A SAÚDE DA FAMÍLIA EM SITUAÇÃO DE EXCLUSÃO SOCIAL

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    A SADE DA FAMLIA EM SITUAO DE EXCLUSOSOCIAL

    Introduo

    O tema da excluso social tem cunho histrico e geogrfico. Um grupo social estexcludo segundo determinada delimitao geogrfica ou em relao estrutura econjuntura econmica e social do pas a que pertence.

    No Brasil, esse tema est relacionado principalmente situao de pobreza. Cidadosnessa condio constituem grupos em excluso social porque se encontram emsituao de risco pessoal e social. Essa expresso empregada para referir-se spessoas, famlias e comunidades excludas das polticas sociais bsicas ou de primeiralinha (trabalho, educao, sade, habitao, alimentao), o que lhes confere acondio de subcidados ou cidados de segunda classe, (COMPANHIA 1994).

    Segundo as disposies gerais da Lei orgnica n8.080 de 19/09/90, art. 2: "A sade um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condies

    indispensveis ao seu pleno exerccio. 1 O dever do Estado de garantir a sadeconsiste na formulao e execuo de polticas econmicas e sociais que visem reduo de riscos de doenas ou de outros agravos e no estabelecimento de condiesque assegurem acesso universal e igualitrio s aes e aos servios para a suapromoo, proteo e recuperao."

    Entretanto, conforme est explicitado no referido artigo: "A sade tem como fatoresdeterminantes e condicionantes, entre outros, a alimentao, a moradia, osaneamento bsico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educao, o transporte, olazer e o acesso aos bens e servios essenciais; os nveis de sade da populaoexpressam a organizao social e econmica do Pas."

    Assim, os determinantes sociais, que condicionam a sade dos cidados, constituemfatores de risco sua sade. Por isso, a situao de excluso a que esse texto serefere diz respeito aos indivduos cujos direitos sociais, quando violados, colocam emrisco sua sade e a qualidade de vida de sua famlia.

    O reconhecimento da sade como um direito de cidadania, que expressa a qualidadede vida, implica mudanas nos servios de sade e na atuao do profissional desade. Este precisa incluir, em sua rotina de trabalho, aes que estreitem a relaoentre a equipe de sade e a comunidade. preciso intervir sobre os fatores de risco aque a populao est exposta. Tal empenho demanda aes em interao com osrecursos que a comunidade dispe e os servios pblicos locais (Conselho Tutelar,Escola, Igreja, etc).

    A proposta desse texto est relacionado ao programa do "enfoque de risco"desenvolvido pela OMS desde 1978 e aplicado sade materno-infantil. Nesseenfoque, busca-se identificar grupos sociais com maior risco de adoecer e morrer, coma finalidade de controlar e eliminar os fatores de risco. Estes podem ser: biolgicos,ambientais, comportamentais, relacionados com a ateno sade, socioculturais eeconmicos (VALENZUELA; BENGUIGUI, 1997).

    A finalidade desse texto restringir a questo de risco sade referente ao itemrelacionado aos fatores socioeconmicos apenas e ampliar a questo sade de toda a

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    famlia, alm do enfoque materno-infantil.

    Definindo o processo de trabalhoO processo do trabalho consiste em avaliar a necessidade mais urgente de gruposespecficos e organizar o servio de sade conforme as prioridades identificadas.Consiste em uma espcie de pronto-socorro ou pronto-atendimento s famlias quecorrem risco de ter sua sade comprometida por problemas sociais, decorrente dasituao de excluso.

    O trabalho precisa ser organizado em passos. A primeira etapa avaliar a necessidadede ateno de grupos especficos; a segunda estabelecer prioridades de sade e aterceira elaborar intervenes para promoo, proteo ou recuperao da sade.

    As informaes podem ser coletadas por meio de entrevista com o usurio do servio,mas recomendvel realizar visita domiciliria para obter informaes mais precisas efidedignas. As informaes devem ser coletadas para planejar prticas de educao emsade e aprimorar a qualidade do atendimento. necessrio organizar um roteiro deentrevista e de observao para a VD, conforme as peculiaridades locais.

    Evidentemente, os roteiros podero ter variaes para regies distintas.Por exemplo: indivduos da zona urbana que, no inverno, tomam nibus lotados efechados esto sujeitos a infestaes respiratrias; por outro lado, h os da zona ruralque usam transporte aberto, mas correm risco de acidente por falta de segurana doveculo. Em ambos os casos, o roteiro deve contemplar questes para identificar se osmembros da famlia esto sujeitos a alguma dessas situaes de risco, ou seja, seesto submetidos a situaes de risco por aglomeraes, ou se esto sujeitos aacidentes por transporte imprprio.

    Seja quais forem as peculiaridades regionais, as informaes bsicas para identificarindivduos em situao de risco sade precisam ser relacionadas aos determinantessociais para serem identificadas como famlias em situao de excluso social. Alm

    disso, preciso no perder de vista o objetivo dos programas de mbitos nacional (nocaso, o Programa de Sade da Famlia) e internacional (metas dos Programas da OPASe da OMS) como, por exemplo, a Declarao Mundial sobre a Sobrevivncia, aProteo e o Desenvolvimento da Criana, bem como o Plano de Ao para esse fim nodecnio de 1990. BRASIL (1996)

    O incentivo participao da comunidade no reconhecimento dos determinantes derisco aos indivduos possibilita maior sucesso nos resultados pretendidos porque:permite maior conscientizao sobre sua realidade; aumenta a solidariedade entre osindivduos da comunidade; busca solues alternativas; e tenta conquistar direitosviolados. Qualquer proposta de interveno deve considerar hbitos e valores daregio local.

    Identificando os grupos de riscoEstudo epidemiolgico do territrio de abrangncia da unidade de sade poder indicarfatores de risco mais relevantes da comunidade. Os indicadores de sade soinstrumentos utilizados para realizar o estudo, sobretudo os ndices de natalidade emortalidade. Entretanto, a identificao dos fatores de risco social demanda aexplorao de suas causas.

    Por exemplo: Uma criana em idade escolar que trabalha e no freqenta a escola estem situao de risco porque essa condio prejudica seu desenvolvimento. preciso,

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    matriculados na creche? Na famlia, h crianas em idade escolar? Est freqentando aescola com regularidade? Como o rendimento escolar da criana? Como so ascondies da creche/escola das crianas? Recebem refeio ou lanches? H distribuiode leite?

    Transporte

    Qual o meio de transporte mais utilizado pelos membros da famlia? H riscos deacidente? Qual a porcentagem do custo com transporte em relao renda familiar? Afamlia recebe auxlio transporte? H acesso para escolas, unidade de sade e demaisservios da comunidade?

    Servios de sadeA famlia tem acesso unidade de sade da regio? prxima ou afastada daresidncia? Todos os membros da famlia so matriculados no servio? H unidadesmveis de sade? H atendimento de visita domiciliar?

    2 Famlias que precisam utilizar toda sua renda mensal para adquirir uma cesta de alimentos capaz de atender asnecessidades nutricionais (2.242 Kcal e 53g de protenas per capita/dia).

    Estabelecendo prioridadesAps identificar as situaes de risco das famlias, necessrio priorizar os casos queexigem interveno mais urgente. Assim, a segunda etapa implica especificar quaisas famlias que esto expostas a riscos mais eminentes ou de maior gravidade ouurgncia. Assim, seria pertinente classificar as famlias entre as que necessitam demedidas urgentes, imediatas ou mediatas.

    Por exemplo: se um chefe de famlia est desempregado e no h outra renda familiarou qualquer ajuda de parentes ou entidades filantrpicas, sua famlia encontrar-se-em situao de risco porque estar impossibilitada de atender uma das necessidadesmais bsicas: a fome. Esse caso requerer medidas urgentes de promoo da sade.

    Se o provedor de outra famlia est desempregado mas recebe cesta bsica de algumaentidade no-governamental, ento, esse caso poder ser includo entre as situaesque necessitam de medidas imediatas, mas no necessariamente urgentes. Entretanto,os dependentes desta famlia esto vulnerveis ao modo como seu provedor reage sua condio. Digamos que o chefe dessa famlia reage tornando-se violento com seusfilhos. Nesse caso, essa famlia dever ser includa entre os casos de urgncia.

    As violncias domsticas geralmente no apresentam evidncias claras de agresses.O enfermeiro, ento, precisa estar atento para detectar possveis atitudes de violnciado pai ou padrasto, ou mesmo da me, contra as crianas atravs de contatos comvizinhos e suas professoras. A igreja, os amigos ou qualquer vnculo social das crianas

    so meios imprescindveis para identificar essa situao de risco.Mesmo nos casos em que no haja desemprego de algum membro da famlia, importante que todas as crianas da comunidade abrangente sejam periodicamentesubmetidas avaliao fsica, com a finalidade de detectar sinais caractersticos deviolncia domstica. Crianas que vivem na rua em geral tm histria de violncia ounegligncia familiar. preciso reestruturar as famlias dessas crianas para tornarvivel a reintegrao de cada criana na famlia de origem.

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    O profissional de sade precisa incluir estas crianas em seu plano de atendimento. preciso rever o critrio de se prestar atendimento na unidade de sade somente scrianas acompanhadas pelo responsvel. A criao do Estatuto da Criana e doAdolescente ( Lei n 8.069 de 13/07/90), que regulamenta o artigo 227 daConstituio Brasileira de 05/10/88, atribui criana a identidade de cidad e, ainda,uma cidad a quem o Estado, a sociedade e a famlia devem lhe assegurar prioridade

    absoluta. Assim, o enfermeiro pode recorrer aos Conselhos Tutelares ou Varas para aInfncia e Juventude para obter autorizao jurdica para cuidar da criana que seencontra fora de casa ou desacompanhada.

    Intervindo para reduzir riscosA terceira etapa compreende medidas que precisam ser avaliadas caso a caso. Via deregra, o princpio bsico que deve nortear essa etapa ultrapassar os muros dasUnidades Bsicas de Sade e aproximar-se mais da vida da comunidade assistida.

    Considerando que a maioria das famlias brasileiras tem necessidades no-atendidas,os profissionais de sade se depararo com diversas famlias: sem trabalho ou comsalrios insuficientes para seu sustento; sem moradia adequada; com filhosdesnutridos, sem escola ou em escolas com condies precrias. Nesses casos, asaes a serem planejadas devero incluir estmulo e participao nas lutas polticas dacomunidade local. Participar, por exemplo, de reunies promovidas por associao demoradores, com a finalidade de lutar pela sade da comunidade, um exerccio decidadania e consiste em uma ao para a construo de uma sociedade mais justa.

    Para que o profissional de sade tenha xito em suas metas, importante consideraralgumas medidas bsicas:

    Incentivar as famlias a se inscreverem nas unidades bsicas de sade mais prximasde sua residncia para receberem consultas e retornos. Organizar aes dirigidas para a promoo da sade de famlias com algum membro

    em situao de risco. Prover atendimento personalizado, de forma diferenciada para cada indivduo dafamlia. Incluir no plano de trabalho visitas domiciliares, entrevistas individuais, atividadeseducativas em grupo e aes junto rede de servios da comunidade local. Realizar reunies com a comunidade para prestar esclarecimentos e ajud-los asolucionar problemas sociais. Recorrer rede de servios da comunidade para solicitar ajuda quando os problemasde sade forem decorrentes da condio social da famlia. Prover integrao entre distintos programas, por exemplo, a sade da mulher e dacriana. Capacitar-se para detectar sinais, sintomas e evidncias que indiquem a ocorrnciade violncia fsica ou psicolgica criana, ao adolescente, mulher e ao idoso. Providenciar condies de instalao para o atendimento individual ou em grupo(garantir privacidade, disponibilidade de tempo e horrios de atendimento acessveis). Mapear os servios e instituies que podem compor a rede de suporte social(Conselhos Tutelares, as ONGs, as Associaes de bairro, a Igreja, as escolas e oslderes comunitrios). Considerar todos os recursos que participam do processo sade-doena, ainda queestejam fora da governabilidade dos servios da comunidade e difundi-los populao,individualmente ou em grupos. Registrar, nos pronturios, todas as intervenes realizadas e metas a curto e mdio

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    prazo.

    Os pronturios devem conter o mximo de dados possvel. As informaes precisamser atualizadas e acessveis aos demais profissionais da equipe de sade. A circulaode informao sobre as famlias atendidas pelo servio auxilia nas reflexes e tomadasde deciso. Alm disso, um pronturio detalhado, completo e organizado permite obter

    dados precisos para auxiliar nas investigaes cientficas com vistas soluo deproblemas em mbito coletivo.

    Os dados de pronturios so importantes para acompanhar as famlias em situao deexcluso social para, ento, definir as intervenes que visem a promoo, proteo erecuperao da sade. De posse das informaes sobre a composio, estrutura edinmica familiar, alm dos determinantes sociais que afetam a sade dos membrosda famlia, o enfermeiro pode evoluir a assistncia s famlias em situaes de risco etraar novas metas.

    De modo geral, o profissional de sade pode ajudar a famlia a suprir necessidadesbsicas atravs de solues alternativas, em mbito individual (solicitando auxlio aentidades filantrpicas, por exemplo), ou em mbito coletivo (incentivando a

    comunidade a realizar mutires), mas tambm precisa envolver-se com asreivindicaes da comunidade que levam promoo da sade.

    ConcluindoO profissional de sade que atende a famlia em situao de excluso social obterxito se mostrar solidariedade e real interesse em ajudar aqueles que mais sofrem.Assistir s famlias em situao de excluso compreende um compromisso no s como outro, mas tambm com a Nao. O enfermeiro pode e deve aplicar seu cuidar emcampo de maior abrangncia.

    Tal como referem QUEIROZ; SALUM (1996), na prtica, "...intervir em sade hojesignifica assumir a responsabilidade pelo monitoramento/acompanhamento das

    condies de sade da totalidade da populao de um determinado Sistema Local deSade". Os graves problemas sociais no Brasil inviabilizam o xito da assistnciaprestada ao indivduo. Como tratar uma pessoa com desnutrio, por exemplo, semmudar suas condies materiais ou mesmo as condies de saneamento bsico dacomunidade a qual pertence? Por isso, preciso cuidar do coletivo, para que o cuidardo indivduo seja satisfatrio. Da a necessidade de intervenes mais polticas dosprofissionais de sade.

    Que ao final da leitura desse texto, a(o) enfermeira(o) esteja apta(o) a:

    Identificar as famlias em situao de excluso social. Estabelecer prioridades s famlias em situao de risco mais eminente. Elaborar, realizar e avaliar intervenes da equipe de sade em conjunto comlderes comunitrios e demais parceiros da rede de suporte social.

    Autores:Moneda Oliveira Ribeiro1ltima Atualizao:9/26/2001 7:29:40 AM

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    1 Enfermeira. Prof. Dr. do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Psiquitrica daEscola de Enfermagem da Universidade de So Paulo. E-mail:[email protected]

    Referncias BibliogrficasBRASIL, Ministrio da Sade. Secretaria de Assistncia Sade. Coordenao Materno

    Infantil. Diretrizes para implantao de programas de monitorizao da crianaem situao de risco. Braslia, 1996.

    COMPANHIA BRASILEIRA DE METALURGIA E MINERAO. 10 medidas bsicas paraa infncia brasileira. So Paulo, Fundao ABRINQ, 1994.

    QUEIROZ, V. M. de; SALUM, M. J. L. Globalizao econmica e a apartao nasade: reflexo crtica para o pensar/fazer na enfermagem. / Trabalhoapresentado no 48 Congresso Brasileiro de Enfermagem, So Paulo, 1996.

    VALENZUELA, C.; BENGUIGUI, Y. Ateno integral em sade materno-infantil e seuscomponentes. In: OPAS Aes de Sade Materno-Infantil a Nvel Local: segundoas metas da cpula mundial em favor da infncia. Washington, 1997.

    mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]