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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS (MESTRADO) ANGELA RIBEIRO VIDAL CYPRIANO RAMOS A REPRESENTAÇÃO DE GÊNERO NO PRONUNCIAMENTO DA PRESIDENTA DILMA ROUSSEFF: DISCURSO EMERGENTE OU DE MANUTENÇÃO DA ORDEM SOCIAL? MARINGÁ 2018

A REPRESENTAÇÃO DE GÊNERO NO PRONUNCIAMENTO … · pronouncements of Dilma Rousseff, first woman to hold the position of President of Brazil, in order to verify if they contribute

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS (MESTRADO)

ANGELA RIBEIRO VIDAL CYPRIANO RAMOS

A REPRESENTAÇÃO DE GÊNERO NO PRONUNCIAMENTO DA PRESIDENTA DILMA ROUSSEFF: DISCURSO EMERGENTE OU DE

MANUTENÇÃO DA ORDEM SOCIAL?

MARINGÁ 2018

ANGELA RIBEIRO VIDAL CYPRIANO RAMOS

A REPRESENTAÇÃO DE GÊNERO NO PRONUNCIAMENTO DA PRESIDENTA DILMA ROUSSEFF: DISCURSO EMERGENTE OU DE

MANUTENÇÃO DA ORDEM SOCIAL?

Dissertação apresentada à Universidade Estadual de Maringá, Programa de Pós-Graduação em Letras, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Letras, área de concentração: Estudos Linguísticos. Orientadora: Profa. Dra. Dulce Elena Coelho Barros

MARINGÁ

2018

3

MARI2018

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, primeiramente, pois sei que tudo vem d’Ele, inclusive nossa

capacidade intelectual.

Aos meus pais, Daniel e Damaris, pela vida e pelos conselhos para que eu sempre

continuasse estudando; também à minha irmã, Daniela, por sempre acreditar em mim,

aliás, até exageradamente! Obrigada por serem os primeiros a acreditarem em mim e

me incentivarem a trilhar os caminhos da dedicação e esforço. Amo vocês!

Ao meu esposo, Iuri, por acreditar em mim muitas vezes mais que eu mesma e pelos

puxões de orelha dados ao longo de todo processo, férias e programas perdidos,

paciência na ausência, enfim, Te amo!!

Aos demais familiares, tios e tias, primos e primas, vó, enfim, todos que sempre

oraram por mim, mesmo à distância. Especialmente à minha sogra por estar comigo

também em tantos momentos em que precisei de cuidados para que ficasse boa para

terminar minha jornada.

À minha orientadora, Dulce Elena Coelho Barros, agradeço imensamente por me

encantar pela ACD, mostrando-me que o caminho da mudança é difícil, mas é possível

por meio do discurso. Depois, por ser minha orientadora e reorientadora (se é que

essa palavra existe) em muitos momentos em que eu me perdia no meio do processo,

obrigada por me trazer ao norte sempre! Por último, obrigada pelos conselhos e pela

amizade demonstrada! Foi muito bom trilhar esse caminho contigo!

Às professoras Elaine Mateus e Roselene de Fátima Coito que compartilharam seu

saber ao aceitarem fazer parte das duas últimas etapas dessa jornada: a qualificação

e a banca de defesa. Suas contribuições e sugestões foram de grande valia e fizeram

diferença. Agradeço imensamente pelo carinho e dedicação dispensados.

5

Aos professores(as) do programa Renata Marcelle Lara, Juliano Desiderato Antonio,

Roselene de Fátima Coito, Maria Célia Cortez Passetti, obrigada pela competência,

dedicação e incentivo!

À minha amiga e companheira de ACD, Paula Adriana, por compartilhar de tantos

momentos ao longo desse percurso: seminários, congressos, confraternizações e

tantas outras ocasiões de angústia e alegria! Seu apoio e amizade foram muito

importantes para mim!

À minha instituição, Instituto Adventista Paranaense, pelo apoio e incentivo sempre

presentes, nas pessoas de Marta Balbé Pires, Gilberto Damasceno e Gislaine Fortes,

e pelos ajustes nos horários e compreensão nos momentos que foram necessários,

Léia, Noribel e Dirce, vocês são demais, é muito bom trabalhar numa equipe assim!

Aos meus vizinhos e amigos, Joseane e Diego, por me acudirem sempre que

necessário! A amizade de vocês é muito preciosa para mim!

Aos meus colegas da turma de 2015 e ainda aqueles que estiveram comigo quando

ainda era aluna não regular: Andiara, Claudinéia, Jefferson, Flávia, suas dicas foram

valiosas para que eu ingressasse no programa! Vocês fazem parte dessa conquista

também!

Ao Adelino por sua paciência, dedicação e orientações sobre procedimentos e

processos do curso, muito obrigada!

A REPRESENTAÇÃO DE GÊNERO NO PRONUNCIAMENTO DA PRESIDENTA DILMA ROUSSEFF: DISCURSO EMERGENTE OU DE MANUTENÇÃO DA ORDEM SOCIAL?

RESUMO

Essa dissertação tem como tema a discriminação da mulher em um contexto sócio-histórico que preconiza espaços tradicionais de atuação da mulher. Sendo assim, esse estudo pauta-se em um problema social relevante de nossa sociedade que já não configura-se por um único modelo social de atuação feminina apesar de carregar traços característicos de uma cultura patriarcal. É esse problema que motiva este estudo, e tem como objeto de análise uma mulher em um espaço público de poder – a Presidência da República. Ao buscar um arcabouço teórico-metodológico que atendesse a um viés sócio-discursivo, encontramos na Análise Crítica do Discurso embasamento para a discussão de uma interação dialógica entre linguagem e sociedade. Essa perspectiva teórica compreende que a linguagem constitui e é constituída pela linguagem, tendo como precursores Fairclough (2001, 2003) e Halliday (1994), no que tange à sistematização da gramática funcional, mais tarde ampliada por Fairclough. É desse viés metodológico que esse estudo objetiva analisar a representação de gênero social nos pronunciamentos de Dilma Rousseff, primeira presidenta do Brasil, a fim de verificar se contribuem para a inovação da ordem social vigente sobre a mulher em nossa sociedade. O corpus de análise constitui-se de quatro pronunciamentos realizados em homenagem ao Dia Internacional da Mulher ou Dia das Mães, no período que corresponde ao primeiro mandato da presidenta (2011 a 2014). A escolha desse corpus se deve principalmente pela necessidade de compreender de que forma esse discurso sobre a mulher, partindo de uma mulher nessa posição social de poder contribui para a transformação de nossa sociedade. Nesse percurso analítico, revelou-se que a presidenta utiliza estratégias discursivas, como a contradição e os modos de operação da ideologia, como propostos por van Dijk (2012) e Thompson (2002), a fim de inovar as práticas sociais operantes em uma sociedade discriminatória como a nossa, inclusive partindo de nossos próprios pares.

Palavras-chave: Mulher. Dilma Rousseff. Discurso político. Mudança social

ABSTRACT

This dissertation has as its theme the discrimination of woman in a socio-historical context that advocates traditional spaces of female action. Therefore, this study is based on a relevant social problem of our society that is no longer configured by a single social model of female role, although it carries characteristic traits of a patriarchal culture. It is this problem that motivates this study, and its object of analysis is a woman in a public space of power – the Republic Presidency. When searching for a theoretical-methodological framework that addresses a socio-discursive bias, we have found in the Critical Discourse Analysis the basis for the discussion of a dialogical interaction between language and society. This theoretical perspective understands that language constitutes and is constituted by language, having as precursors Fairclough (2001, 2003) and Halliday (1994), regarding the systematization of functional grammar, later extended by Fairclough. It is from this methodological bias that this study aims to analyze the representation of social gender in the pronouncements of Dilma Rousseff, first woman to hold the position of President of Brazil, in order to verify if they contribute to the innovation of the current social order on women in our society. The corpus analysis consists of four pronouncements made in honor of International Women's Day or Mother's Day, during the period corresponding to the first mandate of the president (2011 to 2014). The choice of this corpus is mainly due to the necessity to understand how this discourse on women, starting with a woman in this social position of power, contributes to the transformation of our society. In this analytical trajectory, it was revealed that the president uses discursive strategies, such as the contradiction and the modes of operation of the ideology, as proposed by van Dijk (2012) and Thompson (2002), in order to innovate the social practices operating in a society such as ours, including from our own pairs. Keywords: Woman. Dilma Rousseff. Political discourse. Social change.

LISTA DE IMAGENS

IMAGEM 1 – Revista Popular de 1851........................................................................22

IMAGEM 2 – Carro Presidencial.................................................................................24

IMAGEM 3 – Notícia sobre posse de Dilma ...............................................................26

IMAGEM 4 – Notícia sobre Retrospectiva 2011.........................................................26

IMAGEM 5 – Quantidade e percentual de mulheres eleitas......................................41

IMAGEM 6 – Modelo Tridimensional de Análise do Discurso....................................50

LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – Modos de Operação da Ideologia.........................................................59

QUADRO 2 – Estrutura do discurso político para van Dijk...........................................62

QUADRO 3 – Contexto de Produção/Forma de Concretização do Pronunciamento

....................................................................................................................................70

QUADRO 4 – Pronunciamentos que compõem o corpus............................................75

QUADRO 5 – Visão Geral da Análise em blocos........................................................76

QUADRO 6 – Excertos do Pronunciamento 1............................................................81

QUADRO 7 – Características positivas e negativas do Pronunciamento 1 .................83

QUADRO 8 – Responsabilidades Presidenciais no Pronunciamento 1 ......................86

QUADRO 9 – Excertos do Pronunciamento 2 ...........................................................92

QUADRO 10 – Excertos do Pronunciamento 3 .........................................................95

QUADRO 11 – Significados Acionais no Pronunciamento 3 .....................................100

QUADRO 12 – Excertos do Pronunciamento 4 .......................................................106

LISTA DE ABREVIATURAS

ACD – Análise Crítica do Discurso

LSF – Linguística Sistêmico Funcional

ABL – Associação Brasileira de Letras

VOLP – Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa

TSE – Tribunal Superior Eleitoral

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas

SUMÁRIO

LISTA DE IMAGENS....................................................................................................7

LISTA DE TABELAS....................................................................................................8

SUMÁRIO ................................................................................................................. 10

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11

1 GÊNERO FEMININO AO LONGO DA HISTÓRIA: DO LAR À PRESIDÊNCIA DA

REPÚBLICA ................................................................................................... 17

1.1 Gênero Social Feminino e Representação Social ............................................... 18

1.2 Práticas sociais e o gênero gramatical feminino ............................................. 20

1.3 Mulheres Sem História Para a História ............................................................... 29

1.3.1 Novas tarefas X velhas práticas sociais ........................................................... 35

1.3.2 Do voto à Presidência do Brasil ....................................................................... 38

1.3.3 Dilma Rousseff e a importância de seu primeiro governo ................................ 43

2 A ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO E A EMERGENTE MUDANÇA SOCIAL

........................................................................................................................ 48

2.1 Preliminares de Uma Teoria Social do Discurso ................................................. 48

2.2 O Discurso: Um Componente de Três Práticas ................................................... 50

2.2.1 Discurso como texto/ prática linguística ........................................................... 52

2.2.2 Discurso como prática discursiva ..................................................................... 55

2.2.3 Discurso como prática social ............................................................................ 57

2.3 Significados Acional, Representacional e Identificacional ................................... 65

3 METODOLOGIA .................................................................................................... 72

3.1 Escolha do Tema, Problema de Pesquisa e Autor Social Envolvido ................... 73

3.2 Escolha e Construção do corpus ......................................................................... 75

3.3 Categorias de análise do corpus ......................................................................... 79

4 SIGNIFICADOS QUE DESVELAM O DISCURSO SOBRE A MULHER.............. 77

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................111

REFERÊNCIAS....................................................................................................................116

ANEXOS...............................................................................................................................119

INTRODUÇÃO

Talvez não exista pior privação, pior carência, que a dos perdedores na luta simbólica por reconhecimento, por acesso a uma existência socialmente reconhecida, em suma, por humanidade.

Pierre Bourdieu

Como sujeitos dotados de padrões morais e éticos, é da natureza humana a

busca pela humanidade. Partindo desse viés, aceitar imposições de um grupo sobre

o outro não deveria ser algo natural. Apesar disso, pertencemos a uma sociedade que

muitas vezes discrimina aqueles que por motivos de dominação de um grupo sobre

outro são considerados inferiores, como a mulher, por exemplo. Essa lógica contraria

o imperativo categórico postulado por Kant (1797) de que deveríamos agir baseados

sempre nos princípios que desejaríamos aplicar a todos, universalmente.

Foi esse pensamento que motivou-nos a olhar para a mulher como um ser

que deve alcançar, de forma plena, essa humanidade e universalidade de que falam

Bourdieu e Kant, respectivamente. Como mulher, sempre foi um incômodo notar que

os padrões sociais estipulados para nós estavam normalmente ligados ao âmbito

doméstico, privado, principalmente e mais marcadamente até o século XIX. Até

mesmo a educação, quando oportunizada, era para uso exclusivo de atividades tidas

como “papéis futuros de mulher, de dona de casa, de esposa e mãe”, como descreve

Perrot (2015, p. 93) ao citar dois estudiosos franceses. Com essa afirmação, não

queremos desmerecer esses papéis, mas apenas constatar que as opções femininas

estavam voltadas apenas a esses papéis. É por esse motivo que ressaltamos que o

nosso desejo para a mulher é alcançar uma humanidade plena e, de preferência,

escolhida por alguém que seja protagonista de sua vida.

Esse protagonismo pode ser percebido hoje, em nossa sociedade, em alguns

setores de nosso país. Segundo dados do IBGE1, em 2011, 46,1% das mulheres são

economicamente ativas, havendo um crescimento de quase 2% se comparados os

1Essa informação pode ser encontrada em:

ww2.ibge.gov.br/home/estatística/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/Mulher_Mercado_Trabalho_Pergunta_Resposta_2012.pdf. Acesso em 10 de fevereiro de 2018.

12

dados de 2003. No campo político, apesar de haver um crescimento no número de

mulheres que se candidataram ao cargo de deputadas, em 2010, dados apurados

pelo TSE apontam que apenas 8,77% foram eleitas em comparação aos 91,22% de

deputados eleitos (LIMA, 2015, p. 1).

Esses dados revelam que há ainda um longo caminho a ser percorrido, pois

apesar de algumas conquistas alcançadas, ainda há o predomínio de uma cultura

patriarcal arraigada que pode ser percebida empiricamente quando nos deparamos

com notícias de que a mulher, mesmo ocupando o mesmo cargo de um homem2,

recebe remuneração inferior a ele, ou em situações em que a mulher não é contratada

por ser mãe3, ou ainda quando ouvimos expressões populares, como “lugar de mulher

é na cozinha”.

Partilhando de um viés analítico crítico do discurso, como proposto por

Fairclough (2001), (2003), compreendemos que as práticas sociais que podem ser

percebidas nos exemplos acima citados, revelam uma trama constituinte e constitutiva

entre linguagem e sociedade, sendo uma a representação da outra. É por esse motivo

que traremos como aporte teórico e metodológico a Análise Crítica do Discurso. Isso

significa trazer para a discussão um tema relevante, que trata de questões de

dominação e poder no nível discursivo da linguagem. Esse debate se dará pelas

tramas linguísticas, emolduradas nas diversas práticas sociais que representam

ideologias dominantes: machismo, papel social do homem e da mulher, capacidade

intelectual, entre outras.

Para trazer à tona essa trama imbricada pelo/no social, alguns conceitos são

considerados chave, como o conceito de discurso como prática social da linguagem;

o modelo tridimensional do discurso (discurso como prática linguística, prática

discursiva e prática social (FAIRCLOUGH, 2001); hegemonia, como cunhado por

Gramsci e reforçado por Fairclough (2001) e ideologia (sentido à serviço do poder),

2 Notícia publicada pelo G1 apresenta dados em que a mulher tende a receber menos que os homens, ocupando as mesmas funções, em quase todos os cargos. A notícia coloca como principais causas dessa disparidade a cultura machista e a entrada tardia da mulher no campo de trabalho, a partir da década de 60 e 70 no Brasil, como podemos conferir em: https://g1.globo.com/economia/concursos-e-emprego/noticia/mulheres-ganham-menos-do-que-os-homens-em-todos-os-cargos-diz-pesquisa.ghtml. Acesso em 10 de janeiro de 2018. 3 Outra notícia, agora publicada pelo grupo R7, aponta que 1 em cada 4 mulheres tem dificuldade para encontrar trabalho quando mães. A notícia aponta que muitas delas são desligadas do emprego após o período de estabilidade ou nem conseguem adentrar no mercado de trabalho devido ao impedimento por serem mães, como é possível ler em: https://noticias.r7.com/economia/maes-ainda-enfrentam-obstaculo-para-achar-emprego-no-pais-14052017. Acesso em 10 de janeiro de 2018.

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como cunhado por Thompson (2002) ou como cunhado por van Dijk (2012)

consciência partilhada de um grupo. Ambos, Thompson e van Dijk compartilham de

pontos congruentes quanto ao modo de operação dessa ideologia que são

reproduzidas e sustentadas por práticas sociais, como vimos nos exemplos anteriores.

Ao mesmo tempo que constatamos essa relação indissociável entre

sociedade e linguagem, surgem questionamentos inerentes a esses conceitos e que

delinearam o problema de pesquisa, escolha temática e ator social envolvido: se

fazemos parte de uma sociedade permeada, em grande parte, de práticas sociais

discriminatórias sobre a mulher e se essas práticas têm sofrido pequenos avanços,

como os demonstrados nos dados do IBGE e do SENADO, é possível afirmar que

essas práticas podem ser modificadas, assim como proposto pela ACD. Essa

mudança, entretanto, deve partir de algum tipo de poder instituído socialmente. Tendo

essas perguntas como motivação, observar a primeira mulher brasileira a ocupar o

cargo de Presidenta da República demonstra-se uma perspectiva interessante de

análise, pois além de ser mulher, ela representa, em um espaço público de poder,

todas as outras mulheres.

Restam, ainda, outros questionamentos: qual seria a materialidade viável para

desvelar esses vieses que a presidenta representa? Sobre qual temática? A resposta

se encontra no gênero textual pronunciamento. Isso porque, um outro significado

possível para o vocábulo gênero, sob a perspectiva da ACD, relaciona o gênero textual

a uma de suas categorias analíticas: a acional, pois compreende que os gêneros são

a forma discursiva por meio da qual os indivíduos interagem e relacionam-se através

das práticas sociais, exercendo poder uns sobre os outros (FAIRCLOUGH, 2003,

p.65). Os pronunciamentos, portanto, representavam esse viés conceitual. A

delimitação temática para esse gênero textual tem como foco primeiro o seu próprio

gênero social mas também os demais brasileiros, visto sua amplitude de

disseminação. Por esse motivo, a busca pela palavra “mulher” e “pronunciamento”, no

site do Planalto Federal, teve como resultado pronunciamentos referentes a datas

comemorativas como o Dia Internacional da Mulher e Dia das Mães. Desses, quatro

foram escolhidos por se tratar do primeiro mandato do governo Dilma Rousseff. Vale

ressaltar ainda que a escolha pela versão digitalizada se deve à facilidade de acesso

e por ser uma transcrição oficial dos eventos reproduzidos pela televisão e rádio.

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Todo esse percurso leva-nos ao objetivo geral desta pesquisa: analisar a

representação de gênero nos pronunciamentos de Dilma Rousseff a fim de verificar

se contribuem para a inovação da ordem social vigente sobre a mulher em nossa

sociedade. Sob esse ponto de vista, essa pesquisa mostra-se relevante devido à

posição galgada por uma mulher, até então inédita no Brasil, tendo em vista as

possíveis transformações que essa ação pode reverberar no processo sócio-histórico.

A literatura em ACD tem se mostrado interessada nessas discussões, sendo

relevantes os trabalhos de Wodak (1997) sobre a desigualdade e dominação e Barros

(2008) sobre as estratégias linguístico-discursivos trazidas no discurso sobre a mulher

por parlamentares. Contudo, por se tratar de uma posição sujeito recente, são poucos

os trabalhos encontrados sobre a perspectiva tratada pelo objetivo geral,

principalmente sobre o ator social Dilma Rousseff, talvez devido à sua proximidade

temporal. Em linguística, são encontrados trabalhos recorrentes que versam sobre

pautas femininas como os de Lima (2015) e Gonçalves (2017), porém, relativos aos

períodos eleitorais nos programas de propaganda eleitoral.

Tendo em vista todos os aspectos abordados, esta pesquisa se organiza em

4 capítulos, sendo o primeiro, “Gênero Feminino ao longo da história: do lar à

Presidência da República”, composto por três momentos. Inicialmente traçamos uma

delimitação com relação ao vocábulo “gênero”4 sobre dois enfoques: gênero social e

gênero gramatical. Ambos são importantes porque trazem uma consciência acerca da

construção social da palavra gênero e suas implicações sobre os aspectos de

dominação e poder no campo de estudo de nosso trabalho: o domínio político. O

gênero social feminino é tratado com discriminação pelo gênero masculino por fazer

parte de um prestígio acentuado ao longo dos séculos. Por sua vez, a falta de

representatividade feminina em espaços públicos, como o próprio domínio político,

aguça esse desnível de poder, perpetuando, assim, o modelo patriarcal. Outra forma

de vincular a discriminação se faz por meio da prática linguística, no uso de diferentes

estratégias, uma delas é o próprio conceito de gênero gramatical masculino, segunda

discussão que entrecruza o vocábulo gênero.

Como tratamos do gênero social mulher, o último aspecto abordado no

primeiro capítulo faz um resgaste histórico acerca da discriminação sofrida pela

4 A terceira perspectiva acerca do vocábulo gênero – gênero textual – será abordada no segundo

capítulo por considerá-lo um significado acional dentro do viés analítico proposto por Fairclough (2001), tendo mais proximidade com os aspectos teóricos dessa linha de pesquisa.

15

mulher, em especial a mulher brasileira, desde suas primeiras conquistas fora do

domínio privado, à época do Império, até sua ascensão ao domínio público de maior

prestígio de uma nação: a Presidência da República. Destacamos, dessa seção, o

caráter muitas vezes dissimulado dessas conquistas como forma de prosseguir na luta

hegemônica por espaços sociais tipificados como masculinos.

No segundo capítulo, “A análise crítica do discurso e a emergente mudança

social”, tratamos dos elementos teóricos que balizam a pesquisa. Para tanto, faz-se

necessário um percurso sobre a teoria social do discurso fundamentada em

Fairclough (2001, 2003), sua visão acerca dos três significados para o discurso:

discurso como prática linguística, como prática discursiva e como prática social,

partindo para o que há de diferencial neste arcabouço teórico: a mudança social. Para

explicá-la, Fairclough apropria-se do termo hegemonia e luta hegemônica para

elucidar a mudança proposta por sua vertente analítica. Para que isso aconteça, o

funcionamento discursivo realizado à luz de uma prática social será interpretado

utilizando os significados acional, representacional e identificacional a partir da

Linguística Sistêmico Funcional de Halliday (1994), elencados a outras categorias

analíticas de micro e macro análise.

O terceiro capítulo debruça-se sobre o cenário metodológico, apresentando o

percurso utilizado para a seleção do corpus para a análise, suas delimitações e

justificativas, entrecruzando-os ao arcabouço metodológico exposto pelo capítulo

anterior.

O quarto e último capítulo “Significados que desvelam um discurso sobre a

mulher” desvela a análise propriamente dita, contemplando, a partir dos significados

acional, identificacional e representacional, os sentidos emergentes dos

pronunciamentos da Presidenta Dilma Rousseff e sua relação com a inovação da

ordem social vigente em nosso país. A análise desvela que a presidenta, como faz

questão de marcar-se, acrescendo outro significado ao vocábulo gênero - o gênero

gramatical – como exposto no capítulo 2, ao representar-se como mulher nos papéis

sociais de mãe, mulher e presidenta. Além desse significado que desvela um

significado inovador, outras estratégias, como a contradição, contribuíram para a

inovação do discurso sobre a mulher do ponto de vista de um poder institucionalizado.

Fica o desejo de ampliar e aprofundar essas discussões, reconhecendo ser

necessário, em próximos trabalhos, analisar o impacto desse discurso inovador sobre

16

seus pares e sociedade brasileira em geral, além de realizar um estudo mais

sistemático do gênero textual pronunciamento e até mesmo sobre uma possível

ferramenta discursiva de resistência utilizada por mulheres: a contradição.

.

1 GÊNERO FEMININO AO LONGO DA HISTÓRIA: DO LAR À PRESIDÊNCIA DA

REPÚBLICA

Ao longo da história da humanidade, indivíduos de gênero feminino vêm

sendo afetados por um histórico de dominação que estão presentes nas estruturas e

práticas sociais, tendo como uma de suas materializações as práticas linguístico-

discursivas, como uma representação desse social. Nesse sentido, entendemos que

aspectos da vida social, da realidade social vigente, estampam-se nas formas

gramaticais, nos arranjos sintáticos, nas escolhas lexicais, pois não há como dissociar

uma da outra devido à natureza constitutiva mútua entre linguagem e sociedade.

Como o foco deste trabalho é a mulher que ocupa um espaço privilegiado de

poder – a presidência da república do Brasil – a fim de verificar de que maneira a

própria representação de gênero nos pronunciamentos realizados em homenagem à

mulher, contribuem para a inovação da ordem social vigente, delimitaremos, neste

capítulo, primeiramente as fronteiras entre os significados do vocábulo gênero em

duas esferas de atuação: gênero social feminino e gênero gramatical. Essas

delimitações contribuem para a constatação de que a mulher é um ser que tem sofrido

discriminação ao longo da história e, em contrapartida, o desvelamento de que essa

discriminação perpassa as estruturas linguísticas devido a própria natureza

constitutiva e constituinte da linguagem e sociedade, como dito anteriormente, sendo

ele um dos palcos da luta hegemônica pelo poder. Sobre o gênero textual, a terceira

possibilidade semântica para a palavra gênero, trataremos no capítulo 2 por

considerar as discussões mais próximas às teorias que darão corpo à análise que

faremos.

Em seguida, como tratamos do gênero social mulher, é preciso retomar

aspectos da vida social de tantas mulheres que, ao longo de nossa história, fizeram

parte de uma legião de combatentes e de resistência às práticas sociais patriarcais

por meio de diversas frentes de atuação: liderança em guerrilhas, escrita por meio de

pseudônimos, vendedoras ambulantes, entre outras, até chegar à primeira mulher

brasileira que ocupou um espaço que, até então era reservado ao gênero social

masculino, a primeira presidenta do Brasil, Dilma Rousseff. Sua trajetória política e a

de tantas outras mulheres se misturam, cada qual com peculiaridades diferentes, de

uma ordem social extremamente opressora.

18

1.1 Gênero Social Feminino e Representação Social

A palavra gênero, no interior dos estudos da linguagem, pode ser utilizada em

referência à gênero gramatical, à gênero textual, bem como, associar-se a outro

campo semântico: o social. Sob esse viés, muitas discussões têm sido aventadas no

que concerne ao gênero social feminino, às desigualdades sociais entre homens e

mulheres e às identidades de gêneros. Nosso enfoque, aqui, se dará no campo da

discriminação entre homens e mulheres e da necessidade/importância de um

acirramento da representatividade feminina, principalmente nos campos de atuação

político-administrativos, para uma transformação na ordem social relativa ao ser

feminino.5

Para que haja qualquer tipo de discriminação, é necessário que um grupo se

oponha em relação a outro, marcando, assim, as diferenças existentes entre eles. São

as diferenças, segundo Woodward (2000, p. 40), que constroem as identidades.6 A

autora faz essa afirmação destacando o sistema binário sobre o qual são construídas

todas as diferenças, homem/mulher, eu/nós, sagrado/profano, entre outros. Ela usa

como embasamento uma extensa lista de estudiosos sobre diferentes vieses. Entre

eles estão os estudos de Hall (1997), Saussure (1978) e Durkheim (1954). As

oposições binárias trazidas por Saussure e Hall dizem respeito à construção dos

significados; Durkheim, por outro lado, utiliza esse sistema binário para a construção

do sagrado e do profano.

Sendo assim, em termos de discriminação no campo social, o que leva muitas

vezes a dominação de um sobre o outro, na história da humanidade, podemos concluir

que esse sistema binário perpassa nossa experiência sócio-cultural. Essa afirmação

pode ser reforçada pela relação dos vocábulos presidente e presidenta, por exemplo.

Apesar do termo presidente se associar ao homem e à mulher, os significados

construídos para o binômio masculino estão sempre associados a uma posição de

5 Quando falamos de uma transformação da ordem social vigente não estamos afirmando, em

contrapartida, que todas as mulheres são obrigadas a seguir um modelo social diferente do considerado naturalizado. Apenas estamos buscando contribuir para a liberdade de escolha da mulher, se assim ela almejar, de galgar rumos diferentes, como os de profissionais em cargos públicos, por exemplo, ou até mesmo uma liberdade maior dentro dos limites privados (sendo esta liberdade muitas vezes privada pelos homens/maridos). A luta pela emancipação feminina não tem a ver com uma imposição de um modelo sobre o outro, mas sim a luta pela dignidade, liberdade de escolha, que muitas vezes é tirada da mulher. 6 Interessa-nos, para este momento, a construção da identidade de gênero feminino em oposição ao masculino.

19

destaque superior ao feminino, o que se coaduna com os preceitos lacanianos de

Irigaray (1985 apud Woodward, 2000, p. 52), segundo a qual, é por meio desses

dualismos que as mulheres são construídas como “outras”, de forma que as mulheres

são apenas aquilo que os homens não são.

As formas de poder, seguindo esse raciocínio, estão normalmente ligadas às

identidades e às desigualdades. Por sua vez, a desigualdade, consoante o aparato

antropológico de Moore apud Woodward (2000, p. 52), pode ser analisada sob dois

aspectos: o primeiro tende a assegurar que a mulher pode ser identificada, ou

representada, relativamente à natureza e o homem à cultura; enquanto o segundo

aspecto tem relações com os papéis sociais associados a homens e mulheres,

respectivamente, público/político e privado/do lar.

Outra contribuição importante na relação entre os gêneros sociais masculinos

e femininos com relação à discriminação entre eles é o estudo da identidade trazido

por Woodward (2000, p. 17). Para isso, estabelece uma dicotomia entre identidade e

diferença, que é partilhada por meio da linguagem. Isso porque, segundo ele, as

coisas só podem ser identificadas, como por exemplo, homem e mulher, por meio do

processo dos atos de fala. É assim que identificamos o mundo e nos identificamos

como sujeitos. Dessa feita, podemos dizer que é por meio da linguagem que as

ideologias são dadas, reforçadas e também transformadas. Contudo, para haver uma

transformação ideológica é preciso dar voz às diferenças, para que, a partir daí, novos

modelos7 possam ser disseminados, dados, reforçados, e assim sucessivamente,

num processo ininterrupto. Logo, enquanto não tivermos uma maior

representatividade feminina em âmbitos sociais diferentes, o que significa para esses

sujeitos sociais a porta de acesso aos recursos/bens materiais e imateriais, será mais

difícil transpor o que já é dado como natural.

7 Partindo do pressuposto de que o modelo patriarcal é o modelo mais disseminado nas práticas sociais vigentes, os novos modelos seriam considerados como todas as outras possibilidades que seriam contrárias a esse modelo patriarcal.

20

1.2 Práticas sociais e o gênero gramatical feminino

Ao considerarmos o gênero gramatical feminino como relevante para este

momento, na construção do escopo do objetivo ao qual se presta esta dissertação8, a

proposta é apontar para um vocábulo que trouxe muita discussão sobre a

determinação ou não do gênero feminino nesta e em outras palavras. Como partimos

de um viés analítico crítico do discurso, essa escolha vocabular pode significar muito

mais do que uma simples troca gramatical de usos já normatizados pela gramática.

Fica, portanto, o questionamento: a simples troca vocabular do termo presidente para

presidenta pode contribuir para a inovação do discurso sobre/da mulher nos

pronunciamento que serão analisados? Temos consciência, entretanto, de que se

considerarmos essa troca como um dos artifícios responsáveis na constituição do

discurso inovador de uma mulher, este não seria o único e nem o mais importante

deles, mas apenas mais uma das estratégias possíveis de ação de um discurso que

tem como objetivo a inovação.

Tendo esses pressupostos como como ponto de partida deste tópico, desde

que Dilma Rousseff se candidatou à presidência do Brasil e escolheu ser chamada de

presidenta, mesmo quando candidata, uma grande parcela da população brasileira

viu-se obrigada a pensar um aspecto gramatical: a flexão de gênero feminino e

masculino da palavra presidente/presidenta. Muitos artigos foram escritos defendendo

um ou outro ponto de vista, afinal, a defesa de que esse substantivo é classificado

como um substantivo comum de dois gêneros era a mais “correta”9, tendo em vista

outros substantivos com a terminação ente, ante e inte, como estudante, governante,

etc., como preza a gramática tradicional mais antiga.

Contudo, a inserção desse vocábulo no feminino com o acréscimo da

desinência de gênero em seu radical já faz parte do léxico de nossa língua há alguns

séculos. Essa forma sempre foi usada em Portugal e vista como naturalizada por lá.

No Brasil, a lei 2.749, de 2 de abril de 1956, regulariza essa forma há algum tempo,

como é possível verificar a seguir:

8 Conferir p. 12 desta dissertação. 9 A expressão “correta” foi utilizada nessa passagem para marcar a forma como normalmente é

discursivizada essa questão na sociedade brasileira. Linguisticamente, assim como Bagno (2004) defendemos a ideia de que não há certo e errado para construções linguísticas. Apenas que estão de acordo ou em desacordo com o padrão estabelecido pela norma oficial da língua.

21

Presidência da República Casa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos LEI No 2.749, DE 2 DE ABRIL DE 1956.

Dá norma ao gênero dos nomes designativos das

funções públicas. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o CONGRESSO NACIONAL decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º Será invariàvelmente observada a seguinte norma no emprêgo oficial de nome designativo de cargo público: “O gênero gramatical dêsse nome, em seu natural acolhimento ao sexo do funcionário a quem se refira, tem que obedecer aos tradicionais preceitos pertinentes ao assunto e consagrados na lexeologia do idioma. Devem portanto, acompanhá-lo neste particular, se forem genèricamente variáveis, assumindo, conforme o caso, eleição masculina ou feminina, quaisquer adjetivos ou expressões pronominais sintàticamente relacionadas com o dito nome”. Art. 2º A regra acima exposta destina-se por natureza as repartições da União Federal, sendo extensiva às autarquias e a todo serviço cuja manutenção dependa, totalmente ou em parte, do Tesouro Nacional. Art. 3º Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. Rio de Janeiro, 2 de abril de 1956; 135º da Independência e 68º da República. JUSCELINO KUBITSCHEK Nereu Ramos Antonio Alves Câmara Henrique Lott José Carlos de Macedo Soares José Maria Alkimim Lucio Meira Ernesto Dornelles Clovis Salgado Parsifal Barroso Henrique Fleiuss Maurício de Medeiros

Como podemos observar na lei acima referida, essa mudança foi feita pelo

presidente Juscelino Kubitschek, em 1956, e mesmo depois de tantos anos há ainda

quem defenda o uso apenas da forma presidente, sendo marcada a flexão de gênero

com o uso do artigo feminino a – a presidente. Essa preferência pode estar ligada

mais a padrões culturais e, portanto, ideológicos, que propriamente gramaticais, já

que compreendemos, como analistas críticos do discurso, a língua como uma

representação do social, mais especificamente, como representação discursiva da

realidade ou mundo, ou seja, da vida.

Fazendo um breve histórico da ocorrência do vocábulo presidenta nos

dicionários, gramáticas e vocabulários do Brasil e de Portugal, fica evidente essa

disparidade. Em 2010, o ex-presidente do Brasil, José Sarney, fez uma breve reflexão

22

sobre o uso dessa palavra. Sarney (2010)10 cita que, no Brasil, é possível encontrar

essa forma nominal em diversos dicionários: Aurélio, Dicionário da Academia de

Letras, Michaelis e Houaiss. No primeiro, este vocábulo consta desde sua primeira

edição, em 1975. Nele, presidenta denota-se “feminino de presidente. 1. Mulher que

preside. 2. Mulher de um presidente”; no Dicionário da Academia Brasileira de Letras,

consta desde 1932. Neste, o vocábulo é determinado como “mulher que exerce função

de presidir; mulher de presidente”; mais recentemente, o dicionário Michaelis e

Houaiss também apresentaram a forma presidenta como substantivo feminino. No

primeiro, cujo nome é Michaelis Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, de 2015,

sua acepção é “mulher que é a chefe do governo de um país de regime

presidencialista. Mulher que exerce o cargo de presidente de uma instituição. Mulher

que preside algo. Esposa do presidente, primeira-dama”, enquanto no segundo,

podemos encontrar desde sua primeira edição, em 2009, a definição:

1Mulher que se elege para a presidência de um país. 2 Mulher que exerce o cargo de presidente de uma instituição (a.p. da Academia de Letras) 3 mulher que preside (algo) (a.p. da sessão do congresso) 4 p.us, esposa do presidente. Etim. fem. de presidente.

Essas acepções demonstram uma certa evolução do termo com o passar dos

anos, carregando, ainda, traços patriarcais, como esposa de alguém, mesmo nas

versões mais novas (2009 e 2015).

Por outro lado, em Portugal, sua incidência se dá desde 1912, no primeiro

vocabulário sancionado pela academia de Lisboa. O vocábulo presidenta é registrado

nos seguintes termos “substantivo feminino”. Além dessa incidência é possível

10 Pesquisando sobre o vocábulo presidenta, deparei-me com o artigo do ex-presidente José Sarney,

inicialmente publicado no jornal Diário da Manhã de Goiás, em 19/11/2010, portanto, ano em que Dilma Rousseff se candidata à presidência do Brasil. Sarney tece reflexões sobre o uso político desse vocábulo, o que coaduna com nossa perspectiva analítica. Esse artigo foi publicado na íntegra pela Academia Brasileira de Letras (ABL), em sua página, estando disponível em: http://www.academia.org.br/artigos/presidenta-ou-presidente. Acesso em 30/08/2017. A partir das colocações de Sarney e utilizando o sistema de perguntas e respostas do site da ABL sobre o vocábulo, obtive a seguinte resposta: Prezada consulente, presidente é um substantivo de dois gêneros: o presidente/a presidente. A forma presidenta é aceita e está registrada no VOLP (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa), da ABL, pelo menos desde a edição de 1998, e também em várias gramáticas. Apenas era mais usual em Portugal. Pode-se dizer a presidente ou a presidenta, portanto.

23

encontrá-la em alguns periódicos, como na Revista Popular de Lisboa, de 1851, o que

corrobora com a ideia de naturalização desse nome, sendo possível identificá-lo em

ocorrências não dicionarizadas da língua, como podemos identificar a seguir:

IMAGEM 1 - Revista Popular de 1851

Fonte: Revista Popular, 1851.11

A discussão emergente de uma gramática que se adeque às necessidades

da sociedade é cada vez mais urgente. Em sua obra Gramática Escolar da Língua

Portuguesa, Evanildo Bechara registra a necessidade de começarmos a discutir

questões como essas, já que, como ele mesmo afirma, “a distinção de gênero nos

substantivos só tem fundamento na tradição fixada pelo uso e pela norma” (Bechara,

2010, p. 89). Ele salienta que essa mudança de paradigma tem exigido de muitas

línguas a adaptação de seu sistema gramatical a uma nova realidade, tendo como

ponto central a ascensão de mulheres a profissões que outrora eram consideradas

tipicamente como masculinas.

Além disso, Bechara (2010, p. 90) discute importantes distinções semânticas

existentes em algumas formas já adotadas na linguagem comum, como nos

substantivos:

11 Disponível em:

https://books.google.com.br/books?id=TPdOAQAAIAAJ&pg=PA244&dq=%22DA+PRESIDENTA%22&hl=pt&sa=X&ved=0ahUKEwjHm_KrhYnLAhUHkpAKHXZbC78Q6AEIJjAC#v=onepage&q=%22DA%20PRESIDENTA%22&f=false. Acesso em 8 de agosto de 2017.

24

A Cônsul (senhora que dirige um Consulado) e a Consulesa (esposa do Cônsul); a Embaixadora (senhora que dirige uma embaixada) e a Embaixatriz (esposa do embaixador). Já para senador vigoram indiferentemente as formas de feminino senadora e senatriz (para a mulher que exerce o cargo político ou para a esposa do senador).

Essa discussão pode se estender também à palavra presidenta. É

interessante notar que os substantivos apresentados por Bechara apresentam formas

diferentes quando associados a valores semânticos distintos, normalmente ligados ao

cargo exercido ao papel social da mulher, desempenhado frente a uma sociedade

patriarcal. O mesmo ocorre com o vocábulo presidenta, que ora é designado para

marcar a profissão de quem preside algo, e ora para marcar o papel social de uma

mulher, esposa do presidente, como foi possível ver nas acepções demonstradas

anteriormente em diversos dicionários ao longo dos últimos séculos.

Partindo de um viés Crítico do Discurso, pode ser discutida ainda mais uma

questão: por que os dicionários, ao se referirem ao vocábulo presidente, não marcam

a possibilidade da presença feminina, ou, quando marcam, o fazem sob a perspectiva

do papel social feminino: mulher de alguém?12 Mais adiante ainda nessa discussão,

podemos propor um outro questionamento: por que ao se referirem ao termo

presidenta em detrimento de presidente, a forma de marcar o poder de um e de outro

é mais enfática no vocábulo presidente, como é possível verificar nas definições do

dicionário Houaiss “mulher que preside (algo) ou “mulher que se elege para a

presidência de um país” enquanto para presidente a definição é “título oficial do chefe

do governo no regime presidencialista”?

À luz de uma perspectiva crítica dos estudos da linguagem/discurso, neste

último caso, configura-se o enaltecimento dos sujeitos sociais masculinos, posto que

o verbete vem expresso apenas na forma masculina “do chefe”, contrariando a própria

gramática normativa que prevê a forma “da chefe” como uma das possibilidades de

expressão de um estado de coisas, qual seja, o título oficial se aplicar a sujeitos sociais

femininos. Nesse caso, mitiga-se o fato de que mulheres, assim como homens,

estariam licenciados, aptos e disponíveis/dispostos a exercerem a função de “chefe

do governo”.

12 Essa não é a única representação desse vocábulo, mas uma das mais recorrentes.

25

Ficam implícitas, nesses questionamentos acima, algumas ideologias

relacionadas à capacidade de gerir diversas instituições, sejam elas o próprio lar ou

uma empresa. Quando confrontado com a palavra presidente, normalmente os

significados estão ligados apenas ao sexo masculino e a topicalização do discurso

ressalta a posição de poder exercida por essa função. É sob esse olhar que

percebemos de que forma a língua perpetua práticas discursivas discriminatórias com

relação à mulher em posições de poder tipificados como masculinos, mesmo quando

aparentemente o espaço é aberto à discussão ou à escolha quanto ao uso de um ou

outro vocábulo. Na verdade, em nível discursivo, há uma aparente democratização no

uso do termo “do chefe” em questão. O que retrata, via de regra, uma democracia

também falaciosa em termos de acesso igualitário ao posto mais alto de

representatividade política feminina e masculina.

Mesmo assim, é preciso considerar que a Presidenta da República, objeto

deste estudo, preferiu ser designada dessa forma, estendendo seu desejo a outras

profissões anteriormente tipificadas como masculinas. Para marcar sua preferência,

muda todos os protocolos oficiais relacionados a ela mesma, como pode ser percebido

no título de seu discurso de posse (Discurso da Presidenta da República, Dilma

Rousseff, durante Compromisso Constitucional perante o Congresso Nacional) e tudo

o que faz referência a ela, como podemos verificar na imagem do carro usado por ela

na posse, logo a seguir:

IMAGEM 2: Carro Presidencial

Fonte: Folha de São Paulo13

13 Disponível em: http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/7493-rolls-royce-presidencial#foto-145029.

Acesso em: 08 de agosto de 2017.

26

Além da alteração do protocolo quanto à maneira como gostaria de ser

chamada levada ao cabo nos mínimos detalhes, como é possível comprovar pela

imagem anterior, em 3 de abril de 2012 a presidenta sanciona a lei de número 12.605

sobre a expedição de diplomas e certificados quanto ao uso da flexão de gênero, como

é possível verificar no documento a seguir:

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1o As instituições de ensino públicas e privadas expedirão diplomas e certificados com a flexão de gênero correspondente ao sexo da pessoa diplomada, ao designar a profissão e o grau obtido. Art. 2o As pessoas já diplomadas poderão requerer das instituições referidas no art. 1o a reemissão gratuita dos diplomas, com a devida correção, segundo regulamento do respectivo sistema de ensino. Art. 3o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 3 de abril de 2012; 191o da Independência e 124o da República. DILMA ROUSSEFF. 14

Tendo em vista os documentos acima, percebe-se que Dilma Rousseff,

empiricamente ou orientada discursivamente, compreendia os impactos que a escolha

lexical do termo que designaria sua função poderia provocar uma mudança

determinante na discussão das funções exercidas pela mulher na sociedade. Apesar

disso, verifica-se que a maioria das instituições jornalísticas preferiram o termo

presidente em oposição ao presidenta, como é possível verificar nos jornais

publicados na época: Uol, Estadão e Folha de São Paulo:

14 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12605.htm. Acesso em:

08 de agosto de 2017.

27

IMAGEM 3 – Notícia sobre posse de Dilma

Fonte: UOL online, 01/01/2011 15

IMAGEM 4 – Notícia sobre Retrospectiva 2011

Fonte: Estadão online, em: 18/12/2011 16

Nesse passo, é possível asseverar que estamos presos a preconceitos que,

sem nos darmos conta, reproduzimos/sustentamos incessantemente por meio da

linguagem, como é o caso do uso dos vocábulos “presidente/presidenta”. Vejamos

ainda que as “estratégias” linguístico-discursivas, normalmente imperceptíveis aos

olhos do leitor comum, digo, "estratagema” plano ou esquema previamente estudado

e posto em prática para atingir determinado objetivo – de enfraquecimento da

identidade feminina e, por conseguinte, da própria posição ocupada, naquele

momento histórico, por Dilma Rousseff, encontra-se na expressão adjetiva “ofuscada

pela despedida de Lula”. Negar o uso da forma “presidenta”, bem como, escolher na

15 Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2011/01/01/primeira-presidente-

dilma-toma-posse-hoje-ofuscada-pela-despedida-de-lula.htm. Acesso em: 08 de agosto de 2017. 16 Disponível em: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,retrospectiva-2011-em-posse-dilma-rousseff-estreia-com-discurso-conciliador,812630. Acesso em: 08 de agosto de 2017.

28

cadeia paradigmática do sistema linguístico a forma “ofuscada”, compreendem

recursos que colaboram para o acirramento dos efeitos ideológicos das práticas

discursivas sobre a reprodução/sustentação das relações de poder desiguais.

Concluindo este tópico, podemos compreender que a linguagem é o meio de

propagação, naturalização e manutenção de ideologias, mas também é o produto

delas, dentro de um viés crítico do discurso. Podemos afirmar que ao escolhermos o

termo “presidente” em oposição ao termo “presidenta”, ao afirmarmos que a primeira

presidenta, eleita pelo voto direto/democrático foi ofuscada por um presidente que

acaba de deixar o cargo, passamos a fazer, ou atestar a pertença a um grupo de

manutenção/sustentação/difusão de uma ideologia patriarcal que ainda persiste em

nosso país, e não a um grupo de resistência ou inovação. Estando a vida política e o

mundo político dominados pelo homem, o campo político passa a incorporar certos

atributos de gênero culturalmente associados ao masculino. Uma forma de romper

com essa visão cerceadora encontra-se na mudança no modo pelo qual nos referimos

às mulheres e às suas atividades políticas. Mesmo porque as mulheres têm alcançado

índices expressivos de representatividade política pelo mundo afora, não só no

Brasil17. Não esqueçamos que a expressão do mundo social é externalizada nos

sentidos/significados colocados em negociação em textos/discursos que são

produzidos distribuídos e consumidos por indivíduos dotados, por um lado, de

potencialidade crítica e, por outro, expostos às determinações semântico-discursivas

manipulatórias.

Sobre a maneira como essas ideologias são construídas, naturalizadas e

mantidas por ideologias patriarcais que perpassam gerações, nos aprofundaremos

nos conceitos de ideologia a partir das perspectivas de Fairclough (2001) e Thompsom

(2002) no próximo capítulo.

17 A notícia “Brasil ocupa 115º lugar em ranking de mulheres na política” corrobora com essa

afirmação. Dentro os 138 países analisados, ocupamos o 115º lugar, enquanto países como Ruanda, Bolívia e Cuba ocupam os três primeiros lugares. In: http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2017-03/brasil-ocupa-115o-lugar-em-ranking-de-mulheres-na-politica, publicado em 30 de março de 2017.

29

1.3 Mulheres Sem História Para a História

Falar sobre a história das mulheres parece ser um pouco contraditório. Isso

porque, até pouco tempo atrás, muito embora tivéssemos histórias a serem

verbalizadas, não tínhamos acesso às práticas discursivas por meio das quais

mulheres e homens sustentam, defendem, representam suas identidades sociais ou

de gênero. A abordagem do gênero social via linguagem encontra respaldo na crença

da existência de uma relação estreita entre linguagem e poder nas sociedades.18 A

consciência de que a linguagem contribui para a dominação de umas pessoas sobre

as outras, tal como tem sido defendido por Fairclough (1997, 2001), atesta que a

mesma deve ser concebida como imbricada na história, cultura e instituições das

quais os indivíduos fazem parte. A própria conquista do direito de alguém de se

manifestar linguisticamente em determinados espaços sociais, como os de natureza

política discutidos neste estudo, serve de indício dessas relações de dominação. A

premissa de que o dever, bem como, o poder de tomar a palavra institucionaliza os

atos de fala revela ser a língua (sistema) um poderosíssimo instrumento de exercício

e controle de poder (função) nas sociedades.

Nesse sentido, ao sermos faladas, discursivizadas, na maioria das vezes,

nossas vivências e histórias eram veladas ou desvalorizadas em aparições vexatórias

ou histéricas. Normalmente, nos autos públicos, as histórias e práticas sociais

femininas eram dignas de ocupar algum espaço quando representavam rompimentos

com padrões pré-estabelecidos pela sociedade. Para citar um exemplo, Carlota

Joaquina, princesa do Brasil, aparece sempre de forma pejorativa nas descrições

históricas. O mesmo acontece com Luísa Mahin, ex-escrava e líder de rebelião no

Brasil. Suas histórias são descritas porque romperam com estereótipos femininos para

o padrão da época.

Os feitos, os anseios, as conquistas dos sujeitos sociais femininos, assim

como tantas outras questões relativas à ordem social vigente, são deixados à parte/à

margem da história por diversos motivos. Compreender essa lacuna, a falta de

discurso (o não dito), ou o falseamento de discursos que, em condições propícias, se

prestam para a exaltação das forças hegemônicas ou para o apagamento de questões

18 A relação entre linguagem e poder será melhor explicitada no capítulo 3.

30

sociais que urgem serem discutidas, faz parte do interesse de estudo da vertente

analítica crítica de discurso, doravante ACD.

A ACD busca dar voz e vez para os sujeitos sociais marginalizados ou

enfraquecidos identitariamente, chamados por ela de atores sociais19/atores

ideológicos, posto que no interior dessa teoria advoga-se a ideia de que a mudança

discursiva consciente surte efeito direto sobre as estruturas sociais, dentre elas as de

poder e força. Nesse sentido, numa visão dialética, assim como a realidade e as

práticas sociais moldam os discursos, os discursos têm poder constitutivo sobre as

sociedades. Nesse passo, as estruturas linguísticas exprimem valores sociais e os

fatores sociais condicionam a língua. Demonstrar os mecanismos que viabilizam ou

inviabilizam discursos emergentes que, entre outros fatores, visam mostrar que as

condições históricas da vida social podem ser modificadas em prol de uma sociedade

igualitária, faz parte, portanto, da agenda da ACD.

Sendo assim, analisar a representação de gênero nos pronunciamentos de

Dilma Rousseff a fim de verificar se contribuem para a inovação da ordem social

vigente sobre a mulher em nossa sociedade é um objetivo plausível para esta área de

estudo. Contudo, antes de fazer a análise propriamente dita, é necessário melhor

conhecer os caminhos pelos quais perpassam essa história, ou como dito

anteriormente, essa falta de protagonismo feminino na história, até mesmo para

compreender melhor as peças textuais/discursivas a serem analisadas

posteriormente. Faz-se urgente compreender o porquê desse enfraquecimento da

representatividade feminina e, via de regra, da sua identidade nos mais diversos

setores da vida social. Perrot (2015, p. 19), ao descrever o “nascimento” de uma

história das mulheres, explica que essa invisibilidade histórica acontece por alguns

motivos, descrevendo de forma mais explícita quatro deles: falta de ocupação de

espaços públicos, silêncio das fontes, dissimetria sexual das fontes e, por último, a

falta de relato.

A autora nos leva a crer que tais motivos não são mutuamente excludentes,

eles se complementam, não sendo possível delimitar tão claramente onde começa um

e termina o outro. Fica claro nas ponderações da autora que, pelo fato de a mulher

19 Com base na sociologia (TOURAINE, 1984), compreendemos que ator social é alguém que

representa papéis dentro de tramas de relações em sociedade.

31

não participar ativamente da vida pública20, sendo-lhe reservado apenas o espaço

doméstico, pouco se falava dela. E ainda, se esta fosse falada era sob a perspectiva

do que lhe era dever ou não, sendo, desta forma, retratada apenas pela visão

masculina, considerada de maior prestígio, representatividade discursiva e de

ação/repercussão na sociedade.

Essas formas de pensar a mulher e seu papel na sociedade da época21, ou

até mesmo a falta da voz da própria mulher trazendo suas inquietações como

indivíduo, trazem cristalizações típicas desse momento histórico que até hoje se

perpetuam. Na tentativa de delimitar de forma mais didática essas razões, Perrot

(2015, p. 17) faz algumas declarações embasadas em grandes estudiosos, como

Claude Lévi-Strauss, no início de sua obra Tristes tropiques, em que ele, ao se referir

a uma aldeia após a partida dos homens para a caça, declara: não havia mais

ninguém, exceto as mulheres e as crianças.

Esse relato22 da obra Tristes tropiques demarca como as mulheres eram

vistas, de forma invisível, cujos papéis sociais silenciados, nas palavras de Pierrot

(2015, p. 17), “faziam parte da ordem das coisas”. Atentemos para o fato de que os

vestígios dessa comodificação23 feminina, em que a subjetividade da mulher se

esvazia em função de uma objetivação que a representa como um produto para

consumo, se estende até os nossos dias.

As mulheres, até então, não eram contabilizadas, não faziam parte de

nenhuma estatística, não tinham sobrenome, apenas nome. Esse silenciamento

acontecia porque elas próprias, constituídas identitariamente pela sociedade, se

autorepresentavam dessa forma:

As mulheres deixam poucos vestígios diretos, escritos ou materiais. Seu acesso à escrita foi tardio. Suas produções domésticas são

20 Vida pública está sendo utilizado no sentido em oposição à vida privada – do lar, podendo representar qualquer profissão que estivesse fora dessa esfera, como enfermeiras, cientistas e até mesmo política. 21 Ao referir-se a essa época, a autora não salienta a data provável, podendo ficar subentendido que

essa forma de pensar a mulher acompanha a história das mulheres atemporalmente, desde sociedade mais antigas a mais complexas, como a nossa. 22 A palavra relato ganha a conotação dos gêneros textuais orais da antiguidade, como crônicas, relatos

pessoais, entre outros. 23 Fairclough (2001, p.255) entende a comodificação como “a colonização de ordens de discurso

institucionais e mais largamente da ordem de discurso societária por tipos de discursos associados à produção de mercadoria. De acordo com o estudioso, Marx teria notado os efeitos da comodificação sobre as línguas na palavra “mãos” que, em contextos industriais, fazem referência a uma mercadoria útil para a produção de outras mercadorias.

32

rapidamente consumidas, ou mais facilmente dispersas. São elas mesmas que destroem, apagam esses vestígios porque os julgam sem interesse. Afinal, elas são apenas mulheres, cuja vida não conta muito. (Perrot , 2015, p. 17)

A partir do que apregoa Perrot, vemos que as práticas sociais e discursivas

femininas são reconhecidas como desprestigiosas. Essa visão de mundo, como se

percebe, surte efeito psicossocial e afeta, também, o biológico feminino. Nesse

sentido, se as identidades se constroem no confronto daquilo que caracteriza “um” e

“outro” indivíduo, não é de se estranhar que os espaços públicos ocupados pelos

sujeitos sociais masculinos fossem tidos como prestigiosos (assim como seus corpos)

e merecedores de relatos. Conforme destaca a autora, a dissimetria sexual retratada

nas fontes a serem citadas, quando isso acontecia, se dava por dois motivos: ou para

definir o que era ou não dever da mulher e do homem ou para expô-la à público de

forma pejorativa, posto se tratar de uma “contraventora” dos papéis sociais

previamente delimitados. Sob os papéis tidos como masculinos e femininos é possível

percebê-los nas declarações trazidas pela autora em dois momentos: “Elas atuam em

família, confinadas em casa, ou o que lhes serve de casa.” (2015, p. 17) ou em “o

relato da história constituído pelos primeiros historiadores gregos ou romanos diz

respeito ao espaço público: as guerras, os reinados, os homens “ilustres”, ou então os

“homens públicos”. (2015, p. 17 e 18).

Uma dessas mulheres consideradas “contraventoras” faz parte da história

brasileira. A princesa brasileira Carlota Joaquina, conforme destacam Schumaher e

Ceva (2015, p.24), ao se valerem das discussões da historiadora Francisca Nogueira

de Azevedo afirmam que a princesa foi, muitas vezes, retratada de forma pejorativa,

por se expor. Para ela, essa era uma tentativa de romper com o estereótipo de mulher

até então vigente, e pela educação questionadora absorvida da sua formação

intelectual baseada em seus autores preferidos.

Assim como Perrot (2015), Schumaher e Ceva (2015), se referem em suas

obras à invisibilidade da mulher e como esta era retratada:

Bem, fato é que a grande maioria dos cronistas da época – e consequentemente dos historiadores – não poupou citações pejorativas ao descrever dona Carlota Joaquina. Chamavam-na de

33

horrenda, devassa, perversa, ambiciosa, traiçoeira e inescrupulosa – alguns dos adjetivos difamatórios de uma longa listagem depreciativa. (Schumaher e Ceva, 2015, p. 23 e 24).

Vejamos, então, que é na voz de cronistas e historiadores, licenciados,

portanto, a produzir os discursos a serem difundidos e distribuídos em meio ao corpo

social, que a identidade de gênero do sujeito social Carlota Joaquina vai se erigindo e

reverberando em outros discursos que recaem sobre mulheres que ousem adentrar

os espaços de força e poder naturalizados como masculinos.

Por muito tempo as tarefas femininas dentro de casa resumiam-se à ordem

do alimentar (cozinhar ou cultivar), vestir (tear ou costurar) e reproduzir (os afazeres

domésticos e de boa educação às filhas). Quando saíam do âmbito doméstico, muitas

vezes perpassavam por essas mesmas tarefas, porém, na esfera social. Eram

vendedoras de frutas e verduras produzidas em seus quintais, faziam reparos em

roupas ou costuravam para fora ou administravam os afazeres domésticos de outras

mulheres (quando faziam parte da burguesia) ou cuidavam da educação dos filhos.

Essas atividades lembravam, de certa forma, as tarefas ditas “femininas”. Perrot

(2015, p. 119), ao fazer referência às mulheres operárias, lembra a declaração de um

congressista, em 1867, em um congresso operário, “para o homem, a madeira e o

metal. Para a mulher, a família e os tecidos”, deixando bem evidente essa demarcação

de funções típicas “masculinas” e “femininas”.

No Brasil essa tendência não foi diferente. Nossas mulheres seguiram essa

mesma tendência europeia, talvez de forma um pouco mais tardia. Com o advento da

família real para o Brasil e os rumores de guerra no mundo, espaços antes ocupados

apenas por homens passam a ser ocupados pelas mulheres.

Quanto à educação das mulheres, tanto na Europa quanto no Brasil, os

passos foram lentos e primeiramente seguiam propósitos domésticos ou para o

melhor exercício de suas atividades sociais de um novo padrão cultural trazido pelos

novos tempos. As mulheres, agora, podiam participar da vida social do marido, e, para

isso, deveria dominar aspectos culturais e de boas maneiras que exigiria delas uma

educação mais formal, como é possível perceber em:

34

Com a chegada da família real, em 1808, os padrões de comportamento da elite brasileira sofreram profundos impactos, sobretudo em matéria de educação. No ano seguinte à transferência da corte, foram fundados os primeiros colégios privados para meninas brancas, cujos ensinamentos consistiam em prepara-las para o âmbito doméstico – para as atividades de costura e bordado, para o matrimônio e para a maternidade. Aliás, cabe lembrar que o matrimônio era um negócio entre as famílias, portanto “educar” as filhas ensinando-lhes bons modos, para ser boas esposas, meigas e solícitas, representava aumentar o dote para o casamento. (Schumaher e Ceva, 2015, p. 38)

Na Europa, mais precisamente na França, o mesmo acontece. Citando dois

estudos franceses de 1997 e 1998, Perrot (2015) também descreve a utilidade da

educação de mulheres:

É preciso, pois, educar as meninas, e não exatamente instruí-las. Ou instruí-las apenas no que é necessário para torná-las agradáveis e úteis; um saber social, em suma. Formá-las para seus papéis futuros de mulher, de dona de casa, de esposa e mãe. Inculcar-lhes bons hábitos de economia e de higiene, os valores morais de pudor, obediência, polidez, renúncia, sacrifício... que tecem a coroa das virtudes femininas. (PERROT, 2015, p. 93)

Swain (2001, p. 69), citando Proudhon demarca ainda mais a visão da mulher

sob a ótica masculina quanto ao uso da inteligência:

Uma mulher que usa sua inteligência torna-se feia, louca, (…) a mulher que se afasta de seu sexo, não somente perde as graças que a natureza lhe deu (…) mas recai no estado de fêmea, faladeira, sem pudor, preguiçosa, suja, pérfida, agente de devassidão, envenenadora pública, uma peste para sua família e para a sociedade”

Fica evidente que no Brasil, assim como em toda a Europa, a educação das

mulheres inicialmente foi utilizada apenas como parte de suas habilidades ditas

femininas ou do espectro feminino. Além disso, nota-se que, ao falar sobre a mulher,

sempre associam-se características que são tipificadas como femininas e outras como

35

masculinas. Quando elas tentam romper com essa imposição são vistas como feias,

devassas, loucas, entre outras características pejorativas. É somente mais tarde que

essa educação passa para outros âmbitos e em prol de interesses distintos de sua

gênese.

1.3.1 Novas tarefas X velhas práticas sociais

Em 1824, no Brasil, foi outorgada a primeira constituição brasileira. A partir

desse instrumento, pôs-se em discussão vários assuntos, como o direito à educação

primária e o direito ao voto. Pela constituição, toda mulher nascida no Brasil era

considerada uma cidadã. No entanto, elas não tinham direito ao voto, mas podiam

estudar nas escolas primárias. Todavia, essa lei entrará em vigor anos mais tarde, e

ainda assim com bastante resistência à entrada das mulheres na vida pública.

Schumaher e Ceva (2015, p. 44 e 45) descrevem o caminho de grandes

mulheres em busca de direitos iguais e traz a história de várias delas que resistiram a

essa imposição, como: Nísia Floresta, Maria Firmina dos Reis, Maria Augusta

Generosa Estrela, Josefa Águeda Felisbela Mercedes de Oliveira e Ana Néri.

Nísia Floresta e Maria Firmina dos Reis tiveram um importante papel na

implementação das escolas secundárias para as mulheres e crianças pobres, em

1838 e 1880. A importância delas se dá mesmo havendo a lei em que as mulheres

poderiam ingressar em escolas primárias, o que só foi acontecer em grandes colégios

como o Pedro II, em 1883, apesar de ter como data de sua fundação o ano de 1837.

A despeito disso, ditados populares, como “mulher que sabe latim não tem marido e

nem bom fim”, podiam ser replicados nos colégios ainda em sua maioria masculina.

Após essa inclusão, ainda demorou muito tempo para que as mulheres

adentrassem às universidades. Segundo Queiroz (2000, p. 1) Augusta Generosa

Estrela foi a primeira mulher brasileira a ter acesso à universidade, mas não estudou

no Brasil. Ganhando uma bolsa de estudos do próprio Imperador do Brasil, se formou

em Medicina em 1876, em New York, já que aqui esse feito não seria possível. Ao

voltar para o Brasil, já médica, por não ser considerada diplomada pelas leis

brasileiras, não conseguiu exercer sua profissão. Foi a partir desse episódio que em

36

19 de abril de 1879, segundo Queiroz “D. Pedro II faz aprovar uma lei autorizando a

presença feminina nos cursos superiores. A decisão do Imperador deveu-se ao

episódio vivido por Augusta Generosa Estrela”. A esse nome as autoras Schumaher

e Ceva (2015, p. 48 e 49) acrescentariam sua colega Josefa Águeda Felisbela

Mercedes de Oliveira. Ambas teriam estudado junto no New York College and Hospital

for Women e fundaram o jornal “A mulher”, mesmo antes de terminarem a faculdade.

O objetivo dessa literatura era “destacar a importância da educação das mulheres.”

(2015, p. 49).

É interessante notar que a mulher brasileira sempre buscou resistir à

imposição patriarcal vivida por elas por diversas maneiras, mas uma de suas principais

formas de contestação e luta esteve sempre voltada ao discurso em sua

materialização escrita por meio de romances e revistas, como a citada acima e o

romance Úrsula, datado entre 1859 e 1860, considerado “o primeiro romance

abolicionista escrito por uma mulher no Brasil.” (SCHUMAHER E CEVA, 2015, p. 20).

Maria Firmina, como já citado anteriormente, além de exercer uma forte

influência para a implantação de escolas para mulheres no país, assina o livro como

uma maranhense, pseudônimo usado por ela. Além disso, exerceu a profissão de

professora e se aposentou como tal em 1881. É justamente esse engajamento

feminino às letras que pode ser utilizado para contestar os argumentos contrários ao

seu letramento e seu espaço acadêmico, algo contestado como não natural pelos

homens da época.

Ao mesmo tempo em que isso pode ser usado em nosso favor, também, por

algum tempo, foi usado contra. Depois da lei de 1879, as mulheres poderiam ocupar

os espaços acadêmicos, mas apenas em algumas áreas do conhecimento. É por esse

motivo que Rosemberg (1994, p. 29 apud Queiroz, 2000, p. 3) comenta que “em certo

sentido, estudos de mulher/gênero foram criaturas e criadoras das

humanidades/letras”, dada a tendência das mulheres em “preferir”24 certas áreas do

conhecimento a outras. Corroborando com essa tendência da época, Barroso e Mello

(1975, p. 52 apud Queiroz, 2000, p. 3) definem que em 1971 metade das mulheres

que ingressavam o ensino superior faziam parte dos cursos de Letras, Ciências

Humanas e Filosofia. De acordo com Passos (1997, p. 142 apud Queiroz, 2000, p. 2)

24 Grifo meu, pois essa “preferência” poderia ser realmente uma escolha da mulher ou, contrariamente,

uma maneira de irromper os costumes da época e ingressar, mesmo que não sendo sua área de preferência, na academia, assim como os homens.

37

até mesmo o ingresso das mulheres na Filosofia se dá de forma a reforçar o que

Queiroz (2002, p. 3) chama de ‘guetização’25 das mulheres em carreiras típicas

femininas. Isso se dá devido ao caráter do curso, o que contribui para reforçar a ideia

de que as mulheres não eram capazes a certos esforços mentais, pois esses cursos,

até então, eram voltados “para a realização desinteressada de ‘altos estudos’ [...] que

não se opunham à condição feminina’” (Passos, 1997, p. 142 apud Queiroz, 2000, p.

2).

Por muito tempo, o campo naturalizado das mulheres era a educação (mesmo

assim com ressalvas)26, e, na área da saúde, o parto era destinado a elas. É por esse

motivo que se destacou, em nossa história, o último nome de grandes mulheres

citadas em parágrafos anteriores, Ana Néri. Antes mesmo de serem consolidados

oficialmente os primeiros esforços do Brasil com relação à enfermagem, apenas em

1920 com a criação de um curso ligado ao Hospital da Cruz Vermelha, no Rio de

Janeiro, ela parte para a guerra em 1864 com seus dois filhos, sendo reconhecida 56

anos depois como a primeira enfermeira voluntária do Brasil.

Desse ponto em diante, esse percurso longo ganha contornos lentos, mas

decisivos. Sobre o ingresso das estudantes em outras áreas do conhecimento,

Barroso e Melo (1975 apud Queiroz, 2000, p. 2) diz que em 1907, portanto, 28 anos

depois da lei de 1879, “as mulheres representavam apenas 0,24% das/os estudantes

do Ensino Jurídico, 3,63% do Ensino Médico e Farmacêutico e 0,47% do Ensino

Politécnico”.

Com a mudança do mundo, como citado anteriormente, as mulheres ganham

novos espaços profissionais para além da vida privada. Contudo, apesar dessa

aparente conquista, os resquícios de uma sociedade pautada em práticas sociais

discriminatórias ou classificatórias no que diz respeito ao gênero ainda persistem,

mesmo com o passar dos anos. Rosemberg e Amado (1992, p. 65 apud Queiroz 2000,

p. 4) avaliam que os esforços femininos para uma mudança de carreira escolar e

consequentemente profissional ainda não surtiu efeito nessa divisão de trabalhos

vistos como masculinos e femininos. Esse argumento é reforçado ao considerar que:

25 Grifo da autora em (2000, p. 3) ao fazer referência aos guetos de homens e mulheres, expressão

essa presente em Rosemberg (1994). 26 Sobre essas ressalvas trataremos na subseção seguinte intitulada: Do voto à presidência da República.

38

[...] às mulheres tendem a seguir, em todos os níveis ... cursos impregnados de conteúdo humanístico e voltados para as Letras, que desembocam imediata ou posteriormente em profissões tradicionalmente desempenhadas por mulheres: magistério, artes, enfermagem. Os rapazes seguem preferentemente cursos técnicos.

Mais recentemente, Perrot (2015, p. 123) determina que 75% das mulheres

hoje trabalham em setores terciários, com profissões, como vendedoras, secretárias,

enfermeiras e professoras (principalmente as primárias). Sobre isso a autora salienta

que:

A maioria dos empregos que elas ocupam são marcados pela persistência de um caráter doméstico e feminino: importância do corpo e das aparências; função das qualidades ditas femininas, dentre as quais as mais importantes são o devotamento, a prestimosidade, o sorriso etc. Pelo menos, era o que ocorria até os anos 1980-1990.

Essa visão é importante para este estudo justamente por mostrar que ainda

hoje existem profissões que são vistas, como a própria autora grifa em seu livro “boas

para uma mulher” (2015, p. 124) ou “apropriadas à mulher”27 Barroso e Mello (1975,

p. 52 apud Queiroz, 2000, p. 3).

1.3.2 Do voto à Presidência do Brasil

Se adentrar ao mundo da educação formal e carreiras profissionais foi um

processo longo para a história das mulheres, o direito ao voto e, por conseguinte, o

direito de se eleger para qualquer cargo público não seria diferente. No mundo todo

essa barreira foi a mais difícil de transpor. Perrot (2015, p. 152) destaca que após a

Primeira Guerra Mundial “muitos países concedem o direito de voto às mulheres. Mas

não a França, que esperará o final da Segunda Guerra.” Ampliando esse cenário,

27 Aspas minhas colocadas por acreditar que não existem profissões masculinas e femininas, objetivo,

inclusive de observação na presente análise discursiva de nossa presidenta Dilma Rousseff.

39

Schumaher e Ceva (2015, p. 56) apresentam uma lista de países e datas em que o

voto feminino foi permitido, sendo, em alguns deles restritivo:

Em 1902, a Austrália comemorou essa vitória, assim como a Finlândia no ano de 1906. Em 1913 foi a vez da Noruega; em 1915, da Islândia e da Dinamarca; em 1917, da Holanda e Rússia. E no ano seguinte, 1918, entraram também a Inglaterra (com caráter restritivo), Alemanha Canadá e Polônia. Já nos Estados Unidos as mulheres conquistaram o sufrágio em 1919, porém só foi ratificado em 1920. Até aquele momento, nenhum país da América Latina havia garantido o direito ao voto.

A noção de todo esse contexto mundial é importante, pois é a partir dele que

as nossas brasileiras se inspiram para continuar a luta pelo voto, que só terminará em

1932, de acordo com Perrot (2015). Segundo as autoras Perrot (2015), Schumaher e

Ceva (2015), essa conquista vai além de uma conquista política. É a aquisição da

cidadania plena, de serem vistas como indivíduos, que até então era-lhes negado –

“Tanto por sua natureza quanto por suas funções, as mulheres não são reconhecidas

como indivíduos.” (Perrot, 2015, p. 155). Em outro trecho a mesma autora ao retratar

os benefícios trazidos pela democracia, declara:

Nesse sentido, a democracia representa uma potencialidade, a possibilidade de uma inclusão, uma promessa de universalidade. A lógica democrática termina por dissolver os grupos, inclusive a família, e diz respeito a todos os indivíduos: é preciso então ser reconhecido como tal. Era esse o problema das mulheres.

Além de ainda não serem reconhecidas como pessoas, elas tinham que lutar

contra a prática cultural mundial e também brasileira de que o lugar da mulher é em

casa, cuidando da família e de seus afazeres domésticos.

O percurso até 1932 foi longo, mas foi feito de pequenas conquistas em vários

momentos da história até chegar ao pleno gozo dos direitos “iguais”28. De acordo com

28 Coloco entre aspas esse termo, pois apesar de conquistarmos direitos iguais nessa data, não

atingimos o mesmo número de homens políticos até o ano de 2017, 85 anos depois. Esse fato demonstra que a lentidão de mudança das práticas sociais permanece a mesma.

40

Schumaher e Ceva (2015) são muitas histórias de mulheres marcantes para todo esse

processo, como a primeira mulher a solicitar o alistamento eleitoral, Isabel de Souza

Matos, do Rio Grande do Sul, em 1885; a primeira candidata a deputada, a também

Isabel Dillon, em 1890, da Bahia; Leolinda Daltro, que em 1910 após ser-lhe negado

o alistamento eleitoral, funda o Partido Republicano Feminino e em 1919 se candidata

à Intendência Municipal do Distrito Federal; Bertha Lutz, que fundou em 1918 a Liga

para a Emancipação Intelectual da Mulher que mais tarde foi renomeada por Liga pelo

Progresso Feminino e em 1921 fundou a Federação Brasileira pelo Progresso

Feminino, promovendo o I Congresso Internacional Feminino, no Rio de Janeiro; as

primeira eleitoras brasileiras alistadas no Rio Grande do Norte, Júlia Alves Barbosa e

Celina Guimarães Viana e, consequentemente se tornaram as primeiras eleitoras do

Brasil, em 1927; a advogada mineira Maria Ernestina Carneiro Santiago, mais

conhecida como Mietta Santiago, que por intermédio de um mandado de segurança

teve o direito de voto concedido e também de se candidatar à deputada federal; a

primeira prefeita eleita na América Latina, em 1928, Alzira Soriano, prefeita de Lages

(RN). (SCHUMAHER e CEVA, 2015, p. 53-61)

Essas mulheres e tantas outras fazem parte da luta pela cidadania plena das

mulheres brasileiras, tendo sua primeira conquista em 24 de fevereiro de 1932. Desse

momento em diante, foram muitas idas e vindas, encontros e desencontros no

percurso feminino. Com o golpe militar em 1964, as mulheres que tinham conquistado

um pequeno espaço recentemente viram-no sendo retirados. Por muitos anos, apenas

Neci Novais, do partido militar Arena, conseguiu permanecer no cargo de deputada

federal, tendo mandatos de 1962 a 1974, quando não conseguiu se reeleger

deputada. Neste mesmo ano outra mulher do Arena, Lygia Lessa Bastos, do Rio de

Janeiro, venceu o pleito eleitoral de deputada federal, conseguindo se reeleger até o

término de seu último mandato, em 1983. Lygia, apesar de não ser considerada

feminista, foi a mentora do projeto de lei em favor de mulheres na Academia Brasileira

de Letras, o que culminou na entrada de Raquel de Queiroz – primeira escritora na

ABL, em 1977. (SCHUMAHER e CEVA, 2015)

Após a queda do golpe militar, o livre exercício político foi novamente ampliado

a todos, inclusive às mulheres, que já sofriam por serem do gênero feminino e,

segundo Schumaher e Ceva (2015), ainda recebiam proibições por serem casadas

41

com maridos subversivos aos interesses militares ou se fossem ligadas ao partido

contrário.

A partir daí, muitas outras histórias se fazem importantes, como a de nossa

presidenta Dilma Rousseff. Ela, assim como essas, fazem parte desse capítulo

histórico de luta pela igualdade de direitos, pela representatividade feminina em

lugares sociais tradicionalmente masculinos. Esse cenário começa a mudar no Brasil

com a lei de cotas para sexos, de 1995, a Lei n 9.10029, que estabelecia que no pleito

eleitoral municipal do próximo ano, 1996, 20% dos candidatos deveriam ser mulheres.

O propósito da lei era diminuir o preconceito e estimular a participação feminina nos

espaços de poder. Para Grossi e Miguel (2001, p. 169) essa imposição tem dois

aspectos importantes:

No caso das cotas eleitorais por sexo, esta ação afirmativa busca criar condições para o estabelecimento de um maior equilíbrio entre homens e mulheres no plano da representação política. Num primeiro momento, são medidas compensatórias que possibilitam que mais mulheres ocupem espaços. Num segundo, são medidas distributivas que buscam assegurar a igualdade entre homens e mulheres.

O motivo da aprovação dessa lei, de acordo com o documento oficial Mais

Mulheres na Política, do Senado Federal, foi uma ação imposta pela ONU promovida

na 4ª Conferência sobre Mulheres na China. De acordo com as resoluções, os estados

deveriam adotar medidas que diminuíssem o preconceito e a superioridade de um

gênero sobre o outro. Um ano depois foi proposta a Lei n 9.504, que ampliava essa

medida aos outros cargos eleitorais, tais como Câmara dos Deputados, Assembleias

Legislativas Estaduais e Câmara Distrital. Além disso mudaram os percentuais e a

redação do texto de 30% ou 70% para ambos os sexos. Grossi e Miguel (2001, p.

169), ao abordarem esse assunto, comentam que nessa ocasião, essa lei foi aprovada

pelo Congresso Nacional pela bancada feminina, que era mínima, mas também pela

masculina. Segundo as autoras, apesar de expressiva aprovação da ala masculina,

essa decisão foi negociada: a partir de então, deveria haver um aumento de

candidaturas por partido político, o que na prática diminuiu o impacto da lei de cotas.

29 Lei n.º 9.100 . Art. 11, § 3º. Diário Oficial da União, de 02 de outubro de 1995.

42

Foi somente em 2009 com a redação de uma nova lei, Lei 12.034/2009, que o

percentual de 30% tornou-se obrigatório, pois na maioria dos partidos esses números

não estavam sendo ocupados.

Essas leis causaram uma mudança na ascensão de mulheres no poder como

é possível observar a seguir:

IMAGEM 5 - Quantidade e percentual de mulheres eleitas

Fonte: Senado Federal, p.17

Apesar disso, é possível perceber que o número de candidatas mulheres

eleitas é bem menor que o número de homens. Segundo dados de 2010 do IBGE –

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas – somos 93 milhões de brasileiros e 97

milhões de brasileiras. A partir desses dados fica a pergunta, onde estão todas essas

brasileiras no campo político? Continuam sendo representadas por homens? A

resposta a essas perguntas torna-se visível nos dados apresentados por Lima (2015,

p. 1) a partir do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que apontam que:

Disputaram para deputados federais 4.904 candidatos, destes apenas 945 (19,06%) candidaturas eram de mulheres, e eleitas apenas 45 (4,07%) candidatas ao cargo de deputada federal. Enquanto as candidaturas masculinas houve 3.969 (80,93%) e eleitos 468 (11,79%) candidatos a deputados federais. Portanto, num comparativo, dos 513 eleitos ao cargo, 91,22% eram homens e apenas 8,77% eram mulheres.

43

É possível, ainda, comparar esses dados com os dados de eleitores no Brasil

nas eleições de 201030, a primeira eleição de Dilma Rousseff. Diante desse quadro

comparativo, a situação se agrava ainda mais. Segundo o TSE, as mulheres eleitoras

eram 70.373.941, representando 51,82% dos eleitores brasileiros, enquanto os

homens eram 65.281.840, representando 48,07%. Esses dados nos apontam duas

perspectivas de pensamento: somos a maior parte do eleitorado brasileiro, talvez por

sermos mais numerosas com relação à população; apesar de sermos mais

numerosas, temos uma fatia muito pequena de representação e de mulheres no

poder. Este era o cenário enfrentado pela presidenta Dilma quando se elegeu em

2010. Desde sua eleição era possível vislumbrar um discurso pela equidade de

gênero, o que pode ser confirmado mais adiante nas ações de seu primeiro mandato.

Conclui-se, portanto, que apesar de existir a lei de cotas para as mulheres no

Brasil, por alguma razão elas ainda não ocupam esse espaço. Mas esse seria tema

para um outro trabalho. Outra possível constatação é a de que esses incentivos e leis

recentes têm surtido efeito se compararmos a anos anteriores, mas ainda são ínfimos,

contudo, são extremamente importantes quanto ao aumento de sua

representatividade.

1.3.3 Dilma Rousseff e a importância de seu primeiro governo

Antes de tratar sobre a Dilma política, é preciso conhecer a Dilma mulher,

militante, para então compreender suas ações em favor de políticas públicas

inclusivas. Dilma Vana Rousseff nasceu em Minas Gerais, em 14 de dezembro de

1947. Filha de uma professora com o mesmo nome – Dilma Jane da Silva e de um

engenheiro imigrante da Bulgária, Pedro Rousseff, estudou até os oito anos em um

30 Em 2016, no site Politize, Bruno Carazza dos Santos escreveu um artigo intitulado 5 dados sobre a

participação das mulheres na política brasileira. Este artigo, além de abordar a Lei 12.034, de 2009, levanta informações do TSE que dão algumas respostas para as perguntas já feitas por nós. Ele aponta que além de fraudes nas candidatura de mulheres, os partidos dedicam menos recursos à sua candidatura se comparados aos recursos dados aos homens. Para que essa proporção melhore, vários países têm adotado políticas mais severas em apoio à representatividade efetiva feminina, como “Eleições com um percentual elevado de cadeiras exclusivas para mulheres, cotas no financiamento público de campanhas e estímulos para os partidos admitirem mais mulheres em sua estrutura decisória”. In: http://www.politize.com.br/participacao-das-mulheres-na-politica-brasileira/. Acesso em 28 de novembro de 2017.

44

colégio tradicional católico - Nossa Senhora de Sion. Dessa forma, percebe-se que

sua educação sofria forte influência católica e tradicional, assim como tantas outras

brasileiras. Contudo, aos quatorze anos seu pai morre, deixando sua mãe, ela e seus

dois irmãos (Igor e Zana).

É a partir desse episódio que sua mãe, agora única provedora do lar, não

consegue manter o mesmo padrão, fazendo que ela fosse transferida para o colégio

estadual Central, em 1964, para cursar o Ensino Médio. Com o golpe militar, segundo

Schumaher e Ceva (2015), ela descobre que para se opor ao regime arbitrário só

havia o caminho da militância política de esquerda e três anos depois se casa com o

seu primeiro marido, também ativista político, Claudio Galeno, com quem foi casada

por três anos.

O casal se envolve fortemente com a causa democrática, sendo o

apartamento deles o ponto de encontro de ativistas. Após a implantação do AI-5,

tornam-se alvo de suas perseguições, pois mesmo no período mais crítico da história

brasileira, continua lutando contra as imposições de um governo ditador. É nesse

período, para fugir das pressões militares, que se muda primeiramente para o Rio de

Janeiro e depois para São Paulo, onde conhece seu futuro marido.

Em janeiro de 1970, a jovem estudante foi presa após ser delatada por um

membro de uma organização à qual pertencia. Schumaher e Ceva (2015, p. 387) ao

descrever o período de 22 dias em que esteve presa em poder dos militares, “viveu

sob intensas torturas físicas, psíquicas e morais”. Depois disso, foi transferida para o

presídio Tiradentes, em São Paulo, ficando presa por mais de dois anos.

Após ser solta, no final de 1972, muda-se para Porto Alegre para morar com

os sogros, pois seu atual marido permanecia preso. Lá, volta a estudar a Faculdade

de Ciência Econômicas, em 1973, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Em

1975, após ser admitida em um estágio na Fundação de Economia e Estatística

gaúcho vê-se novamente perseguida politicamente ao ser demitida por ser

considerada subversiva. Depois desse episódio se casa oficialmente com Carlos

Araújo com quem tem sua única filha, Paula Rousseff Araújo, ficando afastada por

alguns anos da vida política.

Em 1980 volta à ativa e juntamente com seu marido funda o PDT no Rio

Grande do Sul. Nesse período torna-se coordenadora do partido, estando à frente da

Ação da Mulher Trabalhista. Schumaher e Ceva (2015, p. 388) destacam que “o seu

45

papel na nova organização era atuar na elaboração de políticas de gênero e de

inserção dos direitos da mulher na sociedade.” Daí para os próximos espaços públicos

foi questão de tempo. No governo de Alceu Colares na prefeitura de Porto Alegre, em

1986, Dilma é convidada a participar de sua gestão à frente da secretaria de Energia,

Minas e Comunicações.

Após o término desse mandato, ficou sem um cargo político até 1999 quando

o governador Olívio Dutra, do PT, convidou-a novamente para ocupar a secretaria de

Minas e Energia. Após dois anos de seu ingresso ao governo petista, Dilma se filia ao

PT, em 2001. Um ano depois é convidada pelo recém eleito presidente Lula a

ingressar em sua equipe de transição e em 2003 toma posse do ministério de Minas

e Energia, seu primeiro ministério e sete anos mais tarde torna-se a primeiro mulher

presidenta do Brasil.

Olhando a trajetória de Dilma Rousseff, podemos constatar que as conquistas

femininas se deram em lentos passos. No caso da presidenta Dilma, desde seu

primeiro cargo como Secretária de Minas e Energia, em 1986, em Porto Alegre, até

sua campanha à Presidência da República, em 2010, passaram-se 24 anos. Assim

como ela, outras mulheres ocuparam altos cargos em governos anteriores e fazem

parte das grandes conquistas femininas, como aconteceu com a primeira ministra

brasileira Esther de Figueiredo Ferraz (Ministra da Educação e da Cultura) em 1982

ou a Ministra da Fazenda – Zélia Cardoso de Mello – do governo Fernando Collor de

Mello, em 1990. Entretanto, foi no governo Lula que as mulheres ganharam uma

secretaria própria – a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM). Essa secretaria

promoveu diversos debates e ações políticas em benefício das mulheres, com

projetos de Promoção da Igualdade de Gênero.

O governo de Dilma Rousseff não só dá continuidade a esse projeto social de

inclusão de Lula, como também o amplia. Ao compararmos os governos passados

podemos perceber um aumento no número de mulheres que comandam as pastas

ministeriais. O governo de Fernando Henrique Cardoso, em oito anos de governo,

teve duas mulheres ocupando os ministérios; o governo Lula, em seu primeiro

mandato, nomeou seis mulheres, incluindo a presidenta Dilma Rousseff como Ministra

de Minas e Energia (2003 a 2005, como já dito anteriormente em sua trajetória de

vida), em seu segundo mandato foram cinco, agora com Dilma à frente de um dos

mais importantes ministérios – Ministra-chefe da Casa Civil (2005 até 2010), ano em

46

que se candidatou à Presidência da República; por sua vez, o governo Dilma, em seu

primeiro mandato, teve 10 mulheres até o final de 2014, representando 25,6% das

pastas ministeriais (10 ministras e 29 ministros). (SCHUMAHER E CEVA, 2015, p.

425).

Se observarmos apenas os dados descritos acima, é possível compreender

(do ponto de vista da representatividade e também das pautas voltadas às mulheres,

mesmo que em ministérios diferentes) a importância que o governo Dilma representou

à luta pela igualdade de gênero nos espaços públicos de poder.31 Oliveira (2013, p.

333) traz um exemplo disso ao relatar os resultados da 8ª edição do Prêmio

Construindo a Igualdade de Gênero (prêmio organizado pela SPM, CNPq e MEC).

Nessa edição, foi possível constatar que 40% das mais de 4 mil redações realizadas

por estudantes de Ensino Médio ressaltam que o exemplo de Dilma no poder é um

“paradigma feminino a ser seguido). Isso demonstra a força que um ministério tem

aliado a outro, nesse caso o da educação aliado à SPM. O mesmo autor, salientando

a importância dessas ações conjuntas, argumenta:

as políticas públicas para as mulheres representam estratégias para o governo e para a sociedade, pois envolvem a transversalidade das áreas e ações ministeriais, abrangendo também a multiplicidade de agentes públicos, assim como os diversos poderes (OLIVEIRA, 2013, p. 325).

Dessa forma, é possível perceber o Brasil como parte de uma grande

engrenagem. Segundo Oliveira (2013, p. 325), estabelecer políticas públicas para as

mulheres não significa apenas benefício de um gênero, mas benefício para todo o

país. É assim que ele faz a articulação entre o crescimento econômico e a inclusão

31 Infelizmente, aquilo que poderíamos perceber como forte influência do governo de Dilma Rousseff foi rompido por seu impeachment, em 2016. Esse fato é digno de destaque por se tratar de um quesito viável, digno de nota em alguns jornais do Brasil e do mundo, como o Jornal do Brasil, em 20/05/2016, cujo título (Le Monde diz que saída de Dilma evidencia preconceito contra mulheres no Brasil) destaca uma reportagem do jornal Le Monde (de mesma data), e o jornal The Guardian, em 12/05/2016. Ambos destacam que o fato de Dilma ser mulher e o ressurgimento de uma direita indignada com o governo de esquerda de Lula e Dilma, foram fatores preponderantes para sua queda. Essas reportagens reforçam o forte preconceito ainda arraigado na sociedade brasileira. As duas reportagens podem ser encontradas em: http://www.jb.com.br/pais/noticias/2016/05/20/le-monde-diz-que-saida-de-dilma-evidencia-preconceito-contra-mulheres-no-brasil/ e https://www.theguardian.com/commentisfree/2016/may/12/the-guardian-view-on-dilma-rousseffs-impeachment-the-political-system-should-be-on-trial-not-one-woman. Acesso em 23 maio de 2017.

47

de políticas públicas para as mulheres em suas mais distintas situações de

vulnerabilidade:

A criação da SPM, além de incorporar a temática de gênero nas políticas públicas, representa um espaço inaugural no Estado brasileiro, centrado no reconhecimento de que a desigualdade de gênero altera a estrutura de sustentação do desenvolvimento socioeconômico, político e cultural e responde a uma visão republicana. Buscou-se, portanto, assegurar que os braços do Estado fossem suficientemente longos para neutralizar as profundas tradições culturais conservadoras, que continuam relegando as reivindicações das mulheres à esfera privada. Assim, fica esquecido, no passado, o perfil autoritário e conservador do Estado brasileiro, que também se traduzia na maneira como tradicionalmente eram pensadas as políticas públicas, evidentemente, com a não inclusão das mulheres.

Essa ideia de que a mulher traz benefícios econômicos à economia do país

será mais tarde reproduzida em um dos discursos analisados.

É possível concluir a partir dessas histórias e dados, que a mulher tem

alcançado grandes posições sociais e políticas, mas ainda, se compararmos ao

gênero oposto, é inegável a sub-representação das mulheres na política, mesmo

passados mais de 100 anos de luta pela igualdade de gênero. Essa sub-

representação não acontece apenas no campo político, mas em tantas outras

atividades exercidas por ela que carecem de representação, como cargos de decisão,

cientistas, entre outros, sendo possível estabelecer uma comparação entre os dois.

2 A ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO E A EMERGENTE MUDANÇA

SOCIAL

Em qualquer aspecto da vida somos levados a fundamentar nossos

pensamentos e conceitos em alguma teoria que balize o caminho a ser trilhado. Não

seria diferente nesta pesquisa. Este capítulo, portanto, tem por objetivo a delimitação

teórica para que o nosso caminho analítico seja percorrido por campos seguros: a

ACD e seus fundamentos teóricos. Fazem parte dos conceitos fundamentais o

discurso como pertencente a um modelo tridimensional (prática linguística, prática

discursiva e prática social), ideologia e mudança social, e o gênero textual como forma

de ação social. Para a interpretação dos dados, serão utilizadas as categorias

embasadas em Halliday (1994) e reorganizadas por Fairclough (2001, 2003), os

significados: acional, identificacional e representacional.

2.1 Preliminares de Uma Teoria Social do Discurso

A análise crítica do discurso é uma disciplina transdisciplinar que tem como

conceitos fundantes o discurso e a prática social. É considerada uma Teoria Social e

Linguística porque atenta-se a questões sociais relevantes à sociedade e também a

análise linguística que materializa as práticas sociais vigentes. Para isso, traz

contribuições de outras teorias para a compreensão da realidade social32 em foco,

como o próprio conceito de discurso e ordem do discurso, texto, ideologia, entre

outros.

Para compreender os aspectos que perpassam essa teoria e método de

análise crítico do discurso, doravante ACD, é importante conhecer um pouco de sua

história para que seus desdobramentos sejam compreendidos. Sua história não é

muito antiga. Segundo Resende e Ramalho (2016, p. 20), o nome dessa disciplina foi

utilizado pela primeira vez em um artigo publicado por Norman Fairclough em 1985

32 Nesta pesquisa, a realidade em foco configura a mulher política brasileira e sua influência para a

transformação ou manutenção de um discurso machista ainda vigente no Brasil. Esta mulher, como já foi visto no capítulo anterior é a primeira presidenta eleita do Brasil, Dilma Rousseff.

49

em um periódico da Universidade de Lancaster, Inglaterra, intitulado Journal of

Pragmatics. A ACD, na verdade, é a continuação dos estudos da Linguística Crítica

da década de 1970, daí seu caráter multidisciplinar.

Apesar disso, firma-se como disciplina na década de 1990 a partir de um

encontro em um simpósio de 1991, em Amsterdã, com outros renomados estudiosos

e estudiosas da crítica social e linguística, como: Teun van Dijk, Fairclough, Gunter

Kress, Theo van Leeuwen e Ruth Wodak (Wodak, 2003, p. 21; Resende e Ramalho

(2016, p. 21). Várias obras contribuíram, naquele período, para que as discussões

tomassem corpo nesse encontro, como Discourse and Society (1990) e Prejudice in

Discourse (1984) de van Dijk, Language and Power (1989) de Fairclough, bem como

a obra Language, Power and Ideology (1989) da autora Ruth Wodak.

Cada um contribuiu para a construção de uma ACD de acordo com o

arcabouço teórico com o qual trabalhavam, demonstrando, assim, sua

transdisciplinaridade. Teun van Dijk, assim como Fairclough, já se interessava pela

relação entre discurso e práticas sociais. Esse interesse se dá devido à perspectiva

dos estudos críticos da linguagem, advindos do Realismo Crítico. Para estudar essa

relação, compreendiam que era preciso estabelecer limites maiores de análise, como

a análise do contexto, para que se pudesse interpretar o discurso, já que entendiam a

língua não como um sistema programado, mas sim como uma combinação (entre) de

sistemas que servem práticas sociais vigentes, manipuladas por poderes ou

instituições de poder instituídos socialmente. Noções como poder, ideologia e história

tem um ponto central nesse enfoque crítico do discurso e devido sua complexidade e

facetas polifônicas precisam buscar embasamento naquilo que Wodak (2003, p. 26)

enquadra como bagagens acadêmicas distintas, a partir de teóricos como, por

exemplo, Halliday (aporte linguístico), Foucault, Bakhtin (aporte filosófico social),

dentre outros.

A partir desses aspectos, podemos compreender de que modo os conceitos

utilizados pela ACD sofreram influências para a construção de um arcabouço teórico-

metodológico que converge, a um só tempo, para as práticas discursivas, as práticas

sociais e as práticas linguísticas, como veremos a seguir.

50

2.2 O Discurso: Um Componente de Três Práticas

A ACD busca ir além das reflexões que concebem a língua como um

instrumento a ser analisado relativamente à imanência do sistema que, por sua vez,

permite o seu funcionamento interno. A tendência de se estudar a língua enquanto

uma estrutura totalmente alheia ao uso efetivo que se faz dela nas situações concretas

e efetivas de comunicação e das relações humanas, é questionada pelos estudiosos

do discurso que, como sabemos, passam a incorporar em suas reflexões dimensões

relativas ao caráter externo da linguagem, seu funcionamento e atuação sobre o corpo

social.

Sendo assim, a noção de discurso para essa proposta de trabalho tende a

compreendê-lo não como uma prática unilateral, mas como parte de uma interação

social. Dessa forma, todas as suas benécias e também problemáticas são

consideradas, tais como a interferência de fatores sociais na construção de

significados, relações de poder, manipulação e dominação no uso da língua. Contudo,

a maior contribuição trazida por esse viés discursivo sobre os sujeitos sociais não

aponta apenas esse jogo de poder e manipulação existente no discurso, vai além, pois

estabelece que os mesmos podem ser transformados por meio do discurso. Podemos

dizer que ao mesmo tempo que o discurso pode ser um fator de perpetuação de

práticas sociais, pode, também, trazer a libertação.

Para o analista crítico do discurso, portanto, o termo discurso perpassa por

essas questões e pode ser definido assim como proposto por Fairclough (2001, p. 90)

como a prática social da linguagem. Essa consideração, segundo o autor, traz

algumas implicações. Em primeiro lugar, se o discurso é a prática social da linguagem,

ele poderá agir sobre o mundo como também representar esse mundo. Em segundo

lugar, como existe um embate entre as práticas sociais e as estruturas sociais, ambas

influenciam uma a outra, ou seja, as práticas sociais moldam as estruturas sociais e

vice versa: temos aqui os efeitos causais de uma dimensão sobre a outra. Essa

relação dialética que incontestavelmente se estabelece entre práticas discursivas e

estruturas sociais é observada por Fairclough (2001, p. 91) ao dizer que:

51

O discurso contribui para a constituição de todas as dimensões da estrutura social que, direta ou indiretamente, o moldam e o restringem: suas próprias normas e convenções, como também relações, identidades e instituições que lhe são subjacentes. O discurso é uma prática não apenas de representação de mundo, mas de significação de mundo, constituindo e construindo o mundo em significado.

Essa visão acerca do termo discurso põe sob ele uma orientação

historicamente situada, isto é, só é possível compreender o discurso como prática

discursiva a partir de sua relação constitutiva com a história. Para isso as três

dimensões sobre as quais o discurso se encontra sob esse viés analítico são: o

discurso como texto (prática linguística realizada por meio da produção de textos

situados em contextos de produção), o discurso como prática discursiva (discursos

recorrentes em meio ao corpo social que carrega em si visões de mundo,

conhecimentos, ideologias, relações de força e poder, entre outras dimensões que

lhes configuram) e, por último, o discurso como prática social (o agir dos sujeitos nos

espaços sociais a eles acessíveis). A contribuição da metodologia tridimensional do

discurso de Faircolough, e, posteriormente sua análise, pode ser observada no

modelo organizado pelo autor pela figura a seguir:

IMAGEM 6 - Modelo Tridimensional de Análise do Discurso

Fonte: FAIRCLOUGH 1991, p. 101

52

2.2.1 Discurso como texto/ prática linguística

A primeira forma pela qual o vocábulo discurso pode ser associada é em

relação a textos, logo, sua produção e distribuição, e consequentemente sua

descrição linguística. Por esse motivo, a primeira preocupação sobre à qual esse

modelo tridimensional do discurso se debruça é a descrição linguística. Essa é a razão

pela qual, inclusive, a ACD é inserida no campo de estudo linguístico.33 Para

Fairclough (2001, p. 102), a sobreposição das instâncias material do texto e de

interpretação (que pressupõem a interpretação e as práticas sociais) demonstram o

caráter complexo e ilusório34 dessa divisão. Ele justifica essa afirmativa “porque ao

analisar textos sempre se examinam simultaneamente questões de forma e questões

de significados.”

A partir dessa discussão, o autor agradece a contribuição de Kress quanto à

explicação de que as formas, muitas vezes ou quase sempre, podem ser

determinadas por razões sociais, como por exemplo a escolha lexical do termo

“terrorista” em detrimento a “lutador pela liberdade”, atribuindo a uma ou outra escolha

significados diferentes para um mesmo enunciado.

33 Muitos criticam a abordagem de Fairclough dentro dos estudos linguísticos. Como forma de refutar essas críticas, por alguns considerarem seu modelo como um modelo que se preocupa apenas com a prática social, o autor cria um modelo tridimensional de análise do discurso, para dar conta de todos os aspectos envolvidos nesse tipo de análise: a) análise textual, linguisticamente orientada; b) análise sociológica, com relação às estruturas sociais; c) análise interpretativa, baseada na compreensão do que é compartilhado pelo senso comum. Para ele, essas três dimensões podem ser justificadas na seguinte perspectiva: “Aceito a afirmação interpretativa segundo a qual devemos tentar compreender como os membros das comunidades sociais produzem seus mundos ‘ordenados’ ou ‘explicáveis. Entendo que a análise de processos sociocognitivos na prática discursiva deva ser parcialmente dedicada a esse objetivo.(...) Entretanto, argumentaria que, ao produzirem seu mundo, as práticas dos membros são moldadas, de forma inconsciente, por estruturas sociais, relações de poder e pela natureza da prática social em que estão envolvidos, cujos marcos delimitadores vão sempre além da produção de sentidos (...). Argumentaria também que a prática dos membros tem resultados e efeitos sobre as estruturas sociais, as relações sociais e as lutas sociais, dos quais outra vez eles geralmente não têm consciência. E, finalmente, argumentaria que os próprios procedimentos que os membros usam são heterogêneos e contraditórios e contestados em lutas de natureza parcialmente discursiva.” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 100 e 101). A crítica ao seu estudo é bastante relevante para o processo de argumentação do seu trabalho na medida em que te permite explicar melhor suas escolhas. Minha sugestão é que essa nota de rodapé seja incorporada ao texto e expandida. 34 O termo ilusório é utilizado pelo próprio Fairclough (2001, p. 102), em sua obra Discurso e mudança social, demonstrando que essas subdivisões são feitas mais por um caráter didático, sendo difícil dissociar uma dimensão de outra.

53

De acordo com essa orientação de análise de discurso, o procedimento de

análise textual é denominado descrição linguística, enquanto o procedimento de

análise da prática social e discursiva permitem a explicação e a interpretação. Logo,

o arcabouço teórico-metodológico baseia-se na descrição dos mecanismos

linguísticos que permitem a interpretação social do evento enunciativo-discursivo e

também da prática discursiva.

Para que a descrição textual aconteça, Fairclough (2001, p. 103-106) organiza

as categorias de descrição em quatro, sendo elas: vocabulário, gramática, coesão e

estrutura textual, que serão arroladas a seguir:

a) Vocabulário: Essa categoria de análise linguística tem relação com a categoria

gramática, pois não é a ordenação das palavras apenas que podem explicitar

distintos significados, mas a escolha das palavras também. O primeiro ponto,

portanto, que é preciso esclarecer é que não se trata de um número limitado

de significações já pré-estabelecidas pelo dicionário. Trata-se de uma

complexidade de significados construídos historicamente, socialmente em

épocas e para grupos distintos. É por esse motivo que para esclarecer esse

aspecto de análise, o autor recorre a outros autores, tais como Kress. Por esse

motivo, talvez, seria mais pertinente o uso do termo lexicalização.

Kress (1990), ao abordar a lexicalização, destaca o efeito de dar nomes,

conceituar, típicos de nosso processo linguístico, uma forma de naturalização

baseadas em experiências do senso comum. Dessa forma, essa naturalização

marca esse enunciado como evidente e uma maneira de coerção social, já que

este significado está “posto”. Além disso, há também vários elementos dentro

da lexicalização que podem ser alvo em uma análise, como o processo de

relexicalização de um domínio social sob o outro; a luta entre esses significados

e o uso de metáforas e sua implicação. Esses processos podem transformar

um significado negativo em positivo, como no caso da relexicalização.

Fairclough (2001) aponta que esse procedimento evidencia a luta por

hegemonia dentro de domínios sociais diferentes;

b) Gramática: nesse contexto pode ser abstraída como forma de organização das

estruturas na oração. Isso porque é a partir da organização dessas orações

que os significados ou categorias ideacionais, interpessoais (identitários e

54

relacionais) e textuais são evidenciados. As escolha referentes à organização

na oração, de acordo com Fairclough, podem ser da ordem da transitividade,

da topicalização (tema e rema) ou do apagamento do sujeito. Segundo o autor,

“as pessoas fazem escolhas sobre o modelo e a estrutura de suas orações que

resultam em escolhas sobre o significado (e a construção) de identidades

sociais, relações sociais e conhecimento e crença.” (FAIRCLOUGH, 2001, p.

104)

A aparente “simples” escolha da organização das palavras em uma oração

pode implicar relações sociais marcadas e imperceptíveis ao senso comum.

Pode-se dizer simples, pois existe uma falsa aparência de simplicidade que, na

verdade, esconde filiações ideológicas que nem mesmo o sujeito social do

discurso percebe. Dessa forma, Kress (1990) traduzido por Pedro (1997, p. 34)

corrobora com o pensamento de Fairclough ao trazer um simples exemplo

dessa organização e seus efeitos de sentido. Para Kress, por exemplo, o

conceito implicado na ordenação das sentenças: “João casou com a Joana, a

Joana casou com o João, o João e a Joana casaram ou a Joana e o João

casaram” é diferente. E realmente é. Segundo esses autores é tarefa do

analista evidenciar esses diferentes sentidos, mostrando que essa escolha não

é apenas uma coincidência, contudo é marcada do posicionamento ideológico,

social e histórico do sujeito do discurso, mesmo que de forma não intencional;

c) Coesão: a concepção dessa categoria de descrição analítica resume-se nas

ligações estabelecidas entre frases, orações e parágrafos, por exemplo. Esses

mecanismos coesivos acontecem por meio de diversas relações, como entre

vocábulos de campos semânticos comuns, repetição de palavras, mecanismos

de referenciação e substituição, uso de conjunções. Segundo Fairclough (2001,

p. 106), dependendo do discurso, esses processos coesivos são diferentes.

Essas diferenças evidenciam “diferentes modos de racionalidade e

modificações nos modos de racionalidade”;

d) Estrutura textual: o autor define essa categoria como um tipo de arquitetura

textual. Sua importância na descrição linguística se dá porque dependendo de

como essas estruturas são ordenadas no texto, dependendo do tipo de texto,

podem, nas palavras do próprio Fairclough, “ampliar a percepção dos sistemas

55

de conhecimento e crença e dos pressupostos sobre as relações sociais e as

identidades sociais que estão embutidos nas convenções dos tipos de texto.”35

2.2.2 Discurso como prática discursiva

Como prática discursiva, o discurso se relaciona com o texto (enquanto prática

linguística), pois ao se fazer a descrição linguística é preciso interpretá-la. Essa

afirmação corrobora com o que foi dito anteriormente sobre os limites tênues entre os

espaços de análise do modelo tridimensional do discurso, conforme postulado por

Fairclough (2001). É a prática discursiva que, segundo Resende e Ramalho (2016),

media a prática social e o texto (prática linguística).

Antes de demonstrar de que forma a mediação entre texto e prática social é

realizada pelo viés da ACD, porém, faz-se necessário destacar uma observação de

Fairclough muito pertinente para essa vertente de estudo: o autor da pesquisa. Nesse

modelo, o pesquisador é visto como participante da pesquisa, por meio da

interpretação, sendo seu papel muito importante.

Tendo em vista isso, é preciso estabelecer sobre quais critérios essa

interpretação/explicação pode ser realizada. A princípio, Fairclough (2001, p. 106 e

107) associa três categorias de análise: produção, distribuição, consumo e contexto36,

somando a essas, mais adiante, outras três37: força, coerência e intertextualidade.

Sobre as quatro primeiras, é impossível conceber um texto (prática linguística) sem

considerá-las, pois ao ponderarmos que o discurso emerge socialmente, ela faz parte

de um contexto sócio-histórico de produção, distribuição e consequentemente,

consumo.

35 Sobre tipos de textos, adotaremos a denominação gênero textual para esta pesquisa. A explanação

sobre seu funcionamento e estruturas serão abordadas mais adiante. 36 Para a ACD a palavra contexto pode ser considerada por diversos ângulos: contexto de situação, contexto social e contexto sequencial. Todos eles podem contribuir na interpretação, diminuindo a ambivalência de forças significativas, por exemplo. 37 Fairclough (2001, p. 109) chama essas últimas três categorias, de categorias sociocognitivas. Para o autor, os processos de produção e interpretação tem um duplo papel, aos quais ele explica “primeiro, pelos recursos disponíveis dos membros, que são estruturas sociais efetivamente interiorizadas, normas e convenções, como também ordens de discurso e convenções para a produção, a distribuição e o consumo de textos do tipo já referido e que foram constituídos mediante a prática e a luta social passada. Segundo, pela natureza específica da prática social da qual fazem parte, que determina os elementos dos recursos dos membros a que se recorre e como (de maneira normativa, criativa, aquiescente ou opositiva) a eles se recorre. Um aspecto fundamental do quadro tridimensional para a análise de discurso é a tentativa de exploração dessas restrições, especialmente a segunda.”

56

Sobre as três últimas – força, coerência e intertextualidade - consideradas

sóciocognitivas, vamos delimitá-las a seguir:

a) Força – A força é considerada pelo autor como ambivalente, podendo

apresentar processos ascendentes ou descendentes. A determinação de uma

ordem sobre a outra (ascendência e descendência) é determinada por distintos

fatores, como, por exemplo, pelo contexto, podendo ser este o responsável por

determinar um significado ascendente ou descendente de um enunciado, ou,

nas palavras do autor “o contexto é um fator importante na redução da

ambivalência da força” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 111). Para explicar esse

processo, utiliza a seguinte frase como exemplo: “Você pode carregar a mala?”

Esse enunciado pode ser associado a várias interpretações, como pedido,

ordem, constatação, entre outros significados;

b) Coerência – Sobre a coerência, apesar de ser uma propriedade textual, ela se

relaciona ao sentido, pois à medida que um texto é construído de forma coesa

e coerente, estabelece os sentidos por ele propostos. Sobre essa forma de

interpretação, Fairclough estabelece que muitas vezes os sentidos são

construídos mesmo que não haja elementos coesivos explícitos. Isso só é

possível graças ao que ele denomina de princípios interpretativos que são

estabelecidos a discursos específicos. Esses princípios podem ser

estabelecidos por inferências. É esse jogo que precisa ser explicitado, pois o

sujeito participante desse movimento de interpretação acaba sendo interpelado

ideologicamente por estruturas pré-estabelecidas socialmente;38

c) Intertextualidade – Essa categoria de interpretação é uma das mais destacadas

por Fairclough (2001, p. 114) devido à sua aproximação com sua preocupação

com a mudança social. Esse fato é marcado dessa forma pela ênfase dada

pelo autor ao dedicar um capítulo para a explicação dessa propriedade,

juntamente com o conceito de hegemonia39. Em linhas gerais, a

intertextualidade é a capacidade de um texto apresentar “fragmentos de outros

38 Fairclough (2001, p. 113) utiliza um interessante exemplo para compreendermos melhor esse

processo de coerência e o funcionamento da interpretação pré-estabelecida ideologicamente. A interpretação coerente da frase: “Ela pede demissão do emprego na próxima quarta-feira. Está grávida” é possível, mesmo sem marcadores coesivos explícitos, porque faz parte do nosso conhecimento social que muitas vezes mulheres grávidas não são bem vindas no mundo dos negócios, por exemplo. 39 Esse conceito será melhor explicado no tópico seguinte.

57

textos”, mostrando sua natureza dialética40. O autor destaca seu

funcionamento, relacionando-o à produção, distribuição e consumo. Com

relação à produção, essa categoria é importante por acentuar o caráter

histórico do texto; com relação à distribuição, uma ênfase intertextual dessa

categoria acentua o caráter mutável dos discursos, “sofrendo transformações

predizíveis ao mudarem de um tipo de texto a outro (por exemplo, os discursos

políticos frequentemente se transformam em reportagens)”; e, por último, o

consumo acrescenta uma visão intertextual no sentido de demonstrar que a

interpretação se faz pelos textos que constituem o texto e também pelos textos

trazidos pelos sujeitos para interpretarem os textos. Além desses fatores, o

autor faz diferença entre intertextualidade manifesta ou constitutiva (também

denominada de interdiscursividade). A primeira diz respeito a outros textos,

enquanto a segunda diz respeito às ordens do discurso.

Por fim, Fairclough (2001) salienta que as noções propostas até agora

determinam um modelo tridimensional do discurso que media, por meio da prática

discursiva o social e o texto. Para que isso aconteça, é necessário envolver o que o

autor denomina de microanálise e macroanálise. Ambas fundem-se, pois não é

possível a análise de uma estrutura sem a outra. Em suas palavras, ele diz “é a

natureza da prática social que determina os macroprocessos da prática discursiva e

são os microprocessos que moldam o texto.” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 115)

2.2.3 Discurso como prática social

Como prática social, o termo discurso parte da própria essência do modelo

tridimensional proposto por Fairclough: é uma forma de prática social. Apenas tendo

essa concepção acerca do mesmo é que é possível compreender que que ele é

dialógico, e, por isso, é constituído por e para o que é social. Sendo assim, é

40 Esse conceito advém da noção de dialogismo e historicidade apresentada por Bakhtin (2000).

58

importante discutir dois aspectos relacionados ao social e que contribuem para sua

construção: a ideologia e hegemonia.

Uma das formas de manutenção do poder está intimamente ligada às

manifestações linguísticas materializadas em textos (orais, escritos, imagéticos), que

reproduzem ideologias que são sustentadas por práticas sociais. Thompson (2002,

p.16) enfatiza que “a ideologia é o sentido a serviço do poder”. Por sua vez, van Dijk

(2012, p. 47) se aproxima desse conceito ao dizer que a ideologia é a consciência

partilhada de um grupo sob determinadas práticas sociais que são controladas por

determinadas instituições como o Estado, a Igreja, os meios de comunicação, o meio

educacional e a família. Do mesmo modo, Fairclough partilha de mesmo pensamento

ao afirmar que a ideologia é articulada e adquirida nas práticas dessas instituições.

Segundo as perspectivas assinaladas anteriormente, podemos concluir que,

se há controle, este deve ser exercido por algum tipo de poder. Logo, para que este

poder permaneça no controle, é preciso conhecer as formas pelas quais ele se

mantém no poder. Antes de delimitarmos essas estratégias, porém, é necessário

concluir, assim como Fairclough, que se por um lado existe um poder que controla a

ideologia por meio do discurso, é possível, também, resistir a esse poder ao conhecer

essas estratégias para que se possa resistir a elas. Da mesma forma que o discurso

é entendido como a forma pela qual essas ideologias perpassam nossa história, o

conhecimento de seu funcionamento também é uma importante arma para resistir e

transformar essas mesmas práticas discursivas e, por conseguinte, a ideologia nelas

imbrincadas.

Para que esse sujeito aja ou resista, é necessário que o entenda sob este

enfoque teórico. Apesar de Fairclough (2001, p. 121) assumir que todo sujeito é

interpelado41 ideologicamente pelas estruturas adjacentes a ele, ele acredita que o

sujeito agente, como ele chama, é capaz de questionar e até mesmo reestruturar as

práticas discursivas por meio da criatividade ao realizar suas próprias conexões a

práticas e ideologias às quais é exposto. Segundo o autor isso é possível a partir da

41 Apesar de utilizar o termo interpelado, assim como em Althusser, Fairclough critica a visão de sujeito

de Althusser por acreditar que o sujeito, apesar de pertencer a uma estrutura social que o interpela como sujeito, não é tão preso a essas formas sendo incapazes de agir em posição contrária à ideologia. Sobre o assunto Fairclough (2001, p. 121 e 122) conclui: “não aceito a concepção de Althusser (1971) de ‘ideologia em geral’ como forma de cimento social que é inseparável da própria sociedade. Além disso, o fato de que todos os tipos de discurso são abertos em princípio, e sem dúvida de certo modo concretamente, ao investimento ideológico em nossa sociedade não significa que todos os tipos de discurso são investidos ideologicamente no mesmo grau.”

59

concepção de hegemonia de Gramsci e do conhecimento de como essas estruturas

operam para que a mudança discursiva de fato aconteça.

Por esse motivo, Fairclough (2001, p. 120) defende uma modalidade crítica

de educação linguística a fim de conscientizar as pessoas desses processos. Isso

porque essa consciência não é natural. O autor afirma que “mesmo quando nossa

prática pode ser interpretada como de resistência, contribuindo para a mudança

ideológica, não estamos necessariamente conscientes dos detalhes de sua

significação ideológica”. Conclui-se, como o autor, que é só através do conhecimento

do modo de operação e do modo como essa resistência é construída, é o que ele

denomina de mudança discursiva.

O modo de intervenção de ideologias no discurso será construído sob o

enfoque faircloughiano (2001) e thompsoniano (2002). Esses dois autores apresentam

de forma bem marcada a maneira de operacionalização da ideologia no discurso.

Partindo de Fairclough (2001, p. 124), a luta hegemônica é representada por

várias facetas, ou usando o termo cunhado por Foucault, por divergentes ordens do

discurso. É esse embate que possibilita que construções naturalizadas pela ideologia

possam ser articuladas e rearticuladas. Segundo o autor, podemos dizer que uma das

características desses movimentos articulatórios e/ou rearticulatórios são promovidos

pela contradição: “elementos autoritários coexistem com elementos democráticos e

igualitários [...] elementos patriarcais com elementos feministas”. Salienta ainda que a

rearticulação não acontece apenas na prática discursiva, mas também na

interpretação e compreensão dos sentidos.

A contradição, portanto, seria o campo em que essas lutas hegemônicas ou

mudanças na ordem do discurso ocorrem. É a partir da contradição que se

estabelecem dilemas que podem ou não ser resolvidos de modo criativo, partindo para

uma rearticulação de uma nova ideologia naturalizada. Segundo Fairclough (2001, p.

128), essa mudança carrega características linguísticas marcadas linguisticamente, e

estabelece uma eterna troca entre uma ideologia e outra, como é possível perceber a

seguir:

A mudança deixa traços nos textos na forma de co-ocorrência de elementos contraditórios ou inconsistentes - mesclas de estilos formais e informais, vocabulários técnicos e não-técnicos, marcadores de autoridade e familiaridade, formas sintáticas mais tipicamente

60

escritas e mais tipicamente faladas, e assim por diante. À medida que uma tendência particular de mudança discursiva se estabelece e se torna solidificada em uma nova convenção emergente, o que é percebido pelos intérpretes, num primeiro momento, como textos estilisticamente contraditórios perde o efeito de 'colcha de retaIhos', passando a ser considerado 'inteiro'.

Esse inteiro de que fala Fairclough seria a naturalização. Mas para que ela se

estabeleça seria interessante descobrir de que forma a ideologia, cunhado de forma

geral, se instauram no interior do discurso. Essa seria a contribuição de Thompson

(2002) e sua concepção de ideologia para este trabalho.42 O autor salienta que essas

indicações são preliminares do que ele chama de modus operandi da ideologia,

podendo agir separadamente ou simultaneamente. Para ele, essas formulações

respondem a um como o sentido pode estar à serviço de uma ou outra tentativa de

dominação, logo, poder. Para isso o autor estabelece um quadro dos modos de

operação da ideologia, como reproduziremos a seguir:

QUADRO 1 – Modos de Operação da Ideologia

Modos de operação da ideologia

Modos Gerais Algumas estratégias Típicas de Construção Simbólica

Legitimação Racionalização

Universalização

Narrativização

Dissimulação Deslocamento

Eufemização

Tropo (sinédoque, metonímia, metáfora)

Unificação Estandardização

Simbolização da unidade

Fragmentação Diferenciação

Expurgo do outro

Reificação Naturalização

42 Para conseguirmos estabelecer uma linha divisória entre o que pode ser considerado emergente ou

conservador com relação ao discurso feminista ou machista serão usadas como estratégias de um ou outro grupo as formas da ideologia estabelecidas por Thompson, por compreender que a interpretação se dará dentro de um viés ideológico do que é ou não machista, ou do que é ou não feminista.

61

Eternalização

Nominalização/passivização

Fonte: Thompson. 2002, p. 81.

Antes de começar a desdobrar cada estratégia e modo de operação da

ideologia, o autor esclarece que o fato de relacionar determinados modos a

determinadas estratégias significa apenas que são associações mais tipificadas, o que

não exclui a possibilidade de se associarem de outras formas. Além do mais, o fato

de mencionar cinco modos de operação não quer dizer que esses sejam os únicos.

Tendo em vista essas considerações, passaremos à explanação sintetizada de cada

uma delas.

Segundo Thompson (2002), a legitimação opera sob a sustentação de que

algo é legítimo e, portanto, uma causa justa de ser apoiada. Apoiando-se em Max

Weber, o autor apresenta três fundamentos sobre os quais baseiam-se afirmações de

legitimação: fundamentos racionais (por meio de raciocínios procura defender,

justificar determinados comportamentos), fundamentos tradicionais (personificada na

universalização, através de instituições tradicionais são apresentados interesses

individuais como sendo a serviço de todos) e fundamentos carismáticos (histórias que

versam sobre um passado a fim de justificar tradições presentes).

O segundo modos operandi é a dissimulação que usa como estratégias o

deslocamento, a eufemização e o tropo. Esse modelo age por meio de fatos ocultados,

negados ou obscurecidos de modo a desviar a atenção. A primeira estratégia desse

modelo ocorre ao transferir valores positivos ou negativos a outras pessoas ou

objetos, conferindo-lhes esses mesmos valores às novas associações. A segunda

estratégia age por meio da valoração positiva de certas instituições. A última

estratégia à serviço da dissimulação é a combinação de sentidos figurativos,

simbólicos a outros lexemas ou sentidos, podendo conferir-lhe novos ou reinventados

sentidos.

A unificação, por sua vez, terceiro modelo de ação à serviço da ideologia, cria,

simbolicamente, uma falsa unidade coletiva, à despeito das diferenças existentes

entre os indivíduos que dele fazem parte. Suas estratégias são a

estandardização/padronização (padronização de formas simbólicas proposto como

um fundamento que é compartilhado por todos. Normalmente essa é uma das

estratégias utilizadas pelo governo) e a simbolização da unidade (é estabelecida pela

62

criação de símbolos que unificam determinados grupos, como bandeiras e hinos

nacionais, por exemplo. Essa estratégia normalmente está interligada à

narrativização, pois esses símbolos são reforçados por meio das histórias, que por

sua vez, criam uma espécie de círculo contínuo de reafirmação dessa unidade.

O quarto modelo de funcionamento da ideologia é a fragmentação, que

acontece quando indivíduos que são vistos como um perigo para os grupos

dominantes são segmentados, implicando, dessa forma em uma minoria em

comparação ao grupo unificado, como vimos anteriormente. Isso se operacionaliza

por meio da diferenciação e expurgo do outro, sendo difícil dissociar uma estratégia

da outra. Isso porque ao divulgar características negativas de um indivíduo ou grupo

que ameaça um grupo dominante, a intenção é torná-las fonte de desunião evidente

para culminar com o expurgo/expulsão desse(s) indivíduo(s).

O último modo de operação, segundo o autor, é a reificação, ou seja, a

retratação de uma situação que é passageira como permanente. Essa forma de agir

é nociva devido a tentativa de eliminar ou ofuscar, como o próprio autor salienta, o

caráter sócio-histórico dos fenômenos. Seus elementos de ação são a naturalização,

a eternalização e a nominalização/passivização. O primeiro elemento diz respeito à

tentativa de tornar natural um estado de coisas, como a divisão entre homens e

mulheres no trabalho, por exemplo. O segundo, a eternalização, age

semelhantemente ao primeiro. Seria o processo de esvaziar os resquícios sócio-

históricos, através de costumes, tradições e instituições, não sendo possível

questionamentos frente a suas características. Dessa forma, se não podem ser

questionados, são inquebráveis e se cristalizam na sociedade como natural por meio

da repetição. Por último, a nominalização/passivização seriam recursos gramaticais e

sintáticos à serviço da naturalização. Esses recursos fazem com que a atenção do

leitor/ouvinte seja redirecionada, de modo a concentrar o prejuízo em processos e

ações e não necessariamente em sujeitos. Como o autor mesmo reitera, essas

estratégias representam “processos como coisas, diluindo atores e ações,

apresentando o tempo como uma extensão eterna do tempo presente.” (THOMPSON,

2002, p. 88).

Outro autor que estabelece uma estrutura quanto ao funcionamento

ideológico ou político à serviço do poder é van Dijk (2012). Ele retrata, em sua obra

Discurso e poder, estratégias usadas pelo discurso político a fim de se apresentar

63

(sempre de forma positiva) e de apresentar o outro (sempre de forma negativa). Essas

estratégias seriam, também, uma tentativa de mostrar a forma de funcionamento do

discurso político, algumas delas podendo ser identificadas na análise textual, quando,

por exemplo, a presidenta escolhe topicalizar a mulher, relacionando a esse tópico

aspectos de valor positivo. Essas estratégias podem ser observadas no quadro a

seguir:

QUADRO 2 – Estrutura do discurso político para van Dijk

Estruturas do discurso político Materialização no discurso

Tópicos/Topicalização Escolha da informação a ser

destacada

Esquemas Estruturas típicas argumentativas:

positiva de autoapresentação e

negativa de outro apresentação;

rejeição de possíveis contra-

argumentos

Semântica local Escolha semântica em detrimento do

contexto e eventos com as

representações compartilhadas

socialmente

Estilo e Retórica Uso de recursos estilísticos e

retóricos para apresentar-se

positivamente e de outro

apresentação negativa.

Fonte: van Dijk. 2012, p. 224 (adaptado pela autora da pesquisa)

Antes da explicação de cada estrutura lançada por van Dijk (2012) é preciso

compreender que o autor faz essas considerações com base no contexto, que envolve

o discurso político. Ele considera que ao tratarmos de gêneros do discurso político,

damos mais ênfase ao contexto ao qual está envolto às estruturas adjacentes a esse

contexto e seu funcionamento discursivo. Para tanto, ele formula as categorias de

64

contexto organizadas pelas estruturas supracitadas: tópicos, esquemas, semântica

local, estilo e retórica, às quais suscintamente, descreveremos a seguir:

A estrutura de tópicos, que também pode ser chamada de topicalização,

seleciona quais informações serão destacadas e quais não serão abordadas, de modo

a influenciar a decisão do outro. Logo, as informações positivas são sempre

associadas a Nós ou ao pronome nosso43, enquanto as informações negativas são

associadas aos outros (normalmente relacionado aos opositores). A segunda,

esquemas, demonstra os esquemas argumentativos utilizados pelo discurso político

com o objetivo de persuadir o outro. Normalmente, a sequência textual escolhida será

aquela que privilegie a resposta que ele quer do outro. Por exemplo, se o político quer

a aprovação de uma determinada lei, ele, em sua argumentação, preferirá, num

esquema de problema e solução, destacar os problemas, para que se chegue à

conclusão de que a solução é a aceitação da proposta feita. A penúltima estrutura

trata da semântica local. O uso desse mecanismo leva em consideração a escolha

semântica feita em detrimento do conhecimento do contexto social como um todo,

incluindo a formação ideológica, levando à persuasão de quem ouve. Dessa forma, a

escolha de palavras mais simples ou não, dependerá dos receptores a quem seu

discurso será dirigido.

Isso quer dizer que ao destacar significados negativos referentes aos outros

esses serão detalhados, explicitados, especificados, diretos e espalhafatosos. Em

contrapartida, mitigações atenuantes ou negações terão sempre a função de auto-

apresentação positiva. E, por último, Estilo e retórica. Essas estruturas tratam de

superfícies que incluem a lexicalização específica, a estrutura sintática, elementos de

som, imagens e até mesmo recursos retóricos, escolhidas mais uma vez para

denominar-se positivamente ou negativamente o outro.

É interessante notar que van Dijk (2012) e Thompson (2002) se aproximam

em alguns pontos, respectivamente, como a topicalização e o deslocamento (ao tratar

a questão da escolha entre o termo a ser topicalizado ou deslocado a fim de relacionar

sentidos positivos ou negativos associados. Outro ponto congruente entre os dois

acontece das estruturas estilo e retórica de Dijk e dissimulação de Thompson em que

43 van Dijk (2012, p. 222) menciona que esses pronomes são conhecidos como pronomes políticos por

ser esta uma maneira de se identificar com grupos específicos. Segundo o autor “a polarização discursiva de Nós e Eles, típica do discurso político, não somente reflete as representações mentais de pessoas sobre quem se falou, mas também as categorias dos participantes”

65

estratégias estilísticas e retóricas são usadas a fim de apresentar-se positivamente

com relação ao outro (opositor), ou dissimular o outro.

O tratamento que daremos a esses modos de operação serão considerados,

para esta análise, como categorias de interpretação do discurso da presidenta Dilma

Rousseff. Como falamos de interpretação, precisamos organizar os sentidos advindos

dela, como veremos a seguir.

2.3 Significados Acional, Representacional e Identificacional

A Gramática Sistêmico Funcional de Halliday é a teoria linguística que

aproxima-se da teoria social do discurso de Fairclough devido à visão centrada em

um modelo gramatical capaz de admitir a inovação como possível, ou seja, um sistema

aberto a mudanças e não fechado em seus próprios sistemas como em outros

modelos. Devido à proximidade entre as funções sociais oriundas das línguas e à

organização de seu sistema, é algo visto por seu precursor como fundamental para

as funções da linguagem. Halliday, então, organiza essas funções em três, sendo

elas: a função ideacional, interpessoal e textual44. É importante compreendê-las

porque é a partir dessas três metafunções que Fairclough organiza o que ele chamará

mais tarde, em 2003, de significado acional, representacional e identificacional.

(RESENDE E RAMALHO, 2016, p. 56 e 57)

Essa reorganização do modelo inicial proposto por Halliday acontece anos

mais tarde, em 2001, na obra Discurso e mudança social. O autor justifica essa cisão

por considerar que o fato de incluir a função de identidade concomitantemente com a

de expressão, acaba marginalizando-a “como um aspecto menor da função

interpessoal” (Fairclough, 2001, p. 209). Para destacar, então, a importância da

identidade, o autor propõe (inicialmente) separar a função interpessoal, como

44 Essas funções, para Halliday, tem as funções ideacionais, interpessoais e textuais. A primeira delas, a ideacional, corresponde à representação das coisas no mundo, a fim de torná-las reais na língua; é a relação simbólica da língua com o mundo real; a função interpessoal, por sua vez, relaciona-se à função da língua na interação social, como forma de ação; por último, a textual, corresponde a aspectos estruturais do ponto de vista gramatical, semântico, que interliga os significados anteriormente citados (FAIRCLOUGH, 2001, p. 92).

66

proposto por Halliday, em outras duas: a função identitária e a função relacional.

Afirma, contudo, que é preciso ampliar o diálogo entre a ACD e a LSF. Esse

aprofundamento incidirá na obra ainda sem tradução para o português “Analysing

Discourse – Textual analysis for social research, de 2003. Nesta obra, propõe cindir

as macrofunções de Halliday aos conceitos de gênero45, discurso e estilo. Prefere

utilizar os termos significados, como já afirmado e relega a função textual de Halliday

à função acional (Fairclough, 2003, p. 27)

Partiremos, então, para a explicação dos significados, assim como proposto

por Fairclough (2003):

a) Significado acional – esse significado corresponde aos esforços de

Fairclough em estabelecer relações entre as formas de ação – os gêneros

textuais – às práticas sócio-históricas. Os gêneros, por sua vez, articulam

aspectos textuais à serviço das identidades e das relações estabelecidas pela

ordem do discurso, de forma concomitante. Ao analisarmos o texto (gênero)

como forma de inter(ação), deveríamos nos perguntar, segundo o autor, de que

forma o texto contribui para a ação social, principalmente com relação à

orientação de transformação à qual seu modelo se associa 46(FAIRCLOUGH,

2003, p. 65). Para a análise de como essa forma de ação se dá com relação

ao gênero, além da estrutura do gênero, o estudioso britânico classifica a

categoria “intertextualidade”47 no estudo das formas de ação de um gênero.

Resende e Ramalho (2016, p. 65), sintetiza essa categoria de Fairclough às

diferentes vozes que são discursivizadas nos textos, fazendo uso de diversos

mecanismos linguísticos, como: uso do discurso direto e discurso indireto,

modalização, pressuposição e atos de fala. É a partir dessas categorias que

percebemos de que formas são mais ou menos engajados a significados

sociais emergentes ou tradicionais, como é o caso dos textos analisados neste

45 Devido à importância do gênero como forma de ação, faz-se necessário aprofundar esse conceito

em um subtópico a seguir. 46 Tradução minha de: “Genres are the specifically discoursal aspect of ways of acting and interacting

in the course of social events: we might say that (inter)acting is never just discourse, but it is often mainly discourse. So when we analyse a text or interaction in terms of genre, we are asking how it figures within and contributes to social action and interaction in social events – especially, given the orientation of this book, within the transformations associated with new capitalism.” (2003, p. 65) 47 À luz dos estudos de Bakthin sobre intertextualidade (2002)

67

trabalho. Dessa forma, é impossível pensar a ACD sem a análise de gêneros,

aos quais nos aprofundaremos na subseção a seguir: gênero em ação;

b) Significado representacional – o significado representacional corresponde ao

modo pelo qual as relações são estabelecidas no texto. De acordo com

Fairclough (2003), os significados podem ser representados por meio de

relações sintático-semânticas entre sentenças (causa, consequência,

condição, temporalidade, adição, contraste) e sua realização paratática e

hipotática. Além dessas relações de sentido que são construídas entre

sentenças, carregando ideologias de resistência ou de sustentação do poder

dominante, essas representações podem ocorrer por meio de níveis

semânticos mais elevados, como: a relação problema/solução;

legitimação48/dominação; protagonista e antagonista; equivalência e diferença.

Todas elas corroboram para a representação de forma positiva ou negativa,

mais enfática ou menos enfática, de um ator social, tal como proposto por Van

Leeuwen (1997);49

c) Significado identificacional – pela proposta da ACD, Fairclough (2003) inicia

sua explicação sobre esse significado, estabelecendo uma relação entre as

identidades e o estilo. Isso porque, segundo o autor, é através do modo como

representamos o mundo (nos identificamos, identificamos os outros,

identificamos as coisas) que o significado identificacional é constituído

dialeticamente. É dialético porque envolve todos os outros significados (acional

e também representacional). O significado identificacional pode ser

reconhecido em diferentes níveis de abstração (identidade social e identidade

pessoal), podendo ser identificado em categorias de modalização e avaliação.

A modalização ocorre em relação ao grau de comprometimento ao usar a

linguagem em um determinado contexto, enquanto a avaliação repercute

48 Para esse termo, Fairclough (2003, p. 98) cita quatro formas de legitimação, baseadas na obra de Van Leeuwen (sem data, mas mencionados em Van Leeuwen and Wodak, 1999), são elas: por meio da autoridade (de instituições, regras, leis, tradições instituídas de poder legitimado), racionalização (conhecimento social construído pela utilidade e cognição válida, lógica), valores morais e, por último, Mythopoesis/narrativas (esse termo deve ser usado em um sentido mais global, pois de acordo com o autor constrói a visão de uma nova era “it is rather the building up of a picture of the ‘new age’”. Essas formas de legitimação por vezes constroem-se concomitantemente. 49 Resende & Ramalho (2016, p. 72) ao explicitar as relações dos atores sociais assim como proposto por Van Leeuwen, afirmam que “as maneiras como atores sociais são representados em textos podem indicar posicionamentos ideológicos em relação a eles e a suas atividades.”

68

significados desejáveis ou indesejáveis frente ao que foi asseverado,

questionado, ofertado50. Dentre essas duas categorias, o autor destaca que a

modalidade é dialética também no sentido de que as escolhas lexicais são

feitas dependendo de relações e formas de ação entre essas relações. Sobre

a modalização, Fairclough (2003) parte de Halliday (1985)51 e caracteriza-a em

modalidade epistêmica e deôntica. A primeira relaciona-se ao

comprometimento com a verdade, enquanto a segunda com o

comprometimento com a necessidade, obrigação. Sobre a categoria

modalização do discurso, trataremos de forma mais minuciosa em outro

subtópico.

2.4 Gênero em Ação

O termo gênero textual é abordado na literatura por várias vertentes. Dessa

forma, é primordial compreender quais são os pressupostos teóricos que perpassam

o conceito de gênero que adotaremos nessa análise sobre o qual nos debruçaremos

adiante. Como nosso exame parte dos encadeamentos teóricos da ACD, é sob essa

perspectiva que partiremos para nossa proposta de trabalho acerca deste vocábulo.

Assim, é possível perceber uma forte influência bakhtiniana nos estudos de

linguagem atuais, e não seria diferente para a ACD de Fairclough. Marcuschi (2008,

p. 152) destaca que essa é “uma espécie de bom-senso teórico em relação à

concepção de linguagem” por se tratar de uma perspectiva social e histórica da

linguagem marcada pelo dialogismo, oferecendo categorias analíticas bem amplas. É

a partir das bases bakhtinianas, um dos primeiros a estruturar o estudo da linguagem

dessa forma, que outras vertentes se agregaram, criando, inclusive, associações entre

o estudo de gênero nas escolas e suas implicações críticas, como é o caso de

Scheneuwly, Dolz e Bronckart. É possível perceber uma possível ferramenta de

resistência assim como proposto por Fairclough (2002, p. 120) na afirmação a seguir:

50 Ou seja, pode ser considerado um juízo de valor. 51 Halliday, M. A. K. An Introduction do Funcional Grammar. London, British Library Cataloguing in

Publication, 1994.

69

Essa é uma razão para se defender uma modalidade de educação linguística que enfatize a consciência crítica dos processos ideológicos no discurso, para que as pessoas possam tornar-se mais conscientes de sua própria prática e mais críticas dos discursos investidos ideologicamente a que são submetidas.

Essa resistência será acessível a partir do conhecimento dos modos do

funcionamento discursivo para uma educação crítica a respeito da língua. Sobre a

resistência como proposto por este estudioso, nos debruçaremos, com mais esmero,

adiante.

Quanto ao conceito de gênero textual, existem diversos autores que ecoam

com o conceito de gênero estabelecido pela ACD. Utilizaremos para este momento o

apresentado por Coutinho (2004 citado por Marcuschi 2008, p. 81). Com relação à

essa abordagem, sua correspondência se dá principalmente na relação entre três

elementos considerados por ele: o discurso como “objeto de dizer”, texto “objeto de

figura”, ou seja, materialização desse discurso (oral, imagético ou escrito) e o gênero

que, por sua vez, é quem “regula” esses elementos. Segundo essa concepção, o

gênero é quem faz a ponte entre o texto e o discurso e pode ser definido como um

arquétipo relacionado a práticas sociais e históricas que podem ser reconhecidas em

uma dada comunidade visto sua incidência em situações comunicativas. É por esse

motivo que sua estabilidade depende das interações realizadas de tempos em

tempos, podendo surgir novos modelos ou até mesmo desaparecer ou transformar-

se, de acordo com a circulação em uma determinada época, logo, marcada histórico-

socialmente.

Marcuschi (2008, p. 161) destaca, ainda, a função do gênero textual como

uma das práticas de poder e justifica-se ao afirmar que seria até mesmo possível dizer

que nossas atividades discursivas têm como um dos principais objetivos o controle

social e cognitivo. É por meio do gênero que os sujeitos exercem controle e poder

sobre outros, autenticados por determinadas hierarquias ou instituições sociais,

governamentais. Muitas vezes é o próprio gênero que legitima o poder instituído pelo

domínio e manipulação dele em atividades de interação e práticas sociais, como

ocorre com a expedição de um diploma, certidão de nascimento, certidão de óbito,

inquérito policial, dissertação, e etc.

70

Para compreender, então, a organização e a composição do gênero textual,

é imprescindível distingui-lo de tipo textual e domínio discursivo. Para essas definições

utilizaremos os conceitos adotados por Marcuschi (2008).

É muito comum confusões entre gênero textual e tipo textual. Para Marcuschi

(2008, p. 154 e 155), os tipos textuais seriam equivalentes a modos linguísticos de

enunciação caracterizados por aspectos composicionais, como (aspectos sintáticos,

lexicais, tempos verbais, relações lógicas e estilo). Podem ser identificadas mais como

sequências linguísticas (sequências retóricas) do que a materialização de textos e

podem ser denominadas sequências ou tipos: narrativos, descritivos, expositivos,

injuntivos ou argumentativos. Um mesmo gênero textual pode abarcar mais de uma

sequência ou tipo, mas sempre um será predominante sobre o outro.

Por sua vez, o gênero textual, segundo o mesmo autor, são os textos com os

quais entramos em contato, que são produto de nossas interações sociais no dia-a-

dia. Sendo inúmeras essas interações, podemos dizer que são inúmeros os gêneros

textuais existentes, muitas vezes mais recentes, produtos de interações mais

emergentes, como mensagens instantâneas, carta eletrônica, etc. Ao mesmo passo

que podem surgir novos gêneros de acordo com as necessidades sociais eles também

podem desaparecer, devido à falta de uso. Possuem padrões característicos que

podem ser definidos, segundo Marcuschi (2008, p. 155), como: composições

funcionais, objetivos enunciativos e estilos. Essas características se dão por meio do

embricamento de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas. Essas

determinações – da composição funcional e objetivos enunciativos – são marcadas

pela situação em que surgem os gêneros e não são rígidas a ponto de não sofrerem

alterações; são colocadas a fim de organizar didaticamente a compreensão e

composição dos gêneros.

A terceiro e última definição, o domínio discursivo, se aproxima do conceito

de “esferas da atividade humana” desenvolvido por Bakhtin, ou seja, instâncias

discursivas, como: jurídica, religiosa, jornalística, burocrática, entre outras. Essas

esferas fazem parte da prática discursiva que originam diversos gêneros textuais, de

acordo com as instituições que as regem.

À título de síntese dessa subseção, podemos afirmar que os conceitos

abordados aqui coadunam-se com o corpus de análise da presente pesquisa. Para

isso é preciso levar em consideração o contexto de produção e os interlocutores

71

envolvidos na proposição do mesmo como partícipes de uma prática discursiva

tipicamente humana, sob a perspectiva das relações entre gêneros e o modo como

esses exercem poder sobre grupos dominados. Como produto final dessa interação

para esta pesquisa, podemos organizar os textos que serão analisados sob a

perspectiva de gêneros na seguinte tabela:

QUADRO 3 – Contexto de Produção / Forma de Concretização do pronunciamento

Fonte: RAMOS, 2018 (Organizada pela autora da pesquisa)

Contexto de produção Forma de concretização

Situação comunicativa: homenagem ao dia da mulher

Interlocutores envolvidos na prática

discursiva:

presidenta da república e população

brasileira

Gênero: pronunciamento

Propósito comunicativo do gênero: convencer, persuadir a população

brasileira

Esfera de comunicação: pública

Domínio discursivo: político

Sequência textual: predominantemente argumentativo

com trechos expositivos, descritivos e

narrativos;

3 METODOLOGIA

A pesquisa em ACD movimenta-se na interrelação dos aspectos

linguísticos e discursivos das práticas sociais. Dessa forma, a partir da descrição

linguística, dimensão analítica em que nos debruçamos sobre as categorias

microlinguísticas das peças textuais postas em foco no estudo, busca-se uma

porta de acesso aos fenômenos de natureza discursiva. A microanálise lança luz

sobre as formas de materialização dos discursos que, por sua vez, encerram em

si as macrocategorias de ordem ideológico-discursivas a serem interpretadas

pela/pelo analista. No compasso desse movimento, qual seja, descrição e

interpretação, busca-se na sociedade/estruturas sociais vigentes a explicação

do como, dos porquês, das causas que impulsionam determinadas

representações discursivas em detrimento de outras. No cômputo desta

pesquisa, interessa-nos verificar a representação de gênero da presidenta Dilma

Rousseff para identificar se esses pronunciamentos colaboram para a inovação

do discurso sobre a mulher, modificando a ordem social vigente.

Por se tratar de uma teoria social do discurso, assim como proposto por

Fairclough (2001), não há como estudar práticas e estruturas sociais sem

compreender como são materializadas discursivamente e vice versa, posto que

compreende-se, com esse estudioso, que os discursos constituem e são

constituídos pelas/nas práticas sociais. O objetivo do autor quanto a essa teoria

e método de análise linguística é, em suas palavras, “reunir a análise de discurso

orientada linguisticamente e o pensamento social e político relevante para o

discurso e a linguagem.” (2001, p. 89).

Como frisamos anteriormente, o empreendimento analítico desta

pesquisa compreende o tripé “descrição”, “interpretação”, “explicação”. Sendo

assim, os dados extraídos do corpus escolhido para este estudo serão discutidos

em consonância com a perspectiva social crítica, preconizado pela ACD, tendo

como tipo de pesquisa a qualitativa, que permite “a Interpretação das realidades

sociais” (BAUER; GASKELL & ALLUM, IN: BAUER e GASKELL, 2002, p. 23).

Para delinear a pesquisa, organizamos o trabalho da seguinte forma:

1.Escolha do tema, problema de pesquisa e ator social envolvido;

2. Escolha e Construção do corpus;

3. Categorias analíticas

73

3.1 Escolha do Tema, Problema de Pesquisa e Autor Social Envolvido

Parte-se do pressuposto de que toda pesquisa precisa delimitar a área

de interesse que se pretende estudar. Como parte de uma pesquisa social

orientada linguisticamente, procurou-se delinear, primeiramente os assuntos de

interesse da pesquisadora, o que corrobora com a noção de pesquisa qualitativa

para Parker (1994, p. 2), qual seja, a de que se trata de:

um estudo interpretativo de uma questão ou problema específico no qual o pesquisador é o ponto central da pesquisa. O pesquisador seleciona o domínio de interesse que terá um aspecto particular de ação e experiência, mas poderá ser um estudo reflexivo de parte de uma disciplina da psicologia dele mesmo.

Então, ao pensar em um assunto de nosso interesse e que fosse, ao

mesmo tempo, uma questão social relevante e que merecesse um estudo,

pensou-se nas questões de gênero no Brasil. Apesar de a mulher fazer parte

desde o século passado do cenário educacional, político entre outros direitos

adquiridos, como o do voto, ainda é perceptível, mesmo que de forma velada em

muitas situações, o preconceito que se tem sobre a emergente ascensão

feminina no mundo masculino. Contudo, qual seria o mote? Os homens e sua

visão sobre as mulheres ou as próprias mulheres?

Definiu-se, então, por meio de exclusão, ser a própria mulher e os

discursos de si para o outro, o mote. Contudo, ainda restavam algumas dúvidas.

Sob qual perspectiva enunciativa? Da mulher mãe, dona de casa, empresária,

trabalhadora? E por que não todas de forma multifacetada? Além disso, como

entendemos que as práticas sociais são regidas por ações de poder que

assujeitam/restringem ou empoderam/emancipam os discursos, que tipo de

posicionamento social seria o mais pertinente?

Foi o contexto histórico vivenciado naquele momento que preencheu a

incógnita temática para este trabalho: Dilma Rousseff tinha acabado de ganhar

a reeleição como presidenta. Além disso, discussões estabelecidas pela

74

disciplina Análise Crítica do Discurso, realizada como aluna não regular do

Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Estadual de Maringá

instigaram a procura de um tema social relevante para a produção de um artigo

como requisito para o cumprimento final da disciplina. Este artigo tinha como

objetivo observar o funcionamento do discurso político em um pronunciamento

da presidenta sobre as manifestações sociais do país, em 2013. Escolhemos,

então, uma mulher que reunia características interessantes: tinha o poder

reconhecido para agir na sociedade e também exercia papéis sociais típicos de

uma mulher: mãe, dona de casa, avó, o que dá a ela um outro tipo de poder,

agora simbólico, visto que fala sob um viés compartilhado com seus pares. Essas

duas variáveis de poder serão contempladas ao longo da análise desta pesquisa.

Logo, o domínio discursivo/esfera da comunicação humana eleita para

discutirmos questões relativas ao gênero social feminino é o discurso52 político.

Essa escolha leva-nos, inexoravelmente, a pensar nas formas de ação das

práticas linguístico-discursivas sobre o corpo social para os quais se voltam.

Todo discurso político, em si mesmo, já exerce sobre o outro algum tipo de

controle. Sobre essa questão, van Dijk (2012) aponta que determinados grupos

sociais exercem um maior ou menor controle sobre outros grupos dependendo

da capacidade de exercer maior ou menor influência sobre estes. Esse poder de

controle pode ser verificado na natureza do poder exercido pelo grupo dominante

sobre o grupo dominado, podendo ser a força, o dinheiro, o conhecimento, a

informação ou até mesmo a autoridade.

Nesse caso, o acesso privilegiado a essa forma pública de

comunicação/discurso reverbera naquilo que, com van Dijk (2012, p.117),

chamamos de poder social. Podemos perceber, então, que as práticas

discursivas também fazem parte dos recursos/dos bens, acessíveis ou não,

conquistados ou não pelos sujeitos sociais.

Neste empreendimento acadêmico-científico nos debruçamos sobre as

formas/modos de representação da mulher nos discursos produzidos também

por uma mulher, qual seja, Dilma Rousseff. No entanto, à Presidenta da

República, diferentemente dos outros sujeitos sociais femininos (suas eleitoras),

foi concedido, por meio de uma eleição direta e democrática, o acesso à

52 O termo discurso, aqui está cunhado como pertencente à ACD, ou seja, uma prática social.

75

comunicação, ao discurso público, ao discurso político. Com isso em mente,

delineamos os objetivos deste trabalho: analisar a representação de gênero

social nos pronunciamentos de Dilma Rousseff, primeira presidenta do Brasil, a

fim de verificar se contribuem para a inovação da ordem social vigente sobre a

mulher em nossa sociedade.

3.2 Escolha e Construção do corpus

A escolha e a construção do corpus dentro de uma análise

sociolinguística podem ter significados diversos. Barthes (1967, apud BAUER &

AARTS, p. 96), define-o como “uma coleção finita de materiais, determinada de

antemão pelo analista, com (inevitável) arbitrariedade, e com a qual ele irá

trabalhar.” Sobre sua construção, outro autor, Biber (1993, p. 243 apud BAUER

& AARTS, p. 50 e 51) parte da noção de que todo corpus, para ser constituído,

deve levar em consideração dois aspectos: “um espectro abrangente de

construções gramaticais e um suficiente espectro de texto dentro da população

alvo. Para ele, esta coleção finita de materiais é “rigidamente definida, a partir de

diferentes contextos. Estas variações são também chamadas de registros,

gêneros ou funções, e diferem de acordo com variáveis situacionais e temáticas.”

É importante salientar que a palavra gênero aqui pode ser interpretada

por pelo menos duas formas distintas e já vistas nos capítulos 1 e 2: gênero

textual e gênero social. Quanto ao gênero textual, o conceito adotado para esta

perspectiva analítica parte da concepção de linguagem assim como proposto por

Bakhthin. Fairclough (2003) relaciona o gênero textual a uma de suas categorias

analíticas: a acional, por compreender que é justamente por meio dessa

categoria que os indivíduos agem sob os dominados, ou seja, exercem poder.

Fairclough (2003, p. 65), descreve os gêneros53 como a forma discursiva por

meio da qual os indivíduos interagem e relacionam-se através das práticas

sociais, exercendo poder uns sobre os outros.

53 Tradução minha da citação de Fairclough (2003, p. 65).

76

Dessa forma, como procedimento para a escolha do corpus deste

trabalho, procurou-se pensar em gêneros discursivos que representassem a

autoridade do ator social escolhido: a presidenta, devido ao objetivo proposto

anteriormente. Para isso, é preciso compreender que um dos aspectos de

análise da ACD são os meios de atuação pelos quais os discursos são

representados, o que corrobora com os conceitos apresentados. Que tipo de

gênero textual poderia reunir essas características? E que tipo de busca

faríamos?

Primeiramente, buscamos nos meios digitais, através de sistemas de

buscas, as palavras relacionadas ao tema: discurso - mulher – presidenta –

Dilma. Foram elencadas várias notícias, entrevistas, discursos e

pronunciamentos televisivos oficiais em datas comemorativas. O gênero que

melhor se adequava ao propósito desta análise era o pronunciamento. Definiu-

se, portanto, o gênero: pronunciamento para este momento. Contudo, todo

pronunciamento oficial é reproduzido em duas materialidades: a escrita e a

televisiva. de escolha Pela descoberta feita durante esse processo e construção

do corpus, optamos pelos pronunciamentos na materialidade escrita, transcritas

de pronunciamentos televisivos, utilizando a plataforma oficial do governo:

http://www2.planalto.gov.br/. É importante ressaltar que apesar de sabermos que

esses pronunciamentos podem não ter sido escritos pela própria presidenta,

consideramos que no momento em que ela assume-os, assume também sua

autoria, passa a representá-la, caso contrário teríamos que fazer um estudo

sobre questões de autoria.

A partir do sistema de buscas do site do governo, encontramos e

selecionamos inicialmente 13 textos, sendo oito discursos realizados em visitas

e homenagens a mulheres notórias de nossa história e cinco pronunciamentos

em homenagem ao dia internacional da mulher e dia das mães, no período

equivalente ao primeiro mandato e início do segundo mandato (2015) da

presidenta Dilma Rousseff. Contudo, preferimos utilizar e selecionar, em um

segundo momento, apenas quatro pronunciamentos, equivalentes ao período de

seu primeiro mandato. Sucedeu-se dessa forma devido dois critérios: os

pronunciamentos, como eventos transmitidos via televisão, eram acessíveis a

um público maior de receptores, enquanto os discursos normalmente estavam

77

vinculados aos locais de inauguração, de palestras vinculados à agenda da

presidenta.

É importante ressaltar que não foi escolhido nenhum material dos anos

de 2015 e 2016, pois o segundo mandato de Dilma Rousseff é marcado por

rupturas devido à crise econômica enfrentada pelo país e também pelo processo

de impeacheament que, mais tarde, culminou em seu afastamento. O

pronunciamento por ocasião do dia internacional da mulher em 2015 e em 2016

desvelam um caráter de proteção e preocupação com aspectos econômicos,

desconfigurando quase por completo o objetivo do pronunciamento, nessa data,

como aconteceu no período anterior, em seu primeiro mandato (2011 a 2014).

Portanto, a materialidade escolhida, segundo esses critérios, pode ser

organizada no quadro a seguir:

QUADRO 4 – Pronunciamentos que compõem o corpus

P1 Pronunciamento à Nação da Presidenta da República, Dilma Rousseff, em cadeia nacional de rádio e TV, por ocasião do Dia Internacional da Mulher

08/03/2012

P2 Pronunciamento à nação da Presidenta da República, Dilma Rousseff, por ocasião do Dia das Mães

13/05/2012

P3 Pronunciamento à Nação da Presidenta da República, Dilma

Rousseff, em cadeia nacional de rádio e TV, por ocasião do Dia

Internacional da Mulher

08/03/2013

P4 Pronunciamento da Presidenta da República, Dilma Rousseff,

por ocasião do Dia Internacional da Mulher

08/03/2014

Fonte: Site do Planalto Federal54 (Organizado pela pesquisadora)

É interessante notar na tabela acima que em seu primeiro ano de mandato

não há ocorrência de pronunciamento no dia internacional da mulher ou no dia

das mães. Esse fato será explicitado pela própria presidenta no ano seguinte ao

afirmar ser ela, a primeira presidenta eleita a proferir um pronunciamento oficial

em uma data como esta. Ao procurar dados que comprovem essa afirmação no

site do governo, não foram encontradas ocorrências de pronunciamentos que

homenageassem as mulheres nessas datas feitos por outros presidentes. Essa

investigação foi realizada utilizando os indicadores - dia internacional da mulher,

dia das mães – no sistema de busca no site do planalto.

54 A partir do sistema de busca no site: http://www2.planalto.gov.br/.

78

É a partir desses pronunciamentos que analisaremos como a presidenta

age sobre seus eleitores fazendo uso de distintas representações sociais, tais

como: governante, mãe, mulher, empreendedora e dona de casa. Ao estabelecer

essas relações, podemos perceber claramente dois posicionamentos sociais

tipificados e socialmente estáveis, como vimos anteriormente no capítulo 1: o

público e o privado. Esses padrões são arrolados normalmente à categorização

do público – ligado ao universo masculino do poder (em suas mais distintas

acepções – político, econômico, social, etc.), conquistas; ou privado – ligado ao

universo feminino da proteção, cuidado, amor. Essa regularidade é recorrente

em todos os pronunciamentos, como podemos verificar no quadro a seguir:

QUADRO 5 – Visão Geral da Análise organizada em blocos

VISÃO GERAL DA ANÁLISE

Bloco 1 de análise Bloco 2 de análise

Pronunciamento

Esfera pública (Força econômica/campo dos negócios)

Esfera privada (Força maternal)

Conquistas alcançadas / Programas de governo

Conquistas a serem alcançadas

BL

OC

O 1

P1 E7 E2 E1 E4

P1 E11 E9 E3 E5

P1 E10 E6 E6

P1 E13 E7 E8

P1 E14 E8 E11

P1 E16 E10 E12

P1 E17 E13 E15

P1 E18

BL

OC

O 2

P2 E28 E30

P2 E29 E31

P2 E30 E32

P2 E31

P2 E32

P2 E33

BL

OC

O 3

P3 E20 E19 E24 E24

P3 E21 E22 E25 E26

P3 E22 E23 E27

P3 E24 E27

P3 E25

BL

O

CO

4

P4 E34 E36 E34 E34

P4 E35 E37 E35 E35

P4 E38 E38 E37 E41

79

P4 E39 E39 E40 E42

P4 E40 E42 E41 E44

P4 E41 E44 E42 E45

P4 E42 E43

P4 E44

P4 E45

Em cada pronunciamento, aqui demarcados como P1, P2, P3 e P4, foram

identificados significados acionais concomitantemente aos representacionais e

também identificacionais. Ao todo, são 45 excertos55, sendo que 16 são voltados

à esfera pública e 24 voltados à esfera privada.

3.3 Categorias de análise do corpus

Como já arrolado anteriormente no capítulo teórico, as microcategorias de

análise do corpus correspondem a quatro categorias de descrição linguística

estabelecidas por Fairclough (2001, p. 103-106). É imprescindível lembrar que,

apesar de dividirmos as categorias analíticas em duas partes (micro e macro

análise), o autor salienta em mais de um momento que são meramente didáticas

essas divisões, já que uma categoria se sobrepõe a outra durante o processo

analítico.

Sendo assim, as microcategorias: vocabulário, gramática, coesão e

estrutura textual se entrecruzam às macrocategorias de análise. Essas escolhas

gramaticais revelam, para um leitor atento, os significados advindos de práticas

sociais marcadas pela ideologia discriminatória na relação entre os pares

masculino e feminino. Por sua vez, a macroanálise relaciona-se à forma de

operação da ideologia na prática discursiva. É esse mecanismo que transborda

os limites ideológicos e passa para os limites linguísticos, percebidos na

55 Apesar de serem identificadas 45 excertos, nem todos são explicitamente discutidos nesta

análise. Todos eles encontram-se devidamente marcados no corpus completo, na seção de anexos deste trabalho. Essa escolha deveu-se para não tornar extensiva demais as transcrições desses excertos, sendo que muitos deles apenas repetem padrões já discutidos.

80

microanálise. Conceitos de ideologia como cunhados por Thompson (2002), van

Dijk (2012) e Fairclough (2001), se articulam ao definir que é por meio da

ideologia que as práticas de dominação e poder são perpetuadas, mas também

podem ser modificadas, como é a proposta de Fairclough. Vale lembrar que os

modos de operação da ideologia, como proposto por Thompson (2002),

principalmente o modo da Legitimação e da topicalização, como proposto por

van Dijk (2012), encontram-se amplamente presentes nos pronunciamentos de

Dilma Rousseff, à serviço da contradição e outras estratégias que verificam a

esse gênero textual um caráter inovador.

A partir dessas categorias e de outras já apresentadas no decorrer desta

pesquisa, nos debruçaremos sobre os eventos discursivos, dos quais foram

selecionados as peças textuais-discursivas que compõem esta pesquisa.

4 SIGNIFICADOS QUE DESVELAM O DISCURSO SOBRE A MULHER

A dimensão discursiva ou esfera da comunicação humana eleita para

orquestrar este estudo é o discurso político. Pensar em práticas discursivas de

natureza política remete, inexoravelmente, aos sujeitos sociais licenciados ou não

para produzirem os gêneros textuais que circulam nos espaços de força e poder das

instituições de natureza político-administrativas. Constatamos, por meio de dados

apresentados no capítulo 156, que o discurso político se instaura e se institucionaliza

enquanto prática, acontecimento e evento por meio das práticas sociais, políticas e

administrativas que são majoritariamente masculinas. Por muito tempo foi negado às

mulheres o direito a assumir posições e papéis sociais de natureza pública e política.

Esse fato nos permite dizer que, dentre outros recursos, também o acesso ao discurso

político lhe foi igualmente embargado.

Ser mulher em uma sociedade ainda patriarcal como a nossa e ainda ser uma

mulher política não é uma tarefa fácil. Hoje, a mulher conquistou espaços que, se

pensados séculos atrás, soariam utópicos e impossíveis, como podemos conferir no

capítulo 1 deste compêndio. Contudo, mesmo alçando voos mais altos,

conseguindo/sendo levada a conciliar os papéis de mãe, esposa e profissional, ela

ainda é vítima de práticas preconceituosas que se refletem, inclusive, no campo

profissional onde enfrenta árduas lutas. É sob esse cenário de fundo que surge a

figura pública Dilma Rousseff, mulher militante nos anos da ditadura militar, que

mostra o engajamento político dos sujeitos sociais femininos não apenas em questões

que representavam seus próprios ideais e anseios, mas a outras questões inerentes

aos direitos humanos, como é possível observar em Moraes (2003, p. 9)

No Brasil, a inquestionável presença do feminismo como porta-voz dos direitos de cidadania às mulheres – alargando o próprio conceito de direitos humanos – soma-se à atuação de muitas feministas no movimento pela anistia e na luta dos familiares dos mortos e desaparecidos políticos.

Como é possível perceber, apesar de um histórico não tão recente assim,

com tantas idas e vindas, desde o direito ao voto, em 1934, até nossos últimos direitos

concedidos, como a lei de 2009 (30% das cotas), percebe-se a lenta progressão

56 Essa informação pode ser encontrada a partir da p. 38, no capítulo 1.

82

desses direitos na prática. A chegada da voz e da vez das mulheres no Parlamento

Nacional, nas Câmaras de Deputados, no Senado Federal, nos ministérios, em mesas

diretoras, etc, muito mais do que demonstrar avanço em relação ao passado,

representa uma das mais importantes conquistas femininas. A luta das mulheres para

adquirir representatividade política compreende também uma luta ideológica, haja

vista que os campos de atuação política são perpassados por atributos de gênero

culturalmente associados ao masculino. Uma luta caracterizada pela resistência a um

estado de coisas que as marginaliza, estigmatiza e subjuga.

Como primeira presidenta mulher eleita no Brasil, esse feito por si só, já é

inovador, e é sob esse olhar que nos debruçaremos nesta análise a fim de identificar,

a partir de seus pronunciamentos em homenagem ao dia da mulher e dia das mães,

se as representações de gênero nesse lugar discursivo são inovadoras ou

conservadoras no que diz respeito à ordem social estabelecida ideologicamente.

Contudo, para analisarmos esses significados, nos valemos do arcabouço

teórico da ACD sob a perspectiva de Fairclough (2001, 2003), partindo dos

pressupostos da LSF de Halliday (1994). Assim, utilizaremos, como inicialmente

proposto por Halliday e, posteriormente, reconfigurados por Fairclough os

significados: acional, representacional e identificacional, concebendo-os como

intrínsecos às práticas linguístico-discursivas. Tal como Fairclough (2003),

compreendemos que os discursos fazem parte de uma rede que inclui estruturas

sociais, práticas sociais e eventos sociais refletidos/atualizados, por sua vez,

nas/pelas práticas interativas da linguagem, nas ordens do discurso e nos textos.

Entretanto, a divisão desses subsídios analítico-conceituais não é assim tão

simples. Não é possível fazer uma ACD levando em consideração apenas um ou outro

fator, pois todos estão imbricados em uma rede que constrói os significados.57 Dessa

forma, a tentativa de categorizar os pronunciamentos da presidenta Dilma Rousseff

dentro desses parâmetros é apenas uma forma de organizar esta análise, e ocorrerá

ao longo da mesma.

Na esteira dos significados acionais, representacionais e identificacionais que

incidem sobre o conjunto de textos selecionados para este estudo, nos debruçamos

sobre conteúdos recorrentes relativos aos mecanismos de representação da mulher,

57 “Texts are not just effects of linguistic structures and orders of discourse, they are also effects of other

social structures, and of social practices in all their aspects, so that it becomes difficult to separate out the factors shaping texts.” (FAIRCLOUGH, 2003, p. 25)

83

o modo como foram abordados, referidos e (re)configurados. A fim de orientar esta

discussão analítica, essas estruturas foram separadas em 45 excertos58, cada qual

referente ao tema ou a como esse tema foi abordado, sendo eles distribuídos em

quatro blocos de análise, correspondentes a cada um dos quatro pronunciamentos

em homenagem à mulher /mãe – quer seja no dia da mulher ou no dia das mães59.

Após essa primeira divisão, passaremos a subdividir a análise em quatro

blocos, como já explicitado anteriormente, sendo o primeiro correspondente ao

Pronunciamento de 8 de março de 2012 em homenagem ao Dia Internacional da

Mulher, tendo os seguintes excertos destacados:

QUADRO 6 – Excertos do Pronunciamento 1

P1 – Dia Internacional da Mulher

(E2) de coração aberto, de mulher para mulher

(E9) O pior é que, em certas circunstâncias, a mulher continua sendo a mais pobre dos pobres, a mais sofredora entre os sofredores. Mas até aí nos surpreende a força da mulher, porque mesmo quando está em uma dura condição de pobreza, a mulher é a principal mola de propulsão para vencer a miséria. Sabe por quê? Porque ela é o centro da família. Porque quando uma mulher se ergue, nunca se ergue sozinha, ela levanta junto seu companheiro, ela levanta junto seus filhos, ela fortalece toda a família.

(E10) Vem daí a importância que damos à mulher, nos nossos programas sociais. Noventa e três por cento dos cartões do Bolsa Família estão, por exemplo, em nome de mulheres, são mais de 19 milhões de mulheres que vão ao banco todo mês buscar e administrar recursos para ajudar no sustento da família. Quarenta e sete por cento dos contratos da primeira etapa do Minha Casa, Minha Vida foram assinados por mulheres. Esse percentual será ainda maior no Minha Casa, Minha Vida 2. Nele, a escritura dos apartamentos populares será feita em nome da mulher.

(E13) A mulher é, por natureza, fonte de vida e de energia, mas para cumprir este destino (...)

(E14) Em todo o mundo a voz da mulher se sobressai na defesa da paz, do amor e da justiça. A mulher brasileira merece, portanto, cada vez mais, justiça, amor e paz. E isso deve começar em cada lar.

58 Conferir p. onde são explicadas essas divisões de forma mais didática. 59 Dilma começa uma tradição com relação a pronunciamentos nesta ocasião (Dia das mães), como

ela mesma acentua no segundo pronunciamento desta análise, de 13 de maio de 2012, “Talvez seja essa a primeira vez que, desta cadeira presidencial, alguém faz um pronunciamento no nosso dia, o Dia das Mães”. Fazendo uma pesquisa no sistema de busca do site do Planalto, pelas palavras “pronunciamento” e “dia das mães”, não foram encontradas outras ocorrências de pronunciamentos feitos nessa ocasião por outros presidentes de forma oficial.

84

(E16) Minhas irmãs brasileiras, quero estreitar cada vez mais os laços entre nós. Quero, antes de tudo, que vocês sejam os olhos e o coração do meu governo, sejam a minha voz e o meu ouvido. Porque você, minha irmã, é quem mais sente na pele as deficiências do serviço público: quando leva seu filho ao hospital, você vê como está o atendimento de saúde; você acompanha a escola do seu filho; você vê no supermercado se o preço da comida está subindo; você sente medo nas ruas escuras, quando volta do trabalho sozinha, sem segurança

(E17) Quero abrir vários canais de escuta da população, em especial com as mulheres. Pedi ao Ministério da Saúde que, a partir de agora, telefone para todas as parturientes que foram atendidas pelo SUS e perguntem o que elas acharam do atendimento. Quero saber de tudo para melhorar, para poder estimular o que está bem e corrigir o que está mal.

Vou ter também, no meu gabinete, monitores ligados a câmeras, para que eu e meus assessores possamos ver como está o atendimento nos principais hospitais e como vai o andamento das grandes obras. É assim que nós, mulheres, gostamos de cuidar das coisas: vendo todos os detalhes, tintim por tintim.

(E18) Já disse que este é o século das mulheres, mas não é o século das mulheres contra os homens, é o século da mulher trabalhando ao lado do homem, de igual para igual, batalhando com fé e amor por sua família e por seu país (...)

Neste primeiro pronunciamento é possível observar que o significado

representacional incide sobre a figura pública de Dilma Rousseff de três formas:

enquanto presidenta (ao se colocar como tal, também está usando o significado

acional, tanto na acepção que este cargo carrega socialmente, como ao apresentar

os planos de seu governo para esse público); enquanto mulher e enquanto irmã, pois

ela marca-se como mulher e também se compara às suas irmãs brasileiras. Desse

feito, a presidenta traz três efeitos de sentido: o primeiro – ela também é uma mulher,

passou e passa pelos mesmos problemas que toda mulher passa; o segundo – ela

aproxima-se de seu público ao colocar-se como irmã, fazendo parte da família

brasileira, não sendo apenas uma presidenta; e o último de legitimidade de poder.

Como forma de representação desse último sentido frente às suas eleitoras, a

presidenta lança mão em seu discurso de formas linguísticas capazes de lhe conferir

esta posição de poder instituído. Conforme preconiza a Gramática da Experiência da

qual nos fala Halliday, os significados ideacionais compreendidos na linguagem dizem

respeito a nossa maneira de ver as coisas ou vivenciar o mundo que nos cerca.

85

Por vezes, ao longo de seus pronunciamentos, podemos perceber que a

governante, seja por meio de uma estratégia política ou, como descrito por van Dijk

(2012), acompanhando as características do discurso político, busca aproximar-se do

público feminino ao qual se destinam utilizando expressões conhecidas por elas –

como no (E2) “de mulher para mulher”60 e de pronomes de pertencimento, como no

(E15) “minhas irmãs” ou no (E17) “nós, mulheres”. Nessas situações ela se coloca

como parte desse grupo pelo uso dos pronomes - minhas, nós e até mesmo com

expressões figuradas de sentidos já pré-construídos.

Entretanto, na maioria das ocorrências, ao utilizar a palavra mulher, ela o faz

sob a perspectiva de uma governante, relacionando-a a algum programa de governo

ou aos atributos desse público. Esse feito é percebido pelo distanciamento discursivo

que assume, como podemos ver em alguns dos excertos: (E13) “A mulher é, por

natureza, fonte de vida e de energia, mas para cumprir este destino...”; (E14) “A

mulher brasileira merece, portanto, cada vez mais, justiça, amor e paz”. Ao falar sobre

a mulher, a presidenta a coloca como tema, na posição de sujeito, mostrando um certo

distanciamento seu do objeto de que fala, qual seja, a própria mulher. No entanto, a

estratégia de distanciamento mostra-se profícua e necessária para conferir-lhe a

objetividade requerida quando se trata de questões referentes à administração

pública, ao mundo dos negócios envolvidos nas estruturas sociais vigentes. O efeito

de sentido obtido desse distanciamento é o de não legislar em causa própria e o de

posicionar a mulher enquanto mola propulsora de uma nova ordem social que

reconheça a pertinência da chamada “natureza humana feminina”.

Conforme se vê no primeiro bloco de análise, ao representar-se como mulher

ou falar sobre ela, a governante associa, características tipificadas como femininas

por nossa sociedade, sejam elas positivas ou negativas, como podemos ver no quadro

a seguir:

QUADRO 7 – Características Positivas e Negativas do Pronunciamento 1

Características positivas Características negativas

60 Esta expressão, inclusive, traz a memória discursiva de um jargão utilizado por uma grande rede de

produtos voltados à mulher, as lojas Marisa.

86

Forte, batalhadora – (E9) a força da

mulher, porque mesmo quando está

em uma dura condição de pobreza, a

mulher é a principal mola de

propulsão para vencer a miséria

(E18) batalhando com fé e amor por

sua família e por seu país

Fraca/sofredora - (E9) O pior é que,

em certas circunstâncias, a mulher

continua sendo a mais pobre dos

pobres, a mais sofredora entre os

sofredores.

Agregadora - Porque ela é o centro

da família. Porque quando uma

mulher se ergue, nunca se ergue

sozinha, ela levanta junto seu

companheiro, ela levanta junto seus

filhos, ela fortalece toda a família

(E16) Quero estreitar cada vez mais

os laços entre nós

(E18) É o século da mulher

trabalhando ao lado do homem, de

igual para igual, batalhando com fé e

amor por sua família e por seu país

Mexeriqueira/fiscais – (E16) Quero,

antes de tudo, que vocês sejam os

olhos e o coração do meu governo,

sejam a minha voz e o meu ouvido

Administradora do lar - Noventa e

três por cento dos cartões do Bolsa

Família estão, por exemplo, em nome

de mulheres, são mais de 19 milhões

de mulheres que vão ao banco todo

mês buscar e administrar recursos

para ajudar no sustento da família.

Progenitora - (E13) A mulher é, por

natureza, fonte de vida e de energia,

Pacificadora, amorosa – (E14) Em

todo o mundo a voz da mulher se

87

sobressai na defesa da paz, do amor

e da justiça. A mulher brasileira

merece, portanto, cada vez mais,

justiça, amor e paz

(E18) batalhando com fé e amor por

sua família e por seu país

Detalhista – (E17) É assim que nós,

mulheres, gostamos de cuidar das

coisas: vendo todos os detalhes,

tintim por tintim.

Fonte: Ramos, 2018.

Algumas dessas características são percebidas por meio do vocabulário

escolhido, como os verbos (levanta, fortalece, batalhando, administrar, estreitar); os

substantivos abstratos (força, detalhes, fé, amor); os adjetivos (pobre, sofredora),

enquanto outros são construídos por meio de metáforas, como no (E13) A mulher é

fonte de vida e de energia, ela levanta junto seu companheiro, ela levanta junto seus

filhos, a mulher é a principal mola de propulsão para vencer a miséria); também

fazendo uso de implícitos que carregam significados negativos/positivos, como no

(E16): “quero, antes de tudo, que vocês sejam os olhos e o coração do meu governo,

sejam a minha voz e o meu ouvido”. Esse último, por sua vez, pode ser compreendido

como positivo e negativo, pois pode carregar o sentido de fiscalizadora do

gerenciamento econômico-social, mas também de mexeriqueira se a interpretação

conferida acompanhar discursos estereotipados. De certa forma, a escolha vocabular

e até mesmo a transitividade escolhida (tema, neste caso e não rema), contribuem

para a reconfiguração de visões de mundo relativas ao universo feminino já bem

estabilizadas em nossa sociedade. Quando se diz que “a mulher continua sendo a

mais pobre dos pobres, a mais sofredora entre os sofredores”, como acontece no (E9),

assegura-se que a mesma é vítima de uma engrenagem social que

determina/caracteriza a pobreza e o sofrimento humanos enquanto femininos. Esse é

o significado acional encabeçado no ato de fala que precisa ser pensado, refletido,

88

buscado a sua gênese, já que os efeitos nefastos das estruturas sociais recaem mais

vivamente sobre esses sujeitos sociais.

Em um segundo movimento de análise desse bloco, partimos para o papel

esperado de um presidente/presidenta. Espera-se que um governante assuma

responsabilidades perante seus confederados, provendo a eles o bem estar social,

sejam eles relacionados à saúde, educação, economia, entre outros. Desse feito,

quando Dilma assume o poder, é esperado dela essa ação, que é destacada, em

vários pronunciamentos, de forma bem enfática pela governante. Sendo assim, ela

representa-se como presidenta assumindo o que interpreto como duas

responsabilidades: a de trazer propostas concernentes à população brasileira de

forma geral e também o compromisso com a mulher brasileira que ela representa no

espaço público de poder. Essas responsabilidades emergem no texto como propostas

já alcançadas e propostas ainda a serem alcançadas, como veremos no quadro a

seguir:

QUADRO 8 – Responsabilidades presidenciais no Pronunciamento 1

Conquistas alcançadas Conquistas a serem alcançadas

(E1) Hoje, Dia Internacional da Mulher, é

uma data ideal para uma presidenta falar

com suas irmãs brasileiras

(E4) Mas sei que governo e sociedade precisam

fazer muito mais para a valorização plena da

mulher

(E3) Sinto alegria de chefiar um governo que

tem o maior conjunto de programas de apoio

à mulher na nossa história.

(E5) Não é exagerado dizer que cada mulher ainda tem algo a dever a si mesma, e cada homem tem algo a dever à mulher que está a seu lado. Nós, mulheres, vamos continuar em dívida com a gente mesmo se aceitarmos passivamente certa herança negativa que ainda temos sobre os ombros. Cada homem vai continuar em dívida consigo mesmo se não olhar com igualdade, com respeito e com amor sua mulher, sua mãe, sua irmã ou sua filha. A luta pela valorização da mulher é, portanto, um dever de todos: brasileiras e brasileiros de todas as classes, de todos os credos, de todas as raças e de todas as regiões do país.

(E6) Minha chegada à Presidência significou um momento único de afirmação da mulher na sociedade brasileira. Não esqueço isso um só minuto, e sei que nenhuma de vocês esquece disso quando olha para mim. Minha eleição reforçou, em alguns setores da sociedade, uma tendência de enaltecimento da força da mulher. Não podemos aceitar o

(E6) Minha chegada à Presidência significou um momento único de afirmação da mulher na sociedade brasileira. Não esqueço isso um só minuto, e sei que nenhuma de vocês esquece disso quando olha para mim. Minha eleição reforçou, em alguns setores da sociedade, uma tendência de enaltecimento da força da mulher. Não podemos aceitar o falso triunfalismo, mas

89

falso triunfalismo, mas também não devemos nos render ao amargor derrotista. Sei que uma mulher que chegou à Presidência com milhões de votos de brasileiros e de brasileiras não poderá jamais ter uma atitude ressentida contra os homens. Mas sei, muito especialmente, que uma presidenta não pode ter uma política tímida, ultrapassada e meramente compensatória para as mulheres.

também não devemos nos render ao amargor derrotista. Sei que uma mulher que chegou à Presidência com milhões de votos de brasileiros e de brasileiras não poderá jamais ter uma atitude ressentida contra os homens. Mas sei, muito especialmente, que uma presidenta não pode ter uma política tímida, ultrapassada e meramente compensatória para as mulheres.

(E7) Quarenta por cento das nossas famílias são chefiadas atualmente por mulheres, quando, dez anos atrás, não passavam de 25%.

Nos últimos anos, (E8) a taxa de desemprego feminino vem caindo com mais força, mas ocupamos apenas 45% das vagas de trabalho disponíveis, e continuamos recebendo menos que os homens pelo mesmo trabalho realizado. Isso tem que melhorar.

(E10) Vem daí a importância que damos à mulher, nos nossos programas sociais. Noventa e três por cento dos cartões do Bolsa Família estão, por exemplo, em nome de mulheres, são mais de 19 milhões de mulheres que vão ao banco todo mês buscar e administrar recursos para ajudar no sustento da família. Quarenta e sete por cento dos contratos da primeira etapa do Minha Casa, Minha Vida foram assinados por mulheres. Esse percentual será ainda maior no Minha Casa, Minha Vida 2. Nele, a escritura dos apartamentos populares será feita em nome da mulher.

(E11) A mulher é um ser empreendedor, precisa, portanto, de oportunidades. A mulher é uma pessoa, antes de tudo, dedicada e trabalhadora, precisa, portanto, de emprego e de capacitação para o trabalho. Temos estimulado programas de capacitação, microcrédito e igualdade no emprego. Temos procurado apoiar a luta das mulheres em todas as áreas, sejam elas cientistas, profissionais liberais, operárias ou empregadas domésticas. O Programa Mulheres Mil está garantindo formação profissional e tecnológica para a inserção de milhares de mulheres no mercado de trabalho até 2014. E para dar mais autonomia de trabalho às mães pobres do Brasil, estamos construindo, até 2014, seis mil novas creches e pré-escolas.

(E12) O nosso governo tem dado, e vai continuar dando, uma atenção toda especial à saúde da mulher e da criança. Criamos o Rede Cegonha, que já beneficiou 930 mil gestantes, em mais de 1.500 municípios. Para atingir esta meta já liberamos R$ 452 milhões para a assistência materno-infantil. Em 2011, foram realizadas 20 milhões de consultas pré-natais pelo SUS, um aumento de 133% em relação ao ano de 2003. No ano passado, as gestantes e as nutrizes de baixa renda passaram a ser beneficiárias do Bolsa Família. Em apenas cinco meses, 241 mil delas já foram beneficiadas.

(E15) Ainda este ano vamos ampliar para 1.100 unidades os serviços de atendimento à mulher em situação de violência. E vamos reforçar o Pacto Nacional pelo Enfrentamento da Violência contra a Mulher que já articula, com êxito, ações nos 27 estados brasileiros.

Fonte: Ramos, 2018.

Nesses excertos, podemos perceber a mescla entre os significados acionais,

representacionais, como já visto anteriormente, podendo ser incluído também o

90

significado identificacional. Os dois primeiros já expostos são reforçados pelo

significado identificacional na categoria modalidade ou estilo, como proposto por

Fairclough (2001, 2003). Sempre que Dilma representa-se como chefe de governo ela

o faz de forma enfática, modalizando-o de forma a obter efeitos de sentido de não

aceitação de padrões patriarcais com relação à posição da mulher em espaços

públicos de poder: quer sejam eles o próprio lar ou outros espaços que lhe aprouver.

Ao colocar-se nessa posição sujeito, a presidenta utiliza advérbios típicos de negação

associados a verbos ou locuções verbais, como no (E6) “Não esqueço; não podemos

aceitar; uma presidenta não pode ter uma política tímida.” Podemos concluir, a partir

dessa modalização, sua não concordância implícita com esses estereótipos

cristalizados, abrindo margem a uma posição de resistência a esses padrões.

Esse fator, isoladamente, já poderia nos apontar para o conhecimento que

Dilma tinha da importância desse momento histórico para as mulheres brasileiras.

Contudo, soma-se a isso, em diversos excertos, inclusive neste pronunciamento,

explícitas declarações afirmativas, como no excerto (E6)

Minha chegada à Presidência significou um momento único de afirmação da mulher na sociedade brasileira. Não esqueço isso um só minuto, e sei que nenhuma de vocês esquece disso quando olha para mim. Minha eleição reforçou, em alguns setores da sociedade, uma tendência de enaltecimento da força da mulher; Mas sei, muito especialmente, que uma presidenta não pode ter uma política tímida, ultrapassada e meramente compensatória para as mulheres.

Além da responsabilidade afirmada e reafirmada em diversos trechos, podemos

somar outra, a responsabilidade moral, pois ela se coloca como exemplo, modelo para

outras mulheres ao dizer que “nenhuma de vocês esquece disso quando olha para

mim”, ainda no (E6).

A consciência explícita da desigualdade entre homens e mulheres é posta,

inclusive, como alvo de luta ou ideal a ser alcançado. O sentido de luta não está

associado apenas a vocábulos de conotação bélica, mas se realiza também por meio

da oração adverbial condicional intensificada pelo advérbio de modo “passivamente”

– “vamos continuar em dívida com a gente mesmo se aceitarmos passivamente certa

herança negativa que ainda temos sobre os ombros” no (E5). Além de atribuir à mulher

a responsabilidade de posicionar-se passivamente frente a um estado de coisas que

acompanha o curso da história, ela atribui primeiramente aos homens esse dever

para, posteriormente, fazer a generalização “dever de todos” ao afirmar, no (E5):

91

cada homem tem algo a dever à mulher que está a seu lado. (...) Cada homem vai continuar em dívida consigo mesmo se não olhar com igualdade, com respeito e com amor sua mulher, sua mãe, sua irmã ou sua filha. A luta pela valorização da mulher é, portanto, um dever de todos.

Outro aspecto, ainda sobre esse pronunciamento, que nos chama a atenção, é

a tentativa de ligar seu governo inovador a estatísticas que comprovam essas ações

em favor das mulheres, sejam atitudes referentes à atenção dada a elas em vários

âmbitos, como também à emergente posição feminina frente a novos desafios, fora

do privado (como empreendedoras, como veremos em um próximo pronunciamento)

ou até mesmo o reconhecimento do papel de chefe do lar, com plenos poderes para

isso, diferentemente do que acontecia no passado. Para construir a legitimação desse

discurso, a presidenta usa uma das estratégias descritas por Thompson (2002), a

racionalização. Essa estratégia acontece pelo uso sistemático de percentual

relacionado sempre aos planos de governo já realizados, reafirmando, assim, tanto a

veracidade de suas declarações, como a inovação de seu governo em comparação

aos governos passados, como podemos destacar a seguir no (E7), (E10) e (E12):

(E7) Quarenta por cento das nossas famílias são chefiadas atualmente por mulheres, quando, dez anos atrás, não passavam de 25%; ou em (E10) Noventa e três por cento dos cartões do Bolsa Família estão, por exemplo, em nome de mulheres, são mais de 19 milhões de mulheres que vão ao banco todo mês buscar e administrar recursos para ajudar no sustento da família. Quarenta e sete por cento dos contratos da primeira etapa do Minha Casa, Minha Vida foram assinados por mulheres; ou em (E12) O nosso governo tem dado, e vai continuar dando, uma atenção toda especial à saúde da mulher e da criança. Criamos o Rede Cegonha, que já beneficiou 930 mil gestantes, em mais de 1.500 municípios. Para atingir esta meta já liberamos R$ 452 milhões para a assistência materno-infantil. Em 2011, foram realizadas 20 milhões de consultas pré-natais pelo SUS, um aumento de 133% em relação ao ano de 2003.

Esses dois últimos excertos do parágrafo anterior apontam para um modelo

não tradicional dos papéis de homens e mulheres que são reforçados e legitimados

pelos dados estatísticos apresentados pela presidenta. Ao colocar esses dados como

tópico/tema, além de associá-lo ao seu governo como estratégia discursiva positiva,

ela reforça a ideia de um padrão até então estabelecido socialmente em que as

mulheres tinham apenas nome61, sendo assim, como poderiam administrar os

61 Essa falta de nome, de vestígios, é retratada por Perrot (2015) e pode ser conferida no primeiro capítulo na página 28.

92

recursos do lar ou até mesmo ter uma casa em seu próprio nome? Isso corrobora para

a construção dos três significados como proposto por Fairclough (2001), mas

especialmente o representacional ao carregar ideologias de resistência ou de

sustentação. O próprio autor declara a contradição como forma de reação ou

sustentação de ideologias. Acredito que é o que ocorre nessa situação. Isso porque

ao mesmo tempo que Dilma alcança, por meio dos dados, a comprovação de que as

mulheres são inferiorizadas na sociedade brasileira, é a partir dessa legitimação que

ela procura se opor, resistir a esse sistema, apresentando possibilidades diferentes

para aquelas mulheres que são marginalizadas.

Esse padrão pode ser percebido em todos os pronunciamentos, o que pode

ressaltar a ciência que Dilma tem da posição inferior das mulheres em relação aos

homens, corroborando para o imaginário social de inferioridade feminina. Mais uma

vez, misturam-se os significados acional, representacional e identificacional. Isso

porque podemos dizer que a presidenta assume a responsabilidade de ser a pessoa

que pode fazer com que algumas questões referentes à mulher sejam resolvidas

através de leis, medidas, projetos, ou seja, algum meio de ação literal. Ao colocar-se

dessa forma, ela está agindo em nossa sociedade em forma de projetos, colocando

em prática medidas em prol de um grupo. Além disso, tão importante quanto a primeira

forma de ação, Dilma age no sentido discursivo/ideológico, estabelecendo novos

padrões que podem ser replicados por outras mulheres com relação à posição da

mulher frente a outros desafios, se assim ela almejar, como ser empreendedora,

administradora, dona de si, não mais reprodutora de um padrão que foi estipulado por

alguém para ela.

Quando a governante se refere às ações que ainda precisam ser feitas em

benefício feminino, ela recorre às mesmas estratégias discursivas de legitimação,

mais uma vez mostrando-se conhecedora de seu papel social da posição que ocupa

como reconhecida por meio de eleições, como aponta o (E4) “Mas sei que governo e

sociedade precisam fazer muito mais para a valorização plena da mulher”; e o (E6)

“Sei que uma mulher que chegou à Presidência com milhões de votos de brasileiros

e de brasileiras não poderá jamais ter uma atitude ressentida contra os homens.”

O fato da governante fazer questão de lembrar que está nesta posição por meio

de eleições talvez aponte para uma afirmação necessária frente a um cenário social

muito marcado por padrões ideológico-patriarcais, como referido anteriormente. Esta

93

afirmação advém da observação de dois vocábulos: ressentida e tendência. O

primeiro vocábulo deixa evidente um jogo de palavras que pode levar a uma

pressuposição: se ela não pode, jamais, como ela mesma afirma, ter uma atitude

ressentida, opostamente, isso pode significar que esse sentimento poderia existir por

parte de uma mulher, tanto que ela precisa afirmar que isso não pode acontecer,

utilizando o modalizador negativo “não pode” e o intensificador “jamais”.

O substantivo tendência pode evidenciar também, por sua vez, um raciocínio

lógico no qual se pode subentender o seguinte jogo simbólico: se é uma tendência, é

porque ainda não está enraizada, não é típico, não é comum, o que mais uma vez

corrobora para o uso da contradição como aponta Fairclough (2001), como construção

argumentativa em defesa de uma emergência feminina no pronunciamento de Dilma.

Ainda sobre a necessidade de afirmar-se nessa posição sujeito presidenta,

mostraremos, em outros pronunciamentos, que essa estratégia é utilizada mais vezes,

ora mais modalizada, ora menos modalizada, interligando o significado identificacional

aos demais significados, como proposto por Fairclough (2001).

Uma última contribuição deste bloco de análise é a ligação posta por Dilma

entre as conquistas que ainda precisam ser feitas pela mulher brasileira e as

oportunidades de autonomia frente às atividades domésticas, na administração dos

recursos do lar, ou às atividades profissionais, que lhe são possíveis. Essas

possibilidades são sustentadas através de adjetivos ou predicação nominal que

caracterizam a mulher, como: ser empreendedor, dedicada, trabalhadora, como vimos

no (E11) - (cf. p. 87). Dilma concorda que para que a mulher esteja em igualdade com

os homens, ela precisa se qualificar. É por isso que seu governo apoia projetos dessa

magnitude. É somente a partir da qualificação dessa mulher que ela poderá adentrar

espaços públicos que em décadas passadas eram inacessíveis a mulheres, como já

exposto por Pierrot no primeiro capítulo (cf. p. 29). Para demonstrar isso, Dilma

escolhe o substantivo “luta” com significado bélico e de conotação metafórica para se

referir a uma prática constante das mulheres em busca da ocupação igualitária dos

espaços mercadológicos da produção econômica e percepção monetária, como

podemos ver no (E 11):

Temos estimulado programas de capacitação, microcrédito e igualdade no emprego. Temos procurado apoiar a luta das mulheres em todas as áreas, sejam elas cientistas, profissionais liberais, operárias ou empregadas domésticas.

94

Fica evidente que a governante traz exemplos de profissões não típicas do

universo feminino, ou melhor dizendo, de acesso restrito a elas, como cientistas e

profissionais liberais e ao mesmo tempo reconhece que a mulher pode exercer a

profissão que lhe aprouver, e isso perpassa os contextos femininos mais típicos, como

empregada doméstica.

O segundo bloco de análise corresponde ao segundo pronunciamento de Dilma

Rousseff por ocasião do Dia das mães, em 13/05/2012. Esse é um pronunciamento

curto, voltado às mulheres que são mães. Dentre todos os excertos, destacaremos

alguns no quadro a seguir:

QUADRO 9 – Excertos do Pronunciamento 2

P2 – Homenagem ao Dia das Mães

(E28) Talvez seja essa a primeira vez que, desta cadeira presidencial, alguém faz um pronunciamento no nosso dia, o Dia das Mães. Não por acaso, é também a primeira vez que nosso país tem uma presidenta, uma mulher que é mãe, filha e avó. Uma mulher, que como a maioria de vocês, já se emocionou nessa data.

(E29) Hoje, quero dar um abraço cheio de alegria e esperança em todas as mães brasileiras, em especial, nas que mais sofrem, nas que passam sacrifício para alimentar, criar e educar seus filhos. Sei que quando uma presidenta fala para as mães mais pobres, todas as outras mães a escutam com alma e coração. Por isso, sei que cada uma de vocês está atenta ao que eu vou dizer. Não são apenas palavras de conforto que tenho para as mães mais pobres do nosso país. Quero anunciar, hoje, o lançamento da ação Brasil Carinhoso, que irá tirar da miséria absoluta todas as famílias brasileiras que tenham crianças de 0 a 6 anos de idade.

(E30) O Brasil Carinhoso faz parte do grande programa Brasil Sem Miséria, que estamos desenvolvendo com sucesso em todo o território nacional. E será a mais importante ação de combate à pobreza absoluta na primeira infância já lançada no nosso país. O nome da ação diz tudo: Brasil Carinhoso. É o Brasil cuidadoso, o Brasil que cuida bem do seu bem mais precioso: as nossas crianças. Que tem carinho e amor por elas.

(E31) Com o Brasil Carinhoso, estamos reforçando fortemente as ações do Brasil Sem Miséria que beneficiam as mulheres e as crianças. As crianças, aliás, têm sido a prioridade desde o início do programa, como mostram, por exemplo, os subprogramas Bolsa Gestante e o Bolsa Nutriz.

(E32) Fico muito feliz de poder anunciar o Brasil Carinhoso no Dia das Mães. É uma forma de reafirmar, de maneira ainda mais contundente, que nosso governo tem o maior conjunto de programas de apoio à mulher e à criança da nossa história. Ou seja, é o Brasil cuidando cada vez mais de quem dá a vida e de quem faz o futuro.

95

(E33) É um Brasil moderno e amoroso, cuidando de suas mães e dos nossos queridos brasileirinhos e brasileirinhas.

Fonte: Ramos, 2018.

No campo representacional de significados, mais uma vez Dilma se coloca em

duas posições sujeito: presidenta e mulher. Ao colocar-se como presidenta, faz

questão de assinalar a inovação de sua posição política, ao escolher o numeral

“primeira” associado ao verbo “vez”. Essa escolha lexical não acontece por acaso, já

que percebe-se que além de contribuir para a construção do significado de inovação,

de fato inusitado, é possível intuir que esse uso é intencional pela repetição da palavra

mais de uma vez no mesmo parágrafo. Essas repetições podem ser vistas como uso

expressivo da linguagem, uma anáfora, como podemos ver no (E28):

Talvez seja essa a primeira vez que, desta cadeira presidencial, alguém faz um pronunciamento no nosso dia, o Dia das Mães. Não por acaso, é também a primeira vez que nosso país tem uma presidenta, uma mulher que é mãe, filha e avó. Uma mulher, que como a maioria de vocês, já se emocionou nessa data.

Vejamos que o discurso de Dilma se volta para si neste enunciado. Ela reforça

o seu papel e identidade de chefe de estado e de posição de destaque frente ao corpo

social. Representa-se ainda como pioneira de uma prática linguístico-discursiva, qual

seja, a de dirigir-se à Nação em comemoração ao dia das mães para, depois, se

igualar às outras mulheres. Nessa manobra discursiva, em que se posiciona enquanto

pessoa/mulher emotiva, sentido arraigado ao imaginário social, à luz do significado

acional do texto, sugere proximidade e apreço por suas supostas eleitoras.

A repetição da expressão “a primeira vez” reforça o pioneirismo do fato que,

entre outros fatores, sob a égide dos significados representacionais, revela

comprometimento com essa parcela da população. A ideia de chefe de governo é

também reconhecida no vocábulo “presidenta” e na forma referencial “cadeira

presidencial”. Dessa forma, no que concerne aos significados identificacionais,

demarcam-se posições sociais hierárquicas e de poder que ela, nesse momento,

neutraliza em nome daquelas para as quais se dirige.

Outro modo de ação do discurso sobre o corpo social advindo do excerto

destacado no parágrafo anterior é a associação da governante ao gênero feminino em

vários papéis sociais: profissional (presidenta), mulher, mãe, filha e avó. Os últimos

96

são acentuados por características que socialmente se esperam do gênero feminino

nos papéis tradicionais (mãe, filha, avó), como é possível notar nos excertos (E28),

(E29), (E30), (E32), (E33). Dentre essas características prototípicas estão aquelas

ligadas à propriedade única de gerar, no (E32) “é o Brasil cuidando cada vez mais de

quem dá a vida e de quem faz o futuro” até sensações mais delicadas, como a

emoção. Esta última, por sua vez, aparece em uma forma verbal “emocionou” no

excerto (E28). Este vocábulo está sempre associado à rede de sentidos afetivos,

como no (E29) “todas as outras mães a escutam com alma e coração” ou no (E33) “É

um Brasil moderno e amoroso”, pois no corolário social só sente, se emociona, quem

tem coração, alma, amor pelo próximo. Esses sentidos podem, por um lado, contribuir

para o acirramento do imaginário de que a mulher é emoção e o homem é razão se

utilizarmos o contraste como meio de obtenção de significados possíveis.

Entretanto, por outro lado, podemos interpretar que, neste caso, a emoção se

alia à razão, pois essas emoções não ficam apenas no âmbito do sentir, mas passa

para o campo da ação, como podemos observar no (E29). O significado acional pode

ser percebido nas propostas de governo da presidenta, a começar pela escolha do

grupo “crianças” que será beneficiado, até ao nome dado para o projeto “Brasil

Carinhoso” (E30). Como veremos a seguir, destacado no excerto, o nome do projeto

é associado a uma ação que é demarcada por um verbo típico acional “anunciar” em

confronto com a adjetivação “de conforto” a outro verbo de ação, mas voltado ao

universo feminino “confortar” - “Não são apenas palavras de conforto que tenho para

as mães mais pobres do nosso país. Quero anunciar, hoje, o lançamento da ação

Brasil Carinhoso”. Essa ação aparece em forma de um governo que se preocupa com

as crianças, com as mulheres.

No Excerto (E30), a junção, razão e emoção, ocorre mais uma vez em outro

trecho: “Brasil Carinhoso. É o Brasil cuidadoso, o Brasil que cuida bem do seu bem

mais precioso: as nossas crianças. Que tem carinho e amor por elas.” O adjetivo

cuidadoso é colocado como ação logo em seguida pelo verbo cuidar, contudo, dessa

vez, essa relação é exercida pela topicalização do substantivo Brasil. Logo, por

contraste, podemos intuir que um Brasil comandado pela mulher pode, a um só tempo,

ser razão e emoção. Por contraste, aliam-se, padrões comportamentais

historicamente atribuídos aos sujeitos sociais masculinos e femininos.

97

Por fim, nesta última seção de análise do pronunciamento em foco, é possível

perceber que o significado identificacional, em que a presidenta se apresenta em par

de igualdade com suas eleitoras, contribui para o fortalecimento de seu governo. Sob

o ponto de vista dos significados acionais, seu discurso surte efeito de promotor efetivo

dos anseios femininos. Essas ações são postas como verdadeiras pelo uso constante

de dados estatísticos e exemplos de projetos em todo o pronunciamento. Esse

engajamento é construído pelo uso do verbo reafirmar e do adjetivo contundente

ligado às propostas do governo Dilma, como é possível perceber neste trecho do

excerto (E32) “É uma forma de reafirmar, de maneira ainda mais contundente, que

nosso governo tem o maior conjunto de programas de apoio à mulher e à criança da

nossa história”.

Para além desse tipo de engajamento, ainda é possível notar, mesmo que de

forma discreta neste pronunciamento, um engajamento de mudança na ordem das

coisas também ao colocar a mulher como uma das protagonistas da modernidade e

futuro do país, como vemos no (E32) e (E33), respectivamente, “é o Brasil cuidando

cada vez mais de quem dá a vida e de quem faz o futuro” e “É um Brasil moderno e

amoroso”. Esse protagonismo não é marcado linguisticamente mas ideologicamente,

como algo desejável. Essas impressões advém de associações possíveis, como (se

quem dá a vida é a mulher, logo ela é também aquela que faz o futuro) ou por meio

de predicações de um Brasil que assume características que só são possíveis por

meio de ações humanas.

O terceiro bloco de análise referente ao P3 em homenagem ao Dia

Internacional da Mulher em 08/03/2013 continua trazendo padrões discursivos

compreendidos em um campo semântico encabeçado por vocábulos tais como: amor,

cuidado, carinho, afeto, coração, alma, sofrimento, luta, família, entre outros, conforme

demonstrado nos pronunciamentos anteriores.

Vejamos no quadro a seguir os excertos a serem examinados neste

bloco analítico:

QUADRO 10 – Excertos do Pronunciamento 3

P3 – Dia Internacional da Mulher

98

(E19) Hoje, Dia Internacional da Mulher, eu quero dar mais que um abraço carinhoso a todas vocês, que me ajudam com muita força e dedicação a construir um novo Brasil para os nossos filhos e para os nossos netos.

(E20) Em homenagem à sua luta diária, decidi anunciar hoje três medidas muito importantes para você e para sua família. Importantes especialmente para as mães de família mais pobres e as de classe média, que dividem, com seus maridos, a responsabilidade pelo sustento da casa.

(E21) Desde o mês passado você está pagando uma conta de luz mais barata. Agora, com mais esta redução de despesas, você vai poder equilibrar um pouquinho melhor o seu orçamento doméstico. Para que a medida seja ainda mais benéfica, definimos um novo formato da cesta básica de alimentos. Esse formato respeita seus hábitos de alimentação e de higiene, além de priorizar os alimentos de mais qualidade nutritiva, o que vai trazer mais saúde para você e para sua família.

(E22) Minha querida amiga,

Governo este país com a mesma responsabilidade que você e seu marido governam sua casa. Governo também com a mesma sensibilidade e cuidado que vocês devotam à sua família. É por isso que não descuido um só momento do controle da inflação, pois a estabilidade da economia é fundamental para todos nós. Mas é por isso também que não deixo de buscar sempre novas formas de baratear o custo de vida dos brasileiros e de proteger o seu poder de consumo e os seus direitos de consumidor.

(E23) É nossa obrigação agora defendê-los, pois essa é uma forma

poderosa de cuidar do desenvolvimento do Brasil.

(E24) Repito, neste dia dedicado mundialmente a cada uma de nós, que um governo comandado por uma mulher tem mais que obrigação de lutar pela igualdade de gênero, pela defesa intransigente dos mesmos direitos para homens e para mulheres. Esta, aliás, deve ser a disposição de qualquer governo, seja ele comandado por um homem ou por uma mulher. Não se trata apenas de uma questão ética ou humanística. Trata-se de uma questão eminentemente estratégica.

Nenhum país moderno pode desperdiçar a energia e o talento das mulheres, sob o risco de deformar o seu presente e comprometer o seu futuro. A desigualdade de gênero não é apenas socialmente maléfica, como economicamente destrutiva. Por sabermos disso, somos o governo com o maior volume de políticas públicas em favor da mulher em nossa história, mas precisamos e vamos fazer muito mais.

(E25) Por falar nisso, passo à terceira medida que anuncio hoje. O governo federal vai instalar, em cada estado, um moderno centro de atendimento integral à mulher, que contará, entre outros serviços especializados, com um setor de prevenção e atenção contra a

99

violência doméstica, e outro de apoio à mulher, à mulher empreendedora, com ferramentas de estímulo ao pequeno negócio, como o microcrédito e a capacitação profissional.

(E26) O Brasil, como único país emergente onde, nos últimos anos, diminuiu a desigualdade social, tem a responsabilidade de diminuir, ainda com mais rapidez, a desigualdade entre homens e mulheres. O Brasil, como um dos poucos países do mundo que, nesses anos de crise, aumentou sem parar o emprego, tem mais que obrigação de garantir melhores oportunidades e salário mais justo para as mulheres. E o país que retirou, em dois anos, 22 milhões de brasileiros e brasileiras da miséria, tem que ser um defensor intransigente dos direitos humanos das mulheres.

(E27) Para encerrar, faço um especial apelo e um alerta àqueles homens que, a despeito de tudo, ainda insistem em agredir suas mulheres. Se é por falta de amor e compaixão que vocês agem assim, peço que pensem no amor, no sacrifício e na dedicação que receberam de suas queridas mães. Mas se vocês agem assim por falta de respeito ou por falta de temor, não esqueçam jamais que a maior autoridade deste país é uma mulher, uma mulher que não tem medo de enfrentar os injustos nem a injustiça, estejam onde estiverem.

Carinho, força, dedicação, filhos e netos são vocábulos que sustentam/dão

aporte ao excerto (E19) para que o mesmo evoque o sentido de pertença da

presidenta no grupo da parcela feminina da sociedade. À luz desse preceito do grupo

dos iguais, tece seu discurso atribuindo à mulher comum a função de auxiliar na tarefa

de mudar a ordem socioeconômica brasileira em prol de uma bandeira ideológica

chamada “família”. Nesse sentido, representa-se nos excertos (E20), (E21) e (E22)

enquanto promotora da justiça social: “eu quero dar mais que um abraço carinhoso a

todas vocês”, ou seja, quero recompensá-las por me ajudarem nessa tarefa que exige

força, dedicação, luta diária, responsabilidade, sensibilidade e cuidado. Vejamos

ainda que, sob o ponto de vista dos significados acionais, o discurso em foco, ao incluir

em seu cômputo os sujeitos sociais masculinos, ainda na esteira do campo semântico

“família” subentendida no vocábulo “marido” em: “governo este país com a mesma

responsabilidade que você e seu marido governam sua casa” (E22), passa a

reconhecer também esses sujeitos como pertencentes ao que arriscamos chamar de

“grupo dos iguais”. Mas compreende-se daí que a mulher se mantém numa posição

hierárquica superior a dele. Nesse passo, pode-se dizer que, muito embora esse

discurso seja carregado de tradicionalismos de algum modo serve de aporte para o

almejado empoderamento feminino no campo político.

100

Pode-se, ainda, nesse gesto de análise, dizer que, quando se aproximam as

identidades presidente e mãe, dona de casa, esposa, trabalhadora, há um esforço

formal e linguístico da sua parte em mostrar-se/identificar-se como sujeito competente

para desempenhar o seu papel de presidenta, bem como dotada de atributos de

gênero considerados tipicamente femininos. Ao dividir a função interpessoal de

Halliday em identificacional e relacional, Fairclough (2003) busca dar conta desse

fenômeno linguístico-discursivo. Para o estudioso, as identidades são relacionais no

sentido de que aquilo que uma pessoa é (ou nos leva a crer que é) está intimamente

ligado ao como a pessoa se relaciona com o mundo e as outras pessoas. Nesse

sentido, a negociação de identidades, via discurso, nesse gesto analítico, converge

para dois aspectos daquilo que chamamos de significados identificacionais, qual

sejam, identificação social e ethos político, por um lado, e identificação social e espaço

político, por outro lado. De acordo com Barros (2008, p. 207)

Nos estudos discursivos, falar sobre identificação social equivale a dizer que, por um lado, as trocas verbais ou interações discursivas são indissociáveis da influência que os interlocutores desejam exercer uns sobre os outros. Por outro lado, considerando os espaços sócio-discursivos em que o falante se manifesta, equivale, também, a dizer que a identificação social está ligada à distribuição preestabelecida de papéis para o locutor.

No tocante à identificação social e à distribuição preestabelecida de papéis para

o locutor, pode-se, ainda, dizer que a repetição redundante do verbo de ação

“governo” (E22), bem como a expressão, “um governo comandado por uma mulher”

(E24), atestam autoridade, poder e força da presidenta.

Vejamos também que o tom brando e pacificador até então retratado em seu

pronunciamento cede lugar a um embate político, combativo e ideológico no que

concerne às desigualdades de gênero. Conforme se vê em no (E24):

(...) um governo comandado por uma mulher tem mais que obrigação de lutar pela igualdade de gênero, pela defesa intransigente dos mesmos direitos para homens e para mulheres.

101

As constantes repetições dessa posição sujeito, nesse pronunciamento em

especial, são adornadas e colocadas até mesmo de forma autoritária e na modalidade

de ameaça ao final do pronunciamento. Ao abordar a questão da violência contra a

mulher, por meio de discurso exortativo a presidenta faz o apelo que lhe compete no

(E27):

Mas se vocês agem assim por falta de respeito ou por falta de temor, não esqueçam jamais que a maior autoridade deste país é uma mulher, uma mulher que não tem medo de enfrentar os injustos nem a injustiça, estejam onde estiverem.

Esse último trecho pode ser interpretado como o extremo da modalidade

combativa com relação à sua autoridade como presidenta. Por intermédio da

expressão “não esqueçam jamais”, faz lembrar que ela é também mulher e autoridade

máxima do país. Além desses sentidos, é possível dizer também que ao relacionar a

posição sujeito presidente e mulher ela representa-se, agora, com características não

mais tipificadas socialmente como femininas, mas como masculinas, por meio da

negação do medo, que, como sabemos, ecoa nos discursos sobre a violência contra

a mulher como sendo a causa do não enfrentamento dessa prática masculina.

Outro aspecto importante que podemos destacar dos excertos 22, 24 e 25

advém da sistematização do significado acional, ao qual organizaremos sua ação

dentro de dois aspectos: governamental e social (sendo esta última normalmente

veiculada a associações inovadoras ou emergentes do papel da mulher atual). O

primeiro trata da ação esperada socialmente de um governo. O segundo, por sua vez,

trata da ação social emergente (já posta em outros pronunciamentos como inovador)

e militante da presidenta frente às questões de gênero. A partir do momento em que

as diferenças entre homens e mulheres nas diversas áreas são acentuadas no

pronunciamento de Dilma, ficam evidentes as práticas sociais aqui assinaladas como

conservadoras/ tradicionais e/ou emergentes.

102

QUADRO 11 – SIGNIFICADOS ACIONAIS NO PRONUNCIAMENTO 3

SIGNIFICADO ACIONAL NO PRONUNCIAMENTO 3

AÇÃO GOVERNAMENTAL

(modo concreto)

AÇÃO SOCIAL

(modo ideológico, abstrato)

(E20) decidi anunciar hoje três

medidas muito importantes para você

e para sua família. Importantes

especialmente para as mães de

família mais pobres e as de classe

média,

(E20) decidi anunciar hoje três

medidas muito importantes para você

e para sua família. Importantes

especialmente para as mães de

família mais pobres e as de classe

média, que dividem, com seus

maridos, a responsabilidade pelo

sustento da casa

(E21) Desde o mês passado você

está pagando uma conta de luz mais

barata. Agora, com mais esta redução

de despesas, você vai poder equilibrar

um pouquinho melhor o seu

orçamento doméstico. Para que a

medida seja ainda mais benéfica,

definimos um novo formato da cesta

básica de alimentos. Esse formato

respeita seus hábitos de alimentação

e de higiene, além de priorizar os

alimentos de mais qualidade nutritiva,

o que vai trazer mais saúde para você

e para sua família

(E24) um governo comandado por

uma mulher tem mais que obrigação

de lutar pela igualdade de gênero,

pela defesa intransigente dos

mesmos direitos para homens e para

mulheres

(E22) É por isso que não descuido um

só momento do controle da inflação,

pois a estabilidade da economia é

fundamental para todos nós. Mas é

por isso também que não deixo de

buscar sempre novas formas de

(E24) Nenhum país moderno pode

desperdiçar a energia e o talento das

mulheres, sob o risco de deformar o

seu presente e comprometer o seu

futuro. A desigualdade de gênero não

é apenas socialmente maléfica, como

103

baratear o custo de vida dos

brasileiros e de proteger o seu poder

de consumo e os seus direitos de

consumidor

economicamente destrutiva. Por

sabermos disso, somos o governo

com o maior volume de políticas

públicas em favor da mulher em nossa

história, mas precisamos e vamos

fazer muito mais

(E24) A desigualdade de gênero não

é apenas socialmente maléfica, como

economicamente destrutiva. Por

sabermos disso, somos o governo

com o maior volume de políticas

públicas em favor da mulher em nossa

história, mas precisamos e vamos

fazer muito mais

(E25) (...) e outro de apoio à mulher, à

mulher empreendedora, com

ferramentas de estímulo ao pequeno

negócio, como o microcrédito e a

capacitação profissional

(E25) passo à terceira medida que

anuncio hoje. O governo federal vai

instalar, em cada estado, um moderno

centro de atendimento integral à

mulher, que contará, entre outros

serviços especializados, com um

setor de prevenção e atenção contra

a violência doméstica, e outro de

apoio à mulher, à mulher

empreendedora, com ferramentas de

estímulo ao pequeno negócio, como o

microcrédito e a capacitação

profissional

(E26) O Brasil, como único país

emergente onde, nos últimos anos,

diminuiu a desigualdade social, tem a

responsabilidade de diminuir, ainda

com mais rapidez, a desigualdade

entre homens e mulheres. O Brasil,

como um dos poucos países do

mundo que, nesses anos de crise,

aumentou sem parar o emprego, tem

mais que obrigação de garantir

melhores oportunidades e salário

mais justo para as mulheres. E o país

que retirou, em dois anos, 22 milhões

de brasileiros e brasileiras da miséria,

tem que ser um defensor intransigente

dos direitos humanos das mulheres.

(E26) O Brasil, como único país

emergente onde, nos últimos anos,

diminuiu a desigualdade social, tem a

104

responsabilidade de diminuir, ainda

com mais rapidez, a desigualdade

entre homens e mulheres. O Brasil,

como um dos poucos países do

mundo que, nesses anos de crise,

aumentou sem parar o emprego, tem

mais que obrigação de garantir

melhores oportunidades e salário

mais justo para as mulheres. E o país

que retirou, em dois anos, 22 milhões

de brasileiros e brasileiras da miséria,

tem que ser um defensor intransigente

dos direitos humanos das mulheres.

Fonte: Ramos, 2018.

Assim como já descrevemos na análise de outros pronunciamentos, as ações

governamentais representam o que se espera de um governo por meio de projetos,

nesse caso específico, referente às necessidades da mulher. Podemos dizer que são

ações concretas, muitas vezes físicas, que podem ser controladas ou vistas, às quais

delimitaremos aqui como sendo do modo concreto. Em oposição ou união, as ações

referentes ao social podem ser, por vezes, ideológicas, invisíveis, fazendo parte da

luta hegemônica de poder, nesse caso, representadas por padrões naturalizados

como tradicionais ou emergentes/inovadores. Contudo, como dissemos, a ação social

pode se opor ou não à governamental, isso porque há a tentativa de mostrar, por meio

de números que representam conquistas com relação à questão de gênero,

conquistas obtidas frente à luta invisível travada entre esses dois polos hegemônicos.

Apresenta-se aqui uma amostra da contradição na constituição desse embate

hegemônico. É inegável que os padrões sociais dos papéis de homens e mulheres

têm mudado em nossa sociedade. A prova maior é a própria conquista de Dilma

Rousseff. Entretanto, como a governante aponta no (E24), essas conquistas precisam

ser ampliadas. Ademais, o fato de utilizar o verbo “diminuir” pressupõe o

conhecimento da existência de uma porcentagem alta de mulheres em situação de

105

desigualdade e de violência doméstica. Esse fato é exaustivamente exposto por Dilma

em outros trechos do excerto E24 e dos excertos E25 e E26.

Outra ação favorável à construção de novos padrões para as mulheres é a

atribuição de outros papéis no espaço público para elas, alargando as fronteiras para

todos os tipos de mulheres, já que o pronunciamento em foco foi realizado em rede

nacional. Muitas vezes o poder simbólico do conhecimento, da resistência, só é

acessível às mulheres que têm acesso à instrução, contudo, por se tratar de um

pronunciamento nacional, pode, em condições propícias, servir como exemplo ou

incentivo para todas as classes de mulheres: das mais pobres às mais ricas,

intelectualizadas. Em vários trechos dos excertos, a presidenta faz questão de

mencionar essas mulheres, como se quisesse chamar a atenção desse público em

especial, como podemos perceber com o uso dos vocábulos - importantes e

especialmente – no (E20), por exemplo, “Importantes especialmente para as mães de

família mais pobres e as de classe média”. Essas palavras têm como efeito destacar

um grupo em detrimento de outro.

Os “novos”62 papéis são destacados pela governante principalmente ao

comparar o futuro do Brasil e a importância da mulher para a economia do país. Uma

das estratégias utilizadas para a sustentação ou resistência quanto às desigualdades

de gênero nesse pronunciamento são as relações de causa e consequência como

proposto por Fairclough (2003). As mulheres são colocadas como a causa, ou uma

das causas da modernidade brasileira, trazendo, como consequência um crescimento

econômico, por meio de suas ações profissionais, como notamos no (E24) e (E25).

Por se tratar de um benefício econômico, essas mulheres são colocadas como

empreendedoras, donas de negócios, detentoras de propriedades (a escritura da casa

como vimos na análise do pronunciamento 2), co-participantes do sustento familiar,

como no (E20) “que dividem, com seus maridos, a responsabilidade pelo sustento da

casa”. Elas agora não apenas administram os recursos do lar, mas contribuem com o

seu sustento, fato esse impossível de ser pensado há algumas décadas.

62 Coloco aqui como “novo”, pois apesar de já existirem mulheres em toda nossa história que ousaram

tomar para si papeis que até então não pertenciam a seus atributos femininos, são novos no sentido de ainda não serem a maioria, não pertencerem a um padrão solidificado socialmente.

106

Além disso, pode-se colocar como causa a desigualdade de gênero que tem

como consequência negativa acentuada pelos adjetivos maléfica e destrutiva em:

(E24) “A desigualdade de gênero não é apenas socialmente maléfica, como

economicamente destrutiva”. Essas estruturas sintático-semânticas colaboram para a

transformação de um padrão ideológico que ainda faz parte da representação social

de muitos brasileiros (homens e mulheres). Essa afirmativa é confirmada pelas

contradições que emergem neste pronunciamento. Mostra-se ciente quando a

presidenta comprova a desigualdade ao trazer dados que a legitimam em (E26):

O Brasil, como um dos poucos países do mundo que, nesses anos de crise, aumentou sem parar o emprego, tem mais que obrigação de garantir melhores oportunidades e salário mais justo para as mulheres. E o país que retirou, em dois anos, 22 milhões de brasileiros e brasileiras da miséria, tem que ser um defensor intransigente dos direitos humanos das mulheres.

Ao utilizar as expressões de natureza deôntica (dever) destacadas em: “O

Brasil (...) tem mais que obrigação”; “o país (...) tem que ser um defensor”, atribuindo

esse dever e obrigação a atores não humanos, respectivamente, “Brasil” e “País”,

percebe-se que a chefe da nação, numa manobra metonímica, atribui os méritos e

conquistas a que se refere à nação brasileira e não a si própria. É possível deduzir,

daí, que as conquistas recentemente alcançadas apontam para uma realidade

passada diferente, pois interpretamos que nem sempre fazemos aquilo que é nosso

dever, nossa obrigação.

Essas formas verbais agem como atenuantes sobre a produtora do discurso de

forma a não comprometê-la com uma afirmação que talvez não queira explicitar

(acusando um passado recente, por exemplo). No entanto, não deixa de garantir ao

público para o qual se dirige ser ela conhecedora de suas obrigações e que tem feito

diferença como chefe de estado, se comparado a anos anteriores, como vemos

claramente em: “O Brasil (...) que, nesses anos de crise, aumentou sem parar o

emprego”; “O país que retirou, em dois anos, 22 milhões de brasileiros e brasileiras

da miséria...”. Produz-se, portanto, o efeito de sentido que a presidenta, nos dois

últimos anos de seu governo, diferentemente dos governantes anteriores, tem

garantido esses direitos. Ao reconhecer que a realidade relativa a “emprego” e

107

“miséria” ainda precisa ser melhorada, como vemos em algumas sentenças,

posiciona-se como sujeito disposto a promover esse bem comum. Essa verdade é

produzida pela união desses dois processos: dados estatísticos apresentados e

estruturas argumentativas utilizadas ao estabelecer asseverações, pressupostos e

subentendidos.

Outro ponto que merece destaque nesse bloco de discussão diz respeito a uma

pressuposição de que é possível não respeitar a mulher, sob dadas condições, a

saber, falta de amor e compaixão ou falta de respeito ou de temor, podendo se opor

a todos os outros excertos vistos em defesa da mulher, como no (E27):

(E27) faço um especial apelo e um alerta àqueles homens que, a despeito de tudo, ainda insistem em agredir suas mulheres. Se é por falta de amor e compaixão que vocês agem assim, peço que pensem no amor, no sacrifício e na dedicação que receberam de suas queridas mães. Mas se vocês agem assim por falta de respeito ou por falta de temor, não esqueçam jamais que a maior autoridade deste país é uma mulher, uma mulher que não tem medo de enfrentar os injustos nem a injustiça, estejam onde estiverem.

Apesar de não ser esse o sentido pretendido por Dilma, o jogo estabelecido

entre consequência e causa pode reverberar uma prática que é constante em nosso

país, dados os próprios números apresentados pela presidenta de casos de violência

doméstica nos pronunciamentos P1, P2, P3, por exemplo. Neste pronunciamento há

diversos pressupostos que podem ser destacados, como se outros governos

comandados por homens não tivessem obrigação de pensar em políticas em favor da

mulher, bem como a valorização da mulher por questões econômicas, como podemos

verificar no (E24).

O quarto e último bloco de análise discorrerá sobre o último pronunciamento

em homenagem ao dia das mães, feito no primeiro mandato da presidenta Dilma. Este

pronunciamento apresenta uma certa regularidade de estratégias discursivas se

compararmos aos pronunciamentos anteriores. Contudo, é perceptível o empenho da

presidenta em destacar a inovação em vários significados: inovação no número de

políticas públicas voltadas à mulher, inovação nas oportunidades oferecidas, inovação

108

na ocupação de lugares públicos e profissões que até pouco tempo tinham pouca ou

nenhuma representação feminina. Esse é o principal mote deste pronunciamento,

talvez até como uma tentativa de afirmação, perante seus pares, de todas as

conquistas dos últimos quatro anos de governo. Além de ser uma estratégia de

finalização de um ciclo, seria uma ótima oportunidade de consolidar as conquistas

para um futuro enfrentamento nas urnas ao final do ano, como candidata às

reeleições.

Dilma marca linguisticamente essa ideia de inovação por meio do adjetivo

“novo”, “nova” ou numerais que contribuem para essa ideia, como “primeira”. Essas

palavras se repetem várias vezes neste pronunciamento e é por essa razão que

acreditamos na força proposicional da mesma, como poderemos observar nos

excertos a seguir:

QUADRO 12 – Excertos do Pronunciamento 4

P4 - Dia Internacional da Mulher (E35) O Brasil criou, nos últimos três anos, 4 milhões e 500 mil empregos.

Mais da metade desses empregos, com carteira assinada, foram conquistados pelas mulheres. Por este e outros motivos, podemos dizer que a mulher é a nova força que move o Brasil. Mas temos que admitir que o Brasil precisa ainda dar mais força às suas mulheres.

(E37) Sabemos também que se abre um novo mundo de oportunidades, quando a força da mulher encontra apoio nas políticas do governo.

(E39) Somos um país líder no empreendedorismo feminino porque a mulher brasileira tem a sensibilidade de perceber que, abrindo um negócio próprio, ela pode administrar melhor sua vida e a de sua família.

(E40) Mas isso ocorre, também, porque o Brasil criou novas linhas de crédito para as mulheres e, neste item, somos, hoje, destaque no mundo. Vejam o caso do programa Crescer, que é destinado a financiar pequenos empreendedores e oferece dinheiro barato e sem burocracia para a pessoa montar ou ampliar seu próprio negócio. Um dinheiro que pode ser usado como capital de giro ou na compra de máquinas e equipamentos.

Pois bem: de 2011 para cá, mais de 60% de todas as operações foram feitas por mulheres. Esta é uma prova contundente de como a mulher brasileira é guerreira e empreendedora, como sabe buscar o que quer.

(E41) Unimos também o Pronatec ao Brasil Sem Miséria e, de quase um milhão de matrículas, mais de 650 mil foram feitas por mulheres. São

109

mulheres que saem definitivamente da pobreza, aprendendo uma profissão.

Também mais da metade das bolsas do ProUni e dos financiamentos do FIES têm sido concedidos a mulheres. Essa nova realidade explica porque as mulheres já são proprietárias de 44% das franquias do país. Explica também o grande crescimento da participação das mulheres na força de trabalho. Enquanto no início da década de 80 apenas 26% das mulheres trabalhava, hoje, 50% delas estão ocupadas. Os números são muito bons, mas precisam melhorar muito mais.

(E42) Minhas amigas e meus amigos, o Brasil também se destaca, no mundo, no apoio às mulheres socialmente vulneráveis. Este é um segmento que meu governo vê com especial atenção, pois, quanto mais pobre a família, mais a mulher tem um papel central na estruturação do núcleo familiar.

Por isso, 93% dos cartões do Bolsa Família têm a mulher como titular, e das 1 milhão e 600 mil casas já entregues pelo Minha Casa, Minha Vida, 52% estão no nome de mulheres.

No acesso à terra também é assim: 72% das propriedades da reforma agrária são de mulheres. Ao mesmo tempo, o governo tem oferecido mais crédito e assistência técnica para as trabalhadoras rurais. São mais mulheres produzindo alimentos, tomando decisões e conquistando autonomia. Fortalecemos, assim, o papel da mulher na família, na sociedade urbana e no mundo rural.

Essas novas oportunidades garantem maior autonomia e independência às mulheres e são decisivas para romper o ciclo de violência em que muitas delas ainda vivem. No entanto, precisamos avançar e criar novos instrumentos.

(E43) O programa Mulher, viver sem violência integra vários serviços em defesa da mulher. Nas 26 casas da mulher brasileira que estamos implantando vamos acolher e proteger as mulheres, colocando vários serviços em um mesmo lugar. O lema dessas casas é coibir a violência e dar oportunidade às mulheres.

(E44) Como a primeira mulher a ocupar a presidência do país, vejo com imensa alegria vários programas criados nos últimos anos. Vejo também que muitas barreiras ainda precisam ser rompidas para diminuir a desigualdade entre os gêneros e garantir mais direito – mais autonomia – às brasileiras de todas as classes sociais.

É preciso garantir salário igual para trabalho igual feito por mulheres e homens. É preciso combater sem tréguas a violência que recai sob as mulheres. É preciso diminuir ainda mais a burocracia e os impostos para que as empresas, lideradas por mulheres, sejam ainda mais numerosas. É preciso que muito mais mulheres ocupem o topo das decisões das empresas e das entidades representativas de toda natureza

(E46) Falo disso com a legitimidade da presidenta que ampliou as oportunidades para as mulheres e que, mesmo assim, sabe que é preciso fazer muito mais.

110

A repetição do significado de inovação em quase todos os excertos mostrados

acima, associa-se a uma visão de uma mulher que trabalha, que administra o seu lar,

que é a força motriz para o país, que ocupa espaços sociais que até então nunca

tinham alcançado. Talvez seja por esse motivo que a cada inovação apresentada pela

presidenta referente à política feminina de seu governo, ela coloque dados estatísticos

que comprovem o avanço das conquistas de seu governo em comparação a outros

períodos na história brasileira, além de dados que justificam esse empreendimento

feminino de forma economicamente rentável para o país. Essa última inferência pode

evidenciar uma ideologia dominante masculina, justamente por ser necessário

justificar as ações favoráveis à mulher sob um ponto de vista econômico, caso

contrário seriam rejeitadas por aqueles que são maioria em espaços públicos de

poder.

Como sabemos, socialmente a mulher não exercia formalmente quase nenhum

ou nenhum papel de destaque em posições de poder na esfera pública anteriormente

à revolução feminina, raras as exceções, como já colocamos no primeiro capítulo

deste trabalho. Portanto, o movimento contrário a essa tendência não é algo novo. O

que é inovador diz respeito a práticas sociais no âmbito de significados acionais

instrumentalizados em políticas públicas para a mulher, e a própria representação de

uma mulher em um espaço de poder não naturalizado, como é o caso da presidenta

Dilma.

A própria força acional no uso do termo presidenta concorre para essa ideia.

Não é a troca do vocábulo presidente para presidenta que carrega a total

responsabilidade desse movimento inovador no discurso em defesa à mulher, trazido

pela presidenta em todos os pronunciamentos analisados, mas associando os demais

artifícios a esse, podemos afirmar que Dilma conhecia as possíveis implicações desse

discurso para a manutenção dos direitos já adquiridos pela mulher, mas também pela

progressão dos mesmos por meio de políticas públicas que atendam suas

necessidades mais vitais, biológicas (como vimos em propostas em pronunciamentos

anteriores, como o programa Crescer), até a ampliação e criação de programas que

apresentem a essa mulher, mãe, dona de casa, filha, avó, outras oportunidades que

lhe tragam autonomia financeira, profissional, como vimos nos excerto (E 44) e (E46).

111

Ainda sobre os dois excertos (E44) e (E46), podemos salientar que Dilma

marca-se como presidenta de duas formas distintas. A primeira utilizando a forma

nominal “presidência” a fim de não repetir o mesmo termo; a segunda traz explícita a

força de seu cargo político associado a um termo que por si só autentica seu

posicionamento por conquista democrática e também por direito conquistado. Esse

último significado é possível inferir pelo uso da oração adjetiva restritiva associado à

essa legitimidade. Dessa forma fica explícito que não é qualquer pessoa que está

falando, é aquela que, em suas próprias palavras, “ampliou as oportunidades para as

mulheres e que, mesmo assim, sabe que é preciso fazer muito mais”. Sua legitimidade

se dá pelo próprio feito, pois ela “ampliou” as oportunidades da mulher nos últimos 4

anos e também por reconhecer “que é preciso fazer muito mais”. Sua luta pelas

mulheres ainda não terminou, está apenas no começo. Dilma coloca-se na posição

de quem conhece a causa, não é uma mera espectadora.

Outro aspecto que podemos destacar dos excertos analisados anteriormente é

que o problema de gênero enfrentado por mulheres não acontece apenas em

comparação a seus opostos, os homens, mas há ainda uma significativa diferença

entre mulheres de classes sociais mais altas se comparadas a mulheres de classes

sociais mais baixas. Esse último tipo de diferença, entre seus próprios pares, é

implícito no texto, sendo possível evidenciá-lo por meio do uso do verbo “garantir” e

de seus complementos “mais direito às brasileiras de todas as classes sociais”. Ao

associar o pronome “todas” ao sintagma nominal “as classes sociais”, implicitamente

a presidenta deixa “escapar” que algumas brasileiras, possivelmente a de classes

sociais mais privilegiadas, não passam pelas mesmas dificuldades que a de classes

menos privilegiadas. Por outro lado, a diferença entre os gêneros opostos, homem e

mulher, é explícita, muito bem nomeada “a desigualdade” e intensificada pelo verbo

diminuir. Essas dificuldades estariam associadas principalmente às oportunidades

profissionais, que podem contribuir para a autonomia da mulher. A repetição, em

outros excertos, da ideia da profissionalização da mulher, das oportunidades de

negócios é que dão margem a essa constatação, como podemos confirmar nos

excertos (E35), (E37), (E39), (E40), (E41), (E42), e os demais pronunciamentos já

analisados.

Neste último pronunciamento ficam explícitas também várias pautas da luta

pela igualdade de gênero entre homens e mulheres, como as já vistas anteriormente,

112

somadas a outras como “igualdade salarial”, “violência contra mulher”, “autonomia

financeira da mulher” e “poder de decisão igualitário em cargos de poder”. Todas

essas pautas são colocadas pela presidenta como uma necessidade, marcadas pela

presença de modalizações como “É preciso garantir”, “É preciso combater”, “É preciso

diminuir”. Além de marcar essa necessidade, podemos contrapor a ideologia que se

opõe à dada por Dilma, que não é isso o que ocorre em nosso país, ou seja, todas as

formas de igualdade entre os pares “homens” e “mulheres” não são naturais, como no

(E44).

Diferentemente dos primeiros pronunciamentos em homenagem à mulher,

neste último pronunciamento, talvez por seu caráter predominantemente no campo

acional de significados, as características ligadas ao universo feminino mais

destacadas são de força e de coragem (E34), (E35), (E36), (E37). Há apenas uma

passagem em que a presidenta menciona um vocábulo tipicamente do campo

semântico feminino “sensibilidade”, no (E39). Nos demais excertos destacamos a

escolha lexical de palavras com significados fortes, ligados ao campo da força e da

competência, como “força”, coragem, competência, esforço, capaz de, guerreira.

Todas elas corroborando para a associação da mulher a essas características de força

e competência, que, no campo político (ou no espaço público de poder), normalmente

são associadas a características masculinos no exercício de poder. Ademais, há uma

marcante associação dessa força à ideologia do progresso do país, como já referido

anteriormente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise crítica do discurso é uma teoria social que tem como objetivo a

investigação linguística de discursos pelos quais perpassam relações de poder e

dominação que carregam significados de práticas sociais, a fim de promover

transformações dessas práticas por meio do discurso. Portanto, pensar as relações

de poder e dominação existentes entre homens e mulheres em espaços sociais de

poder e suas manifestações linguísticas que podem garantir um modelo de resistência

e/ou manutenção da ordem vigente, faz parte do escopo de interesses dessa vertente

analítica. Esse é, portanto, o mote deste trabalho: analisar a representação de gênero

nos pronunciamentos de Dilma Rousseff, primeira presidenta do Brasil, a fim de

verificar se contribuem para a inovação da ordem social vigente sobre a mulher em

nossa sociedade.

A fim de alcançar este objetivo, foram eleitos como corpus dessa pesquisa os

pronunciamentos realizados pela presidenta em homenagem ao dia da mulher e dia

das mães, referentes ao seu primeiro mandato, por se tratar de um escopo cuja

influência direta seriam seus próprios pares – as mulheres – mas também, de forma

indireta, todos os brasileiros, já que estes pronunciamentos oficiais sempre são

transmitidos via televisão, em horário nobre, em toda rede televisiva brasileira.

O significado mais recorrente identificado neste corpus foi o acional. Talvez

pela própria natureza desse gênero textual, devido aquilo que se espera de um

governante frente a seu eleitorado. Entretanto, como colocado por Fairclough (2003),

é difícil estabelecer limites de interpretação entre os três significados possíveis no

discurso, somando-se a esse, a saber, o representacional e o identificacional. Todos

eles são intercambiáveis nos pronunciamentos da presidenta e colaboram para a

construção desse agir que identificaremos como filiados em três campos. São eles:

ação de necessidade de afirmação prestigiada de poder; ação própria do campo

político e, por último, ação de inovação do discurso sobre/da mulher. Trataremos, a

seguir, de evidenciar as estratégias linguísticas que marcam essa nossa

interpretação.

Em todos os pronunciamentos, Dilma Rousseff representa-se filiada a seus

diferentes papéis sociais, alguns deles típicos do espaço privado, como mulher, mãe,

avó, irmã e também àqueles da esfera pública, como presidenta. Ao se marcar como

114

mulher, mãe, irmã, Dilma utiliza-se do significado identificacional, utilizando pronomes

de pertencimento como “nós mulheres” (E17), “minhas irmãs”, (E28) “Não por acaso, é

também a primeira vez que nosso país tem uma presidenta, uma mulher que é mãe, filha e

avó. Uma mulher, que como a maioria de vocês, já se emocionou nessa data(...)” e outras

vezes distanciando-se um pouco do objeto de que fala, tratando-o como tema da

oração, talvez por incorporar o papel de presidenta, como em (E14) “A mulher

brasileira merece, portanto, cada vez mais, justiça, amor e paz”. Normalmente, ao se

distanciar discursivamente, ela aponta para conquistas femininas que precisam ser

alcançadas ou que já foram alcançadas por seu governo ou pelo governo anterior,

como no (E6) “Minha chegada à Presidência significou um momento único de

afirmação da mulher na sociedade brasileira. Não esqueço isso um só minuto, e sei

que nenhuma de vocês esquece disso quando olha para mim. Minha eleição reforçou,

em alguns setores da sociedade, uma tendência de enaltecimento da força da mulher”

ou no (E8) “Nos últimos anos, a taxa de desemprego feminino vem caindo com mais

força, mas ocupamos apenas 45% das vagas de trabalho disponíveis, e continuamos

recebendo menos que os homens pelo mesmo trabalho realizado. Isso tem que

melhorar.”

Por vezes, utiliza como estratégia enunciativa uma aparente contradição entre

o discurso conservador e inovador sobre a mulher. Interpretamos como aparente, pois

as “contradições” paulatinamente são revertidas em justificativas cabíveis no mundo

dos negócios, na esfera econômica, no desenvolvimento do país, talvez como

tentativa de convencer àqueles mais conservadores a respeitarem a mulher em outras

posições de poder ainda não naturalizadas, como empreendedoras, cientistas,

mulheres em decisões de poder, etc, como podemos verificar no (E11), ainda: “Temos

estimulado programas de capacitação, microcrédito e igualdade no emprego. Temos

procurado apoiar a luta das mulheres em todas as áreas, sejam elas cientistas,

profissionais liberais, operárias ou empregadas domésticas.

A presidenta vai além disso, não deixando de reconhecer as mulheres que

almejam estar nos espaços privados, tipicamente femininos, conferindo-lhes uma

autonomia que talvez ainda não tivessem em seus lares - (E20) “Em homenagem à

sua luta diária, decidi anunciar hoje três medidas muito importantes para você e para

sua família. Importantes especialmente para as mães de família mais pobres e as de

classe média, que dividem, com seus maridos, a responsabilidade pelo sustento da

115

casa.” Dessa forma, ao usar verbos como dividir relacionado ao substantivo

responsabilidade, ela coloca a mulher também como protagonista do lar e não como

coadjuvante ou administradora de recursos trazidos apenas pelo marido. As decisões

dentro de casa são compartilhadas com ele, sendo ela muitas vezes responsável pelo

lar em outras situações, como visto no excerto anterior e tantos outros quando ela

coloca nas mãos da mulher contratos de propriedade de casas, como

empreendedoras de micro negócios ou responsável pelo bolsa família, como é

possível notar nos excertos (E7) “Quarenta por cento das nossas famílias são

chefiadas atualmente por mulheres, quando, dez anos atrás, não passavam de 25%

(...)”; ou em (E10) “Noventa e três por cento dos cartões do Bolsa Família estão, por

exemplo, em nome de mulheres, são mais de 19 milhões de mulheres que vão ao

banco todo mês buscar e administrar recursos para ajudar no sustento da família.

Quarenta e sete por cento dos contratos da primeira etapa do Minha Casa, Minha Vida

foram assinados por mulheres (...)”. Podemos observar que Dilma utiliza a

racionalização como forma de sustentação dessa ideologia vista por ela como

inovadora, através de dados estatísticos que legitimam esses dados, confirmando

esse protagonismo feminino.

Essa inovação de que falamos é assinalada em vários excertos ao longo de

todos os pronunciamentos e devido sua recorrência, podemos identificar como mote

da maioria deles, procurando falar às mulheres como também a todos os brasileiros,

como fica evidente pelo uso de verbos modais de dever, de obrigação, em trechos

como no (E5) “A luta pela valorização da mulher é, portanto, um dever de todos”.

Como já vimos no início destas considerações, essa inovação é renomeada em seus

pronunciamentos de três formas diferentes: inovação no que tange a decisões

políticas de seu governo, inovação de discurso sobre a mulher e inovação na auto

representação da mulher em posições de poder. Sempre que busca pelo sentido de

algo ainda não naturalizado, Dilma recorre a vocábulos que marcam essa novidade,

como o próprio adjetivo “novo” ou busca outras formas para isso, como o uso do

pronome “primeira” associado ao substantivo “vez” e até mesmo de recursos

expressivos de linguagem de repetição, como a anáfora, como no (E28) “Talvez seja

essa a primeira vez que, desta cadeira presidencial, alguém faz um pronunciamento

no nosso dia, o Dia das Mães. Não por acaso, é também a primeira vez que nosso

116

país tem uma presidenta, uma mulher que é mãe, filha e avó. Uma mulher, que como

a maioria de vocês, já se emocionou nessa data (...)”.

Essas repetições podem ser vistas como uma necessidade de afirmação nessa

posição sujeito presidenta. Necessidade que é expressa, por vezes, de forma

inconsciente e amena, como visto no excerto do parágrafo anterior e por vezes de

forma consciente e enfática, quando utiliza o extremo da modalidade combativa com

relação à sua autoridade como presidenta por intermédio de advérbios de negação,

“não” e “jamais”, aliados ao verbo esquecer, que tem como intenção, na verdade, fazer

lembrar que ela é a autoridade máxima do país.

A necessidade de afirmação nessa posição sujeito presidenta também pode

ser percebida quando Dilma, por vezes, destaca a desigualdade entre homens e

mulheres. Discursivamente, esse significado é alcançado pela racionalização

adquirida dos dados estatísticos trazidos de projetos de seu governo e também

mostrando o tamanho dessa desigualdade entre os gêneros no campo de trabalho

(referente às oportunidades e posições de decisão) e na diferença salarial entre

homens e mulheres, apenas para listar algumas dessas recorrências, colocando-se

como consciente dessa situação. Contudo, essa não é uma consciência passiva, é

também trazida para o campo da ação. Aqui, o significado acional dos

pronunciamentos podem ser notados por intermédio dos projetos de governo e de seu

próprio posicionamento como mulher política em cargo máximo de poder, como ela

mesmo faz questão de ressaltar “da cadeira presidencial”.

É nítido, portanto, em todos os seus pronunciamentos, que Dilma procura,

conscientemente, desestabilizar padrões sociais arraigados sócio-historicamente ao

papel da mulher na sociedade. Ao contrário do que muitas vezes pensamos, como

indivíduos, a própria “contradição” que é trazida em seus pronunciamentos é utilizada

como uma ferramenta de resistência às práticas sociais vigentes com relação à mulher

em vários setores da sociedade e por que não dizer das próprias mulheres. Ficam

evidentes que ao mesmo tempo em que Dilma afirma a necessidade de ampliação de

discussão e abertura de oportunidades para esses “novos” papéis sociais da mulher

em outros campos de atuação, como o público, ela também reforça a importância de

papéis tipicamente femininos, próprias do espaço privado, até mesmo como

características desejáveis dentro do espaço público, como as normalmente

associadas à força e à garra da mulher. Por esses motivos, acreditamos que o

117

propósito desse trabalho foi alcançado, mostrando que Dilma, ao representar-se como

mulher, do alto de seu cargo máximo de poder no país, traz um discurso inovador

sobre a mulher.

Acreditamos ser esta uma constatação importante, ficando latente a vontade

de ampliação de várias discussões, como o impacto desse discurso inovador sobre

seus pares e sociedade brasileira em geral, um estudo mais sistemático do gênero

textual pronunciamento e até mesmo um estudo mais aprofundado de uma possível

ferramenta discursiva de resistência utilizada por mulheres: a contradição.

Cremos também que apesar de mostrar-se um discurso emergente sobre a

mulher e de uma mulher em uma posição de poder (que por si só poderá causar fortes

impactos), sua influência, infelizmente, pode ter sido diminuída pelo impeachment

sofrido em 2016, seu segundo mandato. Acreditamos que essas relações seriam

interessantes de serem observadas para de fato afirmarmos se esse esforço

enunciativo rompeu as barreiras ideológicas da dominação, que perpassam o discurso

sobre a mulher e das próprias mulheres, sendo esse um possível alvo de investigação

de próximos trabalhos.

Por outro lado, também, sabemos que a luta ideológica para a mudança de práticas

sociais já estabelecidas não acontecem de forma instantânea, mas sim de forma gradual.

Como tudo precisa de um começo, talvez esse seja o princípio de uma aceleração de uma

revolução feminina, que já acontece na história do próprio Brasil, a passos lentos,

transcorridos entre vitórias e derrotas. Como pertencente a uma corrente analítica do discurso

pautada nos processos sócio-históricos, a ACD, fica o desejo de que essa inovação passe de

um discurso emergente sobre/de uma mulher para uma ideologia dominante em nossa

sociedade.

118

REFERÊNCIAS

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ANEXOS

122

PRONUNCIAMENTO 1

Pronunciamento à Nação da Presidenta da República, Dilma Rousseff, em

cadeia nacional de rádio e TV, por ocasião do Dia Internacional da Mulher

<a

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presidenta-da-republica-dilma-rousseff-em-cadeia-nacional-de-radio-e-tv-por-

ocasiao-do-dia-internacional-da-mulher%20via%20blogplanalto">Tweet</a>

por Portal do Planalto — publicado 08/03/2012 19h02, última modificação

07/07/2014 10h52

"Em todo o mundo a voz da mulher se sobressai na defesa da paz, do amor e

da justiça. A mulher brasileira merece, portanto, cada vez mais, justiça, amor e

paz", disse a Presidenta

Palácio do Planalto, 08 de março de 2012

Queridos brasileiros, queridas brasileiras,

Hoje, Dia Internacional da Mulher, é uma data ideal para uma (E1) presidenta

falar com suas irmãs brasileiras, (E2) de coração aberto, de mulher para

mulher.

Sinto alegria de chefiar um governo (E3) que tem o maior conjunto de

programas de apoio à mulher na nossa história. (E4) Mas sei que governo e

sociedade precisam fazer muito mais para a valorização plena da mulher.

(E5) Não é exagerado dizer que cada mulher ainda tem algo a dever a si

mesma, e cada homem tem algo a dever à mulher que está a seu lado. Nós,

mulheres, vamos continuar em dívida com a gente mesmo se aceitarmos

passivamente certa herança negativa que ainda temos sobre os ombros. Cada

homem vai continuar em dívida consigo mesmo se não olhar com igualdade,

com respeito e com amor sua mulher, sua mãe, sua irmã ou sua filha. A luta

pela valorização da mulher é, portanto, um dever de todos: brasileiras e

brasileiros de todas as classes, de todos os credos, de todas as raças e de

todas as regiões do país.

123

Minhas irmãs brasileiras,

(E6) Minha chegada à Presidência significou um momento único de afirmação

da mulher na sociedade brasileira. Não esqueço isso um só minuto, e sei que

nenhuma de vocês esquece disso quando olha para mim. Minha eleição

reforçou, em alguns setores da sociedade, uma tendência de enaltecimento da

força da mulher. Não podemos aceitar o falso triunfalismo, mas também não

devemos nos render ao amargor derrotista.

Sei que uma mulher que chegou à Presidência com milhões de votos de

brasileiros e de brasileiras não poderá jamais ter uma atitude ressentida contra

os homens. Mas sei, muito especialmente, que uma presidenta não pode ter

uma política tímida, ultrapassada e meramente compensatória para as

mulheres.

Hoje somos, no Brasil, 97 milhões de mulheres, ou seja, 51% da população.

(E7) Quarenta por cento das nossas famílias são chefiadas atualmente por

mulheres, quando, dez anos atrás, não passavam de 25%.

Nos últimos anos, (E8) a taxa de desemprego feminino vem caindo com mais

força, mas ocupamos apenas 45% das vagas de trabalho disponíveis, e

continuamos recebendo menos que os homens pelo mesmo trabalho realizado.

Isso tem que melhorar.

(E9) O pior é que, em certas circunstâncias, a mulher continua sendo a mais

pobre dos pobres, a mais sofredora entre os sofredores. Mas até aí nos

surpreende a força da mulher, porque mesmo quando está em uma dura

condição de pobreza, a mulher é a principal mola de propulsão para vencer a

miséria. Sabe por quê? Porque ela é o centro da família. Porque quando uma

mulher se ergue, nunca se ergue sozinha, ela levanta junto seu companheiro,

ela levanta junto seus filhos, ela fortalece toda a família.

(E10) Vem daí a importância que damos à mulher, nos nossos programas

sociais. Noventa e três por cento dos cartões do Bolsa Família estão, por

exemplo, em nome de mulheres, são mais de 19 milhões de mulheres que vão

ao banco todo mês buscar e administrar recursos para ajudar no sustento da

família. Quarenta e sete por cento dos contratos da primeira etapa do Minha

Casa, Minha Vida foram assinados por mulheres. Esse percentual será ainda

maior no Minha Casa, Minha Vida 2. Nele, a escritura dos apartamentos

populares será feita em nome da mulher.

Minhas amigas e meus amigos,

(E11) A mulher é um ser empreendedor, precisa, portanto, de oportunidades. A

mulher é uma pessoa, antes de tudo, dedicada e trabalhadora, precisa,

portanto, de emprego e de capacitação para o trabalho. Temos estimulado

programas de capacitação, microcrédito e igualdade no emprego. Temos

124

procurado apoiar a luta das mulheres em todas as áreas, sejam elas cientistas,

profissionais liberais, operárias ou empregadas domésticas.

O Programa Mulheres Mil está garantindo formação profissional e tecnológica

para a inserção de milhares de mulheres no mercado de trabalho até 2014. E

para dar mais autonomia de trabalho às mães pobres do Brasil, estamos

construindo, até 2014, seis mil novas creches e pré-escolas. (E12)

A mulher é, por natureza, fonte de vida e de energia, mas para cumprir este

destino (E13), ela precisa de boa saúde. O nosso governo tem dado, e vai

continuar dando, uma atenção toda especial à saúde da mulher e da criança.

Criamos o Rede Cegonha, que já beneficiou 930 mil gestantes, em mais de

1.500 municípios. Para atingir esta meta já liberamos R$ 452 milhões para a

assistência materno-infantil.

Em 2011, foram realizadas 20 milhões de consultas pré-natais pelo SUS, um

aumento de 133% em relação ao ano de 2003. No ano passado, as gestantes

e as nutrizes de baixa renda passaram a ser beneficiárias do Bolsa Família. Em

apenas cinco meses, 241 mil delas já foram beneficiadas.

Temos conseguido bons resultados também com os programas de prevenção e

diagnóstico do câncer do colo de útero e de mama. (E13)

Minhas amigas e meus amigos,

Em todo o mundo a voz da mulher se sobressai na defesa da paz, do amor e

da justiça. A mulher brasileira merece, portanto, cada vez mais, justiça, amor e

paz. E isso deve começar em cada lar. (E14)

Desde 2006 temos, na Lei Maria da Penha, um instrumento poderoso para

coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Há poucos dias, o

Supremo Tribunal Federal fortaleceu o combate à violência doméstica ao

decidir que se um homem agredir uma mulher será processado, mesmo que

ela não apresente denúncia e mesmo que ela retire a queixa.

Nesta área, o governo federal está fazendo também a sua parte. Ainda este

ano vamos ampliar para 1.100 unidades os serviços de atendimento à mulher

em situação de violência. E vamos reforçar o Pacto Nacional pelo

Enfrentamento da Violência contra a Mulher que já articula, com êxito, ações

nos 27 estados brasileiros. (E15)

Minhas irmãs brasileiras,

Quero estreitar cada vez mais os laços entre nós. Quero, antes de tudo, que

vocês sejam os olhos e o coração do meu governo, sejam a minha voz e o meu

ouvido. Porque você, minha irmã, é quem mais sente na pele as deficiências do

serviço público: quando leva seu filho ao hospital, você vê como está o

125

atendimento de saúde; você acompanha a escola do seu filho; você vê no

supermercado se o preço da comida está subindo; você sente medo nas ruas

escuras, quando volta do trabalho sozinha, sem segurança. (E16)

Quero abrir vários canais de escuta da população, em especial com as

mulheres. Pedi ao Ministério da Saúde que, a partir de agora, telefone para

todas as parturientes que foram atendidas pelo SUS e perguntem o que elas

acharam do atendimento. Quero saber de tudo para melhorar, para poder

estimular o que está bem e corrigir o que está mal.

Vou ter também, no meu gabinete, monitores ligados a câmeras, para que eu e

meus assessores possamos ver como está o atendimento nos principais

hospitais e como vai o andamento das grandes obras. É assim que nós,

mulheres, gostamos de cuidar das coisas: vendo todos os detalhes, tintim por

tintim. (E17)

É fundamental que todas vocês me ajudem nesse trabalho. Acreditem, como

eu acredito, que a participação é o melhor caminho para mudar o país.

Participem da vida do seu bairro, da sua cidade, do seu estado e da sua nação.

Se mobilizem. Já disse que este é o século das mulheres, mas não é o século

das mulheres contra os homens, é o século da mulher trabalhando ao lado do

homem, de igual para igual, batalhando com fé e amor por sua família e por

seu país. (E18) = agregar

Viva o Dia Internacional da Mulher! Viva a mulher brasileira!

Obrigada. Boa noite.

PRONUNCIAMENTO 2 Pronunciamento à nação da Presidenta da República, Dilma Rousseff, por ocasião do Dia das Mães <a

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presidenta-da-republica-dilma-rousseff-por-ocasiao-do-dia-das-

maes%20via%20blogplanalto">Tweet</a>

por Portal do Planalto — publicado 13/05/2012 20h48, última modificação

04/07/2014 20h11

126

"Hoje, quero dar um abraço cheio de alegria e esperança em todas as mães

brasileiras, em especial, nas que mais sofrem, nas que passam sacrifício para

alimentar, criar e educar seus filhos", disse a presidenta

Queridas mães brasileiras,

Talvez seja essa a primeira vez que, desta cadeira presidencial, alguém faz um pronunciamento no nosso dia, o Dia das Mães. Não por acaso, é também a primeira vez que nosso país tem uma presidenta, uma mulher que é mãe, filha e avó. Uma mulher, que como a maioria de vocês, já se emocionou nessa data. (E28)

Hoje, quero dar um abraço cheio de alegria e esperança em todas as mães brasileiras, em especial, nas que mais sofrem, nas que passam sacrifício para alimentar, criar e educar seus filhos. Sei que quando uma presidenta fala para as mães mais pobres, todas as outras mães a escutam com alma e coração. Por isso, sei que cada uma de vocês está atenta ao que eu vou dizer. Não são apenas palavras de conforto que tenho para as mães mais pobres do nosso país. Quero anunciar, hoje, o lançamento da ação Brasil Carinhoso, que irá tirar da miséria absoluta todas as famílias brasileiras que tenham crianças de 0 a 6 anos de idade. (E29)

O Brasil Carinhoso faz parte do grande programa Brasil Sem Miséria, que estamos desenvolvendo com sucesso em todo o território nacional. E será a mais importante ação de combate à pobreza absoluta na primeira infância já lançada no nosso país. O nome da ação diz tudo: Brasil Carinhoso. É o Brasil cuidadoso, o Brasil que cuida bem do seu bem mais precioso: as nossas crianças. Que tem carinho e amor por elas. (E30)

Todos sabem que a principal bandeira do meu governo é acabar com a miséria absoluta no nosso país. Mas nem todos sabem que, historicamente, a faixa de idade onde o Brasil tem menos conseguido reduzir a pobreza é, infelizmente, a de crianças de 0 a 6 anos.

Para um país, é uma realidade duplamente amarga ter, ao mesmo tempo, gente ainda vivendo na miséria absoluta e esta pobreza se concentrar, com mais força, entre as crianças e os jovens.

A concentração da pobreza é igualmente cruel regionalmente, pois é no Nordeste e no Norte onde ela está mais presente. Setenta e oito por cento das crianças brasileiras em situação de pobreza absoluta vivem nestas duas regiões. E 60% delas estão no Nordeste. Ou seja, regiões mais pobres, crianças mais desprotegidas, mães e pais entregues, historicamente, à sua própria sorte.

A vida das crianças pobres tem melhorado muito nos últimos anos no Brasil. O índice de mortalidade infantil caiu 47,5% no país, e 58,6%, no Nordeste. Porém, muito ainda precisa ser feito e a situação se agrava em períodos de

127

seca, como ocorre neste momento no Nordeste. Por estas razões, o Brasil Carinhoso, mesmo sendo uma ação nacional, vai olhar com a máxima atenção para as crianças destas duas regiões mais pobres do país: para o Norte e para o Nordeste.

Como outros programas do Brasil Sem Miséria, ele será uma parceria dos governos federal, estaduais e municipais e terá três eixos principais. O primeiro, e muito importante, vai garantir uma renda mínima de R$ 70,00 a cada membro das famílias extremamente pobres que tenham pelo menos uma criança de 0 a 6 anos. É uma ampliação e um reforço muito importante ao Bolsa Família. Isso, aliás, tem sido uma prática bem-sucedida do Brasil Sem Miséria.

O segundo eixo do Brasil Carinhoso será aumentar o acesso das crianças muito pobres à creche. E o terceiro, ampliar a cobertura dos programas de saúde para elas. Neste caso, além do reforço dos atuais programas de saúde, vamos lançar um amplo programa de controle da anemia e deficiência de vitamina A, e introduzir remédio gratuito contra asma nas unidades do Aqui Tem Farmácia Popular.

Quero enfatizar a importância de se ampliar efetivamente o acesso das crianças pobres às creches. E creche significa mais que um teto ocasional para essas crianças. A creche significa saúde, educação, comida, conforto, lazer e higiene. Significa atacar pela raiz a desigualdade. Para ampliar essa cobertura, vamos construir novas creches e, especialmente, ampliar e estimular convênios com entidades públicas e privadas.

Com o Brasil Carinhoso, estamos reforçando fortemente as ações do Brasil Sem Miséria que beneficiam as mulheres e as crianças. As crianças, aliás, têm sido a prioridade desde o início do programa, como mostram, por exemplo, os subprogramas Bolsa Gestante e o Bolsa Nutriz. (E31)

Fico muito feliz de poder anunciar o Brasil Carinhoso no Dia das Mães. É uma forma de reafirmar, de maneira ainda mais contundente, que nosso governo tem o maior conjunto de programas de apoio à mulher e à criança da nossa história. Ou seja, é o Brasil cuidando cada vez mais de quem dá a vida e de quem faz o futuro. (E32)

É um Brasil moderno e amoroso, cuidando de suas mães e dos nossos queridos brasileirinhos e brasileirinhas. (E33)

Um feliz Dia das Mães e uma vida mais feliz para todas as mães brasileiras é o que desejo de todo coração.

Obrigada e boa noite.

https://www2.planalto.gov.br/acompanhe-o-planalto/discursos/discursos-da-presidenta/pronunciamento-a-nacao-da-presidenta-da-republica-dilma-rousseff-por-ocasiao-do-dia-das-maes

128

____________________________________________________________________

Pronunciamento 3

Pronunciamento à Nação da Presidenta da República, Dilma Rousseff, em

cadeia nacional de rádio e TV, por ocasião do Dia Internacional da Mulher

<a

href="http://twitter.com/home?status=Pronunciamento%20%C3%A0%20Na%C

3%A7%C3%A3o%20da%20Presidenta%20da%20Rep%C3%BAblica%2C%20

Dilma%20Rousseff%2C%20em%20cadeia%20nacional%20de%20r%C3%A1di

o%20e%20TV%2C%20por%20ocasi%C3%A3o%20do%20Dia%20Internaciona

l%20da%20Mulher%20-%20http%3A//www2.planalto.gov.br/acompanhe-o-

planalto/discursos/discursos-da-presidenta/pronunciamento-a-nacao-da-

presidenta-da-republica-dilma-rousseff-em-cadeia-nacional-de-radio-e-tv-por-

ocasiao-do-dia-internacional-da-mulher-1%20via%20blogplanalto">Tweet</a>

por Portal do Planalto — publicado 08/03/2013 20h42, última modificação

04/07/2014 20h16

08 de março de 2013

Meus queridos brasileiros e, muito especialmente, minhas queridas brasileiras,

Hoje, Dia Internacional da Mulher, eu quero dar mais que um abraço carinhoso

a todas vocês, que me ajudam com muita força e dedicação a construir um

novo Brasil para os nossos filhos e para os nossos netos. (E19)

Em homenagem à sua luta diária, decidi anunciar hoje três medidas muito

importantes para você e para sua família. Importantes especialmente para as

mães de família mais pobres e as de classe média, que dividem, com seus

maridos, a responsabilidade pelo sustento da casa.(E20)

Primeira medida que anuncio hoje. A partir de agora, todos os produtos da

cesta básica estarão livres do pagamento de impostos federais. Espero que

isso baixe o preço desses produtos e estimule a agricultura, a indústria e o

comércio, trazendo mais empregos. Com esta decisão, você, com a mesma

renda que tem hoje, vai poder aumentar o consumo de alimentos e de produtos

129

de limpeza, e ainda ter uma sobra de dinheiro para poupar ou aumentar o

consumo de outros bens.

Desde o mês passado você está pagando uma conta de luz mais barata.

Agora, com mais esta redução de despesas, você vai poder equilibrar um

pouquinho melhor o seu orçamento doméstico. Para que a medida seja ainda

mais benéfica, definimos um novo formato da cesta básica de alimentos. Esse

formato respeita seus hábitos de alimentação e de higiene, além de priorizar os

alimentos de mais qualidade nutritiva, o que vai trazer mais saúde para você e

para sua família. (E21)

Fazem parte dessa cesta carnes bovinas, suína, aves e peixes, arroz, feijão,

ovo, leite integral, café, açúcar, farinhas, pão, óleo, manteiga, frutas, legumes,

sabonete, papel higiênico e pasta de dentes. Boa parte desses produtos já não

pagava o Imposto sobre Produtos Industrializados, o IPI, mas ainda incidia uma

alíquota de 9,25% do PIS/Cofins sobre os principais alimentos que você

consumia.

Com muita alegria, informo que a partir de hoje isso acabou. Não será cobrado

mais nenhum imposto federal sobre carnes bovina, suína, aves e peixes, nem

sobre o café, o açúcar, o óleo de cozinha, a manteiga, o sabonete, o papel

higiênico e a pasta de dentes, o que significa que todos os produtos da cesta

básica estão livres de impostos federais.

Conto com os empresários para que isso signifique uma redução de pelo

menos 9,25% no preço das carnes, do café, da manteiga, do óleo de cozinha, e

de 12,5% na pasta de dentes, nos sabonetes, só para citar alguns exemplos.

Com esta decisão, o governo abre mão de mais de R$ 7 bilhões e 300 milhões

em impostos ao ano, mas os benefícios que virão para a vida das pessoas e

para a nossa economia compensam esse corte na arrecadação.

Aproveito, agora, para mandar um recado muito particular para os nossos

produtores e comerciantes, do campo e da cidade. Vocês vão logo perceber

que essa medida trará uma forte redução nos seus custos, e isso vai dar

margem para a expansão dos seus negócios. Esta mudança será

especialmente percebida nas pequenas comunidades. Como nelas o comércio

e o setor de serviços estão voltados principalmente para suprir as demandas

básicas da população, o aumento do poder de compra das pessoas vai trazer

benefícios imediatos para toda a economia.

Minha querida amiga,

Governo este país com a mesma responsabilidade que você e seu marido

governam sua casa. Governo também com a mesma sensibilidade e cuidado

130

que vocês devotam à sua família. É por isso que não descuido um

só momento do controle da inflação, pois a estabilidade da economia é

fundamental para todos nós. Mas é por isso também que não deixo de buscar

sempre novas formas de baratear o custo de vida dos brasileiros e de proteger

o seu poder de consumo e os seus direitos de consumidor. (E22)

Foi assim que baixamos os juros para os mais baixos níveis da nossa história.

Foi assim que reduzimos, como nunca, a conta de luz de todos os brasileiros. É

assim agora que acabamos com os impostos federais na cesta básica para

reduzir o preço dos alimentos e dos produtos de limpeza. Mas todo esse

esforço estaria incompleto se não encarássemos de forma decisiva e corajosa

a defesa dos direitos do consumidor.

Dessa forma, a segunda medida importante que tenho a anunciar hoje é

exatamente a da criação de uma nova política federal de defesa dos

consumidores. No próximo dia 15 de março, não por coincidência, o Dia

Internacional do Consumidor, vamos anunciar um elenco de medidas que

transformarão a defesa do consumidor, de fato, em uma política de Estado no

Brasil. Com o tempo, essa nova política vai colocar o Brasil no mesmo padrão

dos países mais avançados do mundo na defesa desses direitos essenciais do

cidadão.

Adianto, de forma bem resumida, que essas medidas vão abranger, de um

lado, a criação de novos instrumentos legais para premiar as boas práticas e

punir as más, e, de outro, vão reforçar e apoiar as estruturas já existentes,

como é o caso dos Procons. Vamos criar mecanismos capazes de dar

respostas mais ágeis e mais efetivas às demandas do consumidor atingido em

seus direitos. Vamos cobrar melhorias de serviços e mais transparência das

empresas e do próprio governo. Vamos informar e conscientizar o consumidor

brasileiro, de forma incessante, sobre todos os seus direitos.

Em suma, o Brasil vai fiscalizar com mais rigor, aplicar multas mais adequadas,

vai conscientizar empresas, consumidores e toda a sociedade sobre as

vantagens, para todos, da melhoria das relações de consumo. Não podia ser

diferente. Com a inclusão social, fizemos nascer novos consumidores. É nossa

obrigação agora defendê-los, pois essa é uma forma poderosa de cuidar do

desenvolvimento do Brasil. (E23)

Minhas queridas brasileiras,

Repito, neste dia dedicado mundialmente a cada uma de nós, que um governo

comandado por uma mulher tem mais que obrigação de lutar pela igualdade de

gênero, pela defesa intransigente dos mesmos direitos para homens e para

mulheres. Esta, aliás, deve ser a disposição de qualquer governo, seja ele

131

comandado por um homem ou por uma mulher. Não se trata apenas de uma

questão ética ou humanística. Trata-se de uma questão eminentemente

estratégica.

Nenhum país moderno pode desperdiçar a energia e o talento das mulheres,

sob o risco de deformar o seu presente e comprometer o seu futuro. A

desigualdade de gênero não é apenas socialmente maléfica, como

economicamente destrutiva. Por sabermos disso, somos o governo com o

maior volume de políticas públicas em favor da mulher em nossa história, mas

precisamos e vamos fazer muito mais. (E24)

Por falar nisso, passo à terceira medida que anuncio hoje. O governo federal

vai instalar, em cada estado, um moderno centro de atendimento integral à

mulher, que contará, entre outros serviços especializados, com um setor de

prevenção e atenção contra a violência doméstica, e outro de apoio à mulher, à

mulher empreendedora, com ferramentas de estímulo ao pequeno negócio,

como o microcrédito e a capacitação profissional. (E25)

O Brasil, como único país emergente onde, nos últimos anos, diminuiu a

desigualdade social, tem a responsabilidade de diminuir, ainda com mais

rapidez, a desigualdade entre homens e mulheres. O Brasil, como um dos

poucos países do mundo que, nesses anos de crise, aumentou sem parar o

emprego, tem mais que obrigação de garantir melhores oportunidades e salário

mais justo para as mulheres. E o país que retirou, em dois anos, 22 milhões de

brasileiros e brasileiras da miséria, tem que ser um defensor intransigente dos

direitos humanos das mulheres. (E26)

Isso significa, principalmente, intensificar o combate contra os crimes

monstruosos do tráfico sexual e da violência doméstica, como estamos

fazendo. A violência doméstica, aliás, tem que ser varrida dos nossos lares e

do nosso território. Já temos instrumentos poderosos para isso, como a Lei

Maria da Penha, que é uma das melhores do mundo. É preciso agora maior

compromisso e participação de todos nós.

Para encerrar, faço um especial apelo e um alerta àqueles homens que, a

despeito de tudo, ainda insistem em agredir suas mulheres. Se é por falta de

amor e compaixão que vocês agem assim, peço que pensem no amor, no

sacrifício e na dedicação que receberam de suas queridas mães. Mas se vocês

agem assim por falta de respeito ou por falta de temor, não esqueçam jamais

que a maior autoridade deste país é uma mulher, uma mulher que não tem

medo de enfrentar os injustos nem a injustiça, estejam onde estiverem. (E27)

Viva o Dia Internacional da Mulher! Viva a mulher brasileira! Muito obrigada e

boa noite.

132

Pronunciamento 4

Pronunciamento à Nação da Presidenta da República, Dilma Rousseff, em

cadeia nacional de rádio e TV, por ocasião do Dia Internacional da Mulher

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0da%20Rep%C3%BAblica%2C%20Dilma%20Rousseff%2C%20por%20ocasi

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republica-dilma-rousseff-por-ocasiao-do-dia-internacional-da-

mulher%20via%20blogplanalto">Tweet</a>

por Portal Planalto — publicado 08/03/2014 20h42, última modificação

07/07/2014 10h53

08 de março de 2014

Meus queridos brasileiros e, muito especialmente, minhas queridas brasileiras.

Hoje, Dia Internacional da Mulher, podemos dizer que o Brasil tem muito a

comemorar e muito a fazer.

As mulheres são a maior força emergente no mundo, e o Brasil está

contribuindo, de forma decisiva, para que essa força se amplie e se torne cada

vez mais presente. Das 20 maiores economias mundiais somos,

proporcionalmente, a que tem mais mulheres empreendedoras. Mulheres que

abrem seus próprios negócios e enfrentam, com coragem e competência, as

dificuldades para crescer e prosperar. (E34)

Nos últimos onze anos, das 36 milhões de pessoas que saíram da extrema

pobreza, mais da metade são mulheres. Igualmente são mulheres, mais da

metade das 42 milhões de pessoas que alcançaram a classe média.

133

O Brasil criou, nos últimos três anos, 4 milhões e 500 mil empregos. Mais da

metade desses empregos, com carteira assinada, foram conquistados pelas

mulheres. Por este e outros motivos, podemos dizer que a mulher é a nova

força que move o Brasil. Mas temos que admitir que o Brasil precisa ainda dar

mais força às suas mulheres. (E35)

Minhas queridas amigas, tudo que vocês conseguiram até hoje foi fruto do

esforço e da coragem de cada uma de vocês.(E36) Foi fruto igualmente do

apoio de suas famílias. Sabemos também que se abre um novo mundo de

oportunidades, quando a força da mulher encontra apoio nas políticas do

governo. (E37)

Cada casa brasileira, e cada empresa deste país, mostram o que cada mulher

é capaz de fazer por sua família e pelo progresso do Brasil. (E38)Somos um

país líder no empreendedorismo feminino porque a mulher brasileira tem a

sensibilidade de perceber que, abrindo um negócio próprio, ela pode

administrar melhor sua vida e a de sua família. (E39)

Mas isso ocorre, também, porque o Brasil criou novas linhas de crédito para as

mulheres e, neste item, somos, hoje, destaque no mundo. Vejam o caso do

programa Crescer, que é destinado a financiar pequenos empreendedores e

oferece dinheiro barato e sem burocracia para a pessoa montar ou ampliar seu

próprio negócio. Um dinheiro que pode ser usado como capital de giro ou na

compra de máquinas e equipamentos.

Pois bem: de 2011 para cá, mais de 60% de todas as operações foram feitas

por mulheres. Esta é uma prova contundente de como a mulher brasileira é

guerreira e empreendedora, como sabe buscar o que quer. (E40)

No caso do Pronatec, que é o maior programa de formação profissional da

história do Brasil, seis em cada dez alunos são mulheres de todas as faixas de

idade. São cursos gratuitos, bancados pelo governo federal, e oferecidos no

“Sistema S” e nas redes federal e estaduais de educação profissional.

Unimos também o Pronatec ao Brasil Sem Miséria e, de quase um milhão de

matrículas, mais de 650 mil foram feitas por mulheres. São mulheres que saem

definitivamente da pobreza, aprendendo uma profissão.

Também mais da metade das bolsas do ProUni e dos financiamentos do FIES

têm sido concedidos a mulheres. Essa nova realidade explica porque as

mulheres já são proprietárias de 44% das franquias do país. Explica também o

grande crescimento da participação das mulheres na força de trabalho.

Enquanto no início da década de 80 apenas 26% das mulheres trabalhava,

hoje, 50% delas estão ocupadas. Os números são muito bons, mas precisam

melhorar muito mais. (E41)

134

Minhas amigas e meus amigos, o Brasil também se destaca, no mundo, no

apoio às mulheres socialmente vulneráveis. Este é um segmento que meu

governo vê com especial atenção, pois, quanto mais pobre a família, mais a

mulher tem um papel central na estruturação do núcleo familiar.

Por isso, 93% dos cartões do Bolsa Família têm a mulher como titular, e das 1

milhão e 600 mil casas já entregues pelo Minha Casa, Minha Vida, 52% estão

no nome de mulheres.

No acesso à terra também é assim: 72% das propriedades da reforma agrária

são de mulheres. Ao mesmo tempo, o governo tem oferecido mais crédito e

assistência técnica para as trabalhadoras rurais. São mais mulheres

produzindo alimentos, tomando decisões e conquistando autonomia.

Fortalecemos, assim, o papel da mulher na família, na sociedade urbana e no

mundo rural.

Essas novas oportunidades garantem maior autonomia e independência às

mulheres e são decisivas para romper o ciclo de violência em que muitas delas

ainda vivem. No entanto, precisamos avançar e criar novos instrumentos. (E42)

O programa Mulher, viver sem violência integra vários serviços em defesa da

mulher. Nas 26 casas da mulher brasileira que estamos implantando vamos

acolher e proteger as mulheres, colocando vários serviços em um mesmo

lugar. O lema dessas casas é coibir a violência e dar oportunidade às

mulheres. (E43)

Minhas amigas e meus amigos,

Como a primeira mulher a ocupar a presidência do país, vejo com imensa

alegria vários programas criados nos últimos anos. Vejo também que muitas

barreiras ainda precisam ser rompidas para diminuir a desigualdade entre os

gêneros e garantir mais direito – mais autonomia – às brasileiras de todas as

classes sociais.

É preciso garantir salário igual para trabalho igual feito por mulheres e homens.

É preciso combater sem tréguas a violência que recai sobre as mulheres. É

preciso diminuir ainda mais a burocracia e os impostos para que as empresas,

lideradas por mulheres, sejam ainda mais numerosas. É preciso que muito

mais mulheres ocupem o topo das decisões das empresas e das entidades

representativas de toda natureza. (emancipação feminina através do trabalho)

(E44)

Vejo que é preciso garantir mais creches para cortar a desigualdade pela raiz,

dando às crianças pobres as mesmas oportunidades de crianças de classe

média, mas também para facilitar o acesso de suas mães ao trabalho. (E45)

135

Falo disso com a legitimidade da presidenta que ampliou as oportunidades

para as mulheres e que, mesmo assim, sabe que é preciso fazer muito mais.

(E46)

Este é o século das oportunidades. Este é o século do Brasil. E este é, sem

dúvida, o século das mulheres! A mulher é a nova força que move o Brasil.

Com esta força e esta energia vamos construir um futuro cada vez melhor para

as nossas famílias.

Viva o Dia Internacional da Mulher!

Viva o Brasil!

Viva a mulher brasileira!

Obrigada. E boa noite.

Ouça a íntegra (08min22s) do pronunciamento da Presidenta Dilma