A Subsidiariedade Como Principio de Organização Do Estado e Sua Aplicação No Federalismo

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  • Coleo de Teses,Dissertaese Monografiasde Servidores do Senado Federal

    2010

    Dissertao_________________

    A Subsidiariedade como Princpiode Organizao do Estado e sua Aplicao no Federalismo

    Paulo Fernando Mohn e Souza

    Coleo de Teses, Dissertaes e M

    onografias de Servidores do Senado Federal 2010

    320 pginas OK

    SENADO FEDERAL

    COMiSSO ExAMiNADORA

    Haroldo Feitosa TajraPresidente

    Florian MadrugaVice-Presidente

    Bruno Dantas Nascimento

    Orlando S Cavalcante Neto

    Dris Marize Romariz Peixoto

    Carlos Fernando Mathias de Souza

    Anna Maria de Lucena Rodrigues

    Joaquim Campelo Marques

    ISBN 978-85-7018-337-8

    9788570183361

    A presente publicao resultado da iniciativa da atual Administrao do Senado Federal em valorizar a pro-duo acadmica dos servidores desta Casa Legislativa, mediante a realiza-o da Coleo de Teses, Disserta-es e Monografias de Servidores do Senado Federal.

    Nesta primeira edio, foi notria a excelncia dos trabalhos apresentados, comprovando o alto grau de qualifica-o do corpo funcional. Temos entre nossos colaboradores vrios Doutores, Mestres e especialistas nas mais diver-sas reas, inclusive servidores com t-tulo de Ps-Doutorado.

    E, de fato, no poderia ser dife-rente. No Senado Federal, enquanto Cmara Alta do Congresso Nacional, diariamente so travados debates e dis-cusses sobre os mais diversos temas, todos em nvel de relevncia nacional. Nesse sentido, os servidores da Casa precisam estar preparados para asses-sorar os Senadores com a qualidade necessria para que os parlamentares possam desempenhar sua grandiosa misso constitucional.

    Ao promover a Coleo de Teses, Dissertaes e Monografias, lana-mos aos nossos servidores o desafio da busca permanente pela excelncia e aperfeioamento funcional. Desafio esse, temos a plena certeza, que ser alcanado, sendo a Coleo reeditada ao longo de muitos anos.

    Braslia, outubro de 2010.

    Haroldo Feitosa Tajra

    Diretor-Geral

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  • Souza, Paulo Fernando Mohn e.

    A subsidiariedade como princpio de organizao do Estado e sua aplicao no federalismo / Paulo Fernando Mohn e Souza. Braslia : Senado Federal, Sub-secretaria de Edies Tcnicas, 2010.

    319 p. (Coleo de Teses, Dissertaes e Monografias de Servidores do Senado Federal)

    1. Princpio da subsidiariedade. 2. Formas de Estado. 3. Federalismo. I. Ttulo. II. Srie.

    CDD 340

    Ficha catalogrfica feita por Fabrcia da Silva Costa FeitosaISBN: 978-85-7018-337-8

    Secretaria Especial de Editorao e Publicaes

    DiretorFlorian Augusto Coutinho Madruga

    Diretor da Subsecretaria IndustrialJos Farias Maranho

    Diretor da Subsecretaria de Administrao, Suprimentode Matrias-Primas e Desenvolvimento TecnolgicoLuiz Carlos da Costa

    Diretora da Subsecretaria de Edies TcnicasAnna Maria de Lucena Rodrigues

    Diretor AdjuntoAndr Luiz Rodrigues Santana

    Equipe editorial

    Projeto grfico e editoraoServio de Impresso Eletrnica (SEIMEL) da Secretaria Especial de Editorao e Publicaes (SEEP)

    CapaSubsecretaria de Projetos Especiais (SUPRES) da Secretaria Especial de Comunicao Social (SECES)

    Impresso e acabamentoSecretaria Especial de Editorao e Publicaes (SEEP)

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  • SENADO FEDERAL

    MESA DIRETORABinio 2009/2010

    Senador Jos SarneyPresidente

    Suplentes de Secretrio

    Senador Csar BorgesSenador Adelmir Santana

    Senador Ccero LucenaSenador Gerson Camata

    Haroldo Feitosa TajraDiretor-Geral

    Claudia Lyra NascimentoSecretria-Geral da Mesa

    Senador Marconi Perillo1o Vice-Presidente

    Senador Herclito Fortes1o Secretrio

    Senador Mo Santa3o Secretrio

    Senadora Serys Slhessarenko2a Vice-Presidente

    Senador Joo Vicente Claudino2o Secretrio

    Senadora Patrcia Saboya4a Secretria

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    Dissertaese Monografiasde Servidores do Senado Federal

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    apresentao

    Por meio de pesquisas de campo (questionrios e entrevistas) e bibliogr-fica, este estudo, especialmente pautado na pesquisa de campo e na coleta de dados (por ser um tema indito) e menos no campo terico (pelo fato de haver poucas fontes bibliogrficas no campo terico tanto do marketing ins-titucional quanto do marketing turstico) tem como objetivo lanar luzes numa rea nova e averiguar o impacto do projeto de visita na construo da imagem positiva do Parlamento a partir das informaes passadas ao visitante durante a visita ao Congresso Nacional, chamando especial ateno ao fato de alertar para a responsabilidade de cada cidado na composio do Parlamento. Assim, averiguou-se a parcela dos visitantes quanto imagem modificada com as informaes recebidas durante a visita; se os visitantes gostariam de ter mais informaes sobre o Processo Legislativo; se de fato as pessoas confundem os Poderes que compem o Estado; se a conduta de alguns parlamentares contamina a imagem que a sociedade tem do Legislativo; e, finalmente, se, apesar de todos os problemas que o projeto enfrenta, de fato uma ferramenta estratgica importante por se tratar de um contato interpessoal com o pblico. Diferentemente dos outros meios de comunicao, deve-se atentar para o fato de no se tratar de passar uma imagem falsa ou maquiada do parlamento, mas de utiliz-lo da forma mais transparente possvel para que o pblico faa o seu julgamento s que com mais responsabilidade, ciente da parcela que lhe cabe no processo democrtico.

    Palavras chave: Imagem Positiva ,Parlamento Brasileiro, Transparncia, Visita Institucional.

    senador Jos sarneyPresidente

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    introduo

    com grande satisfao e com muito orgulho que apresentamos ao leitor os textos que inauguram a Coleo de Teses, Dissertaes e Monografias de Servidores do Senado Federal, selecionados como os melhores entre os mais de 50 trabalhos acadmicos que atenderam ao chamado do concurso lanado este ano pela primeira vez.

    gratificante, efetivamente, uma satisfao e um orgulho poder constatar a qualidade do corpo de servidores desta Casa, que se manifesta de forma insofismvel em todos os trabalhos apresentados e, de forma excelente, naqueles que foram enfim premiados com a publicao.

    E no se trata aqui apenas de um orgulho superficial e de uma satisfao bene-volente. Essa qualidade de nosso corpo tcnico-administrativo no h exagero em diz-lo um ingrediente indispensvel da fora de nosso Parlamento. E, vale lembrar, um Parlamento slido essencial para a nossa sade democrtica.

    Entre os muitos papis que cumpre o Parlamento, o de ser o frum para onde convergem os grandes debates nacionais , certamente, um dos mais fundamentais. aqui, na Cmara dos Deputados e no Senado Federal, que reverberam as diversas vozes em que se exprime nossa sociedade. Deputados e Senadores so os portadores dessas vozes mltiplas, plurais, que manifestam os pontos de vista igualmente mltiplos e plurais de nossa sociedade e esse o papel fundamental da representao poltica.

    Mas para que esse debate seja frutfero, preciso mais do que a poltica e a que poder contar com um corpo tcnico qualificado e atualizado, bem formado e bem informado, torna-se fundamental para o exerccio pleno do mandato que recebemos dos cidados. Como bem demonstra o resultado deste primeiro concurso de teses, dissertaes e mo-nografias, podemos dizer que temos a ventura de satisfazer com brilho essa condio.

    Este ano, premiamos dez trabalhos que se destacaram por sua excelncia.Na categoria teses de doutorado, Ana Lcia Coelho Romero Novelli estuda o fe-

    nmeno da opinio pblica brasileira a partir de seu relacionamento com o Congresso Nacional, tema de alta relevncia tanto para entendermos e avaliarmos os processos que caracterizam a formao da opinio pblica, quanto para avaliarmos o prprio Parlamento, instituio cujo funcionamento, por natureza, tem uma sensibilidade peculiar forma como percebido pela opinio do pblico. Maria Cludia Barbosa de Oliveira Drummond, por sua vez, aborda o tema atualssimo dos parlamentos de integrao e a questo, que tende

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    a crescer na nossa agenda de discusses medida que a integrao poltica dos pases do Mercosul for avanando, do dficit democrtico nas relaes internacionais.

    Na categoria dissertaes de mestrado, trs servidores foram contemplados com a publicao de seus trabalhos. Mellina Motta de Paula Bernardes parte de sua experincia na Casa para refletir sobre a ocorrncia de interfaces entre as competncias do Senado Federal, estudando uma das recomendaes apresentadas no relatrio final da CPI dos Ttulos Pblicos. Paulo Fernando Mohn e Souza e Thales Chagas Machado Coelho, por sua vez, trazem contribuies ao entendimento de duas questes importantes e de amplo alcance, o primeiro sobre o princpio de subsidiariedade como princpio de organizao do Estado e sua aplicao no federalismo, o segundo sobre o princpio de moderao e seu papel na legitimao do controle judicial da constitucionalidade das leis.

    Na categoria monografias de ps-graduao, Arlindo Fernandes de Oliveira e Flvia Cristina Mascarenhas Magalhes abordam, em seus trabalhos, dois lados das cada vez mais complexas relaes entre a esfera jurdica e a esfera poltica, o primeiro tratando do tema do judicirio legislador, a segunda estudando a judicializao da poltica a partir da anlise da evoluo do Direito Eleitoral brasileiro entre 2002 e 2008. Carlos Eduardo Rodrigues Cruz realiza um estudo comparado dos sistemas de controles internos dos diversos Poderes para discutir a real necessidade de sua integrao e a melhor forma de institucionaliz-la. Luiz Carlos Santana de Freitas estuda a delicada questo do controle normativo da mdia do Congresso Nacional, que, por sua natureza e para cumprir sua finalidade republicana, est forada a caminhar por um caminho mais estreito do que a mdia em geral, o que no deixa de ter reflexos sobre a atividade jornalstica. Por fim, Walesca Borges da Cunha e Cruz mostra, em seu trabalho, como o projeto de visita do Parlamento brasileiro tem colaborado para a construo de uma nova imagem, mais positiva, do Congresso Nacional, constituindo-se em pea importante da relao entre as instituies e os cidados e contribuindo, assim, para a transparncia e para o aperfeioamento da cultura poltico-democrtica entre ns.

    Como se v, o leque de temas amplo e variado to amplo e to variado quanto a prpria atividade parlamentar, que necessita, para alm dessa variedade, de perma-nente atualizao. reconfortante sabermos, como parlamentares, que temos nossa volta colaboradores constantemente envolvidos em aprimorar seu trabalho e o nosso trabalho por meio da reflexo e da produo de novo conhecimento.

    Lanamos hoje a primeira mostra da valiosa contribuio de nossos servidores produo desse conhecimento sem o qual o nosso exerccio da atividade parlamentar ficaria, sem sombra de dvida, prejudicado. Tenho certeza de que, nos prximos anos, com o crescimento desta coleo, teremos ainda mais motivos de nos orgulhar de nosso corpo de servidores e de sua capacidade de contribuir para o aprimoramento desta instituio o Parlamento , que o corao mesmo da democracia.

    A todos os premiados, deixo aqui minhas congratulaes e meus sinceros agra-decimentos pelo excelente trabalho que realizam.

    senador Herclito Fortes1o Secretrio do Senado Federal

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    BRASLIA 2007

    pauLo Fernando MoHn e souZa

    a suBsidiariedade CoMo prinCpio de orGaniZao do estado e sua apLiCao no FederaLisMo

    Dissertao apresentada como requisito de concluso do Mestrado em Direito e Polticas Pblicas do Centro Universitrio de Braslia (UniCEUB).

    Orientador: Prof. Dr. Roger Stiefelmann Leal

    dissertao

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    Banca examinadora

    ROGER STIEFELMANN LEALDoutor Universidade de So Paulo (USP)

    Professor do Centro Universitrio de Braslia (UniCEUB)Presidente da Banca

    FERNANDA DIAS MENEZES DE ALMEIDADoutora Universidade de So Paulo (USP)

    Professora da Universidade de So Paulo (USP)Membro Externo

    CARLOS BASTIDE HORBACHDoutor Universidade de So Paulo (USP)

    Professor do Centro Universitrio de Braslia (UniCEUB)Membro Interno

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    Para:

    Alnei e Marly;

    Adriano;

    Cludia;

    Bruna, Gabriela e Marina,

    com amor

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    aGradeCiMentos

    aos professores do Mestrado, por tudo o que me en-sinaram;

    aos colegas do Mestrado, pelo companheirismo e pra-zerosa convivncia; em especial, aos amigos Hlio Ro-drigues Jnior, Carolina Sarkis e Fbio Conforto;

    aos dirigentes, colegas e amigos da Consultoria Le-gislativa e da Secretaria-Geral da Mesa do Senado Federal, que me apoiaram e supriram meus afasta-mentos para a realizao deste trabalho;

    aos Profs. Drs. Carlos Bastide Horbach, Jorge Fontou-ra, Mrcio Pereira Pinto Garcia e Roger Stiefelmann Leal; a Edilenice J. Lima Passos e sua equipe, pelo material bibliogrfico;

    a Maria Emlia Barata e Angelo Antoniani, pelas aulas e auxlio com os textos em francs e italiano, respectivamente;

    a Regina Maria Moreira, pela transcrio de fitas;

    aos funcionrios do Mestrado, Marley, Ivan e Gigliola, pela constante ateno e cortesia; ao Seu Lus, pelas cpias e conversas;

    a Mrio Lisboa Theodoro e Tatiana Barroso, pelas orientaes metodolgicas;

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    ao Dr. Plauto Ribeiro, pela confiana que me deu tranquilidade para seguir adiante;

    a minha famlia, pela compreenso e apoio incon-dicional;

    a minha esposa, Cludia Regina de Araujo Mohn e Souza, e ao meu irmo, Adriano Mohn e Souza, que me fizeram chegar ao final;

    ao Prof. Dr. Roger Stiefelmann Leal, pela orientao segura e paciente, sem a qual no teria sido possvel realizar esta dissertao.

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    resuMo

    O objetivo desta dissertao investigar a aplicao do princpio da subsidiariedade organizao do Estado e sua possvel aplicao na federa-o brasileira. Para tanto, busca as fontes do princpio na filosofia social e na doutrina social da Igreja Catlica. A partir da, o princpio acolhido no direito pblico, em suas duas modalidades de aplicao: sociopoltica e de organizao do Estado. Em seguida, analisa-se a positivao do princpio na Unio Europia e as suas formas de controle. Posteriormente, verifica-se a aplicabilidade do princpio em cada uma das formas de Estado. So examinadas as experin-cias de constitucionalizao do princpio em Portugal, Itlia e Alemanha. O estudo analisa a relao entre o princpio da subsidiariedade e a federao, concluindo pela inexistncia de uma identificao ou equivalncia entre eles, embora esta forma de Estado apresente condies favorveis aplicao do princpio. Por fim, realizada a anlise do Estado federal brasileiro, na histria constitucional e Constituio vigente, a partir de dois elementos: a autonomia federativa e o sistema de repartio de competncias. Conclui-se que o prin-cpio da subsidiariedade ainda no teve aplicao na organizao do Estado brasileiro, nem mesmo como condio de exerccio das competncias legisla-tivas concorrentes. Sugere-se a aplicao do princpio da subsidiariedade nos institutos de cooperao entre os entes federativos e na reforma da disciplina constitucional das competncias legislativas concorrentes

    Palavras chave: princpio da subsidiariedade, Unio Europia, formas de Estado, federao brasileira.

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    PROJETO DE VISITA DO PARLAMENTO BRASILEIRO: Construo de uma nova imagem 19

    aBstraCt

    The objective of this dissertation is to investigate the principle of subsidia-rity applied to the organization of the State and its possible application in the Brazilian federation. For that purpose, it searches the sources of the principle in social philosophy and in the social doctrine of the Catholic Church. Then, the principle is incorporated by public law, in its two modalities of applica-tion: socialpolitical and in the organization of the State. Thereafter, the study analyses the application of the principle in the European Union and its forms of control. The applicability of the principle in each existing form of State is later verified. The constitutional experiences with the principle in Portugal, Italy and Germany are examined. The study analyzes the relations between the principle of subsidiarity and the federation, concluding for the inexistence of an identification or equivalence between them, although this form of State presents good conditions for the application of the principle. Finally, the analysis of the Brazilian federal State is carried out, in constitutional history and in the 1988 Constitution, with special regard to two elements: the federative auto-nomy and the system of distribution of competencies. The conclusion is that the principle of subsidiarity has still not been applied in the organization of the Brazilian State, not even as a condition for the exercise of concurrent legislative competencies. It is suggested the application of the principle of subsidiarity in the cooperation between the federative components and for the change of the constitutional rules about the concurrent legislative competencies.

    Key words: principle of subsidiarity, European Union, forms of State, Brazilian federation.

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  • Lista de aBreViaturas e siGLas

    ADIn Ao Direta de Inconstitucionalidade

    ADIn MC Ao Direta de Inconstitucionalidade Medida Cautelar

    CECA Comunidade Europia do Carvo e do Ao

    CEE Comunidade Econmica Europia

    CE Comunidade Europia

    CF Constituio Federal de 1988

    CIG Conferncia Intergovernamental

    DJ Dirio da Justia

    EC Emenda Constitucional

    EUA Estados Unidos da Amrica

    EURATOM Comunidade Europia de Energia Atmica

    JAI Justia e Assuntos Internos

    LF Lei Fundamental de Bonn (Constituio Alem, de 1949).

    MS Mandado de Segurana

    PEC Proposta de Emenda Constituio

    PESC Poltica Externa e de Segurana Comum

    STF Supremo Tribunal Federal.

    TCE Tratado que institui a Comunidade Europia

    TUE - Tratado da Unio Europia

    UE - Unio Europia

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    suMrio

    INTRODUO .......................................................................................... 271 DA NOO AO PRINCPIO DA SUBSIDIARIEDADE ................................ 33

    1.1 Significado e parmetros do princpio .................................... 331.2 Origem filosfica ..................................................................... 35

    1.2.1 Aristteles ........................................................................ 351.2.2 So Toms de Aquino ...................................................... 371.2.3 Johannes Althusius .......................................................... 40

    1.3 Dimenses negativa e positiva do princpio ............................ 461.4 Origens na doutrina social da Igreja Catlica .......................... 48

    1.4.1 O princpio nos documentos da Igreja ............................. 491.4.2 O personalismo e a subjetividade .................................... 521.4.3 O Estado e a sociedade civil............................................. 56

    1.5 O princpio da subsidiariedade no direito pblico .................. 601.5.1 Controvrsias: juridicidade e ambigidade ..................... 601.5.2 Polimorfismo ................................................................... 631.5.3 Aplicaes do princpio da subsidiariedade: classificaes 651.5.4 Aplicao sociopoltica .................................................... 661.5.5 Aplicao na organizao do Estado: parmetros organizatrios ............................................................................. 681.5.6 As funes do princpio da subsidiariedade na repartio de competncias ........................................................................ 72

    1.6 Consideraes finais ............................................................... 73

    2 O PRINCPIO DA SUBSIDIARIEDADE NA UNIO EUROPIA .................. 752.1 O evoluo do processo de integrao europeu ..................... 75

    2.1.1 Os tratados constitutivos, aprofundamentos e alarga- mentos .................................................................................. 75

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    2.1.2 As principais instituies comunitrias e o processo de- cisrio .................................................................................... 78

    2.2 O princpio da subsidiariedade no Tratado de Maastricht ...... 822.2.1 Antecedentes ................................................................... 822.2.2 A positivao do princpio no Tratado de Maastricht ...... 862.2.3 A dupla natureza do princpio no Tratado ....................... 882.2.4 Os princpios comunitrios contidos no artigo 5 do TCE 89

    2.2.4.1 O princpio da atribuio de competncias ............. 902.2.4.2 O princpio da subsidiariedade ................. 912.2.4.3 O princpio da proporcionalidade ............. 96

    2.3 O Tratado de Amsterd e a justiciabilidade do princpio ... 992.3.1 Antecedentes .................................................... 992.3.2 O Protocolo relativo aplicao da subsidiariedade e da proporcionalidade ..................................................................... 1012.3.3 O controle e a justiciabilidade do princpio da subsidia- riedade .................................................................................. 104

    2.4 O reforo do controle prvio no futuro Tratado Reformador ... 1072.4.1 Antecedentes: a tentativa de Constituio europia ... 1072.4.2 O Tratado Reformador e o princpio da subsidiariedade . 1092.4.3 O controle da subsidiariedade pelos parlamentos na- cionais ............................................................................... 111

    2.5 Consideraes finais ............................................................... 113

    3 PRINCPIO DA SUBSIDIARIEDADE E FORMAS DE ESTADO .................... 1173.1 As formas de Estado ................................................................. 1173.2 Estado unitrio ......................................................................... 119

    3.2.1 Caractersticas do Estado unitrio .................................... 1193.2.2 Desconcentrao e subsidiariedade ................................. 1213.2.3 Descentralizao e subsidiariedade .................................. 1223.2.4 A subsidiariedade no Estado unitrio descentralizado ..... 1263.2.5 A subsidiariedade na experincia constitucional portuguesa . 131

    3.3 Estado regional e Estado autonmico ...................................... 1383.3.1 Caractersticas do Estado regional e do autonmico ...... 1383.3.2 A subsidiariedade no Estado regional ou autonmico .... 140

    3.3.2.1 O princpio da subsidiariedade no Estado autonmico espanhol ....................................................................................... 1413.3.2.2 O princpio da subsidiariedade no Estado regio- nal italiano ........................................................................... 145

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    3.4 Confederao ........................................................................... 1513.4.1 Caractersticas da confederao ...................................... 1513.4.2 Inaplicabilidade do princpio da subsidiariedade confe- derao ........................................................................................ 152

    3.5 O Estado federal ....................................................................... 1533.5.1 Origem do Estado federal ................................................. 1533.5.2 Caractersticas principais do Estado federal ..................... 1563.5.3 Processos de formao ..................................................... 1603.5.4 Repartio de competncias ............................................ 161

    3.5.4.1 A repartio horizontal de competncias e o federa-lismo dual ................................................................................ 1623.5.4.2 A repartio vertical de competncias e o federalis- mo cooperativo ..................................................................... 165

    3.5.5 O princpio da subsidiariedade e o Estado federal 1683.5.5.1 Qual a relao entre a subsidiariedade e o Estado federal? ........................................................................................ 1683.5.5.2 O princpio da subsidiariedade e o federalismo norte- americano ............................................................................. 1723.5.5.3 O princpio da subsidiariedade no federalismo alemo . 1773.5.5.4 O princpio da subsidiariedade e o federalismo de competio .................................................................................. 189

    3.6 Consideraes finais ............................................................... 193

    4 FEDERAO BRASILEIRA E PRINCPIO DA SUBSIDIARIEDADE .............. 1974.1 Considerao inicial ................................................................ 1974.2 Histrico constitucional da federao brasileira ..................... 197

    4.2.1 Da proclamao da Repblica Revoluo de 1930 ....... 1984.2.2 Da Constituio de 1934 ao Estado Novo ........................ 2014.2.3 Da Constituio de 1946 Emenda Constitucional 1/1969 ....................................................................................... 2054.2.4 O histrico da federao e o princpio da subsidiariedade 209

    4.3 A autonomia federativa na Constituio de 1988 ................... 2134.3.1 A autonomia estadual e o princpio da subsidiariedade ...... 213

    4.3.1.1 A autonomia estadual e seus limites na Constitui-o e doutrina ............................................................................ 2134.3.1.2 As limitaes autonomia estadual na jurisprudncia 217

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    4.3.1.3 A autonomia estadual luz do princpio da subsidia-riedade.................................................................................. 222

    4.3.2 A autonomia municipal e o princpio da subsidiariedade 2244.4 A repartio de competncias na Constituio de 1988 ......... 228

    4.4.1 Viso geral do sistema .................................................... 2284.4.2 As competncias privativas da Unio .............................. 230

    4.4.2.1 As competncias materiais privativas da Unio ...... 2314.4.2.2 As competncias legislativas privativas da Unio .... 2374.4.2.3 Delegao de competncias legislativas privativas da Unio ............................................................................... 2434.4.2.4 Observaes quanto ao princpio da subsidiariedade 244

    4.4.3 As competncias remanescentes dos Estados ................. 2454.4.3.1 Descrio e anlise .................................................. 2454.4.3.2 Observaes quanto ao princpio da subsidiariedade ... 247

    4.4.4 As competncias privativas dos Municpios .................... 2484.4.4.1 Descrio e anlise .................................................. 2484.4.4.2 Observaes quanto ao princpio da subsidiariedade ... 252

    4.4.5 As competncias comuns (materiais concorrentes) ........ 2534.4.5.1 Enumerao das competncias comuns .................. 2544.4.5.2 Formas de cooperao ............................................ 258

    4.4.6 As competncias legislativas concorrentes ..................... 2604.4.6.1 Classificao das competncias legislativas con- correntes ...................................................................................... 2604.4.6.2 Enumerao das competncias legislativas concor-rentes ............................................................................ 2624.4.6.3 Normas gerais e normas suplementares ................. 2654.4.6.4 A competncia suplementar dos Municpios .......... 2704.4.6.5 As competncias concorrentes luz do princpio da subsidiariedade .................................................................... 270

    4.5 Consideraes finais ............................................................... 276CONCLUSO ............................................................................................ 283REFERNCIAS ........................................................................................... 303

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    introduo

    O sculo XX foi marcado pelo fenmeno da centralizao do poder. A recuperao econmica aps a crise dos anos 1930, a reconstruo europia depois da Segunda Guerra Mundial e a implantao dos Estados de bem-estar social deram impulso ao movimento de concentrao do poder nos ncleos centrais dos pases, os nicos capazes de reunir e coordenar as foras e recursos necessrios s novas atribuies do poder pblico.

    Nas ltimas dcadas do sculo, contudo, ganhou mpeto uma demanda pela redefinio do Estado, que passou tanto pela diminuio da sua presena no domnio socioeconmico quanto pela descentralizao das instncias deci-srias e administrativas. Essa reformulao ganhou o respaldo de praticamente todos os matizes ideolgicos, de certo modo colocados em correntes menos distantes, aps a extino do bloco sovitico.

    No h, contudo, como pensar em deslocamento das estruturas de poder sem mencionar a globalizao, que afeta, inevitavelmente, o funcionamento dos Estados nacionais (FIORI, 1995, p. 27). A partir desse processo, o mundo obedece a uma hierarquia de poder poltico, econmico e tecnolgico que atua fortemente para promover a homogeneizao das polticas econmicas dos pases, a desregulao dos mercados e a abertura das economias competio. O fenmeno gera tendncias opostas: de um lado, a desterritorializao dos capitais e da capacidade decisria; de outro, a localizao das conseqn-cias e as tentativas de reafirmao, da base para o topo, da organizao e da identidade poltica nacionais.

    Outro aspecto que marcou a ltima virada de sculos, em boa medida rela-cionado globalizao, foi o da criao de blocos regionais. Entre esses blocos, o maior expoente a Unio Europia. O processo comunitrio europeu tomou caractersticas nicas, que vo alm das tradicionais relaes intergovernamen-tais, mas tambm no se configuram como aptas a promover a federalizao

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    dos pases. A integrao colocou em pauta um novo desafio: como partilhar o poder entre as instituies comunitrias e os Estados-membros?

    Ocorre que o poder se exprime em competncias institucionais para a sua distribuio e exerccio, de onde se pode traduzir a questo antes formulada na seguinte indagao: como devem ser repartidas as competncias entre tais instncias de poder? A modelagem institucional inovadora da Unio Europia exigia uma destinao dinmica e incremental das competncias, especialmente daquelas que pudessem se caracterizar como compartilhadas (concorrentes). A soluo foi resgatar o princpio da subsidiariedade, at ento de aplicao controvertida na federao alem, e aplic-lo como conceito-chave da repar-tio de competncias na organizao institucional da Unio Europia.

    A origem da noo da subsidiariedade situa-se na filosofia social e poltica de autores como Aristteles, So Toms de Aquino e Johannes Althusius. Depois, foi assimilada pela doutrina social da Igreja Catlica, na qual se transformou em um princpio solene e ganhou sua enunciao mais conhecida: a Carta En-cclica Quadragesimo Anno (1931), do Papa Pio XI, afirma que injusto retirar dos indivduos o que eles podem efetuar com a sua prpria iniciativa, para o confiar coletividade, assim como um grave dano passar a uma sociedade maior o que a sociedade menor pode conseguir.

    Nas dcadas de 1950 e 1960, formaram-se correntes contraditrias na doutrina federalista alem sobre a assimilao do princpio da subsidiariedade pela Lei Fundamental de Bonn, de 1949. Esmaecida pela falta de reconhecimento do princpio pela Corte Constitucional alem, a controvrsia adormeceu por muitos anos. Contudo, o princpio no foi esquecido e ressurgiu na preparao do tratado que instituiu a Unio Europia, j na dcada final do sculo XX.

    No Tratado de Maastricht, firmado em 1992, o princpio ganhou confi-gurao prpria. Estabelece o texto que, nos domnios de competncia con-corrente, a Comunidade somente pode intervir, de acordo com o princpio da subsidiariedade, se e na medida em que os objetivos da ao encarada no possam ser suficientemente realizados pelos Estados-membros e, por conseguinte, possam ser melhor alcanados ao nvel comunitrio, devido dimenso ou aos efeitos da ao prevista.

    As reformas constitucionais que se seguiram instituio da Unio Euro-pia, nos pases europeus, ensejaram a constitucionalizao do princpio da subsidiariedade. A Alemanha o inseriu na Lei Fundamental de Bonn, para regular sua participao na Unio Europia. A questo reacendeu e deu nova dimenso

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    polmica sobre a relao do princpio com o federalismo e, mais especificamente, sobre sua aplicao na federao alem. Portugal deu um passo adiante. Previu, expressamente, a apli-cao do princpio da subsidiariedade como critrio orientador de sua participao na Unio Europia. Alm disso, embora sua organizao seja a de um Estado unitrio descentralizado, estendeu a aplicao do princpio sua ordem interna. Tambm a Itlia passou a fazer uso do princpio, a partir de 2001, para regular tanto as relaes que se estabelecem entre as coletividades territoriais quanto as que se travam entre o Estado e os particulares.

    O objetivo deste trabalho contribuir para a compreenso do princpio da subsidiariedade e sua aplicao na organizao do Estado, com especial nfase para o Estado federal. Embora a discusso sobre o princpio tenha se originado na Europa, se iniciam manifestaes quanto a seu reconhecimento na Constituio brasileira, especialmente na disciplina das competncias le-gislativas concorrentes (HORTA, 2002b, p. 470; TORRES, 2001, p. 242-243).

    Essas manifestaes demandam a necessidade de um maior desenvol-vimento do tema, sobretudo para evitar a prevalncia do senso comum e a transplantao imediata de institutos estrangeiros. A combinao desses fatores poderia levar aceitao do princpio da subsidiariedade no direito constitucional brasileiro sem uma necessria reflexo. Com isso, estaria perdi-da no s a possibilidade de conhecer com maior profundidade os elementos do princpio, como tambm a chance de aproveitar as contribuies que ele poderia trazer ao federalismo brasileiro.

    A discusso oportuna. Os movimentos de alcance mundial relatados no incio e outros prprios da complexa realidade nacional promoveram um ressurgimento das questes federalistas. Na esteira das novas tendncias do federalismo, a constitucionalizao do princpio da subsidiariedade uma das discusses que se destacam.

    O tema permite mltiplos enfoques, at em funo da versatilidade do princpio da subsidiariedade. A abordagem desta dissertao concentra-se na modalidade em que o princpio tem sido explicitamente adotado na Unio Europia e nos Estados europeus: a da organizao institucional. Conforme verificam Gtz e Hecker (1999, p. 51), at o Tratado de Maastricht o aspecto sociopoltico (relao entre o Estado e os particulares) havia caracterizado mais profundamente a discusso sobre o princpio da subsidiariedade. Depois

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    disso, contudo, a aplicao organizatria do princpio passou a ganhar maior interesse.

    Antes, porm, de examinar as possveis aplicaes do princpio, preciso compreender a subsidiariedade em seu significado, razes e evoluo. Esse o objetivo do primeiro captulo, que segue o percurso de construo da noo de subsidiariedade at o seu reconhecimento como princpio normativo. Para tanto, so abordados o significado, as dimenses e os parmetros do princpio, assim como suas origens na filosofia e na doutrina social da Igreja Catlica. Depois, passa-se a examinar a assimilao do princpio pelo direito pblico e suas possveis formas de aplicao nesse campo.

    O segundo captulo aborda as razes e o modo pelo qual o princpio da subsidiariedade foi adotado na Unio Europia. Para tanto, relata a experin-cia comunitria e a positivao do princpio, com ndole jurdica, no Tratado de Maastricht (1992), que se fez acompanhar dos princpios da atribuio de competncias e da proporcionalidade. Trata, ainda, das formas de controle e da justiciabilidade do princpio, que recebeu importante desenvolvimento no Tratado de Amsterd. Descreve, por fim, a tendncia de reforo do controle prvio do princpio, a ser adotado no Tratado Reformador.

    O terceiro captulo avana para o tema central do trabalho, que a pes-quisa sobre a possibilidade de aplicao do princpio nas diversas formas de Estado. Em virtude de sua natureza, suas origens e das controvrsias travadas no constitucionalismo alemo, o princpio vinculado, com freqncia, estru-tura do Estado federal. A partir disso, surge a questo que motivou a presente pesquisa: qual a relao entre o princpio da subsidiariedade e o federalismo, ou, mais especificamente, o princpio da subsidiariedade indissocivel e imprescindvel ao Estado federal?

    Para obter uma resposta a essa indagao, duas linhas de investigao so trilhadas. A primeira exige o confronto das caractersticas de cada forma de Estado com os parmetros do princpio, para verificar se h incompatibilidade entre esses elementos ou de que forma eles se ajustam. Sempre que possvel, para complementar esse enfoque, a dissertao examina como se deu a cons-titucionalizao do princpio em um Estado que adota o modo de organizao analisado, a fim de identificar as possveis conseqncias desse fato.

    A segunda linha de investigao, ainda no bojo do terceiro captulo, tem como foco o Estado federal e o seu grau de interdependncia com o princpio da subsidiariedade. Trata-se de saber em que medida a organizao federal

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    a mais apropriada aplicao do princpio da subsidiariedade. E, alm disso, se realmente h uma correspondncia necessria entre o princpio e a federao. Da mesma maneira do que no enfoque anterior, esse exame desenvolvido no s a partir das caractersticas bsicas do Estado federal, mas tambm em confronto com os modelos norte-americano e alemo, representativos, respectivamente, do federalismo dual e do federalismo cooperativo.

    Por fim, o quarto captulo tem por escopo o exame da federao bra-sileira luz do princpio da subsidiariedade e, para tanto, se desenvolve em trs partes. A primeira parte recorre histria constitucional para auxiliar a compreenso do modelo federal adotado na tradio nacional e refletir sobre a possibilidade de assimilao do princpio da subsidiariedade. As duas outras partes dedicam-se Constituio Federal de 1988 e abordam, respectivamente, um dos seguintes aspectos que guardam relao direta com a aplicao do princpio da subsidiariedade: a autonomia dos entes federativos e o sistema de repartio de competncias.

    Com esse roteiro, pretendemos cumprir o objetivo deste trabalho, qual seja analisar a aplicao do princpio da subsidiariedade na organizao do Estado, com a ateno voltada, especialmente, para o Estado federal brasileiro.

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    1 da noo ao prinCpio da suBsidiariedade

    1.1 significado e parmetros do princpio

    De incio, interessante consultar a etimologia do termo subsidiarieda-de. A palavra subsdio tem origem no termo latino subsidium, de onde deriva subsidiarius (PONTIER, 1986, p. 1516)1. O substantivo subsidium significa re-foro, reserva, auxlio ou socorro. O adjetivo subsidiarius designa o que da reserva, o que vem na retaguarda, o que de reforo2. De acepo militar, os termos referiam-se, originariamente, s linhas de reserva que eram chamadas a reforar ou socorrer as tropas regulares, se necessrio (CLERGERIE, 1997, p. 7)3. Na atualidade, o sufixo -dade adotado como formador de substantivos abstratos derivados de adjetivos (HOUAISS; VILLAR, 2001, p. 903). Assim, os significados do termo subsidiariedade podem ser buscados nas diversas acep-es do termo subsidirio, que, na linguagem corrente, veicula os sentidos de secundrio, complementar ou supletivo.

    A primeira formulao da subsidiariedade como um princpio de filosofia social est na Carta Encclica Quadragesimo Anno, do Papa Pio XI, divulgada no ano de 1931. Embora esse texto pontifcio ainda no lhe atribua essa de-nominao, por meio do seguinte trecho que o princpio da subsidiariedade definido:

    [...] assim como injusto subtrair aos indivduos o que eles podem efe-tuar com a prpria iniciativa e indstria, para o confiar coletividade, do

    1 Nesse sentido, ver tambm Baracho (1997, p. 23), Clergerie (1997, p. 7) e Chicharro Lzaro (2001, p. 34).

    2 Para consultar os diversos significados dos termos em latim, ver Ferreira (1999, p. 1.110) e Saraiva (1993, p. 1.146). Para a etimologia de subsidirio, consultar Houaiss e Villar (2001, p. 2.628).

    3 A propsito, ver, ainda, Groff (2001, p. 62) e Chicharro Lzaro (2001, p. 34).

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    mesmo modo passar para uma sociedade maior e mais elevada o que sociedades menores e inferiores podiam conseguir, uma injustia, um grave dano e perturbao da boa ordem social. O fim natural da socie-dade e da sua ao coadjuvar os seus membros, no destru-los nem absorv-los. (PIO XI, 1931, 5).

    Conforme bem aponta Delpre (2000, p. 13), a subsidiariedade trata da questo complexa e recorrente de como se articulam, na sociedade e, sobre-tudo, no Estado, as intervenes das pessoas, dos grupos e das autoridades pblicas.

    Em verdade, a noo de subsidiariedade apresenta uma forma especfica de concepo e regulao das relaes que constituem a vida do homem em sociedade4. Para sua mais fcil compreenso, o princpio da subsidiariedade pode ser decomposto em quatro parmetros5, que refletem essa forma de organizao da sociedade e do Estado:

    1) a organizao social compe-se de coletividades que se expandem progressivamente, em uma formao que tem na base o ser humano, desen-volve-se por sociedades intermdias e chega ao Estado;

    2) deve haver uma primazia da pessoa e das coletividades menores em relao s coletividades maiores;

    3) deve-se respeitar a autonomia da menor unidade (pessoa ou coletivida-de), que merece dispor da liberdade de atuar at o limite de sua capacidade;

    4) a interveno da unidade maior justifica-se em face das incapacidades da menor unidade e em proveito do bem comum.

    A noo da subsidiariedade resultado da contribuio de alguns filsofos sociais e polticos. Os mais lembrados pelos autores que lidam com a subsi-diariedade nos dias atuais so Aristteles, So Toms de Aquino e Johannes Althusius. Cumpre observar, porm, que o princpio somente chega sua concepo nos ltimos dois sculos6, de modo que no h meno expressa

    4 Delpre (2000, p. 181, traduo nossa) afirma que a subsidiariedade aparece como um princpio que pretende desenhar, seno impor, uma forma de organizao das relaes sociais.

    5 Esses parmetros constituem uma sistematizao das vrias projees do princpio da subsidiarie-dade indicadas pela doutrina, conforme apresentado no decorrer desta dissertao. A propsito, consultar, especialmente, as sees 1.2 (origem filosfica) e 1.5.5 (aplicaes do princpio na orga-nizao do Estado).

    6 Para Clergerie (1997, p. 7), o princpio de origem religiosa e passa a ser laicizado do sculo XVI em diante, a partir da obra de Johannes Althusius. Para mais informaes, ver Clergerie (1997, p. 20-31).

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    nas obras desses filsofos sobre ele e, nem mesmo, sobre uma idia de subsidiariedade tal como ela compreendida hoje.

    No sculo XX, a subsidiariedade erigida pela Igreja Ca-tlica como um dos princpios solenes de sua doutrina social, com sucessivo aprofundamento nas Cartas Encclicas. Depois, o princpio da subsidiariedade assimilado pelo direito. Esse percurso o objeto deste Captulo, que tem natureza prepon-derantemente descritiva, com o fim de reunir os elementos que do forma idia e ao princpio da subsidiariedade. O exame do princpio quanto sua aplicao na Unio Europia e nas diversas formas de Estado ser desenvolvido nos demais captulos.

    1.2 origem filosfica

    A decomposio da idia da subsidiariedade em quatro parmetros, con-forme antes formulado, tem objetivo didtico. Assim, no possvel isolar com-pletamente cada uma desses parmetros, nem tampouco fazer corresponder a origem de cada uma deles obra de apenas um autor. Na verdade, verifica-se um esforo dos tericos modernos da subsidiariedade para encontrar os elementos que constituem e justificam a idia da subsidiariedade na obra dos autores clssicos. O propsito das sees seguintes apresentar esses pontos, de forma sucinta, nos trs filsofos antes referidos (Aristteles, So Toms de Aquino e Althusius), assim como relacionar, na medida do possvel, a contri-buio de cada um deles com os parmetros sugeridos anteriormente7.

    1.2.1 aristteles

    Os autores que tratam da subsidiariedade buscam em Aristteles a base filosfica para a forma de organizao da sociedade na qual se baseia aquela idia. Para o filsofo grego, a sociabilidade natural ao homem8 e os indiv-duos e coletividades humanas devem cumprir funes especficas de acordo

    7 No propsito deste trabalho, nem caberia em seu escopo, apresentar um amplo panorama fi-losfico da subsidiariedade. O que se pretende , to-somente, trazer as contribuies filosficas consideradas mais importantes para a origem da idia da subsidiariedade.

    8 Em tica a Nicmaco, afirma que o ser humano , por natureza, um ser social (ARISTTELES, 2002, liv. I, 7, p. 49). A idia reforada na obra A Poltica, em que o filsofo afirma que a cidade [comu-nidade poltica] uma criao natural e que o homem por natureza um animal social (ARISTTE-LES, 1988, liv. I, cap. I, 1253a, p. 15).

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    com suas aptides9, de modo que cada um deve realizar somente aquilo que capaz de fazer melhor que os outros (CLERGERIE, 1997, p. 8).

    Na viso de Aristteles, a sociedade compe-se de grupos superpostos, cada um com suas necessidades e seus fins especficos, que devem ser alcan-ados por eles mesmos, tanto quanto possvel. Cada grupo deve ser suficiente para sobreviver e atuar no domnio de suas atividades prprias. Contudo, o indivduo e as coletividades menores no so suficientes por si ss. Essa insuficincia que legitima a atuao do escalo superior (MILLON-DELSOL, 1993, p. 9-10)10.

    Na obra A Poltica, Aristteles descreve essa organizao social11. Ela se inicia pela unio natural do homem e da mulher para compor a famlia. A co-munidade formada para atender s necessidades dirias a casa. As famlias renem-se em povoados, que tm por finalidade atender as necessidades comuns ou algo mais que as necessidades dirias. A comunidade construda a partir de vrios povoados a cidade, ltima instncia e a nica capaz de atingir a auto-suficincia. Somente ela pode assegurar a vida de seus membros e lhes proporcionar uma vida melhor.

    Com efeito, Aristteles define a cidade como uma espcie de comunidade - a comunidade poltica, que ele julga a de maior relevo - que se forma com o objetivo de atender ao mais importante de todos os bens (ARISTTELES, 1988, liv. I, cap. I, 1252a, p. 13). Segundo tica a Nicmaco, esse bem a felicidade, pois, uma vez tendo sido considerada alguma coisa final, completa e auto-suficiente, [ela] a finalidade visada por todas as aes (ARISTTELES, 2002, liv. I, 7, p. 49).

    Desse modo, mais do que suprir insuficincias, o objetivo da organizao da sociedade em grupos superpostos est em permitir que se atinja uma dimen-so maior, a felicidade, que no se pode alcanar individualmente. Portanto, no se trata de uma associao meramente utilitria, como meio de atingir os objetivos particulares de cada indivduo ou grupo, mas uma forma de viabilizar que se chegue ao bem comum (MILLONDELSOL, 1993, p. 11)12.

    9 Em tica a Nicmaco, Aristteles formula a comparao de que assim como os vrios membros do corpo tm uma funo prpria, o ser humano tem, igualmente, uma funo determinada (ARIST-TELES, 2002, liv. I, 7, p. 50).

    10 No mesmo sentido, ver Baracho (1997, p. 53), Chicharro Lzaro (2001, p. 45) e Rinella (1999, p. 8).11 Para verificar essa descrio, consultar Aristteles (1988, liv. I, cap. I, 1252b-1253a, p. 14-15)12 A propsito, consultar Rinella (1999, p. 9) e Tatsch (2005, p. 19-20).

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    Por outro lado, embora somente por meio da comunidade poltica se possa chegar felicidade, Aristteles no admite que ela anule a liberdade e a capacidade das esferas inferiores agirem nos mbitos em que so suficientes. Tal intromisso tornaria o poder poltico desptico e transformaria o cidado em escravo13. Para evitar tal situao, o poder poltico deveria restringir sua atuao aos campos da defesa, da ordem pblica, da justia, das finanas pblicas e do culto (RINELLA, 1999, p. 9).

    Do que foi exposto, verifica-se que o princpio da subsidiariedade real-mente tem inspirao na filosofia de Aristteles. Dos quatro parmetros, trs encontram base na obra do filsofo. Apenas a idia da primazia da pessoa, contida no segundo parmetro, no encontra correspondncia expressa, pois o filsofo grego afirma, em A Poltica, que na ordem natural a cidade tem precedncia sobre a famlia e sobre cada um de ns individualmente, pois o todo deve necessariamente ter precedncia sobre as partes (ARISTTELES, 1988, liv. I, cap. I, 1252a, p. 13)14.

    1.2.2 so toms de aquino

    O segundo parmetro do princpio da subsidiariedade encontra fundamen-to na obra de So Toms de Aquino (1224-1274)15, cuja contribuio refora tambm os outros parmetros. Na Idade Mdia, Toms de Aquino busca uma base filosfica slida para a teologia16. Para tanto, baseia-se nas idias aristo-tlicas, que ele busca aperfeioar, e tenta superar as contradies entre a f e a razo. Embora identifique uma organizao social semelhante concebida por Aristteles17, So Toms de Aquino substitui, em sua filosofia, o cidado

    13 Millon-Delsol (1993, p. 11) acrescenta que o poder politico dspota administra ao invs de governar, pois a definio de governo supe o respeito s autonomias. No mesmo sentido, Baracho (1997, p. 54).

    14 Para Vaz (2002, p. 16), Aristteles via o homem como um ser poltico e no como um ser social, de modo que no se podia falar na figura do cidado fora da polis. Em seu entender, a precedncia da polis sobre o cidado e a falta de relevncia dos grupos intermedirios so elementos incompatveis com o princpio da subsidiariedade.

    15 Sobre o nascimento de Toms de Aquino, Ameal (1961, p. 8) afirma que deve ter ocorrido nos finais de 1224 ou nos princpios de 1225, antes de 7 de maro.

    16 Toms de Aquino foi canonizado em 1323 pelo Papa Joo XXII e nomeado, em 1567, Doutor da Igreja universal pelo Papa Pio V (CLERGERIE, 1997, p. 10).

    17 Segundo Formet (2003, p. 146-147), a filosofia poltica de Toms de Aquino tem como ponto de par-tida a sociabilidade natural do homem. Essa sociabilidade obtida, primeiramente, na famlia que proporciona o necessrio para viver e depois na sociedade civil.

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    descrito na Antiguidade pela noo crist de pessoa (MILLON-DELSOL, 1993, p. 11). Defende que, por subsistir em uma natureza racional, a pessoa o que h de mais perfeito e deve ser considerada como portadora de um valor inalienvel, superior mesmo ao da prpria sociedade, que deve respeitar e garantir sua dignidade (RINELLA, 1999, p. 9).

    A sociedade descrita como uma srie de crculos concntricos que representam a famlia, os bairros, as cidades, as associaes de cidades e o Estado. Essa organizao atende ao princpio da totalidade, pelo qual a pessoa parte inseparvel da sociedade, que lhe proporciona a sobrevivncia e o desenvolvimento (BAUDIN-CULLIRE, 1995, p. 9; RINELLA, 1999, p. 9). Mas a pessoa que se situa no centro dessa organizao social. A figura dos crculos concntricos estende essa centralidade s demais instncias, de modo a garantir a prevalncia da coletividade menor em relao que lhe sucede.

    Conforme esclarece Formet (2003, p. 147), para Toms de Aquino o homem conserva a sua individualidade, de modo que a sociedade no representa uma totalidade absoluta. A sociedade uma totalidade acidental e no um todo em essncia. Se a sociedade fosse uma unidade em essncia, no seria possvel que cada homem fosse uma de suas partes e a pessoa fosse uma substncia, um todo completo. A unidade da sociedade no a de seus componentes, mas a de um fim comum a todos eles18. Assim sendo, a unidade do bem comum que institui formalmente a sociedade.

    Desse modo, a sociedade no a mera justaposio de indivduos isolados, mas se forma como um todo orgnico, no qual cada pessoa orienta suas aes para um fim preciso e desempenha um papel determinado. Ainda que livre e responsvel por seu destino, a pessoa persiste como um ser insuficiente para atingir sozinha a felicidade. Para So Toms de Aquino sintetiza Ameal (1961, p. 451-453) o homem um ser cheio de imperfeies e fraquezas, que se debate contra muitos obstculos e se condiciona a mltiplas necessidades, mas que possuidor de grande virtualidade. Sua natureza racional permite-lhe conhecer o fim a que est ordenado e procurar alcan-lo pela vontade livre. Essa autodeterminao em relao ao fim traz duas conseqncias: os homens renem-se para atingir seus objetivos e melhor organizar sua vida; e

    18 Segundo Ameal (1961, p. 456), esse fim comum no deve comprometer o fim ltimo de cada uma das pessoas e deve harmonizar tanto quanto possvel os interesses privados e o interesse coletivo, que no se identificam. A respeito, ver So Toms de Aquino (1980, 2 parte da 2 parte, q. 47, art. 11).

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    o homem compreende a necessidade de um fim comum ao qual se subordinar e dirigir suas aes. Delas derivam as so-ciedades humanas.

    A pessoa, ento, deve subordinar seus objetivos e atos consecuo do bem comum, que transcendente e imanente ao bem de cada cidado (MILLON-DELSOL, 1993, p. 11-12)19. Para tanto, So Toms de Aquino define o exerccio de quatro virtudes cardeais, que so a prudncia, a fora, a temperana e a justia. Esta ltima considerada a mais importante delas. Ao responder, na Suma Teolgica, se a justia uma virtude geral, So Toms transmite sua viso da sociedade:

    A justia [...] ordena o homem nas suas relaes com outrem. O que pode ser de dois modos: com outrem singularmente considerado; ou, com outrem, em geral, isto , no sentido em que quem serve a uma co-munidade serve a todos indivduos nela contidos. Ora, de um e de outro modo, pode-se aplicar a justia, na sua idia prpria. Pois, manifesto que todos os que fazem parte de uma comunidade, esto para esta como a parte para o todo; por onde, qualquer bem da parte se ordena ao bem do todo. Portanto, assim sendo, o bem de qualquer virtude, quer o da que ordena o homem para consigo mesmo, quer o da que o ordena a qualquer outra pessoa singular, refervel ao bem comum, para o qual a justia ordena. E, a esta luz, os atos de todas as virtudes podem pertencer justia, enquanto esta ordena o homem para o bem comum. Por onde, a justia considerada uma virtude geral. (SO TOMS DE AQUINO, 1980, 2 parte da 2 parte, v. V, q. 58, art. 5, p. 2491-2492).

    A noo de autonomia, no pensamento de So Toms de Aquino, no se relaciona escolha pessoal de fins ltimos, mas se vincula ao princpio da totalidade. A interferncia de uma autoridade ou instncia superior justifica-se, ento, em caso de insuficincia ou incapacidade da pessoa ou coletividade para cumprir sua funo, pois o fim particular dela integra-se finalidade do corpo social20.

    19 Ver tambm Clergerie (1997, p. 11) e Delpre (2000, p. 14).20 Na Suma Teolgica, afirma So Toms que ns nos tornamos obrigados para com os outros, segun-

    do a excelncia diversa deles e os benefcios diversos que nos fizeram. [...] Portanto, depois de Deus, somos obrigados, sobretudo, aos pais e ptria. [...] E o culto da ptria abrange o prestado a todos os cidados e a todos os amigos dela. (SO TOMS DE AQUINO, 1980, 2 parte da 2 parte, questo 101, art. 1, v. VI, p. 2820).

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    Essa vinculao resolve, para o tomismo, o paradoxo entre a preservao da autonomia e a busca do bem comum, ao mesmo tempo em que garante a dignidade da pessoa e promove a solidariedade. Nesse contexto, o poder pblico, embora tambm persiga fins prprios, apresenta-se como um meio a servio da sociedade, com o objetivo de conservar a perfeio dos seres e garantir s demais instncias sociais a paz e a possibilidade de alcanar seus respectivos propsitos (CHICHARRO LZARO, 2001, p. 45; MILLON-DELSOL, 1993, p. 11-12).

    Observa-se, em sntese, que a filosofia de So Toms de Aquino fornece elementos que aperfeioam e integram o princpio da subsidiariedade. A con-cepo da sociedade formada por crculos concntricos d forma ao primeiro parmetro, que expressa a composio social em coletividades que se ampliam progressivamente. A centralidade da pessoa, que se estende s coletividades, corresponde primazia das unidades menores em relao s maiores, como estabelece o segundo parmetro. O terceiro e quarto parmetros tambm en-contram lastro nas idias de So Toms de Aquino, com especial equivalncia, respectivamente, s noes de dignidade e de bem comum.

    1.2.3 Johannes althusius

    A contribuio de Johannes Althusius (1557-1638) fornece respaldo aos quatro parmetros do princpio da subsidiariedade. Pode-se afirmar que sua importncia reside na densidade de seu pensamento, que interliga os parmetros de uma forma sistmica. Isso decorre, sobretudo, da concepo orgnica da sociedade professada pelo autor21. Destaca-se, ainda, sua oposio doutrina da soberania territorial nica, no contexto da emergncia dos Estados nacionais, que pode ser vista como uma defesa da autonomia poltica das comunidades e uma resistncia dissoluo das diversidades locais ou regionais.

    Althusius (2003, p. 103) inicia a obra Poltica com a proposio geral que orienta toda a sua exposio:

    A poltica a arte de reunir os homens para estabelecer vida social co-mum, cultiv-la e conserv-la. Por isso, chamada simbitica. O tema da poltica , portanto, a associao (consociatio), na qual os simbiticos,

    21 Althusius foi professor de direito (1586) e reitor (1597) da Academia Protestante de Herborn, centro de estudos polticos calvinistas, e gestor da cidade de Emden (1604-1638), na Alemanha. Publicou Poltica, a sua obra mais importante, em 1603 (com duas novas e ampliadas edies, em 1610 e 1614). Sobre sua vida e obra, consultar Carney (2003, p. 9-30).

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    por intermdio de pacto explcito ou tcito, se obrigam entre si comunicao mtua daquilo que neces-srio e til para o exerccio harmnico da vida social. (ALTHUSIUS, 2003, p. 103, grifos do autor).

    Althusius (2003, p. 105) denomina de simbiose a vida em comum, cujos participantes so chamados simbiticos22. O propsito da associao a comunicao mtua (comunho) de bens, servios e direitos, por meio da qual so supridas as necessidades de cada um e obtida a auto-suficincia e a mutualidade da vida e da sociedade23.

    Segundo Althusius, para suprir, fornecer ou receber o que lhes falta que todas as pessoas se associam num certo corpo pblico, a que chamamos co-munidade, e, mediante a ajuda mtua, se devotam ao bem-estar e satisfao das necessidades desse corpo (ALTHUSIUS, 2003, p. 112). Em seu entender, essa a verdadeira origem das primeiras aldeias e, depois, das grandes comu-nidades territoriais, conforme sinalizam os mais antigos registros da histria e confirma a experincia diria24.

    A descrio de Althusius to sistemtica quanto sua obra25. A organiza-o social que ele prope forma-se da base para o topo, o que contempla o primeiro parmetro do princpio da subsidiariedade26. Assim, o Estado deve ser compreendido como uma comunidade orgnica, formada por uma multiplici-dade de associaes, cuja articulao se estabelece em uma construo que

    22 Sua concepo tem ntida inspirao aristotlica, s vezes implcita, como quando afirma que [...] por sua natureza gregria, o homem nasceu para cultivar a sociedade com os outros homens, no para viver solitrio [...] (ALTHUSIUS, 2003, p. 111), s vezes expressa, como ao registrar que [...] Aristteles ensina que o homem, por sua natureza, conduzido vida social e partilha mtua (ALTHUSIUS, 2003, p. 113).

    23 Conforme Hueglin (1994), em seo que denomina Societal Federalism, a simbiose exige regula-o e administrao comuns e demanda a incluso das atividades sociais na esfera da poltica e a compreenso do direito e do governo como partes de um s processo de comunicao, ao invs de entend-los como uma estrutura de lgica apartada da interveno social.

    24 Para Althusius, as causas eficientes da associao poltica so o consentimento e o pacto entre os cidados que se comunicam; sua causa formal a prpria associao estabelecida pela contribuio e comunicao de um homem com o outro; e sua causa final o desfrute de uma vida confortvel, profcua e feliz, e do bem-estar comum (ALTHUSIUS, 2003, p. 113)

    25 A propsito do mtodo (lgica ramista) utilizado por Althusius em sua obra, ver Carney (2003, p. 14-18).

    26 Assinala Clergerie (1997, p. 23) que essa viso diverge da maioria dos autores polticos da poca.

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    vai do individual para o universal (CLERGERIE, 1997, p. 23)27. Isso se desdobra em duas perspectivas no pensamento do autor: a formao das associaes e a compreenso de soberania. Em ambas, Althusius refora o segundo parmetro da subsidiariedade, que estabelece a primazia das coletividades menores em relao s maiores.

    Para Althusius, as associaes formam-se por meio de uma conveno entre os simbiticos, que pode ser explcita ou tcita, pela qual concordam com os objetivos necessrios e teis a serem buscados e com os meios necessrios sua consecuo. As primeiras associaes so as privadas28, que se classificam em naturais e civis (ALTHUSIUS, 2003, p. 121). A famlia a associao natural e, em geral, permanente29. A associao cvel de natureza voluntria e se denomina collegium (corporao)30.

    Althusius identifica uma expanso progressiva na organizao social, pois a sociedade humana se desenvolve da associao privada para a pblica por intermdio de progresses e passos definidos das pequenas sociedades (ALTHUSIUS, 2003, p. 121). Assim, a associao pblica surge quando vrias associaes privadas se renem com o objetivo de estabelecer uma ordem poltica abrangente. Ou seja, as associaes privadas as famlias e os collegia (e no os seus membros individuais) que constituem as associaes pblicas (ALTHUSIUS, 2003, p. 137). As associaes pblicas se distinguem das priva-das por terem jurisdio sobre um determinado territrio. Elas podem ser de dois tipos: particular ou universal (ALTHUSIUS, 2003, p. 136). As associaes

    27 No mesmo sentido, Brault, Renaudineau e Sicard (2005, p. 11-12) e Hueglin (1994), na seo Althu-sius.

    28 Segundo Althusius (2003, p. 119), a associao simples e privada a sociedade e simbiose que tm incio numa conveno especial (pactum) entre os membros com o objetivo de reunir e manter em comum um interesse particular (quis peculiare). Isso se consegue por meio do acordo estabelecido e do modo de vida. Essa associao pode ser chamada de primria e todas as outras derivam dela e sem ela no podem existir.

    29 Os captulos II e III de Poltica so dedicados famlia (ALTHUSIUS, 2003, p. 119-126). So duas as espcies de associaes privadas e naturais: a conjugal (conjugalis) e a de parentesco por afinidade (propinqua) (ALTHUSIUS, 2003, p. 122).

    30 Ocorre pela reunio de pessoas dispostas a prestar servio que seja de utilidade e necessidade co-muns. So, em geral, pessoas do mesmo negcio, com a mesma instruo ou profisso, que se unem para ter deveres, modos de vida ou atividades em comum (ALTHUSIUS, 2003, p. 127-129). O Captulo IV de Poltica trata especificamente do collegium (ALTHUSIUS, 2003, p. 127-134).

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    particulares so as cidades (civitas)31 e as provncias32. A asso-ciao pblica universal denominada comunidade e a nica detentora da soberania.

    Na configurao das cidades, Althusius (2003, p. 145) argu-menta a favor da autonomia, o que se relaciona com o terceiro parmetro da subsidiariedade. Para o autor, a comunicao dos cidados da mesma comunidade, com objetivo de auto-suficincia e simbiose, contempla bens, servios e direitos. Da surge a ordem jurdica da cidade. Os direitos, privilgios, estatutos e benefcios devem ser comunicados (compartilhados) pelos cidados. Nisso se inclui a autonomia da cidade, direitos de territrio e outros direitos pblicos. Afinal, toda cidade tem capacidade para estabelecer estatutos referentes quelas coisas relacionadas com a administrao de seus prprios assuntos, que faam parte de seu negcio ou de seu ofcio [...] (ALTHUSIUS, 2003, p. 149). Entre esses assuntos esto o direito de voto, os atos de gerncia e administrao da comunidade e a maneira como a cidade dirigida, de acordo com as leis que aprovou e o magistrado que constituiu. Alerta o autor: quando, em vez disso, esses direitos comuns so abandonados, a comunidade deixa de existir (ALTHUSIUS, 2003, p. 149) 33.

    A ltima das formas de associao pblica a comunidade ou reino34, considerada universal (universalis) porque nela esto includas todas as as-sociaes dentro de uma dada e ampla rea. A comunidade constitui-se de muitas cidades e provncias que se obrigam a ter, estabelecer e defender o

    31 Tambm chamadas comunidades locais (universitas), renem, numa mesma rea urbana, uma co-munidade de cidados sob o mesmo governo e com o mesmo tipo de comunicao (ALTHUSIUS, 2003, p. 139-140). Os captulos V e VI tratam da cidade (ALTHUSIUS, 2003, p. 135-152).

    32 Expe Althusius (2003, p. 153) que, no complexo de seu territrio, engloba muitas vilas, cidades, postos avanados e urbes unidos pela comunho e administrao de um nico direito (jus). Ela tambm chamada de regio, distrito, diocese e, por vezes, de comunidade. Os captulos VII e VIII de Poltica abordam a provncia (ALTHUSIUS, 2003, p. 153-172).

    33 Para Follesdal (1998, parte V, itens D e E ), a subsidiariedade de Althusius apresenta como aspecto negativo a produo de um poder central enfraquecido, em face da preservao das autonomias comunitrias. Disso resultaria, de um lado, arranjos federativos oligrquicos e, de outro, a pouca capacidade do Estado central de suprir carncias de comunidades necessitadas e estabelecer meios coercitivos de redistribuio entre indivduos e associaes.

    34 Althusius (2003, p. 174) rejeita a distino entre um reino (regnum) e uma comunidade (respublica), porque, para ele, o reino propriedade do povo e a administrao que cabe ao rei.

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    direito de soberania (jus majestatis)35. Althusius reafirma a formao da base para o topo, pois as famlias, as cidades e as provncias existiram, por suas prprias naturezas, antes dos reinos, e so elas que fazem surgir esses reinos (ALTHUSIUS, 2003, p. 173). O vnculo que leva formao da comunidade o consenso que estabelece a promessa, tcita ou expressa, de comunicar bens, servios mtuos, auxlio, aconselhamento e as mesmas leis comuns (jura) na medida requerida pela necessidade e utilidade da vida social universal de um reino (ALTHUSIUS, 2003, p. 175). Desse modo, visto sob o prisma da subsidiariedade, esse vnculo corresponde ao quarto parmetro, que justifica a atuao de uma coletividade maior para suprir incapacidades das menores e as conduzir ao bem comum36.

    A comunidade soberana37, pois no se reconhece nada superior a ela em seu territrio. Na concepo de soberania, Althusius manifesta expressa dissidncia de Jean Bodin e outros autores38 em dois importantes pontos. Para Althusius (2003, p. 179), o direito de soberania deve ser atribudo comunida-de, de modo que ela no pode pertencer a um de seus membros individuais, mas a todos os membros em conjunto. Assim, no primeiro ponto, entende que o poder de soberania no pode ser atribudo ao rei ou aos homens que detm os cargos mais poderosos do reino, mas sim ao corpo organizado da comunidade39. Sendo assim, o rei e os poderosos devem reconhecer a comu-nidade como superior, pois ela que lhes concede a autoridade. No segundo ponto, Althusius (2003, p. 181) discorda que o poder de soberania possa ser supremo e perptuo e que no poderia ser limitado nem pela lei nem pelo tempo, porque um poder acima de todas as leis seria tirnico e todo o poder humano admite a lei natural e divina como superior. Nem o rei tem em sua propriedade os direitos de soberania, embora possa ter o exerccio desses di-reitos por concesso do corpo associado. Por fim, arremata: o rei representa o povo e no o contrrio (ALTHUSIUS, 2003, p. 183).

    35 Tambm chamado direito do reino (jus regno), o direito de um Estado (ALTHUSIUS, 2003, p. 178).36 Afirma Millon-Delsol (1993, p. 16) que o poder supremo se justifica no porque a sociedade nada

    faz sem ele, mas porque ela no capaz de tudo sem seu concurso, na medida em que supre suas in-capacidades, conferindo-lhe harmonia e proteo. A propsito, ver tambm Bandrs Snchez-Cruzat (1999, p. 13) e Rinella (1999, p. 11).

    37 O captulo IX de Poltica trata da comunidade e da soberania poltica (ALTHUSIUS, 2003, p. 173-190).

    38 Althusius (2003, p. 182) menciona Petrus Gregorius, Cujas, Doneau e Duaren.39 Althusius reconhece esse corpo organizado como povo (populus) (CARNEY, 2003, p. 27).

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    Observa Elazar (2003, p. 48) que Althusius apresenta uma teoria para a construo da forma de governo com base numa associao poltica estabelecida por seus cidados alicerada no consentimento e no no Estado materializado e imposto por um mandante ou uma elite. Alm disso, defende Elazar (2003, p. 51), sua concepo amplamente federal (do latim foedus, conveno), pois se desenvolve a partir de uma srie de blocos ou clulas de autogoverno, das menores at a comunidade universal, cada uma das quais organizada internamente e vinculada s outras mediante alguma forma de relacionamento consensual.

    Com relao a isso, porm, o prprio Elazar (2003, p. 52-55) apresenta duas ponderaes. A primeira que a viso de Althusius no prevaleceu sobre a concepo estatizante de Jean Bodin e outros, que pleiteavam a materializao de Estados centralizados, detentores de uma soberania indivisvel, onde todos os poderes ficassem concentrados nas mos de um rei empossado pela vontade divina. Por isso, o pensamento de Althusius ficou longamente esquecido, at ser retomado por pensadores alemes, destacando-se entre eles Otto von Gierke, no sculo XIX, e Carl Friedrich, no sculo XX (ELAZAR, 2003, p. 52-54).

    A segunda ponderao o reconhecimento de que existe divergncia acadmica quanto relao entre Althusius e o federalismo40. No obstante o interesse que Althusius desperta como representante de um federalismo pr-moderno, anterior ao sculo XVII e de fundao tribal ou corporativista, impe-se reconhecer que o federalismo moderno aparta-se completamen-te desse modelo (ELAZAR, 2003, p. 54). A primeira federao, no sentido tcnico-constitucional, surge com a Constituio norte-americana de 1787, caracterizando-se como uma nova forma de Estado.

    Por fim, cumpre registrar que, segundo Clergerie (1997, p. 24-28), o pensa-mento de Althusius influenciou os pensadores ingleses a partir dos sculos XVI-XVII em amplo espectro, que vai desde Thomas Hobbes (1588-1679), partidrio do absolutismo, at John Locke (1632-1704), adversrio do regime absolutista,

    40 Clergerie (1997, p. 23) entende que a concepo de Estado corporativo de Althusius prefigurou o federalismo moderno. Hueglin (1994), nas sees Althusius e Societal Federalism, denomina a pro-posta de Althusius de societal federalism, pois os participantes so consociaes sociais e espaciais. Para Kuhnhardt (1992), na seo The principle of subsidiarity as an attribute of federalism, o federa-lismo foi definido como um princpio social de organizao antes de ser concebido como um sistema poltico, graas a Althusius. Follesdall (1998, item V), Groff (2001, p. 64) e Chicharro Lzaro (2001, p. 45) apontam Althusius como o primeiro terico da subsidiariedade e do federalismo.

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    alcanando at mesmo a corrente utilitarista de Jeremy Bentham (1748-1842) e John Stuart Mill (1806-1873). Alm disso, Clergerie (1997, p. 28-30) aponta a influncia de Althusius sobre o pensamento liberal francs do sculo XIX, de que so representantes Alexis de Tocqueville (1805-1859) e Pierre Proudhon (1809-1865), alm de chegar Alemanha por Georg W. F. Hegel (1770-1831) 41.

    1.3 dimenses negativa e positiva do princpio

    Na viso de coletividades que se estendem progressivamente, expe-se a tenso dialtica entre a autonomia da unidade e a interveno da autoridade de maior mbito. Na noo de subsidiariedade, a interveno deve servir, antes de tudo, para suplementar as incapacidades e suprir as carncias das pessoas e comunidades, livres e responsveis por seu destino, mas insuficientes para atingir, sozinhas, o pleno desenvolvimento (MILLON-DELSOL, 1993, p. 3-4)42.

    Para tanto, a finalidade de uma coletividade superior deve ser a mesma das coletividades menores que nela se integram. Trata-se de conciliar a liberdade com o bem comum, assim como o interesse particular com o interesse geral, e de coloc-los um a servio do outro43. Ou seja, devem ser harmonizados o direito autonomia da instncia inferior e o dever de ingerncia da autoridade superior em prol do bem comum. Desse modo, se refletida nos termos dos parmetros da subsidiariedade, trata-se de conciliar o terceiro (autonomia da menor unidade) com o quarto parmetro (interveno da unidade maior).

    Nesse sopesar, conforme a clssica lio de Millon-Delsol (1993, p. 7), a noo de subsidiariedade apresenta dois aspectos, ou duas dimenses44:

    41 Em outro sentido, Hueglin (1994), na Introduo, afirma que a teoria poltica europia, a partir dos sculos XVI e XVII, parte de duas diferentes tradies: uma solidria, que se baseia na cooperao e no consentimento, cujo representante Althusius e de onde se extrai as razes do princpio da subsidiariedade; e outra, individualista, com fundamento na competio e na regra da maioria, cujo expoente Hobbes, para quem a existncia de grupos e classes na sociedade teria por conseqncia a diviso do poder poltico e a guerra civil.

    42 A respeito, ver tambm Delcamp (1995, p. 614), e Robert (1995, p. 184).43 A esse propsito, Millon-Delsol (1993, p. 5, nota 1) observa que a noo de bem comum, utili-

    zada pelo pensamento antigo e medieval para as sociedades orgnicas, foi substituda pela noo de interesse geral, concebido por Rousseau e aplicado s sociedades modernas, nas quais no se reconhece um bem comum objetivo, mas uma pluralidade de interesses diversificados.

    44 Este trabalho utiliza preferencialmente o termo dimenso ao invs de aspecto, como faz Millon-Delsol (1993, p. 7) porque aquele representa melhor o fenmeno da coexistncia dos dois fatores no princpio. No entanto, a denominao de Millon-Delsol (1993) amplamente aceita e propagada pelos comentadores do princpio. So exemplos: Baracho (1997, p. 59), Chicharro Lzaro (2001, p. 42-43) e Robert (1995, p. 187).

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    Coleo de Teses,

    Dissertaese Monografiasde Servidores do Senado Federal

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    a) negativa, de limite interveno, pelo qual a autorida-de ou coletividade mais ampla no pode impedir as pessoas e agrupamentos menores de conduzir suas prprias aes, assim como deve abster-se de agir nos domnios em que a instncia inferior tenha capacidade suficiente para atuar; e

    b) positiva, de justificativa de interveno, pela qual a au-toridade ou comunidade superior tem o dever de agir em prol do bem comum, por meio de estmulo, apoio ou suplementao das aes da instncia inferior, que se mostrou insuficiente.

    Admite-se a interveno, ainda, quando a comunidade superior se mostrar mais eficiente para alcanar determinado objetivo. Assim, embora a noo de subsidiariedade considere que a instncia indicada para a ao , inicialmente, aquela que se encontra mais prxima da realidade ou do problema vivenciado, a dimenso positiva pode incidir quando, em vista da necessidade de realiza-o da atividade, a autoridade ou comunidade superior apresentar-se como a instncia mais adequada, sob o prisma da eficincia, para atingir o objetivo almejado (QUADROS, 1995, p. 18)45.

    Observa Millon-Delsol (1993, p. 19-20) que o pensamento liberal apropria-se da idia de subsidiariedade apenas para utiliz-la na dimenso negativa, de no ingerncia do Estado. Com o surgimento do individualismo, somente o indivduo passa a ser considerado sujeito de direito e a sociedade carac-terizada como uma entidade abstrata, constituda pela soma de indivduos separados uns dos outros, cada qual em busca de sua prpria felicidade. O foco no indivduo46 despreza a noo de bem comum, minimiza a importncia dos grupos intermedirios e tende a retirar da noo de subsidiariedade a dimenso positiva, de auxlio, apoio ou suplementao.

    Assim, por exemplo, a clssica teoria da mo invisvel de Adam Smith (1723-1790) pela qual o detentor de capital consciente apenas do seu in-teresse particular, mas cumpre finalidade de interesse geral conduz a uma

    45 No mesmo sentido, Baudin-Cullire (1995, p. 66) e Chicharro Lzaro (2001, p. 43).46 Bandrs Snchez-Cruzat (1999, p. 13) e Chicharro Lzaro (2001, p. 39) lembram que a Declarao

    francesa do homem e do cidado, de 1789, expressiva da posio nuclear do indivduo na constru-o de um Estado que se institucionaliza a servio do cidado, para assegurar e no interferir em suas liberdades. Assim, o Artigo Segundo da Declarao afirma que a finalidade de toda associao poltica a conservao dos direitos naturais e imprescritveis do homem, que so a liberdade, a propriedade, a segurana e a resistncia opresso.

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    concepo restritiva do papel do Estado, ao qual no cabe direcionar a inicia-tiva dos particulares. No obstante, mesmo Adam Smith reconhece o dever do Estado de erigir obras e instituies que a iniciativa privada jamais teria o interesse de empreender. Ora, se h um limite para a iniciativa particular no cumprimento espontneo do interesse geral, cabe ao Estado suprir essa deficincia. Disso resulta uma concepo de subsidiariedade do papel do Es-tado, que deve intervir para preencher as lacunas deixadas pelos mecanismos sociais espontneos. Desse modo, embora por uma via diferente, a noo de subsidiariedade acaba por ser identificada mesmo na tica do individualismo liberal (BRAULT; RENAUDINEAU; SICARD, 2005, p. 19-21).

    Entretanto, cabe aqui registrar a interessante observao feita por Chichar-ro Lzaro (2001, p. 43) de que a noo da subsidiariedade tem sido utilizada, conceitualmente, mais como um freio (dimenso negativa) do que como um acelerador (dimenso positiva) dos poderes da autoridade mais ampla. Na prtica, contudo, a situao se inverte, pois, historicamente, a autoridade p-blica superior vem acumulando mais poderes, paulatina e progressivamente, at o ponto de tornar determinante sua interveno em praticamente todas as esferas de atuao da sociedade.

    1.4 origens na doutrina social da igreja Catlica

    A subsidiariedade passou a ser utilizada como importante princpio da filosofia social da Igreja Catlica a partir do final do sculo XIX, graas ao cristianismo social desenvolvido pelo Papa Leo XIII, que pretendia condenar o capitalismo liberal e retomar o valor do bem comum e da solidariedade47. Desde ento, a subsidiariedade teve sucessivo aprofundamento nas Cartas

    47 Clergerie (1997, p. 12-15) lembra de uma utilizao anterior da subsidiariedade pela Igreja Catlica, com vistas a regular sua relao com os Estados e limitar os poderes papais. Mostra o autor que, do sculo V at o incio do sculo XIV, os papas foram no somente os chefes espirituais da Igreja Ca-tlica, mas dispuseram de atribuies de ordem poltica que se impunham mesmo ao conjunto dos governos civis. A partir do conflito entre o Papa Bonifcio VIII (1294-1303) e o rei francs Felipe IV, o Belo (1268-1314), firmou-se a independncia do Estado em relao Igreja, da em diante progres-sivamente assegurada. No Conclio de Trento (1545-1563), a repartio entre os poderes reais e os poderes espirituais dos papas foi selada por meio da aplicao da subsidiariedade: a partir de ento, os papas somente podiam intervir