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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ MATHEUS ENEAS DA CRUZ SOUZA A RESPONSABILIDADE DA PESSOA JURÍDICA FRENTE AO DIREITO PENAL BRASILEIRO CURITIBA 2018

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

MATHEUS ENEAS DA CRUZ SOUZA

A RESPONSABILIDADE DA PESSOA JURÍDICA FRENTE AO

DIREITO PENAL BRASILEIRO

CURITIBA

2018

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MATHEUS ENEAS DA CRUZ SOUZA

A RESPONSABILIDADE DA PESSOA JURÍDICA FRENTE AO

DIREITO PENAL BRASILEIRO

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Msc. Murilo Henrique Pereira Jorge.

CURITIBA

2018

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TERMO DE APROVAÇÃO

MATHEUS ENEAS DA CRUZ SOUZA

A RESPONSABILIDADE DA PESSOA JURÍDICA FRENTE AO

DIREITO PENAL BRASILEIRO

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel no Curso de Direito da

Universidade Tuiuti do Paraná

Curitiba, _____ de_______________ 2018.

_________________________________

Prof. Dr. PhD. Eduardo de Oliveira Leite Coordenador do Núcleo de Monografias do Curso de Direito

Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador: ___________________________________

Prof. Msc. Murilo Henrique Pereira Jorge Universidade Tuiuti do Paraná

Supervisor: ____________________________________

Prof. Universidade Tuiuti do Paraná

Curso de Direito

Supervisor: ____________________________________

Prof. Universidade Tuiuti do Paraná

Curso de Direito

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AGRADECIMENTOS

Meu agradecimento primordial vai ao Criador, pois sem Ele, nem uma ação ou

criação do homem seria possível.

Devo externar também os meus mais sinceros e profundos sentimentos de

gratidão, amor, respeito e veneração aos meus pilares de sustentação, minhas duas

bisavós, dona Ignêz e dona Leony, que incondicionalmente, desde sempre foram meu

suporte, de todas as formas possíveis e cujos ensinamentos levarei eternamente

comigo.

Do mesmo modo, sou muito grato à minha amada mãe, Mayra Liz, pelo carinho

e pelos cuidados, não posso deixar de mencionar os meus avós Edilberto e Vilma, meus

tios Ricardo e Marcelys e a minha prima Izabella, e também o restante dos meus

familiares e amigos que se fizeram presentes em minha formação.

Ao mestre com carinho, o professor/amigo/desembargador Francisco Pinto

Rabello Filho, que me acolheu em seu meio, razão pela qual devo-lhe o início de minha

formação acadêmica e vida profissional, assim como devo à toda sua assessoria, em

especial as queridas Karla e Wanessa, meu muito obrigado pela paciência, pela amizade

e pelas valorosas lições.

Aos grandes amigos/colegas que fiz dentre os alunos do curso de Direito da

Universidade Tuiuti do Paraná, nas pessoas de: Tiago Gomes, Julio César, Alexandre

Cavalli, Gabriel Garrett, Raquel Godoy, Mariluce Fatuch e muitos outros.

Por último, mas não menos importante, vai esta homenagem aos professores de

direito e processo penal da Universidade Tuiuti do Paraná, em especial ao meu

orientador, professor Murilo Henrique Pereira Jorge, que em muito contribuiu para o

meu interesse e apreço pelo estudo desta área tão nobre do direito.

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RESUMO

O presente trabalho almeja abordar os aspectos dogmáticos, legais e jurisprudências que circundam a responsabilidade penal da pessoa jurídica considerando o sistema vigente no ordenamento jurídico brasileiro. Este é um dos temas que mais gera divisão na doutrina de mais alto renome no direito penal. Ambos os posicionamentos trazem consigo forte argumentação, tanto os de seus defensores, como os de quem alevanta-se em contrário à esta responsabilidade. Devido ao impacto social, é de suma importância que se analise o tema sob a ótica do direito penal, com vistas à proteção dos bens jurídicos mais preciosos de nosso ordenamento. Esta é a razão que impulsiona esta pesquisa, aplicando-a à luz das teorias quanto a sua natureza jurídica para o direito civil e das teorias da conduta para o direito penal. Trabalharemos com uma revisão Bibliográfica, consultando obras, artigos, revistas especializadas, teses, monografias e demais fontes necessárias à pesquisa de nosso trabalho monográfico. Ao enfrentar os argumentos, conclui-se que, em que pese a Constituição Federal preveja tal responsabilização, nosso sistema deve adaptar-se para uma aplicação lógica e razoável da presente ideia. Palavras chave: Direito civil, direito penal, teoria do delito, conduta, tipo penal, dolo, culpabilidade, teoria da pena, Constituição Federal, Código Penal, Lei de Crimes Ambientais, novo Código Penal, projeto de lei Senado Federal n.º 236.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..........................................................................................................7 2 PESSOA JURÍDICA NO ÂMBITO DO DIREITO CIVIL ....................................8 2.1 FINALIDADE E CONCEITO ..................................................................................8 2.2 TEORIAS ACERCA DA NATUREZA JURÍDICA.................................................9 2.2.1 Teoria da ficção ......................................................................................................9 2.2.2 Teoria organicista .................................................................................................10 2.2.3 Teoria da instituição .............................................................................................11 2.2.4 Teoria tecnicista ...................................................................................................11 2.3 MANIFESTAÇÃO DA PERSONALIDADE ........................................................12 3 DA TEORIA DO DELITO .....................................................................................15 3.1 DOS CONCEITOS DE CRIME .............................................................................15 3.1.1 Formal e material ..................................................................................................15 3.1.2 Analítico ...............................................................................................................16 3.2 A AÇÃO .................................................................................................................16 3.2.1 Teoria causalista ...................................................................................................17 3.2.2 Teoria finalista .....................................................................................................18 3.2.3 teorias funcionalistas ............................................................................................21 3.3 O TIPO E SEUS ELEMENTOS .............................................................................23 3.3.1 Elementos objetivos do tipo ..................................................................................24 3.3.2 Elementos subjetivos do tipo ................................................................................24 3.4 O DOLO ..................................................................................................................25 3.4.1 O dolo da pessoa jurídica ......................................................................................26

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3.5 DA CULPABILIDADE ..........................................................................................27 3.1.5 Conceitos..............................................................................................................28 3.5.2 Da imputabilidade ................................................................................................29 4 TEORIA DA PENA .................................................................................................31 4.1 FUNÇÕES DA PENA ............................................................................................32 4.1.1 Teorias absolutas ou retributivas ..........................................................................32 4.1.2 Teorias relativas ou preventivas ...........................................................................32 4.1.3 Teoria mista dialética ...........................................................................................33 4.2 PRINCÍPIOS RELATIVOS ....................................................................................33 4.2.1 Humanidade .........................................................................................................33 4.2.2 Culpabilidade .......................................................................................................34 4.2.3 Legalidade ............................................................................................................35 4.3 PENAS EM ESPÉCIE ............................................................................................35 4.4 ASPECTOS LEGAIS E JURISPRUDENCIAIS ....................................................36 4.4.1 Disposições constitucionais .................................................................................36 4.4.2 Jurisprudência ......................................................................................................37 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................41 REFERÊNCIAS .........................................................................................................42

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1 INTRODUÇÃO

A figura da pessoa jurídica desde o seu surgimento (não se sabe ao certo quando

isso se deu) tem se mostrado fundamental no trato das relações humanas, tanto social

como economicamente falando. Nos dias atuais o homem nem se dá conta de que o ente

coletivo está demasiadamente atrelado ao seu cotidiano, pois são as empresas (em

sentido amplo) que movimentam a economia das sociedades, a maioria dos homens é

adepto de alguma religião, o que implica a existência de instituições com esse fim (CC,

art. 44, inc. IV).

Seu estudo e análise são de suma importância para o direito de um modo geral.

Afirma-se isso, dada a escolha do tema central do presente trabalho, levando em

consideração a sua carga interdisciplinar, pois quando se fala em responsabilidade penal

da pessoa jurídica, além do direito penal, implica a análise de conceitos do direito civil,

assim como da sua natureza jurídica e dos respectivos dispositivos do Código, também

envolve a Constituição Federal, seus princípios e disposições e por consequência tem

um grande impacto no âmbito de um ramo do direito relativamente novo, que é o direito

ambiental, ou seja, na tutela do Meio ambiente.

Também deve se ter em conta, o grande reflexo econômico que o presente tema

pode gerar, pois as pessoas jurídicas possuem uma essência patrimonial e via de regra,

podem ter grande interferência na economia de uma nação, arrisca-se afirmar, que até

em escala mundial.

Assim, abordar-se-á a fundamentada opinião de juristas, dos clássicos aos mais

modernos, sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica, apresentando-se seus

argumentos favoráveis e os contrários, à luz da teoria do crime e das penas, ambos

pautados na boa técnica, em julgados, na lei e nos princípios constitucionais regentes da

República.

Com isso, o que deve ser buscado com a análise deste controvertido tema, é o

equilíbrio entre as finalidades do direito penal, são eles: a tutela dos bens jurídicos que

mais importam para a sociedade e a limitação do poder de punir estatal

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2 PESSOA JURÍDICA NO ÂMBITO DIREITO CIVIL

2.1 FINALIDADE E CONCEITO

Um sentimento inerente à maioria dos seres vivos é a união com demais

indivíduos para a formação de grupos, a raça humana não é diferente. A história mostra

que a vida dos primeiros seres humanos já permeava as reuniões com seus pares.

A coletividade de homens pode se formar para os mais diversificados fins, desde

a formação de um núcleo familiar, até as uniões de cunho social, religioso ou

econômico.

Como o agrupamento humano é de grande relevância para a sociedade, a fim de

simplificar as relações, se fez necessário que este grupo adquirisse personalidade

própria, distinta dos membros que o compõe, mais especificamente para que o

patrimônio destes fosse separado do pertencente ao ente coletivo, sendo que, em tese

este patrimônio deverá ser mais copioso ao de uma pessoa natural, neste sentido Caio

Mário formula que

[...] A possibilidade de mobilizar capitais mais vultuosos, a necessidade de reunir para uma finalidade única atividades mais numerosas e especializadas do que o indivíduo isolado pode desenvolver, a continuidade de esforços através de órgãos que não envelhecem [...] (2014, p. 249)

Surge desta coletividade de bens ou indivíduos, um novo ente, que são

atribuídas as mais variadas denominações, a exemplo se tem o "ente de existência ideal",

adotado na Argentina. No Brasil, utiliza-se a denominação "pessoa jurídica".

A sua conceituação é necessária para fins didáticos e melhor compreensão

acerca do tema. Adaptando as palavras de Clóvis Beviláqua, podemos dizer que pessoas

jurídicas "[...] são aggremiações de homens ou conjunctos de bens, unificados por uma

finalidade particular, e, debaixo deste aspecto, considerados, uma e outros como agentes

de direitos e sujeitos de obrigações". (1897, p. 150)

Carlos Roberto Gonçalves também faz uma reflexão a respeito do assunto Pode-se afirmar, pois, que pessoas jurídicas são entidades a que a lei confere personalidade, capacitando-as a serem sujeitos de direitos e obrigações. A sua principal característica é a de que atuam na vida jurídica com personalidade diversa

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dos indivíduos que as compõem (CC, art. 50, a contrario sensu, e art. 1.024). (2014, p. 216 – os destaques são do original)

Sabe-se com isso, que pessoa jurídica é sujeito de direito, tal como uma pessoa

natural, mas carece de distinção o tratamento de cada qual pelo ordenamento jurídico,

com vistas à dignidade humana, que não é inerente ao ente coletivo, devendo-se observar

a sua natureza jurídica para tanto.

2.2 TEORIAS ACERCA DA NATUREZA JURÍDICA

Mais de uma teoria existe a fim de justificar a natureza da pessoa jurídica, cada

qual com suas peculiaridades, partindo de um extremo em que a coloca como um ente

próprio da imaginação, a outro onde afirma-se sua existência no plano fático, tal qual

um homem ou animal.

Os autores de forma geral, em seus manuais, utilizam-se das mais variadas

classificações no que tange as teorias sobre a pessoa jurídica, diversificando no mais das

vezes apenas o rótulo, a nomenclatura; apresentar-se-á, para que o presente trabalho

fique o mais objetivo possível, as quatro de maior expressão, que são quatro: a

ficcionista, a institucionalista, tecnicista e a organicista.

2.2.1 Teoria da ficção

A teoria ficcionista ou da ficção legal de Savigny, postula que a pessoa jurídica

não passa de mera invenção humana, um ser imaginário, não possuindo personalidade

própria. Nas palavras de Washington de Barros Monteiro: "Ela parte do princípio de que

só o homem é capaz de ser sujeito de direitos [...]" (1997, p. 100-101).

Essa mesma linha de pensamento é apresentada por Caio Mário da Silva Pereira,

ao explicar esta ideia

Segundo essa concepção doutrinária, a qualidade de sujeito da relação jurídica é prerrogativa exclusiva do ser humano e, fora dele, como ser do mundo real, o direito concebe a pessoa jurídica como criação artificial, engendrada pela mente humana, e cuja existência, por isso mesmo, é simplesmente uma ficção. (2014, p. 253-254 – os destaques são do original)

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Todavia, esta teoria não impera no ordenamento jurídico brasileiro, devido a

sua inaplicabilidade prática. É, aliás, a crítica feita por Maria Helena Diniz com um

exemplo posto: "Não se pode aceitar esta concepção, que, por ser abstrata, não

corresponde à realidade, pois o Estado é uma pessoa jurídica, e se se concluir que ele é

ficção legal ou doutrinária, o direito que dele emana também o será". (2007, p. 230)

Como o ente coletivo despersonalizado não atendeu às necessidades do Direito,

a doutrina achou por bem trata-lo tal como um ser real.

2.2.2 Teoria organicista

Também conhecida como teoria da realidade objetiva, é o contraponto da teoria

da ficção, pois enquanto esta afirma que a pessoa jurídica não passa de mero engenho,

a primeira equipara-a ao homem, em todos os aspectos possíveis.

De acordo com a teoria, a pessoa jurídica é um sujeito titular de direitos e

obrigações, tal como um ser humano. Metaforicamente é compreendida como um corpo,

e os indivíduos que a compõem colocam em movimento os seus órgãos para o fim de

que tenha vida e vontade própria.

Justamente nesta última circunstância reside a crítica a esta teoria. A doutrina

moderna não a tolera por admitir o fator "vontade" a pessoa jurídica, e também alerta

quanto ao seu extremismo. Nos dizeres de Maria Helena Diniz: "[...] Entretanto, essa

concepção recai na ficção quando afirma que a pessoa jurídica tem vontade própria,

porque o fenômeno volitivo é peculiar ao ser humano e não ao ente coletivo [...]" (2007,

p. 230).

Do mesmo modo, formula Miguel Reale ao combater a teoria organicista frente

ao ordenamento brasileiro: "Essa teoria atende a certos aspectos do problema, mas

exagera quando dá às pessoas jurídicas uma existência substancial, ou seja, quando

atribui às pessoas jurídicas uma existência real efetiva, vamos dizer assim, de natureza

ontológica" (2014, p. 235).

Portanto, devido a carga de realidade exacerbada desta teoria, não encontra

guarida no Código Civil brasileiro de 2002, de acordo com os civilistas contemporâneos,

fazendo com que buscassem ponderar as medidas do conceito da pessoa jurídica.

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2.2.3 Teoria da instituição

Sob outra ótica, há a teoria institucionalista. Conforme transcreve Vicente Ráo

sobre essa linha de pensamento

Criada como teoria geral do direito por Maurice Hauriou ("La Théorie de l'Institution et de la Fondation" in Cahiers de la Nouvelle Journée, n. 4) e amplamente desenvolvida por Georges Bonnard (La Théorie de l'Institution, 1930), esta doutrina indica, como elementos constitutivos da instituição: 1. uma idéia de obra ou empresa, que cria o vínculo social, unindo todos os seus participantes em vista da realização comum dessa idéia; 2. uma coletividade humana interessada na realização dessa mesma idéia (tais os membros do grupo ou os seus beneficiários passivos); 3. uma organização, ou seja, um conjunto de meios destinados à consecução de um fim comum; 4. a manifestação de uma comunidade de propósitos entre os membros que não participam diretamente na atividade do corpo social e seus órgãos diretores [...] ( 1999, p.730 – os destaques são do original)

O que se tem aqui é o que foi mencionado ao início do presente trabalho, ou

seja, a reunião da vontade de seres humanos com objetivos comuns, com vistas ao

mesmo fim, no caso, a realização de uma atividade.

Porém, deve-se voltar os olhos para uma questão importante a respeito desta

teoria, alertada pelo destacado doutrinador português, Cunha Gonçalves

[...] não é aplicável, nem às associações, porque faz completa abstração dos sócios, que nela são elemento dominante, nem às fundações, porque, se algumas há que possam ser classificadas de serviços sociais, há muitas outras que estão longe de ter tal natureza. (1956, p. 914-915 – os destaques são do original)

Como se vê, a teoria não abrange todas as espécies de pessoas jurídicas

elencadas no Código Civil (art. 44), por isso, não pode ser aplicada ao seu ordenamento.

2.2.4 Teoria tecnicista

Essa é considerada o meio termo entre a ficcionista e a organicista, pois não

ignora a personalidade do ente coletivo e nem o define como um ser concreto,

propriamente dito.

Ensina essa teoria, que a pessoa jurídica é um ente que existe graças à técnica

do direito e para o direito tão somente, portanto ela existe, tem personalidade, mas não

é um ser palpável e portador de consciência e vontade tal qual o homem. A realidade

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técnica é vista pela doutrina como a mais ponderada das teorias, assim expõe o professor

Washington de Barros

Sendo eclética, ela reconhece que há uma parcela de verdade em cada uma daquelas teorias. Do ponto de vista físico e natural, só a pessoa física é realidade. Sob esse aspecto, portanto, a pessoa jurídica não passará de ficção. Mas toda ciência aprecia diversamente os fenômenos, toda ciência define esses fenômenos mediante critérios próprios. Ora, a noção de personalidade, de sujeito de direito, não é noção que se vá buscar nas ciências naturais, porém, noção jurídica, cuja definição há de ser procurada na ciência jurídica. (1997, p. 102)

No mesmo sentido está o pensamento de Caio Mário

O jurista moderno é levado, naturalmente, à aceitação da teoria da realidade técnica, reconhecendo a existência dos entes criados pela vontade humana, os quais operam no mundo jurídico adquirindo direitos, exercendo-os contraindo obrigações, seja pela declaração de vontade, seja por imposição da lei. (2014, p. 260 – os destaques são do original)

Portanto, constata-se que esta é a que mais recebe aceite da doutrina nos dias

atuais. É a teoria da realidade técnica que está transcrita no Código Civil, no seu artigo

45, logo na parte inicial do caput: “Começa a existência legal das pessoas jurídicas de

direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro [...]”, ou seja,

ela de fato existe, mas tão somente em decorrência da lei.

2.3 MANIFESTAÇÃO DA PERSONALIDADE

Considerando a ideia de que a pessoa jurídica é um ente personalizado que

existe em função e em razão do Direito, o estudioso das ciências jurídicas deparar-se-á

com uma questão importante: até onde sua personalidade produz efeitos no plano fático?

A pessoa jurídica é sujeito de direitos, portanto é titular de determinados direitos

e deveres na ordem civil por determinação da lei, todavia diante de sua condição de ser

abstrato a pessoa jurídica somente pode praticar os atos da vida por intermédio de seus

representantes/pessoas naturais. Aponta o professor Sílvio Venosa que

A pessoa jurídica tem sua esfera de atuação ampla, não se limitando sua atividade tão somente à esfera patrimonial. Ao ganhar vida, a pessoa jurídica recebe denominação, domicílio e nacionalidade, todos atributos da personalidade.

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Como pessoa, o ente ora tratado pode gozar de direitos patrimoniais (ser proprietário, usufrutuário etc.), de direitos obrigacionais (contratar) e de direitos sucessórios, pois pode adquirir causa mortis. (2014, p. 93 – os destaques são do original)

Algumas prerrogativas não podem ser exercidas por pessoas jurídicas, a

exemplo o direito de família, a ideia de casamento e filiação são absolutamente

inconcebíveis em seu caso. Expõe Silvio Rodrigues: “Naturalmente ela so pode ser

titular daqueles direitos compatıveis com a sua condicao de pessoa fictıcia, ou seja, os

patrimoniais. Nao se lhe admitem os direitos personalíssimos [...]”. (2007, p. 93)

Deve-se ressalvar, contudo, o disposto pelo artigo 52 do Código Civil, onde o

legislador deixou uma margem, para que fossem atribuídos direitos personalíssimos ao

ente coletivo, na medida de sua capacidade.

É notório também, que por consequência dos direitos reservados, o ente coletivo

poderá ser parte em processo, do contrário, não faria sentido tal investidura, portanto

pode a pessoa jurídica constar tanto no polo ativo, quanto no passivo de uma relação

processual.

A responsabilidade civil contratual da pessoa jurídica não é motivo de

divergência entre a doutrina, conforme leciona o professor Silvio Rodrigues: “Quanto a

responsabilidade contratual, a matéria e pacífica, e, desde que se torne inadimplente, sua

responsabilidade emerge, nos termos do art. 389 do Código Civil”. (2007, p. 94)

Em relação à responsabilidade extracontratual, este é mais complexa, pois

advém de interpretação do Código Civil de 1916, Sílvio Rodrigues faz apontamentos a

respeito

Com efeito, o art. 1.522 do Codigo Civil de 1916 determinava que as pessoas jurıdicas que exercessem exploracao industrial estavam abrangidas pelo art. 1.521. Este ultimo dispositivo tratava da responsabilidade por atos de terceiros, de sorte que, aparentemente, a responsabilidade da pessoa jurıdica por atos de seus representantes e a mesma que a do patrao por ato de seu empregado, a do comitente por ato de seu preposto, ou a do amo por ato de seu servical. [...] A idéia naturalmente se aplicava as pessoas jurıdicas. De modo que, ate a vigencia do Codigo de 2002, quando pessoa jurıdica de finalidade lucrativa causasse dano a outrem por ato de seu representante, surgia uma presuncao juris tantum de culpa in eligendo e in vigilando, que precisava ser destruıda pela propria pessoa jurıdica, sob pena de ser condenada solidariamente a reparacao do prejuızo. O Codigo Civil de 2002 nao contem regra equivalente a do art. 1.522 do anterior, de maneira que a presuncao de culpa dos administradores nao mais milita. Hoje, a meu ver, a responsabilidade das pessoas jurıdicas por atos de seus administradores, quer se trate de sociedades, quer de associacoes, so emerge se o autor

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da acao demonstrar a culpa da pessoa jurıdica, quer in vigilando, quer in eligendo. (2007, p. 94-95)

Portanto, no âmbito do direito civil, a responsabilização da pessoa jurídica é

amplamente aceita, pois está aí a se discutir controvérsias de cunho eminentemente

patrimonial. As divergências tornam-se realmente aguerridas, no que tange a lesão de

bens a que a lei penal dá guarida, pois nessa extensão a doutrina de alta deferência é

absolutamente dividida.

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3 DA TEORIA DO DELITO

Antes de falar-se em responsabilidade criminal, é de suma importância que o

conceito de delito/crime (aqui compreendidos como sinônimos) seja explorado. O crime

é visto como um fator inerente às sociedades de todas as épocas. Este fenômeno,

tomando-se a liberdade de assim o chamar, faz parte do rol de objetos de estudo das

ciências criminais junto ao sujeito que o pratica e as respectivas leis que o definem. Pode

o delito constar nos manuais, em sua definição formal, material ou analítica, de acordo

com o entendimento da doutrina.

3.1 DOS CONCEITOS DE CRIME

3.1.1 Formal e material

De maneira simples, pode-se dizer que o crime em seu conceito formal como

“[...] toda ação ou omissão proibida pela lei, sob a ameaça de uma pena” (FRAGOSO,

2004, p. 175). É basicamente a leitura simples de um artigo de lei penal, ou seja, há a

descrição de um comportamento e a prescrição de uma punição.

Já em seu conceito dito material falar-se-á em crime como “[...] um desvalor da

vida social, ou seja, uma ação ou omissão que se proíbe e se procura evitar, ameaçando-

a com pena, porque constitui ofensa (dano ou perigo) a um bem, ou a um valor da sida

social”. (FRAGOSO, 2004, p. 175 – os destaques são do original) Como se observa, o

conceito circunda a ideia de proteção do bem jurídico eleito para proteção pela lei penal.

Ao compulsar a história do direito penal, o estudioso deparar-se-á com sua a

Escola Clássica, e dentre os nomes ali constantes está o do imortal Enrico Ferri, este por

sua vez também preocupou-se em dar definições do que é crime. Enfim, sua boa pena

prescreve

[...] mas a palavra crime tem dois significados: o ético social (muito amplo) e jurídico (mais restrito). O primeiro sentido expressa uma ação imoral, isto é, contrária às condições de existência social em razão dos costumes, da honestidade e da dignidade humanas; já, o segundo, indica uma ação quase sempre imoral, cuja principal característica é a proibição legal, e contrária às condições de existência social no que diz respeito à disciplina e à segurança sociais. (FERRI, 2006, p. 9)

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Basicamente, ao examinar comparativamente o teor dos significados “ético-

social” e “jurídico” de crime, nos termos do que propõe Ferri, chega-se ao resultado de

que o primeiro pode equivaler ao conceito material, e o segundo pode equivaler ao

formal.

3.1.2 Analítico

O crime também pode ser estudado sob o seu ponto de vista analítico como bem

ensina Heleno Cláudio Fragoso: “Define-se, assim, o crime como ação ou omissão

típica, antijurídica e culpável” (2004, p. 178 - os destaques são do original). Observa-

se que este conceito pode ser desdobrado em fatores, ou características como prefere o

douto professor, e continua o penalista

Ação - atividade conscientemente dirigida a um fim. Omissão - abstenção de atividade que o agente podia e devia realizar. Típica - correspondente a um tipo de delito, ou seja, a um modelo legal de fato punível. Antijurídica - contrária ao direito, por não existir qualquer permissão legal para a conduta (legítima defesa, estado de necessidade etc.). Culpável - juízo de reprovação que recai sobre a conduta ilícita de imputável que tem ou pode ter consciência da ilicitude, sendo-lhe exigível comportamento conforme ao direito. (2004, p. 178 – os destaques são do original)

O operador do direito trabalha, então, ao deparar-se com um acontecimento dito,

em tese, criminoso, o analisará sob estas características, respectivamente, para afirmar

que o seu autor (sujeito de direitos) praticou determinado crime e poder torná-lo

responsável perante a lei penal.

Do mesmo modo, esses fatores descritos devem estar presentes para falar-se em

responsabilização criminal de pessoa jurídica. Portanto, nos próximos itens, as

características do delito serão esmiuçadas, colocando o ente coletivo no papel de

potencial sujeito criminoso.

3.2 A AÇÃO

A ação ou conduta é vista para a doutrina penal como um pilar que sustenta a

tipicidade, antijuridicidade e a culpabilidade, quando se fala em teoria do crime, pois

partindo do conceito analítico, é ela a primeira característica que será avaliada pelo

operador do direito. Para Zaffaroni e Pierangelli

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O direito pretende regular conduta humana, não podendo ser o delito outra coisa além de uma conduta. Se admitíssemos que o delito é algo diferente de uma conduta, o direito penal pretenderia regular algo distinto da conduta e, portanto, não seria direito, pois romperia o atual horizonte de projeção de nossa ciência. O princípio nullum crimen sine conducta é uma garantia jurídica elementar. Se fosse eliminado, o delito poderia ser qualquer coisa, abarcando a possibilidade de penalizar o pensamento, a forma de ser, as características pessoais etc. Neste momento de nossa cultura isto parece suficientemente óbvio, mas, apesar disto, não faltam tentativas de suprimir ou de obstaculizar este princípio elementar. [...] (2015, p. 370-371 – os destaques são do original)

Existem teorias que buscam moldar a conduta para fins de compreensão

científica. Para que o presente trabalho fique mais conciso, apresentar-se-á as três teorias

mais destacadas a respeito, o causalismo, o finalismo e o funcionalismo, pois é nessas

correntes, em contraponto, que reside a controvérsia a respeito da presente temática.

3.2.1 Teoria causalista

Também conhecida como teoria naturalista da ação, atribui responsabilidade

àquele que deu causa ao resultado obtido no plano fático. Parte de concepções de cunho

eminentemente positivista e pautadas em conhecimentos atribuídos às ciências da

natureza (física/biologia), as ditas ciências do “ser”. Os principais nomes responsáveis

por propagar tal teoria são Ernest von Beling, Franz von Liszt e Gustav Radbruch

(JUNQUEIRA; VANZOLINI, 2014, p. 155).

De acordo com a teoria, a ação era compreendida como uma contração

muscular, enquanto a omissão definia-se como uma distensão muscular (JESUS, 2005,

p. 230). Basicamente o trabalho do jurista consistiria em observar o comportamento e o

descrever. Conforme diz Cezar Roberto Bitencourt

[...] Assim, a ação, concebida de forma puramente naturalística, estruturava-se com um tipo objetivo-descritivo; a antijuridicidade era puramente objetivo-normativa e a culpabilidade, por sua vez, apresentava-se subjetivo-descritiva. Em outros termos, Von Liszt e Beling elaboraram o conceito clássico de delito, representado por um movimento corporal (ação), produzindo uma modificação no mundo exterior (resultado). Essa concepção simples, clara e também didática, fundamentava-se num conceito de ação eminentemente naturalístico, que vinculava a conduta ao resultado mediante o nexo de causalidade. Essa estrutura clássica do delito mantinha em partes absolutamente distintas o aspecto objetivo, representado pela tipicidade e antijuridicidade, e o aspecto subjetivo, representado pela culpabilidade. (2014, p. 262 – os destaques são do original).

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A princípio poder-se-ia entender, com uma simples leitura do teor do caput do

artigo 13 do Código Penal brasileiro, que essa é a teoria por ele adotada, pois está

disposto que: “O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável

a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não

teria ocorrido”.

Todavia, não é o pensamento que vigora no entender da doutrina atual, pois é

alvo de críticas dizendo ser ela insuficiente para explicar a conduta. A exemplo da

tentativa, que exige que seja analisada a finalidade daquele que pratica a ação para que

seja configurada, e para o causalismo a ação possui cunho eminentemente objeto,

enquanto a tentativa encontra-se no plano subjetivo do crime. Daí a crítica de que toda

conduta, antes mesmo de falar-se em ser ela criminosa, mas qualquer das praticadas

cotidianamente, possui determinada finalidade (MIRABETE; FABBRINI, 2009. p. 88).

3.2.2 Teoria finalista

Um de seus principais expoentes na doutrina estrangeira é Hans Welzel, pode-

se afirmar que quando se trata de finalismo, devido ao fato de ser ele considerado um

dos responsáveis por desenvolver a teoria, é, pois, um dos autores de menção obrigatória

ao estudar-se tal tema (JESUS, 2005, p. 233).

A boa pena do eminente professor Luiz Luisi desenvolveu um profundo estudo

a respeito da teoria, com a consequente elaboração de uma obra intitulada: O tipo penal,

a teoria finalista e a nova legislação penal. Nela está disposto que

[...] a ação humana é compreendida por Hans Welzel e seus discípulos como uma realidade ordenada, e com um contexto ôntico definido que a configura. Ao apreender a essência dos atos do querer e do homem - postos como objetivas realidades, na posição de objetos do conhecimento - verifica-se que o conhecer e o querer humanos se voltam sempre para uma meta; visam um objetivo. O conhecimento é conhecimento de algo, posto ante o sujeito. O querer algo posto como fim pelo sujeito. A característica ontológica, portanto, do conhecer e do querer humanos está nesta “intencionalidade”, isto é, nesta “finalidade”, que é sempre, por força da normação ôntica, visada pelo agente [...]. (LUISI, 1987, p. 39)

Basicamente, como se pode notar, nos termos do finalismo, assim como a

própria nomenclatura já sugere, a ação pode definir-se como um fazer final, um querer,

sempre dotado de consciência e vontade daquele que age. E na mesma linha de

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raciocínio Mirabete e Fabbrini afirmam que “[...] Não se concebe vontade de nada ou

para nada, e sim dirigida a um fim. A conduta realiza-se mediante a manifestação da

vontade dirigida a um fim [...]” (2009, p. 89 – os destaques são do original). Este

elemento psicológico, para a teoria sempre deve estar presente para poder-se falar em

conduta. Como melhor explica Heleno Cláudio Fragoso

Ação é atividade humana conscientemente dirigida a um fim. Distingue-se do acontecimento puramente causal (como a chuva ou o raio) precisamente porque neste movem-se forças cegas que não estão encaminhadas à realização de fins. A ação integra-se através de um comportamento exterior, objetivamente, e, subjetivamente, através do conteúdo psicológico desse comportamento, que é a vontade dirigida a um fim. Compreende a representação ou antecipação mental do resultado a ser alcançado, a escolha dos meios necessários e o movimento corporal dirigido ao fim proposto. [...] (2004, p. 181)

Ou seja, a ação, para o finalismo, é dividida em etapas: a proposição (mental)

de um fim; a escolha (mental) de meios para o alcance deste fim; antecipação (mental)

dos possíveis efeitos; e a efetivação no plano fático do que foi almejado (JUNQUEIRA;

VANZOLINI, 2014, p. 189-190).

No mesmo sentido formula Aníbal Bruno, ao desdobrar a teoria finalista

[...] A ação não é simples série de causas e efeitos. Quando a realiza, o homem pensa em um fim, escolhe os meios necessários para atingi-lo e põem em função esses meios. Prevê as conseqüencias do seu comportamento e dirige a vontade de acordo com essa previsão. Desse modo, domina o fato pelo conhecimento das causas e transforma-o em uma ação dirigida a um fim. [...] (1978, p. 302-303)

Como se observa da teoria finalista, é daí que repousa uma das controvérsias

doutrinárias a respeito da responsabilidade penal da pessoa jurídica, pois ao analisar os

conceitos formulados pelos destacados juristas, surgem a todo tempo as expressões

“ação humana”, “querer do homem”, o que denota obviamente um referencial de

exclusividade às pessoas físicas, para figurarem no polo ativo da prática de um delito.

Assim expõe Zaffaroni e Pierangeli

Não se pode falar de uma vontade em sentido psicológico no ato da pessoa jurídica, o que exclui qualquer possibilidade de admitir a existência de uma conduta humana. A pessoa jurídica não pode ser autora de delito, porque não tem capacidade de conduta humana no seu sentido ôntico-ontológico. (2015, p. 371)

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Os destacados autores, afirmam com a expressão “sentido ôntico-ontológico”,

que a pessoa jurídica é um ser incapaz de praticar conduta, no plano fático tal qual um

homem é capaz de mover um objeto de um lugar para outro, raciocinando que o direito

penal exige que a conduta seja realizada de forma concreta, portanto um ser, abstrato,

propriamente falando, não é apto a sua prática. Do mesmo modo é a posição de Luiz

Luisi, que trata a responsabilidade criminal como sendo tão somente atribuível ao ser

humano

Todo ser vivo racional, ou melhor, toda pessoa humana, pode, em princípio, ser sujeito

ativo de um delito. A regra, pois, é que todo homem, isto é, todas as pessoas físicas,

têm condições - e elas exclusivamente - para serem sujeitos de um delito referido nos

tipos penais. (1987, p. 43)

Conforme postulam os eminentes autores, o elemento “vontade” é avesso ao

ente coletivo, dado a sua natureza de existência abstrata. Portanto, os que rechaçam tal

responsabilidade, assim como era o entendimento do saudoso Nelson Hungria (1958, p.

10-11), são adeptos da máxima: societas dellinquere non potest, ou seja, a pessoas

jurídica não é capaz de delinquir.

Todavia, alguns doutrinadores defendem que a pessoa jurídica é dotada de

vontade própria, distinta de seus membros componentes. Na doutrina estrangeira

encontra-se Aquiles Mestre, aqui mencionado por Alfonso Reyes Echandía, este segue

o pensamento de que as pessoas jurídicas possuem sim, vontade própria, e esta é

formada através da vontade dos dirigentes em união, portanto a assembleia dos sócios é

capaz de dar essência à uma vontade coletiva, devido a existência jurídica do ente, e

nestes termos ela possui potencial delitivo

Mestre, por su parte, pretende demostrar que la persona jurídica tiene voluntad e inteligencia; la unificación de voluntades se efectúa gracias a lo que él llama “la solidaridad representativa”; sus miembros se reúnen y discuten para crear así la “deliberación sicológica”, y luego toman determinaciones que dan lugar a la “resolución corporativa”. Sostiene el autor que la persona moral es una verdadera realidad jurídica y natural, no un ente ficticio, y agrega: “¿Cómo admitir que una ficción pueda mover y dominar tantas realidades? ¿Cómo concebir una ficción que percibe los impuestos, declara la guerra y ejecuta toda suerte de operaciones en ella? Por otra parte, es una tendencia invencible del espíritu humano, ante una agrupación

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homogénea, la unificarla y reconocerle una existencia tan real como la de los elementos que la forman, y por eso la noción de la voluntad colectiva real se impone ante una agrupación de voluntades”. (ECHANDÍA apud MESTRE, 1999. p. 27-28)

Porém, como se observa, essa ideia é de difícil adaptação para o ordenamento

jurídico brasileiro, por equiparar existência da pessoa jurídica à da pessoa física (teoria

organicista). E como foi tratado no capítulo anterior, sob a perspectiva do atual direito

civil brasileiro, o ente coletivo não possui tal carga de realidade ôntica, mas sim sua

realidade é manifesta tão somente no plano jurídico-ideal (teoria tecnicista).

Alerta-se que de acordo com a reforma do Código Penal em 1984, é a teoria

finalista que passou a reger a maioria das suas disposições legais, como postula Damásio

de Jesus em seu curso sobre tal reforma (1985, p. 4).

3.2.3 Teorias funcionalistas

Em contraponto ao finalismo surgem os movimentos funcionalistas do delito.

Pautados basicamente nos termos da Política Criminal ou no sistema penal como um

todo, compreendem o direito penal como sendo um microssistema que trabalha em

função da sociedade (GOMES; BIANCHINI; DAHER, 2016, p. 233).

As duas compreensões que merecem maior destaque no meio acadêmico são as

dos doutrinadores alemães Claus Roxin e Günther Jakobs.

Deve-se analisar suas ideias com as respectivas especificações, com o intuito de

buscar e transcrever o que cada pensador diz a respeito da conduta relevante para o

direito penal e verificar se há margem para a atribuição da mesma ao ente coletivo.

Jakobs pauta sua teoria funcionalista sob o viés basicamente normativo-

punitivo. Nesses termos afirma que a norma deve regulamentar tão somente os

comportamentos sociais, pois não há como reger os acontecimentos naturais. O crime

viola tais mandamentos normativos. Daí surge a figura da pena, aplicada àquele que

pratica o delito, com o intuito de reafirmar a norma. Eis a função do direito penal, a de

proteger o sistema normativo vigente (GOMES; BIANCHINI; DAHER, 2016, p. 235).

Já nos termos da concepção de Roxin, não há sentido na situação de o direito

penal e a política criminal serem estudadas a parte, portanto para fins de aplicabilidade

prática, sua unificação é necessária. Com isso, cada caso analisado sob a ótica da teoria

do delito teria uma solução específica, diante de todos os fatores e circunstâncias, não

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somente do ponto de vista legal, que se envolvem no acontecimento relevante para as

ciências criminais (GOMES; BIANCHINI; DAHER, 2016, p. 234).

O preclaro autor, ao pronunciar-se a respeito da ação, define-a como

“manifestação da personalidade”, ou seja, considera-se ação tão somente aquilo que é

produzido pela esfera anímico-espiritual da pessoa e é posto no mundo externo, portanto

tudo aquilo que não advém do campo de domínio da vontade, a exemplo a força física

irresistível ou movimentos corporais durante o sono, não pode ser considerado ação

(ROXIN, 1997, p. 252).

De acordo com o entendimento de Paulo César Busato e Fábio André Guaragni,

adeptos de tal teoria, afirmam que sob a sua ótica é possível responsabilizar-se a pessoa

jurídica no âmbito do direito penal, veem inclusive sanado o problema da prática da

conduta. Admitem em sua construção, por razões óbvias, a incapacidade de ação

concreta pelo ente coletivo: “ Evidentemente, resulta impensável que uma pessoa

jurídica realize uma ação em sentido ontológico, físico. Certamente, é inconcebível

pensar em uma pessoa jurídica realizando um movimento voluntário modificativo no

meio externo [...] (2012, p. 36 – os destaques são do original).

Todavia, prosseguem no sentido de que para o direito penal, a ideia de ação

física, próprio do causalismo e do finalismo, resta superado, nos dias atuais se fala em

conduta axiológica, ou seja, a ação pode perfeitamente manifestar-se de maneira

incorpórea, portanto, jurídica. E ainda afirmam que a única finalidade de se conceituar

a ação, é para que o direito penal se preocupe em incriminar pelo fato e não pela

condição da pessoa (2012, p. 36-39).

Uma outra questão nesta seara, que carece de minuciosos esclarecimentos, é no

que toca a respeito da “vontade”. Foram apresentados acima, argumentos doutrinários

(tanto do direito penal, quanto do direito civil) que excluem a constância do elemento

volitivo à essência da pessoa jurídica, pois, nos termos do que dispõe, trata-se de um

fator eminentemente humano.

Partindo da premissa dita jurídica, da conduta, entendem os escritores, que não

cabe mais falar sobre a medida da vontade enquanto elemento da conduta, devido a sua

natureza anímica

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A comunicação ou percepção do significado não provém de uma realidade do sujeito (interna) nem tampouco do objeto (externa), mas de inter-relação entre eles. A comunicação é o resultado da inter-relação entre o sujeito e o objeto que produz uma percepção. A percepção não é algo que possa ser traduzido em uma realidade ou concretado em algo que “é”, nem tampouco se traduz meramente em uma valoração. A percepção é tão somente um sentido. Desde logo percebe-se uma contraposição direta à ideia de explicar a ação a partir dos fenômenos psicológicos e internos, tal como a vontade. Já não se fala mais sobre o que quer aquele que atua, mas sobre que ideia transmite a conduta. (BUSATO; GUARAGNI, 2012, p. 40)

Portanto, nos termos do que propõe tais autores, ignorando a teoria finalista, sob

o argumento de estar ela superada (BUSATO; GUARAGNI, 2013, p. 36), o ente

coletivo pode praticar conduta. Contudo isso não é suficiente para que a pessoa jurídica

seja tratada como possível sujeito infrator das leis penais, carecendo, pois, de uma

cuidadosa análise das demais características do delito. 3.3 O TIPO E SEUS ELEMENTOS

A tipicidade é outro degrau do conceito analítico de crime que se deve pisar

para que se possa configurar a conduta delitiva. A ideia inicial de tipicidade advém, no

ordenamento brasileiro, do princípio da legalidade. Está expresso na Constituição

Federal, em seu artigo 5.º, inciso XXXIX, que: “[...] não há crime sem lei anterior que

o defina, nem pena sem prévia cominação legal; [...]. Este é o mesmo teor que consta

expresso no artigo 1.º, caput, do Código Penal.

Começa a partir daí o cerne da tipicidade legal, o legislador seleciona uma

determinada conduta, a que a sociedade considera ofensiva para seus padrões de

comportamento (conceito material de crime), a transcreve e atribui uma punição para

quem a praticar, como melhor explica Damásio de Jesus

Inúmeros são os fatos da vida social que, por lesar ou colocar em perigo interesses jurídicos relevantes, ensejam a aplicação da sanção penal. Para isso, o legislador descreve as condutas consideradas nocivas à ordem jurídica. Essa definição legal da conduta proibida pela ordem jurídico-penal, sem qualquer elemento valorativo, é a tipicidade. Portanto, o tipo legal é a descrição abstrata que expressa os elementos da conduta lesiva [...]. (JESUS, 2005, p. 261)

Porém, deve-se estar atento para não confundir a tipicidade legal, com a

tipicidade penal (GOMES; BIANCHINI; DAHER, 2016, p. 247), pois esta última

somente se configura mediante a presença de todas as suas elementares: as objetivas e

as subjetivas.

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3.3.1 Elementos objetivos do tipo

Dentro desta classificação existe a subdivisão em elementos descritivos e

elementos normativos. Segue, pois, a explicação destes para melhor entendimento da

tipicidade.

Os descritivos são os de mais simples compreensão, basta a mera leitura do

dispositivo legal para sua identificação. Expõe Heleno Cláudio Fragoso que são: [...]

aqueles cujo conhecimento se opera através de simple verificação sensorial, o que ocorre

quando a lei penal se refere a membros, explosivo, parto, homem, mulher etc. A

identificação de tais elementos dispensa qualquer valoração (2004, p. 194 – os destaques

são do original).

De outro lado, existem os ditos elementos normativos do tipo, que de acordo

com Cezar Roberto Bitencourt

[...] Elementos normativos são aqueles para cuja compreensão é insuficiente desenvolver uma atividade meramente cognitiva, devendo-se realizar uma atividade valorativa. São circunstâncias que não se limitam a descrever o natural, mas implicam um juízo de valor. O legislador penal pode valer-se de elementos normativos para descrever objetos, situações, circunstâncias ou estados que somente podem ser compreendidos através de um juízo de valor [...] (2014, p. 350 – os destaques são do original).

Nessa sistemática, eles se manifestam mediante determinadas expressões

constantes nos dispositivos legais que carecem de valoração para que ocorram. A

exemplo

Os elementos normativos do tipo podem apresentar-se sob a forma de franca referência ao injusto (“indevidamente”, “sem justa causa”, “sem as formalidades legais”), sob a forma de termos jurídicos (“documentos”, “função pública”, “funcionário”) ou extrajurídicos (“mulher honesta”, “dignidade”, “decoro”, “saúde”, “moléstia”). (JESUS, 2005, p. 273)

3.3.2 Elementos subjetivos do tipo

Como o próprio nome já sugere, considera tudo aquilo que é relativo ao sujeito

e seu estado interno, ou seja, “[...] tudo que pertence ao mundo anímico do agente (à sua

intencionalidade) [...]” (GOMES; BIANCHINI; DAHER, 2016, p. 273). Conforme trata

Bitencourt “São constituídos pelo elemento subjetivo geral - dolo - e elementos

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subjetivos especiais do tipo - elementos subjetivos do injusto [...]” (2014. p. 351 – os

destaques são do original).

Se vê que é aí que reside outro cerne da controvérsia a respeito da

responsabilidade criminal da pessoa jurídica: seria o ente coletivo capaz de agir com

dolo? Para responder a esta pergunta faz-se necessário uma análise a respeito do que é

o dolo para o direito e quais são suas características.

3.4 O DOLO

De plano, afirma-se que o dolo, de acordo com o atual Código Penal, é regido

pela teoria da vontade (JESUS, 2005, p. 288). Para uma noção inicial, vão transcritas as

palavras do eminente Heleno Cláudio Fragoso: “Dolo é a consciência e vontade na

realização da conduta típica. Compreende um elemento cognitivo (conhecimento do fato

que constitui a ação típica) e um elemento volitivo (vontade de realizá-la)” (2004, p. 209

– os destaques são do original).

No mesmo sentido constrói Nélson Hungria: “[...] Dolo é a vontade livre e

conscientemente dirigida ao resultado antijurídico ou, pelo menos, aceitando o risco de

produzi-lo [...]. (1956, p. 114 – os destaques são do original)

Nesses termos, o dolo se divide em duas etapas: a da consciência e a da

vontade. Todavia, com um exemplo posto, Eugenio Raul Zaffaroni e José Henrique

Pierangeli tecem uma pequena e curial ressalva a respeito do fator “consciência”

Repetimos, uma vez mais, que o dolo é o querer do resultado típico, a vontade realizadora do tipo objetivo. O nosso código fala em dolo no seguinte sentido: “quando o agente quis o resultado” (art. 18, I). Assim sendo, para que um sujeito possa querer algo como por exemplo, o “querer pintar a igreja da Antuérpia”, que havia na conduta de Van Gogh ao pintá-la, ele necessariamente deve também conhecer algo: Van Gogh devia conhecer a igreja de Antuérpia e os meios de que necessitava para pintá-la. Todo querer pressupõe um conhecer. (2013, p. 433 – os destaques são do original)

Para uma melhor compreensão acerca do dolo, os desdobramentos de suas

características se faz necessário. E de forma lapidar, o preclaro professor Aníbal Bruno

trata-o da seguinte maneira

[...] No dolo devem reunir-se os dois momentos, da consciência e da vontade: a) consciência ao ato e do resultado; b) consciência da relação causal entre ambos, isto é, da relação que prende o resultado como efeito ao ato como a sua causa; c)

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consciência da ilicitude do comportamento do agente; e, finalmente, d) vontade de praticar o ato e alcançar o resultado. [...] (1967, p. 64 – os destaques são do original)

De fato, como sustenta Zaffaroni e Pierangeli a vontade de agir já deixa

subentendida a sua consciência, mas é de suma importância, para fins didáticos, que o

fator cognitivo seja esmiuçado, assim como fez o eminente Aníbal Bruno, devido a sua

carga complexa quando inserido no campo de estudo da ciência do direito penal.

3.4.1 O dolo da pessoa jurídica

Novamente a questão da vontade está no cerne da discussão a respeito da

responsabilidade criminal da pessoa jurídica. Conforme foi exposto acima, o dolo

pressupõe um querer, uma vontade de atingir o resultado (compreendido como

criminoso), ou a assunção do risco em produzi-lo. E como o fator volitivo possui

natureza anímica, não é atribuível ao ente coletivo.

Em contraposição, Paulo César Busato e Fábio André Guaragni, sustentam uma

concepção jurídica de dolo nos seguintes termos

A afirmação de que uma pessoa jurídica é incapaz de vontade e, portanto, incapaz de realização de um crime doloso, ou seja, da realização de um resultado criminoso como expressão de uma finalidade é absolutamente equívoca. Em primeiro lugar, porque o dolo não é uma instância psicológica, não é um estado mental do sujeito criminoso. Se o dolo fosse isto, porque residiria na cabeça do sujeito, estaria inacessível àquele que se vê compelido (o juiz) a efetuar a valoração jurídica de sua conduta. [...] (2013, p. 44 – os destaques são do original)

Nessa extensão, ao dolo será atribuída uma natureza normativa, não havendo

lugar para discussões a respeito de seu caráter psicológico. E prosseguem, ainda: “[...]

o dolo não é algo que existe, que seja constatável, mas sim, o resultado de uma avaliação

a respeito dos fatos, que faz com que se impute a responsabilidade penal”. (BUSATO;

GUARAGNI, 2013, p. 45)

Defendem ainda os autores, que o direito deve romper de vez com os conceitos

e métodos utilizados pelas ciências da natureza, por razões de incompatibilidade, sob o

argumento de que, no caso do dolo, não se trata de um elemento passível de ser descrito

ou reconhecido, em verdade, é fruto de um juízo de interpretação, de atribuição

(BUSATO; GUARAGNI, 2013, p. 45-46).

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E de acordo com essa linha de raciocínio, a partir dessa compreensão de dolo

jurídico, os elementos de cognição e volição revelam-se no ato criminoso. E por este

caminho o ente coletivo pode manifestar sua própria vontade, diferente da atribuída aos

seus dirigentes (pessoas físicas), é aliás o que exemplificam com um crime ambiental

Ainda que a realização do resultado possa ser oriunda de um concurso entre pessoas físicas e a jurídica, é necessário admitir que o domínio da vontade pertence à pessoa jurídica e que a realização do evento criminoso somente depende das pessoas físicas porque o crime em questão é um crime de resultado natural. Fosse o crime apenas de resultado jurídico, como pode ser uma interferência criminosa no mercado de capitais ou um crime tributário ou contra a economia popular, especialmente em figuras típicas omissivas, certamente seria possível prescindir de qualquer interferência de terceiros, pessoas físicas. (BUSATO; GUARAGNI, 2013, p. 47)

E é a partir dessa linha de raciocínio que tais autores sustentam a ideia da

possibilidade de o ente coletivo agir com dolo, figurando assim, na qualidade de sujeito

ativo de delitos.

3.5 DA CULPABILIDADE

Outra característica do crime em que repousa a controvérsia doutrinária a

respeito da imputação criminal às pessoas jurídicas, é na culpabilidade, pois estão aí

englobados aspectos notadamente psicológicos, que são observados, como regra geral,

no homem. A exemplo é o que dispõe o artigo 26 do Código Penal.

Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Em princípio, quando se fala em “doença mental”, tal como menciona o

dispositivo legal acima, este é um fator atribuível tão somente aos seres de existência

concreta. É de difícil compreensão a um ente essencialmente ideal enquadrar-se em uma

situação como esta.

Para esclarecimento desse ponto, é necessário que seja explicado, de acordo

com os doutrinadores, o que se entende por culpabilidade em direito penal, trazendo-se

conceitos e teorias, assim como analisá-la defronte à pessoa jurídica.

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3.5.1 Conceitos

Para a doutrina psicológica, a culpabilidade nada mais é do que a: “[...] relação

psíquica do autor com seu fato; é a posição psicológica do sujeito diante do fato

cometido [...]” (JESUS, 2005, p. 460). Compreende os elementos dolo, representado

pela vontade de atingir o resultado; e a culpa, representada pelo aceite da produção do

risco do resultado. Essa era a concepção causalista da culpabilidade, portanto não

encontra guarida na doutrina mais atual (JUNQUEIRA; VANZOLINI, 2014, p. 386).

Em contraponto, há a teoria normativa, interligada a visão finalista do delito,

que acaba por inserir o dolo no tipo penal, não o fazendo constar mais na culpabilidade

e a culpa passa a ser considerada como um elemento normativo do tipo, do mesmo modo

que a consciência da ilicitude sai do dolo e passa a integrar a culpabilidade. Com isso,

na culpabilidade passam a residir outros elementos: a imputabilidade; a possibilidade de

conhecimento do injusto (potencial consciência da ilicitude); e a exigibilidade de

conduta diversa (JESUS, 2005, p. 461).

Sob o viés funcionalista de Roxin, está pautada a teoria da responsabilidade, que

resumidamente descreve que

[...] Nessa trilha, ao injusto se acresce a finalidade do Direito Penal, que é proteger os bens jurídicos contra os riscos socialmente intoleráveis (disfuncionais). Incorpora-se no tipo a ideia de risco proibido. Surge a imputação objetiva. E, ainda, à culpabilidade incorpora-se a finalidade da pena, que é prevenir futuros delitos. Surge a categoria da responsabilidade [...] (JUNQUEIRA; VANZOLINI, 2014, p. 392).

Nessa mesma linha de raciocínio encontram-se as palavras de Cezar Roberto

Bitencourt: “O conceito funcional de culpabilidade apoia-se fundamentalmente na

justificação social da pena, em outras palavras, na integração de considerações político-

criminais sobre os fins preventivos da pena no âmbito da culpabilidade [...]” (2014, p.

465 - os destaques são do original).

Nos termos do que propõe Roxin, deve haver uma mudança na estruturação do

conceito de delito, substituindo-se a culpabilidade por outra característica, a

responsabilidade (BITENCOURT, 2014, p. 466). O eminente autor escreve o seguinte

La responsabilidad depende de dos datos que deben añadirse al injusto: de la culpabilidad del sujeto y la necesidad preventiva de sanción penal, que hay que deducir de la ley. El sujeto actúa culpablemente cuando realiza un injusto jurídico

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penal pese a que (todavía) le podía alcanzar el efecto de llamada de atención de la norma en la situación concreta y poseía una capacidad suficiente de autocontrol, de modo que le era psíquicamente asequible una alternativa de conducta conforme a Derecho[...] (ROXIN,1997, p. 792 - os destaques são do original)

Se vê com isso, que a responsabilidad (responsabilidade) é dividida, portando,

em dois elementos: a culpabilidad e a necesidad preventiva, equivale dizer: a

culpabilidade e a necessidade preventiva, ou seja, nessa etapa de verificação do delito,

avalia-se a capacidade delitiva do agente e a real necessidade de aplicar-lhe pena com

vistas a prevenção do cometimento de crimes.

Indaga-se o seguinte, é possível ao ente coletivo ser, nos termos do finalismo,

imputável, ou ter consciência do injusto? E sob a ótica do funcionalismo, é possível

atribuir-lhe culpabilidade, e, há como constatar-se a necessidade preventiva em seu

caso?

3.5.2 Da imputabilidade

Compreendido como um dos pressupostos e não simples elemento da

culpabilidade na ordem jurídica brasileira (FRAGOSO, 2004, p. 241), a imputabilidade

penal é definida pela doutrina como

[...] condição pessoal de maturidade e sanidade mental que confere ao agente a capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de se determinar segundo esse entendimento. Em suma, é a capacidade genérica de entender e querer, ou seja, de entendimento da antijuridicidade de seu comportamento e de autogoverno, que tem o maior de 18 anos [...] (FRAGOSO, 2004, p. 242. - os destaques são do original).

Logo se observa que esta definição dada pelo professor Heleno Cláudio

Fragoso, é incompatível com a natureza de uma pessoa jurídica, pois as ideias de

“maturidade”, “sanidade mental” e “maior de 18 anos”, são concepções atribuíveis tão

somente ao homem, não há que se falar em um ente coletivo portador de capacidade

psíquica de compreensão de um ilícito. Quem detém essa capacidade, em verdade são

seus dirigentes, e é por meio destes que a conduta dita criminosa é praticada, portanto

atribuir culpabilidade aos entes coletivos acaba por violar tal princípio (PRADO, 2011,

p. 134).

Cezar Roberto Bitencourt também sustenta a incapacidade de culpabilidade, de

forma geral, do ente coletivo

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[...] A culpabilidade jurídico-penal constitui-se dos seguintes elementos: imputabilidade, consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. A imputabilidade é a capacidade de culpa, de cujos pressupostos biopsicológicos somente a pessoa humana pode ser portadora. A consciência da ilicitude, ainda que potencial, não é suscetível de ser possuída por um ente moral, como a pessoa jurídica, que não tem como motivar-se pela norma. Seria paradoxal formar-se um juízo de censura moral em razão do “comportamento” de uma empresa comercial, por exemplo. Ou, então, como exigir-se conduta diversa ou mesmo a liberdade de vontade de uma entidade que é dirigida por terceiros? [...] (2014, p. 306-307 – os destaques são do original)

Em contraposição, tem-se o raciocínio de Paulo César Busato, que usa como

parâmetro a aplicação de medidas socioeducativas e de segurança aos menores de 18

anos e portadores de insanidade mental, respectivamente, explica ainda, que com base

na capacidade de periculosidade de tais agentes, a dogmática penal é reformulada para

que seja possível o seu controle, nos termos da política criminal, e o mesmo raciocínio

deve ser empregado quando da atividade das pessoas jurídicas dotada de periculosidade

(2013, p. 52-53).

O respeitado autor seguindo essa ideia de periculosidade dos entes coletivos,

conclui com os seguintes argumentos

[...] A meu ver, é preciso reconhecer a possibilidade de aplicação de medidas de segurança às pessoas jurídicas, caminho que não apenas salva vários inconvenientes dogmáticos, como igualmente corresponde ao reconhecimento de uma realidade criminológica e político-criminal. Daí que o tema da culpabilidade igualmente não possa ser invocado como impedimento para o desenvolvimento de uma estrutura legal de responsabilidade penal de pessoas jurídicas (2013, p. 53).

Porém, antes de aplicar-se qualquer meio de punição na seara criminal a

qualquer que seja o sujeito, dito infrator da lei, os princípios norteadores da Teoria da

Sanção Penal devem ser observados e se fazerem constantes, pois o direito penal acima

de tudo tem como sua primordial e mais nobre função, ser o limitador do poder de punir

atribuído ao Estado.

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4 TEORIA DA PENA

As sanções a que o legislador visa atribuir aos sujeitos como consequência de

delitos por eles praticados, devem estar em consonância com o Sistema Penal como um

todo, assim como devem observar os princípios basilares antevistos pela Constituição

Federal. Mas antes de se adentrar no fundamento constitucional da pena, é curial que se

faça uma reflexão acerca da origem do direito de punir.

Simploriamente sua origem, tal como a da pessoa jurídica, advém dos

agrupamentos humanos. Formadas essas reuniões de indivíduos, para evitar-se o

conflito entre eles, pelo fato de recentemente estarem saindo do estado selvagem em que

se encontravam, buscou-se a imposição de determinados padrões, no formato de regras

de convivência. E conforme apresentado por Cesare Beccaria, dispuseram estes

indivíduos de uma parcela de sua liberdade para criação dessas regras, da seguinte

maneira

[...] Cansados de só viver no meio de temores e de encontrar inimigos por toda parte, fatigados de uma liberdade que a incerteza de conservá-la tornava inútil, sacrificaram uma parte dela para gozar do restante com mais segurança. A soma de todas essas porções de liberdade, sacrificadas assim ao bem geral, formou a soberania na nação; e aquele que foi encarregado, pelas leis, do depósito das liberdades e dos cuidados da administração foi proclamado o soberano do povo. [...] (2015, p. 23-24)

Todavia, levanta-se uma indagação. O que precisamente seria a garantia do

respeito a este soberano e as tais regras de convivência impostas? Qual a ferramenta

para tanto? Em continuidade vem a resposta de Beccaria

[...] Não bastava, porém, ter formado esse depósito; era preciso protegê-lo contra as usurpações de cada particular, pois tal é a tendência do homem para o despotismo, que ele procura, sem cessar, não só retirar da massa comum sua porção de liberdade, mas ainda usurpar a dos outros. Eram necessários meios sensíveis e bastante poderosos para comprimir esse espírito despótico que logo tornou a mergulhar a sociedade no seu antigo caos. Esses meios foram as penas, estabelecidas contra os infratores das leis. [...] (2015, p. 23-24)

Como se observa, então, a pena surgiu como garantia do cumprimento das

normas de boa convivência entre os indivíduos de uma mesma sociedade. Eis o seu

fundamento inicial, o de garantir a ordem normativa. Estudando mais a fundo a figura

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da pena, conclui-se que esse engenho humano, possui algumas funções, que serão

exploradas na sequência.

4.1 FUNÇÕES DA PENA

Existem dois grandes grupos de certa forma antagônicos que buscam dar molde

a chamada finalidade da pena, pode-se aqui mencionar, as teorias absolutas e as

relativas.

4.1.1 Teorias absolutas ou retributivas

Para Kant, de acordo com as concepções aristotélicas, a pena deve ser vista

como um imperativo de justiça, ou seja, o sujeito que pratica uma conduta danosa, deve

sofrer um mal como retribuição (JUNQUEIRA; VANZOLINI, 2014, p. 468-469).

Já Hegel, formulava o seguinte raciocínio: o delito aparece como negação do

disposto pela lei; a sanção surge para negação do delito; logo, a sanção é a afirmação da

lei. Por isso é chamada de retribuição jurídica da pena (JUNQUEIRA; VANZOLINI,

2014, p. 469-470).

4.1.2 Teorias relativas ou preventivas

De um lado se tem a prevenção geral negativa, que determina que: “O objetivo

da pena é a intimidação da coletividade, ou seja, que o sofrimento do condenado seja

exemplo para que terceiros não venham a praticar o crime [...]” (JUNQUEIRA;

VANZOLINI, 2014, p. 471).

A prevenção geral positiva postula que: “[...] a imposição da pena é um

instrumento de comunicação do Estado com os cidadãos” (JUNQUEIRA;

VANZOLINI, 2014, p. 472). Equivale dizer que, o sujeito que infringe a lei praticou um

comportamento considerado fora dos padrões esperados pela sociedade, por isso a

sanção é atribuída como uma forma de afirmar ao povo que tal conduta não pode ser

praticada.

Sob outro viés se tem a prevenção especial negativa, pura e simplesmente,

consiste em isolar o sujeito que praticou um delito, com a finalidade de intimidá-lo e

proteger a sociedade diante de sua periculosidade (JUNQUEIRA; VANZOLINI, 2014,

p. 473-474).

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Em contraponto se tem a prevenção especial positiva, cuja busca primordial:

“[...] é inserir ou readequar o sujeito ao convívio em sociedade[...]. Seja na forma de

tratamento médico ou social (JUNQUEIRA; VANZOLINI, 2014, p. 474-476).

4.1.3 Teoria mista dialética

Segundo o que propõem Roxin, a sanção criminal pode perfeitamente ser

justificada sob a ótica de mais de uma dessas teorias apresentadas, em combinação, da

seguinte maneira

[...] la pena sirve a los fines de prevención especial y geral. Se limita en su magnitud por la medida de la culpabilidad, pero se puede quedar por debajo de este límite en tanto lo hagan necesario exigencias preventivoespeciales y a ello no se opongan las exigencias mínimas preventivogenerales. Una concepción así no tiene en modo alguno un significado predominantemente teórico, sino que, aparte de lo ya expuesto, tiene también muchas e importantes consecuencias jurídicas [...] (1997, p. 103).

Ou seja, ambas as finalidades se farão constantes no momento da aplicação da

pena, a depender da situação concreta, uma das funções deverá ser a preponderante, ora

pode ser a prevenção geral positiva, ora a especial positiva.

Percebe-se que, os efeitos almejados por tais funções, possuem um caráter

psicológico que se espera causar no apenado, por esta razão se critica a imposição de

sanção criminal à pessoa jurídica, pois afirma-se que ela não possui tal capacidade de

sentimento (PRADO, 2011, p. 134-135).

4.2 PRINCÍPIOS RELATIVO

4.2.1 Humanidade

O primeiro a se mencionar é o princípio da humanidade (CF, art. 1.º, inc. III).

Menciona tal princípio que a dignidade humana, por sua vez, deve ser preservada,

independentemente de o sujeito tem sido condenado no âmbito criminal, assim, o Estado

tem a obrigação de resguardar os direitos do indivíduo, que em nada se relacionam com

a pena aplicada e a imputação criminal. Com base nisso, são proibidas as penas

consideradas desumanas, quais sejam: a prisão perpétua, a pena de morte, de banimento,

trabalho forçado e as de caráter cruel (CF, art. 5.º, inc. XLVII). Notadamente este

princípio não é aplicável às pessoas jurídicas.

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4.2.2 Culpabilidade

Outro princípio que possui reflexo na aplicação das penas é o da culpabilidade,

e como muito bem descreve o professor Nilo Batista, tal princípio

[...] deve ser entendido, em primeiro lugar, como repúdio a qualquer espécie de responsabilidade pelo resultado, ou responsabilidade objetiva. Mas deve igualmente ser entendido como exigência de que a pena não seja infligida senão quando a conduta do sujeito, mesmo associada causalmente a um resultado, lhe seja subjetivamente atribuível. [...] Para além de simples laços subjetivos entre autor e o resultado de sua conduta, assinalou-se a reprovabilidade da conduta como núcleo da ideia de culpabilidade, que passa a funcionar como fundamento e limite da pena [...] (2013, p. 100).

Ou seja, a sanção criminal deverá ser aplicada como forma de reprovabilidade

da ação, dita criminosa, praticada pelo sujeito, significa dizer que de maneira alguma a

pena possui um caráter de compensação pessoal ao ofendido. Este princípio também

apresenta um desdobramento na forma da personalidade da pena e deste existem duas

derivações: a intranscendência, consistindo no impedimento de a pena gere reflexos em

outros indivíduos, que não o próprio condenado; e a individualização da pena, significa

dizer que no momento da aplicação da mesma, cada sujeito será responsabilizado

individualmente, na medida de sua contribuição para a realização do delito (BATISTA,

2013, p. 101-102). Nessa seara há um interessante apontamento formulado pelo

eminente professor Basileu Garcia: “[...] Semelhante desvio ocorreria se, pelos atos

criminosos cometidos no seio de uma organização coletiva, respondessem a pessoas que

para eles não houvessem concorrido material e moralmente, com inteligência e vontade

que redundam na culpabilidade” (1982, p. 238). É justamente nestes aspectos que reside

outra crítica à responsabilidade criminal da pessoa jurídica

Em verdade, o princípio da personalidade da pena - nenhuma pena passará da pessoa do condenado (art. 5.º, XLV, da CF) - tradicionalmente enraizado nos textos constitucionais brasileiros, impõe que a sanção penal recaia exclusivamente sobre os autores materiais do delito e não sobre todos os membros da corporação (v.g., operários, sócios minoritários etc.), o que ocorreria caso se lhe impusesse uma pena. Não há lugar aqui para aqui para outra interpretação senão a que liga a responsabilidade penal à realização de um comportamento próprio, sendo responsabilidade pessoal sempre e exclusivamente de ordem subjetiva. Afasta-se, desse modo, qualquer outra modalidade de responsabilidade penal (v.g., coletividade, pelo fato de outrem etc.). Tão somente em sentido técnico-jurídico pode ser denominada pessoa o ente moral (PRADO, 2011, p. 135 – os destaques são do original).

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4.2.3 Legalidade

Por sua vez, o princípio da legalidade consta expresso no artigo 1.º do Código

Penal brasileiro e do mesmo modo no artigo 5.º, inciso XXXIX, da Constituição Federal,

que basicamente postulam que não há haverá crime ou pena sem que antes a lei descreva.

Este princípio, funciona como uma garantia ao cidadão, pois com isso as possíveis penas

a se aplicar já estão taxativamente constantes na legislação, não há como criar-se nova

pena ao bel prazer do aplicador do direito.

4.3 PENAS EM ESPÉCIE

Pautado, então, no princípio da legalidade, o legislador deixou claro quais as

penas que serão impostas em casos de cometimento de delitos também previamente

estabelecidos, com isso se tem o teor do artigo 32, do Código Penal brasileiro: “As penas

são: I - privativas de liberdade; II - restritivas de direitos; III - de multa”.

Por razões óbvias não se pode imputar todas as formas de pena,

indiscriminadamente as pessoas jurídicas, previstas pela legislação. De acordo com

Mirabete e Fabbrini: “[...] Ademais, não seria possível aplicar às pessoas jurídicas

muitas das penas previstas na legislação penal (corporais, privativas de liberdade etc.)

[...] (2009, p. 108). Em verdade, se fosse aceita a determinação de uma pena de prisão a

um ente coletivo, todo um sistema de normas seria desprezado, assim como a nobre

missão do direito penal, que passaria a trabalhar com simbologias.

O legislador de forma coerente, ao elaborar a Lei n.º 9.605 de 12 de fevereiro

de 1998 (Lei de Crimes Ambientais), em atenção ao disposto no parágrafo 3.º do artigo

225 da Constituição Federal e em observância a natureza jurídica dos entes coletivos,

em seus artigos impôs as seguintes penas

Art. 21. As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas, de acordo com o disposto no art. 3º, são: I - multa; II - restritivas de direitos; III - prestação de serviços à comunidade. Art. 22. As penas restritivas de direitos da pessoa jurídica são: I - suspensão parcial ou total de atividades; II - interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; III - proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações.

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§ 1º A suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente. § 2º A interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com violação de disposição legal ou regulamentar. § 3º A proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez anos. Art. 23. A prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica consistirá em: I - custeio de programas e de projetos ambientais; II - execução de obras de recuperação de áreas degradadas; III - manutenção de espaços públicos; IV - contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.

Vale destacar uma observação trazida pelo professor René Ariel Dotti ao tratar

da aplicação efetiva da pena e dos fatores do artigo 59 do Código Penal

[...] A culpabilidade, os motivos e as circunstâncias subjetivas compõem parte de um roteiro indispensável a ser seguido pelo juiz, além da verificação de outros indicadores como os antecedentes, a conduta social, a personalidade, as consequências do crime e o comportamento da vítima. Se a pessoa jurídica, in these, é portadora de alguns deles, não o será certamente quanto à maioria, que pressupõe a condição do ser homem. [...] (2011, p. 187 – os destaques são do original)

4.4 ASPECTOS LEGAIS E JURISPRUDENCIAIS

4.4.1 Disposições constitucionais

Do mesmo modo que não se pode atribuir qualquer meio de pena, não é toda a

sorte de crimes que, segundo o legislador, podem ser imputados à uma pessoa jurídica.

É absolutamente inconcebível, por exemplo, que o ente coletivo seja visto como sujeito

ativo na prática de um homicídio (CP, art. 121), ou de um crime de estupro (CP, art.

213). Os delitos que, de acordo com o legislador, podem ser praticados por pessoas

jurídicas foram pensados segundo a sua natureza frente ao direito, conforme previsto em

legislação especial e até na Constituição Federal.

Os juristas que defendem a responsabilidade penal da pessoa jurídica buscam

também fundamento em algumas disposições previstas na Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988. Afirma-se que, a partir da exegese de tais artigos, é

plenamente permitida a aplicação de punições de caráter criminal aos entes coletivos,

sem prejuízo da punição de seus dirigentes, nos seguintes termos

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

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[...] § 5º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular. Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. [...] § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Contudo, ressalva-se que, a respeito do que está transcrito no parágrafo 5.º do

artigo 173 da Constituição Federal, não se pode interpretar que foi atribuída

responsabilidade especificamente criminal a qualquer sujeito, seja pessoa física ou

jurídica, é aliás o que alerta Cezar Roberto Bitencourt

“[...] Dessa previsão pode-se tirar as seguintes conclusões: 1.ª) a responsabilidade pessoal dos dirigentes não se confunde com a responsabilidade da pessoa jurídica; 2.ª) a Constituição não dotou a pessoa jurídica de responsabilidade penal. Ao contrário, condicionou a sua responsabilidade à aplicação de sanções compatíveis com a sua natureza [...]” (2014, p. 304).

Ou seja, sem menção expressa, não há que se falar em responsabilidade penal

da pessoa jurídica, portanto fica tal disposição constitucional condicionada à atribuição

de responsabilidade ou no âmbito do direito civil, ou no âmbito administrativo.

Já os termos do parágrafo 3.º do artigo 225 da Constituição Federal, deixam

margem interpretativa no sentido de atribuir-se responsabilização criminal ao ente

coletivo, e com base em tal disposição que a Lei de Crimes Ambientais (Lei n.º

9.605/98) postulou a aplicação de sanções no âmbito criminal às pessoas jurídicas

Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

É por este caminho que alguns doutrinadores, não necessariamente da seara do

direito penal, defendem tal ideia: “[...] nossa Constituição Federal admitiu a

responsabilidade penal da pessoa jurídica (art. 225, § 3.º), e a Lei 9.605, de 12 de

fevereiro de 1998, disciplinou-a em seu art. 3.º [...] (SIRVINSKAS, 2017, p. 899). No

mesmo sentido

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No Brasil, a determinacao da responsabilizacao penal ambiental da pessoa jurıdica encontra fundamento constitucional no § 3o do art. 225. Em cumprimento do preceito constitucional, a Lei no 9.605/98 estabeleceu a responsabilidade penal das pessoas jurıdicas, “sempre que a infracao seja cometida por decisao de seu representante legal ou contratual, ou de seu orgao colegiado, no interesse ou benefıcio da sua entidade” (GRANZIERA, 2015, p. 786).

Ao contrário dos mencionados autores, Heleno Cláudio Fragoso insurge-se

contra as mencionadas disposições, entendendo-as como contrárias ao sistema do direito

penal

[...] Tal disposição é inaplicável, pois afronta a própria natureza das coisas. É invencível a incapacidade de ação e de culpa das pessoas jurídicas, que constituem pressupostos básicos de fixação de responsabilidade penal. Admitir a responsabilidade penal da pessoa jurídica constitui inegável descaracterização da própria doutrina do Direito Penal. [...] (2004, p. 314)

4.4.2 Jurisprudência

Seguindo o pensamento defensivo da presente ideia, surgem alguns

entendimentos jurisprudenciais, mesmo em meio a tão tumultuosa controvérsia

dogmática, pautados nas mencionadas disposições legais e constitucionais, atribuem a

responsabilização criminal aos entes coletivos, imputando-lhes infrações da lei penal,

tratando-os como sujeitos ativos de delitos praticados contra o meio ambiente, tal qual

as pessoas físicas. Os tribunais pátrios o fazem da seguinte maneira

RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL. LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE. LEI DOS CRIMES AMBIENTAIS. LEI N. 9.605/1998. RESPONSABILIDADE PENAL DE PESSOA JURÍDICA. RESTITUIÇÃO DE COISA APREENDIDA. CARGA DE MADEIRA. QUANTIDADE E ESPÉCIE DE MADEIRA TRANSPORTADA DISSONANTE DA GUIA FLORESTAL. INDÍCIOS DE PRÁTICA DE DELITO AMBIENTAL. INDEVIDA RESTITUIÇÃO. LAUDO TÉCNICO. REVISÃO. SÚMULA 7/STJ. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. STF. 1. A denominada Lei dos Crimes Ambientais, Lei n. 9.605/1998, representa, para muitos, um avanço para a sociedade brasileira, principalmente pela acolhida explícita da responsabilidade penal das pessoas jurídicas e pela criminalização de diversas condutas lesivas ao meio ambiente, anteriormente não tipificadas por nosso ordenamento jurídico. 2. A restituição, quando apreciada pelo magistrado, deve atender aos mesmos pressupostos exigidos na ocasião de seu exame pela autoridade policial: a) ser comprovada a propriedade; b) o bem não ser confiscável (art. 91, II, do CP); e c) o bem não mais interessar ao inquérito policial ou à ação penal. 3. Diante de indícios de que a coisa apreendida - carregamento de madeira - constitui objeto de crime ambiental, nos termos do art.46, parágrafo único, da Lei n. 9.605/1998, não pode ser ela restituída em parte ou em sua totalidade à pessoa jurídica

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porque, inclusive, é passível de doação a instituições científicas, hospitalares, penais e outra com fins beneficentes, nos termos do art. 25, § 3º, da aludida lei. [...] (REsp 1329837/MT, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 08/09/2015, DJe 29/09/2015) APELAÇÃO. CRIMES CONTRA A FLORA. ARTS. 45 e 46, AMBOS DA LEI 9.605/98. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. POSSIBILIDADE. MÉRITO. PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA. AFASTAMENTO. AUTORIA E MATERIALIDADE BEM DELINEADAS PELAS PROVAS DOS AUTOS. RÉUS QUE CORTARAM ÁRVORES SEM LICENÇA AMBIENTAL DO ÓRGÃO COMPETENTE E ARMAZENARAM INDEVIDAMENTE MADEIRA. DESTRUIÇÃO DE MAIS DE QUARENTA PINHEIROS. INFRINGÊNCIA CLARA DAS NORMAS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL. CONDENAÇÃO QUE SE MANTÉM. DOSIMETRIA DA PENA ESCORREITA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. I - A imputação penal da pessoa jurídica, apesar de lograr intensas críticas da doutrina especializada, é plenamente possível no atual ordenamento jurídico, uma vez que a própria Constituição da República autoriza esta imputação, nos artigos 173, § 5º, e 225, §3º, ambos da Constituição da República. Ainda que não se possa estabelecer um parâmetro com base exclusivamente na responsabilização penal subjetiva do indivíduo, é evidente que nos termos do artigo 3º da Lei 9.605/98 e artigo 11 da Lei 8.137/90, a pessoa jurídica pode e deve ser responsabilizada penalmente mediante a teoria da ação institucional, ocorrendo uma inequívoca imputação da conduta ilícita praticada pelo ente abstrato por meio de uma decisão coletiva, a que chegaram seus dirigentes. Ocorre, nesse ponto, um princípio de superação da teoria individualista clássica que fundamenta a existência do direito penal moderno, sendo aceito pela jurisprudência dominante a responsabilidade penal da pessoa jurídica, ainda que com contundente crítica da doutrina penal especializada. II - A materialidade delitiva se encontra demonstrada nos autos, atestando-se a desnecessidade de outro laudo pericial produzido na fase judicial ademais pode ser extraída dos elementos constantes nos autos, que, com base nos artigos 158 e 167, ambos do Código de Processo Penal, aplicáveis ao caso em decorrência do que prevê o artigo 79 da Lei 9.605/98, estão a demonstrar a efetiva ocorrência do dano ambiental, ou seja, o efetivo corte de árvores nativas e o depósito irregular de madeira, sem a autorização do órgão ambiental e ainda desrespeito a ordem da autoridade administrativa. deve-se consignar que a ausência de laudo técnico pericial, a ser produzido na fase de cognição, quando os vestígios já haviam desaparecido (registrado no entanto por imagens fotográficas e lavrado relatório circunstanciado da situação), não induz sumariamente ao juízo absolutório, porquanto pelos demais elementos de prova, notadamente aqueles apurados pelos agentes que constatam o ilícito ambiental, como pelas imagens fotográficas (fls. 15) e demais documentos coligidos, inclusive os depoimentos testemunhais, apontam para a ocorrência do ilícito, corroborado inclusive pelos depoimentos orais judiciais e extrajudiciais encartados no caderno processual. III - As provas produzidas sob o contraditório que demonstram de modo indene de dúvidas a responsabilidade do ora apelante pelo fato narrado na inicial, havendo conjunto probatório idôneo a demonstrar ter os réus efetivamente procedido ao corte das árvores e estoque indevido de madeira, inclusive de mais de quarenta árvores de pinheiro, contra disposição legal e regulamentar, e sem qualquer autorização do órgão competente. (TJPR - 2ª C. Criminal - AC - 1706180-2 - União da Vitória - Rel.: Laertes Ferreira Gomes - Unânime - J. 01.02.2018 - os destaques são do original)

Como se nota, em consonância com o que dispõe o entendimento mencionado

acima, e adotado em acórdão proferido no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, está

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o teor do decidido pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, inclusive,

observa-se que foi citado a respeito da controvérsia doutrinária acerca desta temática.

Se é permitida a transcrição de uma impressão pessoal no presente trabalho,

constata-se que a jurisprudência pode sobrepor-se aos dogmas doutrinários do direito,

pois mesmo em meio a um tema tão controvertido, ao magistrado, em razão de seu livre

convencimento motivado, é permitido tomar uma posição pessoal e aplicar aquilo que

entender como o certo em determinados casos, contanto que não confronte todo um

sistema normativo.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

De fato, a doutrina a este respeito é demasiadamente controversa. Nomes de

peso na cátedra do direito penal foram mencionados aqui, dentre René Ariel Dotti,

Damásio E. de Jesus, Eugênio Raul Zaffaroni, Luiz Regis Prado, André Fabio Guaragni,

Paulo Cesar Busato. Não há equanimidade entre os doutos professores. Ao que parece

o cerne da divergência reside na visão de que cada um tem a respeito da sistemática

penal. A tendência dos que se afirmam finalistas, é de insurgirem-se à responsabilidade

penal da pessoa jurídica, por outro lado, os funcionalistas tendem à defendê-la.

O que deve considerar-se é que o Código Penal vigente é datado de 1940 e sua

mais recente reforma ocorreu em 1984, anterior a Constituição Federal que foi

promulgada em 1988. Em que pese as previsões constitucionais (CF, art. 225, § 3.º) e

em legislação extravagante (art. 3.º da Lei n.º 9.605/98), a sistemática do Código,

compreendido aqui como o principal regente da lei penal, não está, portanto, preparada

para tais concepções, diante de seu viés eminentemente finalista.

Por outro lado, está em tramite um projeto de novo Código Penal (pl. 236/2012),

e neste há uma previsão expressa de responsabilidade da pessoa jurídica, nos seguintes

termos

Art. 41. As pessoas jurídicas de direito privado serão responsabilizadas penalmente pelos atos praticados contra a administração pública, a ordem econômica, o sistema financeiro e o meio ambiente, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. § 1º A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato, nem é dependente da responsabilização destas. § 2º A dissolução da pessoa jurídica ou a sua absolvição não exclui a responsabilidade da pessoa física. § 3º Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes referidos neste artigo, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir par

Enquanto não aprovado o mencionado projeto, permanecerá a controvérsia

doutrinária. Mas como foi ressaltado anteriormente os tribunais têm aceito tal ideia,

logicamente ocorre sua aplicação na prática. Cabe, portanto aos juristas que não aceitam

tal responsabilização rebate-la sob a égide da doutrina.

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