lei com o texto
constitucional. Quando o controle é incidenter tantum, os efeitos só se
produzem quanto ao mérito da causa (que não se confunde com a
inconstitucionalidade da lei, que é decidida como fundamento da
decisão sobre o pedido) e entre as partes daquela ação(=inter partes).19
Vemos que há diferença fundamental entre a declaração de
inconstitucionalidade por meio do controle concentrado e do controle difuso. Naquela o
mérito é a incompatibilidade do teor da lei com a constituição, nesta a incompatibilidade
é aferida de forma incidental, como fundamento da decisão,
O esclarecimento faz referência à conformação dos efeitos das decisões de
inconstitucionalidade tendo por base a redação originária da Constituição Federal de
1988. Nesta, para que a declaração de inconstitucionalidade em controle difuso pelo STF
tenha seus efeitos expandidos para toda a sociedade será necessária a participação do
Senado Federal por meio da resolução prevista no art.52, X da CF, que preceitua, in
verbis:
19 ARRUDA ALVIM, Teresa. Nulidades do Processo e da Sentença. São Paulo: RT.2017.p.336
11
Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
(...)
X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada
inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;
(...)
A participação do Senado Federal se dá por meio de uma resolução, a qual
tem o escopo de dar publicidade e de suspender da execução da lei declarada
inconstitucional, de forma parcial ou total conforme o caso. Note-se que se aplica
unicamente para o controle difuso de constitucionalidade conferindo eficácia erga omnes
a decisão que originalmente tem eficácia inter partes.
José Afonso da Silva20 esclarece a questão:
(...) (j) suspender a execução, no todo ou em parte, da lei declarada
inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal (
em parte, não há de ser entendido como poder de admitir apenas uma
parte do que foi declarado inconstitucional; se toda a lei foi declarada
inconstitucional, a suspensão há de ser total, dela toda; o Senado não
pode decidir fazê-lo apenas em parte; portanto, quando o texto fala em
suspender em parte, significa que também só parte foi declarada
inconstitucional; de outro lado, esse procedimento quando a declaração
de inconstitucionalidade decorre de ação direta nos termos do art.103;
é procedimento adequado a declaração de inconstitucionalidade
incidenter tantum, ou seja, no caso concreto, segundo a técnica do
controle difuso, pois que sua razão de ser está em fazer expandir, a
todos, os efeitos da decisão, que, em si, só tem eficácia entre as partes;
é a suspensão da execução da lei, já vimos, que confere efeitos erga
omnes à sentença que decretou a inconstitucionalidade); (...) ( destaques
no original)
Sobre os efeitos da decisão, José Afonso da Silva21 esclarece que:
(...) No que tange ao caso concreto, a declaração surte efeitos ex tunc,
isto é, fulmina a relação jurídica fundada na lei inconstitucional desde
o seu nascimento. No entanto, a lei continua eficaz e aplicável, até que
o senado suspenda sua executoriedade; essa manifestação do Senado,
que não revoga nem anula a lei, mas simplesmente lhe retira à eficácia,
só tem efeitos daí por diante, ex nunc. Pois, até então, a lei existiu. Se
existiu, foi aplicada, revelou eficácia, produziu validamente seus
efeitos. ( destaques no original)
20 AFONSO DA SILVA. José. Curso de Direito Constitucional Positivo.38ª Ed. São Paulo:
Malheiros.2015.p.527 21 Ibidem.p.56
12
Um ponto que merece atenção é o de que uma vez que o STF declara a
inconstitucionalidade de lei em controle difuso deve notificar o Senado Federal. Este não
é obrigado a suspender a eficácia da lei. O Senado tem a faculdade de suspender a eficácia.
Tal decorre do princípio da separação dos poderes (art. 2º da Constituição Federal).
No que diz respeito às decisões proferidas pelo STF em controle concentrado,
sua eficácia erga omnes decorre do § 2º do art.102 da Constituição Federal, o qual teve
sua redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, e que reproduzimos a
seguir, in verbis:
§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo
Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações
declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e
efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário
e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual
e municipal.
2.2 A mutação constitucional.
Vamos agora analisar trechos do voto do Ministro Eros Grau e do Ministro
Gilmar Mendes na reclamação 4335/AC22 de relatoria do Ministro Gilmar Mendes.
A ementa da reclamação é a seguinte:
Reclamação. 2. Progressão de regime. Crimes hediondos. 3. Decisão
reclamada aplicou o art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.072/90, declarado
inconstitucional pelo Plenário do STF no HC 82.959/SP, Rel. Min.
Marco Aurélio, DJ 1.9.2006. 4. Superveniência da Súmula Vinculante
n. 26. 5. Efeito ultra partes da declaração de inconstitucionalidade em
controle difuso. Caráter expansivo da decisão. 6. Reclamação julgada
procedente. (Rcl 4335, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal
Pleno, julgado em 20/03/2014, DJe-208 DIVULG 21-10-2014 PUBLIC
22-10-2014 EMENT VOL-02752-01 PP-00001)
Nesta reclamação discutiu-se a eficácia erga omnes da decisão proferida no
HC 82.959, ocasião em que o STF afastou a vedação de progressão de regime aos
condenados pela prática de crimes hediondos, ao considerar inconstitucional o artigo 2º,
§ 1º, da Lei n. 8.072/1990 ("Lei dos Crimes Hediondos"). No caso, tomando por base a
decisão no referido HC foi requerida a progressão de pena a outros presos, sendo que o
juiz não concedeu a progressão alegando que a decisão tem efeito inter partes. A parte
22 STF: Rcl 4335, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 20/03/2014, DJe-208
DIVULG 21-10-2014 PUBLIC 22-10-2014 EMENT VOL-02752-01 PP-00001
13
impetrou Habeas Corpus ao Tribunal de Justiça do Acre, que alegou a não existência de
resolução do Senado Federal, e dessa forma produzindo efeitos o texto declarado
inconstitucional, não concendendo o HC. Posteriormente foi impetrada reclamação ao
STF que a conheceu e julgou procedente.
O Ministro Eros Grau em seu voto esclarece que, in verbis:
A mutação constitucional é transformação de sentido do enunciado da
Constituição sem que o próprio texto seja alterado em sua redação, vale
dizer, na sua dimensão constitucional textual. Quando ela se dá, o
intérprete extrai do texto norma diversa daquelas que nele se
encontravam originariamente involucradas, em estado de potência. Há,
então, mais do que interpretação, esta concebida como processo que
opera a transformação de texto em norma. Na mutação constitucional
caminhamos não de um texto a uma norma, porém de um texto a outro
texto, que substitui o primeiro.
Daí que a mutação constitucional não se dá simplesmente pelo fato de
um intérprete extrair de um mesmo texto norma diversa da produzida
por um outro intérprete. Isso se verifica diuturnamente, a cada instante,
em razão de ser, a interpretação, uma prudência. Na mutação
constitucional há mais. Nela não apenas a norma é outra, mas o próprio
enunciado normativo é alterado.O exemplo que no caso se colhe é
extremamente rico. Aqui passamos em verdade de um texto.
[compete privativamente ao Senado Federal suspender a execução, no
todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão
definitiva do Supremo Tribunal Federal]
a outro texto
[compete privativamente ao Senado Federal dar publicidade à
suspensão da execução, operada pelo Supremo Tribunal Federal, de lei
declarada inconstitucional, no todo ou em parte, por decisão definitiva
do Supremo].
(...) ( grifos nossos)23
No trecho transcrito verificamos que teria ocorrido uma alteração no
enunciado do art.52,X da CF. A alteração não se deu por meio de interpretação, mas por
meio de mutação, a qual alterou o enunciado normativo. Os termos grifados destacam que
no novo enunciado, a resolução do senado deixa de ser o meio pelo qual se dá eficácia da
lei declarada inconstitucional pelo STF e passa a ser meio de dar publicidade a decisão.
Mais adiante, em outro trecho, verificamos que:
(...)
Eis precisamente o que o eminente relator pretende tenha ocorrido, uma
mutação constitucional. Pouco importa a circunstância de resultar
23 STF: Rcl 4335, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 20/03/2014, DJe-
208 DIVULG 21-10-2014 PUBLIC 22-10-2014 EMENT VOL-02752-01 PP-00001
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estranha e peculiar, no novo texto, a competência conferida ao Senado
Federal --- competência privativa para cumprir um dever, o dever de
publicação [= dever de dar publicidade] da decisão, do Supremo
Tribunal Federal, de suspensão da execução da lei por ele declarada
inconstitucional. Essa peculiaridade manifesta-se em razão da
circunstância de cogitar-se, no caso, de uma situação de mutação
constitucional. O eminente Relator não está singelamente conferindo
determinada interpretação ao texto do inciso X do artigo 52 da
Constituição. Não extrai uma norma diretamente desse texto, norma
essa cuja correção possa ser sindicada segundo parâmetros que linhas
acima apontei. Aqui nem mesmo poderemos indagar da eventual
subversão, ou não subversão, do texto. O que o eminente Relator afirma
é mutação, não apenas uma certa interpretação do texto do inciso X do
artigo 52 da Constituição.
(...)
A mutação constitucional decorre de uma incongruência existente entre
as normas constitucionais e a realidade constitucional, entre a
Constituição formal e a Constituição material. Oposições entre uma e
outra são superadas por inúmeras vias, desde a interpretação, até a
reforma constitucional. Mas a mutação se dá sem reforma, porém não
simplesmente como interpretação. Ela se opera quando, em última
instância, a práxis constitucional, no mundo da vida, afasta uma porção
do texto da Constituição formal, sem que daí advenha uma ruptura do
sistema.
E proponho retermos, em síntese, a afirmação que linhas acima
formulei: na mutação constitucional não apenas a norma é nova, mas o
próprio texto normativo é substituído por outro.
O eminente Relator afirma é mutação, não apenas uma certa
interpretação do texto do inciso X do artigo 52 da Constituição.
(...)
Obsoleto o texto que afirma ser da competência privativa do Senado
Federal a suspensão da execução, no todo ou em parte, de lei declarada
inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal,
nele se há de ler, por força da mutação constitucional, que compete ao
Senado Federal dar publicidade à suspensão da execução, operada pelo
Supremo Tribunal Federal, de lei declarada inconstitucional, no todo ou
em parte, por decisão definitiva do Supremo.Indague-se, a esta altura,
se esse texto, resultante da mutação, mantém-se adequado à tradição [=
à coerência] do contexto, reproduzindo-a, de modo a ele se amoldar
com exatidão. A resposta é afirmativa. Ademais não se vê, quando
ligado e confrontado aos demais textos no todo que a Constituição é,
oposição nenhuma entre ele e qualquer de seus princípios; o novo texto
é plenamente adequado ao espaço semântico constitucional.(grifos
nossos)24
O que podemos observar pela leitura dos trechos destacados é que o texto do
art. 52, X, como originariamente concebido estaria obsoleto.
24 STF: Rcl 4335, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 20/03/2014, DJe-
208 DIVULG 21-10-2014 PUBLIC 22-10-2014 EMENT VOL-02752-01 PP-00001
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Passaremos agora a analisar como se deu a mutação. Tomaremos por base a
fundamentação do Ministro Gilmar Mendes, relator da reclamação 4.335, em seu voto25.
O primeiro ponto a ser observado é o de que a resolução do Senado não se
aplica às decisões do STF que definem a orientação constitucionalmente adequada, o
mesmo se aplicando nas decisões em que se define a interpretação conforme a
constituição. Em todos eles, a lei não é declarada inconstitucional. Dessa forma, não
existe a necessidade da resolução do Senado. O mesmo se aplica aos casos de declaração
de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto.
A resolução do senado também não é necessária quando uma norma é
declarada constitucional. O mesmo se aplicando quando o STF decide pela não recepção
de uma norma.
Outra área em que se pode perceber a mutação constitucional é a relativa à
reserva de plenário para a declaração de inconstitucionalidade, por um tribunal, em
controle difuso. Tal é a previsão do art.97 da CF, in verbis:
Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou
dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar
a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.
O STF, por meio de sua jurisprudência firmou orientação no sentido de que
uma vez firmada orientação do plenário do STF sobre a inconstitucionalidade de
determinado dispositivo, fica dispensada a análise pelo pleno/órgão especial de um
tribunal, quando da necessidade da declaração de inconstitucionalidade em controle
difuso. Em outros termos, uma vez que o pleno do STF se pronunciou sobre a
inconstitucionalidade de uma norma, não é necessário observar o comando do art. 97 da
CF quando em um Tribunal a mesma norma for considerada inconstitucional.
Hely Lopes Meirelles, Arnold Wald e Gilmar Ferreira Mendes esclarecem
que:
Esse entendimento marca uma evolução no sistema de controle de
constitucionalidade brasileiro, que passa a equiparar, praticamente, os
efeitos das decisões proferidas nos processos de controle abstrato e
25 Faremos alguns ajustes tendo por base a nona parte do livro Mandado de Segurança e ações
Constitucionais(37ª Edição) de autoria de Hely Lopes Meirelles, Arnold Wald e Gilmar Mendes. O referido
capítulo cuida do Controle Incidental ou Concreto no Direito Brasileiro. Consta do prefácio que Gilmar
Mendes é o autor partes relativas ao controle de constitucionalidade. Outros doutrinadores também serão
utilizados na exposição.
16
concreto. A decisão do STF, tal como colocada , antecipa o efeito
vinculante de seus julgados em matéria de controle de
constitucionalidade incidental, permitindo que o órgão fracionário se
desvincule do dever de observância da decisão do pleno ou do órgão
especial do tribunal a que se encontra vinculado.Decide-se
autonomamente com fundamento na declaração de
inconstitucionalidade (ou de constitucionalidade) do STF proferida
incidenter tantum. 26
Tal orientação foi assimilada pelo CPC de 7327 e foi mantida no CPC 2015
no art.949, parágrafo único, in verbis :
Art. 949. Se a arguição for:
(...)
Parágrafo único. Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão
ao plenário ou ao órgão especial a arguição de inconstitucionalidade
quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo
Tribunal Federal sobre a questão.
Outro ponto a ser destacado é a possibilidade de o STF editar súmulas
vinculantes. As súmulas vinculantes estão previstas no art.103-A da CF e na Lei
11.417/2006. Trancrevemos a seguir o art.103-A da CF, incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004, in verbis:
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por
provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após
reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a
partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em
relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública
direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como
proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Vide Lei nº
11.417, de 2006).
§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia
de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre
órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete
grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre
questão idêntica. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação,
revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles
que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula
aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao
Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato
26 MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnold, FERREIRA MENDES, Gilmar. Mandado de Segurança e
Ações Constitucionais.37ª Ed. São Paulo: Malheiros.2016.P.778. 27 Art.48O1, parágrafo único:
17
administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará
que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme
o caso. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
A análise do art.103-A demonstra que a súmula vinulante vincula o judiciário
e a administração pública. O enunciado produz efeitos imediatamente a partir da sua
publicação, tendo efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à
administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. E uma
vez que seja contrariada por ato administrativo ou decisão judicial, caberá reclamação.
Hely Lopes Meirelles, Arnold Wald e Gilmar Ferreira Mendes esclarecem
que:
A súmula vinculante, ao contrário do que ocorre no processo objetivo,
decorre de decisões tomadas em casos concretos no modelo incidental,
no qual também existe, não raras vezes reclamo por solução geral. Ela
só pode ser editada depois de decisão do Plenário do STF ou de decisões
repetidas das Turmas.28
Note-se que o enunciado de súmula vinculante decorre de decisões tomadas
em casos concretos. O entendimento exarado no enunciado de súmula vinculante dispensa
a resolução do Senado para produzir efeitos. Tal se dá por produzir efeitos assim que o
enunciado de súmula vinculante é publicado29. Nesse sentido destacamos os dizeres de
Teori Albino Zavascki:
A partir dai já não tem sentido prático eventual resolução do Senado
suspendendo a execução da lei declarada inconstitucionaal se, sobre a
matéria houver súmula dessa natureza. Com efeito, a partir da sua
publicação na imprensa oficial, a súmula, por si só, terá efeito
vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à
administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e
municipal(art.103-A da CF/1988), sendo que, “da decisão judicial ou
do ato administrativo que contrariar enunciado de súmula vinculante,
negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente, caberá reclamação ao
STF, sem prejuízo dos recursos ou outros meios de impugnação”(art.7º
. da Lei 11.417/2006). 30
28 MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnold, FERREIRA MENDES, Gilmar. Mandado de Segurança e
Ações Constitucionais.37ª Ed. São Paulo: Malheiros.2016.P.790. 29 Lei 11417/2006: Art. 7o Da decisão judicial ou do ato administrativo que contrariar enunciado de
súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente caberá reclamação ao Supremo
Tribunal Federal, sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação. 30 ZAVASKY, Teori Albino. Eficácia das Sentenças na Jurisdição Constitucional.4ª Ed. São Paulo:
RT2017.P.48.
18
Hely Lopes Meirelles, Arnold Wald e Gilmar Ferreira Mendes tem o mesmo
entendimento:
Não resta dúvida de que a adoção de súmula vinculante em situação que
envolva a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo
enfraquecerá ainda mais o já debilitado instituto da suspensão de
execução pelo Senado. É que esta súmula confere interpretação
vinculante à decisão que declara a inconstitucionalidade sem que a lei
declarada inconstitucional tenha sido eliminada formalmente do
ordenamento jurpidico ( falta de eficácia geral da decisão declaratória
de inconstitucionalidade). Tem-se efeito vinculante da súmula, que
obrigará a Administração a não mais aplicar a lei objeto da declaração
de inconstitucionalidade ( nem a orientação que dela dessume), sem
eficácia erga omnes da declaração de inconstitucionalidade.31
Teori Albino Zavascki chama a atenção para um outro ponto. Trata-se da
instituição da repercussão geral como requisito de adminssibilidade do recurso
extraordinário pela EC45/2004. Destaca que para que a repercussão geral seja
caracterizada o legislador:
(...) considerou como indispensável á caracterização da repercussão
geral que as questões discutidas sejam relevantes sob dois distintos
aspectos; (a) o material (“relevantes do ponto de vista econômico,
político e social e jurídico”) e (b) o subjetivo( “que ultrapassem o
interesse subjetivo” da causa ou do processo) esse segundo requisito
evidencia o caráter objetivo de que se reveste a formação do precedente.
Justamente com base nessa circunstância, o STF, ao examinar a
natureza e o alcance do novo regime, deixou inequivocadamente
acentuado o efeito expansivo e vinculante das decisões dele decorrentes
para os demais recursos já interpostos ou que vierem a sê-lo.32
Destaca ainda a modulação de efeitos em decisões oriundas de julgamento de
recurso extraordinário, o que reforça a tese.
Hely Lopes Meirelles, Arnold Wald e Gilmar Ferreira Mendes chamam a
atenção para como o STF decide no caso de inconstitucionalidade de leis municipais:
Observe-se, ainda, que nas hipóteses de declaração de
inconstitucionalidade de leis municipais o STF tem adotado postura
significativamente ousada, conferindo efeito vinculante não só à parte
dispositiva da decisão de inconstitucionalidade, mas também aos
próprios fundamentos determinantes. É que são numericamente
expressivos os casos em que o STF tem extendido a decisão do Plenário
31 MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnold, FERREIRA MENDES, Gilmar. Mandado de Segurança e
Ações Constitucionais.37ª Ed. São Paulo: Malheiros.2016.P.790/791. 32 ZAVASKY, Teori Albino. Eficácia das Sentenças na Jurisdição Constitucional.4ª Ed. São Paulo:
RT2017.P.49.
19
que declara à inconstitucionalidade de norma municipal a outras
situações idênticas, oriundas de Municípios diversos. Em suma, tem-se
considerado dispensável, no caso de modelos legais idênticos, a
submissão da questão ao Plenário. 33
Destacam como exemplo dessa situação a ilegitimidade da cobrança de IPTU
progressivo. No caso, foi utilizado o fundamento fixado pelo Plenário para a decisão de
situação similar, oriunda do Município de Belo Horizonte, ao Município de São José do
Rio Preto.
Destacam ainda a utilização da causa de pedir aberta nos julgamentos dos
REs, tendo a corte “admitido a possibilidade de conhecer do recurso extraordinário sem
se vincular a fundamentação do caso específico.”34 Dessa forma, o recurso será ou não
provido tendo em conta a totalidade da constituição.
Ocorreram no CPC 1973 mudanças que que foram reproduzidas e
aperfeiçoadas no CPC 2015.
Um exemplo disso pode ser verificado no art.93235 do CPC:
Art. 932. Incumbe ao relator:
(...)
IV - negar provimento a recurso que for contrário a:
a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de
Justiça ou do próprio tribunal;
b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior
Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas
repetitivas ou de assunção de competência;
V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento
ao recurso se a decisão recorrida for contrária a:
a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de
Justiça ou do próprio tribunal;
b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior
Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
33 MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnold, FERREIRA MENDES, Gilmar. Mandado de Segurança e
Ações Constitucionais.37ª Ed. São Paulo: Malheiros.2016.P.786. 34 Ibidem.p.731. 35 CPC 73: Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente,
prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do
Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. (Redação dada pela Lei nº 9.756, de 1998)
§ 1o-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante
do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso.
(Incluído pela Lei nº 9.756, de 1998)
§ 1o Da decisão caberá agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso,
e, se não houver retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o
recurso terá seguimento.(Incluído pela Lei nº 9.756, de 1998)
§ 2o Quando manifestamente inadmissível ou infundado o agravo, o tribunal condenará o agravante a pagar
ao agravado multa entre um e dez por cento do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer
outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor. (Incluído pela Lei nº 9.756, de 1998)
20
c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas
repetitivas ou de assunção de competência;
(...) ( destaques não constantes no original )
Note-se que o relator pode negar ou dar provimento a decisão que esteja em
desconformidade com acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior
Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos. A resolução do Senado,
novamente acaba por ser desnecessária, dado que verificamos que o comando produz seus
efeitos por si mesmo.
Hely Lopes Meirelles, Arnold Wald e Gilmar Ferreira Mendes chamam a
atenção para :
Também aqui parece evidente que o legislador entendeu possível
estender de forma geral os efeitos da decisão adotada pelo Tribunal,
tanto nas hipóteses de declaração de inconstitucionalidade incidental
de determinada lei federal, estadual ou municipal – hipótese que estaria
submetida à intervenção do Senado – quanto nos casos de fixação de
uma dada interpretação constitucional pelo Tribunal.
Ainda que a questão pudesse comportar outras leituras, é certo que o
legislador ordinário, com base na jurisprudência do STF, considerou
legítima a atribuição de efeitos ampliativos à decisão proferida pelo
Tribunal, até mesmo em sede de controle de constitucionalidade.36
A técnica de julgamento pela via repetitiva37 também demonstra a existência
da mutação constitucional. Dois aspectos chamam a atenção para essa técnica de
julgamento.
A primeira é a suspensão dos processos em trâmite, conforme preceitua o
inciso II do art.1037 do CPC, in verbis:
Art. 1.037. Selecionados os recursos, o relator, no tribunal superior,
constatando a presença do pressuposto do caput do art. 1.036, proferirá
decisão de afetação, na qual:
(...)
II - determinará a suspensão do processamento de todos os processos
pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e
tramitem no território nacional;
A outra é que uma vez decididos afetados a tese firmada será aplicada
imediatamente aos recursos que versem sobre a mesma controvérsia ou serão declarados
36 MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnold, FERREIRA MENDES, Gilmar. Mandado de Segurança e
Ações Constitucionais.37ª Ed. São Paulo: Malheiros.2016.P.787/786. 37 CPC 73 art.543-B e art.543-C.
21
prejudicado. Note-se que não reconhecida a repercussão geral sobre a questão no recurso
extraordinário afetado, serão considerados imediatamente não admitidos os que estejam
com o processamento sobrestado.
Art. 1.039. Decididos os recursos afetados, os órgãos colegiados
declararão prejudicados os demais recursos versando sobre idêntica
controvérsia ou os decidirão aplicando a tese firmada.
Parágrafo único. Negada a existência de repercussão geral no recurso
extraordinário afetado, serão considerados automaticamente
inadmitidos os recursos extraordinários cujo processamento tenha sido
sobrestado.
Vemos que nesse procedimento o resultado de um caso entre José e Maria
terá eficácia que alcançará muitas outras pessoas, sem a necessidade da resolução do
Senado.
O mesmo se aplica ao recurso extraordinário avulso. Tal pode ser observado
no art.1030, I, “a” do CPC:
Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o
recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15
(quinze) dias, findo o qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao
vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá:
I – negar seguimento:
a) a recurso extraordinário que discuta questão constitucional à qual o
Supremo Tribunal Federal não tenha reconhecido a existência de
repercussão geral ou a recurso extraordinário interposto contra acórdão
que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal
Federal exarado no regime de repercussão geral;
Note-se que uma vez decidida uma questão pelo STF, poderá o o presidente
ou o vice-presidente do tribunal negar seguimento a um recurso que discuta questão sobre
a qual o STF já se manifestou de forma contrária ou de recurso interposto de acórdão em
conformidade com a tese firmada pelo STF, independentemente da existência da
resolução do Senado Federal prevista no inciso X do art.52 da Constituição federal.
Outro artigo do CPC que merece destaque é o art.1035, caput e §§ 5º e 8º, que
destacamos a seguir, in verbis:
Art. 1.035. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não
conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional
nele versada não tiver repercussão geral, nos termos deste artigo.
(...)
§ 5º Reconhecida a repercussão geral, o relator no Supremo Tribunal
Federal determinará a suspensão do processamento de todos os
processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a
questão e tramitem no território nacional.
22
(...)
§ 8º Negada a repercussão geral, o presidente ou o vice-presidente do
tribunal de origem negará seguimento aos recursos extraordinários
sobrestados na origem que versem sobre matéria idêntica.
(...)
O § 5º preceitua que se a repercussão geral da questão veiculada por recurso
extraordinário seja reconhecida pelo STF, este, determinará, a suspensão do
processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem
sobre a questão e tramitem no território nacional. Note-se que o reconhecimento da
repercussão geral de uma questão pelo STF produzirá efeitos para além do caso que deu
origem ao recurso.
O caput e o § 8º tratam da negativa da existência da repercussão geral pelo
STF. Uma vez que sua existência seja negada, o presidente ou o vice-presidente do
tribunal de origem negará seguimento aos recursos extraordinários sobrestados na origem
que versem sobre a mesma questão constitucional. Novamente verificamos reflexos da
decisão para além do caso concreto em que a repercussão geral não foi reconhecida.
Vemos dessa forma que a instituição da repercussão geral, fez com que, a
questão veiculada num recurso extraordinário transcenda o caso concreto em que está
sendo analisada.
A possibilidade do manejo da reclamação quanto a decisão que não aplicar a tese
firmada em recurso extraordinário é outro ponto a ser destacado. O art. 988 do CPC traz
disposição à respeito, in verbis:
Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério
Público para:
(...)
III – garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de
decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de
constitucionalidade;
(...)
§ 5º É inadmissível a reclamação:
I – proposta após o trânsito em julgado da decisão reclamada;
II – proposta para garantir a observância de acórdão de recurso
extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão
proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial
repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias.
Constatamos pela leitura do inciso III do art. 988 e do inciso 2º do §5º do
mesmo artigo o cabimento da reclamação para garantir a observância de decisão do STF
em controle concentrado de constitucionalidade e para garantir a observância de acórdão
de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em
23
julgamento de recurso extraordinário repetitivo. No que diz respeito ao controle difuso, a
única restrição imposta é o esgotamento das instâncias ordinárias, satisfeito esse requisito
caberá a reclamação. Dessa forma, uma vez satisfeito esse requisito, não observado o
entendimento do STF em controle difuso de constitucionalidade em outro caso em que se
discuta a mesma questão, caberá reclamação. Novamente verificamos a equiparação dos
efeitos das decisões do STF em controle de constitucionalidade difuso e concentrado.
Outro ponto em que podemos observar mudança é a decorrente da
inexigibilidade de um título, no caso de cumprimento de sentença para pagar quantia
certa, como pode ser observado no § 12 do art. 525 do CPC, in verbis:
Art. 525. Transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento
voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado,
independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos
próprios autos, sua impugnação.
(...)
§ 12. Para efeito do disposto no inciso III do § 1o deste artigo,
considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título
executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado
inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em
aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo
Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em
controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.
O mesmo se aplicando em relação à Fazenda Pública, como pode ser
observado no § 5º do art. 535 do CPC :
Art. 535. A Fazenda Pública será intimada na pessoa de seu
representante judicial, por carga, remessa ou meio eletrônico, para,
querendo, no prazo de 30 (trinta) dias e nos próprios autos, impugnar a
execução, podendo arguir:
(...)
§ 5º Para efeito do disposto no inciso III do caput deste artigo,
considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título
executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado
inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em
aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo
Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em
controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.
Note-se aqui novamente uma decisão proferida em controle difuso equiparada
a uma decisão em controle concentrado, sem fazer menção ao disposto no art. 52, X da
CF.
24
Vale aqui destacar que os artigos 475-L38 e 74139 similares aos ora analisados
não faziam menção ao controle difuso em seus textos.
Arruda Alvim, Eduardo Arruda Alvim e Araken de Assis ao comentarem o
art.475-L destacam que:
Deste modo, inviável cogitarmos de que, sem que tenha havido a
suspensão pelo Senado, possa o executado, que não foi parte naquela
ação em que a inconstitucionalidade foi decidida incidenter tantum pelo
STF, utilizar-se desse fundamento para sustentar a inexigibilidade do
título. Evidentemente, tal matéria poderpa ser veiculada em ação
rscisória, com amparo no art485,V do CPC.40
Fizemos menção ao CPC 1973 para destacar um aspecto dos comandos ali
previstos. Falava-se unicamente em título fundado em lei ou ato normativo declarados
inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou
interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como
incompatíveis com a Constituição Federal. Não se mencionava o controle difuso de
forma expressa. O CPC 2015 discriminou a declaração de inconstitucionalidade em
controle concentrado e difuso. Considerando outras disposições constantes do CPC, pode-
se afirmar que a Teoria da Abstração e da Objetivação foi assimilada pelo Código.
O mesmo se verifica na improcedência liminar do pedido (art.332, II), na
dispensa de remessa necessária (art. 496, I e II), na tutela de evidência (art.311, II).
Um caso prático em que podemos verificar a equiparação dos efeitos do
controle difuso de constitucionalidade e do controle concentrado pode ser observado na
ADPF 174/RN, de relatoria do Ministro Luiz Fux, a qual foi julgada prejudicada em
função de já existir posicionamento do STF sobre a questão constitucional em recurso
extraordinário. A seguir reproduzimos a ementa da decisão, in verbis:
38CPC 73 art.475-L § 1o Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também
inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo
Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo
Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal. 39 CPC 73 art.741: Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se
também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo
Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo
Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.
40 ARRUDA ALVIM, José Manuel. ARRUDA ALVIM, Eduardo; ASSIS, Araken de.Comentários ao
Código de Processo Civil. 3ª Ed.São paulo:RT.2014
25
Ementa: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO
FUNDAMENTAL. DIREITO MONETÁRIO E ADMINISTRATIVO.
SERVIDOR PÚBLICO. A LEI ESTADUAL Nº. 6.612/94 TEVE A
SUA INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA NO RE Nº
561.836 TORNANDO PREJUDICADA A APRECIAÇÃO DA
PRESENTE AÇÃO. ARGUIÇÃO JULGADA PREJUDICADA.
(ADPF 174, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em
26/09/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-105 DIVULG 30-05-
2014 PUBLIC 02-06-2014)
Luiz Fux em seu voto sustenta que:
Observo que o tema debatido nesta arguição de descumprimento de
preceito fundamental, qual seja a competência para disciplinar a matéria
referente à conversão de padrão monetário, estava contido no Recurso
Extraordinário nº 561.836 submetido ao regime de repercussão geral. O
referido feito foi julgado recentemente por esta Corte que reconheceu a
inconstitucionalidade da Lei estadual nº 6.612/94, o que torna a presente
ADPF prejudicada, mormente porquanto o pleito aqui formulado foi o
de declaração da constitucionalidade da mesma lei.41
CONCLUSÃO
O Recurso Extraordinário, previsto no inciso III do art.102 da Constituição
Federal, é um recurso de estrito direito. Tem por escopo a guarda da constituição e se
relaciona diretamente com o modelo federativo adotado em nossa constituição. Para que
uma questão possa ser levada ao STF por meio do Recurso Extraordinário devem ser
atendidos três requisitos: o exaurimento de instância e a causa decidida, a existência de
repercussão geral e o enquadramento da questão constitucional em uma das hipóteses de
cabimento previstas no inciso III do art.102 da Constituição Federal.
A decisão proferida pelo STF em controle difuso de constitucionalidade
produz efeitos entre as partes envolvidas no litígio. Isso se dá pelo fato de a
inconstitucionalidade da lei ser analisada como fundamento da decisão ao contrário da
decisão em controle concentrado, na qual, a inconstitucionalidade da lei consiste no
pedido. Dessa forma, para que uma lei seja declarada inconstitucional em controle difuso
pelo STF e produza efeitos erga omnes será necessária a participação do Senado Federal
conforme preceitua o inciso X do art.52 da Constituição Federal. A participação do
Senado Federal se dará por meio de resolução que suspenderá a execução da lei nos
41 STF:ADPF 174, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 26/09/2013, ACÓRDÃO
ELETRÔNICO DJe-105 DIVULG 30-05-2014 PUBLIC 02-06-2014.
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limites da declaração de sua inconstitucionalidade. Essa participação não é necessária nas
decisões proferidas pelo STF em controle concentrado de constitucionalidade em função
do previsto no § 2º do art.102 da Constituição Federal, o qual confere eficácia erga omnes
e efeito vinculante a essas decisões.
Existe corrente no STF e na doutrina pátria que defende que em função de
uma mutação constitucional uma decisão proferida pelo STF em recurso extraordinário
produzirá efeitos erga omnes desde logo, sendo desnecessária a participação do Senado
Federal prevista no art.52,X da Constituição Federal.
O Ministro Eros Grau, em seu voto na Reclamação 4335/AC, de relatoria do
Ministro Gilmar Mendes, sustenta que houve uma alteração no texto do inciso X do art.
52 da Constituição Federal. Destaca que a alteração não se deu por meio de interpretação
do texto, mas por alteração do próprio texto que agora prevê a atuação do Senado Federal
unicamente para dar publicidade a decisão.
O entendimento adotado no STF, atualmente positivado no CPC, da
desnecessidade da declaração de inconstitucionalidade ser tomada pela maioria dos
membros de um tribunal ou por seu órgão especial, conforme previsto no art. 97 da CF,
quando o STF já tiver se manifestado a respeito da inconstitucionalidade da questão; e os
efeitos do enunciado de súmula vinculante, que vinculam os órgãos do judiciário e da
administração pública, uma vez publicado no Diário Oficial, reforçam a tese. Em ambos
os casos os efeitos são produzidos sem que seja necessária a atuação do Senado Federal.
A modulação dos efeitos das decisões proferidas em recurso extraordinário,
a vinculação dos fundamentos determinantes de uma decisão e a causa de pedir aberta
aproximam o regime jurídico do julgamento do recurso extraordinário ao do controle
concentrado de constitucionalidade. O atributo da repercussão geral deixa claro que a
questão constitucional a ser julgada transcende os limites do caso concreto submetido ao
STF.
No CPC 2015 verificamos o regime jurídico adotado para o julgamento e a
admissibilidade do recurso extraordinário avulso e pela técnica do julgamento de casos
repetitivos, os poderes do relator para negar ou dar provimento a um recurso que contrarie
ou esteja em consonância com decisão do STF proferida em recurso extraordinário
repetitivo, o cabimento de reclamação contra a decisão que não observar a tese firmada
em julgamento de recurso extraordinário avulso ou repetitivo e a inexigibilidade de
obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo
considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em controle difuso
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demonstram que uma decisão proferida pelo STF em recurso extraordinário produzirá
seus efeitos desde logo.
Os argumentos apresentados fortalecem os defensores da Teoria da Abstração
e da Objetivação do Recurso Extraordinário. Constatamos pelo acima exposto que a
decisão proferida em recurso extraordinário, seja avulso ou repetitivo, produz efeitos que
ultrapassam o caso em que a questão constitucional foi veiculada, independentemente da
atuação do Senado Federal conforme prescrito no art.52, X da Constituição Federal.
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