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1 A RETOMADA DO INSTITUTO SUPERIOR DE ESTUDOS BRASILEIROS PELA MEMÓRIA DE NELSON WERNECK SODRÉ Diego Souza Dolinski. 1 [email protected] Universidade Tuiuti do Paraná. Resumo: Nelson Werneck Sodré foi um dos precursores da análise do Brasil a partir de um referencial teórico marxista. Também destacou-se como importante militante político, o que possibilitou sua participação no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), órgão que durante as décadas de 50 e 60 procurou elaborar uma ideologia nacional-desenvolvimentista. Durante o seu período no ISEB, o historiador desenvolveu um conjunto de obras nas quais procurava reconstruir o passado brasileiro, assim como suas possibilidades de desenvolvimento. Sobressaiu-se igualmente em trabalhos para reformular os cânones de ensino sobre a história nacional. Entretanto, com o golpe de 64, o Instituto foi fechado pelo alinhamento que tinha com o governo deposto, e seus membros foram vítimas de processos que os incriminavam como subversivos. Em função disto, o pensamento de Werneck Sodré acabou sendo criticado – quando não esquecido – nos círculos historiográficos e acusado de esquematismo teórico em suas reflexões. Contudo, a partir dos anos 70, o historiador procurou reverter esta imagem que se difundia a respeito do ISEB e de si mesmo, através de uma série de publicações, entre as quais podemos destacar A Verdade Sobre o ISEB, objeto deste artigo. Palavras chave: Nelson Werneck Sodré, ISEB, nacional-desenvolvimentismo, memória. 1 Aluno da especialização em Patrimônio, Memória e Gestão Documental da Universidade Tuiuti do Paraná. Orientador: Pedro Leão da Costa Neto.

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A RETOMADA DO INSTITUTO SUPERIOR DE ESTUDOS BRASILEIROS PELA MEMÓRIA DE NELSON WERNECK

SODRÉ

Diego Souza Dolinski.1 [email protected] Universidade Tuiuti do Paraná.

Resumo: Nelson Werneck Sodré foi um dos precursores da análise do Brasil a partir de um

referencial teórico marxista. Também destacou-se como importante militante político, o que possibilitou sua participação no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), órgão que durante as décadas de 50 e 60 procurou elaborar uma ideologia nacional-desenvolvimentista. Durante o seu período no ISEB, o historiador desenvolveu um conjunto de obras nas quais procurava reconstruir o passado brasileiro, assim como suas possibilidades de desenvolvimento. Sobressaiu-se igualmente em trabalhos para reformular os cânones de ensino sobre a história nacional. Entretanto, com o golpe de 64, o Instituto foi fechado pelo alinhamento que tinha com o governo deposto, e seus membros foram vítimas de processos que os incriminavam como subversivos. Em função disto, o pensamento de Werneck Sodré acabou sendo criticado – quando não esquecido – nos círculos historiográficos e acusado de esquematismo teórico em suas reflexões. Contudo, a partir dos anos 70, o historiador procurou reverter esta imagem que se difundia a respeito do ISEB e de si mesmo, através de uma série de publicações, entre as quais podemos destacar A Verdade Sobre o ISEB, objeto deste artigo. Palavras chave: Nelson Werneck Sodré, ISEB, nacional-desenvolvimentismo, memória.

1 Aluno da especialização em Patrimônio, Memória e Gestão Documental da Universidade Tuiuti do Paraná. Orientador: Pedro Leão da Costa Neto.

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Introdução:

O presente artigo busca problematizar a memória de Nelson Werneck Sodré

sobre o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) desenvolvida em seu livro A

Verdade sobre o ISEB, de 1978, com o intuito de demonstrar como o autor procedeu em

sua primeira reconstrução sobre a história do Instituto, do qual foi um dos fundadores e

um dos mais proeminentes participantes.

Para analisar este objeto serão usados como referenciais teóricos a obra de

Antonio Gramsci Os Intelectuais e a Organização da Cultura, com o intuito de

problematizar o papel dos intelectuais no contexto brasileiro das décadas de 50 e 60. As

reflexões de Bronislaw Baczko contidas em A Imaginação Social, visando ponderar os

conflitos entre a ação do ISEB e as forças contrárias a ele. E, por fim, o texto Memória

Coletiva e Memória Individual, de Maurice Halbwachs, para questionar a forma como é

apresentada a memória de Sodré a respeito do Instituto.

O artigo é composto de duas partes: a primeira está voltada à contextualização

do período no qual o ISEB surgiu, mostrando quais condições favoreceram a sua

fundação e apresentando uma breve história sobre o Instituto. A segunda parte é

dedicada à reflexão sobre Nelson Werneck Sodré, discutindo a importância de sua obra

dentro do ISEB e como ela se constitui em fonte de memória para a reflexão crítica

sobre o órgão.

O Debate Democrático nos Anos 50 e 60

As décadas de 50 e 60 no Brasil se notabilizaram pelas crises políticas, pelo

fomento da economia industrial, pela ampliação dos direitos sociais dos trabalhadores2,

e pela pressão para o Brasil se alinhar cada vez mais aos anseios do mercado capitalista

norte-americano. Tais fatos transcorreram como resultados da reabertura política pós

Estado Novo – 1937-45 – e das tensões em torno do último governo de Getúlio Vargas

– 1951-54 – que culminou em seu suicídio. No interior deste cenário, diferentes grupos

nacionais organizados: sindicatos, partidos, associações patronais, movimentos

intelectuais, entre outros se mobilizaram para confrontar os seus pensamentos a respeito

dos rumos que o país poderia seguir, buscando romper o estigma de colônia e conseguir

se desenvolver frente às nações hegemônicas do mundo.

2 Para um maior aprofundamento sobre os anos Vargas, consultar De Getulio a Castelo, de Thomas Skidmore (1976), e a coleção História do Brasil, de Boris Fausto (2000).

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Analisando os diferentes grupos em conflito neste período, o sociólogo Caio

Navarro de Toledo (2001) classificou-os, intelectual e politicamente, em cinco blocos,

que foram os principais a conseguir a adesão da sociedade e a disputar a organização do

Brasil. Foram eles, segundo o autor: 1) o bloco dos Liberais – ou Neo-liberais – não-

desenvolvimentistas, industrialistas defensores do legado de Getúlio Vargas que eram

representados pelas siglas da União Democrática Nacional (UDN) e da FGV (Fundação

Getulio Vargas), do Conselho Nacional de Economia e da Associação Comercial do

Estado de São Paulo; 2) o bloco dos Liberais desenvolvimentistas, formado então pelos

burocratas do Estado, avessos ao nacionalismo político. Defendeu a ideia de

desenvolvimento assessorado pelo governo sob a tônica industrialista. Os órgãos mais

representativos dessa coalizão foram o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDE) e

a Comissão Mista Brasil Estados-Unidos3; 3) o bloco dos Desenvolvimentistas

privatistas, externos ao aparelho de Estado, mas defensores do desenvolvimento

autônomo do Brasil por meio do fomento do capital estrangeiro junto à industrialização

nacional. Figurava esta vertente na Confederação Nacional da Indústria (CNI) e no

Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP); 4) o bloco dos

Desenvolvimentistas nacionalistas, que almejavam não apenas o equiparamento

tecnológico nacional em relação às nações do primeiro mundo, mas também a ascensão

intelectual própria do Brasil, ao ponto de se firmar como centro irradiador de uma

cultura autônoma às demais. O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o Centro de

Estudos Políticos da América Latina (CEPAL) 4 e novamente o BNDE5 foram os

grandes expositores deste flanco; 5) o bloco dos Socialistas, defensores do

desenvolvimento nacional, sobre os auspícios das classes trabalhadoras, as quais

necessitavam se elevar conscientemente sobre a sua importância na direção do Brasil,

3 Atuante de 1950 a 1953, segundo Renê Armand Dreifuss (1981) esta comissão teve o objetivo de introduzir no país os preceitos estratégicos do capitalismo, planejando o Estado segundo este sistema econômico. A comissão, em seus estudos, estabeleceu a criação de uma série de organizações, que deveriam agir no cumprimento desta tarefa, como é exemplo o BNDE. 4 Fundada em 1948, a comissão defendeu a ideia de nação como “uma grande associação de pessoas em torno de valores e destinos comuns, e a correspondência dessa nação com o Estado para a formação do moderno Estado-Nação – a condição histórica fundamental do desenvolvimento econômico” (FERREIRA, 2007, p. 202). 5 Neste bloco, o BNDE foi usado como meio de rearticular o aparelho de Estado com os empresários nacionais, procurando acabar com os modelos corporativistas. O bloco dos Desenvolvimentistas nacionalistas também procurou tornar a indústria pública a grande convergente dos investimentos estatais pois, segundo este bloco, isto possibilitaria o estimulo ao capital privado nacional (FAUSTO, 2000).

4

no complexo de todas as instâncias. Foram o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o

Partido Socialista Brasileiro (PSB) os responsáveis por esta visão política.

Já para o historiador Jorge Ferreira, estas forças em conflito podem ser

representadas por duas tendências políticas, que para o autor foram as principais a se

chocarem durante a disputa democrática no Brasil pré 64 (FERREIRA, 2003).

A primeira delas foi a intitulada, desde 1945, de “getulismo”, e logo depois de

“nacionalista”, assim denominada por defender medidas em prol da economia e da

sociedade brasileira a partir das publicações da CEPAL. Não obstante, o nacionalismo

previa o desenvolvimento baseado na industrialização, enfatizando a necessidade de se

criar um sistema econômico autônomo, independente do sistema capitalista

internacional. Isto significava dar ao Estado um papel importante como regulador da

economia e investidor em áreas estratégicas – petróleo, siderurgia, transportes,

comunicações.

A segunda tendência política era de caráter liberal, e surgiu para dar voz aos

grupos desfavoráveis às ideologias populistas6 características, sobretudo do governo

Vargas. Ficou conhecida como “liberal” por sua defesa à abertura irrestrita a

investimentos, empresas e capitais estrangeiros que visassem o máximo lucro de

mercado e a mínima intervenção estatal na economia e nas suas relações de trabalho,

conforme prega o modelo político norte-americano. Intelectualmente, a Escola Superior

de Guerra (ESG) 7 foi a responsável por formalizar os meios necessários para o Brasil se

enquadrar no programa norte americano de desenvolvimento.

Cedendo à ação das “forças liberais”, a política externa nacional nas décadas de

50 e 60 se manteve alinhada aos EUA (VIZENTINI, 2007) para financiar o crescimento

econômico – pautado na exploração do petróleo então carente de bases tecnológicas –, e

também para manter o status-quo dos grupos que continham a hegemonia nacional,

graças à ação de integração da ESG. Entretanto, neste contexto de concomitante

ascensão dos movimentos sociais, surgiu na pauta com a política externa a preocupação

de alcançar certas autonomias, pela ascensão do nacionalismo.

6 Populismo é um termo que começou a ser aplicado na política brasileira a partir de 1942 para caracterizar os líderes do governo que manipulavam os trabalhadores através da propaganda do Estado, como forma de justificar as suas ações (FERREIRA, 2007). 7 Criada em 1949, a instituição nasceu com o objetivo de aproximar as relações entre militares e civis na luta contra o comunismo. Para cumprir esta missão, a ESG dedicou-se a estudos sociais, políticos e econômicos objetivando criar uma ideologia, que seria a responsável por dissolver as discordâncias intelectuais, segundo prega o modelo de Estado americano, onde a mobilização total da sociedade é substrato elementar para a vitória na guerra moderna (FERREIRA, 2003).

5

Estas autonomias surgiriam a partir da reforma do aparelho de Estado, o qual

deveria tornar-se mais racional em relação às demandas da moderna industrialização.

Nesse processo, o governo brasileiro necessitou rever a sua política econômica e inserir

setores técnicos específicos que conseguissem intervir na realidade visando, além disso,

aprofundar as reflexões sobre os problemas nacionais, qualificados então como

sinônimos de atraso (PEREIRA, 2002, p. 48).

Surgiram, portanto, neste contexto, vários projetos oriundos das tendências

nacionalista e liberal que buscavam a criação de grupos gestores do desenvolvimento

nacional que, concomitantemente, conseguissem formar novas elites habilitadas a

assumir a tarefa de construção política de um país moderno – voltado às questões

tecnológicas mais avançadas – e ao mesmo tempo inserir elementos das Ciências

Sociais na formação básica dos cidadãos, uma vez que tal conjunto de conhecimentos

era visto como condição e substrato elementar para a formação de uma Nação nos

moldes das que lideravam o mundo (TAVARES DE ALMEIDA, 1989, p. 41). As

Ciências Sociais assumiam, então, o caráter instrumental de renovar a estrutura social

brasileira, adequando-a às novas necessidades do processo de modernização ocidental.

Contudo, era grande a barreira que impedia a mudança estrutural do país, o que requeria

grande reviravolta de mentalidade e comportamento que permitissem surgir reflexões

voltadas a questões do mundo moderno.

Sob este viés, os pesquisadores das áreas de Ciência Política, Filosofia e História

começaram a inserir em seus estudos a busca por aspectos nacionais significativos, bem

como questionamentos sobre por que não havíamos conseguido desenvolver um

conhecimento mais amplo sobre a realidade brasileira. Buscando sanar estes problemas,

intelectuais ligados aos blocos nacionalistas começaram a se agremiar para fundar

instituições que contribuíssem na construção do “Moderno Estado Nação”. Pois, como

coloca Pereira:

Nos anos cinquenta o problema maior a ser enfrentado pelo Estado não estava apenas na reestruturação do seu aparelho com vistas à intervenção no campo econômico e em outras áreas, como a educação por exemplo. Tratava-se, também, de ampliar os estudos e análises que pudessem dar suporte àquela intervenção (PEREIRA, 2002, p. 48).

No processo de viabilizar o funcionamento de tais órgãos, seus fundadores

conseguiram recursos por meio da influência e poder políticos ou mesmo através de

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contatos internacionais que foram, normalmente, ligados à trajetória de vida de seus

idealizadores. Alguns desses criadores foram também tecnocratas, ou seja, técnicos

contratados pelo Estado, a fim de colocar em prática as medidas que o planejamento

desenvolvimentista precisava. Para o historiador os tecnocratas:

Foram recrutados das fileiras de engenheiros, economistas e advogados, profissionais que não eram, de modo geral, orientados por considerações sociais, mas sim por racionalidade empresarial, eficiência e lucro privado. Esses técnicos prosperariam em um ambiente de desenvolvimento industrial de inspiração empresarial, quanto que reforçariam as demandas e pressões para a implementação de marketing organizado sobre bases nacionais. O planejamento para fins específicos estabeleceria uma “área de ação independente” para o planejador naquela “zona nebulosa que separa o político do burocrata” (DREIFUSS, 1981, p. 76).

Um ponto relevante que as instituições dos anos 50 e 60 compartilharam entre si

foi o desejo de fornecerem substratos para o fortalecimento das indústrias nacionais,

especialmente às vinculadas aos setores energéticos, e de outras que demonstrassem

enfraquecimento por terem somente o apoio da iniciativa privada nacional e estrangeira

(FERREIRA, 2007). Tais iniciativas começavam a destoar do ideário de aliança com o

governo norte-americano que, da mesma forma, sentia mais contundentemente as

ideologias de esquerda no projeto desenvolvimentista do Brasil. Estas ficavam

evidenciadas por meio de mudança, sobretudo nos anos 60, do caráter da economia não

mais assentada nas importações unilaterais. Fala-se então em multilaterização,

fundamentada na indústria nacional8.

Em 1961, a política internacional brasileira criticou os EUA e reatou relações

diplomáticas com diversos países do leste europeu, ao mesmo tempo em que procurou

se reaproximar da URSS. Um fato relevante sobre isso foi o envio, neste mesmo ano de

61, do vice-presidente em exercício João Goulart à República da China, sob o pretexto

de comandar uma missão comercial e diplomática. Na realidade, esta viagem foi a

forma usada pelo então presidente vigente Jânio Quadros para sugerir a sua renúncia –

que segundo suas elucubrações, acabaria não sendo aceita, o que daria margem para que

seus poderes fossem expandidos no executivo. A direita civil e militar aceitou a

renúncia e se revelou contrária ao retorno e posse do vice-presidente. Entretanto, o

grupo favorável ao impedimento não contava com a unanimidade da cúpula militar. No 8 Mais detalhes em Do nacional-desenvolvimentismo na coleção O Brasil Republicano, de Jorge Ferreira (2007).

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Rio Grande do Sul, o comandante do III Exército – general Machado Lopes – declarou

seu apoio à posse de Goulart, que, juntamente com o apoio de Leonel Brizola – então

governador do Rio Grande do Sul – criou a Campanha da Legalidade9 para que Goulart

pudesse assumir a presidência. O desfecho destes acontecimentos foi o “compromisso”

com o Congresso Nacional, que mudou o sistema de governo de presidencialista para

parlamentarista, e tornou possível a posse de João Goulart, com poderes diminuídos em

7 de setembro de 1961.

Durante sua presidência, Goulart fez a política das reformas de base10, usando

para isso o modelo desenvolvimentista de Vargas de ampliação dos investimentos na

infra-estrutura econômica e nos direitos dos trabalhadores. Tais aplicações públicas

tinham como alvo principal o fomento da indústria nacional que, nutrida, conseguiria

sanar os anseios dos blocos nacionalistas, desgostosos com a influência do pensamento

de esquerda na administração de Goulart.

Na década de 60 é contundente a adoção do materialismo histórico (KONDER,

2000) entre os intelectuais como instrumento transformador da estrutura clássica

oligárquica brasileira. Esta linha teórica foi usada por propor a soma da força dos

operários com a burguesia nacional em busca da modernização do Brasil que logo,

receberia reformas substanciais, a fim de tirar o monopólio industrial brasileiro do

comando do capital externo. Este ideal levou a radicalização política dos grupos de

esquerda, os quais, confiantes de sua influência e sistêmica intelectual sobre o Estado,

incitavam um confronto com as alas da direita, ao pressionar o governo a adotar um

regime nacionalista popular. No entanto, as forças de direita já se articulavam para

descontinuar este governo.

Tal contexto levou os setores de direita a articularem o Golpe civil-militar de

1964, arquitetado para barrar o crescimento dos movimentos sociais cada vez mais

presentes dentro da política nacional. Este golpe dirigido pelas forças armadas

distinguia-se das anteriores intervenções militares no governo brasileiro, pelo fato de

não ter sido devolvido à direção do país, aos grupos civis em peleja pela direção da

nação. Isto se deu para pôr fim às disputas entre os blocos políticos alinhados às

9 Para maiores informações sobre a Campanha da Legalidade, consultar Thomas Skidmore (1976). 10 Um conjunto de medidas que focavam na alteração das estruturas econômicas e sociais do país, para que o mesmo pudesse ascender ao progresso autônomo nessas esferas. Para isso o presidente pretendeu a reforma bancária, fiscal, urbana, tributária, administrativa, agrária e universitária.

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ideologias nacionalista e liberal, e para barrar por fim os setores esquerdistas, que sem

atuação no cenário político, abriram caminho para o capital estrangeiro se proliferar de

forma mais plena em beneficio próprio e das oligarquias entreguistas que se mantinham

no poder.

O Instituto Superior de Estudos Brasileiros e os seus Antecedentes Históricos

Foi durante este período de intensos conflitos políticos e intelectuais pela direção

do Brasil que o intelectual Hélio Jaguaribe11, defensor dos ideais dos blocos

nacionalistas – e assessor de Negrão de Lima, ministro da justiça – conseguiu congregar

pensadores e técnicos cariocas e paulistas para discutirem informalmente, no Grupo de

Itatiaia12 – 1952-53 – os problemas sociais, políticos e econômicos nacionais. Segundo

o adepto do grupo Roland Corbisier13:

Não se tratava mais de estudar, abstratamente, a economia, a sociologia, a política, a história a filosofia, as ciências do espírito, em suma, mas de estudá-las tendo em vista analisar e compreender a situação mundial, bem como analisar e compreender a situação brasileira. Na agenda dos trabalhos, teses, dissertações, exposições, etc., a “problemática” nacional tinha prioridade. Procurava-se compreender o mundo mas na perspectiva do Brasil (CORBISIER, 1978, p. 84).

11 Advogado de formação, dedicou-se à defesa do desenvolvimento brasileiro, escrevendo no Jornal do Comércio desde 1949 em virtude de sua dedicação e destreza no campo da filosofia. Sua aptidão lhe conferiu uma vaga no Instituto Brasileiro de Filosofia (IBF) em 1950, em companhia dos seus amigos que haviam viabilizado em São Paulo o primeiro Congresso Nacional de Filosofia. Apesar disso, Jaguaribe especializou-se na crítica política, tendo atuado dentro do governo Vargas no Conselho Consultivo, da Assistência Técnica de Educação e Cultura (ATEC), que fora criada para auxiliar o MEC em sua atuação cultural. Além disso, no ano de 1954 desenvolveu um programa de assessoramento para a presidência de Juscelino Kubitschek, que, entretanto, nunca o utilizou. Mais detalhes sobre a atuação profissional Jaguaribe em: O ISEB, os intelectuais e a diferença, um diálogo teimoso na educação, de Antônio Marques do Vale (2006). 12 O grupo ficou assim nomeado por realizar os seus encontros, uma vez ao mês, no parque Nacional de Itatiaia, que fora cedido graças à intervenção de Rômulo de Almeida, então chefe de gabinete do Ministério da Agricultura. Este fato facilitou a existência do grupo, em função do parque ser localizada praticamente no meio do percurso entre os estados de São Paulo e Rio de Janeiro (JAGUARIBE, 2005). 13 Filósofo e advogado, destacou-se por seu interesse na política, tendo aderido à Ação Integralista Brasileira já nos idos de 1932. Foi igualmente um dos fundadores e diretores do IBF, e também auxiliou em 1952 na fundação do Instituto de Sociologia e Política (ISP), que teve como premissa voltar aos problemas do desenvolvimento nacional. Não obstante, em 1954 começou a trabalhar como assessor do governo Vargas e no programa de bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), para desenvolver um estudo sobre a filosofia no Brasil (VALE, 2006).

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Como integrantes, o grupo contou do lado de São Paulo com: Roland Corbisier,

Vicente Ferreira da Silva, Ângelo Simões de Arruda, Almeida Salles, Paulo Edmur de

Souza Queiroz, José Luis de Almeida Nogueira Porto, Miguel Reale e com o professor

italiano Luigi Bagolini. Já do lado carioca participaram: Helio Jaguaribe, Cândido

Antônio Mendes de Almeida, Guerreiro Ramos, Oscar Lourenço Fernandes, Inácio

Rangel, José Ribeiro de Lira, Israel Klein, Cid Carvalho, Fábio Breves, Ottolmy da

Costa Strauch, Heitor Lima Rocha e Rômulo de Almeida.

A experiência desse grupo acabou sendo curta, segundo seu idealizador, pela

incompatibilidade em conseguir aplicar suas ideias no plano da realidade do Brasil

(JAGUARIBE, 2005).

Procurando dar continuidade aos estudos organizados do Grupo de Itatiaia,

Jaguaribe conseguiu o patrocínio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de

Pessoal de Nível Superior (Capes), obtido graças ao secretário-geral dessa entidade,

Anísio Teixeira, para criar o Instituto de Economia, Sociologia e Política (IBESP) –

1953-54. Fizeram parte do Instituto, além de Jaguaribe: Roland Corbisier14, Alberto

Guerreiro Ramos, Cândido Mendes de Almeida, Carlos Luís Andrade, Ewaldo Correia

Lima, Fábio Breves, Heitor Lima Rocha, Hermes Lima, Ignácio Rangel, João Paulo de

Almeida Magalhães, José Ribeiro de Lira, Jorge Abelardo Ramos, Moacir Félix de

Oliveira, Oscar Lorenzo e, posteriormente, Juvenal Osório Gomes e Nelson Werneck

Sodré.

Esta entidade foi um centro de estudos privado, que teve o desígnio de fornecer

aos seus intelectuais a oportunidade de intervir no processo político nacional, pela luta

contra o atraso do país face ao mundo capitalista autônomo. Para mobilizar a sociedade

em prol da discussão dos problemas brasileiros, o IBESP se articulou através de cursos

e conferências, realizadas no auditório do Ministério da Educação e Cultura (MEC), e

também pela iniciativa da revista de divulgação do próprio Instituto Cadernos do Nosso

Tempo, que conseguiu alcançar o número de cinco publicações as quais, entretanto, não

puderam ser continuadas pelo alto custo despendido por seus membros para financiá-la,

como aponta o próprio Jaguaribe (2005) a falta de subsídios econômicos levou a

necessidade de transformar a instituição em órgão público.

14 Em 1954, Corbisier muda-se para o Rio de Janeiro por influência de Jaguaribe, para poder participar das reuniões formuladoras das teses do IBESEP, as quais, segundo o filosofo, contribuíram para que revisasse suas convicções intelectuais, voltando a uma postura progressista e revolucionária (CORBISIER, 1978).

10

Como resultado das iniciativas no Grupo de Itatiaia e IBESP, Hélio Jaguaribe e

Roland Corbisier, receberam o convite de Gilson Amado, então chefe de gabinete do

ministro da educação Antônio Balbino, de projetar em 1954, uma agência deliberativa

que tivesse por fim racionalizar o surto desenvolvimentista vivido no país, fornecendo

ao Estado elementos teóricos adequados para explicar o seu crescimento, incentivo e

promoção. Um exemplo sobre os usos do intelectual no mundo capitalista pode ser visto

no filósofo italiano Antônio Gramsci, que disse ser comum aos grupos sociais

emergentes, a criação de setores lógicos específicos, para lhe fornecerem consciência

sobre o seu papel no globo, e os elementos necessários para a expansão de suas ideias

nas diversas escalas sociais (GRAMSCI, 1982).

Jaguaribe e Corbisier elaboraram um projeto que pretendia criar dois órgãos

governamentais, concluíres entre si, na tarefa de dar suporte à produção intelectiva

nacional. Para isso discorreram sobre a necessidade de uma entidade nos moldes do

“Collège de France, complementada por uma editora semelhante à Press

Universitaires”, para disseminar o conhecimento realizado no instituto. Este projeto não

pode ser realizado em virtude das circunstâncias políticas do ano de 1954, geradas pela

morte do presidente Vargas.

Apesar deste evento, conta Jaguaribe que durante a presidência provisório de

João Café Filho o ministro da educação Cândido Motta Filho:

“decidiu por minha iniciativa e com apoio de Hélio Cabral, dar continuidade àquele projeto. Ele se encantou com a idéia, mas, dadas as condições da época, compreendeu que ela deveria concretizar-se em escala muito mais modesta, ou seja, apenas uma instituição – e não duas, como tinha sido proposto inicialmente – que seria uma instituição de estudos que desenvolvesse um esforço editorial apoiado pelo Ministério da Educação. E assim me foi dada a oportunidade de construir o ISEB” (TOLEDO, 2005, p. 34)

Ocorreu no dia 14 de julho de 1955 o ato oficial de criação do ISEB (Instituto

Superior de Estudos Brasileiros), por meio do decreto nº 57 608. Os artigos que

compunham esta determinação configuravam o órgão como um centro permanente de

altos estudos sociais e políticos, sob a finalidade de elaborar instrumentos teóricos para

a promoção e incentivo do desenvolvimento social. Tratava-se assim, de uma entidade

cultural e educativa subvencionada a União, mas com autonomia sobre a sua pesquisa,

opinião e cátedra. Complementando esta explicação, o historiador Nelson Werneck

Sodré disse que acreditava que o órgão:

11

Buscava, porém, se distinguir das instituições acadêmicas ou de pesquisa na medida em que tinha como finalidade “aplicar as categorias e os dados dessas ciências à análise e à compreensão crítica da realidade brasileira, visando a elaboração de instrumentos teóricos que permitissem o incentivo e a promoção do desenvolvimento nacional” (SILVA, 2001, p. 42).

Na prática o ISEB foi criado como uma entidade que pudesse ampliar as bases

reflexivas do MEC no que diz respeito ao seu alinhamento com as Ciências Sociais e

logo ao desenvolvimento nacional, estando assim subordinada ao MEC, e respondendo

diretamente ao chefe deste ministério. Esta ligação pode ser interpretada, segundo as

observações desenvolvidas por Gramsci, como o resultado da busca ao

autodesenvolvimento que as atividades intelectuais possuem, uma vez que inventam

para si, meios próprios de cultura, comumente descriminados em instituições pós-

escolares, as quais responsabilizam-se em criar as condições necessárias para

manterem-se em consonância com os progressos realizados no meio cientifico

(GRAMSCI, 1982).

Apesar desta subordinação ao MEC, como já foi dito, o ISEB dispunha de

grande autonomia, sentindo poucas vezes a intervenção do ministro da cultura, o qual

somente usava sua influência quando solicitado pelos isebianos para participar nas suas

decisões internas. Em si, a administração do ISEB se formava hierarquicamente por um

Conselho Consultivo, por um Conselho Curador e uma Diretoria Executiva. O

Conselho Consultivo era formado por 50 cidadãos indicados pelo MEC, que atuavam

nas áreas de estudo ou atividades sociais, econômicas e políticas do país, entretanto não

detinham o poder efetivo do Instituto, o qual se concentrava nas mãos do Conselho

Curador, formado inicialmente por oito membros igualmente designados pelo MEC:

Adroaldo Junqueira Alves, Anísio Teixeira, Ernesto Luis de Oliveira Júnior, Hélio de

Burgos Cabal, Helio Jaguaribe, Roberto de Oliveira Campos, Roland Corbisier e

Temístocles Brandão Cavalcanti. Para executar as deliberações deste grupo existia

também a Diretoria Executiva, representada por um diretor eleito, que deveria ser

concomitantemente membro do Conselho Curador. Na época da fundação do ISEB, o

diretor executivo era Roland Corbisier.

Ao escrever anos depois sobre a organização do Instituto, o isebiano Nelson

Werneck Sodré ponderou os Conselhos – começando do alto pra baixo – da seguinte

forma:

12

[...] um conselho cujo nome não me ocorre, alinhando a fina flor do medalhorismo nacional, uma galeria de pretensas notoriedades, em composição heterogênea. Esse conselho nunca se reuniu ou funcionou. [...] não tinha nenhuma razão de ser, salvo a mania nacional de destaque como prenda e ornamento, recheado de títulos. Claro que alguns dos nomes nele incluídos tinham mérito, mas não interessa aqui entrar nos detalhes. Abaixo desse elefante branco vinha um conselho que efetivamente, detinha poderes e deveria governar o ISEB. E, logo, depois, o órgão de execução e o núcleo, o cerne da instituição: a congregação, os professores. No decorrer do tempo, houve substituições nos diversos departamentos, particularmente nos de Política, de Sociologia e de Economia, como na chefia do próprio ISEB. (SODRÉ, 1978, p. 111).

Os isebianos que compunham estes conselhos vinham, maciçamente, do corpo

administrativo do governo – fato decisivo para viabilização do órgão – como foi o caso

de Ignácio Rangel na Assessoria Econômica e logo depois no Departamento Econômico

do BNDE, e claro, dos fundadores Jaguaribe e Corbisier. Além disso, membros do

corpo docente também tinham a mesma origem como Alberto Guerreiro Ramos do

Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) e também da Assessoria

Econômica do governo, Ewaldo Correia Lima igualmente da mesma assessoria, e

Anísio Teixeira Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (INEP) e CAPES (PEREIRA,

2002). Apesar de esses tecnocratas terem composto o Instituto, isto não o classificou

como um órgão técnico, pois a orientação dos isebianos era voltada à formação

humanística-juridica, exemplificada em seus diplomas de Direito, que pertenceu a sua

grande maioria. Esta formação, fez com que ISEB tivesse suas preocupações voltadas

para as áreas de Sociologia, Política, História e Economia, as quais, entretanto, não

tiveram soluções instrumentais para promoção do processo de desenvolvimento rápido

que o governo almejava.

Para atingir a sociedade e desenvolver racionalmente os meios para isso, o

Instituto criou a “ideologia desenvolvimentista”, a qual procurava convencer os setores

modernos da formação social brasileira a procederem com a reforma das instituições

políticas, para criar um “Estado Racional Moderno”, promotor do desenvolvimento

social e econômico (TOLEDO, In: SILVA, 2001). O filosofo e historiador Bronislaw

Backzo, comentou que uma classe dominada só pode opor-se a dominação mediante a

formulação de sua própria ideologia, elemento imprescindível para a sua tomada de

consciência (BACKZO, 1985).

13

A ideologia do ISEB pode ser vista durante a década de 50 nas suas publicações

e cursos ministrados. Os mesmos se configuravam como do tipo regular pós-

universitário, com a duração média de um ano, nas áreas de economia, sociologia,

política, filosofia e história. Com isso, a entidade pode ser interpretada por meio de

Gramsci, como um exemplo do desenvolvimento dos círculos intelectuais nacionais,

que criam para si meios próprios de promoção da cultura, comumente configurados em

instituições pós-escolares, especializadas em manter informados seus participantes

sobre as inovações existentes em seus meios científicos (GRAMSCI, 1982).

Os alunos inscritos no ISEB conseguiam majoritariamente uma vaga, por

indicação de instituições acadêmicas e privadas, de renome consagrado no meio

acadêmico. Pedagogicamente, os cursos dividiam-se em duas partes, tendo a primeira

voltada à explanação dos aspectos teóricos das disciplinas e a segunda articulando esses

aspectos com os problemas da realidade nacional. Além disso, o órgão ministrou

conferências e palestras abertas ao público, bem como publicações dessas exposições

lavradas.

Uma dessas publicações em 1958 transformou-se no livro O Nacionalismo na

Atualidade Brasileira de Jaguaribe, no qual o autor se posicionava favorável à

exploração do petróleo pelos capitais econômicos estrangeiros. Esta publicação gerou

com isso, um forte debate dentro da Instituição sobre como o país deveria proceder à

exploração do petróleo (TOLEDO, 1977). A partir deste debate, o ISEB decidiu

reorganizar-se para tornar-se mais ativa politicamente e assim mais influente sobre os

setores modernos brasileiros15, o que levou a Jaguaribe, Roberto Campos, Anísio

Teixeira, Hélio Cabal, Ewaldo Correia Lima e Guerreiro Ramos a deixar o ISEB.

Nesta reestruturação o órgão eliminou o Conselho Curador, e passou o poder

decisório do Instituto à Congregação16. O Conselho Curador passou a ser constituído

por Clóvis Salgado, Dário Cavalcanti de Azambuja, Eurico da Costa Carvalho, Hermes 15 Para o ISEB, esses setores eram oriundos da burguesia urbana nacional, a qual detendo as bases industriais do país dentro do sistema capitalista, tinham o elemento transformador para adequar a nossa sociedade às demandas econômicas e sociais do pensamento moderno (TOLEDO, 1977). 16 Coube à Congregação executar as atividades de natureza cultural, tais como: supervisão das atividades educacionais; exame dos textos editados; o convite a conferencias e professores; a instituição de concursos e bolsas de estudo, dentre outras. Já ao diretor, coube o exercício da administração do Instituto, e o importante direito de contratar profissionais para o corpo docente e administrativo, que passava pela avaliação do diretor sobre a competência intelectual do professor contratado. Dado este importante, sobre a entrada dos novos professores no ISEB. (PEREIRA, 2002)

14

Lima, José Leite Lopes, Tancredo de Almeida Neves e Roland Corbisier, que

permanecia na direção também. Os departamentos passaram a ser chefiados por Álvaro

Vieira Pinto, o de Filosofia; Candido Antônio Mendes de Almeida, o de Política; Júlio

Barbosa, o de Sociologia; Ezio Távora dos Santos, o de Economia; e Nelson Werneck

Sodré, o de História. (SODRÉ, 1986, p. 39).

Com esta configuração o ISEB, durante a década de 60, muda seu aspecto

institucional tornando-se um órgão de interesse político militante, em virtude de seu

descontentamento com as realizações do período anterior, demonstrou o

desenvolvimento apenas tinha tornado mais ricas as classes dirigentes – aqui entendidas

como burguesia latifundiária – e ainda mais pobres as classes oprimidas (proletariado).

Não obstante a isto, o Instituto, percebendo que o governo almejava executar as já

citadas reformas de base, assumiu a tarefa de examinar como elas deveriam ser geridas

para alcançarem os objetivos, sob a ótica cada vez maior do pensamento de esquerda.

Comentando a guinada que o ISEB deu para a esquerda, Miglioli diz que isto não

evidencia que o Instituto tenha se tornado radical em suas propostas, pois:

Que seria um radicalismo de esquerda naquela conjuntura? Iniciar uma revolução para implementar um regime comunista ou socialista ou mesmo “anarco-sindicalista”, como diziam alguns acusadores? Talvez essa perspectiva passasse pela cabeça de alguns ingênuos que achavam possível repetir no Brasil a experiência cubana, mas não era a proposta do ISEB, nem mesmo dos comunistas. Ou então promover rebeliões localizadas (por exemplo, no campo, ou em certas regiões, ou mesmo nos quartéis) como forma preparatória de uma revolução futura? Isso seria uma aventura irresponsável. Dar um golpe de Estado para colocar no poder um governo de esquerda ou pelo menos nacional - desenvolvimentista? É claro que isso também deve ter passado pela cabeça de diversas pessoas, algumas das quais podem até mesmo te-las explicitado, mas, na verdade, só serviu de argumento para as forças de direita justificarem seu golpe de 1964 como uma ação preventiva (MIGLIOLI, In: TOLEDO. 2005 p. 74-5).

Este alinhamento com os interesses reformistas do governo, visto como de

esquerda, levou ao fechamento do ISEB com o decreto nº 53.884, após a deflagração do

Golpe Civil-Militar de 1964. Com este ato, o militares tiveram a autonomia de não

apenas fechar a sede do Instituto por meio de um ato de vandalismo acolhido, mas

também de instaurar um inquérito militar, entre os membros, que abrangeu mais de

cinquenta pessoas, sob a acusação de disseminarem o ideal marxista no Brasil.

15

Nelson Werneck Sodré e a Produção da Memória do ISEB

Nelson Werneck Sodré foi um militar da mais alta patente e historiador militante

na luta contra o neoliberalismo. Em vida – 1911-99 – publicou mais de 50 títulos sobre

a cultura brasileira, sendo um dos primeiros grandes formuladores da nossa história,

junto de nomes como Caio Prado Junior e Sérgio Buarque de Holanda, os quais assim

como ele acabaram com o passar do tempo – décadas de 70 e 80 – sendo ignorados

pelas novas correntes historiográficas, as quais ainda no caso de Sodré tiveram na chaga

da ditadura militar, o pretexto para rotulá-lo como representante de um pensamento

retrógado. Foi um dos intelectuais fundadores do ISEB, oriundo do grupo que também

participou das reflexões no IBESP, instituições que o cativaram em virtude da luta

anticolonialista e desenvolvimentista nacional. No início de sua carreira isebiana – nos

anos 50 – o historiador exerceu a função de pesquisador e único professor da disciplina

de História do Brasil17, cargo que ministrou livremente em cursos e conferências sem a

intervenção de seu chefe de departamento Cândido Mendes de Almeida.

Posteriormente, com as discussões – já citadas neste artigo – sobre a reformulação do

Instituto em prol de seu engajamento político, Cândido Mendes deixa o ISEB, fazendo

com isso Werneck Sodré chefe do Departamento de História até o fim da Instituição.

Marxista confesso durante o tempo em que esteve no órgão Sodré considerou-se

solitário em suas reflexões teóricas, inclusive colocando-se publicamente como não

partidário da “ideologia desenvolvimentista” do ISEB18. Mesmo assim conseguiu

destaque nas produções do órgão realizando, já na década de 50 – em busca da

cooptação dos setores burgueses da indústria do Brasil – estudos voltados à

identificação das classes sociais brasileiras, e a necessidade das mesmas em romperem

com o nosso retrogrado sistema econômico19. São deste período as obras As Classes

17 Durante os anos de 1956-60, a direção do Departamento de História do ISEB, ficou sob os auspícios do também membro fundador – além de filósofo e advogado – Cândido Mendes de Almeida, que especializou-se em ministrar os conhecimentos da História Geral e ainda de dirigir o Departamento de Política (SODRÉ, 1978). 18 Werneck Sodré foi contrário a esta ferramenta do Instituto, por acreditar que sistemas de ideias apenas serviam para a alienação das massas, que sob a força de um imaginário abstrato exterior a eles, acabam sendo usadas por outras forças políticas em ação, para atingir seus objetivos os quais não são as reais necessidades das classes sociais, que com isso não conseguem formular a sua própria revolução (TOLEDO; In: SILVA 2001). 19 O historiador colocava em seus estudos que a nossa economia na década de 50 ainda possuía características do colonialismo, onde a produção voltava-se ao mercado externo que colocava com isso o mercando interno em uma condição secundária. Outra questão que remete ao colonialismo era o caráter predatório e extensivo da agricultura, e também a concentração de

16

Sociais no Brasil e o Tratado de Methuen, ambas de 1957, e Introdução a Revolução

Brasileira, datada de 1958. Com a chegada da década de 60 o historiador – buscando

orientar os setores populares do país – fez uso mais ostensivo do marxismo, para

abordar o tema da reconstituição da sociedade brasileira, que para o mesmo espelhava-

se no modelo feudalista. São deste período os livros a Ideologia do Colonialismo, de

1961 e Formação Histórica do Brasil, de 1962. Além disso, entre 1962-64 Sodré

também participou dos periódicos dos Cadernos do Povo Brasileiro, onde escreveu –

juntamente de outros isebianos – textos de conotação popular que foram como diz

Angélica Lovatto, “[...] instrumentos para a elevação da consciência popular,

fornecendo subsídios para a intervenção prática e teórica do cenário político nacional”

(LOVATTO, In: RIBEIRO; CABRAL, 2006, p. 315).

Outro destacado projeto que Werneck Sodré participou, mas desta vez como

coordenador, foi História Nova em 1963, este serviço foi encomendado ao ISEB pelo

MEC, carente por uma coleção que renovasse os métodos e o ensino da história

brasileira, pautados naquele momento nos procedimentos factuais e mitificados. Para

Selva Guimarães Fonseca História Nova foi “[...] a experiência do embate, da luta

teórica e política em torno do para quê, do como, e do que ensinar em história às

crianças e jovens do nosso país (FONSECA, In: SILVA, p. 198)”. Esta foi uma

produção típica do momento político do país, onde tudo era polêmico e posto em

questão nas mais acaloradas discussões20. Não obstante, História Nova, também foi alvo

de ataques diretos da imprensa oposicionista ao governo Goulart que, com isso, acabava

divulgando ainda mais a existência do projeto. Entretanto, com o Golpe Civil-Militar de

64, o projeto foi encerrado e seus membros foram vítimas de Inquéritos Militares,

prisões, e exílios. Para Sodré, este ataque foi:

[...] preparatório do golpe as instituições democráticas e instalação da ditadura, era, ao mesmo tempo, acoimada de primária e errônea e objeto de “pareceres” que condenavam. Contra ela, acusada de indigna de leitura, forneceram “pareceres” nada menos do que o Estado Maior do Exército, o Instituto Histórico Brasileiro e a Comissão Nacional do Livro Didático (SODRÉ, In: SANTOS, p. 35).

renda a uma pequena parcela da população, agentes que contribuíam para pobreza do país (FILHO; In: In: RIBEIRO; CABRAL, 2006). 20 Este foi o auge das discussões em tono do governo Goulart pelas Reformas de Base, movimento que chegava ao ensino historiográfico, pela História Nova, que então rompia com os cânones didáticos oficiais referentes ao passado brasileiro, os quais foram denunciados pela História como um esquema de máfia (SANTOS, 1993).

17

Após a repressão deflagrada em 1964, Nelson Werneck Sodré continuou seus

estudos, entretanto a sua obra havia se tornado alvo de um conjunto de críticas das mais

diversas orientações. Como exemplo destes julgamentos, podemos destacar os setores

acadêmicos – principalmente a USP – que ao repensarem o uso do pensamento marxista

no Brasil dos decênios anteriores, acabaram desqualificando a contribuição de Werneck

Sodré no pensamento historiográfico nacional, por estar associado à interpretação

teórica do PCB. Isto propiciou que Sodré recebesse críticas como a de “historiador

desprezível e ultrapassado” sendo colocado na margem da historiografia nacional, a

qual neste momento se voltava para o modelo norte-americano, que inclusive continha

uma produção brasiliense, tomada como obra-prima (SILVA, 2001).

A partir então de meados dos anos 70, Werneck Sodré, preocupado pelo modo

como era refletido a história do ISEB, retorna periodicamente a este tema, dedicando

sucessivamente a ele as obras, A Verdade sobre o ISEB – 1978 –, História da História

Nova – 1986 –, História Nova do Brasil – 1993 –, assim como longas passagens de sua

autobiografia: A Ofensiva Reacionária – 1992 –, Fúria Calibã: memórias do Golpe de

64 – 1994. Estes estudos auxiliaram para que nos anos 90, o seu pensamento fosse

retomado nos círculos intelectuais nacionais e internacionais, como uma importante

fonte para repensar as questões referentes à formação da sociedade brasileira. O

historiador então tema dos livros Nelson Werneck Sodré Entre O Sabre e a Pena – 2006

– organizado por Paulo Ribeiro da Cunha e Fátima Cabral, e das publicações Nelson

Werneck Sodré na historiografia brasileira – 2001 –, e Dicionário Critico Nelson

Werneck Sodré – 2008 – ambos sob arranjo de Marcos Silva.

O reconhecimento da produção do historiador foi tão salutar, que evidencia-se

na iniciativa do Dicionário Crítico Nelson Werneck Sodré, realizado para deixar mais

acessível os princípios das suas discussões. Este e os outros recentes livros citados

constituem-se como compêndios de artigos de autoria e conteúdo variado, sobre os

principais pontos a respeito da constituição da sociedade brasileira, pelo viés do

pensamento de Sodré.

A Verdade sobre o ISEB pela Memória de Nelson Werneck Sodré

Dentre as publicações de Werneck Sodré sobre a história do Instituto,

particularmente neste trabalho, será analisado o livro A Verdade Sobre o ISEB de 1978

por ser a primeira obra do universo bibliográfico do autor, a tratar da história da

Instituição e logo constituir-se em uma fonte importante para evidenciar a construção da

18

memória do historiador sobre o órgão. Neste livro, é contextualizado o órgão no quadro

da crise econômica, social e política da sociedade brasileira dos anos 50 e 60,

demonstrando, com isso, como ocorreu a derrota das ideias nacionalistas e da ação

democrática deste período (NAVARRO, In: SILVA, 2006).

O uso da memória se justifica neste artigo, por nos permitir tecer novas

interpretações sobre o período pré 64, assim como sobre a história do Instituto, e

também, sobre o papel de Sodré em seu interior. Para nos aproximar-mos deste escrito

memorialístico de Sodré, utilizamos as discussões sobre o uso da memória individual

como objeto na história, a partir das reflexões do sociólogo francês Maurice Halbwachs,

que pondera a memória como uma produção coletiva, acionada enquanto temos por

referência o contato com outros indivíduos, os quais mesmo não tendo interagido

realmente com o fato no qual no pomos a rememorar, acabam se constituindo como

ponto de partida para a reconstruirmos um dado do passado. Isto para Halbwachs se

justifica pelo fato de nunca estarmos a sós em realidade, já que temos ao nosso redor

uma quantidade de pessoas a qual se constituirá como uma referência social,

dificilmente repetida em outra circunstância na mesma precisão. Para Halbwachs

resulta disso, que na constituição da memória individual, para cada parcela de uma

lembrança real – acontecida – sobre o passado, junta-se a ela um montante de imagens

fictícias, oriundas da menção que nosso meio social fez sobre ela, podendo disto gerar

uma lembrança incoerente com o fato real (HALBWACHS, 1990).

Ao analisar este livro em um verbete do Dicionário Critico Nelson Werneck

Sodré (2008), Caio Navarro de Toledo chama a atenção para uma contradição no título

do livro de Sodré, pois ao empregar a palavra “verdade”, expressão que não

corresponde ao intuito do historiador de mostrar uma visão crítica sobre um recorte

específico do passado, uma vez que para Toledo, independente da consistência do relato

empregado nesta construção, o mesmo se limitara cientificamente ao ponto de vista de

um indivíduo sobre uma realidade histórica e social (TOLEDO, In: SILVA, 2008). Não

obstante a isso, a sua própria forma de construir a história – enquanto produto

intelectual – gerada pela interpretação da sociedade através do tempo e do espaço,

permitiu que Sodré se pusesse como objeto (resquício) do passado para elaborar A

Verdade sobre o ISEB21.

21 Para um aprofundamento sobre a metológia de Werneck Sodré na história consultar Nelson Werneck Sodré na Historiografia Brasileira (2006).

19

Como salienta Toledo, neste tomo, Sodré faz uso do termo “verdade”, para

marcar seu posicionamento como isebiano histórico, contra as linhas interpretativas que

os intelectuais da própria esquerda seguiram a partir dos anos 70, desqualificando a

produção intelectual do ISEB – visto como técnica e logo sem aprofundando empírico –

e deturpando as informações sobre a atuação do ISEB na sociedade brasileira.

Bronislaw Baczko pondera que na construção do imaginário social, pode-se agregar um

simbolismo a um dado do passado, produzindo uma mitologia, com um impacto sobre o

coletivo muito maior, que a fidedignidade deste evento com o passado (BACZKO,

1985).

Para analisar a trajetória do ISEB, Sodré constrói o livro em três partes:

Formação, Crise e Extinção, dando um destaque a sua atuação política e intelectual,

através do recurso à memória.

Para isso, em Formação, o autor mostra os fatores – já citados na primeira parte

deste artigo – os quais levaram a constituição e atuação do órgão na década de 50,

sobretudo em torno do governo de Juscelino Kubitschek22. Sodré relembra este político,

observando que: “em política, por vezes, as pessoas têm dupla imagem: a real e aquela

que vive na cabeça do público, que este tem como real e que, quase sempre, não se

assemelha à primeira. Isso acontecia com, Kubitschek naturalmente” (SODRÉ, 1978, p.

19).

O historiador não compactuava com a tendência do ISEB, de se alinhar

intrinsecamente com Kubitschek, por este político não ser simpatizante das forças

progressivas de esquerda e ter suas propostas governamentais elaboradas pelo

economista Roberto Campos, famoso pelas suas posturas antinacionalista e pro-

imperialista. A exemplo disso, Halbwachs ao analisar a especificidade da memória

individual, pondera que apesar da mesma ser atrelada à referência coletiva – da

existência real de um grupo social – o mesmo se determinará pelos sentimentos e ideias

os quais trazemos conosco. Disso resulta o caráter específico das nossas lembranças

muitas vezes evocados em oposição ao consenso coletivo (HALBWACHS, 1990).

Não obstante, nesta primeira parte do livro, Sodré também cita que já em 1956

surgia a ofensiva reacionária por parte da grande imprensa, contra o ISEB. Alegava os

setores envolvidos neste ataque que seu objetivo era alertar a nação “acerca dos graves

perigos representados pela ação dos isebianos nacionalistas” (TOLEDO In: SILVA, 22 Para os isebianos, Kubitschek era o político que administraria o Brasil em seu curso ao patamar de nação desenvolvida (TOLEDO, 1977).

20

2008, p. 423). Relembra Werneck Sodré, que para o diário carioca Tribuna da

Imprensa:

[...] o tenente-coronel Nelson Werneck Sodré, militante comunista, oficial de confiança do General Henrique Teixeira Lott, Ministro da Guerra. Werneck Sodré foi um dos principais organizadores do Movimento Militar Constitucionalista (MMC) que preparou o golpe de Estado de 11 de novembro (SODRÉ, 1978, p. 21).

Aliás, como destacou Baczko, em situações de conflito entre poderes

concorrentes é comum a invenção de uma imagem desvalorizativa do adversário para

invalidar a sua legitimidade e em contrapartida, exaltar a sua proposta defendida.

Surgindo disso novas técnicas de desqualificação dos poderes em conflito, os quais ao

evoluíram com o passar do tempo, deixaram de apenas manejarem os imaginários para

se especializarem em elementos muito mais sofisticados de manipulação, como por

exemplo, é o uso da propaganda, que elevou substancialmente o valor da vida pública

nesta disputa (BACKZO, 1985).

Continuando a sua rememoração Werneck Sodré na segunda parte da obra,

intitulada Crise, relata os eventos em torno da publicação do livro de Hélio Jaguaribe23,

publicado em 1958, O Nacionalismo na Atualidade Brasileira interpretado por Sodré

como o estopim para a cisão dos isebianos em torno do argumento do nacional-

desenvolvimentismo. Pondera o sociólogo Toledo que Sodré, mesmo tendo uma opinião

crítica sobre o livro, se mostrava simpatizante de Jaguaribe, como pode ser evidenciado

pelas referências feitas a ele em A Verdade sobre o ISEB, ponderando Jaguaribe como

um liberal-democrata “válido e honesto” (TOLEDO, In: Silva, 2008, p. 425) o qual na

luta democrática valeria muito mais como aliado, do que os representantes da

esquerdista radical, setor tido para o historiador “com frequência, nas lutas políticas,

determinadas pessoas assumem, repetidamente, posições esquerdistas em

desconformidade absoluta as condições que a realidade apresenta. Tais posições levam a

derrota, sempre” (SODRÉ, p. 47, 1978). Sobre este mesmo episódio, Sodré argumenta

que a cisão do Instituto foi em grande parte desencadeada pela ação de setores externos

ao ISEB citando o exemplo da posição assumida pela UNE através de uma

23 Não será referenciado neste trecho as características desta obra e as discussões geradas por ela, devido este assunto já ter sido tratado na primeira parte deste artigo.

21

correspondência oficial. Werneck Sodré, destaca que nesta ocasião era presidente

provisório do ISEB, recebeu ofício e ponderou que:

A vigilância da UNE, como de todos os patriotas, era, pois, justificável. Por outro lado, a manobra clássica da reação consistia em dividir as forças democráticas e nacionalistas, como primeiro tempo para desenvolvimento de suas manobras liberticidas. A posição da UNE, tão legitima e tão oportuna, era, porém ingênua, favorecendo a manobra divisionista. Abria uma crise no ISEB justamente no momento em que ele estava sob fogo concentrado da reação. Situava o ISEB não como entidade científica, mas como entidade política, de posição definida, enquanto tal, em todos aqueles problemas arrolados no oficio de interpelação (SODRÉ, 1978, p. 35).

Neste sentido, podemos caracterizar a opinião de Nelson Werneck sobre

Jaguaribe, a partir do conceito de Halbwachs de memória formada pela “comunidade

afetiva”, onde uma lembrança ascende a partir de dados comuns que se encontram tanto

no nosso espírito como no dos outros, “porque elas passam incessantemente desses para

aquele e reciprocamente, o que só é possível se fizeram e continuam a fazer parte de

uma mesma sociedade” (HALBWACHS, p. 43, 1990) a qual no caso de Sodré era a dos

intelectuais nacionalistas.

Por fim, em sua última parte de A Verdade sobre o ISEB, denominada Extinção,

Werneck Sodré relata os eventos em torno da ofensiva reacionária materializada na

campanha publicitária, dos setores de direita ligados ao governo norte-americano, que

favoreceram o fechamento da Instituição. Diz o historiador que:

O “órgão líder”, O Jornal, abria matéria em três colunas, sob o titulo: “Atividades do ISEB estão fundamentadas no marxismo”. Éramos acusados de “propagar e defender doutrinas inteiramente opostas ao pensamento e as inclinações históricas do povo brasileiro”, de veicular “ideias marxistas, ateístas e totalitárias, que buscavam entravar o nosso desenvolvimento econômico e o progresso liberal do País” de, “negando a cultura nacional”, lançar a economia brasileira e o seu sistema coexistencial na esteira do materialismo dialético”. Que se perdoe a transcrição de tanta tolice (SODRÉ, p. 58, 1978).

Neste período referente aos primeiros anos da década de 60, cabe salientar que o

ISEB vivia a já citada última fase, onde a figura de Sodré tomou maior destaque dentro

da orientação do órgão entretanto, Caio Navarro chama a atenção para esta parte do

livro, onde o historiador não expõe nenhuma dinâmica interna do grupo, a respeito de

22

suas configurações intelectuais e alianças políticas no governo Goulart. Halbwachs cita

que uma possível omissão ou esquecimento produzido por nossa memória, ocorre por

ser o nosso passado dividido em duas categorias: a dos fatos os quais são acessados

quando queremos; e a dos eventos que parecem ter um obstáculo em sua frente, logo

não atendendo tão fácil as nossas solicitações de acesso (HALBWACHS, 1990).

Sodré finaliza o seu livro rememorando que o fechamento do ISEB, reflete a

ruína do regime democrático, pois:

[...] o aparecimento de correntes de pensamento e de agrupamentos políticos que discrepam dos dominantes não resulta da realidade, da estrutura social, das condições econômicas, do próprio fenômeno político, em seu desenvolvimento; resulta da ação de “minorias solertes”, que se “infiltram” aqui e ali no organismo social; identificadas, neutralizadas, reprimidas em suas ações está tudo resolvido (SODRÉ, 1978, p. 68).

Silenciava-se assim uma das vozes das minorias que conseguiram expressão

política nas décadas de 50 e 60. O ISEB, órgão representativo destas minorias no

conflito democrático deste período, foi alvo sumário dos setores anti-nacionalistas que

aliados às forças internacionais as quais conseguiram o seu fim.

23

Conclusão

Ao analisar a memória de Sodré sobre seu período isebiano, pode-se deparar

com as formas usadas por ele para reconstruir o imaginário do ISEB, o qual nos anos

50, teve suma importância no cenário político nacional, como centro gestor do

desenvolvimento nacional. Todavia, poucos anos depois, o Instituto acabou sendo

desqualificado como centro de indivíduos diletantes e agitadores dos interesses

comunistas.

Dito isto, a importância do relato de Sodré já em 1978 sobre a sua atuação e de

seus colegas isebianos nos anos 50 e 60, constitui-se na manifestação contra os

segmentos reacionários que insistiam em desqualificar a Instituição e logo a sua obra.

Isto alude à análise de memória de Halbwachs, onde “a sucessão de lembranças, mesmo

daquelas que são mais pessoais, explica-se sempre pelas mudanças que se produzem em

nossas relações com os diversos meios coletivos, isto é, em definitivo, pelas

transformações desses meios, cada um tomado à parte, e em seu conjunto”

(HALBWACHS, 1990, p. 51).

A partir dessa ponderação, é possível perceber que o historiador possui

reminiscências únicas sobre os eventos deste período histórico, mostrando a sua visão

de sobrepujado de um dos conflitos ideológicos de maior repercussão já vistos no

Brasil.

24

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