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AS SOMBRAS ATACAM Por Antonio Marcelo Maio 2015 1

A Sombra

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Conto Steampunk

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  • AS SOMBRAS ATACAMPor Antonio Marcelo

    Maio 2015

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  • 1.0

    Tavares no estava acreditando...

    No era uma cabea de porco, nem um cabar. No estava numa pension dartistes no Catete, nemna casa de Madame DOrsay, um dos mais famosos cafs-encontro do Rio. No era um bairro deoperrios, nem no morro de Santo Antonio. Era um belssimo apartamento na Glria, no sexto andarde um belo prdio, decorado com porcelanas francesas, servios ingleses de ch, mveis finos ediversos quadros na parede. Era um local de uma pessoa abstada, que podia pagar por um relgioingls e ter um servio automtico de cozinha eletro/mecnico (coisa que no custava menos de 300ris !).

    O apartamento estava cheio, cheio de policiais, detetives e at o comissrio da polcia estava ali.Tavares se sentiu um pouco incomodado com a presena de todos aqueles brucutus, mas noprimeiro momento eles eram a lei.

    At Tavares chegar...

    Tavares, melhor Manoel Tavares era um Investigador Imperial, uma mistura de militar, policial ecientista forense, formado pela academia militar do Imprio Brasileiro. Estudara em Paris com ofamoso Bertillion, na academia francesa de criminologia, na argentina com Vucetich e assistira umadas ultimas aulas de Lombroso sobre Criminologia. Apesar de ter estudado tanto, tinha apenas 29anos e era considerado um prodigio no Imprio Brasileiro. Mulato, alto, forte, era filho de menegra brasileira e pai portugus. Herdara da mo a beleza e do pai um senso de observao lendrio.Resolvera vrios casos de assassinatos, sequestros e at descobrira uma conspirao contra oembaixador ingls no Rio, que rendera uma comenda direta das mos da rainha Isabel.

    Tavares tambm era um maon e estudioso do oculto, mas isso ele no alardeava, pois no eraprudente falar de coisas que muitas pessoas no entenderiam ou o chamariam de farsante. Osmaons e os ocultistas era motivos de troas e brincadeiras nas rodas de sociedade. Contudo aRainha Isabel era uma amante da astrologia e da magia dita branca, mas isso era mantido sob umvu de boatos

    Mas os boatos tem um fundo de verdade, mesmo que se utilize mentiras para os acobertar, pois noera a toa que tinha sido acordado as 4 da manh e convocado para aquele endereo chique antes dodia raiar. Sabia que a vtima que morrera era a astrloga da Rainha, a famosa Madame Bardon,nome de Maria Assuno Batista, uma ocultista brasileira famosa e que era mensalmente consultadapela rainha. Maria Assuno era uma ex-freira carmelita que se convertera ao ocultismo e erafamosa por suas previses. Dizem que ela previra a revolta republicana e que o imperador graas aisso sufocara em seu nascedouro. Tambm se atribuia a vitria na grande guerra de 1908, devido aum grade sortilgio que fizera.

    Tavares sabia que Madame Bardon era famosa nos meios ocultistas, mas sabia tambm que elaandara forjando alguns documentos importantes para provar uma duvidosa linhagem com a famosaRainha Cristina da Sucia. No gostava dela e mantinha total desprezo pela personagem que eladizia ser. Contudo a Rainha Isabel a adorava e sabia que o motivo dele estar ali, era que a Rainha aosaber da morte de sua astrloga, ligara para seu superior e este o imediatamente o despachara para olocal do crime.

    Saindo de suas divagaes, entrou no apartamento apresentando a famosa e temida medalha de

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  • Investigador Imperial. Os policiais o deixaram passar com reverncia, pois sabiam que ele era umemissrio da rainha. O comissrio ao v-lo correu em sua direo e imediatamente e disse :

    - Alto l jovem, quem voc ?

    O comissrio era um negro forte e alto, mas com certa idade. Vestia um terno de corte francs verdeescuro e estava com uma cara nem um pouco amigvel. Tavares sacou novamente sua medalha e acara de ferocidade do homem cedeu a uma cara de espanto.

    - Meu caro senhor, no sabia que este assassinato tenha chegado a to alto escalo. - disse em tomde desculpa - o que eu posso ajudar ?

    Tavares sabia que apesar da cordialidade a policia detestava os investigadores imperiais. Muitaschamavam pelas costas em os Idiotas Imperiais, pois a polcia brasileira no tinha tradio emtcnicas forenses modernas e acreditava ainda na tortura e surras.

    - Sr. Comissrio...- Almeida - disse o homem- Comissrio Almeida, sou o investigador Tavares, queria que o senhor me desse um relatrio doque aconteceu...- Investigador, fomos acionados por volta das duas da manh devido uma denncia de gritoshistricos de uma mulher aqui neste apartamento. Uma patrulha chegou ao local e esbarrou comuma viso que at agora abalou os dois homens.- Onde esto estes policiais ?- Saram daqui em estado de choque senhor - pausou - esto na delegacia repousando. Um delesinclusive est sob cuidados de um mdico da corporao.- E que viso foi esta comissrio ?- A vtima meu caro ! - disse um pouco exaltado - eu confesso que em todos estes anos de polcia eununca vi nada igual...- Posso v-la ?- O senhor tem estmago forte ?- Fui treinado para isso comissrio.- Venha comigo. Conduziu Tavares por um corredor lateral que terminava numa porta ladeada pordois policiais. Pararam.- Ningum entro aqui desde que os homens saram em choque. - principiou o comissrio - Nada foimexido, nem retirado. O corpo est no lugar onde foi deixado.- Vou entrar. - disse Tavares- Esteja preparado - disse abrindo a porta.

    Tavares deu um passo e entro dentro do quarto.

    - Vou deix-lo a vontade - disse o comissrio - no quero entrar aqui - encostou a porta atrs dele

    Era um grande cmodo iluminado por um belo lustre eltrico, com uma cama estilo imperial,enorme. J havia algo de estranho pois a mesma estava com lenis rasgados e o colcho a mostra.Havia uma belssima penteadeira francesa, cheia de vidros e cosmticos, s que com seu grandeespelho quebrado em pedaos. Foi ento que Tavares engoliu em seco com o que viu depois. Haviauma grande cmoda no canto esquerdo do quarto e uma parede enorme, s que no estava vazia.Nela crucificada de cabea para baixo, estava o corpo nu de Madame Bardon. Ela era uma mulherde meia idade e seu corpo estava aberto da altura do pescoo at o nicio da vagina. As tripas e

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  • demais rgos estavam dependurados corpo a fora. Seus olhos tinham sido arrancados e sua lnguaestava para fora. Na parede acima de seus ps estava escrito.

    De Meretrice Magna

    A Prostituta Maior - traduziu.

    Tavares comeou a olhar com mais detalhes e viu que suas mos estavam abertas e compentagramas desenhados em cada uma de suas palmas. O cho estava coberto de sangue j emprocesso de coagulao. Nas paredes ao lado do corpo, haviam um conjunto de palavrasaparentemente sem sentido numa lngua que Tavares nunca vira. No era grego, latim ou hebraico,pois era lnguas que estudara e conhecia.

    Superando um pouco uma indisposio e uma nsia de vmito, sacou de seu bolso uma pequenamquina fotogrfica especial. Aquilo era um inveno norte americana feita para o exrcito, parafotografia em ambientes de combate e hostil. Comeou a tirar uma srie de fotos da cena, utilizandoa iluminao do quarto apenas. O filme era muito sensvel e sabia que pegaria todos os detalhes,ficou ali por uns vinte minutos e foi a que notou a janela, oculta por uma grossa cortina. Umalufada de vento fez com que as cortinas se mexessem e isto o assustou. Foi em direo as cortinas eas abriu. As luzes da manh surgiam e ele se viu a uma pequena sacada com uma mesa, com umavista privilegiada da baia de guanabara. A janela no era s uma janela e sim duas portas devidro,que estavam abertas sem nenhum sinal de luta ou arrombamento. Olhou para baixo e notou aa rua com pouco movimento e nada de incomum a esta hora da manh. Voltou para o quarto e tirouuma foto da janela para a porta. Caminhou para fora e fechou a porta atrs de si. O comissrio oesperava no corredor.

    - Ento Investigador ? Perguntou curioso- Bem caro comissrio - disse - confesso que nunca vi nada disso em minha vida. Parece obra de ummniaco, um estripador, lembrando muito aquele famoso assassino ingls - pausou - Peo ao senhorque nada seja tocado, pois chamarei o servio forense imperial para dar uma olhada aqui e limpar olocal. - olhou para os policiais na porta - ningum entra e ningum sai a no ser apresentando o seloimperial - mostrou aos homens o smbolo. Eles assentiram com a cabea- E comissrio...- Sim...- Nada deve sair deste apartamento, se os jornais, folhetos matutinos tentarem descobrir algo, oumesmo publicar alguma foto, o senhor ter que os enrolar. Neste momento no podemos expor nemum pouco a situao. - disse olhando o homem - posso contar com sua ajuda ?- Mas claro que sim investigador.- timo - olhou procurando em volta - este apartamento tem telefone ?- Tem sim investigador, vou-lhe mostrar.- Agradeo

    Tavares sabia que os problemas estavam apenas comeando....

    2.0

    Uma semana se passara desde o assassinato, e os jornais estamparam as manchetes sobre a astrologada rainha, ter sido morta em um assalto a sua casa. O Comissrio Almeida conseguira engabelar aimprensa e Tavares comeara para valer a investigao. No mesmo dia o pessoal forense tinhavirado o lugar em busca de qualquer vestgio que pudesse identificar o assassino e remover o

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  • cadver da vtim para uma autpsia especializada, No descobriram nada demais no apartamento,nenhum sina de briga, arrombamento, nada...Mas o corpo que trouxe mais mistrios para o caso,pois estava sem o corao e um dos rins. Madame Bardon foi enterrada de maneira suntuosa depoisda autpsia e tentara-se contatar algum parente seu, tudo em vo pois no existia ningum que vierareclamar o corpo. Um de seus advogados, apareceu com um testamento escrito por ela, doando suascoisas para diversos orfanatos e casas de caridade.

    Dizia-se que a Rainha Isabel alm de estar desolada, estava furiosa e suspeitava de um possvelcompl contra ela. Seus superiores comearam a querer algum tipo de resposta para o crime, pois aprpria corte estava desejosa por explicaes. Mas Tavares sabia que aquele no seria um caso fcile que com certeza traria bastante dores de cabea. As investigaes forenses no revelaram nada,nem uma impresso digital, nem um vestigio de pegada, nada...

    Um outro ponto que no se tinha achado a arma que abrira a mulher, s se sabia que era muitoafiada, provavelmente algum tipo de bisturi. Coseguira-se um pouco da urina e fezes da vtima e osexames indicaram que ela havia feito algum tipo de jejum, pois s havia gua, nada alcolico erestos de legumes, nenhum tipo de carne. Tavares logo se atentou que isto era uma postura ocultista,pois este tipo de jejum normalmente para algum tipo de ritual. A coisa estava complicada, bemcomplicada. Estava no seu escritrio debruado sobre as fotos e relatrios sobre a sua mesa detrabalho. Eram 11 da noite.

    Trimmm.... Trimmm....

    O telefone ? Quem seria esta hora ?

    - Investigador Tavares, que fala ? - atendeu- Tavares Miranda - Adolfo Miranda, um especialista em lnguas mortas e seu amigo - estpodendo falar ?- Opa Miranda me diga...- sobre o caso da Astrloga, tenho uma novidade...- Opa meu amigo - ajeitou-se e sentou em sua cadeira - me conte algo de bom...- Pois bem, consegui descobrir quele texto que voc me passou, ele asteca...- Como que ?- Sim asteca e o significado o seguinte :

    Eles crescem, Eles florescemSua respirao, Sua palavraMeu corao torna-se branco, seu corao torna-se branco

    - Confesso que pelo menos temos algo a seguir - disse Tavares - Mas meu amigo tem um detalhe mais sinistro nesta histria... Ser que voc poderia vir no meuescritrio amanh no Museu Imperial ?- A que horas ?- As 10 da manh preciso te mostrar uma coisa...- Estarei a !- Estou te aguardando, um abrao e boa noite.- Boa noite...

    Asteca ! Isto explica a falta de corao na mulher, mas os pentragmas e a falta de um dos rins aindapermanecem um mistrio. Tinha ainda os dizeres em Latim.

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  • Melhor ir para casa- pensou - amanh espero ter novidades.... Pegou suas coisas e dirigiu-separa sua residncia.

    O Museu Imperial era um prdio imponente, de arquitetura francesa, com suas gigantescas alas dosmais variados assuntos. Pedro II o construira para ser o maior museu das amricas e conseguriaisso. Seu acervo fazia inveja a qualquer museu europeu e muitos estrangeiros estudavam nele.Tavares chegou dez minutos antes da hora marcada na sala de seu amigo. Este o recebeu com umcafzinho e alguns cigarros franceses, coisa que dispensou, pois no fumava. A sala de Miranda, eracheia de livros, esttuas, quadros e sua mesa cheia de papis escritos.- Fique a vontade meu amigo - principiou Miranda - tenho algumas coisas para voc que podemembananar um pouco este caso...- Pois diga l , voc falou que aqueles textos eram astecas...- Sim, sem sombra de dvida, passei para um amigo meu de Londres um telgrafo e ele meconfirmou exatamente o contedo do texto.- timo !- Mas Tavares tem mais uma coisa e esta me deixou bastante intrigado - olhou para o amigovagamente - se lembra do caso do Limeira e a expedio ao amazonas ?- Do Professor que enloqueceu e do ingls que sumiu ? - riu - lgico um dos casos mais estudadosno Instituto de Criminologia Imperial. o Limeira-Fawcett ?- Isso ! Pois bem, o texto que eu traduzi exatamente o mesmo texto escrito pelo assassino doprofessor, o doente mental que o matou na sua cela...- Como que ? perguntou espantado- Exatamente meu caro - acendeu um cigarro e deu uma tragada - o texto o mesmo, s que o crimediferente...- Uma pergunta, o louco que matou Limeira, onde ele est ? - perguntou Tavares- Morreu h 2 anos de tuberculose, j investiguei isso...- Voltamos a estaca zero e desta vez com mais um problema...- Bem, tem uma coisa que pode ajudar...- olhou o amigo - mas voc ter que jurar pelo que voc temmais de sagrado que no poder passar isso para frente.- O que ? - perguntou tavares curioso- O professour Couto, herdeiro do Limeira, recebeu um dirio de toda a expedio, escrito pelofinado professor. Depois da morte de Limeira, ele escondeu o original e fez 25 reprografias do livro.A pessoa que fez estas reprografias muito amigo meu, quase um irmo e ele fez mais 10 sem aautorizao. Couto no sabe disso, e este meu amigo as vendeu por quantias obscenas algunsloucos com muito dinheiro, hoje ele est rico. Ele me deu uma de presente e disse que a guardassecom muito cuidado. Como tinha acesso a mquina de reprografia do Insituto de Criminologia, fizalgumas cpias e as arquivei de maneira segura.- E Couto no desconfia ?- Tavares, Couto est h 6 anos na Europa, desde a morte do professor Limeira. Ele herdou a fortunado velho e est metido com aquele mago ingls, qual o nome dele ?- Crowley ?- Ele mesmo - tragou o cigarro - nem desconfia que o livro j est nas mos de vrias pessoas...- Bem Miranda, como eu tenho acesso a este livro ?Miranda puxou debaixo de uma pilha de livros, um livro grosso de capa preta, sem nenhum tipo dedizer.- Est aqui sua cpia, faa bom proveito - esticou o livro para Tavares pegar - mas meu amigo, temuma condio... - puxou o livro de volta- O que ?

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  • - Eu nunca te dei isso - sorveu mais um trago do cigarro - e prometa nunca divulgar o contedo...- Porque ?- Voc vai descobrir quando ler... Tem coisas que eu duvido que tenha acontecido e estejamacontecendo, o dirio de um homem pertubado...Mas leia e tire suas concluses. - deu-lhe o livro- Obrigado meu amigo - respondeu Tavares- Depois voc me paga uma bagaceira- Pode deixar - levantou-se, apertou a mo do colega e se retirou.

    Tavares saiu do museu e se dirigiu direto para o seu escritrio no Instituto Imperial deCriminalstica. Sentou-se em sua cadeira e principiou a ler o dirio. No incio era um dirio deviagem comum, como qualquer outro, mas depois que o professor relata seu estranho sonho, ascoisas comearam a mudar. Haviam pginas com figuras detalhando os seres do sonho de Limeria,mapas, esboos de objetos, prdios, smbolos, palavras sem sentindo (seriam astecas?), marcaes,at estranhos poemas. O livro terminava de uma maneira abrupta, com uma misteriosa frase :

    Amanh comea o processo de minha libertao...

    Mais algumas palavras estranhas, desenhos e fim. Nada mais.

    Tavares olhou o livro e sua cabea estava vazia de ideias. Parecia um dirio de louco, mas as ideiasali expostas, apesar de uma caracterstica catica, seguiam uma lgica oculta. Isso o deixouimpressionado. Depois de uma primeira lida comeou a observar com mais cuidado alguns pontosque chamavam a ateno em sua opinio. Separou algun smbolos e textos, fazendo desenhos parafazer uma pesquisa mais apurada na Biblioteca Nacional, na parte de ocultismo. Olhou para orelgio e se asssutou j era quase meia noite! Recolheu as suas coisas, guardou o livro e foi paracasa descansar.

    3.

    A Biblioteca Nacional era um imponente prdio do sculo XIX, bem no centro do Rio de Janeiro.Fora recentemente ampliado com novas alas e um imenso depsito subterrneo de livros. A seo deobras raras era uma das mais bem cuidadas, pois nela havia uma biblia de Gutemberg em exposio.

    - Salve Irmo Tobias - disse Tavares ao homem atrs do balco de obras raras. Tobias Augusto eraum homem de meia idade com um cabelo j se esbranquiando, olhos morenos muito vivos e umrosto de sonhador. - como vai - comprimentou-o de forma manica.- Salve Irmo Tavares, o que traz por aqui ?- Irmo preciso consultar a seo cinza...

    A seo cinza era franqueada somente a favoritos da realeza, maons e rosa-crucianos. Era parte dabiblioteca da qual era negada sua existncia a todos que a procuravam

    - Precisa de algo especfico meu irmo ?- Sim, queria comear com o Grimorio do Papa Honorio. Respondeu Tavares- Certo, mais algum ?- Pseudomonarchia Dmonum- Certo. - saiu do balco - v para a mesa de leitura 23, que eu te entrego os livros por l.- Obrigado.

    Tavares se dirigiu a uma mesa mais isolada no canto da sala e esperou seu amigo trazer os dois

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  • livros. Em dez minutos comeou a folhear os livros em busca de alguma coisa parecida com ossmbolos desenhados no dirio. Foi quando abriu uma referncia de um demnio medieval chamadoForneus, que tinha um smbolo similar a um desenho no dirio de Limeira. Era uma primeira pista.Tavares procurou mais alguma relao com o smbolo que copiara do dirio, mas no encontroumais nada. Talvez estivesse procurando errado. Levantou-se e pediu a Tobias alguma material sobreos Astecas. Recebeu dois livros sobre a mitologia asteca e logo de cara viu que um de seus maisimportantes deuses Quetzalcoatl, exigia sacrifcios humanos, com direito a arrancar o corao davtima. Aquilo era um ponto de partida.Foi ento que Tavares ao folhear um livro, o Dicionrio de Mitologia Asteca de um certo SamuelHerbert Lewis, um antroplogo e historiador ingls, que se deparou com um estranho pargrafo.

    Acredita-se que o culto a Quetzalcoatl tenha razes a uma civilizao anterior aos astecas.Algumas referncias ao deus serpente, feita aos olmecas e culturas pr-colombianas. H umalenda sobre a chamada cidade de sangue, onde os humanos eam utilizados pelos deuses antigos parasacrifcios nas chamadas cmaras de sangue e as mulheres mantidas como concubinas, para prazer ereproduo.

    Tavares arqueou a sobrancelha e no pode de deixar de lembrar do relato do dirio de Limeira,sobre o seu sonho. Havia algumas concidncias ali e parece que havia uma conexo. O autor citavaainda Bernardino de Sahagn, um frade espanhol que era responsvel pela evangelizao naamrica de Cortez, relata algumas coisas sobre os sacrifcios e um documento citado pro Lewis, falaque Sahagn descobriu algumas pinturas astecas sobre a cidade de sangue. Dizem que as cenaseram horrorizantes, sendo que uma delas o banho de sangue, despertou a maior repulsa por partedele. De acordo com Lewis, este documento se chama litteras ad Pontificem tropicos, ou Cartados Trpicos para o Papa, onde Frei Bernardino envia uma carta para o Vaticano, com estasimagens, e segundo o autor nunca foram divulgadas.

    Eis uma pista importante ! Precisava ter acesso a este documento, mas como ?

    Levantou-se da mesa e dirigiu-se a Tobias no balco.

    - Meu caro achei uma pista muito importante, mas acho que terei que recorrer a irmos da igreja.Conhece algum de confiana ?- Tavares, a coisa sria, o que voc procura ?- Um documento que foi enviado para o Vaticano, por um frei espanhol, ser que voc pode ver issopara mim.- Me passe o nome e a descrio. - falou - me d uma semana que eu vejo o que eu fao por voc...- Obrigado meu irmo, saiba que isto para descobrir um assassino...- Vou me empenhar para conseguir algo...- Obrigado - se despediu de seu colega.- At breve.

    Tavares saiu da biblioteca e se dirigiu para seu escritrio um pouco mais animado pois talvez, aindicao deste documento pude-se trazer algo tona. Ao chegar a sua mesa observou que deixara odirio de Limeira na mesma. Abriu mais uma vez o livro e o percorreu em busca de mais algumacoisa. Quando ia fechar para guardar, reparou na primeira pgina um pequeno nmero.

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    De repente um estalo em sua cabea. Como fora ingnuo !

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  • Eram ainda duas da tarde e o museu Imperial deveria estar funcionando. Foi ao local, em busca deseu amigo Miranda e tinha que consult-lo. Miranda o encarou surpreso quando adentrou a sua sala.- Que surpresa essa meu amigo, que ventos o trazem aqui ?- Miranda preciso de um grande favor seu - principiou - voc conseguiria a lista com seu amigo dequem comprou a cpia do dirio do Limeira ?O amigo o olhou surpreso.- Tavares isso vai ser complicado, pois a pessoa que fez a cpia garantiu sigilo aos compradores etem gente grada metida nisso...Tavares viu um brilho nos olhos de Miranda. Foi ento que disse- Miranda, como voc sabe disso ?Miranda ficou surpreso- Apenas eu sei...Tavares usou sua perspiccia e disse.- Miranda, sou teu amigo h anos e em nome dessa nossa amizade vou te falar uma coisa...- Diga- Eu acho que no existe nenhum amigo e que foi voc que fez as cpias do livro de Limeira...- Como assim ? perguntou assustado- A nica pessoa que teve acesso ao livro foi voc, pois trabalha aqui no Museu e eu sei que o Coutoera amigo seu. Voc copiou os livros e distribuiu para as pessoas escolhidas do Couto. No sei sevoc vendeu alguns exemplares, nem me interessa, mas meu amigo eu preciso de sua ajuda. Temosuma pessoa morta, querida da rainha, e qualquer ajuda ser recompensada.O homem o olhava de maneira derrotada, parecia que sofrera um grave revs.- Ento meu amigo, por favor - disse Tavares - eu preciso de sua ajuda.O homem pegou um cigarro, acendeu e encarou Tavares.- Est bem meu amigo, eu fiz as cpias - admitiu - no houve venda, nem amigo que se enriqueceu,eu fiz exatamente o que o Couto pediu.- Ento meu caro, voc poderia me fornecer esta lista ?- Tavares, esta lista explosivo puro... Existem pessoas que so intocveis por diversos motivos.- Mas voc poder me fornecer ?- Vou-lhe mostrar...Levantou-se e dirigiu-se ate um canto da parede da sala. Ao fazer um movimento, uma aberturasurgiu na parede e de l um cofre. Mexeu na combinao e de l de dentro tirou uma folha batida amquina com a assinatura do professor Couto. Entregou a Tavares quee comeou a ler. Para seuespanto viu o nome de diversos homens importantes no imprio e at seu mestre maon, estava nalista.- Miranda, o que isso !- Sim meu caro, eu te falei, so pessoas vitais em nosso pas. Todos eles tem uma cpia do livro eesto hoje estudando o mesmo. Eu fao parte desta Irmandade, que conhecida como a Irmandadede Limeira.- Mas Miranda, porque voc me deu o livro ?- A Irmandade tem uma srie de regras, uma delas que quando alguma morte ocorrer de maneiramuito estranha, no devem ser medido esforos para descobrir o que foi que a causou. Eu comomembro tenho essa liberdade e todos os membros foram avisados de minha deciso.- Como assim ?- Voc agora faz parte deste seleto grupo de senhores meu caro e precisa descobrir o que h por trsdesta morte.- Voc desconfia de algo ?- Todos ns desconfiamos que um mal antigo foi despertado por Limeira e ele agora est solto pelonosso mundo em busca de sua destruio.- Isto preocupante...

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  • Miranda o encarou...- Sim eu sei, mas espero que voc consiga descobrir algo e tudo que voc precisar ns podemosajud-lo.- Eu agradeo - disse - minha investigao me levou a um frei da poca da Conquista Espanhola naAmrica, espero que consiga algo, pois envolve o Vaticano e a Igreja.- Se por acaso voc no conseguir da sua maneira, faremos o possvel para extrair esta informao.- Muito obrigado meu caro e pode ficar tranquilo que tudo que foi dito aqui no sair desta sala.Miranda o encarou- Muito obrigado meu caro, muita coisa pode estar em jogo...- deu mais uma baforada - agora smais uma coisa - pausou - como voc desconfiou d emim ?- Meu caro voc me falou originalmente que foram 25 cpias autorizadas feitas e 10 noautorizadas. Eu me perguntaria porque o copista iria numerar uma cpia com o nmero 26 ? Notem sentido isso, pois ele no deveria quer nenhum tipo de publicidade para ele. Como voc medisse que tinha ganho uma cpia e falou que tinha feito uma reprografia, eu reparei que a tintautilizada na cpia era muito parecida com os documentos copiados que eu tenho . A foi umaquesto de 2+2...- Entendo meu caro...- sorriu - realmente sua fama como investigador faz jus. Agora nos ajude poiso destino de todos pode estar em suas mos.- Tentarei meu amigo, tentarei...

    4.

    Uma semana se passou e Tavares recebeu um envelope vindo de seu amigo Tobias. Ao abrirdeparou-se com a reprografia de um documento medieval antigo, mas com motivos astecas. Era odocumento do frei espanhol. Tobias conseguira. Deveriam ser umas 20 pginas com desenhos, daqual folhea-va avidamente. Foi quando chegou na pgina 16 que sua boca ficou seca. Havia umdesenho intitulado : Balneum Sanguinis. A ilustrao era a exata representao da descrio contidana passagem do sonho do dirio de Limeira. Inclusive os seres que apareciam sendo banhados erammuito, mas muito, parecidos com os descritos pelo professor. Aquilo fez Tavares ficar assustadopela primeira vez, pois o que imaginava ser um delrio de um luntico, comeou a ter ligaes comuma realidade terrvel.

    Pegou o manuscrito e dirigiu-se novamente ao museu Imperial para falar com Miranda. Ao chegarpor l encontoru o amigo debruado em alguns documentos em sua mesa. Contou a ele o ocorrido emostrou o desenho antigo do documento. Mirando ficou estarrecido com o que viu e disse:

    - Parece que algo antigo foi despertado...algo muito ruim...- No sei o que , mas nosso amigo professor Limeira mexeu com alguma coisa quando foi aoAmazonas... - comentou Tavares - mas uma coisa no encaixa nisso tudo : a Astrloga...- ela no parece fazer parte de nada disso...- No sei o que pensar meu amigo... - comentou Miranda- Eu vou visitar a casa dela de novo - disse - ns lacramos a casa com as coisas dela. Precisoprocurar alguma resposta por l.

    A viagem de carro at a casa de Madame Barton foi rpida, l chegando apresentou sua credencial aum policial que ainda mantinha guarda da porta do apartamento da falecida. Entrou e encontrou umsilncio sepulcral que parecio o aguardar. O apartamento aparentemente no fora mexido desde odia da morte da mulher, apenas mantido limpo, pois no havia traos de poeira. Foi ao quarto ondemataram a mulher e chegando l, tudo estava limpo, desde as manchas de sangue na parede e nocho.

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  • Calou um par de luvas mdicas e comeou a procurar pelo local. Ficou l por quase duas horas,mexendo e remexendo, em busca de algo que o pessoal forense pudesse deixar para trs. Fora emvo, nada parecia suspeito. Cansado resolveu se dirigir at a sala que era uma vasta biblioteca e alisentar num pequeno sofa para descansar e pensar.

    Nada mais fazia sentido, rodara, rodara e s sabia que havia algo ligado ao caso do ProfessorLimeira e nada mais. Era tudo sem sentido...Sem sada...

    Foi ento que tomou um susto....

    Numa grande escrivaninha, havia u grupo de papis e no meio deles um livro. Levantou-se e pegou-o no meio da pilha.

    Era uma cpia do dirio de Limeira!

    No havia um nmero indicando quem seria o dono, era uma cpia no autorizada e aquilo nopoderia estar nas mos daquela mulher. A no ser que...

    No queria pensar que aquilo pudesse ser verdade... Pela primeira vez tateou seu bolso e verificouse sua arma estava no bolso. Ao sentir a frieza do metal se sentiu mais seguro.

    Ainda tinha esperanas de pegar Mirando no Museu.

    Miranda estava em sua mesa fumando calmamente um de seus cigarros franceses. Estava comosempre debruado em papis. Tavares entro em sua sala e sentou-se a sua frente. O Relgiomarcava 4 da tarde.

    - De volta meu amigo - perguntou a Tavares - descobriu algo?

    Tavares sacou o livro de seu bolso e colocou na mesa.

    - Isso aqui.

    Miranda ficou lvido ao ver o livro, parecia que tinham colocado uma cobra em sua mesa.

    - O que significa isso ? Olhou - o dirio de Limeira! - folheou o livro - no tem nmero!- Sim uma cpia no autorizada...- botou a mo no bolso sentindo sua pistola- Isso no poderia acontecer - disse assustado - eu era responsvel por isso e uma cpia destas nopoderia vazar...- Me explique isso Miranda...

    O homem de repente parou. Olhou profundamente Tavares e seus olhos de assustados passarampara um brilho estranho....- Explicar o que Tavares - riu de repente - aquela rameira! Ela sabia demais e queria saber muitomais...Tavares sacou sua pistola e apontou para Miranda.

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  • - Meu caro coloque suas mos sobre a mesa e no execute nenhum movimento. Voc est preso.

    Mirando caiu numa gargalhada frentica.- Pode me prende meu caro, a puta j est morta o segredo permanece na irmandade...- Voc a matou, mas porque?- Ora meu caro, ela fornicou comigo vrias vezes em troca de favores e por fim cedi uma cpia dolivro para ela. - riu -s que eu no a matei, foram eles...- Eles quem Miranda? No me venha com essa histria!- Ela foi fazer um ritual de invocao, morreu de maneira horrenda. Fui avisado por eles, medeixaram um presente...Abriu a gaveta e pegou algo l dentro. Por reflexo Tavares atirou, acertando em cheio o braoesquerdo de Mirando, ferindo-o.- Eu falei para ficar quieto!O home gemeu de dor na cadeira e Tavares foi olhar o contedo da gaveta

    Ali num vidro bem acondicionado, havia um corao, boiando em algum lquido.

    Parecia que o caso se encerrara...

    Uma semana se passou e o caso fora devidamente alardeado pela imprensa. Miranda fora preso,mas no confessara o crime, apesar do corao ser realmente o da vtima (o rim no fora achado).Tavares recebera uma comenda da prpria rainha Isabel e o caso comeou a ser arquivado. Contudoalgo o preocupava mas no sabia o que. Uma bela manh de segunda ao chegar a sua sala, deparou-se com um homem finamente vestido sentado o esperando.

    Ao entrar o homem se levantou e o cumprimentou. Era um tipo alto, de ascendncia europia, pelemuito clara, olhos azis e cabelos brancos. Vestia um terno bem caro e tiha uma bengala de banonegro com um enfeite de madreprola em forma de bola.

    - Sr Tavares ? Sua voz era forte- Sim senhor ?- Dardeau, Visconde Dardeau.- Em que posso ajud-lo senhor ?- Vim lhe trazer uma mensagem...- sorriu

    Tavares sentou-se em sua mesa.- Mas que tipo de mensagem senhor ? Perguntou - Bom basicamente sobre o homem que prendeu, o prof Miranda...- O que tem ele ? Ficou desconfiado...- Bom meu caro, um homem em minha posio pode falar a vontade e no ter medo dasconsequncias...- O senhor est me deixando bem curioso - ajeitou-se na cadeira - por favor Visconde, prossiga...O homem sorriu novamente- Aquele pobre homem inocente no que diz respeito a morte da astrloga, mas culpado empropagar uma informao que deveria ser restrita, o senhor sabe o dirio de Limeira...

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  • Tavares entrou em estado de alerta.- Como assim senhor ?- Meu caro Investigador Tavares, o dirio de Limeira j circula em muitos meios,a t onde nodeveria e a verdade sobre os digamos, visitantes j conehcida.- Visitantes ?- Sim as criaturas do sonho de Limeira - riu - eles existem e esto entre ns, esto querendodespertar um mal muito antigo...- O senhor me confunde, como sabe disso tudo ?- Senhor, eu tenho o dirio e o li de cabo a rabo - pausou - detalhe por detalhe. Sei que o senhor oleu tambm e sabe do que eu estou falando.Tavares nada falou.- Bem seu silncio confirma isso investigador - disse comeando a se levantar - vim apenas aquidizer ao senhor que tome cuidado, pois existem foras muito fortes que esto voltando e o senhorpode ser pego no furaco. Dirigiu-se a porta saindo- Isso uma ameaa senhor ? Perguntou Tavares- No meu caro, um conselho - sorriu - ns jogamos do mesmo lado, mas o senhor com o tempovai descobrir. Saiu da sala.Tavares olhou para a porta fechada...

    A tempestade s estava comeando...

    FIM

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