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76 SETEMBRO 2007 ANO IX A RESPONSABILIDADE DOS PREFEITOS PELO DESVIO DAS TRANSFERÊNCIAS INTERGOVERNAMENTAIS O STF e a Videoconferência Rodrigo de Abreu Fudoli Reflexões sobre a Defesa Preliminar no Processo de Improbidade Administrativa Ronaldo Pinheiro de Queiroz Impressões desde a Venezuela Sergio Gardenghi Suiama Foro Privilegiado Paulo Queiroz 1622005 – DR/BSB Fundação Pedro Jorge

A RESPONSABILIDADE DOS PREFEITOS PELO …anpr.org.br/novo/files/boletim_76.pdf · crimes de responsabilidade dos funcionários públicos, também conhecido como crimes funcionais,

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N° 76

SETEMBRO 2007ANO IX

A RESPONSABILIDADE DOS PREFEITOSPELO DESVIO DAS TRANSFERÊNCIAS

INTERGOVERNAMENTAIS

O STF e a VideoconferênciaRodrigo de Abreu Fudoli

Reflexões sobre a Defesa Preliminar noProcesso de Improbidade Administrativa

Ronaldo Pinheiro de Queiroz

Impressões desde a VenezuelaSergio Gardenghi Suiama

Foro PrivilegiadoPaulo Queiroz

1622005 – DR/BSB

Fundação Pedro Jorge

Boletim dos Procuradores da República n° 76� Setembro / �007

expedienteFundação Procurador Pedro Jorge de Melo e Silva

Diretoria Executiva:Célia DelgadoEliana Peres Torelly de CarvalhoAlexandre Camanho de Assis

Administração :Ângela Maria Oliveira

Associação Nacional dos Procuradores da República - ANPR:

Presidente:Antônio Carlos Alpino Bigonha

Vice-Presidente:Lívia Nascimento Tinoco

Diretor Cultural:Wilson Rocha de Almeida Neto

Sum

ário

Sum

ário

03

Coordenação:Valtan [email protected]

Supervisão:Adriana Zawada [email protected]

Conselho Editorial:Adriana Zawada MeloFlávio Paixão de Moura JúniorLetícia Pohl MartelloMarcus da Penha Souza LimaRoberto Luís Oppermann ThoméValtan Furtado

Impressão: Millennium Editora

Tiragem: 2.700

Internet: www.pedrojorge.org.br

Código ISSN: N° 1519-3802Os artigos são de inteira

responsabilidade de seus autores.

Realização: Apoio:

04Algumas Reflexões sobre a Fase de Defesa Preliminar no Processo de Improbidade Administrativa

Ronaldo Pinheiro de Queiroz

Impressões desde a Venezuela

Sergio Gardenghi Suiama06

Prescrição Retroativa: uma Questão PolíticaPriscila Moreira Carvalho Costa Ramos

09

18A Responsabilidade dos Prefeitos pelo Desvio das Transferências Intergovernamentais

Nilce Cunha Rodrigues

Foro PrivilegiadoPaulo Queiroz

07O STF e a Videoconferência

Rodrigo de Abreu Fudoli

�Setembro / �007 Boletim dos Procuradores da República n° 76

Sejamos francos: apesar de o foro privilegiado ter fundamentos jurídicos até razoáveis, a sua motivação é claramente política e traduz um modo particular de legislar em causa própria, sendo de todo incompatível com um sistema que se pretende democrático de direito, que tem o princípio da igualdade de todos perante a lei como um de seu pilares. Não é de estranhar, por isso, que mais uma vez o parlamento (PEC �58/05) pretenda ampliá-lo, estendendo-o também a ex-ocupantes de cargos políticos impor-tantes: governadores, parlamentares, prefeitos etc., motivo pelo qual somente poderiam ser julgados penalmente pelos tribunais. A razão de uma tal preferência é evidente: não dispondo os tribunais (ordinariamente) de estrutura adequada para fazer face a tal demanda, os processos criminais instaurados contra tais pessoas muito provavelmente prescreverão, deixando-os impunes.

Na prática, pois, ampliar o foro pri-vilegiado é assegurar a impunidade de potenciais criminosos. Sim, porque tivesse o STF (por exemplo) um histórico de punir criminosos do poder implacavelmente, por certo que interesse algum haveria em postular algo assim, mesmo porque em tese o foro privilegiado é menos garantista e prejudicial ao réu, pois pode inclusive implicar a possibilidade de ser julgado por uma única instância (STF), abrindo-se mão de uma dezena de recursos possíveis caso fosse julgado por um juiz singular.

O parlamento prestaria em verdade um grande serviço ao país se, ao invés de am-pliar o foro privilegiado, fizesse exatamente o contrário: abolisse por completo toda sorte de prerrogativa de foro, afinal quanto mais importante é o cargo que se exerce tanto maior há de ser a responsabilidade do seu ocupante, que deve ser julgado como qualquer outro acusado, sem nenhum tipo de privilégio, embora conforme as garantias de um processo penal democrático. Aliás, se tais agentes políticos são julgados, nas ações cíveis, trabalhistas etc., perante os juízes comuns, que razão haveria para que não se fizesse o mesmo tam-

bém quanto às ações penais?É comum se dizer que os juízes de primeiro grau são muito

jovens e por isso não estariam em condições de julgar de modo imparcial tais autoridades, mas semelhante argumento é incon-sistente, porque, se assim for, então será o caso de não poderem julgar ninguém mais, inclusive as autoridades que não detêm foro privilegiado (policiais, agentes da Receita, do Banco Central, defensores públicos, vereadores etc.). Além disso, se a alegada falta de isenção for fundada, a lei poderá estabelecer que só os juízes com determinado tempo de magistratura (digamos, 10 anos) tenham competência para decidir tais causas. Mais: eventuais abu-

sos sempre podem ser corrigidos por meio de recurso para os tribunais e argüições de impedimento ou suspeição. Por fim, não parece certo que os tribunais sejam menos vulneráveis ou mais isentos, especialmente porque seus membros são, não infreqüente-mente, indicados segundo critérios políticos por excelência. Há quem afirme, inclusive, que a confiança que se deve depositar no poder judiciário brasileiro é inversamente proporcional à sua hierarquia (Celso Antô-nio Bandeira de Mello).

Por tudo isso, é de se lamentar que num momento em que a imprensa de um modo geral clama por mais repressão, ao menos quanto à criminalidade de rua, notadamente crimes contra o patrimônio (furto, roubo, latrocínio), típica de sujeitos socialmente excluídos, tente o congresso ampliar a prerrogativa de foro. Aliás, a ambigüida-de como a questão penal é tratada pelo parlamento demonstra a pouca seriedade como realmente é enfocada: criminosos são sempre os outros.

No fundo o foro privilegiado é apenas mais um dispositivo de poder destinado a perpetuar a arbitrária seletividade do sistema penal, que recruta sua clientela

preferencialmente entre os grupos sociais mais vulneráveis política e economicamente: la justicia penal es como las serpientes; solo pica a los descalzos (Monsenhor Oscar Romero).

Foro Privilegiado

Paulo QueirozProcurador Regional da República – 1ª Região / Professor Universitário

(UniCEUB) / Doutor em Direito

Foro privilegiado

“...ampliar o foro privilegiado é assegurar a impunidade de potenciais criminosos. Sim, porque tivesse o STF (por exemplo) um histórico de

punir criminosos do poder implacavelmente, por certo que interesse algum haveria

em postular algo assim, mesmo porque em tese o foro privilegiado é menos

garantista e prejudicial ao réu, pois pode inclusive implicar a possibilidade de ser julgado

por uma única instância (STF), abrindo-se mão de uma dezena de recursos possíveis

caso fosse julgado por um juiz singular.”

Boletim dos Procuradores da República n° 76� Setembro / �007

Algumas reflexões sobre a fase de defesa preliminar no processo de improbidade administrativa

Algumas Reflexões sobre a Fase de Defesa Preliminar no Processo de Improbidade Administrativa

Ronaldo Pinheiro de QueirozProcurador da República em Natal-RN / Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC/SP

Professor da FESMP/RN / Coordenador do Núcleo de Combate à Corrupção no MPF/RN

O § 6º do art. 17 da LIA disciplina a petição inicial da ação de improbidade administrativa, estabelecendo que a inicial deverá ser instruída com documentos ou justificações que contenham indícios suficientes da existência do ato de improbidade ou, quando isto não for possível, com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentar tais provas.

Logo em seguida, no § 7º do mesmo dispositivo, a lei prevê que, com o ajuizamento da ação, o juiz ordenará a notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito, que poderá ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de quinze dias.

Essa fase é anterior e preparatória ao recebimento da peti-ção inicial. Notifica-se o agente público para apresentar defesa preliminar, cabendo ao juiz, no prazo impróprio de trinta dias, receber a inicial ou, acaso se convença da inexistência do ato de improbidade, da improcedência do pedido ou da inadequação da via eleita, rejeitar a abertura do processo.

Com efeito, essa etapa do procedimento especial do processo por ato de improbidade administrativa visa a evitar que se inicie um processo temerário, livrando a figura do agente público do streptus judicci desnecessário.

Não há dúvida de que com a notificação do indiciado para oferecer resposta por escrito, já está instaurado o princípio do contraditório. Ao mesmo tempo em é que dado ao agente público o conhecimento da ação, também se lhe oportuniza o oferecimento de defesa preliminar, que tem o condão de influir na decisão do juiz que apreciará o recebimento da petição inicial.

Essa notificação, a nosso sentir, não gera os mesmos efeitos processuais de uma citação válida (CPC, art. �19), até porque sequer houve, ainda, o recebimento da inicial.

Resta saber se essa fase é uma garantia para a defesa do acusado – com obrigatoriedade do contraditório – ou uma ga-rantia para a jurisdição – sendo o contraditório, de acordo com as circunstâncias, dispensado.

Bem. A sua inspiração adveio do procedimento especial dos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos, também conhecido como crimes funcionais, previsto nos arts. 51� a 518 do Código de Processo Penal (CPP). Da mesma forma que o § 6º do art. 17 da LIA, o art. 51� do CPP exige que a queixa ou a denúncia seja instruída com documentos ou justificação que façam presumir a existência do delito ou com declaração fundamentada da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas. De igual modo, o juiz notificará o acusado para responder por escrito (CPP, art. 51�), que poderá ser instruída com documentos

e justificações (CPP, art. 515, parágrafo único).Analisando a ratio desse procedimento especial na esfera

penal, Eugênio Pacelli de Oliveira anota que: “(...) ao tempo do Código, havia uma significativa preocupação com a iniciativa penal instaurada contra servidores públicos, por crimes praticados contra a Administração. Diante das graves conseqüências e transtornos que uma ação penal dessa natureza pode causar no desenvolvimento da atividade administrativa, entendeu o legislador de exigir um suporte mínimo de prova para o ajuizamento da demanda. Algo como a justa causa, como condição da ação (...)”.1

O mesmo autor também anota que: “Entretanto, e acertadamente, a jurisprudência sempre entendeu que essa exigência estaria superada quando a apuração inicial de possível delito fosse realizada por meio de inquérito policial, ocasião em que o inculpado (futuro acusado na ação penal) não seria surpreendido com o oferecimento da ação penal e poderia, quando possível, oferecer as provas da inexistência do crime”.�

O entendimento de que a defesa preliminar é dispensada quan-do a ação penal é precedida de investigação por inquérito policial estava consagrado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal� e do Superior Tribunal de Justiça�. Este último, inclusive, chegou até a editar súmula sobre o tema5.

Recentemente, é bem verdade, o Pretório Excelso vem dando sinais de que quer mudar a sua jurisprudência consolidada, con-siderando que o plenário, ainda que obter dictum, asseverou no HC 85779/RJ que o fato de existir inquérito policial não permite dispensar a fase de defesa preliminar do art. 51� do CPP. Por essa razão, a 1ª Turma já chegou a decidir expressamente, por ocasião do julgamento do HC 89.686/SP, que o fato de a denúncia ter se respaldado em elementos de informação colhidos no inquérito policial não dispensa a obrigatoriedade da notificação prévia do acusado.

Mesmo com essa provável mudança de orientação na Suprema Corte, que certamente influenciará as futuras decisões de vários juízes, pensamos que o entendimento mais razoável é o anterior, que dispensava a defesa preliminar quando a denúncia tivesse como lastro, para apresentar a sua justa causa, inquérito policial no qual foi oferecida a oportunidade de defesa ao acusado.

Ora, se o acusado já teve a oportunidade de apresentar as suas justificativas na fase pré-processual, sendo certo que os seus argumentos não foram suficientes para afastar as fundadas razões da prática da infração, tanto que o órgão-acusador não

5Setembro / �007 Boletim dos Procuradores da República n° 76

Algumas reflexões sobre a fase de defesa preliminar no processo de improbidade administrativa

pediu arquivamento, não há razão para se renovar essa mesma oportunidade ainda na fase pré-processual, pois é com o recebi-mento da denúncia com se instaura uma nova fase da persecução – a processual – e na qual a garantia do contraditório e da ampla defesa tem incidência em sua máxima manifestação.

Isso porque o ordenamento jurídico tem que compatibilizar, até para fugir do mal da prescrição, o princípio da duração razoável do processo com o princípio do devido processo legal, razão pela qual um dos vetores hermenêuticos para compor essa tensão é o de evitar etapas desnecessárias ou repetitivas.

Tomando como correta essa premissa, igual raciocínio deve ser empregado no procedimento da improbidade administrativa, pois ubi eadem ratio, ibi idem jus. Principalmente pelo fato de que essa tese foi desenvolvida no processo penal, em que o bem da vida, a liberdade, é muito mais relevante que o discutido na improbidade, razão pela qual não há como não adotar a dispensa de defesa preliminar quando a ação estiver embasada em inquérito civil, já com um suporte mínimo de prova.

Compartilha com esse pensamento Ro-gério Pacheco Alves, quando afirma que:

“(...) a notificação prévia para o oferecimento de resposta será exigível em se tratando de ações instruídas por ‘documentos ou justificação’, o que significa dizer que lastreando-se a inicial em inquérito civil não incidirá a regra do § 7º. Isto porque o inquérito civil já cumpre o papel de evitar o ajuizamento de ações temerárias, justamente o que se buscou coibir com a instituição da ‘defesa prévia’. (...)”6

Diante desse giro de informações, vis-lumbra-se que a fase inicial do processo de improbidade administrativa é mais uma garantia para a jurisdição – de evitar o nascimento de relação processual destituída de justa causa –, do que um mecanismo de defesa do agente público.

Além disso, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal7 e do Superior Tribunal de Justiça8, no que concerne ao procedimento dos arts. 513 a 518 do CPP, a ausência de notificação para a apresentação de defesa preliminar gera nulidade apenas relativa, requerendo a demonstração do efetivo prejuízo. Tal conclusão, de igual modo, pode ser transportada para o processo decorrente de improbidade administrativa.

Sendo a supressão da fase de defesa preliminar uma causa de nulidade relativa, a parte prejudicada deve impugnar esse vício no momento oportuno (contestação), demonstrando o efetivo prejuízo, sob pena de preclusão. Isso porque não se compreende que, após toda uma instrução processual, gerando-se uma sentença condenatória com lastro em provas de autoria e materialidade, anule-se o processo ab initio apenas por não ter sido concedida a possibilidade do acusado tentar comprovar, antes do recebimento da inicial, a inexistência de justa causa para o oferecimento da ação.

Inclusive, mesmo com a apresentação de defesa preliminar, o

juiz só deve rejeitar a instauração do processo por improcedência do pedido – que será com resolução do mérito – quando cabalmen-te demonstrada a inexistência do fato ou a sua não concorrência para o ato de improbidade.

Isso porque, na fase preambular, vigora o princípio do in dubio pro societate, aplicável a todo e qualquer processo de direito sancionador, como o originado da improbidade. Além do mais, o autor só está obrigado a apresentar na petição inicial um lastro probatório mínimo, que virá instruída com documentos ou justificação que contenha indícios suficientes da existência do ato de improbidade. Rejeitar a ação nessa fase, quando o direito à prova plena só é franqueado e produzido em fase posterior, é negar o direito de acesso à justiça (CF, art. 5º, XXXV) e o próprio princípio do contraditório sob a ótica do autor, que tem o direito de participação no processo, de produzir provas de suas alegações e de influir no julgamento final. Apenas para uma sentença conde-

natória é que se exige um lastro probatório máximo – vigorando aqui o in dubio pro reo –, sendo antecedido pela audiência bilateral das partes com as mesmas oportunidades e na mesma intensidade.

Conclui-se, portanto, que a intenção da norma não é a garantia do contraditório (que será exercido amplamente no desenrolar de todo o processo, após recebida a inicial), mas sim a de evitar o nascimento de relação processual destituída de justa causa.

É claro, também, que, embora não seja essa a finalidade, mas, sendo necessário a abertura de defesa preliminar, o contradi-tório será exercido normalmente. Contudo, se a garantia é da jurisdição, sempre que o juiz, de logo, convencer-se da plausibili-dade jurídica da ação (lastreada, ou não,

com inquérito civil), deve receber a inicial e dispensar a defesa preliminar, sob o fundamento do princípio constitucional da duração razoável do processo, que deve ser sempre uma marcha para frente, determinando que se evitem incidentes desnecessários e inócuos.

Notas1 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 6. ed., Belo Horizonte: Del Rey, �006, p. 609.� Idem, ibdem.� STF: RHC 5066�-PR; HC 70.5�6-7-RJ.� STJ: RHC 1����-SP; REsp �719�7-SP; HC 157��-RS; HC 15��6-MS; RHC 895�-SP; REsp 106�91-PR; entre outros.5 Súmula ��0. É desnecessária a resposta preliminar de que trata o artigo 51� do Código de Processo Penal, na ação penal instruída por inquérito policial.6 Op., cit., p. 606.7 RECrim 108�85-SP; HC 68.6�1-MS; HC 608�6-SP; HC 71��7-RS; HC 710�9-RJ.8 REsp 66606-PR; RHC 8191-SP; RHC 895�-SP; REsp 109555-SP.

“...a intenção da norma [que impõe a notificação para defesa preliminar no processo de improbidade administrativa] não é a

garantia do contraditório (que será exercido amplamente no

desenrolar de todo o processo, após recebida a inicial), mas

sim a de evitar o nascimento de relação processual destituída

de justa causa.”

Boletim dos Procuradores da República n° 766 Setembro / �007

Impressões desde a Venezuela

Impressões desde a Venezuela

Sergio Gardenghi SuiamaProcurador da República em São Paulo-SP

Por motivos profissionais, cheguei à Venezuela no dia em que a emissora Rádio Caracas Televisión (RCTV) saiu do ar, após 5� anos de transmissões. O governo de Hugo Chávez recusou reno-var a concessão pública que lhe fora outorgada, e fez substituir a emissão comercial pela ainda incipiente TVes. A nova emissora ainda está em fase de estruturação, e atualmente exibe apenas curtas reportagens sobre as regiões e cultura nacional.

A outra emissora estatal daqui é a VTV - Venezuelana de Te-levisão, o “canal de todos venezuelanos”. Porém, a julgar pelos conteúdos exibidos pela VTV, a emissora é uma lição de como NÃO deve ser a rede pública que nós outros desejamos construir no Brasil.

Chávez é onipresente na VTV. Aparece no intervalo, em propaganda da empresa petroquímica nacional, anunciando in-vestimentos em transportes públicos e discursando em favor dos direitos das crianças. No programa “La Hojilla” (“A Lâmina”), sua imagem compunha o cenário, juntamente com um retrato ainda maior de Fidel Castro. Na edição do dia �9 de maio, o apresen-tador desse programa passou mais de três horas desancando as emissoras privadas e os manifestantes que protestavam contra o encerramento das atividades da RCTV. Mostrava um vídeo ou lia uma matéria jornalística e em seguida fazia comentários toscos, pouco informativos. Exibiu ainda o discurso de Chávez, pronun-ciado em rede nacional, no qual “o comandante” ameaçou sem meias palavras o outro canal opositor - Globovisión - também com o fim da concessão, em nome da “pátria”.

No dia anterior, o programa jornalístico da VTV exibiu o ex-presidente do México, Vicente Fox, criticando duramente a medida do governo chavista. Em seguida, o jornalista sardonica-mente comentou que Fox não primava por proteger a liberdade

de imprensa, citando, como reforço, que o buscador Google apresentava mais de mil respostas quando se digitava algo como “Vicente Fox persegue jornalistas”.

Também no dia anterior, o assunto era a campanha de filiação ao Partido Socialista Único da Venezuela - PSUV. Além de maté-rias de conteúdo “jornalístico” (entrevistas com pessoas na fila de inscrição), a TV fazia aberto chamado à adesão ao PSUV, alter-nando com manifestações positivas do comandante-em-chefe.

Num programa matutino de debates, o tema era as manifes-tações estudantis contrárias à medida governamental. Mas - sur-presa! - os cinco debatedores e o mediador eram todos favoráveis à decisão chavista e diziam que os manifestantes deveriam estar estudando, e não fazendo protestos.

O culto à personalidade do governante de plantão (prática infelizmente tão enraizada na história política da América Latina), a confusão entre Estado e Partido, a inexistência de pluralismo interno no canal estatal e a inobservância dos princípios mais básicos do jornalismo (como ouvir a parte contrária), aqui veri-ficados, nos alertam para a necessidade de instituições públicas de comunicação verdadeiramente democráticas, pluralistas e impessoais. Para tanto, é necessário assegurar que a rede pública brasileira de TV que estamos construindo esteja alicerçada em modelos de gestão e financiamento sólidos, e seja formada por um corpo de funcionários que gozem de autonomia em relação a este ou aquele governante. Caso contrário, estaremos apenas substituindo o monólogo do mercado e do consumismo, por outro tão aborrecido e acrítico quanto.

Isla de Margarita, �0 de maio de �007.

Colabore com o Boletim dos Procuradores da República

Artigos terão preferência sobre peças processuais

Envie o seu artigo para publicação no Boletim,observando o seguinte: Os textos devem ser enviados aos endereços eletrônicos:

Os textos que excedam o tamanho máximo somente poderão serpublicados caso não haja textos dentro do padrão para completar a edição

[email protected], [email protected] e [email protected]. (61) 3313-5110

tamanho máximo de 20.000 (vinte mil) caracteres,com espaços, contando com eventuais notas de fimde texto e referências bibliográficas

1

ausência de conteúdo ofensivo.2

7Setembro / �007 Boletim dos Procuradores da República n° 76

O STF e a videoconferência

Em 1� de agosto de �007, pela primeira vez, uma das Turmas do STF analisou a questão envolvendo a legalidade e a consti-tucionalidade do chamado interrogatório por videoconferência (interrogatório “on line”, teleinterrogatório).

No caso concreto, um acusado por crimes de extorsão, roubo com arma de fogo e concurso de pessoas e resistência foi interro-gado, em �00�, em uma sala própria para a realização do ato no Centro de Detenção Provisória Chácara Belém I, em São Paulo. O Juiz da causa permaneceu no Fórum Central de São Paulo. Na sala de audiências havia equipamento eletrônico para realização de atos processuais orais por esse sistema. O réu estava assistido por advogado, embora a lei, à época, não o exigisse (a exigência surgiu apenas com a Lei n. 10.79�/0�, sendo que o STF entende, pacificamente, que os interrogatórios reali-zados antes da inovação legislativa não pre-cisavam ser acompanhados por advogado - vide, por todos, HC 8�.178 - Rel. Gilmar Mendes). Ficaram garantidos o contato auditivo-visual entre o réu e o advogado e um canal reservado de comunicação entre ambos, para garantia de livre manifestação do interrogando.

Na ocasião, o réu negou a prática do fato criminoso.

Ao final do processo, foi condenado a uma pena de 1� anos, � meses e �0 dias.

Ao julgar o HC 88.91�, a �ª Turma do STF entendeu que, enquanto não houver previsão legislativa da videoconferência, ela não terá validade jurídica. Conseqüentemente, os atos processuais praticados dessa forma são nulos.

O Min. Gilmar Mendes até admitiu discutir melhor a questão quando – e se – houver a edição de uma lei sobre o assunto. Por sua vez, os Min. Cezar Peluso (relator), Celso de Mello e Eros Grau argumentaram que a existência da videoconferência viola princípios constitucionais do Processo Penal (contraditório, ampla defesa e publicidade), e que, mesmo com a edição, no futuro, de lei regulamentando o tema, o interrogatório por meio de video-conferência somente poderá realizado em situações excepcionais, em decisão fundamentada pelo Juiz.

Essa não foi a primeira manifestação do STF sobre o tema, embora tenha sido a primeira decisão colegiada. O Min. Gilmar Mendes (HC 90.900), em março de �007, e a Min. Ellen Gracie, em julho de �007 (HC 91.859 e 91.758), proferiram as primei-ras decisões a respeito do tema, negando liminares pedidas em

“habeas corpus”, em decisões monocráticas. Na oportunidade, entenderam que a realização do interrogatório “on line” não trouxe prejuízos aos interesses jurídicos do réu.

O tema ainda está em aberto, porque, se for editada lei regu-lamentando o assunto, pelo menos um Ministro da �ª Turma do STF ainda aceita discutir o tema (Min. Gilmar Mendes); porque um dos Ministros da �ª Turma ainda não se manifestou sobre o tema (Min. Joaquim Barbosa); porque, independentemente de lei regulamentando o assunto, pelo menos uma Ministra do STF (Min. Ellen Gracie) admite sua validade; e, finalmente, porque a 1ª Turma do STF (composta por 5 ministros) ainda não se mani-festou sobre o assunto.

Mas, independentemente do acerto ou não da decisão do STF sobre a videoconferência, é forçoso reconhecer que o Tribunal poderia desem-penhar com maior intensidade seu papel político-institucional (no bom sentido) de proporcionar segurança jurídica aos ope-radores do Direito, na qualidade de órgão de cúpula do Poder Judiciário e intérprete maior da Constituição.

De fato, a primeira videoconferência no Brasil foi realizada em 1996, em Campinas, portanto, há onze anos. Há algum tempo, tornou-se prática rotineira em SP e outros Estados. Somente em �007, 1.�00 video-

conferências foram realizadas na capital paulista.Por isso, o caso que se discute agora certamente não foi o

primeiro processo que chegou ao STF (seja em sede de Recurso Extraordinário ou de “Habeas Corpus”) que tenha envolvido interrogatório realizado por videoconferência.

Centenas de processos no bojo dos quais foi realizado inter-rogatório “on line” devem ter passado pelas mãos dos Ministros, mas, como o recurso ou o “Habeas Corpus” versava sobre outros pontos (dosagem da pena, fundamentação da sentença ou outros), o tema da videoconferência não foi apreciado. Isso poderia ser feito de ofício, pois, a julgar pelo voto do Min. Cezar Peluso (sendo acompanhado por seus pares), a nulidade e as violações aos princípios constitucionais eram patentes.

E, como se sabe, o STF pode declarar nulidade de ofício, quando há lesão à ampla defesa, contraditório, publicidade etc (interpretação da Súmula n. 160, do STF).

Bastava selecionar um desses processos, e afirmar, mediante submissão do tema ao Plenário, a constitucionalidade ou não de

O STF e a Videoconferência

Rodrigo de Abreu FudoliPromotor de Justiça do MPDFT

“Se é certo que o STF dá a última palavra sobre a interpretação da nossa Constituição, é notável como essa palavra, por

vezes, demora a chegar até nós, destinatários de suas

decisões.”

Boletim dos Procuradores da República n° 768 Setembro / �007

Prescrição Retroativa: uma Questão Política

Prescrição retroativa: uma questão política

tal prática, o que teria efeito educativo e orientaria a atuação de todos os Juízes de instância inferior.

Se o STF tivesse dito, há dois, cinco ou dez anos, que a video-conferência não era viável juridicamente por se tratar de prática inconstitucional, tal medida proporcionaria imensa economia de dinheiro e energia, sem contar que evitaria a impunidade de muita gente. Com efeito, se, nos primórdios da utilização do interroga-tório “on line”, houvesse uma sinalização do STF, a respeito do tema, deputados e senadores não utilizariam seu tempo propondo projetos de lei sobre o assunto (como o PL 1.���/99 - Câmara dos Deputados; o PL 7��6/�006 - Senado; e o PL 7��7/06 - Sena-do). Além disso, os Tribunais Estaduais e Federais não estariam presentemente realizando estudos técnicos para a instalação de centenas de computadores em presídios e salas de audiência para tal fim. Finalmente, não haveria desperdício de prática de atos processuais e impunidade por prescrição (imagine-se quantos milhares de processos, principalmente em SP, serão anulados, a se confirmar a posição da 2ª Turma do STF).

É o mesmo que ocorre com o poder de investigação do Mi-nistério Público. Se o garante dos Direitos Humanos, titular do exercício da ação penal pública e do controle externo da atividade policial não pode investigar, é melhor que saiba disso logo, para que se feche boa parte das Promotorias Especializadas, Núcleos de Combate à Tortura, de Controle Externo da Atividade Policial e de Combate ao Crime Organizado, dentre outras, redistribuindo-se suas forças para outras áreas. Falta a Suprema Corte se manifestar de forma completa e definitiva sobre o tema, dedicando três ou quatro sessões – preferencialmente sem pedidos de vista, pois a matéria é por demais conhecida – para que todos os Ministros dêem o veredicto sobre a discussão, que se arrasta há 1� anos (desde a edição das leis que regulam o Ministério Público), ge-rando incertezas.

Se é certo que o STF dá a última palavra sobre a interpretação da nossa Constituição, é notável como essa palavra, por vezes, demora a chegar até nós, destinatários de suas decisões.

Priscila Moreira Carvalho Costa RamosBacharel em Ciência Política

Bacharel em Direito / Servidora do MPF

Este artigo versa sobre a prescrição retroativa, figura jurídica endêmica do Brasil, que foi inserida no ordenamento legal em oposição à orientação de um modelo integrado de ciência jurídica relativo à elaboração e aplicação de leis penais1, sendo a resultante de uma progressão de interpretações e opções políticas contradi-tórias sobre uma norma penal que não a previa.

A prescrição retroativa, instituto de direito penal caracterizado pela extinção do poder-dever de punir do Estado em decorrência do transcurso do tempo, considera para o cálculo do prazo pres-cricional a pena aplicada quando da prolação da sentença penal e a retroação do dies a quo à data da prática do crime.

Vislumbrada desde o artigo �5 do Decreto Federal n.º �.780 de 19���, que determinou que a prescrição da ação poderia ser regulada também pela pena imposta na sentença de que somente o réu tivesse recorrido, a prescrição retroativa passou por diversas etapas de entendimentos, expansões e restrições até ser aplicada da forma atual.

Pelo clássico Princípio da Legitimidade, o Estado seria o verdadeiro detentor da resposta aos anseios da sociedade em questões penais e, portanto, o único legitimado a interpretar as reações sociais e legislar segundo seus interesses. Alessandro Baratta assim define este princípio:

O Estado, como expressão da sociedade, está legitimado para reprimir a criminalidade, da qual são responsáveis determinados indivíduos, por meio de instâncias oficiais de controle (legislação, polícia, magistratura, instituições penitenciárias). Estas interpretam a legítima reação da sociedade, ou da grande maioria dela, dirigida à reprovação e condenação do comportamento desviante individual e à rearfirmação dos valores e das normas sociais.� Ainda, conforme Alessandro Baratta, o Estado ampararia todas

as repressões formais e informais (não-vigentes legalmente) rela-cionadas a ofensas às questões penais, materializado pelo Princípio da Culpabilidade, que consistiria no entendimento de que “o delito

9Setembro / �007 Boletim dos Procuradores da República n° 76

Prescrição retroativa: uma questão política

é expressão de uma atitude interior reprovável, porque contrária aos valores e às normas, presentes na sociedade mesmo antes de serem sancionadas pelo legislador”�.

Neste trabalho, demonstrar-se-á que este instituto penal afronta tanto os princípios clássicos de surgimento de uma norma penal baseada numa reação social, quanto os recentes entendimentos de uma política criminal alternativa almejante de um Direito Penal mais justo, igualitário, protetor da dignidade humana e conselheiro de uma sanção não penal.5

Vejamos, os operadores jurídicos criaram um processo de criminalização, não por interpretação da lei ou mesmo por uma colaboração de ciências sociais a uma Política Criminal, mas por ficção jurídica, a possibilidade de se retroagir a prescrição pela pena em concreto referida no artigo �5 do Decreto Federal n.º �.780, de 19��6. A lei apenas mencionava que a prescrição da ação penal regulava-se “pelo maximo da pena abstractamento comminada na lei, ou pela que for pedida no libello, ou, finalmente, pela que for imposta em sentença de que sómente o réo houver recorrido.”7

A prescrição calculada pela pena impos-ta na sentença era da pretensão punitiva do Estado, porém extrapolou-se sua abrangên-cia ao interpretá-la como sendo possível ser contada para trás, retroativamente. O real sentido deste mandamento é que a prescri-ção pela pena imposta na sentença de que somente o réu houvesse recorrido, seria contada para frente, sendo este o caso, tão-somente, de prescrição superveniente.

Porém, após o surgimento do Código Penal de 19�0, esse direcionamento na tentativa de se vislumbrar uma prescrição retroativa no ordenamento jurídico penal, onde de fato não existia, haja vista o dis-posto no parágrafo único do artigo 110: “A prescrição, depois de sentença condenatória de que somente o réu tenha recorrido, regu-la-se também pela pena imposta e verifica-se nos mesmos prazos”8, se fortaleceu. Este dispositivo tratava, novamente, da prescri-ção superveniente. No entanto, as discus-sões políticas e interpretativas findaram na formação de duas correntes no Supremo Tribunal Federal,9 uma defendia a prescrição retroativa pela pena imposta na sentença, iniciando a contagem pela última causa de interrupção do prazo, que era o recebimento da denúncia (Ministro Nelson Hungria), a outra orientava-se pela não retroatividade, pois o parágrafo único estipulava que o cômputo da prescrição era para “depois de sentença condenatória(...)” e não antes, retornando-se o lapso para trás (Ministro Luiz Gallotti).

Para a corrente do Ministro Luiz Gallotti, o Código Penal de 19�0 estaria em perfeita harmonia com a vontade popular-legisla-tiva sobre a contagem dos prazos prescricionais. Portanto, o artigo 109, caput, do Código Penal definia expressamente a prescrição da

pretensão punitiva pela pena abstrata, o artigo 110, caput, tratava da prescrição da pretensão executória pela pena em concreto da sentença transitada em julgado para ambas as partes e, por fim, o artigo 110, parágrafo único, abarcava a prescrição da pretensão punitiva pela pena em concreto de sentença quando não ocorrido o trânsito em julgado final, com contagem para frente, a partir da sentença com trânsito em julgado para a acusação até o trânsito em julgado final.

Em 196� foi editada a Súmula 1�6 pelo Supremo Tribunal Federal, neste momento composto pela maioria de Ministros favoráveis à corrente do Ministro Nélson Hungria, na época, já aposentado. A referida súmula enunciava: “A prescrição da ação penal regula-se pela pena concretizada na sentença, quando não há recurso da acusação.”10 Note-se que a expressão contida no parágrafo único do artigo 110 do Código Penal de 19�0 “depois

de sentença condenatória” foi ignorada pela redação sumular. Tal supressão foi intencionalmente realizada para desfazer o verdadeiro entendimento sobre a não-re-troatividade da contagem de lapso prescri-cional pela pena em concreto e permitir a errônea amplitude à retroação do cômputo da prescrição, reforçando a tese de que nor-matizações penais podem ser resultado de disputas políticas, ao arrepio dos interesses sociais e de estudos criminais que buscam a justiça e a igualdade dos jurisdicionados.

Neste sentido, além de ter permitido julgados legalmente endossados pelo Supremo Tribunal Federal referentes à aplicação da prescrição retroativa, a Sú-mula 1�6 elevou o grau interpretativo de seu significado e de sua origem histórica. Pela corrente primordialmente representada pelo Ministro Nélson Hungria, a prescrição retroativa poderia ser aplicada como causa extintiva da punibilidade e alcançaria tão-somente a última causa de interrupção do prazo prescricional, ou seja, seu dies a quo era o recebimento da denúncia e seu marco final a sentença transitada em julgado para a acusação.

De fato, o que ocorreu foi a aplicação da prescrição retroativa com marco inicial antes do recebimento da denúncia, neste caso, a partir da data do fato criminoso.

Buscando pacificar a problemática proveniente da interpreta-ção sobre a prescrição retroativa, foi proposta a reformulação do Código Penal de 19�0, pelo Decreto-Lei n.º 100�/69. Porém, o então Código Penal de 1969 não entrou em vigor. Sua importância advém da intenção do legislador em excluir esse instituto, tal como se entende pela redação de seu artigo 111, parágrafo 1º:

Art 111..........................................................§ 1º A prescrição, depois de sentença condenatória de que somente o réu tenha recorrido, regula-se também, daí por diante, pela pena imposta e verifica-se nos mesmos prazos.11

“Na prescrição retroativa, não há a inércia do Estado ao longo do tempo. Ao contrário, o Estado inicia a persecução penal ao oferecer a denúncia,

ao receber a denúncia, ao perseguir todas as etapas do processo penal e ao impor

uma sentença, ainda que sem trânsito em julgado definitivo.

O Estado, constantemente, reafirma em suas ações a sua atuação repressiva de

pretensão punitiva e de pretensão executória contra o

infrator da norma penal. Como dizer, então, que, na data da

prolação da sentença, o direito de punir já estaria prescrito?”

Boletim dos Procuradores da República n° 7610 Setembro / �007

Prescrição retroativa: uma questão política

Expressamente está posicionada a expressão “daí por diante”, objetivando dirimir qualquer dúvida quanto a aplicação ou não de uma possível prescrição retroativa.

Seguindo a linha restritiva que se construía sobre a retro-atividade prescricional, foi elaborada a reforma penal de 77, pela Lei n.º 6.�16. Esta reforma introduziu, pela primeira vez, o instituto da prescrição retroativa no ordenamento jurídico penal brasileiro, estabelecendo que este não poderia ser aplicado, com data anterior ao do recebimento da denúncia. Em sua exposição de motivos, a Lei n.º 6.�16 determinava que sua intenção era de expurgar “uma elástica interpretação que vinha sendo causa de impunidade.”1� Esta proibição gerou diversas controvérsias, haja vista a inserção dos parágrafos 1º e �º ao artigo 110 do Código Penal de 19�0, in verbis:

§ 1º A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação, regula-se, também, pela pena aplicada e verifica-se nos mesmos prazos.§ �º A prescrição, de que trata o parágrafo anterior, importa, tão-somente, em renúncia do Estado à pretensão executória da pena principal, não podendo, em qualquer hipótese, ter por termo inicial data anterior à do recebimento da denúncia.1�

Depreende-se destes dois parágrafos que o mandamento principal é o de impedir a retroatividade apenas à data do crime, ou seja, introduziu-se a prescrição retroativa no mundo jurídico, limitou-se seu alcance, e erroneamente atribuiu-se modalidade de prescrição da pretensão executória.

No intuito de dirimir todas as controvérsias jurídicas sobre a prescrição retroativa, houve a reforma penal de 8�, que tratou de estender novamente a aplicação do prazo prescricional à data anterior ao recebimento da denúncia, assim como dispõe as modi-ficações do artigo 110 e parágrafos trazidas pela Lei n.º 7.209:

Art. 110 - A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente.§ 1º - A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada.§ �º - A prescrição, de que trata o parágrafo anterior, pode ter por termo inicial data anterior à do recebimento da denúncia ou da queixa.1�

Porém, há uma colisão de intenções entre a exposição de mo-tivos da reforma de 8� e o texto que foi publicado do artigo 110, parágrafo �º, pois a exposição estabelecia que a nova parte geral do Código Penal manteria os efeitos da prescrição retroativa limitados à data do recebimento da denúncia. O item 101 esclarecia:

Trata-se, além disso, de prescrição pela pena aplicada, o que pressupõe, obviamente, a existência de processo e de seu termo: a sentença condenatória. Admitir, em tal caso, a prescrição da ação penal em período anterior ao recebimento da denúncia importaria em declarar a inexistência tanto do processo quanto da sentença. Mantém-se, pois, o despacho de recebimento da denúncia como causa interruptiva, extraindo-se do princípio as conseqüências inelutáveis.15

Avaliando esta discrepância argumentativa de opção política

do que era para o que foi de fato inserido no Direito Penal Brasilei-ro com referência à prescrição retroativa, André Guaragni constata e sintetiza a posição do presente estudo no sentido de que:

A colisão entre o texto de lei e sua Exposição de Motivos, o desapego às próprias idéias com base nas quais a prescrição retroativa ganhou corpo (quanto à extensão a período anterior ao recebimento da denúncia), as vacilações jurisprudenciais imediatamente posteriores à lei e as críticas, colocadas lado a lado com todas as “idas e vindas” da matéria em nível jurisprudencial e a oposição doutrinária à retroatividade da prescrição verificadas durante quase oitenta anos de debates, dão a exata medida do descuido que representou sua adoção de jure constituto.16

Portanto, mesmo decorridos �� anos de vigência do atual texto legal relativo à prescrição retroativa, sua aplicação, todavia, não gerou a satisfação esperada pela reação social que se propunha quando de sua positivação no Código Penal de 19�017, atualizada pela Lei n.º 7.�09 de 198�.18 Prova disto é a tramitação no Senado Federal do Projeto de Lei n.º 199 de autoria do Senador Pedro Simon (PMDB)19, que restringe seu alcance para apenas a partir do recebimento da denúncia, proibindo a retroatividade à data do crime, por causar constantes conflitos de posicionamentos e a não eficiência do sistema penal desde sua criação.

Esta possível alteração do texto penal pelo Projeto de Lei n.º 199 excluiria também qualquer entendimento referente à criação de uma outra figura, que igualmente à prescrição retroativa, só encontra campo fértil no Brasil, que é a prescrição antecipada. A prescrição antecipada significa a prescrição da pretensão punitiva aferida antecipadamente antes do oferecimento da denúncia, tendo por base a suposta pena em concreto que seria fixada na sentença pelo juiz. Para os defensores desta tese, a prescrição antecipada dá-se segundo a inexistência de justa causa para o ajuizamento de uma ação penal, haja vista a impossibilidade de se atribuir uma futura reprimenda penal. Nota-se que, pela simples existência da prescrição retroativa, surge esta nova elástica interpretação da lei penal ensejando diversos debates sobre a sua possibilidade de aplicação. Nas lições de Tarcísio dos Santos: “não se pode deixar de admitir que falta amparo legal a tais decisões, não podendo o julgador criar figura jurídica anômala, mesmo que com a melhor das intenções.”�0 Neste sentido, há de se ater para o fato de que a prescrição retroativa ainda se encontra em fase de eliminação de interpretações extrapoladas e de disputas políticas para se ajustar aos anseios sociais de regras penais mais eficientes e justas.

Entende-se que o Estado possui previamente um prazo para exercer o seu poder-dever de punir (jus puniendi), que pretende coibir casos de lentidão ou mesmo omissão do próprio Estado e a pretensão eterna punitiva de um indivíduo. Este prazo é esta-belecido nos limites temporais do artigo 109 do Código Penal (prescrição da pretensão punitiva em abstrato).

Porém, com a prescrição retroativa, passam a existir dois limites para o jus puniendi do Estado, um identificável (artigo 109 do Código Penal), no qual o titular poderá dispor e manipular segundo a sua conveniência (investigação criminal, interrogatório, formação de indícios de autoria e materialidade de um crime, coleta de provas, audiências, recursos, dentre outras fases) para

11Setembro / �007 Boletim dos Procuradores da República n° 76

Prescrição retroativa: uma questão política

uma perfeita persecução penal, e outro não identificável, subjetivo, incerto, variável, que é dependente da prolação de uma sentença penal condenatória transitada em julgado para a acusação ou improvido o seu recurso, para o cálculo de seu prazo que será aplicado retroativamente.

Quando se trata de prescrição retroativa, não ocorre o ajuste entre a sua finalidade (limite temporal em resposta ao desinteres-se do Estado) e a prática (o Estado, de fato, busca a reprimenda legal). Na prescrição retroativa, não há a inércia do Estado ao longo do tempo. Ao contrário, o Estado inicia a persecução penal ao oferecer a denúncia, ao receber a denúncia, ao perseguir todas as etapas do processo penal e ao impor uma sentença, ainda que sem trânsito em julgado definitivo. O Estado, constantemente, reafirma em suas ações a sua atuação repressiva de pretensão pu-nitiva e de pretensão executória contra o infrator da norma penal. Como dizer, então, que, na data da prolação da sentença, o direito de punir já estaria prescrito? Nos dizeres de André Guaragni: “O Estado movimentou-se para a punição. Houve a punição no prazo legal.”�1 Ou seja, não houve negligência estatal para na persecução penal. De acordo com Bajer Fernandes:

Na prescrição retroativa, faz-se depender da pena aplicada o potencial autodestrutivo da sentença condenatória. Os agentes estatais com funções na persecução penal deveriam ter em mente que há um prazo mínimo que, se obedecido, certamente determinaria a eficácia da persecução penal. Tal prazo seria calculado hipoteticamente pelo limite mínimo de apenação previsto na classificação imputada ao acusado, levando-se em consideração o réu primário, com bons antecedentes,...��

O Estado, neste sentido, deve se basear num segundo prazo prescricional absolutamente ficcional para não ver prescrito todo um trabalho em busca da pretensão punitiva. A segurança jurídica e o princípio da economia processual se apresentam maculados ante a imprecisão dos alicerces que sustentam o prazo prescri-cional retroativo baseado em disputas meramente políticas que fragilizam o Sistema Penal. Por exemplo: o réu que é condenado a 1 ano e 11 meses de reclusão, na situação em que entre o dia do crime e o recebimento da denúncia transcorressem � anos, estaria extinta sua punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva do Estado, haja vista a prescrição retroativa. Vejamos, a pessoa foi denunciada, ensejando toda uma persecução penal por meio de um devido processo legal, movimentando-se, para isso, todo o aparato dos agentes estatais com funções judiciárias, para ao seu fim ser prolatada uma sentença condenatória que, pelo fato de trazer uma pena em concreto, juntamente traz consigo um cálculo em abstrato de um prazo prescricional retroativo ao crime. Este instituto não vislumbra a economia processual, nem tampouco a segurança jurídica.

De acordo com este conjunto de idéias, o presente trabalho procurou demonstrar que, desde sua primária interpretação, a prescrição retroativa se alicerçou em bases frágeis que não a sus-tentam como representante de uma política criminal alternativa questionadora da construção política do Direito Penal, com pres-supostos claros e justos de um ordenamento jurídico igualitário em razão de conter, em sua origem, conceitos que contrariam o

próprio sistema penal e põem em risco seu eficiente funcionamen-to. Nas lições de Uchoa de Albuquerque sobre este tema: “A tese do efeito retroativo da pena in concreto para efeitos de prescrição (...), contraria frontalmente texto expresso da lei penal, estando em desacordo com o sistema legal e a tradição do nosso direito, além de desatender ao interesse da sociedade.”��

Conclui-se que a prescrição retroativa pode ser dispensada do ordenamento jurídico, pois representa, desde sua origem, falhas interpretativas de raízes políticas e não sociais que resultaram em um instituto de direito penal defeituoso e contraditório à eficiência do sistema penal, além de incentivar a insegurança jurídica, a não economia processual e contrariar as abordagens de uma ciência jurídica integrada às ciências sociais relativas à elaboração de normas e regras penais.

Notas

1 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: in-trodução à sociologia do direito penal. � ed. Rio de Janeiro: Revan, �00�, p. 1�7/158.� DISTRITO FEDERAL. DECRETO N.º �780, de �7.1�.19��. Estabelece penas para os crimes de peculato, moeda falsa, falsificação de documentos, e dá outras providências. CLBR de �1.1�.19��.� BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: in-trodução à sociologia do direito penal. � ed. Rio de Janeiro: Revan, �00�, p. ��.� BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: in-trodução à sociologia do direito penal. � ed. Rio de Janeiro: Revan, �00�, p. ��.5 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. � ed. Rio de Janeiro: Revan, 1990, p. ��/��.6 DISTRITO FEDERAL. DECRETO N.º �780, de �7.1�.19��. Estabelece penas para os crimes de peculato, moeda falsa, falsificação de documentos, e dá outras providências. CLBR de �1.1�.19��.7 DISTRITO FEDERAL. DECRETO N.º �780, de �7.1�.19��. Estabelece penas para os crimes de peculato, moeda falsa, falsificação de documentos, e dá outras providências. CLBR de �1.1�.19��.8 DISTRITO FEDERAL. DECRETO LEI N.º �.8�8, de 07.1�.19�0 Dispõe sobre o Código Penal Brasileiro. DOU de �1.1�.19�0.9 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Tribunal Pleno. HC n.º �8.186. Ementa: [...] Relator: Ministro Nélson Hungria. Guanabara, �0 jan. 61.10 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SÚMULA 1�6. Brasília, DF, Imprensa Nacional, 196�, p. 8�.11 DISTRITO FEDERAL. DECRETO-LEI N.º 100�, de �1.10.1969. Dispõe so-bre o Código Penal do Brasil.1� Apud. BALTAZAR, Antônio Lopes. Prescrição penal. 1 ed. Bauru: Edipro, �00�, p. 78.1� DISTRITO FEDERAL. LEI N.º 6.�16, de ��.05.1977. Altera dispositivos do Código Penal (Decreto-lei número �.8�8, de 7 de dezembro de 19�0), do Código de Processo Penal (Decreto-lei número �.689, de � de outubro de 19�1), da Lei das Contravenções Penais (Decreto-lei número �.688, de � de outubro de 19�1), e dá outras providências. DOU de �5.05.1977.1� DISTRITO FEDERAL. LEI N.º 7.�09, de 11.07.198�. Altera dispositivos do Decreto-Lei nº �.8�8, de 7 de dezembro de 19�0 - Código Penal, e dá outras providências. DOU de 1�.07.198�.15 Apud. GUARAGNI. Fábio André. Prescrição penal e impunidade. Curitiba: Juruá. �000, p. 11�.16 GUARAGNI. Fábio André. Prescrição penal e impunidade. Curitiba: Juruá. �000, p. 11�.

Boletim dos Procuradores da República n° 761� Setembro / �007

Prescrição retroativa: uma questão política

17 DISTRITO FEDERAL. DECRETO LEI N.º �.8�8, de 07.1�.19�0 Dispõe so-bre o Código Penal Brasileiro. DOU de �1.1�.19�0.18 DISTRITO FEDERAL. LEI N.º 7.�09, de 11.07.198�. Altera dispositivos do Decreto-Lei nº �.8�8, de 7 de dezembro de 19�0 - Código Penal, e dá outras providências. DOU de 1�.07.198�.19 http://www.senado.gov.br/web/senador/psimon/indatuacao.html, em 06.0�.�006.�0 SANTOS, Tarcísio dos. Breves considerações sobre a prescrição penal. Estu-dos de direito penal: aspectos práticos e polêmicos, Rio de Janeiro: Forense, �00�, p. ���.�1 GUARAGNI. Fábio André. Prescrição penal e impunidade. Curitiba: Juruá. �000, p. 117.�� FERNANDES, Georgia Bajer. Prescrição penal: aspectos clássicos; inovações trazidas por leis extravagantes; hipóteses e circunstâncias pouco analisadas pela dogmática e pela jurisprudência. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, São Paulo: jan./jun, ano 1, n.1, 1998, p. 60.�� ALBUQUERQUE, Francisco Uchôa de. Ilegalidade da prescrição da pena em concreto com efeito retroativo. In: Justitia, São Paulo: jan/mar, n. 96, 1977, p. 1�8.

Referências bibliográficas

ALBUQUERQUE, Francisco Uchôa de. Ilegalidade da prescrição da pena em concreto com efeito retroativo. Justitia, São Paulo: jan/mar, n. 96, 1977, p. 1��-15�.BALTAZAR, Antônio Lopes. Prescrição penal. 1 ed. Bauru: Edipro, �00�.BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. � ed. Rio de Janeiro: Revan, �00�.BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. � ed. Rio de Janeiro: Revan, 1990FERNANDES, Georgia Bajer. Prescrição penal: aspectos clássicos; inovações trazidas por leis extravagantes; hipóteses e circunstâncias pouco analisadas pela dogmática e pela jurisprudência. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, São Paulo: jan./jun, ano 1, n.1, 1998, p. 56-67.

GUARAGNI. Fábio André. Prescrição penal e impunidade. Curitiba: Juruá. �000.SANTOS, Tarcísio dos. Breves considerações sobre a prescrição penal. Estudos de direito penal: aspectos práticos e polêmicos, Rio de Janeiro: Forense, �00�, p. ���-��7.DISTRITO FEDERAL. DECRETO N.º �780, de �7.1�.19��. Estabelece penas para os crimes de peculato, moeda falsa, falsificação de documentos, e dá outras providências. CLBR de �1.1�.19��.DISTRITO FEDERAL. DECRETO LEI N.º �.8�8, de 07.1�.19�0 Dispõe sobre o Código Penal Brasileiro. DOU de �1.1�.19�0.DISTRITO FEDERAL. LEI N.º 7.�09, de 11.07.198�. Altera dispositivos do Decreto-Lei nº �.8�8, de 7 de dezembro de 19�0 - Código Penal, e dá outras providências. DOU de 1�.07.198�.DISTRITO FEDERAL. DECRETO-LEI N.º 100�, de �1.10.1969. Dispõe sobre o Código Penal do Brasil.DISTRITO FEDERAL. LEI N.º 6.�16, de ��.05.1977. Altera dispositivos do Código Penal (Decreto-lei número �.8�8, de 7 de dezembro de 19�0), do Código de Processo Penal (Decreto-lei número �.689, de � de outubro de 19�1), da Lei das Contravenções Penais (Decreto-lei número �.688, de � de outubro de 19�1), e dá outras providências. DOU de �5.05.1977.DISTRITO FEDERAL. LEI N.º 7.�09, de 11.07.198�. Altera dispositivos do Decreto-Lei nº �.8�8, de 7 de dezembro de 19�0 - Código Penal, e dá outras providências. DOU de 1�.07.198�.SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Tribunal Pleno. HC n.º �8.186. Ementa: [...] Relator: Ministro Nélson Hungria. Guanabara, �0 jan. 61.SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SÚMULA 1�6. Brasília, DF, Imprensa Nacional, 196�, p. 8�.http://www.senado.gov.br/web/senador/psimon/indatuacao.html, em 09.11.�006.

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Boletim dos Procuradores da República n° 761� Setembro / �007

A responsabilidade dos prefeitos pelo desvio das transferências intergovernamentais

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. O federalismo fiscal e a re-partição de receitas – �. As transferências intergovernamentais – 4. A fiscalização e o controle dos recursos transferidos – 5. Os princípios da Administração – 5.1 O Princípio da Moralidade – 5.� O Princípio da Probidade 6. A responsabilidade dos Prefeitos e as sanções pelo desvio dos recursos recebidos – 7. Conclusão

1. INTRODUÇÃO

Falar da responsabilidade de Prefeitos Municipais por desvio de recursos públicos é cuidar de corrupção, de improbidade ad-ministrativa, de crime. E este fenômeno é uma realidade que tem permeado a política e a administração no Brasil de forma siste-mática, mostrando-se cada vez mais recrudescido nada obstante os instrumentos legais existentes e os esforços despendidos no combate ao que se pode considerar como o mais nefasto mal que atinge a sociedade, na medida em que lhe subtrai as chances de viver em condições que lhe preserve a dignidade humana.

Na verdade, a ética parece não fazer parte das virtudes da maioria dos agentes públicos neste País, haja vista que a história nos revela que a sociedade brasileira sempre teve imensas difi-culdades de separar o público dos negócios privados. É dizer, a promiscuidade envolve todas as esferas, os interesses particulares se sobrepõem aos da maioria, os apadrinhamentos privilegiam os parentes e amigos em detrimento da competência, o desperdício dos recursos públicos, o enriquecimento ilícito dos administra-dores�, tudo isso ocorrendo, hodiernamente, numa desfaçatez chocante que leva as instituições ao descrédito e solapa a espe-rança de mudanças e superação da miséria que aflige milhões de brasileiros. E isso se revela de maior gravidade pelo fato dessas práticas datarem de tempos remotos, desde à época da colonização, parecendo ter recrudescido com o passar dos tempos, conforme se pode inferir das afirmações de Sérgio Habib, para o qual, a Repú-blica se transformou em corrupção, em virtude do elevado índice de “Fraude eleitoral, malversação de verbas públicas, desvios de rendas, tráfico de influência, ‘apadrinhamento’, propinas e subor-nos, interesses políticos escusos, beneficiamento de oligarquias com isenções fiscais, com cargos e salários excessivamente eleva-dos, ‘coronelismo’ (com todo tipo de condescendência criminosa, acobertamento de criminosos, empreitadas sinistras, suborno de

membros do poder judiciário, do ministério público, da polícia judiciária, perseguições políticas por interesses inconfessáveis etc.), e agenciamento de empréstimos em empresas públicas�”.

Em virtude da forma federativa de Estado adotada pelo Brasil, impõe reconhecer que, na medida em que se reparte as competên-cias, também os recursos são repartidos pois, somente assim, será possível administrar de acordo com o interesse maior e da forma que melhor venha a atender às necessidades das comunidades administradas. Sendo certo, por outro lado, que é o Município o órgão político que se acha mais perto do cidadão, daí que lhe cabe a responsabilidade pelo atendimento mais imediato das demandas comunitárias.

A posição do Município no contexto da administração pública é de extrema importância, sendo isto um fato que a ninguém é dado desconhecer, pois, num Estado federal como é o nosso a descentralização é um mecanismo indispensável para bem gerir as questões de interesses locais, considerando-se que, não fosse assim, dificilmente haveria possibilidades de o governo central conseguir ter uma visão de todos os problemas e encontrar as respectivas soluções, independentemente de haver boa vontade e disposição para enfrentar tais desafios. Portanto, cabe ao Muni-cípio defender os interesses locais, isto é, àqueles interesses que afetem diretamente seus cidadãos, seu território, sua economia, enfim, tudo quanto lhe diga respeito de uma forma ou de outra.

Reconhecendo a relevância do Município dentro da sistemá-tica do federalismo a Constituição Federal� confere-lhe meios econômico-financeiros para que haja o indispensável equilíbrio na consecução das políticas públicas destinadas ao desenvolvimento e superação das desigualdades sociais e regionais, da pobreza e da marginalidade e para que os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil venham a ser alcançados.

Pois bem, transferidos os recursos para o Município tem-se constatado que em grande parte deles as obras, serviços ou aqui-sição de bens que deveriam ser realizadas não o são por conta de fraudes e desvios dos mais variados matizes, ensejando o enri-quecimento ilícito de alguns em detrimento do interesse geral da comunidade, e, não só desta, mas, do próprio interesse nacional, eis que não é possível desconsiderar que os prejuízos causados pelos fraudadores repercutem em toda a Nação, haja vista que, ao fim e ao cabo, os recursos pertencem à União, isto é, a todos os cidadãos, e, por conseguinte, os recursos são apropriados enquanto

A Responsabilidade dos Prefeitos pelo Desvio dasTransferências Intergovernamentais

Nilce Cunha Rodrigues1

Procuradora da República em Fortaleza-CE / Mestranda em Direito Público pela Universidade Federal do Ceará

15Setembro / �007 Boletim dos Procuradores da República n° 76

A responsabilidade dos prefeitos pelo desvio das transferências intergovernamentais

os prejuízos são amplamente socializados.Os princípios da administração previstos no art. �7 da Cons-

tituição Federal, a Lei nº 8.9��, de 0� de junho de 199� – Lei da Improbidade Administrativa – que veio para regulamentar o § �º da CF, o Decreto-lei nº �01, de �7 de fevereiro de 1967 que trata da responsabilidade criminal e político-administrativa de Prefeitos e Vereadores e a Lei nº 8.666, de �.7.199� – Lei das Licitações - não têm servido de freio à atuação dos ímprobos e criminosos gestores de recursos públicos, não parecendo leviano afirmar que isso ocorre em decorrência da imensa impunidade reinante, a qual tem servido de incentivo e estímulo aos infratores ao tempo em que alimenta na sociedade o sentimento de descrédito nas institui-ções, de desesperança de dias melhores porque, se se depende dos políticos e das políticas para administrar as unidades federadas, como manter esperanças se os nossos representantes eleitos se comportam de forma compromissada somente com seus próprios e particulares interesses5?

A propósito, as razões para esse fenômeno talvez estejam na soma de vários fatores que Cármem Lúcia Antunes Rocha observa e denomina de uma série de ingredientes para a receita da corrup-ção administrativa: a) grande dose de poder decisório concentrado em um único agente; b) multiplicidade de órgãos competentes para execução sem esquadrinhamento per-feito e exclusivo de atribuições; c) ausência de mecanismos de controle efetivo, perma-nente, transparente e rigoroso; d) restrita e precária publicidade administrativa; e) impunidade, inclusive para corruptores6, podendo-se acrescentar, sem receio, que para estes últimos é que verdadeiramente impera em maior intensidade a ausência de responsabilização.

Acerca da crise de moralidade que hoje enfrentamos Fábio Medina Osório aponta, com muita propriedade, que:

“O contexto social é preocupante. A pobreza aumenta. A con-centração de riquezas também. O mercado funciona muitíssimo bem para poucos e muitíssimo mal, porque inacessível, para muitos. As distorções são de toda ordem. A educação é precária; deveria ser mais ampla e melhor. A insegurança é geral. O medo, a violência, o descrédito e a falta de esperança atormentam a sociedade brasileira que, milagrosamente, embarca nos encantos anestésicos de poderosos setores elitizados, segmentos estes que estão sentados perante o balcão de negociações e têm seus interesses muitos bem representados. Impunidade, corruptos e corruptores. Falta de ética. Política sem moral. Audácia e ausência de bom senso. Lentidão, prevaricação e nepotismo. São muitos e muito mais os males que assolam este País”7.

Com efeito, parece bastante evidente que os verdadeiros obstáculos para se alcançar o real Estado Democrático de Direito residem, sobretudo, no enorme fosso existente entre os interesses gerais e os interesses daqueles que são responsáveis pelo gerencia-mento dos recursos públicos. Partindo-se dessa premissa e dado seus efeitos altamente danosos à toda coletividade, pretendemos

abordar neste estudo, à luz de alguns exemplos emblemáticos, o fenômeno do desvio dos recursos oriundos das transferências intergovernamentais por Prefeitos Municipais, pretendendo, com isso, fomentar a reflexão sobre a grave e relevante questão da im-punidade em casos que tais, face à cultura nacional da excessiva tolerância com as fraudes, com a censurável aceitação da política do rouba, mas faz, o que tem frustrado, sistematicamente, todas as tentativas de aplicação eficaz das normas legais pertinentes à espécie.

2. O FEDERALISMO FISCAL E A REPARTIÇÃO DE RECEITAS

A forma de organização do Estado brasileiro exige uma distribuição de competências e de recursos, pois, é de lógica estreme de dúvidas que, ao se conferir direitos e obrigações há de se também fornecer os meios para exercitá-los e cumpri-las. Assim, para que sejam alcançados os objetivos superiores dos

interesses e necessidades públicas da forma mais eficiente e com o menor dispêndio pos-sível, partilham-se os recursos decorrentes de receitas tributárias de um ente público para outro, normalmente em nível vertical, é dizer, do maior para o menor, como por exemplo: União para Estados e Municípios, e, de Estados para Municípios.

Essa repartição de receitas é, a rigor, matéria que se insere na esfera do Direito Financeiro e não na do Direito Tributário, posto que àquele compete o estudo da obtenção, guarda, gestão e dispêndio dos recursos públicos, enquanto o segundo ocupa-se tão-somente da arrecadação decor-rente da tributação, não se preocupando com

o destino que possa vir a ser dado ao produto arrecadado8.Consoante averba José Afonso da Silva, essa modalidade de

repartição de receitas marca uma característica do federalismo cooperativo:

“Essa cooperação financeira entre as entidades autônomas da Federação, chamada federalismo cooperativo, integra a fisionomia do federalismo contemporâneo. Ela só começou a desenvolver-se, em termos constitucionais, entre nós, a partir da Constituição de 19��(art.9º), mas foi com a Carta de 19�7 que inaugurou a prática da participação na receita de tributos(Lei constitucional �/�0). A Constituição de 1946 ampliou a técnica de cooperação financeira, que a Constituição de 1967 procurou racionalizar. Essas experiências são acolhidas pela Constituição de 1988 com expansão e aperfeiçoamento9”.A Carta de 1988 adota a sistemática de dividir as receitas

tributárias especificando os tributos de cada uma das esferas de governo, e, demais disso, contempla duas formas de participação – direta e indireta -, portanto, adota, a exemplo da maioria dos

“...parece bastante evidente que os verdadeiros obstáculos para se alcançar o real Estado

Democrático de Direito residem, sobretudo, no enorme

fosso existente entre os interesses gerais e os interesses daqueles que são responsáveis

pelo gerenciamento dos recursos públicos.”

Boletim dos Procuradores da República n° 7616 Setembro / �007

Parecer na ação rescisória n. 2006.03.00.024756-0

Estados modernos, um sistema misto, conforme se pode inferir dos arts. 1�5 a 156. Nos arts. 157 e 15810 trata a Constituição da participação direta dos Estados, Distrito Federal e Municípios na arrecadação. Já no pertinente à participação indireta, a matéria vem tratada nos arts. 159 e 16�, cuidando-se ai, precisamente, dos Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios.

3. AS TRANSFERÊNCIAS INTERGOVERNAMENTAIS

As transferências intergovernamentais representam um poderoso instrumento de participação indireta no produto da arrecadação tributária, ocorrendo esse fenômeno por meio da criação dos denominados fundos de participação, através dos quais são procedidas as remessas dos recursos destinados aos Estados, Distrito Federal e aos Municípios. Existindo, ainda, os Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte(FNO), Nordeste(FNE)e Centro Oeste(FCO)11, a teor do disposto no art. 159, inciso I, alíneas a, b e c.

Igualmente importante é a previsão constitucional do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério – FUNDEF, criado pela Emenda Cons-titucional nº 1�, de �1 de agosto de 1996. Importa acrescentar, outrossim, que, além desses Fundos acima mencionados, existem outros, tais como os Fundos de Saúde e o de Combate e Erradi-cação da Pobreza, criados pelas Emendas Constitucionais nº �9, de 1� de setembro de �000, e a de nº �1, de 1� de dezembro de �000, respectivamente, tendo esta última acrescentado os arts. 79 a 8� ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Cumpre ressaltar que, conquanto o art. 165, § 9º,II, da CF preveja a edição de lei complementar para tratar de questões per-tinentes à gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta, bem como condições para a instituição e funcionamento de fundos, até o presente não foi editada referida lei complementar, encontrando-se essa matéria regida pelos arts. 71 a 7� da Lei nº �.��0/6�, a qual foi recepcionada pela Constituição.

Relativamente aos Fundos Constitucionais de Financiamen-to do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, as normas de regência encontram-se na Lei nº 7.8�7/89, que prevê as delimitações das regiões abrangidas, dispondo expressamente, no art. �º, que, os beneficiários serão os produtores e empresas, pessoas físicas e jurídicas, além das cooperativas de produção que desenvolvam atividades produtivas nos setores agropecuário, mineral, industrial e agroindustrial das ditas regiões1�.

A definição de José Maurício Conti é lapidar, eis que ex-pressa plenamente o inteiro conteúdo que se pode extrair dos “Fundos”:

“fundo é um conjunto de recursos utilizados como instrumento de distribuição de riqueza, cujas fontes de receita lhe são destinadas para uma finalidade determinada ou para serem redistribuídas segundo critérios pré-estabelecidos. Acrescentando, em seguida, que há várias modalidades de fundos, dependendo da forma como está organizada a transferência de recursos que os compõem e a forma pela qual suas receitas são distribuídas1�”.

Em relação à distribuição dos recursos para a formação dos Fundos, em regra a legislação previamente estabelece a forma de sua constituição, definindo que as transferências serão automáticas e obrigatórias. Contudo, há determinados Fundos cujos recursos a ser-lhes destinados provêm não de transferências obrigatórias, mas decorrem de acordo, convênio ou subvenção, ou seja, são transferências voluntárias.

No que diz respeito às transferências dos recursos dos Fundos para os destinatários finais, igualmente à situação supracitada acontece, também, ora de forma automática e obrigatória, como sói acontecer nos casos do FPE e FPM, outras, as voluntárias, são condicionadas a uma finalidade específica, anteriormente aprovada, a exemplo de um financiamento de projetos.

De qualquer sorte, e isto é o que importa sublinhar, os Fundos de transferências intergovernamentais não são nada mais nada me-nos do que instrumentos ou mecanismos encontrados para facilitar a distribuição das receitas entre as várias unidades da federação. Ou, em outras palavras, prestam-se à repartição das riquezas de forma a equacionar as diferenças regionais, na tentativa de supe-rar as desigualdades, vez que tendem a favorecer as regiões mais carentes atendendo suas necessidades com os recursos indispen-sáveis, de consoante determina o art. 161, II, da CF1�.

Em verdade, o objetivo precípuo dos Fundos é, sem qualquer dúvida, garantir a autonomia financeira das unidades subnacionais, tendo em vista que, em uma Federação podem ocorrer, e certamen-te ocorrem com freqüência, enormes distorções em face mesmo de naturais diversidades regionais, daí a inafastável necessidade de ser mantido o equilíbrio financeiro e, por conseguinte, garantindo-se o próprio equilíbrio federativo, pois, a final e ao cabo, todas as unidades da federação devem receber o mesmo tratamento, porquanto, não se pode deslembrar que é a soma de TODAS as unidades governamentais que faz a União Federal.

4. A FISCALIZAÇÃO E O CONTROLE DOS RECURSOS TRANSFERIDOS

Constituição Federal estabelece que toda e qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, está sujeita à prestação de contas quando utilizar, arrecadar, guardar, gerenciar ou administrar dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda ou que, em nome desta, assuma obrigação de natureza pecuniária. O controle será interno, realizado pela própria Administração de cada Poder, e externo, a ser exercido pelo Congresso Nacional, através do Tribunal de Contas da União15.

Na verdade, os Fundos, como qualquer outra espécie de re-curso público, encontram-se submetidos aos sistemas de controle e fiscalização, nos termos da Constituição. Quando se trata dos Fundos de Participação dos Estados e Municípios, o controle será exercido, inicialmente, pelo Tribunal de Constas da União – TCU, contudo, após as respectivas transferências - não obstante a regra geral acima mencionada contida no art. 70 - pelo fato de os recursos passarem a integrar o patrimônio de cada unidade subnacional, entende-se que a competência para fiscalizar passa a ser dos Tribunais de Constas dos Estados e Municípios16.

17Setembro / �007 Boletim dos Procuradores da República n° 76

A responsabilidade dos prefeitos pelo desvio das transferências intergovernamentais

É bem de ver que o entendimento supramencionado não se mostra desarrazoado, haja vista que os recursos dos Fundos de Participação decorrem de transferências automáticas e obriga-tórias, vale dizer, sem qualquer exigência de pré-definição da forma de aplicação ou de utilização em serviços ou em aquisição de bens. Mas, isso não significa, obviamente, que os gestores ficarão a salvo de fiscalização, considerando-se que os atos de improbidade ou malversação de recursos implicará, sempre, em violação das normas constitucionais e infraconstitucionais pertinentes, sujeitando seus infratores às sanções específicas, quer na esfera federal quer na estadual, de acordo com a área afetada.

Cabe registrar, então, que, no pertinen-te às transferências intergovernamentais voluntárias, isto é, àquelas transferências decorrentes de convênios ou subvenções (subvenções são transferências previstas no orçamento e destinadas a cobrir despesas de certas entidades. O art. 1�, da Lei nº 4.320/64, contempla essa figura), a fiscali-zação e o controle permanecem na área de competência da unidade concedente, con-siderando-se que não há perda do interesse do titular dos recursos, até mesmo pela singela razão de que ninguém pode dispor do patrimônio público entregando-o espon-taneamente a outrem sem sequer exigir a prestação de constas relativa ao seu correto emprego no objetivo que autorizou essa transferência, posto que o órgão origina-riamente titular dos recursos será também, por sua vez, objeto de fiscalização e, assim, deverá prestar contas da sua administração comprovando o bom emprego que fez dos recursos que lhe foram destinados. Ademais, é regra assente que a lei ou o instrumento de transferência firmado pelas partes contém a expressa previsão de fiscalização e prestação de contas, como condição para haver a liberalidade. Não fossem suficientes esses motivos, ainda restaria a obrigação constitucional de prestação de contas por todos quantos tenham acesso a recursos públicos, pelo que não se sustenta a tese de que alguém possa ficar à margem da fiscalização (art. 70 da CF). Daí que, em se tratando de verba federal, remanesce a competência dos órgãos federais de controle, assim como da própria Justiça Federal, para conhecer de eventual demanda envolvendo ditos recursos.

A par disso, não se pode deslembrar que todos os agentes públicos são responsáveis pela fiscalização das condutas da Ad-ministração, sendo-lhes imposto o dever de denunciar ao superior hierárquico qualquer irregularidade da qual venham a ter conhe-cimento, bem assim, poderá dar ciência ao respectivo Tribunal de Contas, exercendo, dessarte, um efetivo controle interno.

Mas, antes e acima de todos os mecanismos oficiais de controle e da natureza dos recursos transferidos, estamos que a sociedade pode e deve exercer uma efetiva e eficiente fiscalização sobre a atuação dos gestores, pois é cediço que hoje não basta somente a

existência de normas legais formalmente estabelecidas para fazer valer os direitos, carecendo de firme exigência social para que as autoridades passem a atuar positivamente, cumprindo e fazendo cumprir a Constituição e as leis. O direito e a política não podem andar separados da ética e da moral, e só respeitando-se tais vir-tudes poder-se-á atingir o verdadeiro objetivo do Estado que é, sem a menor dúvida, o bem comum.

Irretorquível a lição de Bobbio nesse sentido:“(...) o problema grave com relação aos direitos do homem, não é mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los. (...) Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados17”.

Sem dúvida que a sociedade tem mais que um direito, tem o dever de denunciar o mau comportamento dos agentes públicos, especialmente daqueles encarregados de tomar decisões acerca dos bens e interesses de todos, como sói ocorrer com os agentes políticos, precisando ser estimulada a fazer uso dos mecanismos que a Constituição Federal18 põe à sua disposição, bem como a desenvolver seu espírito crítico com responsabilidade, pois, se assim agir, cer-tamente exercerá uma cidadania ativa e contribuirá de forma decisiva para o com-

bate à improbidade, ao crime e à malversação de verbas públicas, ajudando firmemente na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

5. OS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO

A Administração Pública é regida por princípios que a Magna Carta expressamente consigna no art. �7 (legalidade, impessoali-dade, moralidade, publicidade e eficiência), aos quais o adminis-trador está submetido e deles não pode jamais se arredar, sob pena de incorrer em grave violação ao sistema normativo superior.

Paulo Bonavides reconhece que “os princípios são as normas chaves de todo o sistema jurídico”. Lembrando, outrossim, que, para Robert Alexy, os princípios devem ser entendidos como mandamentos de otimização, reconhecendo-os como normas cuja principal característica consiste em poderem ser cumpridas em distinto grau e onde a medida imposta de execução não depende apenas de possibilidades fáticas, senão também jurídicas19.

Para Jorge Miranda os princípios “servem de elementos de construção e qualificação: os conceitos básicos de estruturação do sistema constitucional aparecem estreitamente conexos com os princípios ou através da prescrição de princípios”�0. Enquanto

“... a sociedade tem mais que um direito, tem o

dever de denunciar o mau comportamento dos agentes

públicos, especialmente daqueles encarregados de tomar decisões acerca dos bens e interesses de todos, como sói ocorrer com os

agentes políticos, precisando ser estimulada a fazer uso dos

mecanismos que a Constituição Federal põe à sua disposição,

bem como a desenvolver seu espírito crítico com

responsabilidade...”

Boletim dos Procuradores da República n° 7618 Setembro / �007

A responsabilidade dos prefeitos pelo desvio das transferências intergovernamentais

para Canotilho os princípios têm caráter de fundamentalidade no sistema das fontes do direito. Os princípios são normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico, devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex.: princípios constitucionais)ou à sua importância estruturante dentro do sis-tema jurídico (ex.: princípio do Estado de Direito)�1.

Assiste razão a Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem o princípio é, “por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo para sua exata compreensão. (...)Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer...(...) É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade��”, pois, os princípios representam o fundamento de validade das normas ju-rídicas, conferindo-lhes legitimidade e racionalidade necessárias à harmonização do sistema normativo.

O princípio do interesse público possui supremacia sobre o privado, tratando-se de verdadeiro axioma reconhecido no moder-no Direito Público��, porquanto, face à sua indisponibilidade, o administrador público deve ter uma atuação moldada na legali-dade, na moralidade, na impessoalidade na finalidade e na publicidade, requisitos estes indispensáveis para a salvaguarda dos interesses de toda a coletividade.

Consciente da realidade nacional acerca do flagelo que é a corrupção na esfera ad-ministrativa e sabedor também de que esse fenômeno nos persegue desde sempre, qual uma sombra sinistra, recrudescendo cada vez mais, a despeito dos mecanismos cria-dos para seu enfrentamento – aliás, merece registrar que tal fenômeno não ocorre só aqui, mas ao longo da história da humani-dade e em todo lugar�� ele tem se mantido indestrutível, variando apenas no grau de intensidade -, o legislador constituinte cuidou de inserir os prin-cípios administrativos no próprio corpo da Lei Maior, com o claro objetivo de elevá-los ao nível mais alto de segurança jurídica, para, dessa forma, dotá-los de maior eficácia. Quer dizer, o constituinte percebeu o inconformismo social com o comportamento ímprobo dos gestores no trato com a coisa pública e acolheu os princípios administrativos para resgatar os valores éticos, inafastáveis de toda e qualquer gestão da Administração Pública.

Não comporta, nos limites do presente estudo, o aprofunda-mento da análise de todos os princípios administrativos, pelo que nos limitaremos a examinar tão-somente os princípios da morali-dade e da probidade administrativa, devido a sua pertinência com o tema objeto do trabalho.

5.1 O PRINCÍPIO DA MORALIDADE

Quem primeiro desenvolveu o conceito de moralidade admi-nistrativa foi, consoante adverte Antônio José Brandão, Maurice Hauriou, que, partindo da concepção do desvio de direito, chegou

à conclusão de que “a legalidade dos atos jurídicos administrativos é fiscalizada pelo recurso baseado na violação da lei; mas a confor-midade desses atos aos princípios basilares de ‘boa administração’, determinante necessária de qualquer decisão administrativa, é fiscalizada por outro recurso, fundado no desvio de poder, cuja zona de policiamento é a zona da ‘moralidade administrativa’.” Prosseguindo, arremata Antônio José Brandão que “Essa noção é mais ampla que a da legalidade administrativa, e é explicada como ‘conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração’”�5.

O princípio da moralidade administrativa, segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, não se confunde com o princípio da legalidade, “porque a lei pode ser imoral e a moral ultrapassar o âmbito da lei”, querendo significar, com isso, que o princípio da moralidade vai além da legalidade, ou, dizendo de outro modo, este se acha inserido naquele. Assegurando, em seguida, que a “imoralidade administrativa produz efeitos jurídicos, porque acarreta a invalidade do ato, que pode ser decretado pela própria

Administração ou pelo Poder Judiciário. A apreciação judicial da imoralidade ficou consagrada pelo dispositivo concernente à ação popular (art. 5º, LXXIII, da Consti-tuição) e implicitamente pelos já referidos arts.�7, § �º e 85, V, este último conside-rando a improbidade administrativa como crime de responsabilidade�6”.

Wallace Paiva Martins Júnior apreende com brilhante lucidez a extensão da impor-tância do mencionado princípio da mora-lidade ao fixar que “o enfoque principal é dado ao princípio da moralidade na medida em que ele constitui verdadeiro superprincí-pio informador dos demais (ou um princípio dos princípios), não se podendo reduzi-lo a mero integrante do princípio da legalidade. Isso proporciona, por exemplo, o combate

de ato administrativo formalmente válido, porém destituído do necessário elemento moral”. Em prosseguindo sustenta, com absoluta propriedade, que, “A moralidade administrativa tem relevo singular e é o mais importante desses princípios, porque é pressuposto informativo dos demais (legalidade, impessoalidade, publicidade, razoabilidade, proporcionalidade, motivação), muito embora devam coexistir no ato administrativo”�7.

Urge acentuar, contudo, que a exigência de observância ao princípio da moralidade não é restrita à Administração, mas, a todas as atividades estatais, nestas incluídas, por óbvio, as ativi-dades legislativas e jurisdicionais, porquanto o Estado não pode abdicar de se conduzir, em todas as suas esferas, guiado pela ética e o respeito absoluto aos valores sociais prevalentes. Portanto, quando se fala em moralidade administrativa quer-se referir ao Estado, em sentido amplo�8.

Vê-se, pois, que o princípio da moralidade administrativa não se compadece com atuação afastada da legalidade mas, sobretudo, da moral administrativa, dos bons costumes, da boa-fé e da eqüi-dade, pois, de acordo com a observação de Maria Sylvia Zanella

“... a elevação dos valores da moralidade e da probidade administrativa ao status de princípios constitucionais

revela a intenção do Estado brasileiro de preservar sua própria subsistência, tendo

em vista que, ao proteger os interesses públicos de forma

mais rigorosa está, ao mesmo tempo, protegendo a sua

própria existência...”

19Setembro / �007 Boletim dos Procuradores da República n° 76

A responsabilidade dos prefeitos pelo desvio das transferências intergovernamentais

Di Pietro,“sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa adminis-tração, os princípios de justiça e de eqüidade, a idéia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa”�9. Serve, conforme alerta Wallace Paiva Martins Júnior, “à garantia do direito subjetivo público à uma administra-ção honesta, cumprindo-se a partir de regras internas de conduta dirigidas aos fins institucionais específicos e da incorporação dos valores éticos fundamentais de uma sociedade”�0.

5.� O PRINCÍPIO DA PROBIDADE

A Constituição Federal de 1988, comprometida com o resgate da ética na política e na administração, fez inserir em seu texto a regra segundo a qual a probidade seria exigida em todos os setores da administração pública, prevendo, por conseguinte, o combate à improbidade, como se pode vê da redação do § �º, art. �7�1.

Vimos que o princípio da moralidade administrativa exige rigorosa observância aos valores da ética, da boa-fé, da lealdade, da imparcialidade, enfim, de honestidade na condução da ad-ministração pública. Em face disso pode-se aferir que, toda vez que o agente público violar qualquer desses valores, cometerá improbidade administrativa. Portanto, parece correto afirmar que o princípio da probidade administrativa se encontra dentro do princípio da moralidade administrativa, ou seja, é um subprincípio da moralidade.

A doutrina reconhece não ser fácil distinguir entre moralidade e improbidade administrativas, no entanto, não diverge quanto à certeza de que, na realidade, os conceitos são distintos. A po-sição de Marcelo Figueiredo bem revela essa assertiva quando sustenta “Questão tormentosa cifra-se no seguinte: qual a dife-rença conceitual entre moralidade administrativa e probidade? (...)São condutas e institutos diversos. Ou, por outra, o princípio da moralidade administrativa é de alcance maior, é conceito mais genérico a determinar a todos os ‘poderes’ e funções do Estado atuação conforme o padrão jurídico da moral, da boa-fé, da leal-dade da honestidade. Já a probidade, que alhures denominamos ‘moralidade administrativa qualificada’, volta-se a particular aspecto da moralidade administrativa(...)A probidade é, portanto, corolário do princípio da moralidade administrativa32”.

Juarez Freitas diz que o princípio da probidade administra-tiva descende diretamente do princípio da moralidade, ambos constitucionalmente consagrados. O princípio da probidade ad-ministrativa consiste na proibição de atos desonestos ou desleais para com a Administração Pública, praticados por agentes seus ou terceiros��.

A improbidade, que é, precisamente, o contrário da probida-de e se consubstancia na violação do princípio da moralidade, representa o tipo mais gravoso de violação dos interesses da coletividade, posto que agride não só a probidade mas, também, o patrimônio público.

Vê-se, pois, que os conceitos de moralidade e probidade são indissociáveis, eis que, a rigor, o que é moral é probo e o que é

imoral é ímprobo. Não se há de falar em probidade desprezando a idéia de moralidade, portanto, um está contido no outro. É muito feliz a conclusão de Wallace Paiva Martins Júnior acerca desse aspecto quando assegura que “A adoção do princípio da probidade administrativa no ordenamento jurídico valoriza a implementação prática do princípio da moralidade administrativa, conferindo à Nação, ao Estado, ao povo, enfim, um direito subjetivo a uma Administração Pública proba, honesta(e a ter agentes públicos com essas mesmas qualidades), através de meios e instrumentos preventivos e repressivos(ou sancionadores)da improbidade administrativa��.

Assim, pode-se concluir, do quanto foi exposto, que a eleva-ção dos valores da moralidade e da probidade administrativa ao status de princípios constitucionais revela a intenção do Estado brasileiro de preservar sua própria subsistência, tendo em vista que, ao proteger os interesses públicos de forma mais rigorosa está, ao mesmo tempo, protegendo a sua própria existência, haja vista que inexistindo controle sobre a atuação de seus agentes e a vigilância sobre seu patrimônio, naturalmente haverá total desvio das finalidades estatais e, por conseguinte, furta-se-á da baliza que assujeita toda organização que se pretende como Estado, que é, sempre e em qualquer lugar, a defesa e proteção dos superiores interesses públicos.

6. A RESPONSABILDADE DOS PREFEITOS E AS SANÇÕES PELO DESVIO DOS RECURSOS RECEBIDOS

Determina a Constituição Federal, no parágrafo único do art.70 que, “Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária”.

Percebe-se, à simples leitura do texto constitucional, que ninguém está isento de ser responsabilizado por atos de impro-bidade que venha a praticar, bastando para tanto que a relação de causalidade entre a conduta e o resultado lesivo aos bens e interesses da União esteja configurada. Mas, impende ressalvar que, não só em relação à União haverá responsabilidade em si-tuações que tais, pois, a previsão do dispositivo acima há de ser conjugada com a do art. �7, caput, da Magna Carta, no qual se acha a descrição do que deve ser entendido como Administração Pública para os efeitos de submissão aos princípios norteadores do sistema político-jurídico brasileiro.

De fato, o conceito de agente público, para efeitos legais, há de ser compreendido no seu aspecto mais amplo e irrestrito possível, abarcando todas as pessoas que exercem ou não, em qualquer das unidades federadas – União, Estados, Distrito Federal e Municí-pios -, quer seja na administração direta, indireta ou fundacional, quaisquer cargos, empregos ou funções, militares ou civis, seja em decorrência de eleição, de nomeação ou contrato.

A Lei da Improbidade (Lei nº 8.��9/9�)é bem explícita quan-do dispõe sobre as “sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo,

Boletim dos Procuradores da República n° 76�0 Setembro / �007

A responsabilidade dos prefeitos pelo desvio das transferências intergovernamentais

emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional”. E, no art. 1º reza que:

“Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de 50% (cinqüenta por cento)do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta Lei”.Como vimos de ver, razão não existe para que dúvidas sejam

suscitadas acerca da responsabilidade de Prefeitos Municipais, assim como de nenhum outro agente político. Valendo ressaltar que agente público é o gênero do qual agente político – exercente de mandatos - é espécie. A par disso, convém sublinhar, outros-sim, que os agentes políticos se diferenciam dos demais agentes públicos em face da posição de destaque que ocupam, detendo o poder de mando, de tomada decisões, ou, em outras palavras, pela possibilidade de escolhas políticas.

Mônica Nicida Garcia salienta: ”O agente político não está sujeito à respon-sabilização no âmbito disciplinar, incluin-do-se, antes, em uma esfera própria de responsabilidade: a da responsabilidade política�5”, importando isso em dizer que os Prefeitos Municipais não estão submetidos às sanções administrativas, pois, é bem da ver, sua relação com a Administração é diferenciada daquela que vincula o servidor público, o qual fica subordinado às regras disciplinares internas.

Assim, fácil é perceber que os Prefeitos, enquanto agentes políticos, estão submeti-dos às normas legais que prevêem sanções políticas, criminais, civis e de improbidade administrativa. Vale dizer, toda vez que o Gestor municipal violar as normas legais pertinentes à boa administração, isto é, atuar com desvio de finalidade na gestão das coisas públicas que lhe cabe cuidar, estará sujeito a respon-der penal, política, civil e por improbidade administrativa, pois, como é de sabença curial, essas esferas de responsabilização não se confundem, pelo contrário, se sobrepõem.

Portanto, o Prefeito que não conduzir sua administração com ética, lealdade, boa-fé e honradez responderá pelos seus atos, sejam comissivos ou omissivos, pois, o não fazer também representa violação às regras de bem administrar. Podendo ser responsabilizado simultaneamente nas esferas acima menciona-das, vez que uma infração pode, ao mesmo tempo, revestir-se de natureza criminal, de caráter político e de improbidade, gerando, ainda, responsabilidade civil caso resultem danos para terceiros. Atente-se para o relevante fato de a Constituição ressalvar que as penas por improbidade não excluem a ação penal cabível, bem como de a Lei nº 8.��9/9� destacar que as sanções penais, civis e

administrativas são independentes daquelas por ela previstas�6.Ora, para toda e qualquer conduta desonesta praticada por

Prefeito há uma norma legal aplicável, seja penal, civil, político-administrativa ou improbidade, podendo, se for o caso, haver cumulação de sanções. Se se tratar de desvio ou malversação de verbas percebidas - a qualquer título -, inclusive por meio de transferências intergovernamentais, responderá igualmente, tendo em vista competir-lhe as decisões acerca de como e onde utilizar todos os recursos destinados ao município.

Desta forma, têm-se que, na órbita criminal, existe o Decre-to-lei nº �01, de �7 de fevereiro de 1967, o qual trata dos crimes de responsabilidade de Prefeitos e Vereadores, bem como das infrações político-administrativas. Impondo registrar, contudo, a impropriedade da definição legal, porquanto a norma definiu como crime de responsabilidade o que é crime comum, inclusive pre-vendo ali mesmo que o julgamento compete ao Poder Judiciário�7. Não se podendo, outrossim, deslembrar das infrações catalogadas

pela Lei nº 8.666, de �.7.199�, que instituiu normas para licitações e contratos da Ad-ministração Pública, sendo mais conhecida como a Lei das Licitações�8.

As previsões dos crimes e respectivas sanções, quer se trate de crime comum quer de crime de responsabilidade - infrações político-administrativas -, contidas no Decreto-lei e na Lei das Licitações men-cionados, revelam que, se não há punição, não se pode, honestamente, atribuí-la à falta de norma legal. Pode-se, a bem da verdade, reconhecer que o que acontece é, de fato, a ineficácia das normas sancionadoras em comento, tendo em vista a realidade demonstrar que os casos de condenação ocorridos, em confronto com o número de fraudes que se conhece – para falar apenas no que é divulgado -, é desalentador. Vale dizer, pode-se procurar em qualquer outro lugar ou em outros fatores os motivos para

a não responsabilização penal dos Prefeitos, mas, não há cabida para se alegar ausência de normatividade.

A responsabilidade civil se acha vinculada à ação ou omissão, dolosa ou culposa, que cause dano a outra pessoa. Ela consiste na obrigação de reparar economicamente o dano produzido, daí que sua natureza é essencialmente patrimonial. O Código Civil brasileiro dispõe que, aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano�9.

Quando se cuida de responsabilidade civil, está-se falando de indenização pelos prejuízos sofridos, quer seja de ordem econô-mica quer de ordem moral, vez que ambas as hipóteses ensejam o pagamento de um valor econômico a título de ressarcimento. Nesse caso, não se há de falar em punição outra que não seja de natureza pecuniária.

Naturalmente que os Prefeitos Municipais, a exemplo de qual-quer outra pessoa, podem ser obrigados a reparar os danos que

“...esta Lei [Lei 8.��9/9�] é a maior conquista, depois da

Constituição, que se conseguiu obter para combater os atos de

improbidade administrativa, em face de sua abrangência alcançar todos os agentes

públicos, desde o Presidente da República até o mais humilde servidor, ou, mesmo, o terceiro

estranho ao serviço público mas que induziu ou concorreu para a prática da improbidade

ou dela se beneficiou.”

�1Setembro / �007 Boletim dos Procuradores da República n° 76

A responsabilidade dos prefeitos pelo desvio das transferências intergovernamentais

vierem a causar a terceiros, diretamente, se se tratar de questões não relacionadas como o exercício do mandato, agora, se for decorrente de atos pertinentes ao exercício do cargo de Prefeito, responderá apenas se tiver agido com dolo ou culpa, em ação de regresso, isto porque, há previsão expressa na Constituição Federal(art. �7, § 6º), assim como no Código Civil(art. ��, do novo CC),acerca da responsabilidade objetiva do Estado�0.

Para haver a responsabilização por atos de improbidade administrativa, mister se faz que o Prefeito viole qualquer dos princípios da administração contidos no art. �7 da CF, ou, pratique quaisquer dos atos previstos na Lei nº 8.��9/9�(Lei da Improbi-dade Administrativa).Com efeito, esta lei veio regulamentar o § �º do multicitado art. �7 da Constituição Federal, trazendo o arcabouço jurídico necessário para haver a efetiva tutela do prin-cípio da probidade, bem como a defesa do patrimônio público e, por conseguinte, da responsabilização dos agentes públicos pela prática de atos de improbidade administrativa.

É ponto pacífico que entre as esferas de responsabilização dos agentes públicos tradicionalmente conhecidas (criminal, civil e político-administrativa) existem nítidas distinções, uma vez que cada uma delas possui características próprias e efeitos peculiares que demonstram claramente que não se confundem. Igualmente se pode dizer o mesmo acerca da responsabilização pela prática de atos de improbidade administrativa, pois o agente público ímprobo fica sujeito a sanções que não existem em quaisquer outras das esferas referidas, tais como a multa civil, a suspen-são dos direitos políticos e a proibição de contratar com o poder público. Quer dizer, responsabilizar o agente público por impro-bidade administrativa é atribuir-lhe sanções distintas das demais esferas de punição, daí sua autonomia em relação àquelas, o que não quer dizer, porém, que com as mesmas não se comunica.

Existe uma consciência generalizada acerca dos efeitos positivos que a supraci-tada Lei veio trazer para o enfrentamento da corrupção na administração, considerando-se que, antes dela, não obstante a existência de várias normas tutelando os interesses públicos, praticamente não se ouviam sequer notícias de apura-ção de fraudes que, muito embora fossem de público e notório conhecimento, ninguém ousava apontar o gestor responsável. De fato, esta Lei é a maior conquista, depois da Constituição, que se conseguiu obter para combater os atos de improbidade admi-nistrativa, em face de sua abrangência alcançar todos os agentes públicos, desde o Presidente da República até o mais humilde servidor, ou, mesmo, o terceiro estranho ao serviço público, mas que induziu ou concorreu para a prática da improbidade ou dela se beneficiou.

Forçoso é convir, porém, que hoje o cenário nacional é outro, em decorrência da própria Constituição Federal, chamada de Constituição-cidadã, precisamente por ter se preocupado, de modo

especial, com a cidadania e resgatado valores que se encontravam entorpecidos pela decepção, pelo desânimo de não ver acontecer nenhuma conseqüência aos corruptos e corruptores da moralida-de administrativa. Acresça-se que a nova configuração dada ao Ministério Público (arts. 1�7 e 1�9, CF)�1, atribuindo-lhe poderes para atuar em defesa das liberdades públicas, como representante da sociedade em seus mais relevantes interesses, bem como com a incumbência de fiscalizar e defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis, bem assim exercer o controle externo da atividade policial, pro-teger o patrimônio público e social e a tutela dos direitos difusos e coletivos revela, sem sofismas, que a Instituição foi elevada a nível de inimigo número um dos violadores – corruptos e cor-ruptores – da moralidade administrativa, missão esta que vem desempenhando, na sua esfera de atribuições, com satisfatórios e animadores resultados, não obstante os imensos obstáculos a superar e o longo caminho ainda a percorrer.

Pois bem, a sociedade tem o direito de pedir, aos agentes pú-blicos que apresentem as contas de sua administração, pois, como é de curial sabença, tais agentes são meros “administradores” dos bens de outrem, e quem representa alguém deve-lhe prestar contas de sua representação. Vale dizer, o agente público exerce

uma atividade “delegada” pelo legítimo titular (o povo), a quem deve explicações sobre sua atuação.

Essa exigência de prestar contas há mui-to foi percebida pela comunidade mundial, tendo restado fixado expressamente já em 1789, no artigo 1� da Declaração dos Di-reitos do Homem e do Cidadão, enquanto no seu artigo 12 ficou dito, também, que a conduta do administrador deve ser pautada no sentido do agir com zelo no interesse de todos e não como instrumento de utilidade particular daquele a quem foi confiada a gestão. Disso extrai-se, por evidente, que, se a todo direito corresponde uma obrigação, ao direito da sociedade exigir a prestação de contas corresponde o dever do agente público prestá-la, e, em decorrência, a pos-sibilidade de sua responsabilização.

José Alfredo de Oliveira Baracho afir-ma, com a peculiar autoridade, o quanto possui de relevância para o País esse instrumento de defesa da moralidade, asseverando que “A Lei nº 8.��9 teve como objetivo combater a desenfreada corrupção que ocorre no seio da administração pública nacional, aparelhando o ordenamento jurídico com mais este instrumento legal, que se destina, por meio de sanções penais, disciplinares e civis, a reprimir atos de improbidade que constituam enrique-cimento ilícito, dano ao erário ou afronta aos princípios da res publica”. Mais adiante deixa consignado, “Esta Lei é um dos su-portes das práticas de moralidade administrativa, daí o significado de sua importância para abranger as hipóteses de improbidade administrativa, que se consubstanciam no enriquecimento ilícito, no dano ao erário e na afronta aos princípios da administração

“O Ministro da Controladoria-Geral da União, Jorge Hage Sobrinho, afirmou que mais de 80% (oitenta por cento)

dos Prefeitos roubam os cofres públicos. (...) De 5,5

mil municípios do País, 1041 já foram investigados, isto é,

cerca de 20% (vinte por cento) do total, e foi encontrada corrupção em cerca de

80% (oitenta por cento) dos municípios auditados.”

Boletim dos Procuradores da República n° 76�� Setembro / �007

A responsabilidade dos prefeitos pelo desvio das transferências intergovernamentais

pública(...)Viu-se, na mencionada lei, um instrumento para o controle de todas as manifestações administrativas incorretas, bem como das formas de corrupção. A doutrina reconheceu que havia necessidade de uma lei que punisse os maus administra-dores públicos, como instrumento necessário a uma democracia autêntica e responsável”��.

O fundamento para a punição dos violadores (ímprobos) dos princípios administrativos encontra-se no § �º, do art. �7, da CF, originando-se desse dispositivo a Lei nº 8.��9/9�, cujas normas acham-se em perfeita sintonia com o mandamento da Lei Maior, daí que não há como recusar-lhe aplicação. Mas, nada obstante a legitimidade da supracitada norma legal, constata-se que, na prática, os resultados são poucos, haja vista que há enormes di-ficuldades para a obtenção de condenações judiciais de gestores ímprobos, a despeito das evidências e das provas apresentadas desautorizarem decisões absolutórias. Esse fenômeno tem-se verificado por vários motivos, porém, um deles pode ser mencio-nado com segurança, porquanto parece ser o de maior incidência – isso, naturalmente, quando não há, por parte do julgador, a firme intenção de “não decidir” -, que é o sempre alegado “rigor exces-sivo” das sanções legais, havendo verdadeira inversão de valores, transformando o acusador em réu e vitimizando o ímprobo. É, com absoluta certeza, uma cultura que ainda vai demorar a ser rompida para que tenhamos, de verdade, uma Democracia Cidadã.

A mencionada Lei da Improbidade agrupou as sanções des-tinadas às várias formas de violação à probidade administrativa, elencando-as em três tipos, segundo aferição de José Roberto Pi-menta Oliveira: atos de improbidade administrativa que importam em enriquecimento ilícito(art. 9º – conduta de auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício do cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1º), atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário 9art. 10 – qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apro-priação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas o art. 1º) e atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública (art.11 – qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições). Para cada espécie instituiu a lei um rol exemplificativo de hipóteses43.

Exemplar e didaticamente Marino Pazzaglini Filho et alli sintetizou as espécies de sanções prevista na referida Lei, que vale a pena adiante conferir:

“I – positivada a efetiva lesão ao patrimônio público em razão de qualquer ato de improbidade(arts.9º,10 e 11)cometido pelo agente público e/ou terceiro, dar-se-á a integral reparação do dano(art.5º), sendo imprescritível a ação civil pública que tenha por objeto o ressarcimento do dano causado ao Erário por força de mandamento constitucional(art.�7,§ 5º,da CF);II – comprovado o enriquecimento ilícito do agente público e/ou de terceiro resultante de qualquer ato ímprobo(arts. 9º, 10 e 11), perderão os beneficiados indevidamente todos os bens ou valores acrescidos ilicitamente a seu patrimônio; III -provada a ocorrência de qualquer ato de improbidade

(arts. 9º,10 e 11), dar-se-á a perda da função pública do agente público ímprobo;IV – demonstrado qualquer ato de improbidade cometido pelo agente público, aplica-se a cominação de suspensão dos direitos políticos na seguinte gradação: de oito a dez anos na hipótese do art. 9º, de cinco a oito anos, na do art. 10 e de três a cinco anos na do art. 11, que deve ser individualizada, pelo judiciário, de acordo com a gravidade do ato ímprobo praticado;V – constatado qualquer ato de improbidade, impõe-se multa civil, graduada segundo a gravidade do ato, observada a seguinte escala: de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial ilícito na hipótese do art. 9º, de até duas vezes o valor do dano na do art. 10 e até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente público ímprobo na do art. 11;VI – verificado qualquer ato de improbidade, incide a cominação de proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios e incentivos, ainda que via pessoa jurídica da qual seja sócio, por 10 anos na hipótese do art. 9º, cinco anos na do art. 10 e três anos na do art. 11”��.Como visto, não mais pode pairar qualquer discussão acerca

da possibilidade de ser apenado judicialmente o agente público ímprobo, levando-se em consideração que o Judiciário pode, diante dos princípios constitucionais e legislação infraconstitu-cional autorizadores, inclusive, consoante autorizadas e reiteradas doutrina e jurisprudência, adentrar a análise da discricionariedade administrativa para aferir os seus limites e se foram respeitados, e, caso constate o excesso, responsabilizar o infrator por desvio de poder.

Em face do contexto normativo atual e diante do descalabro de administradores públicos desonestos, a sociedade brasileira tem mostrado que está acordando da sua letargia e tem revelado certa indignação com a corrupção cínica que permeia todos os setores públicos, passando a exigir – ainda que em níveis bastante abaixo do necessário para fazer acontecer – das autoridades responsáveis pela fiscalização e aplicação da lei, medidas eficazes que venham de fato punir, e por seu turno, coibir a continuidade das fraudes contra a moralidade administrativa.

Do quanto vimos até aqui, é possível afirmar que o dever de respeitar os princípios administrativos dirige-se a todos os agentes públicos, consubstanciando-se em obrigação de bem administrar os bens e interesses que a sociedade lhes confiou, achando-se os Prefeitos Municipais em posição bastante destacada, porquanto a eles são delegados extensos poderes para administrar recursos e encontrar soluções para os problemas imediato e mediato da co-munidade que lhe cerca. As normas legais aplicáveis aos Prefeitos Municipais em caso de crime, de infrações político-administravas – crime de responsabilidade – e infrações à moralidade adminis-trativa – improbidade – já foram antes destacadas, pelo que resta tão-somente averbar, neste azo, que, qualquer infração cometida por Gestores Municipais encontra enquadramento legal, não sen-do por falta de lei que ficarão impunes, restando apenas que se aplique, que se dê eficácia às normas existentes, e, dessa forma, seguramente se conseguirá transformar nossa triste estatística de

��Setembro / �007 Boletim dos Procuradores da República n° 76

A responsabilidade dos prefeitos pelo desvio das transferências intergovernamentais

ser um dos países mais corruptos do mundo.Ao ser investido no mandato e receber os poderes que lhe são

inerentes, o Prefeito assume o compromisso de bem administrar, carecendo de desenvolver todos os esforços na busca de melhor equacionar os recursos e os instrumentos existentes, destinando-os ao atendimento das necessidades sociais, priorizando aquelas que exigem providências imediatas. Quando assim não procede, comporta-se com desvio de finalidade na condução da gestão pública, devendo ser-lhe aplicadas as sanções preconizadas pelas normas legais de regência, inclusive afastando-o do cargo que demonstrou não possuir dignidade para ocupá-lo.

Quando cuidamos das transferências intergovernamentais, vimos que os Municípios recebem recursos transferidos de duas formas diferentes: uma, decorrente das transferências obrigatórias e automáticas, que é a do Fundo de Participação dos Municípios, e, outra, originária de convênios ou subvenções, ou, ainda, de outras formas que eventualmente a lei possa prever. Foi visto, também, que, para as transferências relativas ao FPM, a fiscalização pela sua aplicação fica a cargo dos órgãos estaduais e municipais(Conselho de Contas dos Municípios, Câmara de Vereadores e Ministério Público Estadual), em virtude do entendimento pacificado acerca de que, por não possuírem qualquer vinculação com determina-do projeto ou atividades específicas onde deverão ser empregadas, passa a integrar o patrimônio da entidade subnacional e, assim, tais recursos pertence-lhe integral e privativamente, deixando, por conseguinte, de ser responsabilidade da União acompa-nhar sua regular utilização.

Agora, quando se trata de transferên-cias distintas das do FPM, ou seja, quando decorrem de convênios ou subvenções e os recursos são federais, a competência para fiscalizar e aplicar sanções permanece com os órgãos da União Federal. Desta forma, inúmeros Prefeitos Municipais já foram alvos de fiscalização, quer pelos órgãos que lhes repassaram os recursos quer pelo Tribu-nal de Contas da União-TCU. A par disso, após a criação da Controladoria- Geral da União-CGU e a adoção por esta da sistemá-tica dos Sorteios, os Municípios passaram a ser alvo de maior e intenso controle, eis que os técnicos vão in loco averiguar a re-alidade, ouvindo pessoas e conferindo se, realmente, os recursos foram corretamente aplicados no objetivo proposto e autorizado.

Fiscalizar preventivamente a aplicação dos recursos públicos seria o ideal, contudo, forçoso reconhecer que inexistem meca-nismos ou instrumentos capazes de permitir o acompanhamento desde a transferência até o emprego no destino final. Dessa forma, o controle acontece de forma bastante frágil, quase sempre a posteriori, ensejando, por via de conseqüência, tão-só uma ação de improbidade e, ainda, mas de maneira muito tímida, uma ação de reparação de dano em face dos prejuízos causados. As

ações de improbidade são, na quase totalidade, promovidas pelo Ministério Público, sendo raras as hipóteses que se tem notícia de haver a pessoa jurídica interessada ajuizado a ação, em obediência ao art. 17, da mencionada Lei nº 8.��9/9�. Já em relação a ação de ressarcimento do dano – a qual a Constituição estabelece ser imprescritível�5 -, compete à Fazenda Pública ajuizá-la, como autoriza o § �º do artigo supracitado.

Cumpre observar que os atos de improbidade praticados por Prefeitos Municipais por meio do desvio de recursos percebidos através de transferências intergovernamentais representam um número assustadoramente elevado, estando aí para comprovar essa afirmativa os resultados das fiscalizações empreendidas pela CGU – seus relatórios de fiscalização estão disponíveis no site oficial do órgão -, podendo ser acrescentado, ademais disso, atuações diversas do Ministério Público Federal e Tribunal de Contas da União, muitas delas iniciadas em decorrência de denúncias rece-bidas de pessoas da comunidade.

O Governo Federal transfere, anualmente, cerca de �5 bilhões de reais para que os 5.560 municípios brasileiros desenvolvam os programas de saúde, educação e saneamento básico, porém, o que tem sido constatado, especialmente com o trabalho da CGU, é que boa parte desses recursos é desviada, na maioria dos casos

em benefício dos Prefeitos. Apenas para se ter uma idéia do quanto é grande o volume de recursos transferidos, bem como do montante dos prejuízos decorrentes das fraudes perpetradas, numa investigação da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União em Pernambuco, deflagada no dia 1� de novembro de �006, denominada de OPERAÇÃO ALCAIDES, foi estimado um prejuízo na faixa de mais de 18 milhões de reais. Enquanto um outro Prefeito, no Município de Placas/Pará, deixou de comprovar gastos superiores a � milhões de reais do FUNDEF, durante os anos de �00� e �00�.

O economista Cláudio Ferraz, pesqui-sador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, desenvolve um estudo sobre a corrupção no Brasil para sua tese de doutorado que defenderá na Universidade da Califórnia – Berkeley, dos Estados Uni-dos, e para tanto tem analisado os relatórios de fiscalização da CGU, de onde extraiu

que, em 7�% dos municípios auditados nos primeiros nove sor-teios, foi detectada algum tipo de fraude relacionada com recursos federais repassados entre �001 e �00�. Constatou o pesquisador que as áreas mais afetadas pela corrupção estão centradas na saúde e educação, concluindo que isso se deve ao fato desses setores terem sido descentralizados na década de 80. Outro destaque da pesquisa é que o índice de corrupção é ��% mais alto nos Muni-cípios em que os Prefeitos foram reeleitos�6.

Quem se der ao trabalho de visitar o site da CGU - www.portaldatransparencia.gov.br - terá a oportunidade de conhecer de

“...as ilegalidades mais apontadas são: indevida dispensa ou simulação de

licitação; gastos com notas fiscais frias; simulação de pagamentos; empresas de

fachada para burlar o processo licitatório; aplicação dos

recursos em serviços ou obras sem qualquer utilidade (no

Tocantins, uma ponte no meio do matagal) ou diversa da que deveria; e, não comprovação, simplesmente, da aplicação

dos recursos.”

Boletim dos Procuradores da República n° 76�� Setembro / �007

A responsabilidade dos prefeitos pelo desvio das transferências intergovernamentais

perto o extraordinário volume de recursos transferido e a extensão das fraudes detectadas pela fiscalização, algumas delas raiando ao folclore ou absurdamente inacreditáveis. O Ministro da Controla-doria-Geral da União, Jorge Hage Sobrinho afirmou que mais de 80% (oitenta por cento) dos Prefeitos roubam os cofres públicos. Na sua visão, a corrupção no Brasil é cultural, é sistêmica... De 5,5 mil municípios do País, 10�1 já foram investigados, isto é, cerca de �0% (vinte por cento) do total, e, foi encontrada corrup-ção em cerca de 80%(oitenta por cento) dos municípios auditados. Outrossim, de todos os recursos federais transferidos aos municípios, o mais visado pela corrupção é o do FUNDEF.

Há casos que chegam a parecer anedo-tário pelo sua absurdez, conquanto apenas revele a que ponto a impunidade, a certeza de jamais vir a sofrer qualquer censura ou punição leva pessoas a justificar seus atos com argumentos tão patéticos que chega a ofender a inteligência de qualquer um. Os casos a seguir relatados foram colhidos dos sites www.amarribo.org.br e www.fraudes.org.

O Prefeito de um pequeno Município de �0 mil habitantes denominado Ponta de Pedra/Pará que, ao invés de usar o Posto Bancário da mencionada cidade, empreen-dia uma viagem de barco que durava três horas até a Capital(Belém), para ali retirar na agência bancária os recursos municipais, no entanto, em todas as vezes o “coitado foi roubado” e Ponta de Pedras ficou sem seus recursos, não podendo, durante seis meses, pagar os salários de seus servidores.

Outro caso relatado pelo Ministro foi do Município de João Pessoa/PB, onde há 15 anos não era realizada licitação, ou seja, era usado um contrato de 1990, com sucessivos aditivos, sendo que as empresas repassavam, por cessão, o contrato para outras e continuavam realizando as obras indefinidamente. De um total de R$ 50 milhões, 13 milhões se achavam com irregularidades ou em desvio. E o Município de Sabaldia/PR, que chegou à surpreendente e inusitada proeza de publicar um edital de licitação em um único exemplar de um jornal. Ou seja, não foi uma edição, foi apenas um exemplar, o qual foi levado ao processo licitatório para simular regularidade.

O mais impressionante aconteceu no Estado do Maranhão, onde os recursos do FUNDEF serviram para “indenizar” a vir-gindade de uma menor, segundo apurou a CPI do FUNDEF lá instalada no ano de �000�7.

É fato que as fiscalizações desenvolvidas pela CGU têm comprovado incontáveis e variados números de fraudes, impor-tando em volumosos recursos desviados/apropriados sob as mais diversas formas de ilicitudes, todavia, algumas costumam se

repetir em todos os lugares, apresentando-se mesmo como uma espécie de regra básica que todos devem seguir para alcançar os objetivos do enriquecimento ilícito. Assim, as ilegalidades mais apontadas são: indevida dispensa ou simulação de licitação; gastos com notas fiscais frias; simulação de pagamentos; empresas de fachada para burlar o processo licitatório; aplicação dos recursos em serviços ou obras sem qualquer utilidade (no Tocantins, uma ponte no meio do matagal) ou diversa da que deveria; e, não

comprovação, simplesmente, da aplicação dos recursos.

Sem embargo das fiscalizações ocorri-das, devidamente publicadas, e divulgados os resultados das fraudes encontradas, não se vislumbra um quadro animador, consi-derando-se que, em verdade, falta ainda o principal acontecer, que é, induvidosamente, a efetiva e rigorosa punição dos ímprobos, especialmente com a devolução do quanto indevidamente apropriado, acrescido do ressarcimento integral do dano, além das demais sanções de perda do cargo, multa, inelegibilidade e proibição de contratar com o poder público.

Mas, essa perspectiva mostra-se bastan-te remota e a angústia da sociedade vai per-durar por muito tempo, até que ela própria se conscientize de que só ela(sociedade), com suas pressões e cobranças será capaz de mudar a ordem dos acontecimentos e fazer com que a política e os políticos mudem, as instituições funcionem de fato e a comunidade como um todo supere a cultura da tolerância com os fraudadores ou da indiferença com os danos produzi-dos em prejuízo de todos. Há exemplos pedagógicos de que o grau de organização e consciência da sociedade é determinante para conduzir mudanças e combater a cor-rupção de forma eficiente, como é o caso de Ribeirão Bonito no Estado de São Paulo, onde um grupo de cidadãos se uniu e con-

seguiu provas para expulsar da Prefeitura um gestor desonesto. Fundaram uma ONG denominada Amigos Associados de Ribeirão Bonito – AMARRIBO, elaboraram uma Cartilha denominada O COMBATE À CORRUPÇÃO nas Prefeituras do Brasil, que tem servido de referência para todos que desejam compreender e aprender como é possível lutar e vencer este mal que atormenta os homens de bem deste País�8.

Sem dúvida há falta de eficácia para a Lei da Improbidade no que diz respeito aos Prefeitos, e, para se comprovar isso, basta que se faça uma pesquisa na jurisprudência que se verá a quase ausên-cia de decisões acerca desses fatos. Porém, não cremos que seja por falta de iniciativa, pois, apenas a título de exemplo, podemos citar a situação do Ceará, onde o Ministério Público Federal promoveu, entre os anos �000 e �006, noventa e uma Ações de Improbidade

“Sem dúvida há falta de eficácia para a Lei da

Improbidade no que diz respeito aos Prefeitos, e, para

se comprovar isso, basta que se faça uma pesquisa na jurisprudência que se verá a quase ausência de decisões acerca desses fatos. Porém,

não cremos que seja por falta de iniciativa, pois, apenas a título de exemplo podemos

citar a situação do Ceará, onde o Ministério Público Federal promoveu, entre os anos 2000 e 2006, noventa e uma Ações

de Improbidade Administrativa contra Prefeitos Municipais, das quais apenas nove foram

julgadas até o momento, sendo que, em apenas duas houve condenação e ainda estão pendentes de recursos.”

�5Setembro / �007 Boletim dos Procuradores da República n° 76

A responsabilidade dos prefeitos pelo desvio das transferências intergovernamentais

Administrativa contra Prefeitos Municipais, das quais apenas nove foram julgadas até o momento, sendo que, em apenas duas houve condenação e ainda estão pendentes de recursos.

7. CONCLUSÃO

Sem embargo da farta legislação destinada ao combate da cor-rupção, ainda não temos, lamentavelmente, muito a comemorar, na medida em que não se conseguiu, de fato, concretizar as normas legais sancionadoras das violações à moralidade administrativa e ao patrimônio público. Essa ausência de eficácia das normas constitucionais e infraconstitucionais deve-se a vários fatores, no entanto, um se revela mais preponderante e enseja a convicção acerca da sua decisiva influência para o crescimento incontrolável da corrupção.

André de Carvalho Ramos alerta para esse aspecto extrema-mente relevante, lembrando Seabra Fagundes que, nos idos de 1986 já demonstrava a perfeita percepção desse fenômeno sempre crescente quando assegurou “(...)a freqüência e as dimensões com que a corrupção se projeta, das facilidades pequenas aos grandes escândalos, reflete, em geral, o baixo teor de moralidade das elites dirigentes. (...)Uma das marcas do clima de corrupção está mesmo na indulgência generalizada para com os usufrutuários dos dinheiros públicos e os artífices ou agentes de negócios(comissões na obtenção ou concessão de empréstimos; fraude na licitação de obras, serviços, etc.; comissões sobre pagamentos feitos pelo Poder Público etc.), tantas vezes notoriamente conhecidos, mas sempre escaros à ação da lei, e até aceitos cordialmente, ainda com direito à presença nas colunas do society. (...)o slogan – ‘rouba mas faz’ – é anunciado com bonomia, ainda que sem a ratificação do aplauso, para referir admiradores eficientes, porém de duvidosa honestidade”, e a final André de Carvalho Ramos sustenta que essas conclusões permanecem atuais, vez que cultiva-se a cultura da improbidade, que torna cinzenta a distinção do público e do privado estimula o individualismo sem freios, minando qualquer esperança de um projeto comum e democrático de desenvolvi-mento de toda a sociedade”�9.

Como o raciocínio supra se mostra estreme de dúvidas e não discrepa, em absoluto, da realidade atual, força é convir que somente a participação da sociedade, no exercício pleno da sua cidadania, cobrando responsabilidades de todas as esferas do poder estatal, será capaz de fazer valer a Constituição e as leis do País. Somente uma sociedade consciente e organizada terá forças para impulsionar mudanças, até mesmo em níveis culturais, não bastando, como sabido, apenas meras normas legais, visto que podem jamais vir a ter eficácia.

De sorte que, leis as temos em profusão, assim como temos também instituições criadas e mantidas com dinheiro público para fazer cumprir essas normas, contudo, se não estão correspondendo às atribuições assumidas, necessário que haja uma profunda e ho-nesta reflexão, para que seja possível superar a angústia e vencer o medo que domina a todos frente ao avanço da criminalidade permeando o Estado, corroendo suas estruturas e solapando sua segurança.

A sociedade não pode permitir que as autoridades esqueçam que o Legislativo não pode legislar, o Executivo não pode admi-nistrar e o Judiciário não pode julgar de costas para a população. O princípio da supremacia do interesse público há de estar pre-sente em todas as esferas e em todos os atos da Administração Pública.

É preciso ter sempre em mente que os prejuízos causados pelas fraudes na utilização dos recursos transferidos, seja no mais longínquo e inexpressivo município brasileiro, de qualquer modo seus efeitos deletérios serão sentidos por toda a comunidade nacional, considerando-se que, tudo que beneficiar ou prejudicar o município refletirá no restante do país, porque é de evidência inquestionável, por exemplo, que a existência de boas Creches e de boas Escolas mantidas pelo Município é importante para sua população diretamente alcançada, porém, é igualmente importante para as outras entidades federadas, vez que a educação e a proteção a infância é direito do cidadão e dever do Estado.

Notas1 Procuradora da República. Mestranda em Direito Público pela Universidade Federal do Ceará.� Segundo Dalmo de Abreu Dallari essa cultura de confundir o público com o particular foi herdada do período colonial, asseverando que “ Entre os vícios herdados do período colonial, um dos mais graves é a concepção de que os inter-esses privados são sempre absolutamente predominantes, justificando-se, inclu-sive, o uso do governo, do aparato administrativo e de todos os recursos públicos para a satisfação do interesse exclusivo de uma pessoa ou de um grupo da elite. A partir dessa concepção, a organização administrativa e a ocupação de cargos públicos deixaram de obedecer às exigências de racionalidade, de eficiência e de respeito ao interesse público. (...) Vem do período colonial a prática de corromper autoridades públicas para obter proveitos ilegais. Os agentes do rei português estavam fora de vigilância e procuravam enriquecer mediante o uso dos cargos públicos” ( DALLARI, Dalmo da Abreu. Sociedade, Estado e Direito: Camin-hada Brasileira Rumo ao Século XXI. In: MOTA, Carlos Guilherme. Viagem Incompleta: a Experiência Brasileira (1500-2000) a Grande Transação. Ed. SENAC, São Paulo �000, p. ��9, Apud GARCIA, Mônica Nicida. Responsabili-dade do Agente Público. Belo Horizonte/ Editora Fórum, �00�, p. 67-68� HABIB, Sérgio. Brasil: Quinhentos Anos de Corrupção. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Ed., 199�, p. �6-�7.� Arts. 156, 158 e 159.Art. 3º – Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Bra-sil:I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;II – garantir o desenvolvimento nacional;III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.5 Norberto Bobbio, citado por Fábio Medina Osório, observa, a propósito, que: “ Entre os muitos efeitos deletérios da politização da vida está a indiferença moral (...), pois a virtude do político nada tem a ver com a virtude de que falam os moralistas. Ela é a capacidade de atingir os efeitos pretendidos. E o que é o poder senão o conjunto dos meios idôneos para se atingir os efeitos pretendidos? (...) Uma vez que aceitamos raciocinar segundo a ética do resultado, o que interessa não é se tal ação foi praticada respeitando ou transgredindo algumas normas consideradas universalmente como normas do bom comportamento, mas apenas se foi coroada de êxito” (OSÓRIO, Fábio Medina. Improbidade Administrativa – Observações sobre a Lei 8.429/92, �. ed. rev. , ampl. e atulizada. Porto Alegre:

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A responsabilidade dos prefeitos pelo desvio das transferências intergovernamentais

Editora Síntese, 1998, p. 17.6 ROCHA, Cármem Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administra-ção Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 199�, pp. �00-�01.7 OSÓRIO, Fábio Medina, op. cit., p. 16.8 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário.�. ed. rev., amplia. e atual. pela CF de 1988. São Paulo: Malheiros, 199�, p. ��1-���.. 9 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Ed., �00�, p. 707.10 Art. 157. Pertencem aos Estados e ao Distrito Federal:I – o produto da arrecadação do imposto da União sobre a renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem;II – vinte por cento do produto da arrecadação do imposto que a União instituir no exercício da competência que lhe é atribuída pelo art. 15�, I.Ademais, prevê, ainda, no art. 15�, § 5º, inc. I, a participação no percentual de �0% (trinta por cento) do IOF incidente sobre operações com ouro, como tam-bém, 10% (dez por cento) da arrecadação do IPI, proporcionalmente ao valor das respectivas exportações de produtos industrializados – art. 159, II.Art. 158. Pertencem aos Municípios:I – o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem ou mantiverem;II – cinqüenta por cento do produto da arrecadação do imposto da União sobre a propriedade territorial rural, relativamente aos imóveis neles situados, cabendo a totalidade na hipótese da opção a que se refere o art. 15�, § �º, III;III – cinqüenta por cento do produto do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre a propriedade de veículos automotores licenciados em seus ter-ritórios;IV – vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de ser-viços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.Parágrafo único. As parcelas de receita pertencentes aos Municípios, menciona-das no inciso IV, serão creditadas conforme os seguintes critérios: I – três quartos, no mínimo, na proporção do valor adicionado das operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas em seus territórios;II – até um quarto, de acordo com o que dispuser lei estadual ou, no caso dos Territórios, lei federal.Há, por outro lado, a previsão de 70% (setenta por cento) do IOF incidente sobre operações com ouro – art. 15�, § 5º, I, e , �5%(vinte e cinco por cento) dos recur-sos que os Estados receberem (dez por cento)a título de IPI – art. 159, § �º. 11 Art. 159. A União entregará:I – do produto da arrecadação dos impostos sobre a renda e proventos de qualquer natureza e sobre produtos industrializados, quarenta por cento na seguinte for-ma:a) vinte e um inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal;b) vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento ao Fundo de Participação dos Municípios;c) três por cento, para aplicação em programas de financiamento ao setor produ-tivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, através de suas instituições financeiras de caráter regional, de acordo com os planos regionais de desenvolvi-mento, ficando assegurado ao semi-árido do Nordeste a metade dos recursos des-tinados à região, na forma que a lei estabelecer.1� Lei nº 7.827/8Art. 5º. Para efeito de aplicação dos recursos entende-se por:I – Norte, a região compreendida pelos Estados do Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Roraima, Rondônia e Tocantins;II – Nordeste, a região abrangida pelos Estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia, além da parte do Estado de Minas Gerais incluída na área de atuação da SUDENE;III – Centro-Oeste, a região de abrangência dos Estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Distrito Federal;IV – semi-árido, a região inserida na área de atuação da Superintendência de De-

senvolvimento do Nordeste – SUDENE, com precipitação pluviométrica média anual igual ou inferior a 800mm (oitocentos milímetros), definida em portaria daquela Autarquia.Art. 6º. Constituem fontes de recursos dos Fundos Constitucionais de Financia-mento do Norte, Nordeste e Centro-Oeste:I – �% (três por cento) do produto da arrecadação do imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza e do imposto sobre produtos industrializados, entregues pela União, na forma do art. 159, inciso I, alínea c, da Constituição Federal, distribuídos da seguinte forma: a) 0,6% (seis décimos por cento) para o Fundo Constitucional de Financiamento do Norte;b) 1,8 (um inteiro e oito décimo por cento) para o Fundo Constitucional de Fi-nanciamento do Nordeste;c) 0,6 (seis décimos por cento) para o Fundo de Financiamento do Centro-Oeste.II – os retornos e resultados de suas aplicações;III – o resultado da remuneração dos recursos momentaneamente não aplicados, calculados com base em indexador oficial;IV – contribuições, doações, financiamentos e recursos previstos em lei.1� CONTI, José Maurício. Federalismo Fiscal e Fundos de Participação. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, �001, pp. 75-76. 1� Art. 161, II. Cabe à lei complementar:I (...)II – estabelecer normas sobre a entrega dos recursos de que trata o art. 159, especialmente sobre os critérios de rateio dos fundos previstos em seu inciso I, objetivando promover o equilíbrio sócio-econômico entre Estados e entre os Municípios.15 Cf. arts. 70 a 75, da Constituição Federal.16 Como destaca José Maurício Conti , “Portanto, no caso dos recursos dos Fun-dos de Participação, a fiscalização deve ser exercida dentro da respectiva área de atuação, observando-se as fases que integram a repartição de receitas por meio dos Fundos de Participação. Os recursos dos Fundos de Participação são desti-nados aos Estados, Distrito Federal e Municípios, e por isto devem ser objeto de acompanhamento por parte de órgãos de controle interno e externo em cada uma destas esferas de governo, os quais continuarão a exercer a fiscalização sobre a adequada aplicação dos recursos deles oriundos. Mas deixam de ser recursos federais, submetidos à fiscalização do TCU” (CONTI, José Maurício. Federal-ismo Fiscal e Fundos de Participação..., p. 108).17 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Trad. de Regina Lyra. �. tiragem. Rio de Janeiro: Campus, �00�, p. �5.18 Art. 5º, XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos infor-mações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo legal (quinze dias), sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;XXXIV- são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:a) o direito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra ile-galidade ou abuso de poder;b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;c) a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a di-reito;LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado parti-cipe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente a ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência...19 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 17 ed. atu. São Paulo: Malheiros, �005, p. �79 e �86. �0 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Fo-rense, �00�, p. ���.�1 CANOTILHO, JJ. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. �. ed. Coimbra: Almedina, 1999, p. 1086. �� MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 1�.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros Ed., �000, p. 7�7-7�8. �� MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit., p. ��.

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A responsabilidade dos prefeitos pelo desvio das transferências intergovernamentais

�� Na antiguidade, Aristóteles já percebera que a falta de ética residia na gestão da coisa pública ao afirmar que as três espécies de constituições ensejavam perversões, dando-se, por exemplo, a degeneração da aristocracia em oligarquia, em virtude da maldade dos governantes, que distribuíam sem eqüidade os bens da cidade, e todas ou a maior parte das coisas boas destinavam a si mesmos, e as magistraturas ficavam sempre nas mãos das mesmas pessoas, privilegiando-se acima de tudo a riqueza, e assim os governantes são poucos e maus, em vez de serem os melhores entre os homens (Ética a Nicômaco. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, �006, Coleção Obra Prima de cada Autor, Livro VIII, p. 186.�5 BRANDÃO, Antônio José. Moralidade Administrativa. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Renovar, v. �5, p. �57-�58. �6 DI PIETRO, Marya Sílvia Zanella. Direito Administrativo. 1� ed. São Paulo: Atlas, �000, p. 79-80.�7 MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade Administrativa. �. ed. São Paulo: Saraiva, �00�, p. �1.�8 PAZZAGLINI FILHO, Marino. ELIAS ROSA, Márcio Fernando e FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade Administrativa: Aspectos Jurídicos da Defesa do Patrimônio Público. �. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 1�, destacam que a impro-bidade administrativa tem como peculiaridade seu grave potencial lesivo. Mais que sua nociva repercussão sobre a vida social, pelo mau exemplo que dissemina e pelo rótulo de descrédito que aplica à classe dirigente, agride agudamente os princípios nucleares da ordem jurídico-constitucional positiva.�9 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. Cit. p. 79.�0 MARTINS JR., Wallace Paiva, op. cit., p. �1.�1 Art. 37. § 4º – os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.�� FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade Administrativa: comentários à Lei 8.429/92 e legislação complementar. �. ed. atual. e amplia. São Paulo: Malhei-ros, 1998, pp. �0 e ��.�� FREITAS, Juarez. O Controle dos Atos Administrativos e os Princípios Fun-damentais. �. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, pp. 69 e 99.�� MARTINS JR., Wallace Paiva. op. cit., p. 100-101. �5 GARCIA, Mônica Nicida. Responsabilidade do Agente Público. op. cit. p. ��.�6 Cf. Art. 37, § 4º , CFArt. 12, Lei nº 8.429/92 – Independentemente das sanções penais, civis e ad-ministrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:�7 Art. 1º – São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipais, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:I – apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-las em proveito próprio ou alheio;II – utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos;III – desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas;IV – empregar subvenções, auxílios, empréstimos ou recursos de qualquer na-tureza, em desacordo com os planos ou programas a que se destinam;V – ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei, ou realizá-las em desa-cordo com as normas financeiras pertinentes;VI – deixar de prestar contas anuais da administração financeira do Município à Câmara de Vereadores, ou ao órgão que a Constituição do Estado indicar, nos prazos e condições estabelecidas;VII – deixar de prestar contas, no devido tempo, ao órgão competente, da apli-cação dos recursos, empréstimos, subvenções ou auxílios internos ou esternos, recebidos a qualquer título;VIII – contrair empréstimos, emitir apólices, ou obrigar o Município por títulos de crédito, sem autorização da Câmara ou em desacordo com a lei;IX – conceder empréstimos, auxílios ou subvenções sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei;X – alienar ou onerar bens imóveis, ou rendas municipais, sem autorização da Câmara , ou em desacordo com a lei;

XI – adquirir bens, ou realizar serviços e obras, sem concorrência ou coleta de preços, nos casos exigidos em lei;XII – antecipar ou inverter a ordem de pagamento a credores do Município, sem vantagem para o erário;XIII – nomear, admitir ou designar servidor, contra expressa disposição de lei;XIV – negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cumprir ordem judicial, sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente;XV - deixar de fornecer certidões de autos ou contratos municipais, dentro do prazo estabelecido em lei.§ 1º Os crimes definidos neste artigo são de ordem pública, punidos, os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de �(dois) a 1�(doze) anos, e os demais, com a pena de detenção, de �(três)meses a �(três)anos.§ 2º A condenação definitiva em qualquer dos crimes definidos neste artigo acar-retará a perda do cargo e a inabilitação, pelo prazo de 5(cinco)anos, para o ex-ercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil do dano causado ao patrimônio público ou particular.Cf. Também o Art. 4º, do mesmo diploma legal – São infrações político-ad-ministrativas dos Prefeitos Municipais sujeitas ao julgamento pela Câmara de Vereadores e sancionadas com a cassação do mandato:I – impedir o funcionamento regular da Câmara;II – impedir o exame de livros, folhas de pagamento e demais documentos que devam constar dos arquivos da Prefeitura, bem como a verificação de obras e serviços municipais, por comissão de investigação da Câmara ou auditoria, regu-larmente instituída;III – desatender, sem motivo justo, as convocações ou os pedidos de informações da Câmara, quando feitos a tempo e em forma regular;IV – retardar a publicação ou deixar de publicar as leis e atos sujeitos a essa formalidade;V - deixar de apresentar à Câmara, no devido tempo, e em forma regular, a proposta orçamentária;VI – descumprir o orçamento aprovado para o exercício financeiro;VII – praticar, contra expressa disposição de lei, ato de sua competência ou omitir-se na sua prática;VIII – omitir-se ou negligenciar na defesa de bens, rendas, direitos ou interesses do Município, sujeitos à administração da Prefeitura;IX – ausentar-se do Município, por tempo superior ao permitido em lei, ou afa-star-se da Prefeitura, sem autorização da Câmara dos Vereadores;X – proceder de modo incompatível com a dignidade e o decoro do cargo.�8 Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:Pena – detenção de �(três) a 5(cinco)anos, e multa;Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou in-exigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro ex-pediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação:Pena -detenção de � (dois) a �(quatro) anos, e multa.Art. 91. Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a Admin-istração, dando causa à instauração de licitação ou à celebração de contrato, cuja invalidação vier a ser decretada pelo Poder Judiciário:Pena -detenção de 6(seis) meses a � (dois) anos, e multa.Art. 92. Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive prorrogação contratual, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos celebrados com o Poder Público, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda, pagar fatura com preterição de ordem cronológica de sua apresentação:Pena – detenção, de �(dois) a � (quatro) anos, e multa.Parágrafo único. Incide na mesma pena o contratado que, tendo comprovada-mente concorrido para a consumação da ilegalidade, obtém vantagem indevida ou se beneficia, injustamente, das modificações ou prorrogações contratuais.Art. 93. Impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedi-mento licitatório:Pena – detenção, de 6(seis) meses a �(dois) anos, e multa.

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Art. 94. Devassar o sigilo de proposta apresentada em procedimento licitatório, ou proporcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo;Pena – detenção, de �(dois) a �(três) anos, e multa.Art. 95. Afastar ou procurar afastar licitante, por meio de violência, grave ame-aça, fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo:Pena – detenção, de � (dois) a � (quatro) anos, e multa, além da pena correspon-dente à violência.Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem se abstém ou desiste de licitar, em razão da vantagem oferecida.Art. 96. Fraudar, em prejuízo da Fazenda Pública, licitação instaurada para aquisição ou venda de bens ou mercadorias, ou contrato dela decorrente:I – elevando arbitrariamente os preços;II – vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deterio-rada;III – entregando uma mercadoria por outra;IV – alterando substância, qualidade ou quantidade da mercadoria fornecida;V – tornando, por qualquer modo, injustamente, mais onerosa a proposta ou a execução do contrato:Pena – detenção, de � (três) meses a 6 (seis) anos, e multa.Art. 97. Admitir à licitação ou celebrar contrato com empresa ou profissional declarado inidôneo:Pena – detenção, de 6 (seis) meses a � (dois) anos, e multa.Art. 98. Obstar, impedir ou dificultar, injustamente, a inscrição de qualquer inter-essado nos registros cadastrais ou promover indevidamente a alteração, suspen-são ou cancelamento de registro do inscrito:Pena – detenção, de 6 (seis) meses a � (dois) anos, e multa.�9 Art. 159, do CC de 1916, correspondendo ao Art. 186, do novo Código Civil – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, vio-lar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.Art. 927. Aquele que, por ato ilícito – arts. 189 e 187 -, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.�0 Art. 37, § 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente respon-sáveis por atos de seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado o direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.�1 Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;II – zelar pelo efetivo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos asseguras nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do pat-rimônio público e social, do amio ambiente e de outros interesses difusos e co-letivos;IV – promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;V – defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;VI – expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competên-cia, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;VII – exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei comple-mentar mencionada no artigo anterior;VIII – requisitar diligências investigatórias e a instrução de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas. �� BARAHO, José Alfredo de Oliveira. O Dever de Probidade e o administrador Público. In SAMPAIO, José Adércio leite; COSTA NETO, Nicolao Dino de

Castro e; SILVA FILHO, Nívio de Freitas; ANJOS FILHO, Robério Nunes dos (Org.). Improbidade Administrativa - 10 Anos da Lei nº 8.��9/9�. Belo Horizon-te: Del Rey, �00�, p. �07-�10�� OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. As Exigências de Razoabilidade/Propor-cionalidade Inerentes ao Devido Processo Legal Substantivo e a Improbidade Administrativa. In: SAMPAIO, José Adércio Leite; COSTA NETO, Nicolao Dino de Castro e; SILVA FILHO, Nívio de Freitas; ANJOS FILHO, Robério Nunes dos (Org.). Improbidade Administrativa - 10 Anos da Lei 8.��9/9�. Belo Horizonte: Del Rey, �00�, p. �05-�06.�� Improbidade Administrativa: Aspectos Jurídicos da Defesa do Patrimônio Pú-blico. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 136-137.�5 Art. 37, § 5º – A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos pratica-dos por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, res-salvadas as respectivas ações de ressarcimento.�6 Cf. Cf. www.desafios.org.br Revista Desafios do Desenvolvimento�7 Cf. www�.uol.com.br – Brasil – Educação. Cadernos do Terceiro Mundo Nº ���, Ano �000. �8 Cf. www.amarribo.org.br�9 RAMOS, André de Carvalho. O Combate Internacional à Corrupção e a Lei da Improbidade. In SAMPAIO, José Adércio Leite; COSTA NETO, Nicolao Dino de Castro e; SILVA FILHO, Nívio de Freitas; ANJOS FILHO, Robério Nunes dos (Org.), op. cit. p. �1-��.

Referências bibliográficas

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A responsabilidade dos prefeitos pelo desvio das transferências intergovernamentais

�9Setembro / �007 Boletim dos Procuradores da República n° 76

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A responsabilidade dos prefeitos pelo desvio das transferências intergovernamentais

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