9
A SOCIEDADE DO CONHECIMENTO E O CURRÍCULO DO (DES)CONHECIMENTO Katia R. K. F. [email protected] / [email protected] Instituto Federal Catarinense Campus Rio do Sul Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí Doutoranda Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica (PPGECT) - UFSC Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Tecnológica (NEPET) Rua Brasil n. 55 Bairro Sumaré 89165.613 Rio do Sul SC Fátima P. Z. O. [email protected] Instituto Federal Catarinense Campus Rio do Sul Doutorandas Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica (PPGECT) - UFSC Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Tecnológica (NEPET) Estrada do Redentor, 5665 Bairro Canta Galo 89160-000 Rio do Sul - SC Paula A. G. C. [email protected] Instituto Federal Catarinense Campus Rio do Sul Doutorandas Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica (PPGECT) - UFSC Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Tecnológica (NEPET) Estrada do Redentor, 5665 Bairro Canta Galo 89160-000 Rio do Sul - SC Walter A. B. [email protected] Departamento de Engenharia Mecânica CTC UFSC Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica (PPGECT) Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Tecnológica (NEPET) 88.040-900 Florianópolis SC Universidade Federal de Santa Catarina 88040-900 Florianópolis SC Resumo: O presente artigo apresenta uma discussão sobre o desafio de organizar um Currículo que dê conta de acompanhar todos os avanços apresentados na Sociedade do Conhecimento. Tem como objetivo refletir sobre a tríade sociedade do conhecimento, currículo e avanços científicos e tecnológicos: os currículos, da forma como os conhecemos, conseguem debater temáticas emergentes da sociedade do conhecimento, considerando as repercussões sociais decorrentes dos avanços científicos e tecnológicos? Para confrontar a questão posta, o texto chama atenção para a formação

A SOCIEDADE DO CONHECIMENTO E O CURRÍCULO DO ... - … · Currículo que dê conta de acompanhar todos os avanços apresentados na Sociedade do Conhecimento. Tem ... estamos acomodados

Embed Size (px)

Citation preview

A SOCIEDADE DO CONHECIMENTO E O CURRÍCULO DO

(DES)CONHECIMENTO

Katia R. K. F. – [email protected] / [email protected]

Instituto Federal Catarinense Campus Rio do Sul

Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí

Doutoranda Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica

(PPGECT) - UFSC

Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Tecnológica (NEPET)

Rua Brasil n. 55 – Bairro Sumaré

89165.613 – Rio do Sul – SC

Fátima P. Z. O. – [email protected]

Instituto Federal Catarinense – Campus Rio do Sul

Doutorandas Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica

(PPGECT) - UFSC

Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Tecnológica (NEPET)

Estrada do Redentor, 5665 – Bairro Canta Galo

89160-000 – Rio do Sul - SC

Paula A. G. C. – [email protected]

Instituto Federal Catarinense – Campus Rio do Sul

Doutorandas Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica

(PPGECT) - UFSC

Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Tecnológica (NEPET)

Estrada do Redentor, 5665 – Bairro Canta Galo

89160-000 – Rio do Sul - SC

Walter A. B. – [email protected]

Departamento de Engenharia Mecânica – CTC – UFSC

Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica (PPGECT)

Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Tecnológica (NEPET)

88.040-900 – Florianópolis – SC

Universidade Federal de Santa Catarina

88040-900 – Florianópolis – SC

Resumo: O presente artigo apresenta uma discussão sobre o desafio de organizar um

Currículo que dê conta de acompanhar todos os avanços apresentados na Sociedade do

Conhecimento. Tem como objetivo refletir sobre a tríade sociedade do conhecimento,

currículo e avanços científicos e tecnológicos: os currículos, da forma como os

conhecemos, conseguem debater temáticas emergentes da sociedade do conhecimento,

considerando as repercussões sociais decorrentes dos avanços científicos e

tecnológicos? Para confrontar a questão posta, o texto chama atenção para a formação

e o papel do Engenheiro Educador na tarefa de humanizar o ensino e o aprendizado.

Ao final apresenta considerações a respeito da ineficácia dos currículos no binômio

avanço científico e social / desenvolvimento humano e social e a respeito da

importância da atitude epistemológica do Engenheiro Educador para a humanização

da sociedade do conhecimento.

Palavras-chave: Sociedade do Conhecimento, Ciência, Tecnologia, Currículo,

Engenheiro Educador.

1. INTRODUÇÃO

O mundo está imerso em uma revolução tecnológica que impôs uma série de

mudanças em todos os campos: social, econômico, cultural, político, geográfico e

educativo, gerando necessidade de constantes transformações. Esses assuntos, entre

outros, têm sido objeto de reflexões, análises e procedimentos do (NEPET) Núcleo de

Estudos e Pesquisas em Educação Tecnológica (www.nepet.ufsc.br), que acredita ser a

transformação uma tarefa indispensável e inadiável, motivo pelo qual se preocupa com

assuntos humanísticos dentro da Educação Tecnológica nos tempos atuais.

Parece que a humanidade entrou num curso irreversível na qual a busca

desenfreada pelo progresso faz com que os seres humanos esqueçam as prioridades

coletivas sociais. No campo educacional não é diferente. O que é prioridade acaba

sendo suprimido em função de conteúdos arraigados que não dão conta de uma

abordagem contemporânea. Nossa realidade é outra daquela vivida há cinco anos; o que

dizer de duzentos ou cem anos atrás, então? Precisamos ser mais contundentes quando

falamos em educação em todos os níveis e áreas, mais ainda na tecnológica. Não

podemos mais escamotear problemas humanos que podem tornar-se irreversíveis. Da

forma como falamos neles procuramos ser “bem comportados” querendo poupar nossos

jovens de questões que são graves.

A partir destas provocações, este artigo está pautado em várias interrogações que

tem início com a seguinte questão: Os currículos, da forma como os conhecemos,

conseguem debater temáticas emergentes da sociedade do conhecimento, considerando

as repercussões sociais decorrentes dos avanços científicos e tecnológicos?

Parece-nos que entramos numa zona de conforto quando falamos em educação. Isso

aumenta à medida que delimitamos a discussão acerca de uma temática específica.

Nosso mote particular neste momento é o currículo e, somado a ele, a formação do

Engenheiro Educador e sua (des)preocupação com um ensino e consequente

aprendizagem que considere, no currículo, uma formação humanística, com olhar

voltado para as repercussões sociais decorrentes do avanço científico e tecnológico.

Se houver uma nova abordagem na educação e flexibilidade no currículo, ações

para melhorar o estigma social podem ser desencadeadas.

Esta provocação se dá por acreditarmos que há seriedade e probabilidade de

aprimoramento da condição humana por meio da educação.

Assim como a apropriação do conhecimento científico e da tecnologia, o que

acontece a partir da influência do processo educativo pode ser usado para benefício de

todos ou para atender apenas uma minoria corporativista. O sistema educacional e o

currículo ainda não se deram conta “[...] que a mudança – constante, acelerada, ubíqua -,

é a característica mais impressionante do mundo em que vivemos.” (POSTMAN, 1972,

p. 16)

Discutir acerca da formação do Engenheiro Educador não é uma temática nova,

tampouco recente. Devemos chama-los Engenheiros Educadores ou Educadores

Engenheiros? Como foram pensados e organizados os currículos que formam os

engenheiros? Qual o parâmetro utilizado para organização de um currículo num mundo

que está em constante mudança? É possível estabelecer um diálogo entre a teoria

curricular acumulada e as situações contemporâneas que envolvem a ciência, a

tecnologia e a sociedade?

Fazemos estas instigações considerando o que nos apresenta Porto-Gonçalves

(2011, p. 12), quando afirma que “Todos os dias recebemos, via satélite, pelos meios de

comunicação, o mundo editado aos pedaços, o que contribui para que construamos uma

visão do mundo que nos faz sentir, cada vez mais, que o nosso destino está ligado ao

que acontece no mundo, no planeta”.

Ao mesmo tempo, estamos acomodados mesmo sabendo que mudanças estruturais

do currículo são necessárias. Mudanças estas oriundas e decorrentes do processo

educativo, determinado pelo currículo. Não queremos com isso jogar fora os

conhecimentos arduamente criados ao longo do tempo. Mas é necessária uma

contextualização mais efetiva, principalmente quando estamos falando de educação

tecnológica.

Chegamos a um estágio da humanidade em que há uma imensa diversidade de

culturas que são passíveis de serem discutidas, trocadas e ampliadas em função dos

avanços da ciência e da tecnologia.

Isso tem levado a humanidade e o planeta, de maneira geral, a se verem diante de

uma nova organização social, de novas possibilidades, de avanços significativos

decorrentes da expansão científica e tecnológica. Isso, por si só, já seria parâmetro para

que todo o planeta estivesse bem. Entretanto, não é isso que acontece. Contrapondo-se a

toda riqueza cultural, aos avanços da ciência e da tecnologia, deparamo-nos

diariamente, com noticiários que mostram, sem o mínimo escrúpulo, as contradições

existentes neste mundo: diferenças sociais gritantes, disputas por poder.

E é a partir disso que chamamos para a reflexão os Engenheiros Educadores. Sim,

agora assumimos que a expressão correta a ser usada é essa mesmo. Engenheiros que

educam. Mas educam para que? Educam quem? A partir de qual concepção? Com qual

visão de homem/mulher, sociedade, mundo?

Chamamos a atenção para a importância do papel do Engenheiro Educador, um

profissional comprometido com a ética, na formação dos estudantes, humanos, reais,

que vivem neste mundo globalizado, já tão cheio de problemas, violências e desafios,

que podem ser minimizados, exatamente, com a atuação consciente, decorrente da

formação que receberam.

E, nesta formação que receberam qual o papel do currículo? Um currículo posto,

intransponível, acabado ou um currículo passível de discussão, que considera qual o

tipo de indivíduos quer formar e para qual tipo de sociedade? Como formar engenheiros

que se importam com as questões sociais e ambientais, e não apenas com a formação

técnica? A formação estritamente técnica de „boa qualidade‟ serve a que e a quem?

Deseja-se a manutenção dessa sociedade e das corporações? Essas questões são postas

em decorrência do tipo de sociedade em que vivemos. Uma sociedade que mantem o

atual sistema social, que dá ênfase ao poder e ao individualismo em contraposição à

coletividade, à cooperação e à socialização.

2. DESENVOLVIMENTO

Entendemos por Sociedade do Conhecimento, como sendo aquela que tem como

principal fator de produção e de poder, o conhecimento, que no mundo globalizado, está

vinculado a novos conhecimentos, e estes, por sua vez, conectados com inovação

tecnológica.

No nosso entendimento, diferencia-se da Sociedade da Informação1.

A Sociedade do Conhecimento caracteriza-se pelas constantes e velozes mudanças,

sejam elas tecnológicas ou econômico-sociais (globalização). “A globalização é política

tecnológica e cultural, tanto quanto econômica” (GIDDENS, 2011, p.21).

Não há dúvidas quanto ao fato de haver repercussões sociais extremas decorrentes

do avanço científico e tecnológico. Os sujeitos têm conhecimento e condições de se

posicionarem a respeito das consequências advindas da ciência e da tecnologia?

Quanto mais a ciência e a tecnologia se intrometem em nossas

vidas, e o fazem num nível global, menos essa perspectiva se

sustenta. A maioria de nós – incluindo autoridades

governamentais e políticos – tem, e tem de ter, uma relação

muito mais ativa ou comprometida com a ciência e a tecnologia

do que antes. (GIDDENS, 2011, p. 41)

Sobre o avanço científico e tecnológico, Bazzo afirma que:

Debates e discussões [...] tem se tornado permanentes na

grande maioria das instituições no mundo inteiro, realçando a

sua pertinência e reforçando a necessidade de buscar

alternativas capazes de produzir desenvolvimento científico-

tecnológico e humano sem causar danos à natureza

socioambiental e comprometer a vida da Terra. Obviamente,

não se trata apenas de avaliar os possíveis impactos que

fatalmente elas causam e causarão aos seres humanos e ao

planeta de forma geral, mas sim, e principalmente, descobrir o

irreversível a que tais usos conduzirão os homens e as mulheres

– independentemente de classe social, credo ou etnia. (BAZZO,

2013)

Nesse sentido, o currículo tem funções diferenciadas, dependendo do nível e

modalidade ao qual está relacionado. Isso significa que ele pode ser diferente,

dependendo das funções sociais ao qual está associado.

Ao analisar os currículos e ao participar de discussões acerca

da necessidade de adaptá-los aos novos tempos, nota-se um

esforço bastante frequente de não dirigi-los para um verdadeiro

construir do conhecimento, mas sim para o objetivo de preparar

os estudantes a aceitar os postulados do credo liberal que tem

muito de suas raízes na concepção positivista da ciência, que

coloca, como nunca, a produtividade de bens de consumo como

a panaceia da humanidade (BAZZO, 2010, p.240).

No que diz respeito ao currículo, é fato que muito do que se desenvolve é velho,

obsoleto, desacreditado antiquado e passível de contestação “[...] o currículo reflete o

1 A Sociedade da Informação é o instrumento que permite a troca de informações na Sociedade do

Conhecimento.

conflito entre interesses dentro de uma sociedade e os valores dominantes que regem os

processos educativos” (SACRISTAN, 2000, p. 17).

Afirma Grundy (1987, p. 5), citado por Sacristán (2000, p. 14) que “O currículo não

é um conceito, mas uma construção cultural. Isto é, não se trata de um conceito abstrato

que tenha algum tipo de existência fora e previamente à experiência humana. É antes,

um modo de organizar uma série de práticas educativas”. Já SILVA, (1999, p. 14-15)

diz que “A questão central que serve de pano de fundo para qualquer teoria do currículo

é a de saber qual conhecimento deve ser ensinado. De uma forma mais sintética a

questão central é: o quê? [...] o que eles ou elas devem saber? Qual conhecimento ou

saber é considerado importante ou válido ou essencial para merecer ser considerado

parte do currículo?”.

É óbvio que são necessárias discussões e reflexões sobre quais conhecimentos

devem ser ensinados, especialmente quando tratamos da atual Sociedade do

Conhecimento, de maneira a ponderar sobre: Quem queremos formar? Para quê? Quais

são os propósitos da Educação Tecnológica na contemporaneidade?

Pouco do currículo dá aos estudantes a possibilidade de perguntar: “Para que serve

isso?”, “Para quem?”. O foco parece muito mais voltado a interesses organizados do

que a interesses sociais relacionados à própria sociedade.

Os currículos contemplam com muita ineficácia a relação entre

ciência, tecnologia e sociedade; os professores são presos

estritamente à sua formação viciada em ensina somente aquilo

que lhes repassaram e da forma como lhes repassaram; os

livros-textos, por sua vez, quando o fazem, abordam muito

superficialmente o problema nas suas páginas iniciais, quase

como em caráter de curiosidade, abandonando o estudante à

sua própria sorte dali em frente, o que agrava ainda mais a sua

incapacidade de tratar do assunto. (BAZZO, 2010, p.173)

Seria muito interessante se os currículos contemplassem, ao invés de assuntos

postos, possibilidades de perguntas ou proposições para investigações.

A importação acrítica de modelos existentes em outros países,

geralmente do “Primeiro Mundo”, nos custou e ainda custa um

preço muito alto em termos de identidade cultural refletida nos

currículos estanques existentes em nossas escolas. (BAZZO,

2010, p. 223)

Um currículo pautado em questionamentos, inquisições faz com que os “velhos

currículos” sejam percebidos como obsoletos e levam os estudantes a criarem seus

processos de aprendizagem. Como diz Postman e Weingartner (1972, p.53) “[...] os

estudantes geram seus próprios enredos, suas próprias histórias [...]”. Isto é possível?

Para que isso se processe, as análises devem ser embasadas em

estudos especializados no sentido de buscar informações

importantes sobre o caráter rígido das estruturas curriculares,

dos objetivos dos ensinamentos dos professores, da

inconsistência dos livros-textos e das disciplinas totalmente

desatualizadas, que dificilmente tratam de semelhantes

assuntos. (BAZZO, 2010, p.173)

Tradicionalmente, cabe aos engenheiros produzir tecnologias. A formação destes

profissionais tem muito embasamento técnico e pouca formação para a docência, que se

dá por meio da Pós-Graduação em detrimento da formação pedagógica. Então, e ao

Engenheiro Educador, o que cabe?

[...] colocar para o professor a importância fundamental que

assume a epistemologia para o seu comportamento junto aos

estudantes na hora de processar a construção do conhecimento.

(BAZZO, 2010, p. 224)

Há necessidade de uma formação docente adequada como fator fundamental para

alcançar reflexões que envolvam temáticas relacionadas às demandas da atual

Sociedade do Conhecimento. Essa formação docente é necessária, inclusive para as

necessidades de alteração do currículo.

As concepções filosóficas e epistemológicas são determinantes, pois como afirma

Furió (1994) os conhecimentos que os professores trazem consigo podem ser obstáculos

ou alavancas para a construção de conhecimentos científicos. Para Skosmose (2011, p.

57) “Conhecimento e o desenvolvimento do conhecimento são elementos essenciais em

epistemologia”.

Na mesma perspectiva das concepções filosóficas e epistemológicas, o

conhecimento específico também se faz importante.

A educação pode ser, além de um agente de reprodução

cultural, um agente de transformação [...] mostram o quanto a

interferência de profissionais com bom conhecimento

tecnológico – no sentido amplo da palavra – pode auxiliar na

transformação do sistema produtivo de alimentos, bem como no

controle ambiental de seu território. (BAZZO, 2010, p. 175)

Torna-se cada vez mais urgente, na formação do Engenheiro Educador, o olhar

voltado para as ciências humanas, uma vez que possibilita a análise crítica acerca do

conhecimento científico e tecnológico apresentado no currículo. Sai do porão obscuro

da técnica e adentra em questões sociais, colocando em xeque o conhecimento

hermético.

O que se precisa incentivar, portanto, nas escolas de

engenharia, é que esses novos valores questionem a cultura

científico-tecnológica existente neste contexto, desde uma

perspectiva de postura crítica para desafiar as formas

tradicionais de produção, difusão e utilização do conhecimento

científico e tecnológico. Se essa nova postura for assumida nas

escolas de engenharia, do ponto de vista da sociedade

brasileira, o futuro engenheiro terá um papel muito mais

atuante do que aquele que lhe é reservado no atual mercado de

trabalho do país. Deixará de ser um mero repetidor de técnicas

consagradas para torna-se um agente de mudanças sociais.

(BAZZO, 2010, p. 175)

O processo de globalização é irreversível e está relacionado a todos os aspectos da

vida, desde aqueles ligados aos fenômenos ecológicos, passando pela consciência

política até as tendências culturais, fluxo de informação, notícias e comunicação ao

redor do mundo. Processo de globalização e Sociedade do Conhecimento caminham

juntos. Nesta perspectiva “A importância do conhecimento pode ser condensada no

conhecimento da teoria do valor” (SKOVSMOSE, 2007, p. 55).

Nessa reflexão estamos enfatizando que a tríade: sociedade do conhecimento,

currículo e avanços científicos e tecnológicos deve andar alinhada.

A questão é: o currículo consegue acompanhar a constantes mutações da sociedade

do conhecimento e os avanços científicos e tecnológicos? Observamos que o estudo e

transformações dos currículos são lentos com relação às demais questões sociais.

Concordamos com Cajardo (2010) quando afirma que a escola como uma das múltiplas

instituições públicas que exerce funções anacrônicas, isto é, não se adapta à celebridade

das transformações e servem apenas para a estabilização e proteção da estrutura social

que as produz.

Qual desenho de currículo podemos propor? Em disciplinas? Organizados em

gavetas? Fragmentado? Ou vamos optar por um currículo que tenha como base as

demandas sociais da maioria em detrimento de interesses da minoria? É possível basear

o currículo em projeto e temas sociais?

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conteúdo jamais é neutro. “Portanto, um currículo jamais é neutro. Sejam lá quais

forem os conteúdos, os temas, os projetos contemplados em determinada etapa da

escolaridade, todos refletem uma demanda específica de algum setor da sociedade, em

algum momento histórico” (SILVA, 2013, p. 205).

Cada conteúdo selecionado precisa ir além do conhecimento técnico. O

conhecimento reflexivo deve estar permanentemente em conexão com os resultados do

processo de avanço científico e tecnológico, mesmo tendo, ambos, naturezas distintas.

Os currículos, da maneira como se apresentam hoje na educação, é ineficaz no que

diz respeito a discussões mais profícuas acerca da tríade ciência, tecnologia e sociedade,

uma vez que não tem ainda implantada, segundo Bazzo (2010) uma filosofia que trate

de questões sociais de forma real, concreta, e deixando de lado a fantasia de que a

ciência e a tecnologia tudo podem resolver.

Nesse sentido mais uma vez reforçamos o papel do Engenheiro Educador ao

questionar o que e porque deve trabalhar determinado conhecimento, para que e a quem

servem os conhecimentos desenvolvidos.

Assmann (1998) chama atenção a três choques básicos do mundo2, do qual

destacamos o choque da civilização científica e técnica. Para o autor, o conhecimento é

“[...] o recurso humano, econômico e sociocultural mais determinante na nova fase da

história humana que já se iniciou” (ASSMANN, 1998, p. 19).

É função do Engenheiro Educador levar aos futuros engenheiros a reflexão sobre a

sociedade do conhecimento, sobre os problemas sociais e especialmente as questões

humanas relacionadas à ciência e tecnologia.

O conhecimento reflexivo forma, prepara para a vida. O conhecimento técnico

forma, prepara para o mercado. A sociedade do conhecimento necessita de qual tipo de

conhecimento? Reflexivo? Técnico?

No artigo “Values-Led technology” de Toporow, 1991, o autor

faz as seguintes ponderações: “O engenheiro do futuro não será

requisitado apenas para a aplicação da moderna ciência e da

2 Choque da sociedade da informação, o choque da mundialização e o choque da civilização científica e

técnica.

tecnologia, mas também pela sua sensibilidade em lidar com as

implicações sociais das novas tecnologias e soluções de

engenharia. Como coisas da engenharia, ele precisa considerar

as abordagens do projeto, a seleção de materiais e processos,

os esquemas de fabricação, além dos custos que sempre

sobrecarregará a sociedade. Como coisas humanas, ele terá

que considerar as implicações sociais e os impactos de suas

tecnologias na qualidade de vida presente e futura”. Ele precisa

perguntar e buscar responder às questões: “Isto pode ser

feito?” e “Podem as consequências ser administradas?”.

(BAZZO, 2010, p. 175-176)

Os cursos de engenharia, na sua maioria, são organizados para dar poder aos

futuros engenheiros, instrumentalizando-os e fortalecendo-os com o conhecimento

tecnológico, enquanto a preocupação com o conhecimento reflexivo fica obscurecida

pela demanda tecnológica. Há necessidade de uma abordagem reflexiva quanto aos

conteúdos, questionando frequentemente para que e para quem um aparato esteja sendo

desenvolvido.

Não há nenhuma garantia de que a competência desenvolvida somente com o

conhecimento tecnológico possa desencadear uma reflexão sobre o uso dessa

tecnologia. Cada vez mais o papel do engenheiro educador nessa sociedade globalizada,

altamente tecnologizada e consumista precisa assumir papel reflexivo para não tornar-se

incapaz de avaliar os resultados de sua produção, os benefícios e malefícios que podem

estar subjugados a sua competência tecnológica e reflexiva.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSMANN, Hugo. Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente. Petrópolis:

Vozes, 1998.

BAZZO, W. A. Ciência Tecnologia e Sociedade: e o contexto da educação

tecnológica. Florianópolis: Editora da UFSC, 2010.

______. Para Agir é Preciso Entender. OEI – Organização dos Estados Ibero

Americanos. Disponível em <http:www.oei.es/divulgacioncientifica/opinion0074.htm>

Acesso em: 24 mai. 2013.

GAJARDO, M. Ivan Illich. Tradução e organização: José Eustáquio Romão. Recife:

Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010.

FURIÓ, M. C. J. Tendencias actuales em la formación del professorado de ciências.

Enseñanza de las Ciencias, Barcelona, v.12, n.2, p.188-199, 1994.

GIDDENS, A. Mundo em descontrole: o que a globalização está fazendo de nós. 8.ed.

Rio de Janeiro: Record, 2011.

POSTMAN, N. e WEINGARTNER, C. Contestação: o ensino como revolução social.

2.ed. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1972.

SACRISTAN, J. G. O currículo: uma reflexão sobre a prática. 3. ed. Porto Alegre:

Artmed, 2000.

SILVA, M. A. da. Contribuições Contemporâneas para as Discussões Curriculares em

Educação Matemática: a teoria crítica pós-moderna. ALEXANDRIA Revista de

Educação em Ciência e Tecnologia, v.6, n.1, p. 205-233, abril 2013 ISSN 1982-5153

SKOSMOSE, O. Educação crítica: incerteza, matemática, responsabilidade. São Paulo:

Cortez, 2007.

THE KNOWLEDGE SOCIETY AND THE CURRICULUM OF

“THE LACK KNOWLEDGE”

Abstract: This paper broaches a discussion about the challenge of organizing a

curriculum that supports all the advances made in the Knowledge Society. It aims to

reflect on the triad knowledge society of, curriculum plus scientific and technological

advances: Can the curriculum, the way we know them, discuss themes emerging

knowledge society, considering the social consequences resulting from scientific and

technological advances? To tackle this question, the text draws attention the role and

training of the “Engineer Educator in the mission of humanizing the teaching and

learning. Besides, at the end it also presents considerations regarding the

ineffectiveness of curricula in the binomial scientific and social / human and social

development and regarding the importance of epistemological attitude of the “Engineer

Educator” for humanizing the knowledge society.

Key-words: Knowledge Society, Science, Technology, Curriculum, “Educator

Engineer”.