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1 A TEORIA DA ABSTRAÇÃO E DA OBJETIVAÇÃO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Archavir Mário Donelian * Resumo: O presente artigo trata da Teoria da Abstração e da Objetivação do Recurso Extraordinário. A referida teoria preceitua que em função de uma mutação constitucional os efeitos da declaração de inconstitucionalidade realizada em controle difuso e em controle concentrado estão equiparados. Em função da mutação constitucional o comando do artigo 52,X da Constituição Federal, que antes da referida mutação tinha por objetivo a suspender a execução da lei declarada inconstitucional em controle difuso, passa a ter por objetivo unicamente dar publicidade à declaração de inconstitucionalidade realizada em controle difuso. Serão abordadas as causas da mutação e seus reflexos no ordenamento jurídico nacional. Palavras-chave: Mutação Constitucional. Recurso Extraordinário. Teoria da Abstração e da Objetivação do Recurso Extraordinário. Abstract: This article deals with the Theory of Abstraction and the Objectivation of the Extraordinary Appeal. The aforementioned theory states that due to a constitutional mutation the effects of the declaration of unconstitutionality performed in diffuse control and in concentrated control are equated. Due to the constitutional mutation, the command of article 52, X of the Federal Constitution, which before the said mutation was intended to suspend the execution of the law declared unconstitutional in diffuse control, has as its objective only to publicize the declaration of unconstitutionality held in diffuse control. The causes of the mutation and its repercussions will be addressed in the national legal order. Key words: Constitutional Mutation. Extraordinary Appeal. Theory of Abstraction and Objectification of the Extraordinary Appeal. Sumário: Introdução; 1.Recurso Extraordinário; 1.1 Exaurimento de instância e causas decididas; 1.2 Repercussão geral; 1.3 Hipóteses de cabimento; 2. Teoria da Abstração e da Objetivação do Recurso Extraordinário; 2.1 O inciso X do art.52 da Constituição Federal; 2.2 A mutação constitucional; Conclusão; Referências Bibliográficas. INTRODUÇÃO No presente trabalho iremos analisar o recurso extraordinário, mais precisamente em relação à chamada Teoria da Abstração e da Objetivação do recurso * Mestrando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Formado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E-mail:[email protected]

A TEORIA DA ABSTRAÇÃO E DA OBJETIVAÇÃO DO RECURSO

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Page 1: A TEORIA DA ABSTRAÇÃO E DA OBJETIVAÇÃO DO RECURSO

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A TEORIA DA ABSTRAÇÃO E DA OBJETIVAÇÃO DO RECURSO

EXTRAORDINÁRIO

Archavir Mário Donelian*

Resumo: O presente artigo trata da Teoria da Abstração e da Objetivação do Recurso

Extraordinário. A referida teoria preceitua que em função de uma mutação constitucional

os efeitos da declaração de inconstitucionalidade realizada em controle difuso e em

controle concentrado estão equiparados. Em função da mutação constitucional o comando

do artigo 52,X da Constituição Federal, que antes da referida mutação tinha por objetivo

a suspender a execução da lei declarada inconstitucional em controle difuso, passa a ter

por objetivo unicamente dar publicidade à declaração de inconstitucionalidade realizada

em controle difuso. Serão abordadas as causas da mutação e seus reflexos no ordenamento

jurídico nacional.

Palavras-chave: Mutação Constitucional. Recurso Extraordinário. Teoria da Abstração e

da Objetivação do Recurso Extraordinário.

Abstract: This article deals with the Theory of Abstraction and the Objectivation of the

Extraordinary Appeal. The aforementioned theory states that due to a constitutional

mutation the effects of the declaration of unconstitutionality performed in diffuse control

and in concentrated control are equated. Due to the constitutional mutation, the command

of article 52, X of the Federal Constitution, which before the said mutation was intended

to suspend the execution of the law declared unconstitutional in diffuse control, has as its

objective only to publicize the declaration of unconstitutionality held in diffuse control.

The causes of the mutation and its repercussions will be addressed in the national legal

order.

Key words: Constitutional Mutation. Extraordinary Appeal. Theory of Abstraction and

Objectification of the Extraordinary Appeal.

Sumário: Introdução; 1.Recurso Extraordinário; 1.1 Exaurimento de instância e causas

decididas; 1.2 Repercussão geral; 1.3 Hipóteses de cabimento; 2. Teoria da Abstração e

da Objetivação do Recurso Extraordinário; 2.1 O inciso X do art.52 da Constituição

Federal; 2.2 A mutação constitucional; Conclusão; Referências Bibliográficas.

INTRODUÇÃO

No presente trabalho iremos analisar o recurso extraordinário, mais

precisamente em relação à chamada Teoria da Abstração e da Objetivação do recurso

* Mestrando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Formado em Direito pela

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E-mail:[email protected]

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extraordinário. Faremos uma breve apresentação do recurso extraordinário apresentando

os requisitos para sua interposição.

A seguir iremos analisar a Teoria da Abstração e Objetivação do Recurso

Extraordinário. A referida teoria equipara a declaração de inconstitucionalidade em

controle concentrado e em controle difuso. Dessa forma, uma lei declarada

inconstitucional, pelo STF, em controle difuso, produzirá efeitos que ultrapassam o caso

concreto em que a lei foi declarada inconstitucional. Assim, os efeitos da decisão de

inconstitucionalidade passam a ter eficácia erga omnes como nas declarações de

inconstitucionalidade em controle concentrado. Essa equiparação decorre de uma

mutação constitucional que faz com que a resolução do Senado prevista no inciso X do

art.52 da Constituição Federal deixa de ser necessária para suspender os efeitos da lei

declarada inconstitucional em controle difuso realizado pelo STF, tendo a função única

de dar publicidade à decisão. A decisão passa a produzir efeitos imediatos, sendo que,

seus efeitos transcenderão o caso concreto em que a decisão foi proferida.

Faremos uma análise da doutrina em torno da matéria, dos seus reflexos na

legislação. Analisaremos também o voto do Ministro Eros Grau na reclamação 4335/AC

de relatoria do Ministro Gilmar Mendes.

1 O RECURSO EXTRAORDINÁRIO

O Recurso Extraordinário1 está previsto no art.102,III da Constituição

Federal, in verbis:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a

guarda da Constituição, cabendo-lhe:

(...)

III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em

única ou última instância, quando a decisão recorrida:

a) contrariar dispositivo desta Constituição;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta

Constituição.

d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

É um recurso que tem por escopo a guarda do sistema jurídico, mais

precisamente da constituição. Tem relação direta com o modelo federativo adotado pelo

Estado. Dessa forma, a constituição é a mesma para todo o país e o STF ao decidir um

1 Também previsto nos artigos 1029 a 1041 do CPC.

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recurso extraordinário, estará, em tese, definindo a melhor interpretação relativa a

constituição da questão que lhe foi apreciada.

Para que o recurso extraordinário possa ser utilizado devem ser atendidos

certos requisitos. São eles: o exaurimento de instância e a causa decidida, a existência de

repercussão geral e o enquadramento da questão constitucional em uma das hipóteses de

cabimento previstas no inciso III do art.102 da Constituição Federal.

1.1 Exaurimento de instância e causas decididas.

O recurso extraordinário é classificado como um recurso de estrito direito,

isto é, limita-se a analisar a aplicação do direito em relação aos fatos, no acórdão

recorrido. É a chamada causa decidida, constante no inciso III do art.102 da CF.

Cassio Scarpinella Bueno esclarece o sentido e o alcance da expressão causas

decididas:

“Causas decididas” querem significar, antes de tudo, que a decisão que

se submete ao recurso extraordinário e ao recurso são decisões que não

comportam mais quaisquer outros recursos perante os demais órgãos do

jurisdicionais. Pressupõe-se, para empregar expressão comuníssima,

“exaurimento de instância. 2 3 4

Vale destacar que o exaurimento de instância mencionado deve ser

qualificado, não basta esgotar a instância, deve a matéria objeto do recurso ter sido objeto

de prequestionamento. Teresa Arruda Alvim e Bruno Dantas esclarecem o

prequestionamento:

No âmbito dos recursos excepcionais, o pressuposto constitucional de

que as causas tenham efetivamente sido decididas quer significar que o

ponto sobre o qual o recorrente deseja que o STJ ou o STF se pronuncie

deve estar contido no bojo da decisão recorrida.5

2 SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 5ª Ed.São Paulo:

Saraiva.2014.P.239. 3 Enunciado 281 da súmula do STF: É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber na justiça de

origem, recurso ordinário da decisão impugnada. 4 Enunciado 207 da súmula do STJ: É inadmissível recurso especial quando cabíveis embargos

infringentes contra acórdão proferido no tribunal de origem.: 5 ARRUDA ALVIM, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e a Nova

Função dos Tribunais Superiores. São Paulo: RT.2018.P.356.

Page 4: A TEORIA DA ABSTRAÇÃO E DA OBJETIVAÇÃO DO RECURSO

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Cassio Scarpinella Bueno faz observação a respeito das origens da palavra

prequestionamento, termo cunhado com base nas constituições de 1891 e 1946 e que

originou as súmulas 282 e 356, ambas do STF. Destaca que a atual Constituição Federal

não faz menção ao referido termo, destacando que:

É das decisões proferidas por outros órgãos jurisdicionais que

decorrem, ou não, violações e contrariedades às normas federais e à

jurisprudência de outros Tribunais. Sem prévia decisão, não há como

estabelecer em que medida as normas federais, constitucionais ou

legais, foram ou deixaram de ser violadas pelos demais componentes

da estrutura do judiciário nacional.

O “prequestionamento”, porém, diferentemente do que insinua o seu

nome, caracteriza-se pelo enfrentamento de uma dada tese de direito

constitucional ou de direito infraconstitucional federal na decisão a ser

recorrida, e não pelo debate ou pela suscitação da questão antes de seu

proferimento.6

O CPC 2015 veicula em seu art.1025 os embargos de declaração

prequestionadores, in verbis:

Art. 1.025. Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o

embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os

embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o

tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou

obscuridade.

Em outros termos, uma vez omissa a decisão judicial, relativamente a questão

que será veiculada no recurso especial ou extraordinário, sendo a referida omissão

aventada em embargos de declaração e o vício não seja sanado, considerar-se-á satisfeito

o requisito do prequestionamento.

1.2 Repercussão geral.

Outro requisito, é o da repercussão geral, a qual está prevista no parágrafo 3º

do art.102 da CF, incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, o qual

transcrevemos abaixo, in verbis:

§ 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a

repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos

6 SCARPINELLA BUENO, Cassio.Curso Sistematizado de Direito Processual Civil.5ª Ed. São Paulo:

Saraiva.2014.P.240.

Page 5: A TEORIA DA ABSTRAÇÃO E DA OBJETIVAÇÃO DO RECURSO

5

termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso,

somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus

membros.

Arruda Alvim esclarece o que deve ser observado para que se identifique a

repercussão geral de uma questão:

O que o texto prescreve é que passa a ser necessária , para que possa vir

a ser admitido e julgado um recurso extraordinário, que a repercussão

da matéria discutida seja geral, i.e., que diga respeito a um grande

número de pessoas ou a um largo segmento social, uma decisão sobre

assunto constitucional impactante, sobre tema constitucional muito

controvertido; igualmente, haverá repercussão geral em relação a

decisão que contrarie orientação do STF; que diga respeito à vida, à

liberdade, à federação, à invocação do princípio da proporcionalidade (

em relação à aplicação de texto ou textos constitucionais), etc.,ou, ainda

outros valores conectados a texto constitucional que se alberguem

debaixo da expressão repercussão geral. Deve transcender o interesse

dos litigantes. 7

A questão constitucional a ser analisada deve repercutir de forma a

transcender o interesse das partes. Ponto a ser destacado é que parece ter a questão

constitucional uma presunção de repercussão geral, isto é, só com a manifestação de 2/3

dos membros do STF é que essa presunção será afastada. Dessa forma, o STF se manifesta

para afirmar que a questão veiculada no recurso não possui repercussão geral.

O legislador não enumera as hipóteses em que haverá repercussão federal de

uma questão. Barbosa Moreira, ao comentar o parágrafo 1º do art. 543-A do CPC 1973

( Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973.), com redação similar ao parágrafo 1º do art.1035

do CPC 2015, esclarece esse ponto:

Compreensivelmente, não tentou o legislador uma enumeração

casuística das hipóteses em que deve considerar presente a “repercussão

geral”. Cingiu-se a estatuir que, para tal efeito “será considerada a

existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico,

político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da

causa”(art.543-A, § 1º).8

7 ARRUDA ALVIM, José Manuel. O Recurso Extraordinário Brasileiro e o Instituto da Repercussão

Geral . In: BERIZONCE, Roberto; HITTERS, Juan Carlos; OTEIZA, Eduardo Oteiza (coords.). El

Papel de los Tribunales Superiores: estudios em honor del Dr. Augusto Mario Morello. Santa Fe:

Rubinzal-Culzoni, 2008.P.302 8 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil, V.5. Rio de Janeiro

Forense.2013. P.615/616.

Page 6: A TEORIA DA ABSTRAÇÃO E DA OBJETIVAÇÃO DO RECURSO

6

Verifica-se dessa forma que a existência da repercussão geral será analisada

pelo STF, podendo qualquer questão apresentar repercussão geral, desde que transcenda

o caso concreto submetido à apreciação do STF.

Isso não impede que o legislador enumere situações em que a repercussão

geral será presumida. Situações em que dada a magnitude da questão a ser analisada,

presume-se sua transcendência em relação ao caso submetido ao STF. O CPC veicula três

situações em que a repercussão geral é presumida. Caso do recurso extraordinário

interposto contra decisão que julga o Incidente de Resolução de Demandas

Repetitivas(art. 987, §1º do CPC), o recurso que impugnar acórdão que contrarie súmula

ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e tenha reconhecido a

inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal, nos termos do art. 97 da Constituição

Federal (art.1035, § 3º do CPC).

Em nosso sentir, pode o STF afastar essa presunção tendo por base o disposto

no § 3º do art. 102 da CF. Esse entendimento decorre da posição hierárquica superior da

Constituição Federal no ordenamento jurídico. Prevalece dessa forma seu comando ante

o comando decorrente do CPC. A última palavra sobre a existência ou não da repercussão

geral será sempre do STF. Em outros termos, a previsão legal não retira a competência

do STF para analisar se a questão veiculada pelo recurso extraordinário possui ou não

repercussão geral.

1.3 Hipóteses de cabimento.

A ofensa que dá ensejo a interposição do recurso extraordinário deverá ser

direta a consituição, isto é, não pode ser reflexa. Será reflexa a ofensa nas ocasiões em

que seja necessário analisar uma norma infraconstitucional para constatar a ofensa a

constituição. Em outros termos, na ofensa direta “olhamos” diretamente para a CF. Na

reflexa, através de uma norma infraconstitucional.9

Teresa Arruda Alvim e Bruno Dantas, tomando por base os ensinamentos de

Nestor Sagües, destacam que existem violações diretas,indiretas e mistas a Constituição

9 Enunciado de súmula 636 do STF: Não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio

constitucional da legalidade, quando a sua verificação pressuponha rever a interpretação dada a normas

infraconstitucionais pela decisão recorrida.

Page 7: A TEORIA DA ABSTRAÇÃO E DA OBJETIVAÇÃO DO RECURSO

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e que em todos os casos é cabível a interposição do Recurso Extraordinário. Questões

mistas são aquelas em que se entrelaçam questões constitucionais diretas e indiretas. Caso

de interposição conjunta de Recurso Extraordinário e Especial. Efetivamente, apresenta-

se a questão direta quando estiver em xeque a adequação da lei ou ato infraconstitucional

invocado pela decisão recorrida, ou a decisão, em si considerada, à Constituição

Federal.10 “A questão constitucional indireta, de sua parte, está associada a uma

controvérsia sobre a quebra de hierarquia entre as espécies legislativas ou usurpação de

competência legislativa.”11

Destacam ainda os ilustres processualistas que:

Evidentemente, para que haja a possibilidade de que a decisão seja

impugnada pela via do recurso extraordinário, não há a necessidadede

que haja violação à literalidade da regra constitucional. A violação,

para ensejar RE, deve ser á pauta de conduta, à norma que consta da

CF, compreendida pelo próprio STF (na interpretação que este lhe dê)

à luz da doutrina. 12

Iremos agora analisar as hipóteses de cabimento do contidas nas alíneas “a’ a

“d” do inciso III do art.102 da CF.

A alínea “a” preceitua que, in verbis:

a) contrariar dispositivo desta Constituição.

Temos aqui a hipótese mais abrangente de interposição de recurso

extraordinário.

Cassio Scarpinella Bueno esclarece que:

O verbo “contrariar” merece interpretação ampla, como sinônimo de

violar, contrastar, infringir . Qualquer decisão, conquanto presentes as

exigências do art.102,III, da Constituição Federal, que, de alguma

forma, aplica dispositivo da Constituição Federal rende ensejo ao seu

contraste perante o Supremo Tribunal Federal para que aquele Tribunal

10 ARRUDA ALVIM, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e a Nova

Função dos Tribunais Superiores. São Paulo: RT.2018.p.467. 11 Ibidem.p.467. 12 Ibidem.p.343.

Page 8: A TEORIA DA ABSTRAÇÃO E DA OBJETIVAÇÃO DO RECURSO

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verifique o acerto ou o desacerto da interpretação adotada pela decisão

recorrida.13

A alínea “b” preceitua que, in verbis:

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal

Havendo decisão judicial que declare a inconstitucionalidade de tratado ou lei

federal, estará satisfeito o requisito para a interposição do recurso extraordinário.

Eduardo Arruda Alvim14 esclarece que “a decisão que tenha reconhecido

incidentalmente a inconstitucionalidade de uma lei federal, seja ela de ordem material ou

formal, desafia recurso extraordinário nos termos da alínea b do art.102,III da CF.”

Entende15 que a utilização do termo tratado é redundante dado que uma vez recepcionado

o será como lei exceto os tratados de direitos humanos recepcionados com quórum de

emenda à constituição.

A alínea ‘c” preceitua que, in verbis:

c) Julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta

Constituição.

No caso de o ato ou a lei do governo local forem julgados inválidos ao serem

contestados perante a constituição, não caberá recurso extraordinário.

Eduardo Arruda Alvim, a esse respeito esclarece que:

Trata-se, como já afirmamos, de requisito objetivo constatável de plano.

Vale dizer, basta que o tribunal local tenha julgado válido o ato do

governo local ou lei, cuja validade tenha sido contestada em face da

constituição, para ensejar o cabimento do recurso extraordinário. Isso

significa que prevalesceu o ato do governo local ou a lei local,

questionado diante da Constituição Federal. Por outro lado, se a decisão

julgar inválida lei ou ato do governo local questionado diante do Texto

Maior, a parte não poderá manejar o recurso extraordinário nos termos

da alínea c. 16

13 SCARPINELLA BUENO, Cassio.Curso Sistematizado de Direito Processual Civil.5ª Ed. São Paulo:

Saraiva.2014.P.240. 14 ARRUDA ALVIM, Eduardo. Direito Processual Civil. São Paulo: RT.2013.P.1004. 15 Ibidem.p.1005. 16 Ibidem.p.1005.

Page 9: A TEORIA DA ABSTRAÇÃO E DA OBJETIVAÇÃO DO RECURSO

9

A alínea “d” preceitua que, in verbis:

d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

Trata essa hipótese de caso de violação de competência. Eduardo Arruda

Alvim esclarece esse aspecto da questão:

Na hipótese em testilha ( alínea d do inc.III do art.102 do Texto

Supremo), a controvérsia que se põe não diz respeito á legislação

infraconstitucional, mas sim à distribuição constitucional de

competências para legislar. Se a lei local está sendo contestada em face

de lei federal é porque ela trouxe em seu bojo matéria que deveria ser

de competência do legislador federal.17

Teresa Arruda Alvim e Bruno Dantas fazem observação pertinente a respeito

das alíneas do art.102,III e 105,III ambos da CF:

Para efeito de cabimentodos recursos especial e extraordinário, ofender

o direito, contrariar-se o direito, negar vigência ao direito ao direito são

hoje expressões equivalentes. Interpretar mal o texto de lei é contrariá-

lo, é negar-lhe vigência, é ofendê-lo. Tanto faz o “grau” de ofensa ao

texto do direito positivo: da interpretação “obviamente” incorreta à

interpretação “possível”, pela qual, todavia não optaram o STJ ou o

STF, todas ensejam o cabimento do recurso especial e do recurso

extraordinário pela alínea a . No caso do recurso extraordinário, desde

que haja , é claro, repercussão geral.18

Analisamos até aqui os requisitos necessários para o cabimento do Recurso

Extraordinário. A seguir, passaremos a análise da Teoria da Abstração e Objetivação do

recurso extraordinário, a qual é o objeto desse trabalho.

2. TEORIA DA ABSTRAÇÃO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO

17 Ibidem.p.1006. 18 ARRUDA ALVIM, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso Especial, Recurso Extraordinário e a Nova

Função dos Tribunais Superiores. São Paulo: RT.2018.P.348.

Page 10: A TEORIA DA ABSTRAÇÃO E DA OBJETIVAÇÃO DO RECURSO

10

Passaremos agora a analisar a questão principal desse trabalho. Trata-se da

Teoria da Abstração e da Objetivação do recurso extraordinário. A referida teoria tem por

escopo a ocorrência de uma mutação constitucional que fez com que a resolução do

Senado, prevista no art. 52, X da CF, necessária para que uma lei declarada

inconstitucional pelo STF em controle difuso, tenha seus efeitos expandidos, torne-se

desnecessária. A referida resolução seria unicamente necessária para dar publicidade a

decisão. Note-se que a referida teoria equipara uma declaração de inconstitucionalidade

em controle difuso com a declaração de inscontitucionalidade em controle concentrado,

esta, dotada de efeito vinculante e eficácia erga omnes.

2.1 O inciso X do art. 52 da Constituição Federal.

Teresa Arruda Alvim esclarece quais são os efeitos das decisões proferidas

pelo STF em controle difuso e em controle concentrado de constitucionalidade:

Como antes diversas vezes se frisou, a declaração de

inconstitucionalidade de uma norma, segundo a doutrina tradicional, só

produz efeitos erga omnes (como regra) quando é obtida por meio de

controle concentrado, ou seja, por meio de ação cujo mérito(=objeto

litigioso) seja a incompatibilidade do teor da lei com o texto

constitucional. Quando o controle é incidenter tantum, os efeitos só se

produzem quanto ao mérito da causa (que não se confunde com a

inconstitucionalidade da lei, que é decidida como fundamento da

decisão sobre o pedido) e entre as partes daquela ação(=inter partes).19

Vemos que há diferença fundamental entre a declaração de

inconstitucionalidade por meio do controle concentrado e do controle difuso. Naquela o

mérito é a incompatibilidade do teor da lei com a constituição, nesta a incompatibilidade

é aferida de forma incidental, como fundamento da decisão,

O esclarecimento faz referência à conformação dos efeitos das decisões de

inconstitucionalidade tendo por base a redação originária da Constituição Federal de

1988. Nesta, para que a declaração de inconstitucionalidade em controle difuso pelo STF

tenha seus efeitos expandidos para toda a sociedade será necessária a participação do

Senado Federal por meio da resolução prevista no art.52, X da CF, que preceitua, in

verbis:

19 ARRUDA ALVIM, Teresa. Nulidades do Processo e da Sentença. São Paulo: RT.2017.p.336

Page 11: A TEORIA DA ABSTRAÇÃO E DA OBJETIVAÇÃO DO RECURSO

11

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

(...)

X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada

inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;

(...)

A participação do Senado Federal se dá por meio de uma resolução, a qual

tem o escopo de dar publicidade e de suspender da execução da lei declarada

inconstitucional, de forma parcial ou total conforme o caso. Note-se que se aplica

unicamente para o controle difuso de constitucionalidade conferindo eficácia erga omnes

a decisão que originalmente tem eficácia inter partes.

José Afonso da Silva20 esclarece a questão:

(...) (j) suspender a execução, no todo ou em parte, da lei declarada

inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal (

em parte, não há de ser entendido como poder de admitir apenas uma

parte do que foi declarado inconstitucional; se toda a lei foi declarada

inconstitucional, a suspensão há de ser total, dela toda; o Senado não

pode decidir fazê-lo apenas em parte; portanto, quando o texto fala em

suspender em parte, significa que também só parte foi declarada

inconstitucional; de outro lado, esse procedimento quando a declaração

de inconstitucionalidade decorre de ação direta nos termos do art.103;

é procedimento adequado a declaração de inconstitucionalidade

incidenter tantum, ou seja, no caso concreto, segundo a técnica do

controle difuso, pois que sua razão de ser está em fazer expandir, a

todos, os efeitos da decisão, que, em si, só tem eficácia entre as partes;

é a suspensão da execução da lei, já vimos, que confere efeitos erga

omnes à sentença que decretou a inconstitucionalidade); (...) ( destaques

no original)

Sobre os efeitos da decisão, José Afonso da Silva21 esclarece que:

(...) No que tange ao caso concreto, a declaração surte efeitos ex tunc,

isto é, fulmina a relação jurídica fundada na lei inconstitucional desde

o seu nascimento. No entanto, a lei continua eficaz e aplicável, até que

o senado suspenda sua executoriedade; essa manifestação do Senado,

que não revoga nem anula a lei, mas simplesmente lhe retira à eficácia,

só tem efeitos daí por diante, ex nunc. Pois, até então, a lei existiu. Se

existiu, foi aplicada, revelou eficácia, produziu validamente seus

efeitos. ( destaques no original)

20 AFONSO DA SILVA. José. Curso de Direito Constitucional Positivo.38ª Ed. São Paulo:

Malheiros.2015.p.527 21 Ibidem.p.56

Page 12: A TEORIA DA ABSTRAÇÃO E DA OBJETIVAÇÃO DO RECURSO

12

Um ponto que merece atenção é o de que uma vez que o STF declara a

inconstitucionalidade de lei em controle difuso deve notificar o Senado Federal. Este não

é obrigado a suspender a eficácia da lei. O Senado tem a faculdade de suspender a eficácia.

Tal decorre do princípio da separação dos poderes (art. 2º da Constituição Federal).

No que diz respeito às decisões proferidas pelo STF em controle concentrado,

sua eficácia erga omnes decorre do § 2º do art.102 da Constituição Federal, o qual teve

sua redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, e que reproduzimos a

seguir, in verbis:

§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo

Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações

declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e

efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário

e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual

e municipal.

2.2 A mutação constitucional.

Vamos agora analisar trechos do voto do Ministro Eros Grau e do Ministro

Gilmar Mendes na reclamação 4335/AC22 de relatoria do Ministro Gilmar Mendes.

A ementa da reclamação é a seguinte:

Reclamação. 2. Progressão de regime. Crimes hediondos. 3. Decisão

reclamada aplicou o art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.072/90, declarado

inconstitucional pelo Plenário do STF no HC 82.959/SP, Rel. Min.

Marco Aurélio, DJ 1.9.2006. 4. Superveniência da Súmula Vinculante

n. 26. 5. Efeito ultra partes da declaração de inconstitucionalidade em

controle difuso. Caráter expansivo da decisão. 6. Reclamação julgada

procedente. (Rcl 4335, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal

Pleno, julgado em 20/03/2014, DJe-208 DIVULG 21-10-2014 PUBLIC

22-10-2014 EMENT VOL-02752-01 PP-00001)

Nesta reclamação discutiu-se a eficácia erga omnes da decisão proferida no

HC 82.959, ocasião em que o STF afastou a vedação de progressão de regime aos

condenados pela prática de crimes hediondos, ao considerar inconstitucional o artigo 2º,

§ 1º, da Lei n. 8.072/1990 ("Lei dos Crimes Hediondos"). No caso, tomando por base a

decisão no referido HC foi requerida a progressão de pena a outros presos, sendo que o

juiz não concedeu a progressão alegando que a decisão tem efeito inter partes. A parte

22 STF: Rcl 4335, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 20/03/2014, DJe-208

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Page 13: A TEORIA DA ABSTRAÇÃO E DA OBJETIVAÇÃO DO RECURSO

13

impetrou Habeas Corpus ao Tribunal de Justiça do Acre, que alegou a não existência de

resolução do Senado Federal, e dessa forma produzindo efeitos o texto declarado

inconstitucional, não concendendo o HC. Posteriormente foi impetrada reclamação ao

STF que a conheceu e julgou procedente.

O Ministro Eros Grau em seu voto esclarece que, in verbis:

A mutação constitucional é transformação de sentido do enunciado da

Constituição sem que o próprio texto seja alterado em sua redação, vale

dizer, na sua dimensão constitucional textual. Quando ela se dá, o

intérprete extrai do texto norma diversa daquelas que nele se

encontravam originariamente involucradas, em estado de potência. Há,

então, mais do que interpretação, esta concebida como processo que

opera a transformação de texto em norma. Na mutação constitucional

caminhamos não de um texto a uma norma, porém de um texto a outro

texto, que substitui o primeiro.

Daí que a mutação constitucional não se dá simplesmente pelo fato de

um intérprete extrair de um mesmo texto norma diversa da produzida

por um outro intérprete. Isso se verifica diuturnamente, a cada instante,

em razão de ser, a interpretação, uma prudência. Na mutação

constitucional há mais. Nela não apenas a norma é outra, mas o próprio

enunciado normativo é alterado.O exemplo que no caso se colhe é

extremamente rico. Aqui passamos em verdade de um texto.

[compete privativamente ao Senado Federal suspender a execução, no

todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão

definitiva do Supremo Tribunal Federal]

a outro texto

[compete privativamente ao Senado Federal dar publicidade à

suspensão da execução, operada pelo Supremo Tribunal Federal, de lei

declarada inconstitucional, no todo ou em parte, por decisão definitiva

do Supremo].

(...) ( grifos nossos)23

No trecho transcrito verificamos que teria ocorrido uma alteração no

enunciado do art.52,X da CF. A alteração não se deu por meio de interpretação, mas por

meio de mutação, a qual alterou o enunciado normativo. Os termos grifados destacam que

no novo enunciado, a resolução do senado deixa de ser o meio pelo qual se dá eficácia da

lei declarada inconstitucional pelo STF e passa a ser meio de dar publicidade a decisão.

Mais adiante, em outro trecho, verificamos que:

(...)

Eis precisamente o que o eminente relator pretende tenha ocorrido, uma

mutação constitucional. Pouco importa a circunstância de resultar

23 STF: Rcl 4335, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 20/03/2014, DJe-

208 DIVULG 21-10-2014 PUBLIC 22-10-2014 EMENT VOL-02752-01 PP-00001

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14

estranha e peculiar, no novo texto, a competência conferida ao Senado

Federal --- competência privativa para cumprir um dever, o dever de

publicação [= dever de dar publicidade] da decisão, do Supremo

Tribunal Federal, de suspensão da execução da lei por ele declarada

inconstitucional. Essa peculiaridade manifesta-se em razão da

circunstância de cogitar-se, no caso, de uma situação de mutação

constitucional. O eminente Relator não está singelamente conferindo

determinada interpretação ao texto do inciso X do artigo 52 da

Constituição. Não extrai uma norma diretamente desse texto, norma

essa cuja correção possa ser sindicada segundo parâmetros que linhas

acima apontei. Aqui nem mesmo poderemos indagar da eventual

subversão, ou não subversão, do texto. O que o eminente Relator afirma

é mutação, não apenas uma certa interpretação do texto do inciso X do

artigo 52 da Constituição.

(...)

A mutação constitucional decorre de uma incongruência existente entre

as normas constitucionais e a realidade constitucional, entre a

Constituição formal e a Constituição material. Oposições entre uma e

outra são superadas por inúmeras vias, desde a interpretação, até a

reforma constitucional. Mas a mutação se dá sem reforma, porém não

simplesmente como interpretação. Ela se opera quando, em última

instância, a práxis constitucional, no mundo da vida, afasta uma porção

do texto da Constituição formal, sem que daí advenha uma ruptura do

sistema.

E proponho retermos, em síntese, a afirmação que linhas acima

formulei: na mutação constitucional não apenas a norma é nova, mas o

próprio texto normativo é substituído por outro.

O eminente Relator afirma é mutação, não apenas uma certa

interpretação do texto do inciso X do artigo 52 da Constituição.

(...)

Obsoleto o texto que afirma ser da competência privativa do Senado

Federal a suspensão da execução, no todo ou em parte, de lei declarada

inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal,

nele se há de ler, por força da mutação constitucional, que compete ao

Senado Federal dar publicidade à suspensão da execução, operada pelo

Supremo Tribunal Federal, de lei declarada inconstitucional, no todo ou

em parte, por decisão definitiva do Supremo.Indague-se, a esta altura,

se esse texto, resultante da mutação, mantém-se adequado à tradição [=

à coerência] do contexto, reproduzindo-a, de modo a ele se amoldar

com exatidão. A resposta é afirmativa. Ademais não se vê, quando

ligado e confrontado aos demais textos no todo que a Constituição é,

oposição nenhuma entre ele e qualquer de seus princípios; o novo texto

é plenamente adequado ao espaço semântico constitucional.(grifos

nossos)24

O que podemos observar pela leitura dos trechos destacados é que o texto do

art. 52, X, como originariamente concebido estaria obsoleto.

24 STF: Rcl 4335, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 20/03/2014, DJe-

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Page 15: A TEORIA DA ABSTRAÇÃO E DA OBJETIVAÇÃO DO RECURSO

15

Passaremos agora a analisar como se deu a mutação. Tomaremos por base a

fundamentação do Ministro Gilmar Mendes, relator da reclamação 4.335, em seu voto25.

O primeiro ponto a ser observado é o de que a resolução do Senado não se

aplica às decisões do STF que definem a orientação constitucionalmente adequada, o

mesmo se aplicando nas decisões em que se define a interpretação conforme a

constituição. Em todos eles, a lei não é declarada inconstitucional. Dessa forma, não

existe a necessidade da resolução do Senado. O mesmo se aplica aos casos de declaração

de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto.

A resolução do senado também não é necessária quando uma norma é

declarada constitucional. O mesmo se aplicando quando o STF decide pela não recepção

de uma norma.

Outra área em que se pode perceber a mutação constitucional é a relativa à

reserva de plenário para a declaração de inconstitucionalidade, por um tribunal, em

controle difuso. Tal é a previsão do art.97 da CF, in verbis:

Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou

dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar

a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.

O STF, por meio de sua jurisprudência firmou orientação no sentido de que

uma vez firmada orientação do plenário do STF sobre a inconstitucionalidade de

determinado dispositivo, fica dispensada a análise pelo pleno/órgão especial de um

tribunal, quando da necessidade da declaração de inconstitucionalidade em controle

difuso. Em outros termos, uma vez que o pleno do STF se pronunciou sobre a

inconstitucionalidade de uma norma, não é necessário observar o comando do art. 97 da

CF quando em um Tribunal a mesma norma for considerada inconstitucional.

Hely Lopes Meirelles, Arnold Wald e Gilmar Ferreira Mendes esclarecem

que:

Esse entendimento marca uma evolução no sistema de controle de

constitucionalidade brasileiro, que passa a equiparar, praticamente, os

efeitos das decisões proferidas nos processos de controle abstrato e

25 Faremos alguns ajustes tendo por base a nona parte do livro Mandado de Segurança e ações

Constitucionais(37ª Edição) de autoria de Hely Lopes Meirelles, Arnold Wald e Gilmar Mendes. O referido

capítulo cuida do Controle Incidental ou Concreto no Direito Brasileiro. Consta do prefácio que Gilmar

Mendes é o autor partes relativas ao controle de constitucionalidade. Outros doutrinadores também serão

utilizados na exposição.

Page 16: A TEORIA DA ABSTRAÇÃO E DA OBJETIVAÇÃO DO RECURSO

16

concreto. A decisão do STF, tal como colocada , antecipa o efeito

vinculante de seus julgados em matéria de controle de

constitucionalidade incidental, permitindo que o órgão fracionário se

desvincule do dever de observância da decisão do pleno ou do órgão

especial do tribunal a que se encontra vinculado.Decide-se

autonomamente com fundamento na declaração de

inconstitucionalidade (ou de constitucionalidade) do STF proferida

incidenter tantum. 26

Tal orientação foi assimilada pelo CPC de 7327 e foi mantida no CPC 2015

no art.949, parágrafo único, in verbis :

Art. 949. Se a arguição for:

(...)

Parágrafo único. Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão

ao plenário ou ao órgão especial a arguição de inconstitucionalidade

quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo

Tribunal Federal sobre a questão.

Outro ponto a ser destacado é a possibilidade de o STF editar súmulas

vinculantes. As súmulas vinculantes estão previstas no art.103-A da CF e na Lei

11.417/2006. Trancrevemos a seguir o art.103-A da CF, incluído pela Emenda

Constitucional nº 45, de 2004, in verbis:

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por

provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após

reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a

partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em

relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública

direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como

proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Vide Lei nº

11.417, de 2006).

§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia

de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre

órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete

grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre

questão idêntica. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação,

revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles

que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.

(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula

aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao

Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato

26 MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnold, FERREIRA MENDES, Gilmar. Mandado de Segurança e

Ações Constitucionais.37ª Ed. São Paulo: Malheiros.2016.P.778. 27 Art.48O1, parágrafo único:

Page 17: A TEORIA DA ABSTRAÇÃO E DA OBJETIVAÇÃO DO RECURSO

17

administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará

que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme

o caso. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

A análise do art.103-A demonstra que a súmula vinulante vincula o judiciário

e a administração pública. O enunciado produz efeitos imediatamente a partir da sua

publicação, tendo efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à

administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. E uma

vez que seja contrariada por ato administrativo ou decisão judicial, caberá reclamação.

Hely Lopes Meirelles, Arnold Wald e Gilmar Ferreira Mendes esclarecem

que:

A súmula vinculante, ao contrário do que ocorre no processo objetivo,

decorre de decisões tomadas em casos concretos no modelo incidental,

no qual também existe, não raras vezes reclamo por solução geral. Ela

só pode ser editada depois de decisão do Plenário do STF ou de decisões

repetidas das Turmas.28

Note-se que o enunciado de súmula vinculante decorre de decisões tomadas

em casos concretos. O entendimento exarado no enunciado de súmula vinculante dispensa

a resolução do Senado para produzir efeitos. Tal se dá por produzir efeitos assim que o

enunciado de súmula vinculante é publicado29. Nesse sentido destacamos os dizeres de

Teori Albino Zavascki:

A partir dai já não tem sentido prático eventual resolução do Senado

suspendendo a execução da lei declarada inconstitucionaal se, sobre a

matéria houver súmula dessa natureza. Com efeito, a partir da sua

publicação na imprensa oficial, a súmula, por si só, terá efeito

vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à

administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e

municipal(art.103-A da CF/1988), sendo que, “da decisão judicial ou

do ato administrativo que contrariar enunciado de súmula vinculante,

negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente, caberá reclamação ao

STF, sem prejuízo dos recursos ou outros meios de impugnação”(art.7º

. da Lei 11.417/2006). 30

28 MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnold, FERREIRA MENDES, Gilmar. Mandado de Segurança e

Ações Constitucionais.37ª Ed. São Paulo: Malheiros.2016.P.790. 29 Lei 11417/2006: Art. 7o Da decisão judicial ou do ato administrativo que contrariar enunciado de

súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente caberá reclamação ao Supremo

Tribunal Federal, sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação. 30 ZAVASKY, Teori Albino. Eficácia das Sentenças na Jurisdição Constitucional.4ª Ed. São Paulo:

RT2017.P.48.

Page 18: A TEORIA DA ABSTRAÇÃO E DA OBJETIVAÇÃO DO RECURSO

18

Hely Lopes Meirelles, Arnold Wald e Gilmar Ferreira Mendes tem o mesmo

entendimento:

Não resta dúvida de que a adoção de súmula vinculante em situação que

envolva a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo

enfraquecerá ainda mais o já debilitado instituto da suspensão de

execução pelo Senado. É que esta súmula confere interpretação

vinculante à decisão que declara a inconstitucionalidade sem que a lei

declarada inconstitucional tenha sido eliminada formalmente do

ordenamento jurpidico ( falta de eficácia geral da decisão declaratória

de inconstitucionalidade). Tem-se efeito vinculante da súmula, que

obrigará a Administração a não mais aplicar a lei objeto da declaração

de inconstitucionalidade ( nem a orientação que dela dessume), sem

eficácia erga omnes da declaração de inconstitucionalidade.31

Teori Albino Zavascki chama a atenção para um outro ponto. Trata-se da

instituição da repercussão geral como requisito de adminssibilidade do recurso

extraordinário pela EC45/2004. Destaca que para que a repercussão geral seja

caracterizada o legislador:

(...) considerou como indispensável á caracterização da repercussão

geral que as questões discutidas sejam relevantes sob dois distintos

aspectos; (a) o material (“relevantes do ponto de vista econômico,

político e social e jurídico”) e (b) o subjetivo( “que ultrapassem o

interesse subjetivo” da causa ou do processo) esse segundo requisito

evidencia o caráter objetivo de que se reveste a formação do precedente.

Justamente com base nessa circunstância, o STF, ao examinar a

natureza e o alcance do novo regime, deixou inequivocadamente

acentuado o efeito expansivo e vinculante das decisões dele decorrentes

para os demais recursos já interpostos ou que vierem a sê-lo.32

Destaca ainda a modulação de efeitos em decisões oriundas de julgamento de

recurso extraordinário, o que reforça a tese.

Hely Lopes Meirelles, Arnold Wald e Gilmar Ferreira Mendes chamam a

atenção para como o STF decide no caso de inconstitucionalidade de leis municipais:

Observe-se, ainda, que nas hipóteses de declaração de

inconstitucionalidade de leis municipais o STF tem adotado postura

significativamente ousada, conferindo efeito vinculante não só à parte

dispositiva da decisão de inconstitucionalidade, mas também aos

próprios fundamentos determinantes. É que são numericamente

expressivos os casos em que o STF tem extendido a decisão do Plenário

31 MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnold, FERREIRA MENDES, Gilmar. Mandado de Segurança e

Ações Constitucionais.37ª Ed. São Paulo: Malheiros.2016.P.790/791. 32 ZAVASKY, Teori Albino. Eficácia das Sentenças na Jurisdição Constitucional.4ª Ed. São Paulo:

RT2017.P.49.

Page 19: A TEORIA DA ABSTRAÇÃO E DA OBJETIVAÇÃO DO RECURSO

19

que declara à inconstitucionalidade de norma municipal a outras

situações idênticas, oriundas de Municípios diversos. Em suma, tem-se

considerado dispensável, no caso de modelos legais idênticos, a

submissão da questão ao Plenário. 33

Destacam como exemplo dessa situação a ilegitimidade da cobrança de IPTU

progressivo. No caso, foi utilizado o fundamento fixado pelo Plenário para a decisão de

situação similar, oriunda do Município de Belo Horizonte, ao Município de São José do

Rio Preto.

Destacam ainda a utilização da causa de pedir aberta nos julgamentos dos

REs, tendo a corte “admitido a possibilidade de conhecer do recurso extraordinário sem

se vincular a fundamentação do caso específico.”34 Dessa forma, o recurso será ou não

provido tendo em conta a totalidade da constituição.

Ocorreram no CPC 1973 mudanças que que foram reproduzidas e

aperfeiçoadas no CPC 2015.

Um exemplo disso pode ser verificado no art.93235 do CPC:

Art. 932. Incumbe ao relator:

(...)

IV - negar provimento a recurso que for contrário a:

a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de

Justiça ou do próprio tribunal;

b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior

Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas

repetitivas ou de assunção de competência;

V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento

ao recurso se a decisão recorrida for contrária a:

a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de

Justiça ou do próprio tribunal;

b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior

Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;

33 MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnold, FERREIRA MENDES, Gilmar. Mandado de Segurança e

Ações Constitucionais.37ª Ed. São Paulo: Malheiros.2016.P.786. 34 Ibidem.p.731. 35 CPC 73: Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente,

prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do

Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. (Redação dada pela Lei nº 9.756, de 1998)

§ 1o-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante

do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso.

(Incluído pela Lei nº 9.756, de 1998)

§ 1o Da decisão caberá agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso,

e, se não houver retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o

recurso terá seguimento.(Incluído pela Lei nº 9.756, de 1998)

§ 2o Quando manifestamente inadmissível ou infundado o agravo, o tribunal condenará o agravante a pagar

ao agravado multa entre um e dez por cento do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer

outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor. (Incluído pela Lei nº 9.756, de 1998)

Page 20: A TEORIA DA ABSTRAÇÃO E DA OBJETIVAÇÃO DO RECURSO

20

c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas

repetitivas ou de assunção de competência;

(...) ( destaques não constantes no original )

Note-se que o relator pode negar ou dar provimento a decisão que esteja em

desconformidade com acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior

Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos. A resolução do Senado,

novamente acaba por ser desnecessária, dado que verificamos que o comando produz seus

efeitos por si mesmo.

Hely Lopes Meirelles, Arnold Wald e Gilmar Ferreira Mendes chamam a

atenção para :

Também aqui parece evidente que o legislador entendeu possível

estender de forma geral os efeitos da decisão adotada pelo Tribunal,

tanto nas hipóteses de declaração de inconstitucionalidade incidental

de determinada lei federal, estadual ou municipal – hipótese que estaria

submetida à intervenção do Senado – quanto nos casos de fixação de

uma dada interpretação constitucional pelo Tribunal.

Ainda que a questão pudesse comportar outras leituras, é certo que o

legislador ordinário, com base na jurisprudência do STF, considerou

legítima a atribuição de efeitos ampliativos à decisão proferida pelo

Tribunal, até mesmo em sede de controle de constitucionalidade.36

A técnica de julgamento pela via repetitiva37 também demonstra a existência

da mutação constitucional. Dois aspectos chamam a atenção para essa técnica de

julgamento.

A primeira é a suspensão dos processos em trâmite, conforme preceitua o

inciso II do art.1037 do CPC, in verbis:

Art. 1.037. Selecionados os recursos, o relator, no tribunal superior,

constatando a presença do pressuposto do caput do art. 1.036, proferirá

decisão de afetação, na qual:

(...)

II - determinará a suspensão do processamento de todos os processos

pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e

tramitem no território nacional;

A outra é que uma vez decididos afetados a tese firmada será aplicada

imediatamente aos recursos que versem sobre a mesma controvérsia ou serão declarados

36 MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnold, FERREIRA MENDES, Gilmar. Mandado de Segurança e

Ações Constitucionais.37ª Ed. São Paulo: Malheiros.2016.P.787/786. 37 CPC 73 art.543-B e art.543-C.

Page 21: A TEORIA DA ABSTRAÇÃO E DA OBJETIVAÇÃO DO RECURSO

21

prejudicado. Note-se que não reconhecida a repercussão geral sobre a questão no recurso

extraordinário afetado, serão considerados imediatamente não admitidos os que estejam

com o processamento sobrestado.

Art. 1.039. Decididos os recursos afetados, os órgãos colegiados

declararão prejudicados os demais recursos versando sobre idêntica

controvérsia ou os decidirão aplicando a tese firmada.

Parágrafo único. Negada a existência de repercussão geral no recurso

extraordinário afetado, serão considerados automaticamente

inadmitidos os recursos extraordinários cujo processamento tenha sido

sobrestado.

Vemos que nesse procedimento o resultado de um caso entre José e Maria

terá eficácia que alcançará muitas outras pessoas, sem a necessidade da resolução do

Senado.

O mesmo se aplica ao recurso extraordinário avulso. Tal pode ser observado

no art.1030, I, “a” do CPC:

Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o

recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15

(quinze) dias, findo o qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao

vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá:

I – negar seguimento:

a) a recurso extraordinário que discuta questão constitucional à qual o

Supremo Tribunal Federal não tenha reconhecido a existência de

repercussão geral ou a recurso extraordinário interposto contra acórdão

que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal

Federal exarado no regime de repercussão geral;

Note-se que uma vez decidida uma questão pelo STF, poderá o o presidente

ou o vice-presidente do tribunal negar seguimento a um recurso que discuta questão sobre

a qual o STF já se manifestou de forma contrária ou de recurso interposto de acórdão em

conformidade com a tese firmada pelo STF, independentemente da existência da

resolução do Senado Federal prevista no inciso X do art.52 da Constituição federal.

Outro artigo do CPC que merece destaque é o art.1035, caput e §§ 5º e 8º, que

destacamos a seguir, in verbis:

Art. 1.035. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não

conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional

nele versada não tiver repercussão geral, nos termos deste artigo.

(...)

§ 5º Reconhecida a repercussão geral, o relator no Supremo Tribunal

Federal determinará a suspensão do processamento de todos os

processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a

questão e tramitem no território nacional.

Page 22: A TEORIA DA ABSTRAÇÃO E DA OBJETIVAÇÃO DO RECURSO

22

(...)

§ 8º Negada a repercussão geral, o presidente ou o vice-presidente do

tribunal de origem negará seguimento aos recursos extraordinários

sobrestados na origem que versem sobre matéria idêntica.

(...)

O § 5º preceitua que se a repercussão geral da questão veiculada por recurso

extraordinário seja reconhecida pelo STF, este, determinará, a suspensão do

processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem

sobre a questão e tramitem no território nacional. Note-se que o reconhecimento da

repercussão geral de uma questão pelo STF produzirá efeitos para além do caso que deu

origem ao recurso.

O caput e o § 8º tratam da negativa da existência da repercussão geral pelo

STF. Uma vez que sua existência seja negada, o presidente ou o vice-presidente do

tribunal de origem negará seguimento aos recursos extraordinários sobrestados na origem

que versem sobre a mesma questão constitucional. Novamente verificamos reflexos da

decisão para além do caso concreto em que a repercussão geral não foi reconhecida.

Vemos dessa forma que a instituição da repercussão geral, fez com que, a

questão veiculada num recurso extraordinário transcenda o caso concreto em que está

sendo analisada.

A possibilidade do manejo da reclamação quanto a decisão que não aplicar a tese

firmada em recurso extraordinário é outro ponto a ser destacado. O art. 988 do CPC traz

disposição à respeito, in verbis:

Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério

Público para:

(...)

III – garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de

decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de

constitucionalidade;

(...)

§ 5º É inadmissível a reclamação:

I – proposta após o trânsito em julgado da decisão reclamada;

II – proposta para garantir a observância de acórdão de recurso

extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão

proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial

repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias.

Constatamos pela leitura do inciso III do art. 988 e do inciso 2º do §5º do

mesmo artigo o cabimento da reclamação para garantir a observância de decisão do STF

em controle concentrado de constitucionalidade e para garantir a observância de acórdão

de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em

Page 23: A TEORIA DA ABSTRAÇÃO E DA OBJETIVAÇÃO DO RECURSO

23

julgamento de recurso extraordinário repetitivo. No que diz respeito ao controle difuso, a

única restrição imposta é o esgotamento das instâncias ordinárias, satisfeito esse requisito

caberá a reclamação. Dessa forma, uma vez satisfeito esse requisito, não observado o

entendimento do STF em controle difuso de constitucionalidade em outro caso em que se

discuta a mesma questão, caberá reclamação. Novamente verificamos a equiparação dos

efeitos das decisões do STF em controle de constitucionalidade difuso e concentrado.

Outro ponto em que podemos observar mudança é a decorrente da

inexigibilidade de um título, no caso de cumprimento de sentença para pagar quantia

certa, como pode ser observado no § 12 do art. 525 do CPC, in verbis:

Art. 525. Transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento

voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado,

independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos

próprios autos, sua impugnação.

(...)

§ 12. Para efeito do disposto no inciso III do § 1o deste artigo,

considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título

executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado

inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em

aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo

Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em

controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.

O mesmo se aplicando em relação à Fazenda Pública, como pode ser

observado no § 5º do art. 535 do CPC :

Art. 535. A Fazenda Pública será intimada na pessoa de seu

representante judicial, por carga, remessa ou meio eletrônico, para,

querendo, no prazo de 30 (trinta) dias e nos próprios autos, impugnar a

execução, podendo arguir:

(...)

§ 5º Para efeito do disposto no inciso III do caput deste artigo,

considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título

executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado

inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em

aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo

Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em

controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.

Note-se aqui novamente uma decisão proferida em controle difuso equiparada

a uma decisão em controle concentrado, sem fazer menção ao disposto no art. 52, X da

CF.

Page 24: A TEORIA DA ABSTRAÇÃO E DA OBJETIVAÇÃO DO RECURSO

24

Vale aqui destacar que os artigos 475-L38 e 74139 similares aos ora analisados

não faziam menção ao controle difuso em seus textos.

Arruda Alvim, Eduardo Arruda Alvim e Araken de Assis ao comentarem o

art.475-L destacam que:

Deste modo, inviável cogitarmos de que, sem que tenha havido a

suspensão pelo Senado, possa o executado, que não foi parte naquela

ação em que a inconstitucionalidade foi decidida incidenter tantum pelo

STF, utilizar-se desse fundamento para sustentar a inexigibilidade do

título. Evidentemente, tal matéria poderpa ser veiculada em ação

rscisória, com amparo no art485,V do CPC.40

Fizemos menção ao CPC 1973 para destacar um aspecto dos comandos ali

previstos. Falava-se unicamente em título fundado em lei ou ato normativo declarados

inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou

interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como

incompatíveis com a Constituição Federal. Não se mencionava o controle difuso de

forma expressa. O CPC 2015 discriminou a declaração de inconstitucionalidade em

controle concentrado e difuso. Considerando outras disposições constantes do CPC, pode-

se afirmar que a Teoria da Abstração e da Objetivação foi assimilada pelo Código.

O mesmo se verifica na improcedência liminar do pedido (art.332, II), na

dispensa de remessa necessária (art. 496, I e II), na tutela de evidência (art.311, II).

Um caso prático em que podemos verificar a equiparação dos efeitos do

controle difuso de constitucionalidade e do controle concentrado pode ser observado na

ADPF 174/RN, de relatoria do Ministro Luiz Fux, a qual foi julgada prejudicada em

função de já existir posicionamento do STF sobre a questão constitucional em recurso

extraordinário. A seguir reproduzimos a ementa da decisão, in verbis:

38CPC 73 art.475-L § 1o Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também

inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo

Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo

Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal. 39 CPC 73 art.741: Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se

também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo

Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo

Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.

40 ARRUDA ALVIM, José Manuel. ARRUDA ALVIM, Eduardo; ASSIS, Araken de.Comentários ao

Código de Processo Civil. 3ª Ed.São paulo:RT.2014

Page 25: A TEORIA DA ABSTRAÇÃO E DA OBJETIVAÇÃO DO RECURSO

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Ementa: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO

FUNDAMENTAL. DIREITO MONETÁRIO E ADMINISTRATIVO.

SERVIDOR PÚBLICO. A LEI ESTADUAL Nº. 6.612/94 TEVE A

SUA INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA NO RE Nº

561.836 TORNANDO PREJUDICADA A APRECIAÇÃO DA

PRESENTE AÇÃO. ARGUIÇÃO JULGADA PREJUDICADA.

(ADPF 174, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em

26/09/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-105 DIVULG 30-05-

2014 PUBLIC 02-06-2014)

Luiz Fux em seu voto sustenta que:

Observo que o tema debatido nesta arguição de descumprimento de

preceito fundamental, qual seja a competência para disciplinar a matéria

referente à conversão de padrão monetário, estava contido no Recurso

Extraordinário nº 561.836 submetido ao regime de repercussão geral. O

referido feito foi julgado recentemente por esta Corte que reconheceu a

inconstitucionalidade da Lei estadual nº 6.612/94, o que torna a presente

ADPF prejudicada, mormente porquanto o pleito aqui formulado foi o

de declaração da constitucionalidade da mesma lei.41

CONCLUSÃO

O Recurso Extraordinário, previsto no inciso III do art.102 da Constituição

Federal, é um recurso de estrito direito. Tem por escopo a guarda da constituição e se

relaciona diretamente com o modelo federativo adotado em nossa constituição. Para que

uma questão possa ser levada ao STF por meio do Recurso Extraordinário devem ser

atendidos três requisitos: o exaurimento de instância e a causa decidida, a existência de

repercussão geral e o enquadramento da questão constitucional em uma das hipóteses de

cabimento previstas no inciso III do art.102 da Constituição Federal.

A decisão proferida pelo STF em controle difuso de constitucionalidade

produz efeitos entre as partes envolvidas no litígio. Isso se dá pelo fato de a

inconstitucionalidade da lei ser analisada como fundamento da decisão ao contrário da

decisão em controle concentrado, na qual, a inconstitucionalidade da lei consiste no

pedido. Dessa forma, para que uma lei seja declarada inconstitucional em controle difuso

pelo STF e produza efeitos erga omnes será necessária a participação do Senado Federal

conforme preceitua o inciso X do art.52 da Constituição Federal. A participação do

Senado Federal se dará por meio de resolução que suspenderá a execução da lei nos

41 STF:ADPF 174, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 26/09/2013, ACÓRDÃO

ELETRÔNICO DJe-105 DIVULG 30-05-2014 PUBLIC 02-06-2014.

Page 26: A TEORIA DA ABSTRAÇÃO E DA OBJETIVAÇÃO DO RECURSO

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limites da declaração de sua inconstitucionalidade. Essa participação não é necessária nas

decisões proferidas pelo STF em controle concentrado de constitucionalidade em função

do previsto no § 2º do art.102 da Constituição Federal, o qual confere eficácia erga omnes

e efeito vinculante a essas decisões.

Existe corrente no STF e na doutrina pátria que defende que em função de

uma mutação constitucional uma decisão proferida pelo STF em recurso extraordinário

produzirá efeitos erga omnes desde logo, sendo desnecessária a participação do Senado

Federal prevista no art.52,X da Constituição Federal.

O Ministro Eros Grau, em seu voto na Reclamação 4335/AC, de relatoria do

Ministro Gilmar Mendes, sustenta que houve uma alteração no texto do inciso X do art.

52 da Constituição Federal. Destaca que a alteração não se deu por meio de interpretação

do texto, mas por alteração do próprio texto que agora prevê a atuação do Senado Federal

unicamente para dar publicidade a decisão.

O entendimento adotado no STF, atualmente positivado no CPC, da

desnecessidade da declaração de inconstitucionalidade ser tomada pela maioria dos

membros de um tribunal ou por seu órgão especial, conforme previsto no art. 97 da CF,

quando o STF já tiver se manifestado a respeito da inconstitucionalidade da questão; e os

efeitos do enunciado de súmula vinculante, que vinculam os órgãos do judiciário e da

administração pública, uma vez publicado no Diário Oficial, reforçam a tese. Em ambos

os casos os efeitos são produzidos sem que seja necessária a atuação do Senado Federal.

A modulação dos efeitos das decisões proferidas em recurso extraordinário,

a vinculação dos fundamentos determinantes de uma decisão e a causa de pedir aberta

aproximam o regime jurídico do julgamento do recurso extraordinário ao do controle

concentrado de constitucionalidade. O atributo da repercussão geral deixa claro que a

questão constitucional a ser julgada transcende os limites do caso concreto submetido ao

STF.

No CPC 2015 verificamos o regime jurídico adotado para o julgamento e a

admissibilidade do recurso extraordinário avulso e pela técnica do julgamento de casos

repetitivos, os poderes do relator para negar ou dar provimento a um recurso que contrarie

ou esteja em consonância com decisão do STF proferida em recurso extraordinário

repetitivo, o cabimento de reclamação contra a decisão que não observar a tese firmada

em julgamento de recurso extraordinário avulso ou repetitivo e a inexigibilidade de

obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo

considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em controle difuso

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demonstram que uma decisão proferida pelo STF em recurso extraordinário produzirá

seus efeitos desde logo.

Os argumentos apresentados fortalecem os defensores da Teoria da Abstração

e da Objetivação do Recurso Extraordinário. Constatamos pelo acima exposto que a

decisão proferida em recurso extraordinário, seja avulso ou repetitivo, produz efeitos que

ultrapassam o caso em que a questão constitucional foi veiculada, independentemente da

atuação do Senado Federal conforme prescrito no art.52, X da Constituição Federal.

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