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A Sociedade de Israel Na Época Pré-Estatal - Winfried Thiel

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A Sociedade de Israel Na Época Pré-Estatal - Winfried Thiel

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  • WINFRIED THIEL Digitalizado e revisado por micscan

    www.semeadoresdapalavra.net

    A Sociedade de Israel

    na poca Pr-Estatal

    Nossos e-books so disponibilizados gratuitamente, com a nica finalidade de oferecer leitura edificante a todos aqueles que no tem condies econmicas para comprar.Se voc financeiramente privilegiado, ento utilize nosso acervo

    apenas para avaliao, e, se gostar, abenoe autores, editoras e livrarias, adquirindo os livros.

    Semeadores da Palavra e-books evanglicos

  • 1993

    Traduzido do original Die soziale Entwicklung Israels in vorstaatlicher Zeit, 2a edio, revista e ampliada, 1980/85 Neukirchener Verlag des Erziehungsvereins GmbH, Neukirchen-Vluyn, Repblica Federal da Alemanha. Os direitos para a lngua portuguesa pertencem Editora Sinodal, 1988 Rua Amadeo Rossi, 467 93030-220 So Leopoldo RS Tel.: (051) 592-6366 Fax: (051) 592-6543 Co-editora: Edies Paulinas Rua Dr. Pinto Ferraz, 183 04117-040 So Paulo SP Traduo: Ilson Kayser Reviso: Johannes F. Hasenack

    Annemarie Hohn (notas) Nelson Kilpp Coordenao editorial: Lus M. Sander Capa: Jeanne Adamy Srie: Estudos Bblico-Teolgicos AT-6

    Publicado sob a coordenao do Fundo de Publicaes Teolgicas/Instituto Ecumnico de Ps-Graduao da Escola Superior de Teologia da Igreja Evanglica de Confisso Luterana no Brasil.

    ISBN: 85-233-0251-4 Impresso: Editora Sinodal

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Thiel, Winfried. A sociedade de Israel na poca pr-estatal / Winfried Thiel; [traduo Ilson Kayser, Annemarie Hhn (notas)]. So Leopoldo, RS: Sinodal; So Paulo: Paulinas, 1993. - (Estudos bblico-teolgicos AT; 6) Bibliografia. ISBN 85-233-0251-4

    1. Judeus Poltica e governo At 70 I. Ttulo. II. Srie. 93-0060 CDD-320.9174924

  • ndices para catlogo sistemtico: 1. Judeus: Histria poltica 320.9174924

    Sumrio

    Prefcios .......................................................................................... 5 I. Introduo..................................................................................... 6 II. Formas Comunitrias Nmades...................................................... 7

    1. Bedunos rabes Pr-Islmicos e Modernos ................................. 7 a) A Organizao Tribal ............................................................. 7 b) A Liderana da Tribo ............................................................. 11 c) Economia, Propriedade e Estratificao Social ...................... 12 d) Os Semibedunos e a Transio para a Vida Sedentria .......... 14

    2. Os Seminmades de Mari .......................................................... 16 a) Generalidades ....................................................................... 16 b) Economia e Modo de Vida ...................................................... 18 c) Organizao e Governo da Tribo ............................................ 20

    3. Os Seminmades Israelitas Primitivos ............................................ 24 a) Economia e Modo de Vida ..................................................... 24 b) Organizao e Condies Sociais ............................................ 31 c) Costumes e Culto .................................................................. 39

    III. A Sociedade de Classes da Idade do Bronze Recente na Sria e na Palestina................................................................................................... 41

    1. Ugarite e Alalaque .................. .................................................. 41 2. Palestina e Sria Meridional......................................................... 53

    IV. O Israel Sedentrio na poca Pr-Estatal .......................................... 71 1. O Processo da Tomada da Terra ................................................. 71 2. O Desenvolvimento depois da Tomada da Terra .......................... 75

    a) Forma de Povoao, Posse da Terra e Direito Fundirio ....... 76 b) Estruturas Sociais Bsicas ...................................... ... ........... 84

    3. Forma de Organizao e Instituies do Israel Pr-Estatal ............. 103 a) A Tese da Anfictionia. Liga Tribal e Autonomia das Tribos ..... 103 b) A Tese da "Democracia Primitiva" e o Papelda Assemblia Popular.............................................................................................. 114

    4. Os Comeos da Diferenciao Social no Israel Pr-Estatal ............... 119 a) Cidados Plenos e Dignitrios .............................................. 119 b) Grupos com Direitos Sociais Reduzidos ................................ 123

    Apndice Bibliogrfico ....................................................................... 135 Abreviaturas ..................................................................................... 143

  • Prefcio

    A presente publicao se baseia na minha dissertao B, com o mesmo ttulo, que defendi no vero de 1976 na seo de Teologia da Universidade Humboldt de Berlim. Para sua publicao, tive, porm, condies de incluir importante bibliografia mais recente. No mais resumi e condensei o manuscrito mencionado, para facilitar a sua leitura. Para conferir excursos histrico-cientficos, o estudo de detalhes exegticos, a anlise da literatura pertinente, uma diferenciao mais precisa e a fundamentao exegtica das diversas afirmativas, consulte o texto da dissertao B. Meu estimado professor Dr. Siegfried Herrmann chamou minha ateno para a relevncia da temtica em questo, acompanhou a elaborao do trabalho com o maior interesse e em muito me ajudou. Meu coordenador de tese, professor Dr. Karl-Heinz Bernhardt, aceitou de bom grado o meu projeto de pesquisa e me incentivou generosamente neste empreendimento. Agradeo de corao a eles e tambm a todas as pessoas que de uma forma ou outra colaboraram neste trabalho. Elaborei este estudo numa poca de grande sobrecarga pessoal. Mas consegui conclu-lo graas principalmente minha esposa, que com sua compreenso conseguiu assegurar-me condies de trabalho de que eu precisava para penetrar na problemtica complexa do desenvolvimento social do antigo Israel em uma de suas pocas histricas mais inacessveis.

    Winfried Thiel Berlim, 1o de fevereiro de 1978

  • Prefcio Segunda Edio A nova edio representa uma reimpresso fotomecnica fiel da primeira. O texto, porm, foi todo ele revisado. Num Apndice Bibliogrfico acrescentei ttulos relevantes para a temtica em questo, principalmente da bibliografia mais recente. Agradeo muito a colaborao valiosa da estudante de Teologia Sabine Buerle, que ajudou a revisar o presente livro.

    Winfried Thiel Marburg/L., 12 de abril de 1984

  • I. Introduo

    O povo de Israel surgiu no territrio da Palestina a partir de grupos "israelitas primrios" seminmades que vinham penetrando nele e cujas formas de organizao e instituies contrastavam acentuadamente com a cultura urbano-estatal sedentria dos cananeus e de sua constituio social. Este conflito haveria de produzir seus efeitos, cedo ou tarde. A histria social de Israel1 pode ser descrita em grande parte como o processo cheio de tenses da confluncia, entrelaamento e contraposio das tradies nmades de Israel e das condies do pas civilizado com seu modo de vida agrrio e sua estrutura social especfica. As condies da sociedade de classes da idade do bronze tardia na Sria e Palestina podem ser reconstrudas com razovel preciso base das fontes existentes, especialmente de Ugarite, Alalaque, Sria do Sul e Palestina. O passado nmade de Israel , ao contrrio, bem mais difcil de ser concebido. Embora Israel como povo sedentrio jamais tenha renunciado lembrana de sua origem da estepe e seus comeos seminmades, ele preservou apenas escassas tradies diretas da primeira fase de sua histria. Alm disso, essas tradies sofreram considerveis modificaes no decorrer de seu longo processo traditivo. Para podermos aclarar a pr-histria nmade de Israel, to escassamente documentada, conveniente e necessrio recorrer primeiramente a outros dados sobre condies nmades no mbito temporal e geogrfico de Israel. __________ 1 Quanto histria da pesquisa, cf. W. SCHOTTROFF, "Soziologie und Altes Testament", VF, 13:46-66, 1974 e tambm meu ensaio a sair em breve: "berlegungen zur Aufgabe einer altisraeitischen Sozialgeschichte" (Reflexes sobre a funo de uma histria social vtero-israelita).

  • II. Formas Comunitrias Nmades 1. Bedunos rabes Pr-Islmicos e Modernos

    Os bedunos rabes distinguem-se dos grupos proto-israelitas, criadores de gado mido, acentuadamente pela forma da economia. Sua base econmica a criao de camelos. Bedunos so "tribos pastoras de camelos, guerreiras-montadas, cuja criao de gado se caracteriza pela manuteno de rebanhos em grande escala e pastoreio nmade"1. Essa definio aponta para o trao caracterstico dos bedunos, dado com a criao efetiva do dromedrio e a fcil movimentao a ele associada: os guerreiros montados. A segunda caracterstica se baseia nas prprias caractersticas do dromedrio. Somente ele possibilitou a conquista do interior do deserto, enquanto criadores de gado mido, com seus rebanhos de ovelhas e cabras de pouca mobilidade e necessitados diariamente de pastagens e de gua, estavam presos s periferias do deserto onde havia alguma vegetao e aguadas regulares. Apesar dessas considerveis diferenas pode-se recorrer s notcias sobre bedunos rabes para o esclarecimento das condies sociais no passado de Israel. Isso porque a vida no deserto produz fenmenos anlogos ou ao menos comparveis. Ambos os grupos tm em comum a criao de gado com troca de pastagem e fatores ecolgicos semelhantes, e sobretudo o modo de vida no-sedentrio. As condies de vida dos bedunos2 permaneceram relativamente uniformes "por longos perodos. Esse fator possibilita comparar as notcias sobre tribos rabes pr-islmicas com os relatos etnogrficos sobre bedunos rabes modernos3. Nos casos em que possvel comparar as condies de bedunos pr-islmicos com as dos bedunos do sculo XIX e princpios do sculo XX, pode-se constatar uma constncia substancial4. A modificao se verifica, no entanto, na medida em que a tribo de bedunos se encaminha para a vida sedentria: as condies de propriedade se consolidam, os chefes de famlias e tribos tornam-se latifundirios, os membros das tribos, originalmente com os mesmos direitos, tornam-se dependentes5. Esta fase tem que ser desconsiderada ao tratar-se da questo de formas comunitrias bedunas; no entanto, ela importante na avaliao das modificaes que ocorrem na transio do nomadismo para a vida sedentria. a) A Organizao Tribal A base da sociedade beduna a consanginidade. Ela constitui o lao de unio entre os membros da comunidade e cria a conscincia de unidade. A forma mais abrangente da comunidade a tribo. Ela considerada a maior relao de consanginidade. Sua derivao de um ancestral e a ligao de parentesco de todos os seus membros so garantidas por genealogias muitas vezes inchadas. __________ 1 J. HENNINGER, ber Lebensraum und Lebensform der Frhsemiten, Kln, 1968, p. 15 (AFLNW, 151). Quanto ao desenvolvimento do perodo proto-beduno at o perodo beduno pleno, cf. W. OSTAL, Zur Frage der Entwicklung des Beduinentums", AVK, 0:1-14, 1958. 2 Cf. S. NYSTRM, Beduinentum und Jahwismus, Lund, 1964, p. 4. 3 A. MUSIL, Arbia Petraea III, Wien, 1908; A. JAUSSEN, Coutumes des rabes au pays de Moab, aris, 1908; L. HAEFELI, Die Beduinen von Beerseba, Luzern, 1938; M. FREIHERR VON PPENHEIM, Die Beduinen, Leipzig, 1939, vol. 1; 1943, vol. 2. 4 Quanto s condies jurdicas, v. J. HENNINGER, "Das Eigentumsrecht bei den heutigen Beduinen rabiens", ZRW, 61:6-56 (sobretudo pp. 44s.), 1959; quanto liderana tribal: ID., "La socit bdouine ancienne", in: L'antica societ beduna, Roma, 1959, pp. 69-93 (sobretudo p. 84; SS, 2); quanto s estruturas familiares: ibidem, p. 90. 5 Cf. quanto a esta questo HENNINGER, ZRW: 18, 35s., 43, 1959; JAUSSEN, pp. 136s., 237; AEFELI, pp. 175s.; NYSTRM, p. 21.

  • Essas, no entanto, no passam de fices, produto da necessidade do beduno de pensar em categorias de genealogias de consanginidade e de sua incapacidade de pensar em categorias histricas6. Tribos constitudas muitas vezes de vrias centenas de membros podem ser comunidades de parentesco apenas fictcio. Elas se formam, na verdade, por meio de processos histricos7, por unio de famlias que passam a migrar juntas e, conseqentemente, sofrem o mesmo destino. Elas so alianas polticas independentes para garantir interesses afins, sob a liderana de um patriarca-chefe e de um nome comum8. Tribos so grandezas dinmicas. Elas surgem e desaparecem no decurso da histria, enquanto seus subgrupos, que so de fato solidrios como parentes, perduram, associando-se a outras tribos ou formando novas9. No obstante, a tribo constitui a delimitao da solidariedade. O estranho tribo inimigo em potencial e considerado presa fcil na rea de outra tribo, caso ele no se proteger pelo recurso ao direito da hospitalidade, que inclui o dever de proteo. As formas comunitrias mais slidas so de fato os agrupamentos por consanginidade dentro de uma tribo. O cl uma unidade que se empenha solidariamente por seus membros, que preserva a comunidade constituda por consanginidade por meio de migrao e acampamento conjunto. No entanto, no raro o princpio de parentesco rompido pela adoo de pessoas no-consangneas e de famlias no-parentes. Mesmo assim o cl uma comunidade realmente solidria. Ele se empenha por cada um de seus membros, assume sua culpa, suas obrigaes de pagamentos referentes a delitos de sangue, resgata-o da priso e jura por ele. Por outro lado, cada membro compromete seu cl e possivelmente toda a tribo por meio de seus atos (delito de sangue, admisso de um estranho, etc). A existncia dentro desta comunho de consanginidade proporciona ao indivduo as condies sem as quais no poderia sobreviver no deserto numa "comunidade sem autoridade". Sem sua comunidade, ele estaria sem direito e desprotegido, merc do mais forte. A menor unidade e simultaneamente a unidade bsica da economia a famlia10. Trata-se, no caso, da famlia individual, na acepo restrita, constituda do homem, de uma ou mais mulheres e dos filhos. No mais, a grande famlia, na qual tambm os filhos casados permanecem sob a autoridade do pai at a morte deste, parece no ter tido papel relevante entre os bedunos. Por via de regra os filhos abandonam a tenda do pai, com exceo do filho mais velho, quando se casam e fundam sua prpria famlia. Eles levam os bens que conquistaram at ento atravs de servios de pastoreio ou incurses de saque, alm disso recebem uma parcela dos bens do pai e constroem sua prpria tenda. Assim eles mesmos se tornam chefes de famlia e esto dispensados da autoridade do pai. Chama a ateno o fato de que o crescente sedentarismo implica uma tendncia mais acentuada para a formao da grande famlia (ou famlia ampliada)11. Certamente isso ocorre por motivos econmicos. A vida sedentria exige a presena de muita mo-de-obra no mesmo lugar, e alm disso uma concatenao e orientao uniforme dos meios econmicos. A grande famlia patriarcal satisfaz essas condies. __________ 6 Cf. E. BRUNLICH, "Beitrge zur Gesellschaftsordnung der arabischen Beduinenstmme", in: Islmica, 6: 68-111, 182-229 (sobretudo pp. 72s.), 1934. 7 Cf. J. WELLHAUSEN, Ein Gemeinwesen ohne Obrigkeit, Gttingen, 1900, pp. 2s.; HENNINGER, Societ, pp. 80s. 8 W. CASKEL, "Der arabische Stamm vor dem Islam", in: Dalla Trib allo Stato, Roma, 1962, pp. 139-149 (sobretudo p. 141). 9 JAUSSEN, pp. 114s.; BRUNLICH, pp. 95ss., 226.

  • 10 Cf. J. WELLHAUSEN, "Die Ehe bei den Arabern", NGWG:431-481, 1893; O. PROCKSCH, ber die Blutrache bei den vorislamischen Arabern, Leipzig, 1893, pp. 19ss.; J. HENNINGER, "Die Familie bei den heutigen Beduinen Arabiens und seiner Randgebiete", IAE, 42:1-188, 1943; JAUSSEN, pp. 11-28. 11 HENNINGER, ME:129, 1943; ZRW:21, nota 60, 1959. Os vastos rebanhos, no modo de vida beduno, pelo contrrio, exigem uma distribuio sobre toda a rea de pastagem. Por essa razo prevalece sob as condies do sistema beduno a famlia na acepo restrita. O cl patrilinear entre os bedunos. verdade que o parentesco materno tambm tem certa importncia; no entanto, para a unidade da parentela decisiva a descendncia do pai. O matrimnio "virilocal", isso , a mulher segue ao homem, sem, no entanto, romper com suas relaes de parentesco com o cl paterno. A famlia patriarcal12. Ao pai cabe a ascendncia sobre os membros da famlia. Eles esto sujeitos a sua autoridade e a suas ordens. dele o direito de posse sobre todos os bens da famlia e dispe deles a seu critrio. Em algumas tribos mulheres e filhos so considerados propriedade do homem, respectivamente do pai; no entanto, no pode vend-los. O pai tem o direito de determinar a morte de seus filhos. Conforme comprovam documentos especialmente da poca pr-islmica, esse direito aplicado no caso do nascimento de filhas indesejadas que, por ordem do pai, so enterradas na areia, ou tambm no caso de uma filha adulta pecar contra os costumes da tribo. duvidoso se o pai tem o direito de matar tambm seus filhos13. No entanto, apesar dos fatos citados, sua autoridade no deve ser superestimada. Ela se estende apenas pequena famlia (ou famlia conjugai). No caso de uma grande famlia, isso , entre povos sedentrios, o poder do pai da famlia proporcionalmente maior, visto exerc-lo at sua morte sobre mulheres e crianas. Embora o pai administre os bens da famlia como sua propriedade particular, tambm a mulher possui, por via de regra, alguma propriedade pessoal, que se constitui dos presentes de seu pai por ocasio do casamento e dos presentes recebidos do marido. Desta propriedade ela pode dispor de certa forma. No mais, porm, ela inteiramente dependente da autoridade do marido. Exige-se dela trabalho pesado, e no raras vezes tratada com dureza. No entanto, o cl do pai a protege contra maus tratos maiores, pois ela continua sendo membro daquele cl. Esta uma das razes por que se prefere o casamento no prprio cl. Os direitos mais importantes que o homem tem alm da mulher consistem na liberdade para a poliginia e na de despedir a mulher. No entanto, o exerccio desses direitos pressupe a existncia dos recursos econmicos correspondentes; , portanto, uma questo de posse. Para o casamento com vrias mulheres no se exige apenas o pagamento do preo por cada uma delas, mas as condies econmicas tm que permitir o sustento das mulheres e de seus filhos. Por essa razo a poliginia ficou restrita aos economicamente bem-situados. A rejeio da mulher aconteceu com relativa freqncia, especialmente entre os bedunos mais ricos. No caso de no se poder provar nenhuma culpa contra ela, o preo pago por ela integrado no patrimnio dela, respectivamente, de seu pai; em certos casos o marido fica obrigado a pagar uma indenizao. Por via de regra a mulher despedida volta para o cl paterno. Visto que em muitos casos ela possui propriedade particular que lhe continua pertencendo tambm aps a separao, sua situao no desesperadora14. Outros aspectos que favorecem a endogamia a importncia da consanginidade e a conseqente igualdade, como tambm a nsia de preservar intacta a propriedade do cl.

    da competncia da autoridade do pai dar as filhas em casamento. O pai faz as negociaes preparatrias do casamento e recebe o preo pela noiva. Geralmente parte dele fica para a noiva como dote.

  • __________ 12 Escassos so os vestgios de uma ordem matriarcal. No bastam para corroborar a tese de que originalmente houve um matriarcado semtico que sobretudo W. R. SMITH (Kinship and Marriage in Early Arbia, London, 1885) defende. Opinio contrria tinham j WELLHAUSEN, NGWG:431ss., 1893 e mais recentemente HENNINGER, IAE: 143-157, 1943; ID., Societ, pp. 91s. 13 Cf. HENNINGER, ZAE:122s., 1943. Segundo JAUSSEN, p. 19, este direito existe em Moabe, embora no se conhea um nico caso em que tivesse sido aplicado. 14 Quanto a estas questes muito resumidas, cf. HENNINGER, IAE:108ss., 1943. No caso de enviuvar, a mulher tem pouca participao na herana. Os verdadeiros herdeiros so os filhos; caso no os houver, sero os parentes masculinos mais prximos. Caso a viva no voltar prpria famlia, ela pode ficar tambm com os parentes de seu marido. No entanto, neste caso muitas vezes tratada como estranha. Mas tambm a prpria parentela nem sempre recebe bem a viva. Especialmente no caso de famlias pobres ela constitui um peso que se procura evitar, de sorte que, abandonada pelos prprios parentes como pela famlia do marido, entregue pobreza, possivelmente com filhos ainda menores, ter que viver da caridade. Entre os bedunos no existe expressamente o direito da primogenitura15. Em princpio, todos os filhos tm a mesma parte na herana. Quando estabelecem sua prpria famlia enquanto o pai vive, eles recebem sua parcela nesta ocasio16. Por via de regra as filhas no tm direito herana. Isso acontece somente quando no existem filhos, cabendo-lhes ento determinada parte da herana, enquanto a parte principal passar para as mos da parentela paterna. Para finalizar pode-se concluir que entre os bedunos a autoridade patriarcal no to acentuada como entre outros nmades. A autoridade do pai abrange apenas uma famlia conjugai. Os filhos lhe esto sujeitos somente at o casamento, visto que ento abandonam a tenda do pai. O pai , na verdade, o proprietrio dos bens da famlia; no entanto, os filhos j podem adquirir propriedade prpria e recebem uma parcela por ocasio do casamento17. Na verdade, a posio da mulher subalterna; contudo, em geral no deprimente e humilhante. Ela tem alguns direitos pessoais, entre eles o direito limitado de opinar na escolha do cnjuge e o direito de ter propriedade. No existe o direito da primogenitura. Pode-se supor que essas constataes feitas preponderantemente base de observaes etnogrficas sejam aplicveis tambm aos bedunos rabes pr-islmicos18.

    Com a progresso do sedentarismo, a posio patriarcal do pai se desenvolve para uma posio monrquica. As novas condies econmicas fomentam o convvio numa grande famlia e a consolidao das condies jurdicas da propriedade. __________ 15 J. HENNINGER, "Zum Erstgeborenenrecht bei den Semiten", FS W. Caskel, Leiden, 1968, pp. 162-183 (sobretudo pp. 165-170, 176). 16 Entre os Semibedunos concedem-se ao primognito privilgios de honra que provm do direito consuetudinrio. Os irmos admitem que o mais velho ganhe uma parcela maior da herana. Em todo caso est garantido que herda a tenda paterna. Cf. JAUSSEN, pp. 20s.; HENNINGER, ME: 129,141,1943. 17 HENNINGER atribui esta descentralizao da propriedade (ME: 159, 1943; Societ, p. 90) baixa produtividade das pastagens, que obrigava os criadores de gado a dividi-lo em pequenos rebanhos. 18 Nesta poca antiga a mulher possivelmente ocupava ainda uma posio social em termos gerais e de posses um pouco mais favorvel, cf. HENNINGER, ZRW:44s., 1959.

  • b) A Liderana da Tribo frente da tribo encontra-se um chefe, em tempos antigos geralmente chamado sayyid, em tempos modernos xeque (Saih). Ele escolhido de uma famlia rica e ilustre. O cargo no hereditrio. No entanto, consolida-se cada vez mais a reivindicao da famlia do xeque de sempre fornecer o sucessor, de sorte que o princpio da escolha, jamais abandonado, ameaa entrar em concorrncia com o princpio da hereditariedade19. Por via de regra, porm, impede-se o surgimento de uma dinastia de xeques20. Decisivas para a eleio para o cargo de xeque so as capacidades pessoais e as posses21. As atribuies mais importantes do xeque so: decidir sobre o local do acampamento, o dia de partida e o roteiro da jornada. Para tanto ele tem que estar informado sobre a segurana do caminho, sobre movimentos de outras tribos, sobre estradas apropriadas ou imprprias at as pastagens e sobre a durao da jornada. Dentro de sua comunidade, o xeque tem que desenvolver uma hospitalidade esbanjadora. Ele tem que tomar conta dos pobres de sua tribo e tem a obrigao de pagar o resgate para presos endividados. Todos esses compromissos onerosos podem ser cumpridos somente por um homem de muitos bens. Pois o xeque no tem o direito de exigir tributo dos membros da tribo. Fonte de renda so para ele os tributos de tribos mais fracas, o tributo das caravanas que atravessam seu territrio e dos artfices empregados em sua tribo e que, em princpio, formam uma classe de prias, e ainda "o imposto fraternal" de agricultores e semibedunos, uma espcie de tributo que estes pagam como seguro contra freqentes assaltos por parte da referida tribo. No caso de operaes de guerra e saques, comandados normalmente pelo xeque, cabe a este uma quarta parte dos despojos. No entanto, essa arrecadao nem sempre suficiente para cobrir as despesas com sua hospitalidade e caridade obrigatrias. Ele, portanto, tem que ter condies de cobrir a diferena com seus prprios recursos.

    Igualmente atribuio do xeque cuidar da coeso e unidade da tribo, conciliar, intermediar e procurar acordos em caso de conflitos. Ele no dispe de meios jurdicos de coao. Isso, no entanto, se aplica a todas as suas funes.

    Alm do xeque existem ainda outras autoridades na tribo. Em caso de conflitos jurdicos, prefere-se recorrer ao xeque por causa de seu prestgio e sua sabedoria notria. Por via de regra, porm, existe na tribo a funo especfica do juiz. Esta funo hereditria em determinadas famlias. O juiz igualmente pode atuar apenas como mediador e rbitro. No existe um poder executivo tampouco uma justia regulamentada. O xeque tambm no necessariamente sempre o chefe militar. Em muitos casos existe a seu lado um comandante responsvel por aes guerreiras e saques (qa'id ou ra'is, em tempos mais recentes: 'aqid). Este no nomeado pelo xeque, mas eleito pela reunio do conselho. Muitas vezes tambm essa funo se tornou hereditria em determinada famlia. A existncia de um juiz e de um comandante para as aes guerreiras limitava o leque de funes do xeque. Por fim existia na tribo ainda o ofcio do sacerdote (kahin), assumido pelo xeque apenas em casos muito raros. __________ 19 Cf. BRUNLICH, p. 83. 20 Ela ocorre, porm, no momento do assentamento e da consolidao das condies de posse; cf. HENNINGER, ZRW:35s., 1959. 21 Cf. sobretudo JAUSSEN, pp. 128ss., que trata desta questo de forma especialmente minuciosa.

    O xeque no tem autoridade de mando ou quaisquer direitos executivos em relao aos membros da tribo. Ele atua exclusivamente com base em seu prestgio e sua capacidade de persuadir. O xeque responsvel pelos destinos da tribo, mas no pode dirigi-los por soberania

  • prpria. Antes ele discute todos os problemas importantes com a reunio do conselho (maglis, nadwa), qual pertencem os chefes das famlias mais ilustres, e busca seu assentimento. Neste conselho de notveis ele apenas primus inter pares e tem que influir e convencer por suas qualidades pessoais. Ficou evidente que no existe um governo da tribo comparvel ao poder central dos povos sedentrios. Os rgos que dirigem a tribo, o xeque e o conselho, no dispem de medidas coercivas para impor suas decises, nem as tm o xeque e o juiz para executar suas sentenas. Em questes jurdicas, a opinio pblica exerce certa presso, no entanto, em escala reduzida, e naturalmente no est institucionalizada. O que confere consistncia tribo no uma instituio diretiva, mas a responsabilidade comum22 dos membros da tribo, que se baseia na conscincia da consanginidade e nas necessidades da vida no deserto. Esse sistema da responsabilidade mtua do indivduo para com a comunidade e da comunidade para com o indivduo funciona sem qualquer fora coercitiva. Trata-se de um comprometimento em liberdade. O elemento coercitivo o fato de ningum poder existir sem uma comunidade consolidada, visto que fora dela a pessoa fica sem direito e sem proteo. Por outro lado, ningum pode realmente ser obrigado caso no se considerar a desaprovao da opinio pblica como tal coero a observar de modo adequado as regras da responsabilidade mtua. Esses fatos condicionam a estranha coincidncia de alto individualismo e extrema solidariedade, que aparece como a caracterstica da sociedade beduna23, uma sociedade que funciona sem poder central c sem organizao administrativa e, mesmo assim, no cai na anarquia24. c) Economia, Propriedade e Estratificao Social A economia dos bedunos est baseada na criao do camelo. Este animal lhe fornece os produtos bsicos para o sustento: carne, leite, couros e plos dos quais as mulheres fabricam cobertores e esteiras. Visto que no gosta de carnear um camelo, o beduno possui, ao lado do rebanho de camelos, em menor escala, tambm gado de pequeno porte. A economia beduna no auto-suficiente25. Ela depende da produo agrcola, pois o cereal um dos alimentos principais do beduno. Eles o conseguem por meio de saque, por meio dos tributos pagos por agricultores dos osis e das orlas das estepes, chamados "impostos fraternais" e tambm por meio de troca de gado e produtos derivados por produtos agrcolas.

    A transumncia depende das condies climticas. Nas pocas de seca os bedunos precisam instalar-se com seus rebanhos na orla da terra cultivada e podem voltar ao interior do deserto somente depois de nova brotao da vegetao. Mas tambm aqui necessrio trocar as regies de pastoreio, to logo elas no oferecerem mais pasto suficiente, de maneira que a vida dos bedunos determinada por uma troca muito bem equilibrada das rea de pastoreio da tribo. __________ 22 Cf. a respeito J. WELLHAUSEN, Reste arabischen Heidentums, 3. ed., Berlin, 1961, pp. 226s.; ID., Gemeinwesen, pp. 4-7; VON OPPENHEIM, op. cit., vol. I, pp. 29s. 23 HENNINGER, Societ, pp. 81s. 24 Cf. R. PARET, Mohammed und der Koran, Stuttgart, 1957, p. 29: " admirvel como nesta estrutura social tudo funciona de maneira racional, sem que esteja organizado em si." 25 Cf. W. CASKEL, Die Bedeutung der Beduinen in der Geschichte der Araber, Kln, 1953, p. 5 (AFLNW, 8); ID., "Zur Beduinisierung Arabiens", ZDMG, i03:28*-36* (sobretudo p. 28*), 1953; NYSTRM, p. 6. Em relao propriedade26, encontramos entre os bedunos um paralelismo entre propriedade comunitria e privada. Propriedade comum da tribo constituem suas pastagens com os pontos de gua ali existentes. Verdade que j tem incio um processo de

  • privatizao do solo. A famlia do xeque e outras famlias ilustres com os maiores rebanhos reivindicam para si as maiores e melhores pastagens, que, ento, com o tempo podem tornar-se sua propriedade particular. Contudo, a propriedade mais importante do beduno so seus rebanhos, principalmente os camelos. Tambm os demais bens mveis, sobretudo as barracas, so propriedade particular. Finalmente tambm existe a propriedade particular em termos de pessoas. A escravatura faz parte da ordem social beduna. Todos esses objetos de posse pertencem famlia. O direito de propriedade cabe ao chefe da famlia. Mas tambm a mulher dispe de propriedade privada e os filhos podem adquirir propriedade j relativamente cedo. Por fim a propriedade descentralizada por diviso entre os filhos que constituem sua prpria famlia27. A relao dos bedunos com a propriedade determinada por sua maneira de viver. A vida no deserto, onde rusgas so freqentes, torna instvel a posse de bens mveis28. fcil perder a riqueza. Por isso na vida dos bedunos a propriedade no desempenha o mesmo papel dominante como entre a populao sedentria. Ela sobrepujada por outro aspecto, pelo aspecto da honra, da pureza do sangue e da igualdade. Esse aspecto encerra atributos pessoais como coragem e intrepidez como tambm descendncia nobre, o que vale dizer ser membro de um cl que desde sempre integrou a tribo, que de puro sangue, que eventualmente at descende de um ancestral afamado e que pode provar tudo isso por uma genealogia de boa tradio.

    No caso de casamento observa-se rigorosamente a mesma descendncia nobre (asil). Na maioria dos casos as famlias de descendncia nobre tambm sero as proprietrias de maiores posses na tribo. No entanto, isso nem sempre o caso. Prestgio e propriedade no precisam ser equivalentes. Uma tribo de alto prestgio tradicional preserva sua reputao tambm quando h muito est empobrecida por causa de catstrofes, foi dizimada e carece de poder29. De acordo com o critrio da descendncia e igualdade, associado grandeza dos rebanhos, forma-se, de modo primrio, uma estratificao social dentro da tribo. Os chefes de famlia, que fazem parte do conselho, formam uma espcie de aristocracia de notveis (sarh, wuguh). Abaixo dessa camada encontram-se grupos dependentes, em primeiro lugar os clientes (mawalin, giran). Trata-se de pessoas tutoradas e de seus descendentes, portanto de bedunos de outra origem, que tiveram que abandonar sua comunidade original e procurar abrigo na tribo estranha. Como desiguais, dependentes de seu protetor e no raras vezes pobres, eles e seus descendentes representam um grupo subordinado na tribo. A camada inferior formada pelos escravos30, que so considerados propriedade privada de seus donos; cabem-lhes os servios mais pesados. Em caso de doena seu dono tem a obrigao de assumir o tratamento. Depois de alguns anos normalmente so alforriados. Eles podem ento atingir posies respeitveis, tm direito propriedade e, no caso de seu dono morrer sem herdeiros, podem inclusive obter herana. Juridicamente, no entanto, quando alforriados, continuam de certa forma dependentes de seu antigo dono. Do mesmo modo se preserva a memria de sua origem, e os descendentes de escravos alforriados por via de regra no so considerados iguais aos membros da tribo nascidos livres. So tambm considerados desiguais os artfices, menosprezados pelos bedunos; no entanto, como so pessoalmente livres, eles tm que ser enquadrados numa escala acima dos escravos. __________ 26 Cf. HENNINGER, ZRW-.5-56, 1959, cujas concluses tambm valem a grosso modo para as condies pr-islmicas (pp. 44s.). 27 Cf. principalmente HENNINGER, IAE:123-130, 1943; ID., ZRW:21s., 1959. 28 Cf. HENNINGER, IAE:136, 1943; ZRW; 8, 1959; NYSTRM, p. 13. 29 Apontam isto BRAUNLICH, p. 185 e HENNINGER, IAE:53, 1943.

  • 30 Quanto a esta questo, cf. HENNINGER, IAE:136-138, 142, 1943; ZRW:22s., 33, nota 139, 1959; MUSIL, pp. 224s., 349; JAUSSEN, pp. 125s.; BRUNLICH, pp. 206-210, 227s.; VON OPPENHEIM, op. cit, vol. 1, pp. 32s.; ID., Geschichte der Araber, Berlin, 1971, vol. 1, p. 37. Esse quadro bastante simplificado revela que existe uma estrutura social de dependncia escalonada na tribo dos bedunos, na qual uma hierarquia de notveis se contrape a um sistema de grupos subordinados31. Os critrios para poder pertencer aristocracia tribal so descendncia e posses; contudo, a posse conquistada por um escravo alforriado, por exemplo, jamais pode substituir inteiramente o primeiro critrio. Essa diferenciao social, no entanto, jamais to profunda como entre a populao sedentria. A vida incerta no deserto no permite a consolidao das condies de posse, que, por isso, passam a segundo plano, deixando prevalecer o princpio da igualdade. A vida no deserto exige, por outro lado, a responsabilidade comum de todos os membros da comunidade. As condies de vida dos bedunos nivelam as diferenas sociais existentes. d) Os Semibedunos e a Transio para a Vida Sedentria Em geral o beduno despreza a vida semi-sedentria e em especial a vida do fel que pratica a agricultura e est preso a sua terra. No obstante o desenrolar dos fatos o empurra muitas vezes justamente para esta sina. Catstrofes guerreiras ou perodos de extrema seca podem privar uma tribo de seus rebanhos de camelos e obrig-la assim com bastante rapidez a uma existncia semibeduna. Semibedunos so, portanto, ex-criadores de camelos, que tm seus rebanhos reduzidos a poucos exemplares e cuja base econmica passou a ser a criao de gado de pequeno porte32. Com isso se modifica acentuadamente o modo de vida. Os rebanhos de gado mido, dependentes de abastecimento regular de gua e de vegetao suficiente, tendo pouca mobilidade, j no podem ser levados para o interior do deserto, mas esto limitados s estepes na orla da terra cultivada e, no perodo do estio, dependem inteiramente da terra cultivada. Aqui o semibeduno entra em contato mais intenso com a populao sedentria, adquire ou ocupa terras cultivveis e finalmente, com hesitao, passa a praticar uma agricultura modesta. A partir de ento a transumncia adaptada ao ritmo da agricultura, de modo que a tribo acampa em suas terras agricultveis nas pocas de plantio e colheita; ou ento se procede a uma diviso de trabalho: a maior parte da tribo continua nomadizando na estepe, a parte menor cuida da lavoura. Aqui muito em breve as tendas so substitudas por cabanas permanentes, e os Semibedunos transformam-se em semifels. O desfecho desse processo o sedentarismo completo com a agricultura como nova base econmica. No decurso desse processo de sedentarizao acontecem transformaes sociais. Em primeiro lugar amplia-se a autoridade patriarcal do pai. A posio da mulher piora, visto que a partir da a escolha do marido para a filha passa alada exclusiva do pai e pouco se considera a vontade da filha. Ao mesmo tempo se faz questo de fixar um preo o mais alto possvel pela noiva, acentuando-se assim o carter comercial do casamento. Comea a desenvolver-se uma posio privilegiada do primognito. As relaes de posse consolidam-se especialmente atravs do surgimento da grande famlia como comunho jurdica de propriedade. Nas condies de posse de terras arveis mostra-se uma contradio estranha. Por um lado, as terras so ocupadas pelas famlias ricas segundo a lei do mais forte e declaradas propriedade particular, sendo que nesse processo inclusive pastagens que originalmente pertenciam tribo podem passar para a posse do xeque e de outras famlias respeitveis. Parece tratar-se de uma tendncia de tempos mais recentes. Ao menos no incio, a tendncia contrria deve ter sido a predominante na antigidade, ou seja, o tratamento do solo como propriedade do cl dentro do qual ele distribudo anualmente em parcelas e sorteado entre as famlias33.

  • __________ 31 De acordo com HENNINGER, Societ, pp. 78s.; cf. Geschichte der Araber, vol. 1, p. 37, ao contrrio de CASKEL, ZDMG-.29*. 1953. 32 Cf. HENNINGER, ZAE:4, 1943; ZRW:6s., 1959; MUSIL, pp. 22s.; VON OPPENHEIM, op. cit., vol. 1, pp. 22s.; NYSTRM, pp. 5, 19-21; G. DALMAN, Arbeit und Sitte in Palstina VI, Gtersloh, 1939, pp. 1-3, 206s. 33 HENNINGER, ZRW: 17, nota 39, 1959; MUSIL, p. 293; JAUSSEN, p. 238; HAEFELI, p. 177, nota 247; VON OPPENHEIM, op. cit, vol. 2, p. 259, nota 1.

    A Medina pr-islmica oferece um exemplo ilustrativo34. Aqui o processo da sedentarizao j se completou, e a agricultura a base econmica. No entanto, os habitantes continuam vivendo em grupos de consanginidade, tendo a tribo por unidade mxima.

    O cl mora coletivamente num stio que toma o nome do grupo que ali mora: dar. Neste stio cada famlia individual tem sua moradia prpria. No entanto, a administrao realizada conjuntamente. Ao que parece, a terra agricultvel propriedade comunitria, existindo ao lado dela quintais como propriedade particular das famlias. Parece que no existe um poder executivo com determinados encarregados. Todas as decises importantes para a comunidade so tomadas pelos chefes dos cls. Aqui vemos preservados importantes traos do passado beduno: organizao tribal, deciso comunitria (ao invs de poder centralizado) e propriedade comum (antigamente as pastagens, agora as terras de lavouras. Fator novo a agricultura como modo de produo determinante, o dar como nova instituio social, indcios do princpio local e o quintal como propriedade particular.

    Para se pesquisar o passado nmade de Israel so de especial importncia as notcias sobre Semibedunos. Os proto-israelitas jamais foram bedunos35; sua economia baseava-se, a exemplo da dos Semibedunos, na criao de ovelhas e cabras. A posse de rebanhos de gado mido impe um modo de vida anlogo: a mobilidade reduzida e escassa atividade guerreira, a dependncia das reas da estepe com pontos de gua nas orlas da terra cultivada, o contato com os povos sedentrios, o cultivo de lavouras sazonais e finalmente a transio para a sedentariedade completa. Certamente tambm se devem pressupor condies sociais anlogas. A possibilidade de se terem conservado entre os Semibedunos, desqualificados como criadores de camelos, instituies genuinamente bedunas de pouca importncia. Com a modificao das condies econmicas e ecolgicas costumam modificar-se quase que forosamente as realidades sociais. Entre os Semibedunos pde-se observar isso exatamente nos seguintes pontos: desenvolvimento da famlia pequena para a grande famlia e formao do patriarcado "monrquico" com centralizao da propriedade.

    Ainda que as condies dos Semibedunos sejam interessantes, num primeiro momento, para a comparao, isto no significa que as ricas informaes sobre a vida beduna plena sejam totalmente irrelevantes36. O ponto de comparao com as circunstncias da pr-histria de Israel consiste na existncia de uma sociedade no-sedentria, pr-estatal, nas cercanias da Palestina e sob as condies da vida no deserto. A partir deste quadro amplo esclarecem-se, aparentemente, desde j alguns elementos especficos dessa sociedade, como por exemplo a organizao clnica e o governo "democrtico" das tribos fenmenos esses que se preservaram inclusive aps a fixao na terra e at mesmo depois da formao de um estado, ainda que modificados ou em forma de resduos. Eles nos parecem vlidos tanto para Semibedunos como para seminmades.

  • __________ 34 Segundo J. WELLHAUSEN, Skizzen und Vorarbeiten IV, Berlin, 1889, pp. 17-20. 35 Isto contradiz a NYSTRM, que classifica no seu livro (nota 3 supra) os proto-israelitas como "bedunos". (P. ex., p. 3: "Se os antepassados de Israel viveram antigamente como bedunos, ento lgico supormos que os ideais culturais e vivenciais do beduno tambm lhes eram prprios nesta mesma poca.") No entanto, os pr-requisitos do beduinismo, a criao em grande escala de camelos, apenas surgiram quando Israel j se tinha assentado na Palestina. 36 A no ser que se questione por princpio que Israel tenha origens nmades ou se julgue tratar-se de um elemento secundrio para a formao do povo Israel, como o afirma W. F. ALBRIGHT, Die Religion Israels itn Lichte der archologischen Ausgrabungen, Mnchen, 1956, pp. 115-117, e recentemente C. H. J. DE GEUS, The Tribes of Israel, Assen, 1976 (SSN, 18). (Cf. tambm a respeito minha resenha in: ZDPV, 94:82-85, 1978.) Esta concepo ignora, porm, o peso das tradies nmades de Israel. Para fins de comparao deve ser eliminado tudo que especfico dos bedunos, isso , tudo que tem a ver com a criao de camelos: a transumncia para o interior do deserto e a distribuio sobre reas de pastagem mais amplas, o que favorece a famlia menor como forma social bsica, como tambm as tropas guerreiras montadas e o costume de expedies de saque e vingana. Essas caractersticas mudam-se completamente na transio para o semibeduinismo.

    2. Os Seminmades de Mari a) Generalidades

    Os arquivos do palcio real de Mari (tell hariri) com mais de vinte mil tabuinhas de argila oferecem informaes importantes sobre a histria do reino de Mari, at ento quase desconhecida, e sobre a situao poltica nos reinos vizinhos da Mesopotmia Superior e da Sria Setentrional. Alm disso, porm, representam a fonte de informao mais rica sobre os nmades dessa regio no sculo XVIII a.C.

    J nesta poca os pases mais importantes da Mesopotmia so governados por di-nastias semitas ocidentais. Alm de no prprio reino de Mari, isso ocorre tambm em Assur, cujo rei Samsi-Adad I conquistou o reino de Mari, reduzindo-o a um estado vassalo sob o governo de seu filho Iasmah-Adad, at que Zimrilim conseguiu restabelecer a dinastia de Mari aps a morte de Samsi-Adad. Mas tambm a primeira dinastia da Babilnia de origem semita ocidental, cujo rei mais proeminente, Hamurbi, volta suas aspiraes hegemnicas finalmente tambm contra seu anterior aliado Zimrilim de Mari, derrotando-o e degradando-o a um vassalo, e por fim, aps uma tentativa de revolta, destruindo Mari e seu imponente palcio, acabando definitivamente com o reino de Mari.

    poca do surgimento dos arquivos de Mari, as dinastias semitas ocidentais j estavam integradas com a populao da regio, com sua cultura e suas instituies. Como poder central dos sedentrios enfrentavam os nmades, igualmente semitas ocidentais, que, por essa poca, aparentemente procuravam penetrar com especial mpeto na terra cultivada. O relacionamento com esses novos elementos constitua um dos problemas mais difceis da poltica dos reis de Mari. Sua poltica tinha que ir no sentido de orientar a sedentarizao dos nmades, agiliz-la e dar-lhe um curso pacfico, assim aproveitando esse novo potencial humano da melhor forma de acordo com seus interesses. disso que tratam especialmente os textos que falam de nmades. A respeito de suas condies internas, sua organizao e diferenciaes sociais as informaes so escassas.

  • Uma das condies mais importantes que tornam o territrio de Mari atraente para os nmades o fator ambiental1. Quase todo o territrio da Mesopotmia se encontra na rea das estepes. A agricultura se torna vivel somente nos vales dos rios Eufrates e Tigre e de seus afluentes, por meio do aproveitamento de suas guas em redes de canais e sistemas de irrigao. As regies de estepe cobertas de gramneas constituem pastagens ideais para os nmades, no entanto, somente enquanto existe a vegetao. Ao secarem as pastagens na poca de estio, os nmades vo em busca de regies mais midas. A interessavam especialmente os vales irrigados e habitados por agricultores sedentrios. Visto que justamente a regio ao norte do gebel bisri2 e a rea entre os cursos superiores do Eufrates, Balih e Habur se constitua numa rea de concentrao de nmades, eles alcanavam, ao se dirigirem para o leste ou o sul, um territrio controlado pelo rei de Mari. __________ 1 Cf. J.-R. KUPPER, Les nomades en Msopotamie au temps des rois de Mari, Paris, 1957, pp. IXs.; ID., "Le rle des nomades dans 1'histoire de la Msopotamie ancienne", JESHO, 2:113-127 (sobretudo pp. 113-116), 1959; H. KLENGEL, Zwischen Zelt und Palast, Leipzig, 1972, pp. 26-29. 2 Cf. KUPPER, Nomades, pp. 47, 55; KLENGEL, Zelt, pp. 31, 38; L. MATOUS, "Einige Bemerkungen zum Beduinen problem im alten Mesopotamien", ArOr, 26:631-635 (sobretudo p. 634), 1958.

    Enquanto ouvimos relativamente pouco a respeito de determinados grupos nmades (rabeus, suteus, simalitas, alameus, vilaneus), destacam-se nos textos especialmente duas ligas: os haneus e os iaminitas.

    Os haneus3 so o grupo mencionado com maior freqncia nos textos. Eles j foram subjugados pelo poder central. Iahdunlim, o pai de Zimrilim, relata em dois textos, na inscrio por ensejo da inaugurao do templo de Shamash (III 28-IV 4)4 e na assim denominada inscrio do disco (I 15-20)5, a respeito de sua vitria sobre os "reis dos haneus" e da tomada de seu territrio. Essa vitria garantiu ao reino de Mari o controle sobre essa tribo nmade e o territrio por ela ocupado. O rei de Mari podia chamar-se com razo o "rei da terra dos haneus" (ARM VI 76,20s.)6. Desde ento os haneus figuram como parte totalmente integrada no estado. verdade que existem tambm dificuldades (desero, saques, desobedincia) que em pocas de fraqueza do poder do estado podem tomar forma de atitudes agressivas. No entanto, prevalece a impresso de uma subordinao pacfica. Caracterstico para isso o fato de parte considervel do exrcito ser constitudo de haneus, o que no se poderia ter arriscado no caso de elementos permanentemente revoltados. A pacificao dos haneus e a preferncia que se lhes deu para incorpor-los ao servio militar certamente fomentaram o processo de sua sedentarizao. No obstante, os haneus no alcanaram total sedentariedade no perodo para o qual dispomos de fontes. Ao lado dos grupos que se encontravam nas regies da terra cultivada, em parte sedentrios, em parte requisitados para o servio militar, continuaram a existir elementos tribais que viviam como nmades nas estepes com os rebanhos.

    mais ou menos isso que os textos7 tambm revelam sobre os iaminitas8. Eles se encontram espalhados sobre um territrio ao menos igual ao dos haneus. No entanto, nem de longe estavam to integrados como estes. Eles representavam sempre um elemento de revoltas e ameaas, que se submetia ao controle do poder estatal apenas com resistncia. Especialmente na poca de Zimrilim acumularam-se as dificuldades com os iaminitas, cuja resistncia resultou numa rebelio perigosa9. A luta chegou ao fim com uma vitria decisiva de Zimrilim, vitria esta que lhe pareceu to relevante que passou a denominar duas datas anuais em sua memria10. Aproveitando-se deste sucesso, Zimrilim inclusive mandou ocupar os territ-rios de retirada dos iaminitas, a "Terra Superior"11. A ameaa iaminita ao reino de Mari estava

  • assim conjurada. No entanto, a derrota de Zimrilim pelos babilnios e a queda do reino de Mari devem ter restitudo em grande parte s tribos nmades desta rea sua autonomia original. __________ 3 Resumo in: KUPPER, Nomades, pp. 1-46. 4 G. DOSSIN, "L' inscription de fondation de Iahdun-Lim, roi de Mari", Syria, 52:1-28, (sobretudo p. 15), 1955. 5 F. THUREAU-DANGIN, "Iahdunlim, roi de Hana", RA, 33:49-54 (sobretudo p. 51, onde na 1. 16 se deve ler ab-bu-- Ha-na), 1936. 6 Da poca de Zimrilim. O ttulo, contudo, j est documentado para Iahdunlim: inscrio do disco I, 5 (THUREAU-DANGIN, RAA9, 1936). 7 G. DOSSIN, "Benjaminites dans les textes de Mari", in: Mlanges syrens offerts a Ren Dussaud II, Paris, 1939, pp. 981-996; KUPPER, Nomades, pp. 47-81. 8 Referente a esta reproduo do nome (em vez de "benjaminitas") cf. ARM XI 43, 18-21, como tambm G. DOSSIN, "Les Bdouins dans les textes de Mari", in: L' antica societ beduna, Rom, 1959, pp. 35-51 (sobretudo p. 49; SS 2); I. J. GELB, "The Early History of the West Semitic Peoples", JCS, 15:21-41 (sobretudo pp. 37s.), 1961; A. MALAMAT, "Mari", BA, 34:2-22 (sobretudo p. 13), 1971; M. WEIPPERT, Die Landnahme der israelitischen Stmme in der neueren wissenschaftlichen Diskussion, Gttingen, 1967, pp. 110-112 (FRLANT, 92). 9 DOSSIN, "Benjaminites", pp. 986, 990s., alm da carta do funcionrio Bannum, dirigida a Zimrilim in G. DOSSIN, "Signaux lumineux au pays de Mari", RA, 35:174-186 (sobretudo p. 178), 1938. 10 G. DOSSIN, "Les noms d'annes et d'ponyms dans les 'Archives de Mari' ", in: Studia Mariana, Leiden, 1950, pp. 51-61 (sobretudo p. 55). 11 DOSSIN, "Benjaminites", p. 993. b) Economia e Modo de Vida

    A atividade principal dos nmades de Mari era a criao de gado mido. Os rebanhos de ovelhas representavam a base econmica12. Ao lado da ovelha (im-memm) parece que a cabra (hazzum)13 desempenhava papel menos importante. Animal de transporte era o burro. Gado de grande porte, cuja criao pressupunha o sedentarismo, era raro nos rebanhos dos nmades. To pouco como a criao de gado vacum, deve-se esperar criao de eqinos14 entre os nmades.

    Com seus rebanhos de gado mido de pouca mobilidade, os nmades esto condicionados existncia de pastagens e aguadas. Essas condies os obrigam transumncia. As informaes dos textos no deixam dvidas de que no territrio da populao sedentria os nmades so considerados apenas migrantes. Seus territrios de origem situam-se nas regies de pastagens da zona da estepe. Os textos registram os movimentos nmades procura de pastagens, sua "descida" para os territrios da populao sedentria (III 12,18-20; 58,5-10) e sua retirada para as regies de pastagem na "Terra Superior" (II 92,12-27; 102,5-23; V 27,25s.36s.). Com especial nitidez se indica o motivo da retirada em II 102,14-16: "J no h pastagem. Por isso queremos tomar o rumo da Terra Superior." Evidentemente a "Terra Superior" (elnum)15 sua regio principal. A expresso formulada do ponto de vista do vale do Eufrates. V 27,25s. (cf. 36s.) "(...) os iaminitas que atravessam (o rio) em direo terra de Bisir" faz lembrar a regio em torno do gebel bisr como a regio denominada por "Terra Superior"16. Essas mudanas dos nmades eram algo comum. O fato de serem mencionados na correspondncia se deve circunstncia de serem considerados indesejados e uma ameaa por parte do poder central. A constante troca de pastagem por parte dos nmades no apenas constitua um fator de permanente desassossego para a vida da populao sedentria, mas ainda privava o governo da possibilidade de se impor efetivamente a esses grupos. Atravs da retirada para a regio das estepes, a "Terra Superior", difcil de controlar, os nmades tinham relativa facilidade de subtrair-se dos servios e obri-

  • gaes como tambm das sanes impostas pelo governo. Os reis de Mari reagiram a isso duplamente: impedindo, fora, a troca de pastagem e fomentando o processo de sedentarizao. Os governadores distritais receberam instrues no sentido de impedir pela fora a retirada para a "Terra Superior" (II 92,5-27; 102,5-26).

    Essa medida no pde favorecer em nada o relacionamento dos nmades com o reino de Mari, mesmo que tenha sido apoiada pelo esforo positivo no sentido de tornar a terra cultivada atraente para os nmades e de lhes facilitar o assentamento, seja por concesso de boas condies de pastagem, seja por distribuio de terras agricultveis. Durante sua permanncia na terra cultivada, os nmades tinham iniciado a prtica da agricultura sazonal17 ao lado da pecuria. Eram, portanto, seminmades. Nisso a tendncia para a vida sedentria se revelou mais forte entre os haneus do que entre os iaminitas. No entanto, tambm os iaminitas cultivavam cereais (em especial cevada e gergelim)18. __________ 12 ARM II 90, 7-10; 102, 5-16; V 81,5-7; VI 57, 10-12.4's.l2'; 58, 15s. 13 Quanto a este significado da palavra em ARM II 37, 8-10, cf. AHw:339; ARM XV, 206, M. NOTH, "Die Ursprnge des alten Israel im Lichte neuer Quellen", ABLAK II, pp. 245-272 (sobretudo p. 269). 14 ARM VI 76, 19-25 obscuro e tambm isolado demais paira que se possa justificar a partir da a tese de que o cavalo e a arte da equitao tenham sido trazidos pelos haneus para Mari (KUPPER, Nomades, pp. 35-37), cf. KLENGEL, Zelt, pp. 156s. 15 Cf. KUPPER, Nomades, pp. 48, 55s.; H. KLENGEL, "Zu einigen Problemen des altvorderen asiatischen Nomadentums", ArOr, 30:585-596 (sobretudo p. 591), 1962. 16 Em concordncia com WEIPPERT, p. 112. 17 Consulte a respeito principalmente H. KLENGEL, "Halbnomadischer Bodenbau im Knigreich von Mari", in: Das Verhltnis von Bodenbauem und Viehzchtern, Berlin, 1968, pp. 75-81 (VIOF, 69) 18 Pressuposto em DOSSIN, "Benjaminites dans les textes de Mari", in: Mlanges syriens offerts Ren Dussaud II, pp. 985, 989, e em ARM XIII 39.

    O resultado da colheita certamente no teve grande importncia ao lado da pecuria. O governo de Mari esforava-se por fomentar o assentamento dos seminmades por meio de distribuio de terras19, aparentemente das propriedades da coroa e de terras liberadas por morte ou fuga do proprietrio (I 6,22ss.; 7,32-36). Disso resultaram vrias vantagens para o poder central: ele consolidava as relaes fundirias existentes e conseguia regularizar a tomada de terra por parte dos seminmades; alm disso obtinha um meio de presso contra esses grupos novos e inquietos, visto que a concesso de terras podia ser revogada; e por fim conseguia colocar sob sua autoridade um considervel potencial humano, manipulvel de acordo com os interesses do poder.

    Alm disso o governo tambm apoiava os seminmades na agricultura. H relatos sobre o fornecimento de sementes (IV l,18s.) e talvez foram colocados disposio inclusive arados para o preparo das terras iaminitas (XIII 39)20. Em contrapartida os grupos seminmades se comprometiam a ficar disposio do governo. Segundo I 7,32-36, a distribuio de terra normalmente vinha acompanhada de uma "revista"21, de uma listagem nominal da populao (masculina)22. Com isso a administrao no apenas obtinha uma viso do nmero de seminmades que se encontravam no pas, mas acima de tudo dos recursos eventualmente disponveis para prestao de servios. Esses compromissos eram de natureza diversa. Os haneus eram recrutados preferencialmente para o servio militar23. Eles constituam uma parcela considervel do exrcito, organizados em contingentes prprios, e eram, inclusive, considerados tropa de elite. Os inquietos iaminitas pouco se prestavam para o servio militar;

  • no entanto, constituam, ocasionalmente, tropas auxiliares (I 42,29-32; 60,9s.; VI 30,3-22), da mesma forma como os simalitas (I 60,9s.). Os iaminitas tambm estavam obrigados a pagar um tributo de cereal (sibsum) ao governo24. Finalmente os seminmades tinham que fornecer contingentes para as obras pblicas determinadas pelo governo25. Tratava-se da conservao de canais uma obra a servio da comunidade, indispensvel para a agricultura no vale do Eufrates como tambm de prestao de servio nas lavouras do rei. Este servio forado gerou resistncia: III 38 relata o caso de um xeque iaminita que se negou terminantemente a prestar tais servios $. 19-22), sendo que aparentemente todos os povoados iaminitas do distrito de Terqa se associaram a ele, de sorte que nenhum iaminita participou dos trabalhos da safra (1. 24-26).

    Alm disso o governo tinha que contar com a constante disposio dos seminmades para saques e assaltos. Tratava-se sobretudo do roubo de rebanhos de ovelhas que os assaltantes integravam a seus prprios rebanhos. Essas notcias lembram os saques dos bedunos rabes, que obedecem a determinadas regras e fazem parte do modo de vida dos bedunos. Em Mari, porm, os empreendimentos devem ter sido de menor alcance. Os seminmades nem de longe eram to geis quanto os montadores de camelos rabes. Com seus rebanhos lentos e seus domiclios fixos na terra cultivada eram, alm disso, bem mais vulnerveis a expedies de represlia. __________ 19 Cf. KUPPER, Nomades, pp. 26, 28s.; KLENGEL, Bodenbauer, pp. 76s. 20 Cf. a respeito J. T. LUKE, "Observations on ARMT XIII 39", JCS, 24:20-23, 1971, que vai muito longe, porm, nas suas consideraes sobre as implicaes histricas. 21 Cf. sobretudo J.-R. KUPPER, "Le recensement dans les textes de Mari", in: Studia Mariana, Lei-den:99-110, 1950, mas tambm C.-F. JEAN, "L'arme du royaume de Mari", RA, 42:(sobretudo pp. 140s.), 1948; KLENGEL, Zelt, pp. 117-122. 22 Muitas vezes se relata sobre tais registros, p. ex., I 37, 34-41; 82, 14s.; 87, 4; II 1, 10-25; IV 57, 9s.; V 51, 10-16 (haneus); III 21, 5-8 (iaminitas). 23 Cf. JEAN, RA:137, 1948; KUPPER, Nomades, pp. 21-23; KLENGEL, Zelt, pp. 191-195. 24 DOSSIN, "Benjaminites", p. 985. 25 Cf. G. EVANS, "The Incidence of Labour-Service at Mari", RA, 57:65-78, 1963; A. F. RAINEY, "Compulsory Labour Gangs in Ancient Israel", IEJ, 20:191-202 (sobretudo pp. 195-197), 1970.

    No entanto, esses relatos sobre saques nmades bem como sobre rebelies iaminitas probem terminantemente subestimarmos os valores guerreiros desses seminmades. Eles tinham que ter condies de defender suas pastagens nas estepes contra as presses de outros grupos nmades. Eles tinham condies para isso tanto quanto para oferecer resistncia armada contra o poder central da terra cultivada, caso necessrio, pois parecem ter sido agrupamentos relativamente numerosos. c) Organizao e Governo da Tribo

    Na questo da organizao dos grupos seminmades movimentamo-nos em solo pouco seguro. Existem alguns nomes de agrupamentos, inclusive alguns termos tcnicos, no entanto, poucas informaes sobre as condies internas e as instituies. Aparentemente esses assuntos interessavam apenas em casos excepcionais aos escritores dos textos que nos ficaram legados. Tambm possvel que a razo da escassez de informaes aproveitveis se deva natureza diferente da organizao nmade, que no tinha equivalente na cultura dos autores.

  • bem provvel que os iaminitas e os haneus constituam agrupamentos maiores. Os iaminitas se constituam de quatro ramificaes: ubrabeus, iahrureus, amna-neus e iarieus (I 42,30s.; III 50,10-13). Se denominarmos essa unidade maior dos "iaminitas" de tribo parece que no nos ficou preservado nenhum termo especfico , ento as ramificaes devem ser consideradas subtribos. Os haneus consistem de subgrupos cuja denominao ga'um (IV 1,13.15; VI 28,8) pode ser entendida como "cl", ou melhor, como "subtribo"26.

    Por outro lado, certamente a unidade chamada hibrum deve ser menor do que um ga'um27. Infelizmente a expresso aparece raras vezes e, alm disso, em contexto corrupto (I 119,10; VII 267,2'). No entanto encontramo-la em contexto claro em VIII 11. Este texto importante28 relata o translado de uma grande rea de terra pertencente ao grupo rabaico bit Awin para um alto funcionrio de Mari. Para efetuar essa transao, renem-se 13 "filhos de Awin", que formam dois grupos, dos quais um sedentrio, enquanto o outro leva vida nmade (1. 21: hibrum sa nawim). Este bit Awin um grupo consangneo; tem um epnimo comum; , pois, provavelmente um cl. Os "filhos de Awin" so os chefes de famlias que constituem o cl. Alm disso digna de nota a transao. Na 1. 25s. ela descrita assim: "Eles transferiram a terra para seu irmo Iaim-Adad." Sem dvida trata-se de terra de propriedade comum do cl da qual somente todos os chefes de famlia podiam dispor, quer sedentrios, quer nmades. Em princpio as terras no so alienveis, mas legadas por herana (nhl). Por isso o funcionrio real se transforma em "irmo" desses rabeus, e o documento no menciona qualquer pagamento. __________ 26 Cf. a respeito ARM VII, 224; KUPPER, Nomades, p. 20 ("clan ou tribu"); NOTH, ABLAK II, p. 25 ("Schar, Gruppe, Gemeinschaft" [bando, grupo, comunidade]); KLENGEL, Zelt, p. 107 ("kleinere Stammeseinheit" [unidade tribal menor] ou "Unterstamm" [subtribo]), alm de A. MALAMAT, "Aspects of Tribal Societies in Mari and Israel", in: La Civilisation de Mari, Paris, 1967, pp. 129-138 (sobretudo pp. 133-135; XVe RAI). 27 V. ARM XII, 223; XV, 202; KUPPER, Nomades, p. 20, nota 1 ("clan ou tribu"); NOTH, ABLAK II, pp. 252, 268 ("Verband" [unio, liga]); AHw, p. 344 ("Klan"); A. MALAMAT, "Mari and the Bible. Some Patterns of Tribal Organization and Institutions", JAOS, 82:143-150 (sobretudo pp. 144-146: unificao de famlias nmades), 1962. 28 Cf. a respeito MALAMAT, JAOS:145, 147-150, 1962; ID., Civilisation, p. 137; J. KLMA, "Soziale und wirtschaftliche Verhltnisse von Mari", in: Das Verhltnis von Bodenbauem und Viehzchtem, Berlin, 1968, pp. 83-90 (sobretudo p. 87; VIOF, 69).

    As informaes relativamente escassas revelam que os seminmades de Mari viviam numa organizao tribal patriarcal, cuja base era o cl. Em virtude da colonizao ela foi, ao que parece, paulatinamente modificada pelo princpio territorial e pela estratificao social crescente. II 1,10-24 registra diferenas sociais no seio dos haneus29: Dos 400 soldados requisitados para a guarda 200 deveriam ser haneus abastados, e os outros 200, pobres, cuja moradia e sustento seriam garantidos pelo palcio. Essa diferenciao social incisiva deve estar relacionada em sua origem com a tomada da terra dos haneus.

    Um pouco mais abundantes so as informaes sobre a instituio do governo da tribo. Cai na vista imediatamente que se fala de "reis" (sarrnu) dessas tribos. Iahdulim gloria-se de sua vitria sobre "sete reis, pais dos haneus", alm de mais outro rei haneu30. Depois dessa vitria no existem mais "reis" haneus. Em contrapartida, tem-se freqentes notcias de "reis" iaminitas depois desses acontecimentos (II 36,11s.; III 70,4's.)31. Parece no haver dvida de que o ttulo "rei" (sar-ru) um conceito da terra cultivada, que est sendo transferido para uma instituio nmade difcil de ser caracterizada. Quase em todos os casos o ttulo est sendo usado no plural, tratando-se, na maioria dos casos, de lderes tribais hostis ao poder central ou

  • ento dependentes dele. Caracterstica para isso a eliminao do ttulo, aps a derrota dos haneus, e sua permanncia em relao aos iaminitas que, com pertincia, preservam sua independncia. O termo "reis" designa, portanto, provavelmente os lderes aliados (xeques) das subtribos, que caso quisermos recorrer a paralelos bedunos possuem poderes ampliados sobre seus companheiros de tribo em caso de guerra.

    Este aspecto distingue o ttulo "rei" daquele outro, mais comum: suggum, que tambm designa o chefe da tribo32. Das abundantes ocorrncias, no entanto, apenas uma parte refere-se claramente a seminmades, enquanto os outros falam simplesmente de suggi ou ento os relacionam com algum lugar. O estranho relacionamento com topnimos tambm se registra quando se trata de grupos nmades (II 92,12; III 38,17). O problema colocado com toda a clareza pelo texto Dos-sin Benjaminites 986 1. 10ss.: os suggi e os ancios dos iaminitas querem assaltar a localidade de Dir em associao com outros aliados. A denncia desse ataque planejado feita pelo suggum da localidade ameaada. Este, portanto, no pode ser um xeque iaminita; trata-se, antes, de uma autoridade local, do chefe do povoado. Em contrapartida, os suggi iaminitas que preparam o ataque so, certamente, chefes de tribos que planejam a revolta contra o rei de Mari. De forma semelhante procedem suggi iaminitas de maneira autnoma contra a vontade do poder central tambm em II 53,12ss.; 92,12ss.; III 38,17ss. No mais os suggi, tanto dos seminmades quanto de outras localidades, so, em primeiro lugar, receptores de ordens do poder central. Reconhecemos aqui a transformao da instituio do chefe de tribo, originalmente seminmade, no cargo do chefe de povoado, pr-prio dos povos sedentrios. O suggum se torna a pessoa de ligao entre seu povoado e o governo. __________ 29 Cf. a respeito H. KLENGEL, "Benjaminiten und Haner", WZ, Berlin, 8:211-227 (sobretudo p. 217), 1958/59. 30 Inscrio do disco I 15-18 (THUREAU-DAUGIN, RA:51, 1936); inscrio de fundao IV 2 (DOSSIN, Syra: 15, 1955). 31 Alm disto em DOSSIN, "Benjaminites", pp. 988, 993, como tambm em uma carta de Itur-Asdu, 1. 17, 37 (G. DOSSIN, "Une rvlation du dieu Dagan Terqa", RA, 42:125-134, sobretudo 129, 131, 1948; transliterao e traduo tambm em W. VON SODEN, "Verkndung des Gotteswillens durch prophetisches Wort in den altbabylonischen Briefen aus Mri", WO I, 5:397 at 403, sobretudo pp. 398s., 1950). 32 Quanto a esta questo, cf. ARM VII, 242; IX, 296; KUPPER, Nomades, pp. 16-19, 60; JESHO: 120, nota 1, 1959; KLENGEL, Zelt, pp. 111-122; MALAMAT, civilisation, p. 133; BA:17, 1971; WEIPPERT, p. 118, nota 3; J. A. SOGGIN, Das Knigtum in Israel, Berlin, 1967, pp. 154s. (BZAW, 104). 33 Tal pagamento (uma mina de prata) se pressupe em I 119; V 24 e na carta n 311, 1. 12ss. em J. BOTTRO, "Lettres de la salle 110 du palais de Mari", RA, 52:163-176 (sobretudo p. 165), 1958.

    Ele representa os interesses de sua comunidade perante a corte. Com mais freqncia ele portador de exigncias de prestao de servios feitas a sua comunidade (inspees, recrutamento de homens para trabalhos em canais ou colheitas, tambm para o exrcito, entrega de fugitivos, substituio de desertores), exigncias essas que ter que cumprir. No fcil reconhecer at que ponto os seminmades se adaptaram aos procedimentos prprios desse ofcio na terra cultivada, se, por exemplo, adotaram o costume de eleger um novo suggum entre os notveis ou ancios, o qual tinha que comprar o reconhecimento de sua eleio com um pagamento ao palcio33. O grau de adaptao deve ter variado de acordo com o grau de sedentariedade e assimilao cultura do pas. Talvez no seja acaso que ficamos sabendo de resistncia contra as ordens do governo por parte dos suggi iaminitas, no, porm, dos suggi dos haneus.

    Situao anloga encontramos na instituio dos "ancios" (sibtum)34. Esse cargo conhecido em todo o Oriente Prximo antigo. Certamente sua origem deve ser vista na

  • organizao da sociedade tribal. Quanto ao cargo em si, encontramo-lo tambm entre os bedunos rabes, como o conselho dos notveis com o qual o xeque discute e decide todas as questes importantes. Acontece, porm, que a instituio do ancio documentada com maior freqncia na terra cultivada do que em reas de nmades. Trata-se de uma daquelas instituies gentlicas que se preservaram aps a sedentarizao, ainda que com acentuada modificao e reduo do espectro funcional original. Em Mari encontramos ancios tanto entre os seminmades quanto entre os sedentrios. No entanto, reduzido o nmero de abonaes que se referem inequivocamente aos seminmades. Por exemplo, ancios iaminitas realizam alianas ao lado de seu suggum35, representando, portanto, sua tribo perante terceiros. Ancios haneus empreendem viagens presena do rei (III 65,6-8), eventualmente em nome de sua comunidade. No possvel determinar se a reunio de ancios iaminitas no ocorreu exatamente por haver resistncia contra uma ordem neste sentido (II 83,18s.). Em III 73,9s. os "ancios da cidade" e seu prefeito (hazannum) so convocados para prestarem relatrio ao governador distrital. Visto que no caso desta "cidade" (Samanum) se trata de um povoado iaminita36, deve tratar-se de ancios iaminitas. Observamos uma vez mais a transio de uma instituio tribal para uma funo local, no caso de crescente sedentariedade. "Ancios da cidade" (Sibut lim) aparecem tambm em outras partes dos textos37, finalmente inclusive "ancios da terra" (Slbt mtm), referindo-se a determinados territrios38. Esses ancios aparecem em funes distintas: no recrutamento de tropas, em cerimnias religiosas, em reunies de conselho e repetidas vezes em viagens ao rei. Continua incerto at que ponto essas informaes so validas tambm para os ancios dos seminmades. Em todo caso, os ancios tm funes relativamente autnomas e independentes do rei39. Portanto, em Mari essa instituio deve corresponder ainda organizao tribal inclusive entre os sedentrios. __________ 34 Cf. sobretudo H. KLENGEL, "Zu den sibutum in altbabylonischer Zeit", Or NS, .29:357-375, 1960; ID., Zelt, pp. 112, 114s., 127s., 131-133, alm de ARM VII, 242; KUPPER, Nomades , pp. 16, 60, 62; MALAMAT, BA: 17, 1971; SOGGIN, p. 154. 35 DOSSIN, "Benjaminites", p. 986. 36 Cf. ARM XV, 133. 37 Como ttulo: III 17, 17, associado a nomes de cidades: II 75, 7; 95, 6; VII 130, 2; Carta n 311, 1. 15 (BOTTRO, RA:165, 1958). 38 Em termos absolutos o titulo se encontra em IV 29, 22; associado com o nome da respectiva regio em IV 68,7s; V 61,6. 39 KLENGEL, Or:360s., 1960.

    Ainda resta acrescentar algumas poucas informaes. Talvez seja possvel concluir pela existncia de um juiz tribal (spitum)40 a partir de um trecho danificado (II,98,12')41. A designao "pai" (abum) pode tambm ser usada sociologicamente, no sentido de designar altas personalidades. Ns a encontramos como termo tcnico na expresso abu biti, "pai de famlia, patriarca". possvel que isso seja um indcio para a existncia de grandes famlias. Ainda que nenhuma das ocorrncias (I 18,24; 73,53; VII 190,16; 214,7') se refira inequivocamente a seminmades, pode-se ver neste ttulo um resqucio da organizao clnica dos seminmades entre os semitas ocidentais que se tornaram sedentrios e, portanto, pressup-lo igualmente para os seminmades.

    Os textos de Mari revelam com muita clareza o modo de vida seminmade dos grupos nmades no territrio de Mari, sua transumncia com seus rebanhos ovinos entre as pastagens das estepes e das regies agrcolas nos vales dos rios, sua agricultura rudimentar e sazonal na terra cultivada, com a construo de casas slidas e at povoados. Em conexo com outras

  • fontes mesopotmicas, a evidncia dos textos torna provvel a idia de que o modo de vida seminmade deva ser considerado como a regra para os nmades do Oriente Prximo antigo, enquanto que o nomadismo pleno, durante o ano todo, constitui a exceo42. Essa suposio explicaria tambm de modo especialmente claro o fato da ininterrupta infiltrao de grupos nmades na terra cultivada, infiltrao essa que corre paralela s grandes ondas de imigrao. Os textos revelam ainda o confronto desses grupos com um forte poder central e o leque diferenciado de relaes da resultante, desde a subordinao pacfica e a integrao total at a luta aberta. Durante esse processo o estado facilitou e fomentou a sedentarizao dos nmades, pois tinha interesse nisso.

    Por outro lado notou-se o carter guerreiro desses nmades que da parte de uns (haneus) se comprovou no servio do rei, da parte de outros (iaminitas), porm, voltou-se contra o poder central.

    Menos claras so as formas de organizao e diferenciaes sociais entre os seminmades. Isso se deve falta de compreenso dos autores locais dos textos e ao processo de transformao no qual essas formas foram envolvidas na crescente sedentariedade das tribos. Parece que os nmades viviam numa organizao patriarcal, baseada nos grupos consangneos, os cls. Na organizao da chefia das tribos (suggum, sbtum, spitum) resultam paralelos com os bedunos rabes (xeque, conselho dos notveis, juiz tribal). Digna de nota foi a modificao dessas funes com o crescente processo de sedentarizao. A possibilidade da existncia de grandes famlias e de propriedade comunal do solo lembra fatos anlogos entre Semibedunos e bedunos. Essas congruncias mais ou menos ntidas oferecem um bom pano de fundo para a pr-histria seminmade de Israel. __________ 40 Cf. KLENGEL, Zelt, p. 114, alm de ARM VII, 241s.; MALAMAT, Civilisation, p. 133; BA:19, 1971; NOTH, ABLAK II, pp. 253, 271s.; H. CAZELLES, "Mari et l'Ancien Testament", in: La Civilisation de Mari, Paris, 1967, pp. 73-90 (sobretudo pp. 88s.; XVe RAI). A opinio de MALAMAT de que o cargo incluiria no apenas a funo de "julgar", mas tambm a de "governar" (como uma espcie de lder tribal), tem fundamento, j que se apia em documentao deste cargo na terra cultivada e no pode ser comprovada em relao aos seminmades com base em um nico trecho. 41 Na reconstruo do texto de W. VON SODEN, "Neue Bnde der Archives Royales de Mri", Or NS, 22:193-209 (sobretudo 200): sapitt Han, 1953. 42 KLENGEL, Zelt, p. 177.

    3. Os Seminmades Israelitas Primitivos Nossas fontes mais importantes para a pr-histria de Israel, as histrias dos patriarcas

    de Gnesis 12-50, percorreram, em parte, uma histria traditiva de sculos antes de desembocarem nas obras das fontes javista (J) e elosta (E). Nesse processo elas foram modificadas, adaptando-se sempre aos fatos histricos ocorridos entrementes, de sorte que na forma atual refletem as transformaes econmicas e sociais nos crculos transmitentes. No raras vezes a fase nmade est oculta sob a reflexo de fases de desenvolvimento posteriores e tem que ser derivada por meio de anlises crticas dos textos.

    A relevncia dos textos sobre os patriarcas, como fontes para a situao do Israel antigo antes da tomada da terra, foi contestada1 apenas raras vezes no decorrer da histria da pesquisa2. Na verdade, a pergunta pelas pessoas das quais tratam essas histrias, os patriarcas, se mostra relativamente secundria. bem verdade que entrementes se obtiveram conhecimentos3 importantes a seu respeito: elas eram realmente pessoas histricas, decerto dos tempos da "migrao aramaica", destinatrios de revelaes e promessas de um "Deus dos

  • pais" e fundadores de um culto, e que viviam como pastores nmades nas cercanias da Palestina. No entanto, parece impossvel uma reconstruo mais exata de suas circunstncias de vida4. As caractersticas e o desenvolvimento da tradio tornam incua uma inquirio crti-ca que v alm disso. No entanto, este tipo de anlise da tradio enfoca a fase em que se encontravam os grupos patriarcais, isso , dos cls que se derivam dos patriarcas e passam adiante suas tradies. a) Economia e Modo de Vida5

    Os grupos patriarcais cujas condies de vida se refletem nas narrativas sobre os patriarcas de Gnesis eram criadores de gado mido seminmades. Isso j se evidencia num relance rpido sobre o ambiente pressuposto predominantemente nos textos, no que se deve atribuir mais peso comprobatrio quelas passagens nas quais informaes sobre animais domsticos, circunstncias de vida e de economia aparecem solidamente integradas no contedo da narrativa. Por outro lado, h que se pressupor influncias de fatos posteriores sobre a tradio principalmente nas listas de patrimnio. __________ 1 Cf. J. WELLHAUSEN, Prolegomena zur Geschichte Israels, 3. ed Berlin, 1886, pp. 30s., 330-340; ID., Israelitische und jdische Geschichte, 4. ed., Berlin, 1904, p. 11, que considera as histrias patriarcais apenas fontes para sua poca de surgimento literrio, os primrdios da poca do reinado. Dataes tardias similares encontramos tambm de forma variada em T. L. THOMPSON, The Historicity of the Patriarchal Narratives, Berlin, 1974 (BZAW, 133; cf. a resenha de S. HERRMANN, WO, 8:343-346, 1976) e J. VAN SETERS, Abraham in History and Tradition, New Haven, 1975. 2 Cf. a respeito H. WEIDMANN, Die Patriarchen und ihre Religion im Licht der Forschung seit Julius Wellhausen, Gottingen, 1968 (FRLANT, 94) e mais recentemente o apanhado geral da pesquisa, feito por J. SCHARBERT, "Patriarchentradition und Patriarchenreligion", VF, 19:2-22, 1974. 3 Devemo-las a A. ALT: "Der Gott der Vter", Kleine Schriften I, pp. 1-78, e so avaliadas historicamente de forma mais conseqente por NOTH, GI, pp. 114-120. 4 Espero ter condies de expor esta tese mais demoradamente em outro lugar, principalmente no que tange a discusso sobre supostos paralelos de Nuzi; cf. por enquanto a dissertao datilografada B, pp. 114-142. 5 Cf. E. MEYER, Die Israeliten und ihre Nachbarstmme, Halle a. S., 1906, pp. 129-132, 158s., 221s., 303-305; H. GRESSMANN, Mose und seine Zeit, Gottingen, 1913, pp. 393-400 (FRLANT, 18); J. W. FLIGHT, "The Nomadic Idea and Ideal in the Old Testament", JBL, 42: 158-226 (sobretudo 163-183), 1923; R. DE VAUX, Die hebrischen Patriarchen und die modemen Entdeckungen, Leipzig, 1960, pp. 55-66; ID., Die Patriarchenerzhlungen und die Geschichte, Stuttgart, 1965, pp. 20-23 (SBS, 3); ID. Histoire ancienne d'Isral I, Paris, 1971, pp. 213-223; J. HENNINGER, ber Lebensraum und Lebensformen der Frhsemiten, Koln, 1968, pp. 24-28 (AFLNW, 151); ID., "Zum frhsemitischen Nomadentum", in: Viehwirtschaft und Hirtenkultur, Budapest, 1969, pp. 33-69 (sobretudo pp. 44-50).

    As listas das posses dos pais do a impresso de esteretipos. Em listas mais ou menos completas so enumerados "gado mido e reses, burros (e burras), escravos e escravas ('prata e ouro')": 12.16; 24.35; 30.43; 32.6,8; 34.28; 47.17 (J); 20.14; 32.15s. (E). Essas enumeraes devem j ter entrado nas narrativas da tradio que precedeu a J. Elas pressupem condies sedentrias, no nmades.

    Limitando-nos s informaes integradas nas narrativas, constatamos, em primeiro lugar, o papel preponderante do gado de pequeno porte (so'n) entre os outros animais. Naturalmente tambm os agricultores sedentrios criam ovelhas e cabras6. No entanto, so estes sobretudo os animais que constituam os rebanhos dos seminmades e decerto neste sentido que se devem interpretar as abundantes abonaes. O mundo seminmade se expressa de forma mais clara no ciclo de sagas sobre Jos e Labo. No entanto ele aparece tambm nas histrias de Jos que, no mais, se distanciam bastante das outras narrativas

  • patriarcais. Naquelas predomina, verdade, a idia de que Jos e seus irmos tenham sido agricultores sedentrios, mas elas preservam, assim mesmo, traos das originais condies de seminmades7. Isso se evidencia no ambiente descrito no cap. 37, no qual os irmos de Jos atuam como pastores de ovelhas, na maneira de migrarem para o Egito e em sua audincia perante fara, quando se apresentam como pastores de ovelhas e criadores de gado.

    Fala-se estranhamente pouco do burro (hamr)8. Ele figura em quase todas as listas de patrimnio, mas pouco aparece nas narrativas.

    Em primeiro lugar Gn 22.3,5 que abona o emprego do burro como animal de carga. Acontece, porm, que Gn 22 constitui, originalmente, uma lenda de santurio, provavelmente de origem canania. No entanto, possvel que a viagem de Abrao e Isaque com o burro ainda no tenha sido parte da antiga lenda que visava mostrar a substituio do sacrifcio de uma criana pelo sacrifcio de um carneiro e a explicao do topnimo9. Visto, porm, que o burro era tambm animal de montaria e de carga dos agricultores, a interpretao continua ambivalente. O mesmo se tem que dizer a respeito da abundante meno do burro nas histrias de Jos (42.26s.; 43.18,24; 44.3,13; 45.23). possvel que tambm aqui haja lembrana da tradio mais antiga, segundo a qual os irmos ainda no eram agricultores, mas seminmades que usavam o burro como animal de carga e de montaria10. Essas abonaes, evidentemente, no de todo unvocas, permitem concluir, por razes evidentes, que os grupos israelitas primitivos criavam burros e os usavam. No entanto, esses animais no tinham papel predominante. Com relativa freqncia aparecem bois e vacas (baqar) nas narrativas. "Gado mido e bois" so citados geralmente como rebanho dos patriarcas. Essa associao aparece tantas vezes (21.27; 26.14; 33.13; 45.10; 46.32; 47.1; 50.8) e to especificada pela narrativa que somos levados a pensar novamente numa expresso estereotipada que descreve o efetivo essencial de gado dos agricultores sedentrios. __________ 6 P. cx., Gn 38.12s.,17,20. O captulo pressupe o assentamento da tribo Jud na Palestina meridional. Cf. H. GUNKEL, Genesis, 5. ed., Gottingen, 1922, p. 414 (HK I,1). 7 Comprovantes para ambas as situaes em H. GRESSMANN, "Ursprung und Entwicklung der Joseph Sage", in: Eucharsterion fr H. Gunkel I, Gottingen, 1923, pp. 1-55 (sobretudo pp. 12-15; FRLANT, 36,1). 8 Isto contradiz a tese de que teria havido um "nomadismo baseado na criao de burros" entre os antepassados de Israel. Concordo com HENNINGER, pp. 32s. contra W. F. ALBRIGHT, Von der Steinzeit zum Chrstentum, Mnchen, 1949, p. 257; ID., Die Religjon Israels im Lichte der archologischen Ausgrabungen, Mnchen, 1956, p. 112; R. WALZ, "Gab es ein Esel-Nomadentum im Alten Orient?", IKO, Wiesbaden, 24:150-153, 1959. 9 Atualmente o nome est perdido e foi substitudo por uma interpretao secundria relacionada com o morro do templo em Jerusalm (Moria, V.2), cf. GUNKEL, Genesis, pp. 237, 239-241. 10 Assim afirma GRESSMANN, Eucharisterion I, p. 14, que se refere ao envio dos carros (45. 19,21,27; 46.5), o que transmite a impresso de que os nicos animais de carga de que dispem so burros. Todas as ocorrncias acima so de J, menos 21.27 (E). Trata-se de uma expresso preferida de J; isso se evidencia de seu uso por J fora do Livro de Gnesis (x 9.3; 10.9,24; 12.32,38; 34.3; Nm 11.22; 22.40).

    Resta apenas uma nica passagem em que o gado vacum mencionado isoladamente, sendo simultaneamente integrado na narrativa: 18.7s. (J). Abrao oferece a seus hspedes um terneiro; portanto presume-se que possua gado vacum. A informao contrasta com o fato importante nesta narrativa: Abrao mora numa tenda (18.1-16). Naturalmente possvel que os transmissores da tradio imaginassem Abrao como seminmade que j praticava a criao de

  • gado vacum, mas que ainda habitava uma tenda, e no uma moradia slida. Provavelmente, porm, os fatos so mais complicados. H muito se sabe que a se trata de matria pr-israelita, que foi transferida para Abrao sem ter sido "javizada" conseqentemente11. O detalhe da recepo farta dos estranhos visitantes faz parte do cerne do material antigo. Neste caso tambm devem ser considerados como vindos da tradio antiga os "pratos" servidos, especialmente a carne de terneiro bolo, coalhada e leite fresco tambm podem ser servidos por um nmade. Ao adotarem essa narrativa, os pais no modificaram esse detalhe, mas introduziram na matria seu modo de vida: morar em tenda, o que no se compreenderia bem em uma tradio canania. Temos, provavelmente, aqui um indcio claro para as modificaes de tradies cananias quando eram adotadas pelos grupos patriarcais. Portanto, pode-se afirmar que, por enquanto, eles ainda no praticavam a criao de gado vacum e que essa foi adotada somente na transio para a vida sedentria, isso , com o estabelecimento de instalaes permanentes e presena constante no povoado.

    Foi especialmente considerada e discutida a meno bastante freqente do camelo (ga-mai) nas histrias dos patriarcas12. Esses textos desempenham certo papel na pergunta pela poca da efetiva domesticao do camelo. Essa importncia, no entanto, se reduz quando se estudam os textos criticamente, ou seja, quando se deixa de consider-los, em geral, como testemunhos da primeira metade do sculo II a.C. e se passa a considerar seu longo caminho traditivo. Parte das abonaes encontra-se nas listas de patrimnio, devendo assim ser desconsiderada. Sobram dois textos nos quais os camelos esto firmemente integrados na narrativa: caps. 24 e 31. Enquanto no cap. 31 os camelos so mencionados apenas de passagem, no se podendo, assim mesmo, prescindir deles a sela do camelo constitui um trao importante da narrativa (v. 34) eles constituem elementos representativos indispensveis no cap. 24, do comeo at o fim. Em ambos os casos preferiu-se considerar a meno do camelo como anacronismo13. No entanto, em ambos os captulos dificilmente se trata de tradies antigas. O cap. 24 uma novela trabalhada literariamente, muito distante do estilo de uma saga, com dilogos extensos e uma caracterstica teolgica determinada (histria da conduo do povo). Ela j pressupe outras tradies, e, do ponto de vista histrico-traditivo, trata-se de uma criao relativamente recente14. Algo semelhante vale com relao ao tema da narrao do roubo dos dolos do lar (terafim) de Labo no cap. 31 (v. 19)15. incerto se retratam costumes antigos. __________ 11 Cf. GUNKEL, Genesis, pp. 193-201 (sobretudo p. 200); G. VON RAD, Das erste Buch Mose. Genesis, 6. ed., Gttingen, 1961, pp. 172-177 (sobretudo pp. 173s.; ATD 2/4). 12 Cf. a respeito DE VAUX, Die hebrischen Patriarchen und die modemen Entdeckungen, pp. 57-60; ID., Die Patriarchenerzhlungen und die Geschichte, pp. 21s.; ID., Histoire I, pp. 214-216; HENNINGER, ber Lebensraum und Lebensformen der Frhsemiten, pp. 25-28; ID., in: Viehwirtschaft und Hirtenkultur, pp. 41-44. 13 Assim afirma ALBRIGHT, Von der Steinzeit zum Chrstentum, p. 257, e mais recentemente D. B. REDFORD, A Study of the Biblical Story of Joseph, Leiden, 1970, p. 195 (SVT, 20). 14 GUNKEL, Genesis, pp. 248s.; VON RAD, Genesis, pp. 217-223; M. NOTH, berlieferungsgeschich-te des Pentateuch, Stuttgart, 1948, pp. 114, 217s. 15 Faz parte de uma etapa traditiva j avanada, NOTH, Pentateuch, pp. 100-103.

    A transio para a efetiva domesticao do camelo com a formao de grandes reba-nhos estava concluda basicamente no fim do segundo milnio, entre os habitantes do deserto a leste da Palestina. provvel que a primeira vez que os israelitas sedentrios se confrontaram com camelos em maior quantidade e em emprego militar foi durante os ataques dos midianitas

  • (Jz 6-8)16. Surpreendentemente tambm textos posteriores nada relatam sobre posse de camelos por parte dos israelitas. Pressupem-se camelos em poder dos amalequitas nmades no tempo de Saul (1 Sm 15.3; 27.9; 30.17), no squito da rainha de Sab nos tempos de Salomo (1 Rs 10.2) e como presente do arameu Hazael para Eliseu (2 Rs 8.9). Exceto essa ltima passagem e excluindo os despojos de Davi subtrados aos amalequitas (1 Sm 7.9), no se menciona a posse de camelos em Israel. Quando se atribui a posse de camelos aos patriarcas, muito raras vezes ao Israel posterior, no entanto, torna-se difcil considerar as informaes de Gn 24 e 31 simplesmente como retroprojees das condies de tempos posteriores. No se pode, por causa disso, considerar totalmente impossvel que os grupos patriarcais tenham possudo camelos em quantidade restrita e os tenham usado como montaria17.

    Podemos agora resumir: os grupos patriarcais, cujo modo de vida se reflete nas narrativas, eram criadores de gado mido. Seus rebanhos eram constitudos de ovinos e caprinos, sendo que provavelmente preponderavam os ovinos (nomadismo ovino). Como montaria e animal de carga empregavam o burro, talvez tambm, em casos espordicos, o camelo. Eles conheceram a criao de gado vacum no contato com as populaes sedentrias, mas somente a adotaram na transio para a vida sedentria.

    Este estgio, porm, ao que parece, ainda no havia sido alcanado, o que se evidencia pela reiterada referncia vida em tendas ('ohal), por via de regra firmemente integrada nas narrativas (12.8; 13.3,5; 18.1s.,6,9s.; 24.67; 25.27; 26.25; 31.25,33s.; 33.19; 35.21)18. Com isso fica comprovado claramente o modo de vida nmade dos grupos patriarcais no mbito das regies de populao sedentria. Em caso de mudanas para outras localidades fala-se que os patriarcas "armam" suas tendas em diferentes lugares ou "acampam" ali. Mesmo admitindo que essas referncias tenham pesos diferenciados19, dificilmente podem ser compreendidas de outra forma que como lembranas verdadeiras das migraes dos grupos patriarcais na terra, antes da plena sedentariedade20. Como j mencionamos, a vida nmade em tendas foi capaz de influenciar inclusive uma tradio adotada da terra cultivada de tal maneira (18.1ss.) que realidades nmades (tenda) e da terra cultivada (criao de gado vacum) aparecem misturadas nela. __________ 16 ALBRIGHT situa estes ataques logo aps 1100: Von der Steinzeit zum Chrstentum, p. 163; ID., Die Religion Israels im Lichte der archoiogischen Ausgrabungen, p. 230, nota 60; "Zur Zhmung des Kamels", ZAW, 62:315, 1950. 17 Este fato evidentemente foi retocado de forma novelstica no cap. 24, tomando-se a imagem de toda uma caravana, composta de dez camelos (v. 10), acompanhada pelos respectivos servos. H indcios de um estgio mais antigo: o verdadeiro sujeito da ao o servo de Abrao. "Os homens que estavam com ele" s so mencionados ocasionalmente e parecem ter importncia secundria (cf. a troca de sujeito no v. 54). Talvez num estgio traditiv