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A SITUAÇÃO DOS A SITUAÇÃO DOS A SITUAÇÃO DOS A SITUAÇÃO DOS A SITUAÇÃO DOS DIREIT DIREIT DIREIT DIREIT DIREITOS HUMANOS D OS HUMANOS D OS HUMANOS D OS HUMANOS D OS HUMANOS DAS AS AS AS AS COMUNID COMUNID COMUNID COMUNID COMUNIDADES NEGRAS ADES NEGRAS ADES NEGRAS ADES NEGRAS ADES NEGRAS E E E E E TRADICIONAIS DE TRADICIONAIS DE TRADICIONAIS DE TRADICIONAIS DE TRADICIONAIS DE ALCÂNT ALCÂNT ALCÂNT ALCÂNT ALCÂNTARA ARA ARA ARA ARA O direito terra e moradia dos remanescentes de quilombos de Alcntara, MA Brasil Relatrio da Missªo da Relatoria Nacional do Direito Moradia Adequada e Terra Urbana

A situação dos direitos humanos das comunidades negras e

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Page 1: A situação dos direitos humanos das comunidades negras e

A SITUAÇÃO DOSA SITUAÇÃO DOSA SITUAÇÃO DOSA SITUAÇÃO DOSA SITUAÇÃO DOSDIREITDIREITDIREITDIREITDIREITOS HUMANOS DOS HUMANOS DOS HUMANOS DOS HUMANOS DOS HUMANOS DASASASASAS

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ALCÂNTALCÂNTALCÂNTALCÂNTALCÂNTARAARAARAARAARAO direito à terra e à moradia dosremanescentes de quilombos de

Alcântara, MA � Brasil

Relatório da Missão daRelatoria Nacional do

Direito à Moradia Adequadae à Terra Urbana

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Organizador: Nelson Saule Jr. (relator nacional do Direito à Moradia e à Terra Urbana e coordenador daárea Direito à Cidade do Instituto Pólis)

Autores: Nelson Saule Jr., Letícia Marques Osório (assessora da Relatoria e coordenadora do COHREAméricas), Patrícia de Menezes Cardoso e Thais de Ricardo Chueiri (ambas do Instituto Pólis)

Projeto Gráfico Original: Paula Santoro e Renato Fabriga

Capa e Ilustrações: Marcelo Bicalho

Editoração eletrônica e diagramação: Renato Fabriga

Revisão de texto: Iara Rolnik Xavier

Impressão: Gráfica Peres

Fotolito: À Jato

AGRADECIMENTOS:

A Relatoria Nacional da Moradia Adequadae à Terra Urbana agradece às seguintes pessoaspelo apoio e suporte dispensado à organizaçãoe realização da missão a Alcântara, sem as quaisnão seria possível vivenciar a realidade concre-ta das comunidades remanescentes dequilombos e sua luta pela terra: Ivo Fonseca daSilva e Josilene Brandão da Costa (ACONERUQ),

Ana Mélia Campos Mafra (SMDH), InaldoFaustino Silva (MAB), Jonas Borges (MST),Samuel Moraes (STRA), José Francisco Diniz(MNLM), o alcantarense Paulo Fernando e opároco René Belcourt, pelo empréstimo da igre-ja para a realização da audiência pública. Agra-decemos também à OXFAM/PE, ao InstitutoPólis e ao Cohre pelo apoio a esta publicação.

CATALOGAÇÃO NA FONTE - PÓLIS/CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO

PLATAFORMA Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais

A situação dos direitos humanos das comunidades negras e tradicionais de Alcântara. Odireito à terra e à moradia dos remanescentes de quilombos de Alcântara, MA - Brasil.Relatório da Missão da Relatoria Nacional do Direito à Moradia Adequada e à TerraUrbana. São Paulo, Instituto Pólis, 2003. 56p.

1. Direitos Humanos. 2. Direito à Terra. 3. Direito à Moradia. 4. Quilombo. 5. PopulaçãoQuilombola. 6. Violação de Direito. 7. Centro de Lançamento de Alcântara. 8. Alcântara.9. Maranhão. I. Saule Júnior, Nelson. II. Relatoria Nacional do Direito à Moradia Ade-quada e à Terra Urbana. III. Instituto Pólis. IV. Título. V. Título. VI. Título.

Fonte: Vocabulário Pólis/CDI

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SUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIOSUMÁRIO

I. INTRODUÇÃO 0404040404

II. AS COMUNIDADES NEGRAS ETRADICIONAIS E O USO DATERRA: CONFLITOS E LUTAS NOMARANHÃO 071. Os negros no território brasileiro 08

1.1 Os remanescentes dosquilombos 081.2 Identidade cultural e formade organização dos quilombos 09

2. O impacto das políticas públicasnas comunidades remanescentes dequilombos no Maranhão 09

3. As comunidades negras etradicionais e o centro de lançamentosde Alcântara - situaçãopermanente de conflito 14

III. A MISSÃO DA RELATORIA SOBREOS DIREITOS HUMANOS DASCOMUNIDADES DE ALCÂNTARA 181. Atividades da missão da Relatoria 192. Os direitos humanos violados

das comunidades 193. As situações de violação registradas

pela missão da Relatoria 213.1 Os deslocamentos forçadose as violações do direito à terra e àmoradia 213.2 As ameaças de deslocamentosforçados das comunidades deAlcântara 253.3 As ameaças de desestruturaçãosociocultural das comunidades deAlcântara 27

4. A audiência pública da missão sobre asituação dos direitos humanos dascomunidades de Alcântara 28

5. Visita ao centro de lançamento deAlcântara 29

6. Conclusões da missão sobre asituação dos direitos humanos dascomunidades de Alcântara 30

7. Recomendações da Relatoriasobre os direitos humanos dascomunidades de Alcântara 32

IV. FORMAS DE DEFESA DOSDIREITOS DAS POPULAÇÕESQUILOMBOLAS 351. A mobilização da sociedade civil 362. Instrumentos de proteção do direito

à terra e à moradia dos quilombolas 372.1 Breves considerações sobre odireito à terra e à moradia 372.2 Instrumentos nacionais deproteção 392.3 Instrumentos internacionaisde proteção 432.4 Instrumentos regionais deproteção 462.5 Instrumentos internacionais deproteção a despejos edeslocamentos forçados 47

3. Possibilidades de atuação fundiária 49

V. CONSIDERAÇÕES DA RELATORIASOBRE OS ACORDOS DESALVAGUARDAS TECNOLÓGICAS 50

BIBLIOGRAFIA 54

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I.I.I.I.I. INTR INTR INTR INTR INTRODUÇÃOODUÇÃOODUÇÃOODUÇÃOODUÇÃO

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A SITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DASCOMUNIDADES NEGRAS E TRADICIONAIS DE ALCÂNTARA

O Projeto Relatores (as) Nacionais em Direi-tos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais tempor objetivo contribuir para que o Brasil adoteum padrão de respeito aos direitos humanos eco-nômicos, sociais e culturais, com base na Cons-tituição Federal, no Programa Nacional de Di-reitos Humanos e nos tratados internacionais deproteção dos direitos humanos ratificados peloPaís, através da nomeação de especialistas relaci-onados a direitos específicos (educação, saúde,alimentação, moradia adequada, trabalho e meioambiente). Este projeto é coordenado pela Pla-taforma Brasileira de Direitos Humanos Econô-micos, Sociais e Culturais, com apoio do Pro-grama das Nações Unidas para o Voluntariado eda Secretaria de Estado dos Direitos Humanos.Os Relatores (as) Nacionais em DhESC foramnomeados pela sociedade civil com a prerroga-tiva de realizar missões, receber denúncias, in-vestigar situações de violação aos direitos hu-manos e elaborar relatórios analíticos epropositivos sobre a realidade encontrada emrelação aos direitos específicos.

No III Fórum Social Mundial, a denúncia pordanos causados pelos impactos do Centro deLançamento de Alcântara, MA, sobre as Comu-nidades Remanescentes de Quilombos e Tradi-cionais foi apresentada publicamente por mem-bros das comunidades, durante a oficina de tra-balho realizada pelos Relatores (as) Nacionaisem Direitos Humanos Econômicos, Sociais eCulturais, em 26 de janeiro de 2003. Nesta oca-sião foi aprovada a realização de uma missão nomunicípio, para investigar as situações dos di-reitos humanos dessas comunidades.

O Relatório Nacional do Direito à MoradiaAdequada apresentado à Comissão de Direitos

Humanos das Nações Unidas em abril de 2003,em Genebra, denunciou as violações ao direitoà moradia e o processo de desconstrução só-cio-cultural que estas comunidades estão so-frendo em função do projeto de implantaçãodo CLA.

A Relatoria Nacional do Direito à MoradiaAdequada realizou uma missão ao municípiode Alcântara, nos dias 23 a 26 de abril de 2003,com o objetivo de averiguar e discutir a situa-ção do direito à moradia e à terra das comuni-dades rurais, negras e remanescentes dequilombos em função do projeto de expansãodo Centro de Lançamentos de Alcântara (CLA).

A missão da Relatoria Nacional do Direito àMoradia e à Terra Urbana em Alcântara foi arti-culada por iniciativa conjunta às entidades quelutam pelo reconhecimento dos direitos dapopulação remanescente de quilombos queforam ao III Fórum Social Mundial denunciaras violações em andamento em Alcântara. Amissão contou com o apoio dos movimentosnacionais de luta pela moradia e entidades queatuam no campo da defesa dos direitos huma-nos dos afro-brasileiros. O trabalho e mobili-zação dos moradores e lideranças locais foramimprescindíveis para o sucesso da AudiênciaPública e para possibilitar o contato com ascomunidades, superando os obstáculos físicos(distância, falta de estradas e meios adequadosde transporte) para a comunicação.

O trabalho da Relatoria englobou visitas inloco nas áreas originais e de reassentamento onderesidem comunidades remanescentes dequilombos. Em cada comunidade visitada fo-ram realizadas reuniões com os moradores, li-deranças e organizações representativas destas

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comunidades. Foram colhidos dados e ouvidasas reivindicações das comunidades.

A visita às comunidades contemplou asagrovilas, atingidas pela implantação das fasesI e II do CLA e as áreas onde residem as comu-nidades ameaçadas de deslocamento, a serematingidas pelas fases III e IV, cujo processo deimplantação está suspenso em função da dis-cussão do Acordo de Salvaguardas no Congres-so Nacional. Outra situação averiguada, quepode resultar em violação ao direito à mora-dia, diz respeito a das comunidades que estão

ameaçadas de terem o seu território ocupadopelas famílias que serão removidas de seus ter-ritórios de origem em razão da implantaçãodas fases III e IV.

Foi realizada uma Audiência Pública no dia25 de abril de 2003, na Igreja Nossa Sra. DoCarmo, no Centro Histórico de Alcântara, quecontou com a presença de autoridades fede-rais, estaduais e municipais, além da participa-ção massiva de representantes das comunida-des atingidas e ameaçadas, representantes dosmovimentos negro e de luta pela moradia.

I. INTRODUÇÃO

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II.II.II.II.II. AS COMUNIDAS COMUNIDAS COMUNIDAS COMUNIDAS COMUNIDADESADESADESADESADESNEGRAS E NEGRAS E NEGRAS E NEGRAS E NEGRAS E TRADICIONAISTRADICIONAISTRADICIONAISTRADICIONAISTRADICIONAIS

E O USO DE O USO DE O USO DE O USO DE O USO DA A A A A TERRA:TERRA:TERRA:TERRA:TERRA:CONFLITOS E LUTAS NO MARANHÃO

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1. OS NEGROS NO TERRITÓRIOBRASILEIRO

1.1 OS REMANESCENTES DOSQUILOMBOS

A primeira definição de quilombo como“toda habitação de negros fugidos que passemde cinco, em parte despovoada, ainda que nãotenham ranchos levantados nem se achem pi-lões neles”, surgiu em resposta ao Rei de Por-tugal à consulta do Conselho Ultramarino, emdezembro de 1740.

Desta maneira, no Brasil, assim como em ou-tras partes da América onde existiu a escravidão,esses ajuntamentos proliferaram como sinal deprotesto do negro escravo às condições desuma-nas e alienadas a que estavam sujeitos. No Brasil,o quilombo marcou sua presença durante todo operíodo escravista e existiu praticamente em todaa extensão do território nacional.

Na doutrina jurídica nacional, ao longo dosséculos, tem-se o direito do povo negro manti-do separado da “lei oficial”, elaborada e manti-da pelas oligarquias econômicas que estavam nopoder. Ainda muito antes da abolição da escrava-tura, no ano de 1857, quando Teixeira de Freitaselaborou a Consolidação das Leis Civis, as regras jurí-dicas relativas à escravidão foram tratadas em umcapítulo à parte, devidamente classificadas nodenominado Código Negro. Rui Barbosa, anos maistarde, também colaborou para tentar esconder avergonha da opressão desumana ocorrida nopassado, ao determinar a destruição de todos osregistros de escravos pelo governo. A Constitui-

ção Federal de 1988 insere os remanescentes dequilombos como sujeitos de direitos sociais,econômicos, civis e políticos como forma dereativar a memória ligada ao motivo dessa ver-gonha e como meio de resgate da tão negadadignidade do povo negro.

A maior problemática da conceituação dequilombos é que todos os autores que atual-mente tratam do tema têm como base o mar-co das Ordenações Manuelinas e Filipinas e osdemais dispositivos legais do período coloni-al. A definição de quilombo formulada no pe-ríodo colonial atravessou o período Imperiale chegou à República exatamente da mesmaforma, sendo utilizada até os dias de hoje. Oquilombola é sempre o escravo fugitivo e lon-ge dos domínios das grandes propriedades.No entanto, é importante lembrar que houveescravo que não fugiu, que permaneceu autô-nomo dentro da grande propriedade e comatribuições diversas, houve aquele que sonhoufugir e não pôde ou não conseguiu fazê-lo,houve aquele que fugiu e foi capturado e hou-ve aquele que não pôde fugir porque ajudouos outros a fugirem e o seu papel era ficar.

Assim, a interpretação do conceito dequilombo, contido na Constituição Federal de1988, deve abranger todos os casos acima apre-sentados, garantindo-se o direito à terra e os di-reitos daí decorrentes não só apenas ao quilomboformado por escravos fugitivos. A relação doquilombola com a terra ocorre de maneira es-pecial em razão da apropriação sustentável dosrecursos naturais de forma a prover sua subsis-tência e a dos outros que ainda estavam por vir.1

II. AS COMUNIDADES NEGRAS E TRADICIONAIS E O USO DA TERRA:CONFLITOS E LUTAS NO MARANHÃO

1 ALMEIDA, Alfredo Wagner. Os Quilombos e as novas etnias. In: LEITAO, Sérgio. Direitos territoriais das comunidades negrasrurais, Doc.5. São Paulo, Instituto Socioambiental, janeiro, 1999.

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A SITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DASCOMUNIDADES NEGRAS E TRADICIONAIS DE ALCÂNTARA

1.2 IDENTIDADE CULTURAL EFORMA DE ORGANIZAÇÃO DOSQUILOMBOS

Os quilombos possuíam diferentes formasde organização. Havia quilombos pequenos ealguns maiores, mas todos tinham o objetivode fugir do sistema escravista. Em virtude dagrande diversificação da economia escravista,muitas vezes os quilombos reproduziam inter-namente o tipo de economia da área na qual seorganizavam. Os quilombolas possuíam umarelativa organização interna, variando muito delugar para lugar. Sua principal atividade estavavoltada para a agricultura, o que não os impe-dia de exercitarem outras atividades, como ada extração de ouro, trabalho que possibilitavaa aquisição de vacas, peixes e outros alimentos.As mulheres se incumbiam dos afazeres domés-ticos e atividades extrativas, não constando emnenhum documento sua presença em ativida-des guerreiras.

Com relação à forma de organização política,os quilombos tiveram que fortalecer um podercapaz de defendê-los dos inimigos, a fim depreservar sua integridade territorial ao mesmotempo em que mantinham em atividade per-manente grande parte da mão-de-obra ativa dacomunidade na agricultura e em outras ativi-dades produtivas. Do ponto de vista religiosohavia uma mescla de alguns valores do catoli-cismo popular com as religiões africanas.

Assim como em relação à conceituação dequilombo, também há uma grande dificulda-de quanto ao entendimento da questão da iden-tidade cultural dos quilombos contemporâne-os. O desafio, hoje, para a compreensão do sen-

tido do quilombo e para a aplicação correta dodispositivo da Constituição Federal é verificarcomo, historicamente, esses povoados se colo-caram frente aos seus antagonistas, entender suaslógicas, suas estratégias de sobrevivência e suaautodeterminação. Muitas vezes a incorporaçãona identidade coletiva das lutas é maior que aabrangência de um critério racial, não sendoraro encontrar pessoas com descendência indí-gena vivendo em quilombos e se auto-definin-do como pretos.

Por fim, é uma impropriedade tratar osquilombos como “sobrevivência”, como “re-manescente”, como sobra, pois eles são justa-mente o oposto: são o futuro, são o que semanteve de mais preservado. Foram eles quegarantiram aos negros as condições para vive-rem independentes dos favores e benefícios doEstado da época.

2. O IMPACTO DAS POLÍTICASPÚBLICAS NAS COMUNIDADESREMANESCENTES DE QUILOMBOSNO MARANHÃO

As raízes do nosso Brasil podem ser encon-tradas no Estado do Maranhão, que reúne ostraços mais tradicionais desta nação, seja devi-do à sangrenta e atual disputa pela terra, sejapela mistura de raças, credos e ritmos. Comoum dos primeiros lugares do País a receber osescravos negros que chegaram da África, osquilombos se multiplicaram no Maranhão,principalmente no século XIX. As vésperas daindependência, o Estado apresentava a mais altaporcentagem de escravos do Império (55%).2

Hoje, lá se concentram mais de quatrocentas

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comunidades quilombolas dentre as setecentase quarenta identificadas no Brasil.3

A relevância histórica e cultural das terrasde quilombo se dá por serem elas as primei-ras formas de acesso à terra que os “escravosfugidos da senzala” tiveram no Brasil. Assim,o Maranhão se torna símbolo da resistêncianegra e da luta pelo reconhecimento de seusdireitos, bem como da construção de nossanacionalidade.

Dentre os diversos costumes e condições devida das comunidades negras quilombolas ou,melhor, das denominadas “terras de preto”, umtraço lhes é característico e fundamental: o usocomum da terra4. Entretanto, esse costume tam-bém é perverso ao passo que esta característicafaz destas terras território étnico, indivisível enão passível de exploração meramente econô-mica. Ao mesmo tempo é também causa da in-tensificação dos conflitos fundiários e das ten-tativas de expropriação. Os fortes laços de pa-rentesco e o uso comum da terra e de seusrecursos, que despontam como fatores da iden-tidade e resistência quilombola, representamum contraponto à ordem capitalista de expan-são no campo e, portanto, ao sistema legal vi-gente, por não serem passíveis de apropriaçãopara fins de exploração privada.

A inexistência de políticas públicas comenfoque étnico que tratem destes compo-

nentes da estrutura agrária e fundiária bra-sileira produziu um histórico de violaçãoque tem o Estado do Maranhão como oprincipal agente violador. O que significadizer que grande parte das violações aosdireitos das populações tradicionais mara-nhenses ocorreu e continua a ocorrer pelavia oficial, ou seja, por ações e omissõesdo Estado e daqueles que dele se utilizampara benefício próprio. O resultado destedescaso foi o aumento da tensão, insegu-rança, posse e da instabilidade que marcamo cotidiano dessas populações camponesas,vítimas de atos de usurpação de seus direi-tos inalienáveis.

As situações de conflito fundiário que sedestacam na história do Maranhão, são:

As grilagensSegundo dados oficiais, mais de dez por

cento das terras brasileiras estão nas mãos dosgrileiros, ou seja, mais de quarenta e seis mi-lhões de hectares de área incorporada ilegal-mente no patrimônio de particulares em todoo Brasil. Os imóveis suspeitos estão concen-trados principalmente nas regiões norte ecentro-oeste, onde se localizam mais de oi-tenta por cento das áreas griladas em todo oPaís. No norte, a situação ficou totalmentefora de controle, cada grileiro incorporou ao

II. AS COMUNIDADES NEGRAS E TRADICIONAIS E O USO DA TERRA:CONFLITOS E LUTAS NO MARANHÃO

2 De acordo com levantamento preliminar feito pela Fundação Cultural Palmares, citado em MOURA, Carlos Alves, Terras de pretono Maranhão: quebrando o mito do isolamento. Projeto Vida de Negro, CCN-MA, SMDH, São Luís, 2002.

3 Cartilha “Alcântara - Comunidades Remanescentes de Quilombos de Alcântara, Maranhão” elaborada pela Rede Social de Justiçae Direitos Humanos de São Paulo, publicação de agosto de 2002.

4 Tais terras são consideradas de uso comum, o que não impede de haver benfeitorias no povoado pertencentes a uma dada famíliaou indivíduo, sobretudo as moradias e os roçados, que são apropriados privativamente.

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A SITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DASCOMUNIDADES NEGRAS E TRADICIONAIS DE ALCÂNTARA

seu patrimônio uma média de sessenta e oitomil hectares5.

A relação dos atos de grilagem com os apa-ratos do poder possui uma longa história noMaranhão que, muitas vezes, se confunde coma própria história do Estado. Em setenta porcento dos casos de grilagem, os acusados sãoidentificados e entre estes, aparecem de formaexplícita e notória, personalidades que ocupa-ram cargos públicos como os de prefeito e vice-governador. Neste sentido, Victor Asselin avaliaque “se a violência é inerente à grilagem, agrilagem é instrumento do poder, pois foiacobertada, incentivada, encampada e finalmen-te planejada pelo governo.”6

A grilagem, implantada com a vinda dasgrandes empresas do sul e do centro-oeste,abrangeu inclusive corredores de cem quilô-metros de cada lado das rodovias, original-mente e legalmente destinados à coloniza-ção. O único refúgio para os camponeseschegou a ser os trinta metros de terra exis-tentes ao longo das rodovias, empurrados queforam pelas cercas dos latifundiários. Criou-se, então, em âmbito nacional, a faixa priori-tária de desenvolvimento, cortada pelas es-tradas, vias de penetração dos novos interes-ses econômicos.

As delegacias de terras7, cujo objetivoprecípuo era de disciplinar a ocupação e titularas áreas, criaram a mais critica situação detitulação e concentração fundiária na historiado Maranhão marcada, segundo Victor Asselin,pela mais intensa corrupção e fraude, somadasas vendas de terras devolutas sem licitação8.Cerca de noventa por cento das terras propíciasà agricultura no Maranhão pertenciam ao Esta-do quando o governador José Sarney (1966-1971), no penúltimo ano de seu mandato,aprovou a Lei nº2.979, que permitia o requeri-mento da posse de áreas devolutas de até trêsmil hectares. Há de se acrescentar que a leimaranhense, ao contrário de legislações esta-duais similares do País, possibilitava a criaçãode “consórcios” em propriedades vizinhas. Es-tava iniciado assim um dos mais espetacularescasos de grilagem cartorial já testemunhadosno Brasil.

De 1970 para 1995, os dados do último cen-so do IBGE de 1995, os dados confirmam quedesde 70, o Maranhão ainda é um Estado cujaestrutura fundiária é fortemente concentrada.Toda mudança significativa de atuação atingiuapenas um grupo de áreas do Estado cuja somaé menor do que dez hectares9. Escancara-se,desta forma, que os tradicionais “planos de

5 Mais informações consultar o site: www.desenvolvimentoagrario.gov.br

6 ASSELIN, Victor. “Grilagem Corrupção e Violência em Terras Carajás.Petrópolis, Vozes, 1982., citado em MOURA, Carlos Alves,Terras de preto no Maranhão: quebrando o mito do isolamento. Projeto Vida de Negro, CCN-MA, SMDH, São Luís, 2002.

7 O então governador do Maranhão, José Sarney, criou pelo Decreto 3.831 de 6 de dezembro de 1968, uma Reserva Estadual deTerras e seus órgãos, as Delegacias de Terras, no interior do Estado, ligadas à Secretaria da Agricultura. Segundo Asselin, “asDelegacias não tiveram outro objetivo a não ser o de disciplinar a ocupação e o de titular as áreas”.

8 ASSELIN, Victor, op. cit, idem..

9 *PEDROSA, Luis Antonio Câmara. A questão agrária no Maranhão”., artigo do site. www.blznet.com.br/maranhao

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desenvolvimento” não nascem das necessida-des do Estado e menos ainda expressam osanseios do povo trabalhador local.

A implantação autoritária de projetosoficiais sem concordância da populaçãoConforme denunciou estudo do Projeto Vida

de Negro (PVN) todos os casos de implantaçãode projetos oficiais envolvem órgãos ou em-presas estatais federais como o InstitutoNacional de Colonização e Reforma Agrária(INCRA), Petrobrás e Ministério da Aeronáuti-ca. Estes projetos constituem-se de barragens,projetos de revitalização urbana, mega-projetoscomerciais, mega-eventos e, no presente caso,tem-se a implantação e a expansão do Centrode Lançamentos de Alcântara (CLA) em 1982.

Nas últimas décadas o Maranhão tem sido oespaço preferido para a instalação dos chama-dos grandes projetos agropecuários e industri-ais. Com o advento do Programa Grande Carajás,instalaram-se no Maranhão o Complexo de Alu-mínio (ALUMAR), a Ferrovia de Ferro Carajás,a siderurgia de ferro gusa, além das monocul-turas de soja, na região de Balsas, e o doeucalipto voltado à produção de celulose, naregião tocantina (CELMAR).10

Os projetos e mega-projetos implantados emnome do desenvolvimento urbano e econômi-co da região vêm acompanhados, geralmente,de despejos e deslocamentos forçados. Estes

projetos, normalmente, implicam na ocupaçãode vastas porções de área para sua implantaçãoe futura expansão, ensejando ações oficiais enão oficiais de remoção de pessoas pobres esuas casas, quando estas localizam-se nas áreasde interesse do empreendimento. Além disso, acomplexidade do objeto ou atividade do em-preendimento a ser implementado (centro deenergia, grande centro comercial, centro de altatecnologia, etc.) geralmente não absorvem amão-de-obra não qualificada das comunidadeslocais atingidas11.

Assim, ao se analisar a historia do Maranhão,fica evidente que o Estado serviu de palco paraexperiências de supostos projetos nacionais de“desenvolvimento” que conflitaram sobremaneiracom as verdadeiras necessidades da populaçãolocal, sobretudo os camponeses e, dentre estes, aspopulações tradicionais sobre as quais os efeitosda expulsão da terra são muito mais perversos.Dos depoimentos de remanescentes de quilombosde Alcântara depreendemos esta assertiva:

“A Base veio com a finalidade de des-manchar o que achou. A Base descontrolouo local. Nós não somos acostumados comeste negócio de foguete. O local é pequenopara colocar gente aqui. Só saio daqui se formorto. Meus filhos vão fazer casa aqui, nos-sa lavoura é aqui, a igreja fomos nós quefizemos. Nós queremos aqui é força para

II. AS COMUNIDADES NEGRAS E TRADICIONAIS E O USO DA TERRA:CONFLITOS E LUTAS NO MARANHÃO

10 Conforme relato na pg;3 da publicação do Seminário “Alcântara: A Base Espacial e os impasses sociais”, realizado nos dias 11,12,13 e 14 de maio de 1999 no município, organizado pela FETAEMA, CONTAG, STR com apoio da Prefeitura Municipal deAlcântara.

11 Uma análise compreensiva sobre mega-eventos e despejos forçados pode ser encontrada em COHRE, Forced Eviction: violationsof human rights. Geneva, 2003.

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A SITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DASCOMUNIDADES NEGRAS E TRADICIONAIS DE ALCÂNTARA

melhorar a situação. Eu não assino papeldeles não. Nas agrovilas nenhum tem casa. Acasa é da Base, eles não têm documento denada. O coronel Da Base faz o seguinte: temque pedir para pescar, eles dão umacarteirinha que pode ir pescar de 8 em 8dias. O igarapé é a nossa feira, mas a ostra jáfalta depois que o pessoal das agrovilas che-gou.” (SIMÃO REIS DO ARAÚJO, 60 anos e17 filhos -Comunidade de Samucangaua)

Técnicos e militares, pautados pelos pressu-postos da modernização e tendo como justifi-cativa o pretenso desenvolvimento econômicoe a conquista espacial, violam, pelo desconhe-cimento, as formas pré-existentes de organiza-ção social e econômica de diferentes segmentossociais de Alcântara, desorganizando suas basesmateriais e simbólicas de identidade cultural, eassim, de reprodução social. A perda da terra,significa assim, a desconstrução da identidadesocial e cultural do quilombola.

Deve-se frisar que desenvolvimento susten-tável não se confunde com simples crescimentoeconômico e com modernização tecnológica. Elenão é meramente o aumento da área urbanizadaou uma sofisticação e modernização do espaço,mas sim, um desenvolvimento sócio-espacial nae da localidade. Vale dizer, deveria significar a con-quista de melhor qualidade de vida para um número crescentede pessoas e cada vez mais justiça social. Se o que temos éa produção de mais riqueza acompanhada porum aumento nas disparidades econômicas noseio de sua população, se o crescimento da cida-

de se faz às custas da destruição de ecossistemas,patrimônio histórico e cultural, à custas de vio-lência e violação de direitos, é ferir o bom sensofalar em desenvolvimento sustentável.12 Segun-do os dados do IBGE, o Estado do Maranhãocresce menos do que o Brasil e o Nordeste, pos-suindo a maior parte da população vivendo abai-xo da linha da miséria, recebendo menos de R$80,00 por mês.

Não se pode deixar de mencionar, ainda, quea luta por documentação junto à Justiça, a explo-ração econômica, a perseguição, a violência e ainvasão das áreas pelos rebanhos bovinos ebubalinos - elemento desorganizador da econo-mia dos pequenos produtores agrícolas - são si-tuações características de conflitos relacionados àsterras de preto, que representam também formas deexpulsão dos trabalhadores rurais de suas terras.

Desta forma, apontamos os principais efei-tos da implantação destes projetos:

• A violação do direito à terra das populações negras etradicionais nas áreas rurais, mediante o nãocumprimento da Constituição Federal de1988, a expulsão dos trabalhadores ru-rais do campo, os deslocamentos força-dos devido à implantação de projetos dedesenvolvimento, as ameaças de despejopromovidas pelo próprio Estado, os con-flitos de terra e as mortes no campo.

• O “extermínio” das populações tradicionais, namedida em que não se permite a susten-tabilidade econômica e social das comu-nidades quilombolas e tradicionais.

12 SOUZA, Marcelo Lopes de. ABC do desenvolvimento urbano.Rio de janeiro, Bertrand Brasil, 2003.

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• A desagregação da economia rural e concentração daterra e benefícios pela implantação de projetosque levaram a proliferação dos latifúndi-os de criação de gado e de monoculturade soja. Essa produção, voltada principal-mente para o mercado externo, levou adestruição de roçados pelos gados e a in-tensificação do êxodo rural, dada a poucautilização de mão-de-obra regional pelatecnização agrícola, levando ao aumentoda miséria e degradação da vida no cam-po e nas cidades.

• O aumento da desigualdade social com o em-pobrecimento e degradação das condições de vidadas comunidade s a fe tadas no Es tado doMaranhão.

3. AS COMUNIDADES NEGRAS ETRADICIONAIS E O CENTRO DELANÇAMENTOS DE ALCÂNTARA -SITUAÇÃO PERMANENTE DECONFLITO

“A aeronáutica vai às estrelas e deixa opovo no escuro”.

(Excerto do depoimento de umtrabalhador rural deslocado)

Breves Informações sobre o município deAlcântaraAlcântara tem muitos séculos de história. Sua

área foi inicialmente habitada por índiosTupinambá. Os franceses ocuparam o local nofinal do século XVI e dominaram a região até1616, quando foram expulsos pelos portugue-ses. A produção local passou a ser baseada naescravidão indígena e africana.

O município foi fundado em 1648 e suaeconomia baseava-se na produção de cana-de-açúcar e algodão sustentada pelo trabalho eraescravo negro. Em 1759 as fazendas dos jesuí-tas foram confiscadas e vendidas a particulares.As propriedades das Ordens Religiosas dosCarmelitas e Mercenários permaneceram até ofinal do século XIX e depois foram repassadas àIgreja ou ao Estado, originando as comunida-des tradicionais.

Nesta época, Alcântara passou a ser habitadapor escravos e descendentes de índios. Veio aqueda do preço do açúcar e as pressões pelaabolição da escravatura formando muitos dosquilombos da região. A importância histórica ecultural dessas comunidades denominadas “re-manescentes de quilombos” fez com que aConstituição brasileira de 1988 reconhecesse odireito delas aos seus territórios.

Alcântara localiza-se na Baixada Ocidentalmaranhense a vinte e dois quilômetros de SãoLuís, capital do Estado. Possui um rico patri-mônio histórico e, em função disso, desde 1948Alcântara passou a ser considerada Cidade Mo-numento Nacional por ato do Governo Fede-ral. O município possui uma população de vintee um mil habitantes, sendo cerca de vinte e seispor cento desses habitantes residindo na zonaurbana e setenta e quatro por cento na zonarural, segundo dados do IBGE.

Com uma área total de cento e quarenta enove mil hectares, a economia de Alcântara ésustentada basicamente pelo turismo na sede,decorrente de seu rico patrimônio histórico ecultural, pela pesca artesanal e pela agriculturade subsistência. A cidade possui apenas um hos-pital e somente uma escola de ensino médio sen-

II. AS COMUNIDADES NEGRAS E TRADICIONAIS E O USO DA TERRA:CONFLITOS E LUTAS NO MARANHÃO

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A SITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DASCOMUNIDADES NEGRAS E TRADICIONAIS DE ALCÂNTARA

do o índice de analfabetismo um dos maioresdo Estado do Maranhão. O principal meio deacesso ao município é o transporte marítimofeito em barco rústico ou em lancha. O desloca-mento interno é realizado por estradas em con-dições totalmente precárias mediante o uso deanimais de tração, carroças e camionetas de par-ticulares, inexistindo transporte público que li-gue o centro da cidade às comunidades rurais.A maioria das comunidades não possui luz elé-trica, muito menos água e esgoto tratados. Arenda média familiar de noventa e um por cen-to da população é de até dois salários mínimossendo que somente 0,1% da população possuiuma renda de mais de vinte salários mínimos.

O Impacto do Centro de Lançamentos nomunicípio de AlcântaraEm 1979 o Ministério da Aeronáutica reco-

mendou ao governador do Estado da Maranhãoa desapropriação da área onde está localizado oCentro de Lançamentos de Alcântara. O decretoestadual de desapropriação de doze de setem-bro de 1980, assinado pelo então governadorJoão Castelo, garantia ao Ministério da Aero-náutica uma área de cinqüenta e dois mil hec-tares para a instalação da Base Espacial, localonde viviam duzentas famílias de trabalhado-res rurais de várias comunidades tradicionais.

Em 1982, o Ministério da Aeronáutica e oEstado do Maranhão assinaram um Protocolode Cooperação, no qual o Ministério se com-promete a buscar fundos para adquirir, regula-rizar e desocupar os lotes necessários à implan-tação da Base. O Estado do Maranhão, por suavez, comprometeu-se com a destinação de lo-tes públicos para reassentar a população afeta-

da. O município também se comprometeu damesma forma.

Em 1983, o Decreto Federal nº 88.136 deprimeiro de março criou o Centro de Lança-mentos de Alcântara (CLA), com o único pro-pósito de executar e apoiar atividades espaci-ais, testes científicos e experimentos de inte-resse do Ministério da Aeronáutica, relaciona-dos, portanto, com a política nacional de de-senvolvimento espacial.

Em 1985, novo convênio é assinado entre aUnião e o Estado do Maranhão, sendo decompetência deste a desapropriação de áreasatingidas pelo projeto da Base as quais, junta-mente com as áreas que já eram de domínioestadual, seriam então transmitidas à União. Deacordo com o mesmo documento, todas as de-sapropriações deveriam ter estado prontas atésetembro de 1985. O Estado do Maranhão pro-moveu, portanto, vários processos de desapro-priação contra moradores do território étnico,denominados invasores. Os estudos topográfi-cos realizados pelo Ministério da Aeronáuticasomente consideraram a titulação formal/registral e oficial das áreas, apesar da configu-ração real do território.

Em 1986, é expedido Decreto pelo Executi-vo Federal áreas rurais da União para oreassentamento das famílias atingidas pelas de-sapropriações. O reassentamento das famíliasocorreu para módulos de terra com quinze hec-tares, contrariando o Estatuto da Terra, que de-termina o módulo rural mínimo de trinta hec-tares, inviabilizando o auto-sustento da popu-lação deslocada.

O Decreto em questão retirou a base legalda principal reivindicação das comunidades.

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Isto provocou o enfraquecimento do processode mobilização das comunidades e populaçãoatingida pela Base, iniciando a partir de 1990um declínio na sua força reivindicatória. Alémdisso, permitiu que a Aeronáutica conseguisserealizar as primeiras agrovilas, ou seja, os con-juntos habitacionais construídos pelo Centrode Lançamentos de Alcântara para o remaneja-mento das comunidades tradicionais secularesmoradoras dos povoados próximos à Base. Fo-ram colocadas nas agrovilas diversas comuni-dades. Em algumas delas, foram reunidas dife-rentes comunidades num mesmo local, o quecontribuiu para os conflitos internos, que an-tes não ocorriam naquele território.

Em 1991, um novo Decreto Presidencial de-clarou de utilidade pública para implantaçãooutra área de dez mil hectares, aumentando aárea da Base para 62 mil hectares. Neste mo-mento, cerca de cinqüenta por cento do muni-cípio de Alcântara já havia sido ocupado pelaCLA, estimando-se que cerca de 3.600 famíliasestavam dentro da área da Base Espacial. Comeste Decreto, criou-se uma série de embargosde natureza jurídica, com graves prejuízos àscomunidades já que todos os processos saíramda Justiça Estadual tornando-se competência daJustiça Federal, sediada em São Luís.

Em 1996, a CLA e o Ministério da Aeronáuticaassinaram um acordo com a INFRAERO, que pas-sou a ser responsável pela exploração comercial epelo desenvolvimento das atividades gerenciais doaeroporto e do Centro de Lançamentos. Há umaclara contradição entre estes objetivos e o perfilde interesse público presentes nas justificativas dedesapropriações realizadas pelos governos fede-ral e estadual. Com isso, o governo federal assu-

miu o processo de desapropriação que antes eraconduzido pelo Estado do Maranhão.

Nos depoimentos dos moradores das terras depreto que sofreram desapropriações é unânime aassertiva de que saíram perdendo. Comprovan-do os efeitos prejudiciais da implementação au-toritária de projetos, uma pesquisa sócio-eco-nômica realizada na área palafitada da Camboa(bairro periférico próximo ao centro de São Luiz)constatou que mais de noventa por cento dapopulação daquela região era negra e proceden-te dos povoados atingidos pelo Centro de Lan-çamentos. Neste aspecto, a população jovem dascomunidades atingidas pela implantação da Baseé a que mais sofre, ficando sem terra no camposem trabalho na cidade. É notório que em mo-mento algum o projeto da Base Espacial incor-porou os interesse das futuras gerações, autori-zando se quer, a construção de casas dos filhosque casam junto à família13.

“Tem muita vida, muita criança aqui.Vamos tirar nossos filhos dessa terra parabotar onde? Aqui eu tenho tudo no mun-do. Então, para onde eu vou? Criei 12 fi-lhos. O que vou fazer na cidade? Vou cho-rar dez anos. E um menino chora três diaspara desmamar da mãe. Tirar nós daqui épra matar. Era melhor matar nós com osfoguetes. Eu fui olhar a casas da agrovila enão me agradei. Era muito baixa. O coro-nel disse que não podia dar 30 hectaresporque Alcântara é muito pequena. Ele disseque a casa e os 17 hectares iam ter docu-mento. Mas não tem nada, nem a casa nema terra.” (JOSÉ FERREIRA DE CARVALHO,80 anos - Comunidade Santa Maria)

II. AS COMUNIDADES NEGRAS E TRADICIONAIS E O USO DA TERRA:CONFLITOS E LUTAS NO MARANHÃO

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A SITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DASCOMUNIDADES NEGRAS E TRADICIONAIS DE ALCÂNTARA

13 Conforme diagnosticou FERNANDES: “Outro problema se refere aos filhos que, ao contraírem matrimônio, em função domodelo social estático do Plano de Relocação do GICLA, não possuem os lotes urbanos e rurais, onde tenham condições de sereproduzir material e socialmente, enquanto trabalhadores, alterando as regras do chamado sistema velho, como menciona odepoimento de um morador da agrovila de Cajueiro: ‘O sistema velho era o seguinte: Olha aqui é Cajueiro, então Cajueiro tácrescendo, meu filho casou, faz a casa encostado de mim. Filho de fulano casou, faz a casa. (...) Agora não se o cara chegar tem quetomar uma submissão deles lá, pra consegui fazê uma casa no Cajueiro, Cajueiro Novo’. O termo submissão, expresso pelotrabalhador deslocado, se refere a uma autorização dada pelo responsável do “setor de patrimônio” do Ministério da Aeronáutica,para construção de uma moradia para o filho que constituiu novo grupo familiar. Nesse sentido, a ação do Ministério implica numprocesso que posso denominar de limpeza étnica, na medida em que não permite a reprodução econômica e social de novosgrupos familiares”. FERNANDES, Carlos Aparecido. Deslocamento compulsório de trabalhadores rurais: o caso do Centro deLançamentos de Alcântara - Maranhão. Artigo do site www.abrareformaagraria.org.br

A implantação autoritária do Centro de Lan-çamentos de Alcântara desconsiderou, portan-to, a existência de populações rurais locais etradicionais e suas peculiaridades. As relegou aextinção ou a sobrevivência nas palafitas daperiferia de São Luis do Maranhão.

Como resultado da política de implantaçãoautoritária de projetos, dos quais a implanta-ção do CLA é simbólico, o que resultou paraAlcântara e sua população? Com certeza não foio desenvolvimento. O CLA ocupou praticamen-te toda a área litorânea do município, restrin-gindo as áreas propícias à pesca, à agricultura eao turismo.

“A Base não dá sossego, tá trazendo pre-juízo. Antes tinha sururu, ostra, camarão.Veio o povo da agrovila e isso acabou. E setirarem a gente daqui? É o mesmo que ti-rar uma criança pequena da mãe. Meu paie minha mãe nasceram aqui. Eles já morre-ram a mais de dez anos. Minha mãe diziaque na escravidão prendiam os escravos nopau e eles apanhavam, depois deitavam elesde barriga pro chão e pisavam em cima,como se fossem uma ponte. A estrada foifeita com nossos braços. A gente tem tam-

bor de crioula, muita gente toca, aqui é acasa da festa. Nós cantamos, rezamos, temDia de Reis, é 6 de janeiro. Tem que dançar,que suar. Os homens batem tambor e asmulheres dançam. Essa era terra de enge-nho. Eles pagavam os escravos com farinha.Depois virou terra liberta, terra de santo,de santíssimo. Ou terra de preto, dequilombo. Antes tinha um bocado de pei-xe. Agora, com muita gente no lugar, temfalta. Temos medo, preocupação. (...) Nos-sa farinha é o pão da terra. Se não tiver fa-rinha nós morremos. Temos banana, fei-jão, mandioca, milho arroz. Trabalho naroça das 5 da manhã até 5 da tarde. A gentetrabalha junto, os grupos na roça. Reveza-mos a terra”. (LÚCIA ANSTÁCIA DOS SAN-TOS, 67 anos - Comunidade de Irizal)

A instalação da Base trouxe graves impactossociais e culturais às comunidades que tradici-onalmente vivem na região. A situação deAlcântara possui, um elevado grau de conflitopor ali conviverem um projeto de tecnologiade ponta aeroespacial internacional e as neces-sidades, interesses e a preservação das comuni-dades locais.

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III.III.III.III.III. A MISSÃO DA MISSÃO DA MISSÃO DA MISSÃO DA MISSÃO DA RELAA RELAA RELAA RELAA RELATTTTTORIAORIAORIAORIAORIASOBRE OS DIREITSOBRE OS DIREITSOBRE OS DIREITSOBRE OS DIREITSOBRE OS DIREITOS HUMANOSOS HUMANOSOS HUMANOSOS HUMANOSOS HUMANOSDDDDDAS COMUNIDAS COMUNIDAS COMUNIDAS COMUNIDAS COMUNIDADES DEADES DEADES DEADES DEADES DEALCÂNTALCÂNTALCÂNTALCÂNTALCÂNTARAARAARAARAARA

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A SITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DASCOMUNIDADES NEGRAS E TRADICIONAIS DE ALCÂNTARA

1. ATIVIDADES DA MISSÃO DARELATORIA

A missão da Relatoria foi realizada por Nel-son Saule Júnior, relator nacional do Direito àMoradia e à Terra Urbana e coordenador da áreaDireito à Cidade do Instituto Pólis; por LetíciaMarques Osório, assessora da Relatoria e coor-denadora do COHRE Américas; e por Patríciade Menezes Cardoso e Thais de Ricardo Chueiri,ambas da equipe Direito à Cidade do InstitutoPólis.

No dia 22 de abril de 2003, em seu pri-meiro dia no Maranhão, a Relatoria partici-pou de uma reunião em São Luiz, na sede daACONERUQ (Articulação das ComunidadesNegras Rurais Quilombolas). A associação foiuma das entidades organizadoras daAudiência Pública e apoiadoras da missão,assim como a Sociedade Maranhense de Di-reitos Humanos (SMDH), o Movimento dosAtingidos pela Base (MAB), o MovimentoNacional de Luta pela Moradia (MNLM) e oSindicato dos Trabalhadores Rurais deAlcântara.

No dia 23 de abril a Relatoria, já emAlcântara, visitou à comunidade Canelatiua,ameaçada de deslocamento.

No Dia 24 de abril a Relatoria visitou as co-munidades que foram removidas para as agro-vilas de Cajueiro, Peru, Marudá e Espera. Nestemesmo dia foi feita uma visita à Comunidadede Itapuaua, ameaçada de desestruturação sociale cultural.

No dia 25 de abril a Relatoria coordenou ostrabalhos da audiência pública sobre a situaçãodas comunidades de Alcântara realizada na Igreja

Nossa Sra. Do Carmo, no centro histórico dacidade.

No dia 26 de abril a Relatoria realizou umavisita ao Centro de Lançamentos de Alcântara(CLA).

2. OS DIREITOS HUMANOSVIOLADOS DAS COMUNIDADES

Com base nos diversos estudos, relatórios,depoimentos e na missão realizada pela Relatoriado Direito à Moradia Adequada e à Terra Urba-na, foram constatadas as seguintes situações queresultam de violação dos direitos humanos dascomunidades de Alcântara:

Comunidades Deslocadas deForma ForçadaComunidades que foram, em função da

Implementação da fase inicial do Centro deLançamentos de Alcântara, forçadas a deixar suasterras sendo removidas para agrovilas situadasem áreas distantes do local de origem e sem amesma metragem das terras ocupadas tradicio-nalmente.

Comunidades Ameaçadas deDeslocamentoComunidades localizadas na área de expansão

das atividades do Centro de Lançamentos deAlcântara que deverão ser removidas de suas terras.

Comunidades Ameaçadas de Desestrutu-ração Social e CulturalComunidades que terão que receber cente-

nas de famílias provenientes das comunidadesameaçadas de deslocamento no território onde

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estão localizadas suas terras e moradias, resul-tando na desestruturação da cultura tradicio-nal, da produção agrícola de subsistência, dadegradação dos recursos naturais, além da per-da de sua identidade cultural.

Com base nestas situações, a Relatoria doDireito à Moradia e à Terra Urbana constatou aviolação dos seguintes direitos das comunida-des de Alcântara remanescentes de quilombose tradicionais:

Direito a Cidades SustentáveisO Direito a cidades sustentáveis, um direito

coletivo e difuso das comunidades negras e tra-dicionais, vem sendo violado pelo Estado brasi-leiro através das autoridades na esfera da União,Estado do Maranhão e município de Alcântara.Há a total ausência de políticas públicas, progra-mas e projetos que viabilizem o acesso a terra, àmoradia, ao saneamento ambiental, à infra-es-trutura urbana, ao transporte e serviços públi-cos, ao trabalho e lazer para as presentes e futu-ras gerações dessas comunidades.

Direito à MoradiaComunidades removidas de suas terras de

origem têm seu direito à moradia violado deforma grave por não terem tido a devida ga-rantia de defesa e do devido processo legal nosprocessos administrativos e judiciais de remo-ção. As comunidades ameaçadas de deslocamen-to e de desestruturação sociocultural tem seusdireito à moradia violado por viverem em áre-as sem infraestrutura e serviços públicos comosaúde, educação e transporte, ou por viveremem áreas que apresentam precárias condições

de habitabilidade, com infra-estrutura e servi-ços públicos deficientes.

Direito CulturalAs comunidades remanescentes de qui-

lombos e tradicionais, consideradas pela Cons-tituição como patrimônio cultural brasileiro,têm seus direitos culturais gravemente viola-dos pelas ações do Estado do Maranhão e daUnião, em especial as que foram removidas desuas terras de origem. Por total falta de apoio eassistência do Estado brasileiro, sofrem com orisco de perderem sua identidade, memória eformas de viver.

Direito à PropriedadeO direito de propriedade foi violado pelo

fato de o Estado Brasileiro não ter efetuado ne-nhuma forma justa de reparação para as comu-nidades que perderam suas propriedades, ter-ras e moradias as tornando mais pobres e mi-seráveis. A terra é fonte de trabalho e renda e,portanto, de sobrevivência.

Direito à AlimentaçãoO direito à alimentação das comunidades

negras e tradicionais está sendo violado tantoem função do fim ou redução da produção agrí-cola de subsistência, como devido ao impedi-mento de acesso aos locais de pesca por açãoou determinação do Poder Público.

Direito ao TrabalhoO direito ao trabalho foi violado em razão

das comunidades deslocadas que perderam suasterras de origem perderem a sua principal fon-te de trabalho e renda. A violação deste direito

III. A MISSÃO DA RELATORIA SOBRE OSDIREITOS HUMANOS DAS COMUNIDADES DE ALCÂNTARA

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A SITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DASCOMUNIDADES NEGRAS E TRADICIONAIS DE ALCÂNTARA

também se configura pela falta de apoio , in-vestimento, programas e projetos do Estadobrasileiro visando a geração de trabalho e ren-da para as famílias destas comunidades.

Direito à Igualdade - Direito de Não SerDiscriminadoNo processo de implantação do Centro de

Lançamentos de Alcântara, as comunidadestradicionais, por serem negras, foram ampla-mente discriminadas com relação a proteçãodos seus direitos e ao tratamento das autori-dades do Poder Executivo e Legislativo nasesferas federal, estadual e municipal e pelosmembros do Poder Judiciário na esfera fede-ral e estadual.

Direito de Assistência Jurídica Integral eGratuitaAs comunidades negras e tradicionais têm

sido lesadas em seus direitos e em seu acessoà Justiça pela falta da prestação do serviço deassistência jurídica gratuita pela DefensoriaPública da União ou do Estado do Maranhão.

Direito à Participação Política e Exercícioda CidadaniaAs comunidades negras e tradicionais tive-

ram os seus direitos de participação política eao exercício da cidadania totalmente desrespei-tados pelo Estado Brasileiro que não reconhe-ceu a legitimidade de participação das suas orga-nizações e lideranças nos processos decisóriosde elaboração e execução das políticas públicasno município, em especial no processo de im-plantação do Centro de Lançamentos deAlcântara.

3. AS SITUAÇÕES DE VIOLAÇÃOREGISTRADAS PELA MISSÃO DARELATORIA

3.1 OS DESLOCAMENTOSFORÇADOS E AS VIOLAÇÕES DODIREITO À TERRA E À MORADIA

“Oficialmente Alcântara é de 1648 masdesde 1613 que já há registro sobre a his-tória de Alcântara. De 1860 até 1980, maisde 120 anos que o estado Brasileiro dei-xou Alcântara no abandono. Em 1980 o go-verno brasileiro lembrou de Alcântara maisnão foi pra pagar sua enorme dívida social(...) foi justamente pra colocar uma Base,sem consultar a comunidade, causandotoda desorganização social que hojeAlcântara vive”. (Domingos Dutra – Depu-tado Estadual PT/MA)

Os deslocamentos forçados ocorreram paraa implantação das fases I (1986) e II (1987 e1988) do CLA, permitindo o lançamento deveículos movidos a combustíveis sólidos e acombustíveis líquidos, respectivamente.

Para a construção da I fase, quinhentas e vintepessoas foram transferidas para cinco agrovi-las, enquanto que a implantação da fase IIensejou o deslocamento forçado de oitocentose trinta habitantes para duas agrovilas. Foramdeslocados os residentes das comunidades dePirarena, Cajueiro, Marudá, Espera, Ponta Seca,Laje, Jenipaúba, Santo Antônio, Ponta Alta,Jabaquara, Peru, Titica, Santaninha, Cavem,Pedro Marinho, Santa Cruz, Aldeia, Capijuba,Santa Helena e São Francisco.

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Os deslocamentos forçados foram realizadospelo próprio Estado, fazendo com que as pes-soas sentissem-se forçadas a sair. Quanto a isto,a Sub-Procuradora Geral da República, em suafala na Audiência Pública, denunciou:

“A moda neste país em relação a negroe índio sempre foi tomar uma decisão degabinete, sem consultar o local onde aque-la decisão pode surgir efeito, remanejandoa população”.

A população reassentada pertencia a váriascomunidades tradicionais que foram realocadaspara sete agrovilas contra a sua vontade e me-diante desconsideração de sua realidade sócio-cultural, ocasionando conflitos internos inexis-tentes anteriormente.

Assim, muito ao contrário de acessar o pro-gresso e o prometido desenvolvimento, o queas comunidades rurais quilombolas de Alcântaravivenciaram demonstra que:

• o deslocamento das comunidades foi fei-to de forma forçada e simplista para áre-as distantes do mar e dos igarapés;

• não foi feito nenhum diagnóstico quepermitisse uma avaliação da realidade so-cioeconômica e cultural, o interesse e asqualidades dessas famílias, como práti-cas agrícolas, atividades econômicas de-senvolvidas, força de trabalho utilizada eapropriação dos recursos naturais;

• os povoados que possuíam terras sufi-cientes e férteis e praticavam a agricul-tura tradicional (com atividades de pes-ca, caça e extrativismo) explorando de

forma coletiva os recursos naturais doterritório ocupado, foram transferidospara um espaço limitado pelas frontei-ras oficiais;

• a cada família foi garantido apenas umlote de quinze hectares para produzir lon-ge dos locais de pesca e com terras im-próprias para a agricultura de subsistên-cia que praticavam;

• o acordo não respeitou a continuidadedas atividades econômicas das comuni-dades, assim como atingiu o direito à fa-mília e as práticas religiosas.

As desapropriações lentas e as indeniza-ções irrisóriasAs comunidades de Alcântara remanescen-

tes de quilombos sofreram deslocamentos for-çados como conseqüência de ações de desapro-priação que visavam a instalação do Centro deLançamentos. Há também a omissão do Estadodo Maranhão quanto à sua responsabilidadepela emissão dos títulos definitivos de posse àsessas comunidades rurais .

De 1995 até os dias atuais foram propostasdez ações discriminatórias pela União Federal,visando à desapropriação, demarcação, delimi-tação, discriminação e registro das áreas doCentro de Lançamentos. A apreciação legal estásendo presentemente conduzida com base noregistro cartorial das propriedades e não naconfiguração da ocupação territorial de fatopraticada pelas comunidades no território ét-nico. Nenhuma das ações propostas mencionaas comunidades ancestralmente constituídasnem tampouco as redes de interação social doterritório ao qual pertenciam.

III. A MISSÃO DA RELATORIA SOBRE OSDIREITOS HUMANOS DAS COMUNIDADES DE ALCÂNTARA

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A SITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DASCOMUNIDADES NEGRAS E TRADICIONAIS DE ALCÂNTARA

Na Audiência Pública realizada durante aMissão da Relatoria em Alcântara a Sub-Procuradora Geral da República, Dra. ArmandaFigueiredo, constatou que:

“Outro grande equívoco é tentar subs-tituir a destruição de uma vida auto-sus-tentável por dinheiro e por casa.”

As ações de desapropriação foram ajuizadasem Alcântara em setembro de 1985. A partir deum decreto de 1991, do então PresidenteFernando Collor, os processos foram transferi-dos para a Justiça Federal de São Luís. A grandemaioria dos desapropriados ainda não recebeusuas indenizações, o que tem gerado uma de-gradação das condições de vida das famílias quenasceram e se criaram vivendo em harmonia comos recursos naturais (ecossistema) e territoriais.

Tramita no Ministério Público Federal uminquérito para averiguar possíveis irregularida-des verificadas na implementação e no desen-volvimento da Base de Lançamentos de Alcântara.O inquérito também questiona a inexistência deum estudo de impacto ambiental e do respecti-vo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA)quando da implantação do Centro.

Da situação precária nas agrovilasO atual território das agrovilas, de quinze

hectares, tem área muito inferior ao localanteriormente ocupado pelas comunidades,além de sua qualidade e produtividade sereminsuficientes para a subsistência das famílias. Omódulo rural mínimo, previsto no Estatuto daTerra em trinta hectares, não foi consideradopara fins do reassentamento.

Mais de trinta comunidades remanejadasderam origem a sete agrovilas: Marudá, SóAssim, Pepital, Cajueiro, Espera, Peru e PontaSeca.

Não há assistência técnica agrícola disponí-vel no local e o acesso à área de pesca, distantedez quilômetros das moradias, depende da pas-sagem por dentro da área cercada do CLA. Paraisso, o Centro lhes disponibiliza um crachá deidentificação que deve ser exibido perante asguaritas de segurança. As famílias foram assen-tadas em casas de setenta e dois metros quadra-dos e receberam indenizações irrisórias pelasbenfeitorias e terras que anteriormente possu-íam. Os valores de muitas indenizações aindaestão em discussão na Justiça.

Apesar de terem acesso à educação, as famí-lias vivem na extrema pobreza. As agrovilas estãolocalizadas em área de propriedade da União,desapropriadas com a finalidade de receber asfamílias deslocadas e não tituladas em nomedestas. Por esta razão, a Direção Geral do Cen-tro de Lançamentos de Alcântara entendia serde sua competência a gestão do uso e ocupa-ção do solo das agrovilas e não do plano dire-tor municipal, constitucionalmente obrigató-rio para cidades com mais de vinte mil habi-tantes e de interesse turístico, como é o caso deAlcântara.

A Direção Militar do CLA é quem decide eautoriza, ou não, a reforma e a construção decasas, a abertura e o funcionamento de peque-nos comércios, a demarcação e subdivisão deterrenos bem como impede a entrada de no-vas pessoas para fins de moradia, subtraindode forma gravíssima o poder civil local. OBrasil é um Estado Democrático de Direito,

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cabendo às autoridades municipais eleitas de-mocraticamente no município, nos termos daConstituição brasileira, o exercício das fun-ções institucionais e de governo através doPoder Executivo municipal e da Câmara Mu-nicipal de Vereadores.

Os filhos das pessoas realocadas não têmgarantia de permanência na área ou de recebi-mento futuro das terras a título de herança. Alémdisso, o CLA não lhes permite edificar novascasas junto às existentes de seus pais, nem aomenos ampliar as existentes. O morador Sr.Moraes, a esse respeito, afirma haver “um casode mendigação neste povoado”.

Na audiência pública realizada durante amissão da Relatoria em Alcântara, os represen-tantes das comunidades atingidas e ameaçadase dos movimentos de defesa das populaçõesnegras e de luta pela moradia, denunciaram agrave situação das agrovilas.

“Qual é o problema das agrovilas?Primeiro, não há documentação. Até hoje

essas famílias não receberam documentaçãonem do lote urbano e nem das suas glebas. Se-gundo, as agrovilas não têm autonomia por-que elas foram pensadas para ser uma extensãodo quartel militar. Terceiro, a fome. Essas famí-lias que antes tinham pesca com fartura, hojenão tem, estão distantes doze, treze quilôme-tros do local de pesca. E o local de pesca não éde fácil acesso porque a área de pesca deles setornou área da Base Militar. O quarto problemaé que não há programa de desenvolvimentoeconômico das agrovilas. O modo de vida, omodo de produção foi desorganizado, na horaem que cada família pegou quinze hectares,então limitou, as pessoas de hoje não têm con-dições de fazer partilha,porque a terra ficoupequena e a população aumentou.” DomingosDutra – Deputado Estadual PT/MA)

III. A MISSÃO DA RELATORIA SOBRE OSDIREITOS HUMANOS DAS COMUNIDADES DE ALCÂNTARA

VISITA ÀS COMUNIDADESDESLOCADAS - AGROVILAS

Foram visitadas as agrovilas de Cajueiro,Peru, Marudá e Espera.

Na agrovila Espera foi realizada umareunião com as lideranças e moradoreslocais. A agrovila tem cerca de dezesseteanos e possui hoje entorno de cem habi-tantes correspondentes a dezessete famí-lias que sobrevivem da agricultura desubsistência de mandioca, milho, arroz eda pesca. Na agrovila, no entanto, o soloé pobre e não facilita a produção que

passa a não gerar excedente a ser comer-cializado. Os moradores apontam comoproblemas críticos que tem dificultado asobrevivência e levado a expulsão dosjovens, a falta de terra em função da re-dução do módulo bem como a falta deassistência técnica quanto à tecnologiapara o cultivo.

Os moradores revelam que vivem em um“impasse” para construir novas casas porqueé a CLA quem determina se poderão ou nãoconstruir, como e onde, delimitando as áreaslonge do núcleo da comunidade, onde as pes-soas não querem morar.

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A SITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DASCOMUNIDADES NEGRAS E TRADICIONAIS DE ALCÂNTARA

As casas da agrovila são de alvenaria, excetouma ou outra auto-construída de taipa. A águautilizada é de poço artesiano, não há coletade lixo e há energia elétrica nas casas. Umônibus passa na região três vezes ao dia, exis-te uma escola de primeira à quarta série comuma professora na comunidade.

Os moradores se organizam através de umaassociação comunitária existente há dez anose com ela têm lutado por melhorias para so-brevivência na agrovila, como o acesso à praia,posto de saúde e titulação. Explicam que oMinistério da Aeronáutica somente indeni-zou as benfeitorias até então, sendo que a in-denização mais substancial que é a da terraesta sendo feita em separado e discutida naJustiça até os dias de hoje.

A maior preocupação dos moradores écom seus filhos que, segundo narram, se en-contram “sem terra, sem casa e sem traba-

lho”. Sr. Inocêncio, morador da Agrovila SóAssim conta o que lhe aconteceu quanto àcompulsoriedade do deslocamento e o pre-juízo irresgatável na mudança de sua vida, equanto a dificuldade para o trabalho e pre-servação de sua família:

“Minha terra tá no centro do Centro deLançamento de Alcântara. Daí, fui obrigado avendê a terra porque quando chegou uns do-cumentos que era pra vendê, pra vendê, pravendê. Eu era uns dos que não queria. Masera obrigado a vender, porque a gente nuncateve este costume de deslocamento emAlcântara. Eles indenizaram a casa e as roças apreço de banana. (...) Foram mais de vinteviagens até o quartel, brigando, reivindican-do meus direitos porque eu não podia jogarmeus filhos fora. (...) Minha vontade é terrapra trabalhar. Hoje não tem terra pra mimnem pra quem trabalhava comigo”.

3.2 AS AMEAÇAS DEDESLOCAMENTOS FORÇADOSDAS COMUNIDADES DEALCÂNTARA

Está ainda por ser implantadas as fases III eIV do projeto, destinadas à adaptação do cen-tro de operações com veículos de lançamentorecicláveis de grande porte.

O projeto de expansão da Base deslocariacerca de mil e quinhentos habitantes: sua faseIII corresponde à desocupação de seis milhectares e ao reassentamento forçado de tre-zentas e treze pessoas. A fase IV atingirá as

comunidades de Itapera, Pirajuna e Alegre,totalizando a desocupação de oito mil hecta-res e o deslocamento de mil habitantes. Des-te total, 158 famílias serão deslocadas para 5comunidades diferentes que já abrigam ou-tras 103 famílias.

Estão ameaçadas de despejo as comunida-des de Canelatiua, visitada pela Relatoria,Itapera, Manuninha, Mato Grosso, Brito, VistaAlegre, Caiava, Baracatatiua, Mamuna, SantaMaria, Engenho, Retiro, São Paulo, Uru-Mirim,Tapera, Ponte do Murio e Uru-Grande. Não foirealizado até o momento nenhum diagnósticoque permita a avaliação da realidade socioeco-

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nômica e cultural, o interesse e as qualidadesdessas famílias, as práticas agrícolas que persis-tem, as atividades econômicas desenvolvidas, aforça de trabalho utilizada e apropriação dosrecursos naturais, questões fundamentais aserem consideradas em um processo dereassentamento populacional.

A expansão do Centro de Lançamentos e oconseqüentemente reassentamento das comu-nidades não têm prazo previsto ou estipuladopara ocorrer, fato que contribui sobremaneirapara justificar a não implementação de políti-cas públicas e sociais no local pelos governosestadual e municipal.

Quanto a possibilidade de expansão da Baseatravés da implantação da fase III e IV e a garan-tia dos direitos das comunidades negras ruraistradicionais, Domingos Dutra, deputado estadualdo Maranhão, afirmou na Audiência Pública:

“Todo município de Alcântara é um territó-rio étnico, é uma mistura de índio e negro prin-cipalmente. Todos os povoados se comunicam,seja pela cultura, pela religião, pela produção. OEstado Brasileiro, por determinação dos Consti-tuintes de 1988, tem obrigação de garantir estasterras para os remanescentes de quilombos. É in-compatível a expansão da Base com o direito àconstrução dessas comunidades”.

III. A MISSÃO DA RELATORIA SOBRE OSDIREITOS HUMANOS DAS COMUNIDADES DE ALCÂNTARA

VISITA À COMUNIDADEAMEAÇADA DE DESLOCAMENTO

A Relatoria do Direito á Moradia e à TerraUrbana visitou a comunidade de Canelatiuaque está ameaçada de deslocamento forçadopela expansão do CLA (implantação da faseIII e IV doprojeto).

A comunidade se localiza no Sul deAlcântara e possui cerca de 160 habitan-tes, na maioria de descendência africana eindígena. Eles se referem a Canelatiua,antes de ela ter abrigado um engenho,como terra de índio. Segundo Sr. DomingosRamos Ribeiro, 78 anos, uma das pessoasmais velhas de Canelatiua, o povoado temcerca de 400 anos. Ele conta que essas ter-ras foram doadas pelo antigo proprietá-rio e que guarda consigo esse documentode doação.

Canelatiua tem como principal forma desubsistência a agricultura (cultivo de mandi-oca, milho, arroz, feijão, melancia,etc.) e apesca. Possuem uma área de roça separada ecoletiva perto de suas moradias. A água utili-zada nas moradias vem de poço artesiano.Existe uma escola com duas salas na comuni-dade de ensino da 1ª à 8ª série. A maioria dosmoradores é católica (há evangélicos tam-bém), foram eles mesmos que construíram aigreja, e apontaram como principal celebra-ção o festejo de Nossa Senhora de Aparecida,comemorado no mês de dezembro.

Segundo os moradores, o CLA os aconse-lhou a não plantar e não construir casas por-que não seriam indenizados pela iminente re-moção. O medo da remoção fez com que mui-tas pessoas, principalmente os jovens, fossempara outras cidades como São Luiz (capital doEstado do Maranhão) e São Paulo(SP). Além

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A SITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DASCOMUNIDADES NEGRAS E TRADICIONAIS DE ALCÂNTARA

disso, dada a ameaça de deslocamento, não foiimplantado nenhum serviço público reivin-dicado pela comunidade como um posto desaúde e estradas de acesso.

A principal reivindicação da comunidadeé a permanência na terra, a mesma dos seusancestrais, a mesma que tiram seu sustento. Sr.Domingos diz: “Plantar com os dentes e co-lher com a gengiva”:plantar moço e colheraté o fim da vida, explicam os moradores.

O depoimento, durante a AudiênciaPública, de Neta, moradora de Canelatiua eneta do Sr. Domingos, expressa claramente

o sentimento da comunidade:“Se o Centro de Lançamento que che-

gou aqui há vinte anos não pode ser re-tirado porque é definitivo, e nós que es-tamos lá a mais de duzentos anos?!”.

E assim conclui:“Todos nós estamos prontos a resistir e

lutar, o que nos interessa é a terra onde mo-ramos, porque até hoje, durante esse vintesanos de Centro de Lançamento, já foram lan-çados vários foguetes, vários satélites, masnenhum dos foguetes que foram lançadosfizeram teste pra plantar mandioca no céu.”

3.3 AS AMEAÇAS DEDESESTRUTURAÇÃOSÓCIOCULTURAL DASCOMUNIDADES DE ALCÂNTARA

Muita comunidades de Alcântara vêm sofren-do ameaças de terem seus territórios ocupadospelas famílias das comunidades removidas dasáreas onde serão implantação as fases III e IVdo projeto de expansão do Centro de Lança-mentos de Alcântara.

O reassentamento deve ocorrer em áreas lo-calizadas longe da praia e já densamente ocu-padas por outras comunidades remanescentesde quilombos que mal conseguem sobreviveràs custas da exploração das terras onde vivem.Estão ameaçadas de receber os reassentados ascomunidades de Itapuaua, visitada pelaRelatoria, Peroba de Cima, Peroba de Baixo,Cajitiua, Esperança, Periri, Forquilha, Murari,Santana, Vai com Deus, Prainha de Cima e Prai-nha de Baixo.

VISITA À COMUNIDADEAMEAÇADA DE RECEBER EMSEU TERRITÓRIOCOMUNIDADES REASSENTADAS

A Relatoria do Direito à moradia visitoua comunidade de Itapuaua, ameaçada de re-ceber em suas terras parte das cento e cin-qüenta e oito famílias deslocadas pertencen-

tes a onze comunidades tradicionais que, se-gundo o CLA, seriam “diluídas” em territó-rio já tradicionalmente ocupado por outrascomunidades.

Os moradores temem a constante escas-sez dos recursos naturais e o esgotamentodo solo, sobretudo nas regiões afetadas pelodeslocamento da fase I e II e nas localizadaspróximas ao igarapé. A população da agrovila

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de Marudá é um exemplo dos que hoje têmque dividir peixe e ostras com as agrovilaslocalizadas distante da praia.

Segundo Dutra:“As condições de vida dos povoa-

dos previsto para serem relocados sãomil vezes melhor que a dos povoadosque saíram. Quem vai em Itapera vê.Itapera está na beira da praia, as pesso-as passam dois meses sem pegar umreal, mas lá ninguém passa fome, nin-guém passa necessidade (...) as pesso-as vão à praia que está a menos de umquilômetro e pegam peixe e camarãopara sobreviver!”.

Itapuaua possui cerca de cinqüenta e sete

casas a grande maioria de taipa e telhadode palha. A alimentação de seus moradoresé baseada na mandioca, arroz, milho,sururu, peixe, camarão e ostra. Tanto a po-pulação jovem quanto a idosa continua tra-balhando com o buriti e o babaçu e na roçade toco que, exigem muito trabalho: há aroça comum e a individual, sendo que umajuda o outro na roça. A comunidade nãotem serviço de energia elétrica nem postode saúde, somente uma escola com ensinobásico.

A comunidade reivindica infra-estrutura,o reconhecimento de suas terras e se coloca,principalmente, contra novos deslocamentose reassentamentos em seu território.

4. A AUDIÊNCIA PÚBLICA DAMISSÃO SOBRE A SITUAÇÃO DOSDIREITOS HUMANOS DASCOMUNIDADES DE ALCÂNTARA

No dia 25 de abr i l foi real izada aAudiência Pública da Missão da Relatoria doDireito à Moradia e à Terra Urbana na Igre-ja Nossa Sra. Do Carmo no centro históricode Alcântara, que contou com a presença deautoridades federais, estaduais e municipais,além da participação massiva de represen-tantes das comunidades atingidas e ameaça-das, dos movimentos negro e de luta pelamoradia.

A ACONERUQ (Articulação das Comunida-des Negras Rurais Quilombolas) foi uma dasentidades organizadoras da Audiência Pública

III. A MISSÃO DA RELATORIA SOBRE OSDIREITOS HUMANOS DAS COMUNIDADES DE ALCÂNTARA

e apoiadoras da missão, assim como aSociedade Maranhense de Direitos Humanos(SMDH), o Movimento dos Atingidos pela Base(MAB), o Movimento Nacional de Luta pelaMoradia (MNLM) e o Sindicato dos Trabalha-dores Rurais de Alcântara.

Participaram da Audiência Pública que foicoordenada pela Relatoria do Direito à Mora-dia e à Terra Urbana os seguintes órgãos, seusrespectivos representantes e autoridades:

- Secretaria Especial de Direitos Humanosda Presidência da República, Sr. NilmárioMiranda

- Câmara dos Vereadores de Alcântara, Pre-sidente Sr. Nilson dos Santos Ferreira

- Gerência Metropolitana do Estado doMaranhão, Sra. Marli Abdala

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A SITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DASCOMUNIDADES NEGRAS E TRADICIONAIS DE ALCÂNTARA

- Ministério Público Federal - ProcuradoriaGeral da República, Dra. ArmandaFigueiredo

- Ministério Público Estadual- Comissão de Desenvolvimento Urbano da

Câmara dos Deputados, Deputado AryVanazzi -PT

- Direção Geral do CLA, Coronel JorgePagés

- Fundação Cultural Palmares- Deputado federal Pedro Fernandes, PTB- Deputado estadual Domingos Dutra, PT- Deputada estadual Helena Hiullyr, PT- ACONERUQ (Associação das Comunida-

des Negras Rurais Quilombolas), IvoFonseca da Silva

- SMDH (Sociedade Maranhense de Di-reitos Humanos), Anamélia CamposMatra

- MAB (Movimento dos Atingidos pelaBase)

- Sindicato dos Trabalhadores Rurais deAlcântara, Inaldo Faustino Silva e SamuelMoraes

- Federação dos Trabalhadores na Agricul-tura do Maranhão

- Fórum Nacional de Reforma Urbana:União Nacional por Moradia Popular,Creuzama de Pinho, Movimento Na-cional de Luta pela Moradia, José Fran-cisco Diniz

- MST (Movimento dos Trabalhadores SemTerra), Jonas Borges

- Instituto Pólis, Nelson Saule Junior e Pa-trícia de Menezes Cardoso

- Centro de Justiça Global, AndressaCaldas

- Rede Social de Justiça e Direitos Huma-nos, Evanize Sydow

- IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil),Maria Laís da Cunha Pereira

- CCN (Centro de Cultura Negra), IvanRodrigues

- COHRE (Centre on Housing Rights andEvictions), Leticia Osório Marques

- Fundação da criança e do adolescente,Joana Martines

- Favelafro, Lamartini Silva- Movimentos dos povos pela Saúde, Irmã

Ane

5. VISITA AO CENTRO DELANÇAMENTOS DE ALCÂNTARA

No último dia da missão no dia 26 de abrilfoi realizada visita ao Centro de Lançamentosde Alcântara (CLA) por uma comitiva daRelatoria, lideranças locais e moradores.

Constatou-se, durante a visita ao Centro deLançamentos, que a área junto à praia anterior-mente ocupada pelas famílias das agrovilas, éhoje destinada à residência temporária dos téc-nicos e funcionários que permanecem no CLAdurante a campanha, período que antecede as ati-vidades de lançamento de veículos espaciais. Avila militar Tapireí abriga vinte casas auxiliarespara clientes da base, oitenta casas para técni-cos de nível médio e vinte e uma casas parafuncionários de nível superior. Por que as co-munidades quilombolas não foram mantidasneste local original e as residências administra-tivas construídas onde hoje estão as agrovilas,já que ambas são contíguas à área de abrangên-cia do CLA?

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6. CONCLUSÕES DA MISSÃOSOBRE A SITUAÇÃO DOS DIREITOSHUMANOS DAS COMUNIDADES DEALCÂNTARA

A missão da Relatoria do Direito à MoradiaAdequada, baseada nas visitas in loco às comuni-dades afetadas pelo projeto de implantação e ex-pansão do CLA, nos relatos e depoimentos co-lhidos nas referidas comunidades e na audiên-cia pública realizou os seguintes apontamentos:

1. As comunidades já deslocadas para asAgrovilas não possuem área adequadapara a agricultura de subsistência; nãorecebem assessoria para incremento dastécnicas de plantio e colheita; não sãobeneficiários de políticas públicas soci-ais por parte dos governos federal, esta-dual ou municipal; não têm o título dasterras que ocupam; não têm acesso di-reto ao mar para o exercício da pesca edependem da autorização expressa doCLA para poderem reformar ou ampli-ar suas residências.

2. As famílias deslocadas forçadamente nãoreceberam o devido pagamento das in-denizações para compensar a perda desuas propriedades e o bloqueio do aces-so aos recursos econômicos e naturaisdelas provenientes.

3. As comunidades ameaçadas de desloca-mento pela potencialidade de expansãodas atividades do CLA (implementaçãodas fase III e IV), não são beneficiáriasde políticas públicas sociais, não pos-suem o título das terras que ocupam eencontram-se em situação de inseguran-

ça no exercício da posse das áreas onderesidem, tornando-se vulneráveis.

4. As comunidades que residem nas áreasindicadas para receber as famílias ame-açadas de deslocamento alegam a pre-cariedade das condições atuais de mo-radia, a falta de políticas sociais de saúde,educação e geração de renda, além dopouco espaço para receber novos mo-radores.

5. As ações desenvolvidas pela atual dire-toria do CLA em relação às comunida-des das agrovilas vão além de suas com-petências: atuam como fiscal de proces-sos de ocupação do solo, definindo ouproibindo novas construções, aceitan-do ou vetando o estabelecimento de pe-quenos comércios ou a moradia de no-vas pessoas, definindo os locais e os ho-rários para a pesca. Há um completocontrole exercido pelo CLA sobre a vidaquotidiana das comunidades.

6. Ausência de um plano de reassentamen-to e de desenvolvimento econômico esocial para as comunidades atingidas ecomunidades rurais e de um programanacional de regularização e legalizaçãoda posse da terra das comunidades re-manescentes de quilombos e demaisáreas tradicionalmente ocupadas.

7. O Poder Público municipal não exercesuas competências de planejamento, re-gulação e controle do uso e ocupaçãodo solo do município de Alcântara.

8. Alcântara não possui um plano diretorque discipline o zoneamento urbano erural, que defina as formas de uso e ocu-

III. A MISSÃO DA RELATORIA SOBRE OSDIREITOS HUMANOS DAS COMUNIDADES DE ALCÂNTARA

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A SITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DASCOMUNIDADES NEGRAS E TRADICIONAIS DE ALCÂNTARA

pação e edificação no território do mu-nicípio incluindo a área do Centro deLançamentos, bem como as formas deatuação do município referente a pre-servação do patrimônio histórico e dodesenvolvimento de atividades turísti-cas e culturais.

9. O enfraquecimento do Poder PúblicoMunicipal face o processo institucionalde responsabilidade administrativa doPrefeito pela Câmara Municipal.

10. A elaboração do Diagnóstico Local In-tegrado Sustentável (DLIS) pelo Gover-no do Estado do Maranhão, financiadocom recursos da Agência Espacial Brasi-leira, não conta com a participação di-reta e adequada das comunidades atin-gidas. O DLIS tem por objetivo elaborarpropostas para o desenvolvimento sus-tentável de Alcântara a partir de um di-agnóstico da situação atual.

11. A existência de denúncias perante osorganismos internacionais de proteçãodos direitos humanos visando respon-sabilizar o Governo Brasileiro quantoàs violações de direitos econômicos,sociais e culturais. Várias organizaçõesda sociedade civil – comunidadesSamacanaua, Iririzal, Ladeira, Só Assim,Santa Maria, Canelatiua, Itapera eMamuninha, Sociedade Maranhense deDireitos Humanos, Centro de JustiçaGlobal, Centro de Cultura Negra doMaranhão, Associação das Comunida-

des Negras Rurais Quilombolas doMaranhão (ACONERUQ), a Federaçãodos Trabalhadores na Agricultura do Es-tado do Maranhão (FETAEMA) e a Glo-bal Exchange – apresentaram uma pe-tição à Comissão Interamericana de Di-reitos Humanos visando à reparaçãodos direitos violados1.

12. O interesse das comunidades remanes-centes de quilombos e suas entidadesrepresentativas em efetivar seu direito àterra e à moradia mediante a concreti-zação, o mais rápido possível, da regu-larização e titulação dos seus territóri-os, das terras de preto.

13. O interesse do Governo Federal emimpulsionar a titulação das terras dascomunidades quilombolas garantidapela Constituição Federal mediante aconstituição de espaços de discussãoe deliberação sobre políticas e açõesdestinadas a promover e a protegerseus direitos econômicos, sociais eculturais. Foi verificado, entretanto,uma excessiva demora na implantaçãode medidas concretas emergenciais ede longo prazo que revertam as péssi-mas condições de acesso à saúde e àeducação pública e de qualidade pe-los quilombolas.

14. A inexistência de cláusulas consisten-tes com os ditames das leis internacio-nais de proteção aos direitos humanosnos Acordos Internacionais de Salva-

1 Caso aberto na Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 28 de agosto de 2001 – nº 0555/2001. Em 2002, o COHREapresentou Amicus Curiae Brief como suporte à petição inicial.

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guardas Tecnológicas possibilitam queos governos signatários pratiquem gra-ves violações aos direitos humanos dosindivíduos e comunidades remanes-centes de quilombos. A execução doobjeto destes acordos afetará com des-locamentos e despejos forçados as re-feridas comunidades e indivíduos cujasterras vêm sendo ilegalmente desapro-priadas pelo próprio Estado, visandoatender à necessidade de expansão fu-tura do Centro de Lançamentos deAlcântara.

7. RECOMENDAÇÕES DARELATORIA SOBRE OS DIREITOSHUMANOS DAS COMUNIDADES DEALCÂNTARA

A Relatoria do Direito à Moradia Adequadaapresenta as seguintes conclusões e recomen-dações, dirigidas aos Governos Federal, do Es-tado do Maranhão e do município deAlcântara, às comunidades remanescentes dequilombos e às organizações da sociedade ci-vil local, as quais advieram da AudiênciaPública e das denúncias colhidas diretamentejunto às comunidades. Há uma urgente ne-cessidade de ação social pelos governos com-petentes no sentido de garantir àquelas comu-nidades condições dignas de moradia e sobre-vivência. Desde a realização da missão em abrilde 2003, a Relatoria do Direito à Moradia Ade-quada propôs a constituição de um Grupo Exe-cutivo Interministerial do Governo Federal, oqual finalmente veio a ser constituído em tre-ze de maio de 2003 pelos órgãos que têm a

responsabilidade de intervir mediante ações,planos e programas visando reparar e elimi-nar as violações dos direitos econômicos, so-ciais e culturais que afetam as comunidadesquilombolas de Alcântara.

O Grupo de Trabalho Interministerial deveficar encarregado de elaborar e executar umplano de ação em Alcântara contendo as seguin-tes medidas:

1. Projeto de desenvolvimento sustentá-vel para as comunidades atingidas: Re-alização de projetos de desenvolvimen-to sustentável, geração de emprego erenda para as comunidades atingidasque residem nas áreas litorâneas e ri-beirinhas. Estes projetos são de respon-sabilidade da União, do Estado doMaranhão e do município, com a parti-cipação ampla das comunidades atingi-das pela implantação passada e futurado CLA e do Governo Federal (INCRA,Ministério da Cultura, Ministério das Ci-dades, Secretaria Especial de Combate aDiscriminação Racial);

2. Titulação das áreas atualmente perten-centes ao Estado e à União em benefí-cio das comunidades residentes, a serexecutado pelo Governo do Maranhão,INCRA e Fundação Palmares, com acom-panhamento do Ministério Público;

3. Cessar e evitar novos deslocamentosforçados de comunidades residentes nasáreas atingidas pelo CLA; cabendo aSecretaria Especial de Direitos Humanosestabelecer os acordos necessários paraesta finalidade;

III. A MISSÃO DA RELATORIA SOBRE OSDIREITOS HUMANOS DAS COMUNIDADES DE ALCÂNTARA

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A SITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DASCOMUNIDADES NEGRAS E TRADICIONAIS DE ALCÂNTARA

4. Ampliar as áreas de cultivo nas agrovi-las, realizar assessoria técnica e buscar fi-nanciamento para a agricultura familiar,visando a geração de emprego e renda;

5. Chamar à responsabilidade o municípiopara:• promover o seu planejamento, disci-

plinar sobre o uso, ocupação e edifi-cação do solo em seu território;

• elaborar e executar o Plano Diretorda cidade envolvendo a participaçãopopular;

• desenvolver um plano de recuperaçãoe preservação do patrimônio histórico(Ministério da Cidade e Ministério daCultura, Governo do Estado doMaranhão).

6. Chamar à responsabilidade o Estado e omunicípio quanto às ações que devemser desenvolvidas para a melhoria da qua-lidade e do acesso ao ensino médio efundamental;

7. Chamar à responsabilidade a União,Estado e município quanto à pavi-

mentação e conservação das estra-das e implementação de transportepúblico terrestre e marítimo de for-ma a melhorar e baratear a acessibi-lidade das comunidades às áreas dis-tantes de moradia;

8. Garantia da participação das comuni-dades atingidas no processo de discus-são e implementação do DLIS – Diag-nóstico Local Integrado Sustentável, comvista ao atendimento de suas reivindi-cações acima listadas;

9. Realização de Estudo de Impacto Ambi-ental, a ser acompanhado pelo MinistérioPúblico, incluindo os aspectos sociais,culturais, étnicos, e ambientais dos im-pactos da implantação e expansão doCLA;

10. Implementação de um programa dedocumentação civil para a populaçãoresidente nas áreas atingidas, visando asua regularização e conseqüente habili-tação a processos e indenizações relati-vos às áreas desapropriadas.

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III. A MISSÃO DA RELATORIA SOBRE OSDIREITOS HUMANOS DAS COMUNIDADES DE ALCÂNTARA

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IVIVIVIVIV..... FORMAS DE DEFESA FORMAS DE DEFESA FORMAS DE DEFESA FORMAS DE DEFESA FORMAS DE DEFESADOS DIREITDOS DIREITDOS DIREITDOS DIREITDOS DIREITOS DOS DOS DOS DOS DASASASASAS

POPULAÇÕESPOPULAÇÕESPOPULAÇÕESPOPULAÇÕESPOPULAÇÕESQUILOMBOLASQUILOMBOLASQUILOMBOLASQUILOMBOLASQUILOMBOLAS

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1. A MOBILIZAÇÃO DA SOCIEDADECIVIL

A expansão do Centro de Lançamentos deAlcântara é incompatível com a permanênciada população em suas terras. Isto significa quea implantação da fase III e IV é inconstitucionale ilegal, já que expulsa das terras de preto seus an-cestrais proprietários.

Considerando a urgência da garantia dosdireitos das populações remanescentes dequilombo pelo reconhecimento e titulação desuas terras, pontuamos as principais iniciativasdesta luta em âmbito nacional:

• A interposição de petição denuncian-do o Estado Brasileiro e os Estados Uni-dos quanto às violações ocorridas emAlcântara à Comissão Interamericanade Direito Humanos (2001)

Várias organizações da sociedade civil – co-munidades Samacanaua, Iririzal, Ladeira, SóAssim, Santa Maria, Canelatiua, Itapera eMamuninha, Sociedade Maranhense de Direi-tos Humanos, Centro de Justiça Global, Centrode Cultura Negra do Maranhão, Associação dasComunidades Negras Rurais Quilombolas doMaranhão (ACONERUQ), a Federação dos Tra-balhadores na Agricultura do Estado doMaranhão (FETAEMA) e a Global Exchange -apresentaram uma petição à Comissão Inter-americana de Direitos Humanos denunciandoo Estado Brasileiro pela desestruturação socio-

cultural e violação do direito à propriedade edo direito à terra tradicionalmente ocupada porestas comunidades, visando a reparação dessesdireitos violados1. Denunciou-se a violação daConvenção Americana de Direitos Humanos edo pacto Internacional de Direitos Econômi-cos Sociais e Culturais, acordos internacionaisdos quais tanto o Brasil como os Estados Uni-dos são signatários.

Essas organizações requereram providênciasà Corte Interamericana no sentido de ordenar oGoverno Brasileiro a efetuar o reconhecimentoe titulação do território étnico de Alcântara, de-terminar que o Estado brasileiro cesse de imedi-ato todas os deslocamentos planejados de outrascomunidades tradicionais (implantação da faseIII e IV) e elabore um plano de Desenvolvimen-to Local Sustentável. Este deverá potencializar asvocações produtivas da região, preservando seupatrimônio étnico, histórico, ambiental, artísti-co e cultural, garantindo a participação diretadas comunidades tradicionais envolvidas. Ain-da, deverá ser incluída no plano a possibilidadede retorno da população deslocada para os seuslugares de origem.

• Plebiscito Nacional contra a ALCA eAlcântara (2002)

O Plebiscito Nacional sobre a ALCA eAlcântara foi realizado em todos os vinte e seteestados da Federação, em quase 4 mil municí-pios e envolveu mais de 150 mil pessoas vo-luntárias de centenas de organizações popula-

IV. FORMAS DE DEFESA DOS DIREITOS DASPOPULAÇÕES QUILOMBOLAS

1 Caso aberto na Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 28 de agosto de 2001 – nº P 0555/2001. Em 2002 COHREapresentou Amicus Curiae brief como suporte à petição inicial.

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A SITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DASCOMUNIDADES NEGRAS E TRADICIONAIS DE ALCÂNTARA

res, movimentos sociais do campo e da cidade,Igrejas, sindicatos, federações sindicais, entida-des estudantis, movimentos de mulheres, asso-ciações profissionais, ONGs e partidos políti-cos. O Plebiscito foi realizado na Semana daPátria, de 1º a 7 de setembro.

Do total de 10.149.542 votantes no Plebis-cito noventa e oito e meio por cento disseramNÃO para a seguinte pergunta: O governo brasileirodeve entregar parte de nosso território – a Base de Alcântara– para controle militar dos Estados Unidos?

Seminários e OficinaAs organizações e movimentos das comu-

nidades quilombolas e as organizações de di-reitos humanos, bem como as de trabalhado-res rurais do Maranhão têm utilizado váriosespaços para divulgar a situação de Alcântara.Visam buscar apoio de outros segmentos dasociedade civil e atores sociais como, porexemplo, as oficinas realizadas durante oFórum Social Mundial de 2002 e 2003 emPorto Alegre,RS.

Audiências PúblicasAs organizações e movimentos das comuni-

dades quilombolas e as organizações de direi-tos humanos bem como as de trabalhadoresrurais do Maranhão têm utilizado o instrumen-

to de participação popular das audiências pú-blicas para buscar soluções para a situação dascomunidades negras e tradicionais em Alcântara.Um exemplo foi a audiência realizada em con-junto com a Relatoria do Direito à Moradia e àTerra Urbana no dia 25 de abril de 2003.

2. INSTRUMENTOS DE PROTEÇÃODO DIREITO À TERRA E ÀMORADIA DOS QUILOMBOLAS

“A quem não consegue morada numdeterminado lugar, embora esse seja aquele

em que nasceu, ou aquele donde não se podemais migrar, costuma dizer-se que é um

estrangeiro em sua própria terra.”(Jacques Alfonsín)

2.1 BREVES CONSIDERAÇÕESSOBRE O DIREITO À TERRA E ÀMORADIA

Abordar a questão da terra e do direito à ter-ra das comunidades remanescentes de quilombosé chamar a atenção para a complexidade da situ-ação fundiária e das características sócio-cultu-rais e econômicas das comunidades negras, terrasde preto2 e dos demais territórios assim, e pelaspróprias comunidades, denominados.

2 Conforme a investigação denominada Projeto Vida de Negro, no Maranhão, foram encontrados diversos povoados onde osmoradores, eles próprios, agrupavam o sufixo “dos pretos” ao nome do povoado, que explicitam o “pertencimento a”. Outrospovoados também utilizavam essa dominação quando se localizavam em antigas áreas de exploração indígena ou que haviam sidoentregues pela Igreja Católica à União. Daí a denominação terra de pretos utilizada enquanto conceito que incorpora o sentido deuso comum da terra, compreendida como abrangendo recursos hídricos e florestais (Terras de Preto no Maranhão: quebrando omito do isolamento – CCNM e SMDH, São Luís, 2002). “As denominadas terras de preto compreendem aqueles domínios doados,entregues, ocupados ou adquiridos, com ou sem formalização jurídica, às famílias de ex-escravos a partir da desagregação degrandes propriedades monocultoras” (ALMEIDA, Alfredo Wagner. Terras de Preto, Terras de Santo e Terras de Índios: uso comum econflito. Revista do NAEA, UFFPA, 1989).

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Poucas questões são tão complexas quantoa questão da terra e dos direitos associados àposse e ao uso vital deste recurso finito. Omodo de apropriação e controle sobre a terraexerce influência sobre a forma de exercíciodo poder econômico e político de determi-nado país e sobre a forma de distribuição dariqueza nacional. Aqueles sem proteção ao di-reito à terra enfrentam inseguranças, falta deacesso à renda e aos serviços básicos e sofremuma ampla gama de violações relacionadas aosseus direitos humanos.

A concentração da terra nas mãos de umapequena minoria, a falta de moradia e a corres-pondente impossibilidade de alcance de umpadrão de vida adequado, propiciam condiçõespara a instabilidade e o conflito potencial. Li-dar de forma efetiva e eqüitativa com a terra eo direito à terra é um fator determinante para odesenvolvimento social e econômico: um pré-requisito para o desenvolvimento sustentável eo amplo gozo dos direitos humanos.

Uma abordagem compreensiva da questãoda terra enfatiza o direito à terra como umdireito humano e pode proporcionar uma basesólida para encontrar meios efetivos de solu-ção para a falta de terra às populações pobresque dependem do acesso a este recurso para asua sobrevivência e bem estar. A importânciauniversal do direito à terra é por si só eviden-te como é a relação direta existente entre aquestão da terra, o desenvolvimento sustentá-vel e o gozo de uma ampla gama de direitoshumanos.

O direito à terra abrange o direito à mora-dia, o direito à propriedade, o direito à alimen-tação, o direito a ser protegido contra despejos

e deslocamentos arbitrários, o direito à segu-rança da posse, o direito à restituição, o direitoa um padrão de vida adequado. Deve abrangero direito daqueles que não têm terra e moradiae dos que comumente sofrem discriminaçõesquanto ao acesso equitativo à terra (mulheres,minorias étnicas, etc.).

A terra é também um fator fundamental aodesenvolvimento, já que consiste em um bemprodutivo essencial cuja utilização e manejopossui relação direta com o meio ambiente. Namaioria dos países é considerada como um bemcom valor de mercado, cuja apropriação temrelação direta com a acumulação de renda e demais-valia por camadas minoritárias da popu-lação. Neste sentido, a acumulação da terra nasmãos de poucos tem como conseqüência oempobrecimento da ampla maioria que nãotem acesso à terra.

As populações negras e outros grupos vul-neráveis enfrentam obstáculos particularesquanto ao acesso à terra de uma maneira eqüi-tativa, justa e não discriminatória. Os padrõesestabelecidos na Agenda Habitat precisam ur-gentemente ser aplicados pelos governos paraassegurar a segurança legal da posse e igualda-de de acesso à terra a todas as pessoas, incluin-do os povos negros e aqueles que vivem napobreza. Ao mesmo tempo, os países devemdesenvolver políticas específicas de acesso à terrabaseada nas necessidades particulares dos gru-pos que enfrentam barreiras para o gozo efeti-vo do direito à terra.

Conflitos fundiários e despejos focadoscontinuam a ocorrer no Brasil, motivadospela distribuição não eqüitativa das terras,despontando o País como um dos que pos-

IV. FORMAS DE DEFESA DOS DIREITOS DASPOPULAÇÕES QUILOMBOLAS

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A SITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DASCOMUNIDADES NEGRAS E TRADICIONAIS DE ALCÂNTARA

sui uma das mais concentradas estruturasfundiárias no mundo. Diversos relatórios jápublicados sobre essa situação informam queum por cento dos proprietários detém qua-renta e dois por cento do total das terras,enquanto cinqüenta e três por cento possuisomente um por cento de terra cultivada. Ostítulos de grandes áreas com mais de mil hec-tares ocupam cinqüenta por cento da terracultivada e, em contraste, as pequenas pro-priedades como menos de cem hectares ocu-pam somente dezoito por cento da área cul-tivada3. Estas disparidades não têm apenasuma correlação regional, mas também umadimensão racial e étnica que golpeia princi-palmente a população negra e indígena.

Recentemente, as regiões do Brasil que com-portam um elevado número de ocupações ur-banas e rurais têm demonstrado um aumentoda violência envolvendo agricultores sem ter-ra, índios e sem teto. As regiões rurais mais afe-tadas são o Pontal do Paranapanema em SãoPaulo, a zona da mata, em Pernambuco, o suldo Pará e o sudeste do Paraná. Já os conflitosurbanos concentram-se nos grandes centrosurbanos, nas regiões metropolitanas e cidadesmédias do País.

É objetivo deste relatório apontar os instru-mentos legais internacionais de proteção e pro-moção do direito à terra e moradia das mino-rias raciais. Esses instrumentos propiciam umasólida base para os governos responsáveis pelaproteção do amplo espectro dos direitos hu-

manos a todas as pessoas, bem como pela pro-moção de leis, políticas e outras iniciativas na-cionais. Isto se faz necessário na medida em queapenas vinte e nove comunidades quilombolas,dentre as mais de duas mil existentes no Brasil,tiveram suas terras tituladas deste a promulga-ção da Constituição.

2.2 INSTRUMENTOS NACIONAISDE PROTEÇÃO

A Constituição Federal de 1988, mediante oreconhecimento perante a lei e a sociedade, daigualdade e dignidade dos povos negros da Áfri-ca, contribuiu enormemente à retratação naci-onal da prática da escravidão contra esses po-vos, e deu o primeiro passo para a garantia degozo de todos os direitos inerentes a pessoahumana. O legislador constituinte garantiu apropriedade da terra às comunidades ruraisremanescentes de quilombos, por entender quehá uma relação cultural intrínseca e entre estascomunidades e o território que tradicionalmen-te ocupam. Essa relação configura um elemen-to diferenciador e caracterizador destas mino-rias étnicas.

O artigo 68 do Ato das Disposições Cons-titucionais Transitórias determinou ao Estadoa obrigação de emitir os títulos das áreas ocu-padas por comunidades remanescentes dequilombos. Dispõe que “aos remanescentes dascomunidades de quilombos que estejam ocu-pando suas terras é reconhecida a proprieda-

3 Anistia Internacional, Brazil: the Criminalization of Rural Activism: the Case of Frei Anastácio Ribeiro, 1996; e Anistia Internaci-onal, Brazil: Corumbiara and Eldorado de Carajás: Rural Violence, Police Brutality and Impunit, 1997, citados em COHRE, InHuman Rights in Brazil: gross inequalities and inconsistences, Brazil Mission Report, 2003.

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de definitiva, devendo o Estado emitir-lhes ostítulos respectivos”.

O artigo 215 da Constituição, por sua vez,prevê que “o Estado garantirá a todos o plenoexercício dos direitos culturais e acesso às fon-tes da cultura nacional e apoiará e incentivará avalorização e a difusão das manifestações cul-turais”. Para o alcance deste objetivo “o Estadoprotegerá as manifestações das culturas popu-lares, indígenas e afro-brasileiras, e das de ou-tros grupos participantes do processocivilizatório nacional” (artigo 215, §1º).

O artigo 216, § 5º, refere-se ao patrimôniocultural brasileiro como “os bens de naturezamaterial e imaterial, tomados individualmenteou em conjunto, portadores de referência àidentidade, à ação, à memória dos diferentesgrupos formadores da sociedade brasileira, nosquais se incluem:

§ 5º: Ficam tombados todos os documen-tos e os sítios detentores de reminiscências his-tóricas dos antigos quilombos”.

Entretanto, toda a legislação promulgada sub-seqüentemente à Constituição, ao longo da últi-ma década, com o objetivo de regulamentar oprocedimento para a titulação constitucional-mente prevista ou ainda estabelecer as compe-tências administrativas para a efetivação deste

procedimento, fracassou na tentativa de efetivaro direito à terra, à moradia e à alimentação dascomunidades remanescentes de quilombos4.

A igualdade no gozo e acesso aos direitossociais e econômicos por esses povos, preten-dida pela Constituição, não levou em consi-deração que as leis de costumes desses povossão determinadas e julgadas segundo critéri-os que lhes são peculiares e particulares. Opróprio direito à terra, internamente ao terri-tório étnico das terras de preto, é estabelecidosegundo suas práticas e não segundo normasjurídicas brasileiras que se aplicam às demaiscomunidades brasileiras. É assim, por exem-plo, que estes povos usufruem as terras de for-ma comunal e se apropriam do território deacordo com suas necessidades econômicas ede convívio social.

Atualmente é a Fundação Cultural Palmares(FCP) o órgão detentor de exclusividade paratitular as terras às comunidades remanescentesde quilombos. Entretanto, é o Instituto Nacionalde Colonização e Reforma Agrária (INCRA), emparceria com os governos estaduais, que temlogrado implementar a maior parte dastitulações já efetivadas. O início deste processoocorreu com a edição da Portaria do INCRA nº 307/955, que delegou ao INCRA a competência para

IV. FORMAS DE DEFESA DOS DIREITOS DASPOPULAÇÕES QUILOMBOLAS

4 Conforme informações contidas na denúncia à Corte Interamericana de Direitos Humanos - Samucangaua e outras comunidadesx Governo do Brasil (Report No. 0555/2001), o Brasil conta com mais de 1 mil comunidades remanescentes de quilombos, dasquais apenas 18 foram tituladas pela Fundação Palmares desde a promulgação da Constituição (1988). Isto representa apenas1,8% das comunidades remanescentes de quilombos tituladas, no período de treze anos. E, dentre as 18 comunidades tituladas,apenas 03 conseguiram registrar em Cartório o título que receberam da FCP, em virtude dos cartórios de registros de imóveisreconhecerem o registro de antigas fazendas e engenhos em detrimento dos títulos expedidos em favor das comunidades queestão no local há mais de um século.

5 Para uma visão detalhada da legislação vigente relativa à titulação das terras das comunidades quilombolas, consultar Comunida-des Quilombolas e Direito à Terra, da Sociedade Brasileira de Direito Público e Centro de Pesquisas Aplicadas. Ed. Abaré e FundaçãoCultural Palmares, Brasília 2002.

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A SITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DASCOMUNIDADES NEGRAS E TRADICIONAIS DE ALCÂNTARA

demarcar e titular as comunidades remanescen-tes de quilombos insertas em áreas públicas fe-derais arrecadadas mediante processo de desa-propriação (inciso I).

Em 1999, foi editada a Medida Provisória nº1.911/99 que estabeleceu ao Ministério da Cul-tura a competência para a implementação dodisposto no artigo 68 do ADCT. O Ministérioda Cultura delegou à Fundação CulturalPalmares a competência para praticar e assinaros atos necessários à efetivação do disposto naConstituição, por meio da Portaria nº 447/99.A aprovação dos procedimentos a serem reali-zados pela FCP ficou a critério do Ministérioda Cultura6, cuja homologação final deve serefetivada por meio de Decreto.

Por sua vez, o Decreto nº 3.912/01 regulamentao processo administrativo a ser adotado paraidentificar, reconhecer, delimitar, demarcar, ti-tular e registrar as áreas dos remanescentes dequilombos, e foi expedido com base na Lei nº9.649/98, que define a competência doMinistério da Cultura para a homologação final.

O Decreto nº 3.912/01 estabelece um processoadministrativo baseado em critérios objetivos de reco-nhecimento da propriedade. Por outro lado, aconcretização deste processo de regularizaçãofundiária depende da realização de diversas aná-lises e estudos técnicos, constituídos de levan-tamentos físicos e geográficos, cadastramentossócio-econômicos, mapeamento de recursosnaturais, laudos descritivos, pesquisas cartoriais,etc., que exigem qualificação técnica e investi-mentos para sua efetivação.

E justamente sobre esse ponto as organiza-ções não governamentais e representativas dascomunidades quilombolas têm consolidada aanálise crítica de que a Fundação CulturalPalmares não dispõe de condições técnicas emateriais suficientes para exercício das compe-tências materiais que lhe foram cometidas. Aexecução dos procedimentos de necessários àidentificação, delimitação, demarcação e reco-nhecimento destes territórios somente será pos-sível por intermédio de parcerias com outrosórgãos e entidades estaduais e municipais, pú-blicas e privadas.

Não há previsão orçamentária adequada derecursos para a realização das atividades de de-marcação e titulação, além do fato da FundaçãoCultural Palmares não contar com um quadrotécnico próprio dotado de historiadores e an-tropólogos, o que lhe torna dependente da re-alização de convênios com universidades e ins-tituições de pesquisas.

Por outro lado, frente à vigência do Decreto nº3.912/01 e a vedação de novas desapropriaçõesde áreas pelo INCRA para a regularização dodomínio em benefício das comunidadesquilombolas, o Estado está atualmente imobi-lizado para proceder à demarcação e titulaçãodas terras que não se compreendem entre as dodomínio da União. Esta atitude pode ser carac-terizada como uma omissão do governo brasi-leiro em cumprir as disposições contidas nosinstrumentos internacionais e na Constituiçãoatinentes à sua obrigação de Estado de executarpolíticas públicas, adotar medidas legislativas e

6 Conforme artigo 14 da Lei nº 9.649/98 com redação dada pela MP 2.123/28.

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viabilizar investimentos visando a promoção ea proteção dos direitos humanos à terra e àmoradia adequada.

Outro entrave imposto pelo Decreto nº 3.912/01ao reconhecimento da propriedade da terra é aexigência de que estivessem ocupadas pelosquilombos desde 1888 e pelos remanescentes emoutubro de 1988 (artigo 1º, §único, I e II). Estescritérios artificiais, que vinculam termos em de-suso a datas sem qualquer tipo de correlaçãojustificada, têm contribuido para desqualificar oscritérios antropológicos e sociológicos aplicáveisà identificação destas comunidades e seus territó-rios. Verifica-se uma situação de incompatibilida-de entre as categorias oficiais de classificação e arealidade das comunidades quilombolas face àcomplexidade destas formações sociais.

Inexiste atualmente uma política regular dereconhecimento massivo destas áreas confor-me as disposições da Constituição, tanto porparte da União quanto por parte dos Estadosfederados. Os processos de regularizaçãofundiária tramitam de forma múltipla e sãopautados por circunstâncias específicas presen-tes em cada comunidade. Muitas comunidadesquilombolas, apesar de serem terem caracterís-ticas predominantemente rurais, dependemmuito das cidades mais próximas no queconcerne ao acesso a serviços e equipamentospúblicos, principalmente saúde e educação. Al-guns Estados, como São Paulo, Bahia, Pará,Maranhão, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul,têm tido iniciativas de estabelecer procedimen-tos legais e administrativos visando o reconhe-cimento, delimitação e demarcação de territó-rios de comunidades quilombolas localizadosem terras devolutas estaduais.

Após a aprovação do Estatuto da Cidade, leifederal de desenvolvimento urbano que regu-lamenta o capítulo da política urbana contidona Constituição Federal, o plano diretor, ins-trumento básico para a implementação destapolítica, deve disciplinar as formas de uso eocupação do solo em todo os território muni-cipal. Os planos diretores podem estabelecernormas específicas de uso e ocupação do solopara as áreas urbanas de comunidades rema-nescentes de quilombos, de forma a contribuirpara a regularização fundiária e urbanística doassentamento, respeitando-se as formas própriasde manejo e uso da terra que são adotadas porestas comunidades.

As titulações, por sua vez, não têm sido efe-tivadas de forma condizente com a estrutura-ção coletiva dos territórios étnicos habitadospelas comunidades quilombolas. As autorida-des governamentais (sejam elas do Poder Judi-ciário ou do Poder Executivo) têm tratado estasáreas como um conjunto de povoados isoladose justapostos, analisando-os como umasomatória de registros de antigas fazendas, oque vem a reproduzir o modelo fundiário agrá-rio arcaico brasileiro.

Em 2002, o Presidente da República,Fernando Henrique Cardoso, vetou o Projeto deLei nº 129/95 que regulamentava o direito depropriedade das terras das comunidades re-manescentes dos quilombos e o procedimen-to da sua titulação, nos termos do artigo 68do ADTC, cujo conteúdo era inovador. Nestesentido, o referido PL estabelecia como crité-rio de identificação das comunidades a suaautodefinição, possibilitava ações de desapro-priação para os casos de incidência de títulos

IV. FORMAS DE DEFESA DOS DIREITOS DASPOPULAÇÕES QUILOMBOLAS

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A SITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DASCOMUNIDADES NEGRAS E TRADICIONAIS DE ALCÂNTARA

hábeis sobre terras demarcadas, ampliava o rolde legitimados a requerer a instauração dosprocedimentos administrativos, propiciava aparticipação de diversos órgãos no processode titulação, incorporava a noção de territó-rio na delimitação das áreas a serem tituladas,dentre outros.

Com a eleição do novo Governo Federal, foiinstituído um Grupo de Trabalho Interministerial(GTI) com o objetivo de revisar e propor modi-ficações aos instrumentos legais vigentes queregulamentam o artigo 68 do ADCT.

2.3 INSTRUMENTOSINTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO

O direito à moradia é um dos mais bemdefinidos direitos pela legislação internacionalde direitos humanos7. A Declaração Universaldos Direitos do Homem (1948) contém umdos mais antigos ditames reconhecendo o di-reito à moradia adequada, conforme dispostono artigo 25(1): “Todos têm direito a um pa-drão de vida adequado de saúde e bem-estarpara si e para sua família, incluindo alimenta-ção, vestuário, moradia, cuidados médicos e osnecessários serviços sociais, e o direito à segu-rança no advento de desemprego, doença, in-capacidade, viuvez, velhice ou falta de condi-ções de subsistência em circunstâncias acimade seu controle”.

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos(1966) garante, em seu artigo 27, que, “nosEstados em que haja minorias étnicas, religio-sas ou lingüísticas, as pessoas pertencentes aessas minorias não poderão ser privadas do di-reito de ter, conjuntamente com outros mem-bros de seu grupo, sua própria vida cultural,de professar e praticar sua própria religião eusar sua própria língua”.

O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociaise Culturais 1966 (PIDESC), ao qual o Brasil ace-deu sem reservas e o considerou plenamenteaplicável, de acordo com o Decreto Federal nº591, contém uma das expressões mais fortesdo direito à moradia adequada. O artigo 11(1)estabelece que “os Estados, partes presentes aoPacto, reconhecem o direito de todos a ter umadequado padrão de vida para si e sua família,incluindo adequada alimentação, vestuário emoradia, e a contínua melhoria de suas condi-ções de vida. Os Estados partes adotarão asmedidas adequadas para a realização deste di-reito reconhecendo, para este efeito, a impor-tância essencial da cooperação internacionalbaseada no livre consentimento”.8

O Comentário Geral nº 4 sobre o Direito à MoradiaAdequada (1991) elucida a forma como as pro-visões sobre o direito à moradia previstos noPIDESC devem ser adotadas pelos Estados mem-bros, de forma a garantir a plena implementa-ção dos direitos econômicos, sociais e cultu-

7 Para uma visão ampla dos instrumentos e padrões internacionais relativos ao direito à moradia adequada, consultar COHRE.Legal Resources for Housing Rights. Geneva, 2000 e Nelson Saule Júnior. A Proteção Do Direito à Moradia nos AssentamentosIrregulares. Porto Alegre, Sergio Fabris, 2003.

8 Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, Art. 11(1), G.A. Res. 2200A (XXI), 21 UN GAOR Supp. (No.16) at 49, U.N. Doc. A/6316 (1966), 993 U.N.T.S. 3, entrada em vigor no dia 3 de Janeiro de 1976.

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rais. De acordo com o CG nº 4, o exercício dodireito à moradia não pode ser interpretado deuma maneira restritiva, de forma a considerarapenas a casa em si mesma ou considerá-laapenas como uma mercadoria. Deve ser com-preendido como o direito de viver em algumlugar com segurança, paz e dignidade. A refe-rência ao direito à moradia previsto no PIDESCdeve ser compreendida como direito à mora-dia adequada. A moradia deve compreender a se-gurança legal da posse e a disponibilidade deserviços e infraestrutura, ter um custo acessí-vel, adequada habitabilidade, acessibilidade eboa localização, além de adequação cultural.

A Convenção Internacional pela Eliminação de Todas asFormas de Discriminação Racial (1965) estabelece ocompromisso dos Estados quanto a garantir odireito de toda pessoa à igualdade perante a leisem distinção de raça, cor, origem nacional ouétnica. Isto implica em ações positivas dos Estadosem proibir e eliminar a discriminação racialquanto ao desfrute dos direitos humanos, emparticular o direito de ser proprietário, indivi-dualmente e em associação com outros – artigo5(d)(v) – e o direito à moradia – artigo 5(e)(iii).

A Convenção 169 da Organização Internacional do Tra-balho sobre Povos Indígenas e Tribais (1989) possui umdos textos mais compreensivos quanto à pro-teção do direito à terra destes povos, dedican-do ao tema os artigos 13 a 19 do capítulo 11. AConvenção estabelece a competência dosEstados para o reconhecimento dos direitos depropriedade e de posse dos povos interessadossobre as terras que tradicionalmente ocupamou utilizam. A convenção aplica-se “aos povostribais em todos os países independentes, cujascondições sociais, culturais e econômicas os

distingam de outros setores da coletividadenacional, e que estejam regidos, total ou parci-almente, por seus próprios costumes ou tradi-ções ou legislação especial” – artigo 1(1)(a).

Uma das questões mais relevantes previstasnesta Convenção é que a autodeterminação ea consciência desta identidade tribal é que deveser considerada como critério fundamentalpara determinar os grupos aos quais se apli-cam as disposições ali previstas, nos termosdo artigo 1(2).

O conceito de território é adotado no senti-do de conferir aos povos tribais e indígenas odireito de uso e ocupação da totalidade de seuhabitat, incluindo o direito de participação nautilização, administração e conservação dosrecursos naturais, minerais e do subsolo. A im-plementação de qualquer programa de pros-pecção ou de exploração dos recursos existen-tes nas suas terras por parte dos Estados deveráser precedida de prévia consulta aos povos in-teressados, a fim de se verificar se os seus inte-resses virão a ser prejudicados.

A segurança da posse e o direito à terra fo-ram temas extensivamente discutidos na Confe-rência Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável de 1992e na Conferência sobre Assentamentos Humanos de 1996.Nesta Conferência, os governos se responsabi-lizaram pela adoção do conteúdo da AgendaHabitat (1996), e particularmente em “provi-denciar segurança legal da posse e igualdadeno acesso à terra para todas as pessoas, incluin-do as mulheres e aqueles vivendo na pobreza,de forma a assegurar sistemas transparentes,amplos e acessíveis de transferência dos direi-tos à terra e segurança legal da posse(...) pará-grafo 40(b)(d).

IV. FORMAS DE DEFESA DOS DIREITOS DASPOPULAÇÕES QUILOMBOLAS

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A SITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DASCOMUNIDADES NEGRAS E TRADICIONAIS DE ALCÂNTARA

A Campanha das Nações Unidas pela Segurança da Possereconhece este tema como complexo ao esta-belecer que “a segurana da posse deriva do fatodo direito ao acesso e uso da terra e da propri-edade ser subscrito por um conjunto de regras,e de que este direito justiciável.

As Observações Conclusivas do Comitê das NaçõesUnidas de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais ao Brasil(2003)9 contêm diversas preocupações e reco-mendações dirigidas especificamente situaçãodo direito moradia e terra das comunidadesremanescentes de quilombos.

Durante a 30ª Sessão do Comitê DESC, asorganizações civis e os movimentos sociais doBrasil apresentaram o Relatório Brasileiro so-bre Direitos Humanos Econmicos, Sociais e Cul-turais, elaborado com base em uma ampla con-sulta nacional resultante do debate ocorrido em17 audiências públicas nos Estados, das quaisparticiparam mais de 2 mil entidades e organi-zações sociais10.

Nas Observações Conclusivas o Comitê ex-pressou preocupação com as seguintes ques-tões afetas situação de moradia e acesso terradas comunidades remanescentes de quilombos:

• a discriminação difundida e profunda-mente enraizada contra os afro-brasilei-ros, os povos indígenas e grupos mino-ritários como os ciganos e as comunida-des remanescentes de quilombos (20);

• a persistência da pobreza especialmenteno Nordeste e em áreas rurais, e entre osafro-brasileiros e os grupos vulneráveise marginalizados (32);

• a desocupação forçada das comunidadesde remanescentes de quilombos de suasterras ancestrais, que são impunementeexpropriadas por mineradoras e outrosinteresses comerciais (36).

As principais sugestões e recomendaçõesfeitas pelo Comitê ao Estado brasileiro quantoà situação do direito moradia e à terra das co-munidades remanescentes de quilombos são asseguintes:

• a implementação imediata de ações cor-retivas para reduzir as desigualdades e osdesequilíbrios persistentes e extremos nadistribuição dos recursos e da renda e noacesso aos serviços básicos entre as váriasregiões geográficas, Estados e municípios,incluindo o aumento na velocidade doprocesso de reforma agrária e de titulaçãode terras (30);

• a implementação de todas as medidas efi-cazes necessárias para proibir a discrimi-nação por raça, cor, origem tnica ou sexoem todos os campos da vida econômica,social e cultural. Recomenda-se que oEstado Parte empreenda medidas urgen-

9 Observações Conclusivas do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas ao Brasil. Maio de 2003. E/C.12/1/Add.87.

10 Relatório Brasileiro sobre Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais (2003). Plataforma Brasileira DhESC, GAJOP,MNDH, Justiça Global, FASE e Comissão Justiça e Paz. Recife, 2003. Foram relatados os direitos humanos à moradia adequada, àalimentação, água e terra rural, ao meio ambiente, à saúde, ao trabalho e à educação. O Relatório sobre o Direito à MoradiaAdequada foi elaborado por Nelson Saule Jr., Relator Nacional, e Letícia Marques Osório, Assessora da Relatoria.

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tes a fim de assegurar a igualdade deoportunidades para os povos afro-brasi-leiros, indígenas e grupos minoritrios,tais como os ciganos, e as comunidadesremanescentes de quilombos, especial-mente no campo do emprego, da saúdee da educação. O Comitê pede tambémao Estado Parte para incluir em seu se-gundo Informe periódico, informaçõesdetalhadas e completas, incluindo dadosestatísticos comparativos e desagregadosem tais assuntos (44);

• a adoção de uma Política Nacional de Mo-radia a fim segurar que as famílias tenhamacesso moradia adequada (56);

• a adoção de medidas que garantam as ter-ras ancestrais s comunidades remanescen-tes de quilombos e em caso de desocu-pação forçada de suas terras assegurar ocumprimento do que est previsto noComentário Geral nº 7 do Comitê (59).

2.4 INSTRUMENTOS REGIONAISDE PROTEÇÃO

O artigo XI da Declaração Americana dos Direitos eDeveres do Homem (1948) é diretamente aplicávelna proteção e promoção do direito à moradiaao assegurar que “toda pessoa tem o direito à preservaçãoda sua saúde por meio de medidas sanitárias e sociais relacio-nada à alimentação, vestuário, moradia e cuidados médicos, naextensão permitida pelos recursos públicos e comunitários”.

O artigo XXII é aplicável à proteção do di-reito à propriedade ao estabelecer que “toda pes-

soa tem o direito à propriedade privada para o alcance desuas necessidades essenciais de moradia adequada e para amanutenção de sua dignidade individual”.

A Convenção Americana de Direitos Huma-nos define quais os direitos humanos que osEstados Membros concordaram em respeitar eassegurar. Estes direitos incluem o direito à vida(Artigo 4); o direito à tratamento humano (Ar-tigo 5); o direito à liberdade pessoal (Artigo7); o direito à compensação (Artigo 10); o di-reito à saúde, alimentação e moradia (Artigo11); e o direito à propriedade (Artigo 21).11

Os procedimentos do sistema Inter-Ameri-cano permitem considerar violações dos direi-tos econômicos, sociais e culturais tanto resul-tantes a ações do Estado quanto da omissão domesmo em proteger tais direitos.

O artigo 21 da Convenção estabelece que (1)“todos têm o direito ao uso e gozo de seus bens.A lei deve subordinar tal uso e gozo ao interes-se social” e que (2) “nenhuma pessoa pode serprivada de seus bens, salvo mediante o paga-mento de indenização justa, por motivo de uti-lidade pública ou de interesse social e nos ca-sos e na forma estabelecidos pela lei”.

A Comissão Interamericana tem-se pronun-ciado, em várias ocasiões, sobre a proteção es-pecial e adicional que os Estados Partes devemaos grupos étnicos e aos povos indígenas noque diz respeito ao direito às terras por elestradicionalmente ocupadas.

O Protocolo Adicional a Convenção Inter-Americana deDireitos Humanos na área de Direitos Econômicos,Sociais e Culturais a partir de agora conhecidos

11 Citado em COHRE, Enforcing Housing Rights in the Américas: Pursuing Housing Rights Claims within the Inter-AmericanSystem of Human Rights. A resource guide for practitioners. Geneva, 2002.

IV. FORMAS DE DEFESA DOS DIREITOS DASPOPULAÇÕES QUILOMBOLAS

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como “Protocolo de São Salvador” representa aprimeira iniciativa Inter-Americana completa-mente dedicada aos direitos econômicos, soci-ais e culturais no sentido de vincular os Estadoslegalmente.

A jurisprudência da Comissão Inter-americana, em numerosos relatórios, enfatizoua necessidade de um tratamento diferenciado eespecial para os direitos dos povos e gruposétnicos. A mais clara definição para este seg-mento social se encontra no artigo 1º do Projetode Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indíge-nas, o qual estabelece: “Esta Declaração se aplicaaos povos indígenas, assim como aos povoscujas condições sociais, culturais e econômicasos distinguem de outras secções da comunida-de nacional, e cujo status jurídico é reguladoem todo ou em parte por seus próprios costu-mes ou tradições ou por regulamentos ou leisespeciais”.

Com base nessa visão, compartilhada pelaCorte Interamericana, se tem dado tratamen-to aos povos com ligações milenares às terrasamericanas e aos grupos de descendência afri-cana, como é o caso do povo “Bush” deSuriname12. Importa destacar que a ComissãoInteramericana, no tocante aos direitos huma-nos das pessoas indígenas, sempre acatou oconceito de direitos coletivos como o que serefere às condições jurídicas de conjuntos depessoas. A Comissão tem enfatizado a utilização

continuada pelas comunidades de sistemas co-letivos tradicionais para o controle e o uso doterritório, essenciais para a sua sobrevivênciacomo povos, bem como para o bem-estar in-dividual e coletivo. Neste aspecto, o tema docontrole da terra adquire importância quantoà sua capacidade de oferecer recursos para asobrevivência, como pelo espaço geográficonecessário para a reprodução cultural e socialdos grupos e tribos.

2.5 INSTRUMENTOSINTERNACIONAIS DE PROTEÇÃOA DESPEJOS E DESLOCAMENTOSFORÇADOS

As Nações Unidas têm reforçado comoviolação aos direitos humanos a prática dedespejos forçados por meio de Comentári-os Gerais aprovados pelo Comitê de Direi-tos Econômicos, Sociais e Culturais que,apesar de não se constituírem em instrumen-tos que vinculem legalmente os Estados, elesprovidenciam importantes diretrizes e reco-mendações a serem adotadas pelos Estadossignatários.

O Comentário Geral nº 7 (1997) estabelece queos Estados devem assegurar, antes da efetivaçãode qualquer despejo, particularmente aquelesque envolvem grande número de pessoas, quealternativas viáveis serão buscadas mediante

12 Citado na petição de denúncia formulada pelos representantes das Comunidades de Samucangaua, Iririzal, Ladeira, Só Assim,Santa Maria, Canelatiua, Itapera e Mamuninha, integrantes do mesmo território étnico de Alcântara, Maranhão; o Centro de JustiçaGlobal; a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH); o Centro de Cultura Negra do Maranhão (CCN); a Associação dasComunidades Negras Rurais Quilombolas do Maranhão (ACONERUQ), a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado doMaranhão (FETAEMA), e a Global Exchange contra o Estado Brasileiro e apresentada à Comissão Interamericana de DireitosHumanos (Samucangaua e outras comunidades x Governo do Brasil. 2002 – Report No. 0555/2001).

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consulta à população afetada, com o objetivode evitar ou, no mínimo, minimizar o uso daforça. Remédios e procedimentos legais devemser viabilizados para aqueles que estão ameaça-dos por uma ordem judicial de despejo.

Os Estados devem assegurar que todas aspessoas afetadas por despejos arbitrários te-nham adequada compensação pela perda deseus bens e propriedade, reais ou pessoais.Neste aspecto, é importante apontar que o ar-tigo 2.3 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Po-líticos requer dos Estados a garantia de que re-médios efetivos serão assegurados para as pes-soas que tiverem seus direitos humanos vio-lados. E ainda que “nos casos em que o despe-jo é considerado justificável, ele deve ser efe-tivado em estrito acordo com as provisões re-levantes das leis internacionais de direitoshumanos e de acordo com os princípios ge-rais de razoabilidade e proporcionalidade”.

O Comentário Geral nº 2 (1990), dispõe sobreas medidas de assistência técnica que as agên-cias devem tomar para evitar a execução deprojetos que envolvam despejos em larga-es-cala ou descolamento de pessoas sem a pro-visão de todas as medidas apropriadas de pro-teção e compensação (E/1990/23, annex III,par. 6).

O Comitê de Direitos Econômicos, Sociais eCulturais considera que os procedimentos deproteção a serem aplicados em relação aos des-pejos forçados devem incluir: (a) uma oportu-nidade de consulta à população afetada; (b)notícia adequada e razoável às pessoas afetadaantes da determinação da data do despejo; (c)informação sobre o despejo proposto e, quandocabível, sobre a alternativa de terra ou moradia

que será providenciada em tempo apropriadopara os afetados; (d) especialmente quandohouver grupos de pessoas envolvidas, represen-tantes de governos devem ser fazer presentesdurante o despejo; (e) todas as pessoas queconduzirem o despejo devem ser apropriada-mente identificadas; (f) os despejos não devemser efetivados sob mau tempo ou à noite, amenos que haja o consentimento das pessoasafetadas; (g) garantir remédios legais; e (h) as-segurar, quando possível, assistência legal àspessoas que necessitam buscar compensaçãojudicialmente.

A Agenda Habitat (1996) contém dispositi-vo em que todos os países signatários se res-ponsabilizam por proteger todos os grupos eindivíduos contra despejos arbitrários, assegu-rando-lhes proteção e remedição legal levandoem consideração os direitos humanos. Quandoo despejo for inevitável, os Estados se compro-metem a providencias soluções alternativas eadequadas.

A Comissão de Direitos Humanos das Na-ções Unidas adotou a Resolução 1993/77 daComissão de Direitos Humanos das Nações Unidas(1993) sobre despejos forçados que os consi-dera graves violações aos direitos humanos erequer dos Estados a tomada imediata de me-didas que visem evitar, remediar, indenizar ecompensar os terrenos, moradia e bens paraas pessoas afetadas.

A Sub-Comissão pela Promoção e Proteçãodos Direitos Humanos das Nações Unidas (an-tiga Sub-Comissão pela Prevenção da Discrimi-nação e Proteção das Minorias), tem adotadoimportantes resoluções sobre os despejos for-çados como em 1998 e em 2003.

IV. FORMAS DE DEFESA DOS DIREITOS DASPOPULAÇÕES QUILOMBOLAS

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A Resolução 1998/9, intitulada “DespejosForçados” reafirmou que toda a pessoa temo direito de estar a salvo de despejos arbitrá-rios ou discriminatórios, e que toda a mu-lher, homem e criança, tem o direito a umlugar seguro para viver em paz e dignidade,o que inclui o direito a não ser despejado desua moradia, terra ou comunidade. A resolu-ção também reconhece que a prática violen-ta de despejo forçado envolve a remoção in-voluntária e coercitiva de pessoas, famílias egrupos de suas casas, terras e comunidades,com ou sem decisão legal expedida pelo sis-tema legal vigente, que resulte em aumentodo déficit e das condições inadequadas demoradia.Ela urge os Governos a tomaremmedidas imediatas, em todos os níveis, vi-sando a eliminação da prática dos despejosforçados, dentre as quais, repelir planos e le-gislações vigentes que permitem despejos ar-bitrários e assegurar o direito à segurança naposse para todos os residentes.

A Resolução 1998/26, intitulada “Restituiçãode Moradia e Propriedade no contexto do Re-torno dos Refugiados e Pessoas InternamenteDeslocadas reconhece o direito destas pessoasao livre retorno suas casas e lugares de resi-dência habitual,em segurança física e psicoló-gica, como elemento indispensável reconcili-ação e reconstrução nacional.

A Resolução de 2003 contém a recomendaçãopara que os Estados adotem urgentemente me-didas para aprovar e implementar legislaçãoque assegure o direito posse para todos osresidentes.

3.POSSIBILIDADES DE ATUAÇÃOFUNDIÁRIA

Criação de Grupo de TrabalhoInterministerial para discutir a aplicaçãodo artigo 68 da ADCT (2003)Dentre as recentes iniciativas do Governo

Lula no sentido de efetivar os direitos constitu-cionais das comunidades remanescentes dequilombos destaca-se a edição do Decreto s/nºde 13/5/2003, que institui um Grupo de Tra-balho Interministerial – GTI, com a finalidadede rever as disposições contidas no Decreto nº3.912/2001. Esta norma define as diretrizespara o reconhecimento, delimitação, demarca-ção, titulação e registro das terras dos remanes-centes de quilombos, cujo órgão atualmenteresponsável a Fundação Cultural Palmares.

Este GTI constituído por representantes da CasaCivil; dos Ministérios da Justiça, da Defesa, daEducação, do Trabalho e Emprego, da Saúde, doPlanejamento, da Cultura, do Meio Ambiente, doDesenvolvimento Agrário, e da Assistência e Pro-moção Social; do Gabinete do Ministro de EstadoExtraordinário de Segurança Alimentar e Comba-te à Fome; da Advocacia-Geral da União; daSecretaria Especial de Políticas de promoção daIgualdade Racial, além de três representantes dosremanescentes das comunidades de quilombos.Além de rever o referido Decreto, o Grupo devesugerir medidas para o desenvolvimento das áre-as já reconhecidas e tituladas pela FundaçãoPalmares e pelo INCRA. O GTI também discute acriação de um sistema de atendimento específicopara as comunidades quilombolas.

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De acordo com o Ronaldo Sardenberg, Mi-nistro da Ciência e Tecnologia, a base deAlcântara “é estratégica devido sua localiza-ção geográfica, a apenas dois graus de latitu-de sul da linha do Equador, o que permiteque os foguetes sejam lançados com uma eco-nomia de combustível de treze por cento emrelação ao Cabo Canaveral, nos Estados Uni-dos, e de trinta e um por cento em relação aBaikonur, no Cazaquistão, os dois principaiscentros de lançamentos comerciais do mun-do. Assim, empresas que pretendam colocargrandes satélites em órbita, como os de tele-comunicações e meteorologia, podem signi-ficativamente reduzir custos usando a Base deAlcântara. Temos o Centro de Lançamentosmais competitivo do mundo. Não podemosficar de fora de um mercado que pode che-gar a trinta e três bilhões de dólares nos pró-ximos dez anos. Se não entendermos isso,meu Deus, perderemos uma grande oportu-nidade. Já perdemos outras no passado. En-tão, uma deciso negativa nesse caso deAlcântara ser danosa para nossa economia enossa capacidade de exportar serviços. E a res-ponsabilidade pela decisão equivocada ter deser assumida por quem a provocou13.

O Acordo de Salvaguardas Tecnológicas(AST) com o Estados Unidos, assinado emabril de 2000, prevê o lançamento de fogue-tes americanos do Centro de Alcântara,Maranhão, e precisava ser ratificado no Con-gresso Nacional. Como resultado da pressãoexterna oriunda da mobilização de diversa

esferas da sociedade civil e da falta derecursos, o Governo Brasileiro retirou da pau-ta de votação no Congresso Nacional o Acor-do de Salvaguardas Tecnológicas Brasil/Estados Unidos.

O Acordo em questão foi objeto de críticaspor vários segmentos da sociedade brasileira,principalmente aqueles que interpretaram oAcordo como um atentado contra a soberanianacional. As cláusulas do Acordo estipulam oseguinte: (a) a proibição de usar o dinheirodos lançamentos no desenvolvimento de veí-culos lançadores – artigo III, parágrafo E; (b)a proibição de cooperar com países que nãosejam membros do MTCR – artigo III, pará-grafo B; (c) possibilidade de veto políticounilateral de lançamentos – artigo III, pará-grafo A; (d) obrigatoriedade de assinar novosacordos de salvaguardas com outros países, demodo a obstaculizar a cooperação tecnológi-ca – artigo III, parágrafo F. Além disso, o Acor-do determina que o controle da tecnologia sejafeito unilateralmente pelos representantes dogoverno norte-americano.

O acordo também não prevê a obrigatori-edade de que pelo menos as empresas norte-americanas repassassem às autoridades bra-sileiras dados relativos à existência de mate-rial radioativo ou de quaisquer substânciastóxicas danosas ao meio ambiente e sade hu-mana presentes nas cargas úteis a seremlançadas.

No entanto, a questão central que deveriaser considerada é o impacto que este Acordo

13 Entrevista à Revista Veja de 12 de setembro de 2001 ............

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trará população de Alcântara e do Maranhão,bem como a forma como o Governo Brasilei-ro tem tratado a questo. Tanto o Acordo deSalvaguardas Tecnológicas com os EstadosUnidos, quanto o Acordo com a Ucrânia leva-rão implementação das fases III e IV do Cen-tro de Lançamentos, o que resultar no deslo-camento forado de mais de mil pessoas. Taldespejo contradiz os tratos e convenções in-ternacionais dos quais o Brasil signatário e aConstituição de 1988, que garante a essas fa-mílias o direito propriedade de suas terras tra-dicionais como forma de subsistência e depreservação de seu modo de vida. É impor-tante salientar que as fases I e II foram imple-mentadas com base em desapropriaçõesinconstitucionais que no observaram o artigo5º, XXIV da Constituição Federal. De acordocom este dispositivo, a indenização a ser pagaàs famílias afetadas deveria ser prévia, justa eem dinheiro. Entretanto, a maioria no rece-beu o valor devido pela indenização dos bense riquezas aos quais tinham acesso nos terri-tórios originalmente ocupados.

“A migração forçada foi fatal para essas fa-mílias”, analisa Alfredo Wagner de Almeida,da Associação Brasileira de Antropologia. “Asrelações de permuta entre as comunidades, de-dicadas à pesca e variadas atividades agrícolas,foram afetadas radicalmente pela transferên-cia das famílias. Elas foram assentadas, depois,em áreas onde passaram a cultivar pequenasroas individuais, não mais coletivas como fa-ziam antigamente”. Para o antropólogo quehá trinta anos acompanha as comunidades daregião, a degradação do modo de vida dessasantigas comunidades, precisamente, um dos

temidos impactos do Acordo assinado com osEstados Unidos.

O Acordo de Salvaguardas não é a causa emsi da violação dos direitos das comunidades ne-gras e tradicionais, mas no caso concreto, emrazão de ações e omissões do Governo, a con-seqüência foi o deslocamento forçado de mui-tas famílias, desprovendo-as de seus modos desubsistência tradicionais, como a pesca e a agri-cultura coletiva.

A Comissão de Relações Exteriores e De-fesa Nacional (CRE) do Senado Federal, apro-vou no dia 18 de setembro de 2003 o Proje-to de Decreto Legislativo nº 393/03, queaprova o texto do Acordo entre o Governo daRepública Federativa do Brasil e o Governoda Ucrânia sobre Salvaguardas Tecnológicasrelacionadas à participação da Ucrânia emlançamentos a partir do Centro de Lançamen-tos de Alcântara, celebrado em Kiev, em 16de janeiro de 2002.

Este acordo não possui diferenças em rela-ção ao Acordo de Salvaguardas assinado como Governo dos Estados Unidos.Este previa ba-sicamente que o Brasil, não poderia repassar eproibir o repasse por representantes brasilei-ros, de quaisquer dados concernentes a veícu-los de lançamentos, equipamentos da plata-forma de lançamentos, espaçonaves e equipa-mentos afins, sem a prévia autorização por es-crito do Governo da Ucrânia. É obrigatória autilização de crachás de identificação por to-das as pessoas enquanto estiverem executan-do atribuições relacionadas com as atividadesde lançamento, sendo que a autorização paraentrada nas instalações é emitida unicamentese autorizada pelo Governo da Ucrânia. E ain-

V. CONSIDERAÇÕES DA RELATORIA SOBRE OSACORDOS DE SALVAGUARDAS TECNOLÓGICAS

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da, quaisquer veículos de lançamento, equi-pamentos ou dados técnicos transportadospara o Brasil, ou dele provenientes, relaciona-dos a atividades de lançamento, deverão seracondicionados em contêineres lacrados e sópoderão ser abertos em áreas apropriadas pre-viamente definidas.

Portanto, o Acordo de Salvaguardas firmadoentre Brasil e Ucrânia não avançou nada no quetange às possíveis vantagens que o Brasil pode-ria ter na esfera da ciência e tecnologia e muitomenos em relação ao social, ou seja, a popula-ção local continua sem qualquer benefício oumelhoria na qualidade de vida.

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RELATORIA NACIONAL PARA ODIREITO À MORADIA ADEQUADA EÀ TERRA URBANA

Relator: Nelson Saule JúniorEquipe de Apoio do Instituto Pólis:Fernanda Carolina Costa, Patricia de MenezesCardoso, Thais de Ricardo Chueiri, MarianaLevy, Karina Uzzo e Paulo Romeiro.

Endereço: Rua Araújo, 124 - São Paulo - SPTelefone: (11) 3258-6121, r. 232 e 228E-mail: [email protected]

[email protected]@polis.org.br

ASSESSORIA NACIONAL PARA ODIREITO À MORADIA ADEQUADA EÀ TERRA URBANA

Assessora: Leticia Marques Osório

Endereço: Rua Demétrio Ribeiro, 990/305- Porto alegre - RS - Cep: 90010-313Telefone: (51) 3212-1904E-mail: [email protected]