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 A REPRESENTAÇÃO DA CONCEPÇÃO DE INFÂNCIA NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE EM DOM CASMURO 1  Kelly Priscilla Lóddo Cezar (PG-UEM) Fabiane Freire França – (PG – UEM) Lilian Alves Pereira – (PG – UEM) Profa. Dra. Geiva Carolina Calsa – (DTP/UEM) 1. Introdução Machado de Assis (1997), em sua obra  Dom Casmurro, focaliza, em quase sua totalidade, as personagens Capitu e Bentinho, na fase da adolescência, isto é, da transição da infância para a vida adulta.  Na literatura realista o adolescente encontra papel de destaque. Obras como a ora estudada e O Ateneu, de Raul Pompéia, dão ênfase a essa fase da vida na construção do enredo. Tal fato, certamente se justifica pelo momento histórico de sua realização. Desde o século XIX, período em que essas obras foram escritas, a criança e o adolescente passam a ter um maior espaço na sociedade, em razão dos avanços científicos relacionados à  psicologia, à sociologia, e à antropologia, entre outras ciências. O estudo realizado por Penteado (2005, p.1) sobre A imagem do adolescente em  Dom Casmurro evidencia a especificidade das personagens retratadas na obra. De acordo com esse estudo, o narrador elabora seu discurso de forma “a tematizar a juventude como construção social, considerando-se semelhanças e diferenças na representação de jovens, não só de classe e condição social diferente, mas também de sexos diferentes”. A construção das personagens evolui na narrativa de modo a mostrar que sua  personalidade está definida nessa fase da vida. Antes do século XIX as artes não representavam a infância e a adolescência desta maneira, ou seja, como fases peculiares e diferenciadas do desenvolvimento humano. Sua obra, portanto, segue os novos padrões ditados pelo movimento estético e literário a que pertence relacionado ao momento histórico e às descobertas científicas do período. 1  Alunas integrantes do Grupo de Pesquisa em Psicopedagogia – GESPESP.

A Representação Da Concepção de Infância Na Criança e No Adolescente Em Dom Casmurro Gt 4

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  • A REPRESENTAO DA CONCEPO DE INFNCIA NA CRIANA E NO

    ADOLESCENTE EM DOM CASMURO1

    Kelly Priscilla Lddo Cezar (PG-UEM) Fabiane Freire Frana (PG UEM)

    Lilian Alves Pereira (PG UEM) Profa. Dra. Geiva Carolina Calsa (DTP/UEM)

    1. Introduo

    Machado de Assis (1997), em sua obra Dom Casmurro, focaliza, em quase sua

    totalidade, as personagens Capitu e Bentinho, na fase da adolescncia, isto , da transio

    da infncia para a vida adulta.

    Na literatura realista o adolescente encontra papel de destaque. Obras como a ora

    estudada e O Ateneu, de Raul Pompia, do nfase a essa fase da vida na construo do

    enredo. Tal fato, certamente se justifica pelo momento histrico de sua realizao. Desde o

    sculo XIX, perodo em que essas obras foram escritas, a criana e o adolescente passam a

    ter um maior espao na sociedade, em razo dos avanos cientficos relacionados

    psicologia, sociologia, e antropologia, entre outras cincias.

    O estudo realizado por Penteado (2005, p.1) sobre A imagem do adolescente em

    Dom Casmurro evidencia a especificidade das personagens retratadas na obra. De acordo

    com esse estudo, o narrador elabora seu discurso de forma a tematizar a juventude como

    construo social, considerando-se semelhanas e diferenas na representao de jovens,

    no s de classe e condio social diferente, mas tambm de sexos diferentes.

    A construo das personagens evolui na narrativa de modo a mostrar que sua

    personalidade j est definida nessa fase da vida. Antes do sculo XIX as artes no

    representavam a infncia e a adolescncia desta maneira, ou seja, como fases peculiares e

    diferenciadas do desenvolvimento humano. Sua obra, portanto, segue os novos padres

    ditados pelo movimento esttico e literrio a que pertence relacionado ao momento

    histrico e s descobertas cientficas do perodo.

    1 Alunas integrantes do Grupo de Pesquisa em Psicopedagogia GESPESP.

  • Apesar do conceito de infncia manter-se inabalvel desde a Idade Mdia, nos

    sculo XV e XVI as crianas passaram a ter uma diferenciao sutil em relao aos adultos.

    Antes disso elas presenciavam e participavam da vida dos adultos e estavam sempre

    misturadas a eles mesmo que no compreendessem o sentido dos fatos ou situaes que

    estavam ocorrendo. Nesse perodo ento, a idia de afastamento da infncia em relao

    idade adulta comea a se anunciar, e a criana comea a ser vista como um ser diferente do

    adulto. O adolescente continuava a ser visto como adulto, pois at este momento no havia

    conceituao a respeito dessa fase do desenvolvimento humano.

    Para Chipkevitch (1994), no sculo XIX a famlia comea a adquirir novos papis

    dentro da sociedade burguesa. Como h uma diminuio da quantidade de filhos as famlias

    passam a ter vnculos mais estreitos e emotivos, e comea a ocorrer valorizao do no

    adulto. Os adolescentes passam a formar uma nova categoria social. Assim, o tema

    desperta o interesse de artistas, poetas e escritores da poca.

    Como escritor desse sculo, Machado de Assis est atento s mudanas

    comportamentais da sociedade e s correntes cientficas predominantes em sua poca,

    caracterstica marcante do Realismo. O movimento literrio do qual participa o autor na

    segunda fase de sua criao est intimamente ligado psicologia. Nesse movimento, os

    motivos humanos dominam a ao, e o homem retratado como ser completo cujas aes

    tm uma razo. Segundo a Psicologia, cincia em desenvolvimento nesse perodo, a

    personalidade do indivduo se forma a partir energia psquica que o impulsiona na busca da

    satisfao de suas necessidades. Essa energia est presente no ser humano desde o seu

    nascimento, e a maneira como seus desejos e necessidades vo sendo supridos so

    responsveis pelas caractersticas do adulto que se formar. Os cinco primeiros anos de

    vida so decisivos na formao da personalidade e o modo como a criana aprende a lidar

    com os problemas cotidianos at essa idade responsvel pela estrutura bsica do seu

    carter.

    O presente artigo visa apresentar algumas caractersticas psicolgicas dessas

    personagens, que representam essa fase to conturbada quanto especial do desenvolvimento

    humano. Para isso, buscou-se situar a obra do autor em relao aos estudos sobre a criana

    e o adolescente sculo XIX.

  • 2. Machado de Assis e sua poca

    A fim de situar a obra e o autor no contexto histrico torna-se relevante realizar um

    apanhado histrico sobre Joaquim Maria Machado de Assis. Segundo a literatura

    especializada, Machado de Assis ecltico em seus escritos, uma vez que encontramos

    crnicas, contos, dramas, artigos jornalsticos, poesia, novela, romance alm de ser

    conhecido como um crtico e ensasta.

    Sua vida teve incio na cidade do Rio de Janeiro, mais especificamente, em 21 de

    junho de 1839. Filho de operrio mestio (negro e portugus) e de D. Maria Leopoldina.

    Ficou rfo de me precocemente e acabou sendo criado pela nova esposa de seu pai.

    Desde de cedo apresentada uma sade considerada frgil.

    Com a morte do pai acabou por tornar-se vendedor de doces em decorrncia do

    emprego de Maria Ins sua madrasta ficou sendo conhecido como Machadinho. Neste

    colgio tornou-se amigo de professores e realizou amizades e foi onde iniciou assistir

    algumas aulas nos momentos em que no estava vendendo doces.

    A literatura especializada salienta que foi por meio desta dificuldade que o autor se

    empenhou a aprender. Mesmo sem ter cursado cursos regulares suas dificuldades

    financeiras no dificultou de se aprimorar em conhecimentos. Consta que, em So

    Cristvo, conheceu uma senhora francesa, proprietria de uma padaria, cujo forneiro lhe

    deu as primeiras lies de Francs. Alm dessa, sua madrinha D. Maria Jos de Mendona

    Barroso o protegia. Era viva do Brigadeiro e Senador do Imprio Bento Barroso Pereira.

    Seus escritos iniciaram aos 16 anos (1855) como o poema "Ela", que foi publicado

    na

    revista Marmota Fluminense. A Livraria Paula Brito acolhia novos talentos da poca,

    tendo publicado o citado poema e feito de Machado de Assis seu colaborador efetivo.

    Aos 17 anos emprega-se como aprendiz de tipgrafo na Imprensa Nacional, e

    comea a escrever durante o tempo livre. Em 1858 volta Livraria Paula Brito, como

    revisor e colaborador da Marmota, e acaba por integra-se sociedade ltero-humorstica

    Petalgica, fundada por Paula Brito. Com essa interao constri o seu meio de amigos, do

    qual faziam parte Joaquim Manoel de Macedo, Manoel Antnio de Almeida, Jos de

    Alencar e Gonalves Dias.

  • Suas publicaes so iniciadas por romnticas (1859), mas tambm trabalhava como

    revisor do jornal Correio Mercantil. Em 1860, a convite de Quintino Bocaiva, passa a

    fazer parte da redao do jornal Dirio do Rio de Janeiro. Alm desse, escrevia tambm

    para a revista O Espelho (como crtico teatral, inicialmente), A Semana Ilustrada e Jornal

    das Famlias.

    Seu primeiro livro foi intitulado Queda que as mulheres tm para os tolos,

    publicado em 1861 no qual aparece como tradutor. No ano de 1862 era censor teatral,

    cargo que no rendia qualquer remunerao, mas o possibilitava a ter acesso livre aos

    teatros. Nessa poca, passa a colaborar em O Futuro, rgo sob a direo do irmo de sua

    futura esposa, Faustino Xavier de Novais.

    Publica seu primeiro livro de poesias Crislidas (1864). Neste perodo, tambm foi

    nomeado ajudante do diretor de publicao do Dirio Oficial. Em 1869 realiza seu

    matrimnio com Carolina Augusta Xavier de Novais.

    Nessa poca, o escritor era um tpico homem de letras brasileiro bem sucedido, confortavelmente amparado por um cargo pblico e por um casamento feliz que durou 35 anos. D. Carolina, mulher culta, apresenta Machado aos clssicos portugueses e a vrios autores da lngua inglesa. Sua unio foi feliz, mas sem filhos. A morte de sua esposa, em 1904, uma sentida perda, tendo o marido dedicado falecida o soneto Carolina, que a celebrizou. Seu primeiro romance, Ressurreio, foi publicado em 1872. Com a nomeao para o cargo de primeiro oficial da Secretaria de Estado do Ministrio da Agricultura, Comrcio e Obras Pblicas, estabiliza-se na carreira burocrtica que seria o seu principal meio de subsistncia durante toda sua vida (NOGUEIRA, 2007, p. 1).

    Nogueira (2007) salienta que foi no O Globo (1874), jornal de Quintino Bocaiva,

    que inicia a escrever e publicar em folhetins o famoso romance A mo e a luva. Este

    romance conta a Guiomar, sobrinha de uma baronesa, que procura com frieza e calculismo

    realizar o ambicioso plano de ascender socialmente por meio do casamento. Neste ciclo

    tem trs homens que pretendem sua mo (Estevo, Jorge e Luis Alves). O primeiro mesmo

    que sincero era simplrio; o segundo indolente e superficial. Mas o terceiro, Luis Alves,

    que o eleito ao casamento por ser considerado mais ambicioso e sagaz. Essas

    caractersticas acabam por identificar as qualidades que se sintonizavam com o esprito de

    Guiomar, que, ao escolh-lo, faz, segundo suas prprias palavras.

  • A escolha do marido foi influenciada pela criada inglesa da baronesa, Mrs. Oswald.

    Embora a trama parea ser romntica, a motivao de Guiomar no tanto: ela v o

    casamento como uma escada social e escolhe Lus tanto pelo amor quanto pelo fato dele j

    estar eleito deputado. Este tipo de histria era muito presente na sociedade em que vivia

    Machado, porm sua obra teve aceitabilidade por representar essa sociedade presente.

    Alm disso, Escreveu crnicas, contos, poesias e romances para as revistas O

    Cruzeiro, A Estao e Revista Brasileira. Sua primeira pea teatral encenada no Imperial

    Teatro Dom Pedro II em junho de 1880, escrita com a finalidade de comemorar do

    tricentenrio de Cames. Na Gazeta de Notcias (1881-1897), publica suas melhores

    crnicas, consideradas pelos literatos.

    Em 1881, assume o cargo de oficial de gabinete. Publica, nesse mesmo ano Memrias

    Pstumas de Brs Cubas. Obra esta considerada o marco da escola Realista na literatura

    brasileira juntamente com O Mulato, de Alusio de Azevedo. A obra Memrias Pstumas

    de Brs Cubas representa um marco no decorrer das obras de Machado, uma vez que no se

    refere mais um romance romntico, como os anteriores, trata-se do primeiro romance

    realista brasileiro.

    Sua forma de narrar considerada fantstica e a mais importante, pois a

    primeira obra da literatura brasileira que ultrapassa os limites nacionais dessa literatura. At

    hoje trata-se de um romance universal.

    Conta a histria de Brs Cubas, o narrador, que j est morto, e dessa perspectiva

    extraordinria que ele nos revela sua vida e nos d um quadro de sua classe social e do

    mundo em que viveu, debochado, sem qualquer compromisso com os formalismos da

    vida sejam os formalismos das relaes sociais, sejam os da narrativa literria.

    A obra apresenta um tom irnico do mundo social do qual o narrador representa.

    Essa ironia est por trs de um bom humor, mas ainda deixa visvel o esqueleto que suporta

    as estruturas da vida e da arte.

    Para compreenso da anlise do presente artigo torna-se importante situar o

    memomento histrico da obra e seu enredo a fim de orientar o leitor ao direcionamento da

    perspectiva de anlise. Para tanto ser realizado o resumo da obra realizado por Lajolo

    (1985) na "Literatura comentada", da Abril Editora.

  • Dom Casmurro foi publicado em 1900 e um dos romance mais conhecidos de

    Machado. Narra em primeira pessoa a estria de Bentinho que, por circunstncia vrias, vai

    se fechando em si mesmo e passa a ser conhecido como Dom Casmurro. Sua estria a

    seguinte: rfo de pai, criado com desvelo pela me (D. Glria), protegido do mundo pelo

    crculo domstico e familiar (tia Justina, tio Cosme, Jos Dias), Bentinho destinado vida

    sacerdotal, em cumprimento a uma antiga promessa de sua me.

    A vida do seminrio, no entanto, no o atrai, j o namoro com Capitu, filha dos

    vizinhos. Apesar de comprometido pela promessa, tambm D. Glri a sofre com a idia de

    separar-se do filho nico, interno no seminrio. Por expediente de Jos Dias, o agregado da

    famlia, Bentinho abandona o seminrio e, em seu lugar, ordena-se um escravo.

    Correm os anos e com eles o amor de Bentinho e Capitu. Entre o namoro e o

    casamento, Bentinho se forma em Direito e estreita a sua amizade com um ex-colega de

    seminrio, Escobar, que acaba se casando com Sancha, amiga de Capitu.

    Do casamento de Bentinho e Capitu nasce Ezequiel. Escobar morre e, durante seu

    enterro, Bentinho julga estranha a forma qual Capitu contempla o cadver. A partir da, os

    cimes vo aumentando e precipita-se a crise. medida que cresce, Ezequiel se torna cada

    vez mais parecido com Escobar. Bentinho muito ciumento, chega a planejar o assassinato

    da esposa e do filho, seguido pelo seu suicdio, mas no tem coragem. A tragdia dilui-se

    na separao do casal.

    Capitu viaja com o filho para a Europa, onde morre anos depois. Ezequiel, j moc,

    volta ao Brasil para visitar o pai, que apenas constata a semelhana entre e antigo colega de

    seminrio. Ezequiel volta a viajar e morre no estrangeiro. Bentinho, cada vez mais fechado

    em usas dvidas, passa a ser chamado de casmurro pelos amigos e vizinhos e pe-se a

    escrever de sua vida (o romance).

    Aps essa obras percebe-se que depoimentos de Jos Verssimo, que dirigia a

    Revista Brasileira, em sua redao promoviam reunies os intelectuais que se identificaram

    com a idia de Lcio de Mendona de criar uma Academia Brasileira de Letras. Machado

    desde o princpio apoiou a idia e compareceu s reunies preparatrias e, no dia 28 de

    janeiro de 1897, quando se instalou a Academia, foi eleito presidente da instituio, cargo

    que ocupou at sua morte, ocorrida no Rio de Janeiro em 29 de setembro de 1908. Sua

    orao fnebre foi proferida pelo acadmico Rui Barbosa.

  • 3. Concepo de infncia e adolescncia

    No perodo clssico, a criana era concebida como um ser pouco desenvolvido tanto

    fisicamente como intelectualmente. Para Plato, a educao das crianas deveria ser bem

    direcionada, tendo em vista a formao dos adultos em potencial. Postman (1999) afirma

    que os gregos no pensavam nas crianas como uma categoria especial, foram os romanos

    que comearam a estabelecer uma preocupao maior com a infncia.

    Durante a Idade Mdia no existia um conceito especfico de criana, o indivduo era

    considerado criana at os sete anos, pois aps esta idade acreditava-se que ela poderia

    entender e fazer o mesmo que os adultos. No era considerada a compreenso da existncia

    de um estado intermedirio entre infncia e a idade adulta. Segundo o autor, a criana era

    considerada quase invisvel ou, em outras palavras, um mini-adulto.

    Segundo Postman (1999), este quadro s ir mudar em meados do sculo XVIII,

    quando, na Alemanha, inventa-se a tipografia. Neste perodo, as crianas so expulsas do

    mundo adulto, e passam a habitar um novo mundo, o mundo da infncia. Aps

    aproximadamente cinqenta anos da inveno da tipografia, estabeleceu-se uma distino

    mais clara entre a criana e o adulto. Neste momento, para a sociedade burguesa passa a ser

    necessrio um homem letrado que precisa aprender a ler e a escrever na nova instituio

    social denominada escola. Assim, para se tornar adulto a criana precisa aprender esses

    contedos escolares: criana torna-se o vir a ser adulto por meio da aprendizagem

    escolar.

    As crianas no eram mais vistas como adultos em miniatura, a infncia tornou-se

    uma categoria intelectual, com estgios de desenvolvimento ditados pela idade cronolgica

    descritos pela cincia da Psicologia e da Pedagogia em ascenso. Esses conhecimentos

    propiciam a organizao das classes escolares e o estabelecimento de um currculo

    adequado para cada etapa do desenvolvimento infantil.

    Aris (1981) assevera que, a partir do sculo XVIII, a infncia passou a ser observada

    de modo diferente, ou seja, com mais cuidado e preocupao. Com o desenvolvimento do

    sentimento de infncia, a criana comea a conquistar um espao peculiar na comunidade

    em que vive. Tal hbito estendeu-se at o sculo XX, quando lentamente as pinturas foram

  • sendo substitudas pelas fotografias. A infncia e a adolescncia passaram a ser observadas

    e descritas com mais ateno e de forma cientfica, dando-se nfase aos estudos do

    desenvolvimento humano.

    Carvajal (2001) afirma que a noo referente ao perodo da adolescncia (fase de

    transio entre a infncia e a vida adulta), foi empregada no mundo ocidental a partir da

    organizao da escola, principalmente a partir do sculo XIX. O autor compreende esse

    perodo como adolescer, palavra latina que significa crescer, ficar jovem. tambm

    compreendida como puberdade, pois caracteriza as alteraes decorrentes do corpo em

    relao ao desenvolvimento das caractersticas sexuais, ou seja, a puberdade o processo

    de desenvolvimento do corpo. Waddell (1995) descreve esse processo do seguinte modo.

    A puberdade se apresenta em diferentes corpos em pocas diferentes e de diferentes maneiras. De modo geral, acontece mais cedo nas meninas do que nos garotos. (...) Mas tanto para os garotos como para as meninas, a poca mais freqente da puberdade entre os doze e os quatorze anos. Sexualmente, embora nem sempre emocionalmente, cada criana est se tornando um adulto (WADDELL, 1995, p. 19).

    A autora ressalta que as transformaes enfrentadas pelos sujeitos nessa fase so

    bastante complexa, que causa grande sanso de confuso dos adolescentes, pois refere-se

    a um momento da vida entre o final da infncia e incio da idade adulta. Essa fase

    intermediria apresenta muitas particularidades podem ocorrer e fazer com que qualquer

    definio para essa fase seja imprecisa e varivel. De acordo com o Novo Dicionrio

    Aurlio da Lngua Portuguesa (Ferreira, 1996), adolescncia provm do latim

    adolescentia e significa "o perodo da vida humana que sucede infncia, comea com a

    puberdade, e se caracteriza por uma srie de mudanas corporais e psicolgicas.

    Segundo Salle (2007, p. 1), o estudioso Freud apresentou uma formulao sobre o

    aparelho mental que saiu do campo da Psicologia e hoje de domnio pblico: a diviso

    da mente em id, ego e superego.

    De forma bastante simplificada, o id seria o componente mais primitivo, instintual. O ego seria a estrutura que faria a adaptao do id realidade, onde se encontram as funes mais elaboradas (raciocnio, memria, tolerncia frustrao, processo secundrio, mecanismos de defesa). Em outras palavras, o ego seria aquela parte do id modificada pelo ambiente. Ao superego caberiam os aspectos da moral e da tica, derivadas da imagem dos pais e pessoas importantes da infncia. Mas no apenas

  • moral e tica, no sentido formal do termo, mas sim toda aquela gama de avaliaes que o sujeito faz de si mesmo e dos outros. forma mais ou menos estvel desta soma de estruturas dado o nome de carter. A personalidade ou carter do indivduo, portanto, seria o precipitado das identificaes e relaes com as pessoas importantes de sua vida, particularmente as envolvidas nos seus primeiros anos de vida.

    Dentre estes aspectos, a adolescncia apresenta uma etapa de conflito que

    geralmente surge quando a criana se percebe frente a posies contraditrias, por isso

    pode-se dizer que se encontram pertencente em um ambiente de ambigidades e

    contradies. Nessa etapa da vida os sujeitos tendem a reclamar da falta de liberdade e

    autonomia.

    3.1. Escola, criana e adolescente

    Na Antigidade Clssica a escola era considerada um complemento dos estudos

    aprendidos em casa e no tinha preocupao com a insero da criana na sociedade e com

    a formao de sua personalidade integral. Neste perodo, acreditava-se que a personalidade

    dos indivduos deveria ser formada na famlia e na vivncia com a sociedade.

    Quando existentes, os lugares de instruo no eram organizados em um nico

    ambiente, cada mestre ensinava em lugares distintos, podendo ser at ao ar livre. Nesses

    lugares, a criana recebia uma instruo elementar do gramatista, do pedtriba e do

    citarista, que lhe ensinavam a leitura e a escrita, a ginstica e a msica. A idia de

    educao no estava ligada a de meio educativo, mas, antes, a de relao privilegiada entre

    uma criana e um adulto (CHARLOT, 1983, p. 161).

    Embora, nesse perodo, Plato e Aristteles j acreditassem na necessidade de um

    lugar especfico para educao, a organizao da escola na Antiguidade no correspondia

    aos ideais da pedagogia que se iniciava no perodo medieval. Segundo Charlot (1983,

    p.161), passou-se ento a buscar a formao da personalidade da criana em todos os seus

    aspectos, que para isso precisava ser educada separadamente da sociedade.

    Na Idade Mdia, a idia de separao criana-sociedade, ou seja, de clausura escolar

    j se anunciava na organizao educativa dos mosteiros. Nessa poca, a concepo de

  • infncia implicava tratar crianas e adultos da mesma forma e a principal preocupao da

    educao escolar era religiosa. Por isso, primeiro, abordava-se o ensino religioso e, em

    segundo lugar, a formao laica.

    Segundo Aris (1981), no perodo medieval era natural desconsiderar a infncia

    como uma etapa especial de desenvolvimento dos indivduos. Por este motivo, esta fase da

    vida passava rapidamente sem muitas lembranas. O estudo da infncia e de seu

    funcionamento desenvolveu-se efetivamente no final do sculo XIX, a partir de John

    Herbart, um dos principais representantes da Pedagogia Tradicional. Seus estudos

    procuravam compreender o desenvolvimento da criana como fundamente para formao e

    organizao dos currculos escolares.

    Por volta do sculo XI as crianas eram observadas como pequenos adultos, em

    razo disso a diferena entre uma criana e um adulto era considerada somente de tamanho.

    Segundo o autor, esta viso pode ser constatada no Evangelho cristo e em pinturas da

    poca em que as crianas eram representadas como adultos de tamanho reduzido. De

    acordo com Aris (1981, p. 51), at o fim do sculo XIII, no existem crianas

    caracterizadas por uma expresso particular, e sim homens de tamanho reduzido. Essa

    recusa em aceitar na arte a morfologia infantil encontrada, alis, na maioria das

    civilizaes arcaicas.

    Somente por volta do sculo XIII surge um conceito de infncia mais prximo do

    que se tem hoje. O autor faz meno a trs tipos de viso de criana neste perodo: a

    primeira apresentava a forma de anjo (no tinha sexo definido e tamanho exato) e eram

    educadas para auxiliar os cultos religiosos. A segunda identificava a criana com o menino

    Jesus percebido como um mini-adulto. Segundo o autor, o sentimento encantador da tenra

    infncia permaneceu limitado ao menino Jesus at o sculo XIV... (ARIS, 1991, p. 53).

    O terceiro tipo apareceu na fase gtica da pintura, na qual elas apareciam despidas, embora

    o menino Jesus permanecesse vestido.

    Somente entre os sculos XV e XVI as crianas passaram a ter uma forma mais

    clara de diferenciao em relao ao adulto. Num primeiro momento, elas presenciavam e

    participavam da vida dos adultos, ou seja, estavam sempre misturadas com os adultos

    mesmo que no compreendessem o sentido do que estava ocorrendo. Neste momento, a

    idia de afastamento da criana em relao ao adulto j estava se anunciando, pois, ela

  • comeava a ser percebida como um ser diferente do adulto em decorrncia de sua

    infantilidade e capacidade de provocar o riso do adulto.

    Aris (1981) assevera que a partir do sculo XVII a infncia passou a ser observada

    de modo diferente, ou seja, com mais cuidado e preocupao. Durante o longo perodo em

    que as crianas eram vistas como um mini-adulto, sua morte no significava perda intensa

    por parte da famlia. Eram enterradas no quintal da casa onde moravam como atualmente

    ainda se faz com os animais domsticos.

    Com o desenvolvimento do sentimento de infncia a criana comea a conquistar

    um espao peculiar na comunidade em que vive. por meio de retratos de crianas

    sozinhas que o autor mostra como os sentimentos demostrados por elas foram modificando-

    se lentamente. Durante o sculo XVII toda famlia desejava retratar cada um de seus filhos.

    Este tipo de representao continuou em voga at os sculos XIX e XX quando por volta do

    final sculo XIX a pintura passou a ser lentamente foi substituda pela fotografia que se

    mantm at hoje.

    A partir do sculo XVII, os cuidados com as crianas tambm foram alterados. Com

    sua morte freqente as doenas passaram a ser tratadas de forma distinta da dos adultos.

    Aris (1981, p, 61) afirma que nessa poca

    (...) algumas famlias [ento] fizeram questo de vacinar suas crianas. Essa precauo contra a varola traduzia um estado de esprito que deve ter favorecido tambm outras prticas de higiene, provocando uma reduo da mortalidade, que em parte foi compensada por um controle da natalidade cada vez mais difundido.

    De acordo com Charlot (1983, p.162), somente nos sculos XVI e XVII a escola

    lentamente introduziu o pensamento pedaggico da atualizao que exigia a separao da

    criana da sociedade, de forma a manter o maior tempo possvel a ingenuidade e a pureza

    da criana ou domar seus instintos. S a partir deste momento a escola deixou de ser um

    lugar de instruo e passou a ser um lugar de educao. Considerava-se a clausura escolar

    necessria para impedir a aproximao dos adultos que ao ter contato com as crianas

    acabam por corromp-las ou mantm a corrupo j existente.

    Segundo Varela (2002), as instituies educacionais como esto organizadas

    atualmente se formaram a partir do Renascimento sob influncia das escolas jesuticas. Sob

  • est influncia e com o advento da burguesia como nova classe social, a escola passou a se

    dirigir a diferentes estratos sociais: burgueses, nobres, homens livres ou escravos. Alm

    disso, continuou ocorrendo uma separao crescente das crianas em relao aos adultos e

    o desenvolvimento de formas especficas de ensino escolar. Pode-se dizer que os jesutas

    foram os responsveis pela organizao dos contedos e procedimentos de ensino da escola

    moderna, graas a eles os contedos passaram a ser organizados por grau de dificuldade -do

    simples para o mais complexo - modelo seguido at hoje.

    Com a ampliao da oferta da escola os jesutas romperam com o ensino escolstico

    no qual as crianas, tratadas como adultos em miniatura, no eram diferenciadas dos

    adultos. Para que a nova forma de ensino fosse colocada em prtica, os jesutas enfatizaram

    a necessidade de clausura, ou seja, de separao adulto-criana durante o perodo escolar.

    Varela (2002, p.88) salienta que:

    [...] foram precisamente os jesutas que retomaram a definio que moralistas e humanistas fizeram da infncia e puseram em ao uma maquinaria escolar que no apenas contribuiu para dotar as crianas de um estatuto especial, mas que tambm converteu seu sistema de ensino, nos pases catlicos, num sistema modelo para as demais instituies escolares, incluindo, aps lutas e sucessivos reajustes, as universidades.

    Para manter a ingenuidade da criana os jesutas propunham, entre outros aspectos,

    a censura de obras clssicas, pois acreditavam que o contato com essa literatura poderia

    provocar o rompimento moral de suas idias. Em conseqncia disso, os estudantes

    gradualmente foram perdendo a autonomia para a realizao de estudos, que antes eram

    incentivados. Passaram a realiz-los totalmente submetidos determinao da instituio

    escolar. Varela (2002) assinala que a partir desse momento os jesutas passaram a dominar

    os contedos e controlar de maneira direta o aprendizado da maioria da populao dos

    pases predominantemente cristo.

    O modelo seguido pelos jesutas tornou-se conhecido como Pedagogia Tradicional.

    Para essa pedagogia as crianas nascem com ndole m e, por isso, a base de sua

    aprendizagem deve ser a de seguir modelos de homens considerados bons. A interao

    aluno-professor centralizada na figura do mestre que funciona como modelo e nica fonte

    de verdade do saber escolar. Na sala de aula, os alunos no podem interagir entre si e deve

    se manter um frente do outro. A aprendizagem da cultura e do conhecimento

  • considerada um fenmeno individual e, por isso, a criana deve evitar contato com os

    demais. Quando existentes, as atividades em grupo acontecem com carter de competio

    para estimular o esforo pessoal, pois considerado o melhor aluno aquele que se destaca

    nesse tipo de atividade.

    Segundo Charlot (1983, p.167), a disciplina a regra bsica de organizao da

    escola tradicional e, portanto, a interao aluno-professor baseada no estabelecimento de

    limites disciplinares. Acredita-se que a escola consegue evitar a corrupo natural do aluno

    ao serem seguidas as regras que permitem o controle de seus impulsos sexuais, entre outros.

    Desse modo, o papel do professor o de manter o aluno disciplinado e fazer com que

    coloque em prtica sua inteligncia.

    Quanto aos contedos, Charlot (1983, p.175) salienta que a pedagogia tradicional

    valoriza o saber ora como contedo, ora como matria para a formao do esprito. Para

    esta vertente, o saber s ocorre na medida em que as crianas acumulam os contedos

    escolares.

    Alm dos jesutas tambm contriburam para a formao da Pedagogia Tradicional

    os princpios educacionais defendidos por Lutero e Comnio. Segundo Ghiraldelli

    Jr.(1991), Lutero foi um nome importante para a Pedagogia Moderna, pois com suas teses,

    alm de afrontar a Igreja Catlica, criticou a pedagogia eclesistica que dominou o perodo

    medieval. Em sua nova pedagogia, Lutero j anunciava as idias burguesas que estavam

    surgindo. Comnio considerado iniciador da Pedagogia e, em seus escritos, manifestava

    uma maior preocupao com a formulao de um mtodo de ensino que fosse capaz de

    ensinar tudo a todos, ou seja, todos os saberes conquistados pela humanidade a todos os

    homens.

    Ao contrrio da Pedagogia Tradicional, a Pedagogia Nova desenvolvida nos sculos

    XIX e XX v a natureza da criana como inocente. No sculo XVIII, Rousseau contraps-

    se Pedagogia Tradicional afirmando o homem era naturalmente bom e que era a

    sociedade o corrompia. Para Ghiraldelli Jr.(1991) por meio do personagem Emlio de sua

    obra O Emlio que Rousseau mostra como as crianas deveriam ser educadas a partir de

    suas descobertas pessoais e afastadas da comunidade adulta.

    Ao longo de seu movimento de ascenso a burguesia confrontou-se com duas

    necessidades polticas aparentemente contraditrias: acesso escola por parte dos

  • trabalhadores e do crescimento industrial que exigia o ensino bsico para estes

    trabalhadores. Segundo Ghiraldelli Jr.(1991), esta dualidade encontrou parte de sua soluo

    na Pedagogia Nova que defendia os mtodos ativos de ensino, ou seja, a independncia do

    aluno no ensino escolar. Pode-se citar entre seus grandes representantes John Dewey.

    A Pedagogia Nova prepara o aluno para a vida de uma maneira diferente da

    Pedagogia Tradicional. O aluno preparado para a vida por meio de vivncia na escola que

    reproduzem as situaes da vida cotidiana. Para esta pedagogia, a maneira como o aluno

    aprende o contedo o aspecto mais importante do processo ensino-aprendizagem. O

    professor no visto como a fonte do saber e funciona como colaborador nas atividades da

    classe, nesta pedagogia as atividades em grupo a principal forma de aprendizagem.

    O processo de ensino-aprendizagem est centrado no conhecimento cientfico que

    prioriza o desenvolvimento do mtodo cientfico: observao, levantamento de hipteses,

    experimentos, levantamento de hipteses explicativas, novos experimentos, concluso. Os

    interesse do aluno despertado quando ele se depara com as dificuldades da explicao do

    prprio mtodo.

    Nesta escola, o mestre funciona como facilitador da aprendizagem e a verdade no

    centrada somente em seu saber. Em decorrncia disso, a escola deve levar em

    considerao a espontaneidade e o saber espontneo do aluno. As atividades em grupo no

    so consideradas competio, como na escola tradicional, e sim como uma forma de

    enriquecer a interao entre os alunos.

    As crianas aprendem estabelecendo relaes entre o contedo escolar e a realidade

    em que vivem e compartilhando suas idias com os demais. Embora, a aprendizagem

    tambm seja compreendida como um processo individual, nesta pedagogia so levadas em

    conta as trocas de saberes entre os indivduos. Na escola nova os contedos so

    relacionados ao seu uso concreto, ou seja, devem ter uma relao direta e prxima com seu

    uso cotidiano, pois dessa maneira podem ser aprendidos de forma clara e significativa para

    o aluno.

    importante salientar que tanto a Pedagogia Tradicional quanto a Pedagogia Nova

    vem a clausura como a melhor forma de educao escolar. Para que a criana consiga se

    desenvolver, estas pedagogias acreditam que ela necessita ser desvinculada da corrupo

    que os adultos podem provocar ou manter.

  • Segundo Ghiraldelli Jr (1991), a ascenso da Pedagogia Nova coincide com a tese

    ps-revolucionria da burguesia que vai se tornando a classe dominante na sociedade

    ocidental. A partir deste momento, a pedagogia de Comnio deixou de satisfazer as

    necessidades sociais, pois foi desenvolvida no incio do desenvolvimento da sociedade

    burguesa.

    Contudo, no final do sculo XIX, a Pedagogia Tradicional toma novo flego com

    sua retomada por parte de John Herbert. Neste perodo, esta vertente terica pareceu

    corresponder aos interesses da nova classe revolucionria o proletariado. Esta nova teoria

    considerada uma retomada dos princpios tericos da Pedagogia Tradicional, pois buscava

    resgatar a cultura das geraes passadas. Foi nesta poca, segundo Ghiraldelli Jr.(1991),

    que a burguesia pressionada pela classe trabalhadora, gradualmente foi instalando as redes

    pblicas de ensino.

    Nesta pedagogia, a escola o local em que os alunos so preparados para vida com

    base na educao intelectual e moral. Por meio dos modelos favorecidos pelas obras

    literrias, cientficas e artsticas. O conhecimento transmitido pelo professor por meio de

    aulas expositivas e o professor visto como a fonte do saber.

    A pedagogia de Herbart composta de cinco passos de ensino. O primeiro passo do

    ensino-aprendizagem a ativao dos conhecimentos anteriores do aluno saber o novo

    contedo a ser ensinado. Em um segundo momento, os contedos novos so transmitidos

    pelo professor e depois so demonstrados por meio de novas situaes.

    Para Ghiraldelli Jr (1991), a pedagogia de Herbart aplicada ao ensino pblico

    contribuiu para elevar o nvel de instruo dos indivduos. Mas esta instruo esteve desde

    o incio ameaada, pois uma vez a classe trabalhadora instruda poderia fortalecer sua luta

    contra o poder burgus. Em um terceiro momento, o professor estabelece relaes entre o

    novo contedo e os conhecimentos anteriores dos alunos, solicita aos alunos sua fixao

    por meio de exerccios e, finalizando, solicita a aplicao do contedo aprendido a novas

    situaes.

    No Brasil, de acordo com Saviani (2003), a implementao da Pedagogia Nova

    causou alguns problemas no sistema educacional por conta do desenvolvimento de seu

    mtodo de ensino. Em razo disso, acabou sendo utilizada principalmente no ensino da elite

  • econmica e social do pas deixando grande parte da populao sem acesso a este tipo de

    educao.

    Para o autor, com o declnio da Pedagogia Tradicional e da Pedagogia Nova no

    ensino educacional brasileiro dcada de 1970 - acabou fortalecendo uma outra tendncia

    pedaggica chamada de Pedagogia Tecnicista. Essa pedagogia teve como principal objetivo

    reorganizao do processo educativo, a partir do estilo mecanizado e cristalizado

    oferecido pelos livros didticos.

    De acordo com o autor, nesta pedagogia, o como ensinar tornou-se mais importante

    do que o qu e o porque ensinar. Com isso, o elemento principal da escola passou a ser a

    organizao racional dos meios, ocupando o professor e o aluno posio secundria (...),

    ou seja, os professores passaram a ser avaliados pela quantidade de contedos transmitidos

    aos alunos. Na verdade, aprender passou a significar saber fazer sem que necessariamente o

    aluno precisasse compreender os conceitos e procedimentos envolvidos nas tarefas.

    (SAVIANI, 2003, p. 13).

    A implementao desta pedagogia teve como pano de fundo o perodo da ditadura

    militar em nosso pas com interesses de dominao cultural e poltica da sociedade

    brasileira. Tal dominao foi efetivada com a universalizao do uso do livro didtico nas

    escolas que de certa forma, passou a substituir a figura do professor na apresentao dos

    contedos escolares.

    Para o autor, alguns pedagogos como Freire, e Freinet na Frana, preocupados com

    a escolarizao das classes desprivilegiadas acabaram desenvolvendo mtodos de ensino

    dirigidos a esta contingente populacional e prximos, teoricamente, aos da escola nova. O

    autor denomina nestas propostas de Escola nova popular, pois enfatizam, assim como a

    escola nova a participao ativa dos alunos na elaborao dos conhecimentos e detrimento

    da centralizao do processo ensino-aprendizagem na figura do professor.

    Juntamente com esta tendncia, s que de lado oposto, novas vertentes educacionais

    surgiram sendo conhecidas como Pedagogias no-dominantes; a Pedagogia Libertria, a

    Pedagogia Libertadora e a Pedagogia Crtico-Social dos Contedos. Segundo Silva (2002),

    a Pedagogia Libertadora, tambm conhecida como Pedagogia do Oprimido tem como

    principal representante o estudioso Paulo Freire. Nesta Pedagogia, os contedos cientficos

    so prioridade, pois estes so capazes de oferecer subsdios para anlise e soluo dos

  • problemas de mbito social. Freire (apud Guiraldelli Jr, 1991) acredita que o processo de

    ensino-aprendizagem acontece quando o professor vivncia de forma concreta o contexto

    de cada comunidade dos alunos, isto , quando educador deixa de ser a nica fonte do saber

    e passa a educar interagindo com os alunos em sua realidade concreta.

    Para Ghiraldelli Jr (1991), a Pedagogia Libertadora uma pedagogia que duvida da

    escola formal, ou seja, ela acredita que o esprito crtico pode ser despertado no individuo

    por meio de situaes vividas informais em grupo. Pois, por meio da discusso dos

    problemas e conhecimentos cotidianos dos alunos que o grupo vai encontrar as solues

    tericas e prticas de cada situao-problema.

    A Pedagogia Crtico-Social dos Contedos, cujo expoente Saviani, est mais

    preocupada em garantir a funo social da escola enquanto instituio historicamente

    designada divulgao da cultura erudita s classes populares (GHIRALDELLI Jr.(1991,

    p.28). Esta vertente exalta o ensino pblico porque acredita que responsvel por promover

    o conhecimento cientfico das camadas populares. Para essa pedagogia, os contedos

    devem ser elaborados e organizados de acordo com o tema a ser lecionado pelo professor,

    pois acredita que no existe um nico mtodo de ensino para todos os temas a serem

    apresentados.

    Atualmente, para o autor, tem-se nas escolas um amlgama dessas diferentes

    tendncias pedaggicas, apesar das tentativas e propostas governamentais de substituio

    das teorias considerados ultrapassadas por novas vertentes pedaggicas. Acompanhando

    este movimento percorrem a escola discusses de natureza social que questionavam o papel

    da escola frente as necessidades histricas da sociedade. Tais discusses so encabeadas

    pelas teorias crticas e Ps-crticas da Educao que busca situar mais claramente a funo

    da escola no conjunto social.

    3. Discusso sobre a obra Dom Casmurro

    Ao escrever Dom Casmurro, publicado em 1900, Machado de Assis d bastante

    importncia adolescncia. O autor demonstra, por meio dos relatos de Bentinho, que

    nessa fase da vida humana, a personalidade do indivduo est em formao. Para a sua

  • poca, o autor tem uma viso singular do adolescente, uma vez que os estudos sobre o tema

    esto, ainda, iniciando-se.

    Importante lembrar que a narrativa da obra feita em primeira pessoa. Da decorre

    que a viso que se ter das duas personagens a estabelecida por Bentinho. Conforme

    Coutinho (1997, p.21), a histria apresentada na maneira por que Bentinho a

    experimentou, interpretou e expe. No vemos nem ouvimos Capitu; seu ponto de vista no

    referido. Bentinho, o narrador, narra os fatos em analepse, portanto j tendo vivido os

    fatos. Estando na fase adulta v os fatos com o olhar de quem sofreu com eles, assim, seus

    relatos so intencionais.

    Como narrador, Bentinho chama a ateno para sua condio social e sua

    ingenuidade, realando suas diferenas scio-econmicas e psicolgicas em relao

    Capitu. Ele manipula o leitor, levando-o a acreditar em sua tese por meio das descries

    que realiza sobre as condutas e reaes de Capitu. Ao focalizar as impresses de Jos Dias -

    agregado da casa de Bentinho - a respeito de Capitu, deixa transparecer seu carter ingnuo,

    em contraponto astcia dela. Tinha-me lembrado a definio que Jos Dias dera deles,

    olhos de cigana oblqua e dissimulada. Eu no sabia o que era oblqua, mas dissimulada

    sabia, e queria ver se podiam chamar assim (ASSIS, 1997, p. 84).

    Capitu retratada, apesar de sua pouca idade (14 anos), com atitudes e conceitos

    para alm de sua faixa etria, demonstrando a construo da personagem feminina

    machadiana como forte e precoce desde a adolescncia. Segundo Proena (1997, p. 6),

    Capitu seria um smbolo dessa mulher, mais fria, mais indiferente ao perigo e s situaes

    constrangedoras. Tal definio fica transparente ao se analisar as reaes de Capitu em

    momentos de tenso:

    Ouvimos passos no corredor; era D. Fortunata. Capitu comps-se depressa, to depressa que, quando a me apontou porta, ela abanava a cabea e ria. Nenhum laivo amarelo, nenhuma contrao de acanhamento, um riso espontneo e claro, [...] Assim, apanhados pela me, ramos dois e contrrios, ela encobrindo com a palavra o que eu publicava pelo silncio (ASSIS, 1997, p. 87 e 88).

    Bentinho cresce em uma famlia abastada, com estrutura social e religiosa bem

    definida. Criado pela me viva com a ajuda de alguns agregados assim, extremamente

    protegido pela me e os demais, tornando-se um adolescente ingnuo e sem iniciativa.

  • Toma cincia de que j no uma criana quando Jos Dias denuncia seu possvel namoro

    com Capitu, e percebe seu amor por ela. Tudo isso me era agora apresentado pela boca de

    Jos Dias, que me denunciara a mim mesmo: [...] Eu amava Capitu! Capitu me amava!

    (ASSIS, 1997, p. 84).

    Sua ingenuidade descrita a cada momento em que passa por situaes

    constrangedoras diante de outras pessoas. Capitu sempre disfara, recompe-se com

    facilidade, j Bentinho fica sem ao, sem saber como agir: E sria, fitou em mim os olhos

    convidando-me ao jogo. O susto naturalmente srio; eu estava ainda sob a ao do que me trouxe

    a entrada de Pdua, e no fui capaz de rir, por mais que devesse faz-lo, para legitimar a resposta de

    Capitu (ASSIS, 1997, p. 56).

    Capitu descrita como sendo de temperamento forte, astuta, muitas vezes

    dissimulada. A descrio de Capitu evidencia a mulher existente na menina. Seus

    sentimentos e atitudes so de uma pessoa que, embora adolescente, pensa e age como

    mulher: Capitu refletia. A reflexo no era coisa rara nela, e conheciam-se as ocasies

    pelo apertado dos olhos (ASSIS, 1997, p. 61). Ressalta-se, mais uma vez, ser essa a viso

    que transmitida por Bentinho, como narrador.

    A imagem da adolescncia veiculada na narrativa deve estar, portanto, marcada pela viso tendenciosa do narrador que, advogando em causa prpria, de um lado valoriza sua condio social e, de outro enfatiza as diferenas entre ele e os demais jovens, especialmente de Capitu (PENTEADO, 2005, p. 2).

    Ao retratar a descoberta da sexualidade, as personagens adolescentes de Machado

    de Assis (1997) revelam as caractersticas de ambas. Capitu sempre quem toma a

    iniciativa, a atrevida nos elogios, afagos, sonhos, enfim, em suas atitudes. Bentinho

    mantm sua ingenuidade, muitas vezes aturdida pelas aes da menina. ...] Capitu derreou a cabea, a tal ponto que me foi preciso acudir com as mos e ampar-la; o espaldar da cadeira era muito baixo. Inclinei-me depois sobre ela, rosto a rosto, mas trocados, [...]. Pedi-lhe que levantasse a cabea, podia ficar tonta, machucar o pescoo. No quis, no levantou a cabea, e ficamos assim, a olhar um para o outro, at que ela abrochou os lbios, eu desci os meus, e [...](ASSIS, 1997, p. 84 e 86).

    As atitudes de Capitu so, portanto, as mais ousadas, repetindo-se o fato at mesmo

    em relao aos seus sonhos como criana. Enquanto os sonhos de Capitu so fantsticos

    revelam intenes e demonstram as primeiras fagulhas de sensualidade, os de Bentinho

  • reproduzem apenas a familiaridade. Os sonhos de Capitu so de uma adolescente, enquanto

    Bentinho, apesar de mais velho, ainda tem sonhos de menino.

    Quando me perguntava se sonhara com ela na vspera, e eu dizia que no, ouvia-lhe contar que sonhara comigo, e eram aventuras extraordinrias, que subamos ao Corcovado pelo ar, que danvamos na lua, ou ento que os anjos vinham perguntar-nos pelos nomes, a fim de os dar a outros anjos que acabaram de nascer. Em todos esses sonhos andvamos unidinhos. Os que eu tinha com ela no passavam da simples repetio do dia, alguma frase, algum gesto. Tambm eu os contava (ASSIS, 1997, p.50-51) [grifo nosso].

    Assim vo se formando, no decorrer da narrativa, as personalidades contraditrias

    dos adolescentes. Penteado (2005, p. 3) assinala que essa construo de uma imagem

    forte de Capitu, em contraponto a um Bentinho inseguro e desprotegido, que na medida

    em que acentua a sagacidade e a malcia de Capitu, enfatiza o seu despreparo para

    compreender todas as maquinaes da jovem.

    4. Considerao Finais

    Segundo Coutinho (1997, p. 9), Capitu um arqutipo bem brasileiro das meninas

    pobres que procuram ascender de classe custa do casamento, arquitetado maliciosamente

    e por mero interesse em muitos casos. Esse era o retrato da mulher do sculo XIX, que no

    tinha outro meio para ascender socialmente e Capitu, sendo desde criana astuta e

    ambiciosa, segundo o narrador, enquadrava-se nesse arqutipo. Bentinho, desde criana foi

    sempre mimado pela me e pelos parentes, e essa superproteo o tornou um adolescente

    inseguro e incapaz de tornar decises.

    prprio do adolescente o agir imediato para a satisfao de seus interesses. Capitu

    apontada desde sua infncia como ftil, pois s pensava em vestidos e penteados, tinha

    ambies de grandeza e luxo, e conseqentemente age e luta para conseguir o que quer, e

    com pensamento rpido. Demonstra inteligncia e raciocnio lgico, como muitas das

    mulheres retratadas por Machado de Assis. Ainda no era uma mulher na maior parte do

    texto narrado, mas crescia demonstrando que no seria submissa e ingnua como D. Maria

    da Glria, a me de Bentinho e, para ele, a imagem perfeita de mulher.

    Portanto, o que se verifica na obra analisada a personalidade distinta de dois

    adolescentes. Bentinho, retrado, tmido, inseguro e Capitu, forte, ativa, e vista muitas vezes

  • como dissimulada e bastante amadurecida. Seu comportamento retratado pelo autor como

    prprio dos adolescentes que no foram super-protegidos em sua primeira infncia.

    A obra analisada pode ser considerada um exemplo do maior espao conquistado

    pela criana e pelo adolescente na sociedade como conseqncia do avano dos

    conhecimentos relacionados a essa faixa etria. Entre os sculos XIX e XX disciplinas

    como a Pedagogia e a Psicologia e a prpria literatura tornam-se capazes de caracterizar

    mais detalhadamente esse perodo do desenvolvimento humano podendo, ento definir

    quem o adolescente.

    5. Referncias

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