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Arlete Bernini Fernandes e Silva “A Supervisão do Agente Comunitário de Saúde: limites e desafios para a enfermeira” PONTA GROSSA - PARANÁ 2002

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Arlete Bernini Fernandes e Silva

“A Supervisão do Agente Comunitário de Saúde: limites e desafios para a enfermeira”

PONTA GROSSA - PARANÁ 2002

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Ministério da Saúde

Fundação Oswaldo Cruz

Escola Nacional de Saúde Pública

Universidade Estadual de Ponta Grossa

“A Supervisão do Agente Comunitário de Saúde:

limites e desafios para a Enfermeira”

Por

Arlete Bernini Fernandes e Silva

Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em Saúde Pública, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Ciências, na área de Saúde Pública.

Orientadora: Profª. Drª. Virginia Alonso Hortale

Ponta Grossa - Paraná 2002

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Ao Senhor, meu Deus, na certeza de Sua presença.

“Por que eu, o Senhor teu Deus, te tomo pela tua mão direita

e te digo: Não temas, que eu te ajudo”. Is. 41:13

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Aos meus meninos Caíque, Re e Aninha, pela alegria demonstrada com a

volta da mãe à escola, ao mesmo tempo em que torciam pelo sucesso na nova

empreitada.

Aos meus pais, Rosa e José, pelo apoio incessante e estímulo em toda a

minha trajetória de vida.

À amiga Dalva Cassie Rocha, que compartilhou comigo os momentos de

alegria e me apoiou naqueles de grande incerteza.

Às amigas Elisabete Nascimento, Liza Holzzman, Beatriz Caldeira e Olivia

Busch, pelo apoio, incentivo e contribuições importantes para o desenvolvimento

deste estudo.

À professora Drª Virginia Alonso Hortale, minha orientadora, que aceitou a

tarefa de oferecer suporte para este trabalho.

Às Enfermeiras, Agentes Comunitários de Saúde e à Coordenadora do

Programa de Saúde da Família de Ponta Grossa, sujeitos da pesquisa, pela valiosa

colaboração.

À Drª Maria Antonia Souza, pelas sugestões e disponibilidade em auxiliar-

me no esclarecimento de dúvidas.

À Drª Célia Da Lozzo, pelo cuidado dispensado a cada um dos seus

alunos.

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Agradeço, enfim, aos que estiveram ao meu lado, seja no estímulo, seja

na orientação, seja na valiosíssima crítica, possibilitando a construção e

aprofundamento deste trabalho.

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RESUMO

O Programa de Saúde da Família, cuja equipe é formada por, no mínimo,

enfermeira, auxiliar de enfermagem, médico e agentes comunitários de saúde

(ACS), agregou às atividades desenvolvidas pelas enfermeiras das equipes, a

supervisão do ACS. Este estudo, de caráter descritivo e interpretativo, objetivou

analisar como as enfermeiras supervisionam os ACS, desvelando, assim, os limites

e desafios desta atividade. Foram entrevistadas quatro enfermeiras, cinco ACS e a

coordenadora do PSF local, utilizando-se de um guia orientador de entrevistas, com

questões abertas. Para a análise dos dados, empregou-se a metodologia da Análise

de Conteúdo e, após leitura exaustiva das falas dos entrevistados, quatro eixos

norteadores foram identificados: características do trabalho; o trabalho em equipe; a

escala hierárquica e a supervisão. Observou-se que a supervisão tem ocorrido de

maneira não sistemática, com ênfase em seu caráter administrativo e que as

enfermeiras percebem necessidade de aprofundamento do tema, para o

desempenho de suas funções. Destacam, como limites ao seu desempenho, a

burocracia dos serviços de saúde (preenchimento de relatórios, fichas e outras

atividades correlatas) e o grande número de atividades sob sua responsabilidade.

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ABSTRACT

The Family Health Program (FHP) – which staff is composed of a nurse,

assistant nurse, physician and health community agents (HCA) at least – gathered

into the activities developed by the staff nurses, the supervision of the HCAs. This

study, having descriptive and interpretative characteristics, objectified the analysis of

how the nurses supervise the HCAs, therefore disclosing the limits and challenges of

this activity. Four nurses, five HCAs and the local program coordinator have been

interviewed based on an interview guidebook containing discursive questions. The

Content Analysis methodology was applied to analyze the data, and after exhaustive

reading of the interviewees speech, four guidelines were identified: work

characteristics; group work; hierarchic rank and supervision. It has been observed

that the supervision occurs in a non-systematic manner, emphasizing its

administrative characteristic and the nurses’ perception of the need of making a

profound study of the subject in order to fulfill their performances. They point out –

as limitations to their performances – the bureaucracy of the health services, such as

filling out written reports, forms and similar actions, and the great number of activities

under their responsibility.

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SUMÁRIO

RESUMO...................................................................................................................................v

ABSTRACT…………………………………………………………………………………..vi

SUMÁRIO...............................................................................................................................vii

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS..........................................................................viii

INTRODUÇÃO ...........................................................................Erro! Indicador não definido.

CAPÍTULO I

A ATENÇÃO À SAÚDE NO BRASIL......................................Erro! Indicador não definido.

1.1 Histórico .................................................................... Erro! Indicador não definido.

1.2 Trajetória para a reestruturação do modelo de assistência à saúde .. Erro! Indicador

não definido.0

1.2.1 A estratégia de Saúde da Família no Paraná.... Erro! Indicador não definido.8

1.2.2 A estratégia de Saúde da Família em Ponta Grossa .......... Erro! Indicador não

definido.1

CAPÍTULO II

A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NA ENFERMAGEM...........................................39

2.1 A Enfermagem no Brasil ..........................................................................................39

2.2 A supervisão de enfermagem .................................. Erro! Indicador não definido.5

2.3 A supervisão e a organização do trabalho ............... Erro! Indicador não definido.7

2.4 A supervisão e seu componente pedagógico ........... Erro! Indicador não definido.1

CAPÍTULO III

A REALIDADE DO TRABALHO DA ENFERMEIRA E DO ACS..... Erro! Indicador não

definido.5

3.1 Características do trabalho ...................................... Erro! Indicador não definido.7

3.1.1 O trabalho da enfermeira ........................................ Erro! Indicador não definido.7

3.1.2 O trabalho do ACS .......................................... Erro! Indicador não definido.4

3.2 O trabalho em equipe............................................... Erro! Indicador não definido.7

3.3 A escala hierárquica no trabalho ..............................................................................80

3.4 A supervisão .............................................................................................................85

CAPÍTULO IV

CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................Erro! Indicador não definido.5

vii

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...............................................................................100

ANEXOS ...............................................................................................................................110

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

APMI – Associação de Proteção à Maternidade e Infância

ACS – Agente Comunitário de Saúde

AE – Auxiliar de Enfermagem

CMS – Conselho Municipal de Saúde

ESF – Equipe de Saúde da Família

ISP – Instituto de Saúde Ponta Grossa

ISEP – Instituto de Saúde do Estado do Paraná

PACS – Programa de Agente Comunitário de Saúde

PSF – Programa de Saúde da Família

RS – Regional de Saúde

UBS – Unidade Básica de Saúde

USF – Unidade de Saúde da Família

SIAB – Sistema de Informação da Atenção Básica

SMS – Secretaria Municipal de Saúde

SUS – Sistema Único de Saúde

viii

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SUMÁRIO

RESUMO...................................................................................................................................v ABSTRACT…………………………………………………………………………………..vi SUMÁRIO...............................................................................................................................vii LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS..........................................................................viii INTRODUÇÃO ......................................................................................................................vii CAPÍTULO I A ATENÇÃO À SAÚDE NO BRASIL...................................................................................9

1.1 Histórico .....................................................................................................................9 1.2 Trajetória para a reestruturação do modelo de assistência à saúde ..........................20

1.2.1 A estratégia de Saúde da Família no Paraná.....................................................28 1.2.2 A estratégia de Saúde da Família em Ponta Grossa .........................................31

CAPÍTULO II A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NA ENFERMAGEM...........................................38

2.1 A Enfermagem no Brasil ..........................................................................................38 2.2 A supervisão de enfermagem ...................................................................................45 2.3 A supervisão e a organização do trabalho ................................................................47 2.4 A supervisão e seu componente pedagógico ............................................................51

CAPÍTULO III A REALIDADE DO TRABALHO DA ENFERMEIRA E DO ACS.................................55

3.1 Características do trabalho .......................................................................................57 3.1.1 O trabalho da enfermeira .........................................................................................57 3.1.2 O trabalho do ACS ...........................................................................................64

3.2 O trabalho em equipe................................................................................................67 3.3 A escala hierárquica no trabalho ..............................................................................80 3.4 A supervisão .............................................................................................................85

CAPÍTULO IV CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................95 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...............................................................................100 ANEXOS ...............................................................................................................................110

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INTRODUÇÃO

A pesquisa, ora apresentada, discorre sobre a ação da enfermeira no

âmbito da saúde pública, referindo-se, mais especificamente, à supervisão do

trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS).

No Estado do Paraná, à semelhança dos demais Estados do país, o

Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) precedeu ao Programa de

Saúde da Família (PSF), tendo a implantação de equipes de PACS ocorrido no início

da década de 90 e de equipes de PSF, a partir de 1994.

Para capacitar as equipes que se formavam, foi oficializado, em outubro

de 1997, o Pólo de Capacitação, Formação e Educação Permanente para Pessoal

de Saúde da Família do Paraná1, cuja coordenação se encontra, desde então, sob

responsabilidade da Escola de Saúde Pública do Paraná (ESPP), órgão da

Secretaria de Estado da Saúde do Paraná. Posteriormente, foram criados os Pólos

Regionais de Saúde da Família, subordinados ao Pólo Estadual e coordenados por

equipes das seguintes universidades: Universidade Federal do Paraná, Universidade

Estadual de Ponta Grossa, Universidade Estadual de Londrina, Universidade

Estadual de Maringá, Universidade do Oeste do Paraná. Atualmente, compõem os

Pólos Regionais, as Secretarias Municipais de Saúde de Londrina, Curitiba, Ponta

Grossa, Maringá e Cascavel além das Coordenações Regionais de PSF das

Regionais de Saúde destes municípios.

Havendo participado do quadro de técnicos da ESPP de agosto de 1997 a

1 Doravante denominado apenas como Pólo de Saúde da Família

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dezembro de 2000, portanto, desde o período que antecedeu à oficialização do Pólo

Estadual, tivemos a oportunidade de coordenar e ministrar cursos para equipes de

PACS e PSF, implantadas nos mais diferentes municípios do Estado.

Nessas ocasiões, foi possível observarmos, empiricamente, que as

enfermeiras instrutoras/supervisoras de PACS e PSF relatavam inúmeras

dificuldades para a realização da supervisão do trabalho dos ACS. Dentre as

dificuldades citadas, as que mereceram atenção foram: acúmulo de

responsabilidades (em muitos municípios de pequeno porte, elas eram responsáveis

tanto pela gerência da Unidade de Saúde da Família [USF] quanto pela gerência de

enfermagem do hospital do município); priorização de atividades administrativas e

desconhecimento do processo de supervisão. Jamais foi expresso, por elas, que a

supervisão não fazia parte das atividades próprias da enfermagem. No entanto, foi

mencionado que não se sentiam satisfeitas com o modo como a supervisão era

conduzida, pois desconheciam seus aspectos administrativos, pedagógicos e

avaliativos.

Nos cursos de capacitação para ACS pudemos constatar que a queixa

estava centrada na pouca, ou nenhuma, supervisão que recebiam e/ou no

despreparo da enfermeira para tal atividade, o que os fazia sentir-se com liberdade

para definir o tipo de trabalho a ser desenvolvido junto à comunidade.

A preocupação com a supervisão em serviços de saúde foi tema de

estudo de autores como Nunes (1986), Machado (1978), Nogueira (1979), Silva

(1997) e Reis (2001), pois certamente uma boa supervisão contribui para se atingir a

eficiência e eficácia da assistência à saúde da população.

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Em estudo para avaliar o PACS da Bahia, Solla et al. (1996) comentam

que, possivelmente, não exista planejamento das atividades atribuídas aos ACS,

pois verificaram alta rotatividade das enfermeiras. Assim, segundo estes autores, é

esperado que, entre as ações desenvolvidas pelos ACS junto à comunidade,

predominem as que tenham sido mais enfocadas nos treinamentos e/ou as que os

agentes considerem mais relevantes.

O Ministério da Saúde (2000:8) ressalta que o trabalho dos ACS deve ser

acompanhado e orientado “por um enfermeiro lotado em uma unidade de saúde (na

proporção máxima de 30 ACS para cada enfermeiro), o qual atua como

instrutor/supervisor”. Esta determinação indica a necessidade de planejamento das

ações a serem desenvolvidas pelo enfermeiro, juntamente com o ACS.

O estudo de Solla et al (1996) demonstra, também, que existem

deficiências no PACS, diretamente relacionadas à supervisão, tendo sido

detectados, entre outros, os seguintes problemas: falta de capacitação formal para a

função de supervisão, baixa freqüência do supervisor em campo e supervisão sem

sistematização.

A falta de supervisão foi observada por Pedrosa & Teles (2001), como um

dos fatores que dificultam as relações interpessoais na equipe, especialmente entre

enfermeiras e ACS. Para os autores, o baixo grau de instrução dos ACS também

pode dificultar estas relações.

Isto posto, nos defrontamos com um problema: quais são as dificuldades

que a enfermeira enfrenta, rotineiramente, para a realização da supervisão do ACS?

Partindo-se da hipótese que a supervisão do trabalho do ACS não tem

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sido realizada sistematicamente, em nosso meio, pretendemos, com o enfoque

deste estudo, buscar informações que possam contribuir para desvelar os fatores

facilitadores e os fatores limitantes para a realização do processo de supervisão do

trabalho de ACS.

O objetivo geral desta pesquisa é analisar a supervisão de enfermagem

em relação ao trabalho do ACS, na percepção das enfermeiras

instrutoras/supervisoras das equipes de PSF e dos ACS, que fazem parte dessas

equipes, no município de Ponta Grossa - PR.

Estudar a supervisão do trabalho do ACS justifica-se pelas

transformações ocorridas, no âmbito do trabalho da enfermeira de saúde pública,

como também pela pequena produção de novos conhecimentos que dêem suporte

para o desenvolvimento desta atividade.

Considerando-se que a supervisão envolve múltiplos fatores (técnicos,

pedagógicos e interpessoais) e diferentes atores, busca-se a opção metodológica no

campo das ciências sociais. Esta recai sobre a pesquisa qualitativa, tradicionalmente

associada a estudos na área das ciências humanas, porém, em crescente expansão

na área da saúde, em especial na saúde pública e enfermagem. O emprego desta

análise, segundo Minayo (1996:134) é importante para:

a)compreender os valores culturais e as representações de determinado grupo sobre temas específicos; b)para compreender as relações que se dão entre atores sociais tanto no âmbito das instituições como dos movimentos sociais; c)para avaliação das políticas públicas e sociais tanto do ponto de vista de sua formulação, aplicação técnica, como dos usuários a quem se destina.

Citando Rudio, Fekete (1999:43) afirma que, para ser científica, se impõe

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à pesquisa o caráter sistemático e a utilização de metodologia específica na busca

de conhecimento referido à realidade, e continua afirmando que, “se o que se busca

com a pesquisa é o conhecimento que permita atuar frente aos problemas práticos

da realidade, é fundamental compreender que todas as disciplinas que trabalham no

campo da saúde precisam desenvolver tanto a investigação para a produção de

conhecimentos como para a ação”. Desta forma, ocorrerá não apenas a produção de

conhecimento, mas também a melhoria da atenção à saúde da população.

Para o desenvolvimento deste estudo descritivo, empregamos entrevista

semi-estruturada, utilizada como norteadora de uma conversa entre entrevistadora e

sujeitos da pesquisa, por entendermos que o entrevistado, assim, se expressa mais

facilmente, permitindo a compreensão das especificidades de cada grupo social.

Procuramos focalizar as percepções a respeito da supervisão do ACS, seus fatores

limitantes ou aqueles que permitem o seu desenvolvimento. Neste sentido,

corroboramos a afirmação de Caldeira (2001:) “a avaliação do pesquisador, porém,

está diretamente relacionada com a sua capacidade de ‛penetrar’ no interior da fala

dos entrevistados”.

Minayo (1996:109) considera a entrevista como

um instrumento privilegiado de coleta de informações [...] é a possibilidade de a fala ser reveladora de condições estruturais, de sistemas de valores, normas e símbolos (sendo ela mesma um deles) e ao mesmo tempo ter a magia de transmitir, através de um porta-voz, as representações de grupos determinados, em condições históricas, sócio-econômicas e culturais específicas.

Os depoimentos orais foram gravados e, posteriormente, transcritos. O

procedimento de análise empregado foi o da metodologia da Análise de Conteúdo,

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técnica esta que tem como objetivo “a busca do sentido ou dos sentidos de um texto”

(Barbosa Franco,1986).

Para atingirmos os significados das falas dos entrevistados, empregamos

a modalidade da Análise Temática. Bardin apud Minayo (1996:208) afirma que “O

tema é a unidade de significação que se liberta naturalmente de um texto analisado

segundo critérios relativos à teoria que serve de guia à leitura”.

Sendo o tema a “característica básica da análise de conteúdo”, Rodrigues

& Leopardi (1999: 32) afirmam que esta análise evidencia “núcleos de sentido”, os

quais podem ser representados por palavras, frase ou resumo.

Para Minayo (1996: 209) fazer uma análise temática permite “descobrir os

núcleos de sentido que compõem uma comunicação, cuja presença ou freqüência,

signifiquem alguma coisa para o objetivo analítico visado”.

Após exploração do material coletado, foram delimitados quatro eixos

temáticos de estudo, a saber: Características do trabalho, Trabalho em Equipe, A

Escala Hierárquica no Trabalho e A Supervisão.

Os sujeitos selecionados para entrevista foram os que apresentaram

características requeridas para o âmbito da pesquisa – quatro enfermeiras de

equipes de PSF, cinco ACS e a coordenadora do PSF municipal. O principal critério

de escolha do enfermeiro foi o de ter experiência em supervisão de ACS, de pelo

menos seis meses, que englobava quer o trabalho atual quer o trabalho prévio,

atuando em equipes de PACS ou PSF, mesmo que em outro município. O critério de

escolha do ACS foi a experiência anterior na Unidade de Saúde da Família (USF) a

que estava referido e estar sob supervisão da enfermeira entrevistada.

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Considerando que esta é uma pesquisa de caráter qualitativo, buscamos,

de acordo com Minayo (1996:102), a amostra que possibilitasse “refletir a totalidade

nas suas múltiplas dimensões”, pois, na abordagem qualitativa “preocupamos-nos

menos com a generalização e mais com o aprofundamento e abrangência da

compreensão seja de um grupo social, de uma organização, de uma instituição, de

uma política ou de uma representação”.

O estudo foi realizado no município de Ponta Grossa – Paraná, sede da

3ª Regional de Saúde do Estado do Paraná e pólo de referência em saúde para esta

região.

Na época da realização das entrevistas, o município contava com apenas

quatro USF e as enfermeiras entrevistadas, que compunham as equipes destas

unidades, acumulavam experiência em trabalho com ACS em equipes de PACS.

Entrevistamos a totalidade de enfermeiras atuantes no PSF de Ponta Grossa e 50%

dos ACS que, naquele momento, estavam sob sua supervisão.

Esta pesquisa foi estruturada em quatro capítulos:

O primeiro capítulo traz o conteúdo histórico da atenção à saúde,

culminando com a contextualização do Programa de Saúde da Família no Brasil, no

Estado do Paraná e no município de Ponta Grossa. Para a sua construção

buscamos informações na literatura disponível, em atas do Conselho Municipal de

Saúde, na história presente na memória de sujeito significativo à época da

implantação do PACS no município de Ponta Grossa e também em nossa

experiência profissional.

O segundo capítulo discorre sobre a história da enfermagem no

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Brasil, sua institucionalização e seu envolvimento com a saúde pública. Aborda a

divisão do trabalho na enfermagem, suas implicações na supervisão de enfermagem

e na organização do trabalho, além da aplicação da supervisão como um

instrumento pedagógico.

O terceiro capítulo é destinado à análise das entrevistas dos

sujeitos significativos para o estudo (enfermeiras, ACS e coordenadora local do

PSF), o que possibilitou selecionar os eixos temáticos de análise.

O quarto capítulo apresenta as considerações finais.

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CAPÍTULO I

A ATENÇÃO À SAÚDE NO BRASIL

1.1 Histórico

A estratégia Saúde da Família, cuja atenção é dirigida à família e à

comunidade, foi proposta, nos anos 90, de acordo com Vasconcelos (1999) após

discussão de um projeto nacional de reorientação dos serviços básicos de saúde.

A principal característica desta estratégia é a humanização do

atendimento, visto que a família e seu espaço social são considerados como ponto

fundamental para o atendimento à saúde. Estimular o desenvolvimento da

cidadania, incentivar a organização da comunidade para o controle social,

instrumentalizando-a para a busca de seus direitos e promover a formação de

vínculo e laços de compromisso, com co-responsabilidade entre profissionais de

saúde e população são metas a serem seguidas para o alcance dos objetivos da

estratégia.

Nas diferentes esferas de governo e na sociedade, esta estratégia tem

ocupado espaço de discussão sobre as práticas de assistência em saúde pública e,

nas universidades, motivadas pelo tema, inicia-se a discussão sobre a formação do

profissional de saúde generalista, aberto ao trabalho interdisciplinar.

A trajetória do sistema de saúde brasileiro será abordada neste capítulo,

considerando como ponto de partida, as primeiras décadas do século XX, na

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tentativa de possibilitar melhor entendimento a respeito da necessidade de

reorientação do modelo assistencial à saúde, ocorrido na década de 90. Este

sistema de saúde teve avanços ao longo dos anos, buscando melhor atender às

necessidades de saúde da população, porém produziu pouco impacto, com baixa

resolutividade (Caldeira, 2001).

Mendes (1996:58), ao tecer comentários sobre o sistema de saúde

brasileiro no século XX afirma que “neste século, o sistema de saúde transitou do

sanitarismo campanhista (início do século até 1965) para o modelo médico-

assistencial privatista, até chegar, no final dos anos 80, ao modelo plural, hoje

vigente, que inclui, como sistema público, o SUS”.

Dois modelos de atenção à saúde “tiveram (e ainda têm) grande

importância no enfrentamento dos problemas de saúde”. Estes modelos de

assistência à saúde – sanitarismo campanhista e assistencialismo médico - foram

moldados por diferentes lógicas de atenção à saúde e demonstraram um processo

de disputas e acordos. São considerados construções históricas, que sofreram

diferentes condicionamentos, tais como: econômicos, sociais, tecnológicos e

culturais (Carvalho, 1998:42).

Durante o período da Primeira República (1889-1920), a economia

brasileira estava centrada num modelo agroexportador, assentado na monocultura

cafeeira. Em termos de saúde pública, observou-se a primazia do saneamento dos

portos e a erradicação e controle de doenças (peste, febre amarela, malária, varíola,

etc.) que poderiam prejudicar tanto a exportação quanto a atração de mão-de-obra

estrangeira para a exploração de fazendas de café (Carvalho 1998; Luz, 1997;

Mendes, 1996).

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Campos (1991) faz importante observação em relação a este período,

comentando sobre a primazia da atenção às preocupações econômicas em

detrimento da “estrutura de morbimortalidade da população”. A propagação da

tuberculose, a mortalidade infantil e a assistência à mulher na gestação, parto e

puerpério necessitavam de atenção semelhante àquela que recebia o foco de

atenção - saneamento ambiental, porém foram relegados a um segundo plano.

Mendes (1996), entre outros autores, relata que no sanitarismo

campanhista, a concepção de saúde estava fundamentada na teoria dos germes,

monocausal, com uma visão simplista da causalidade das doenças, considerando

somente a relação linear entre agente e hospedeiro. As decisões em relação ao

combate das doenças tinham um caráter militar, na tentativa de quebrar esta

relação. Como exemplo estão citadas as campanhas de vacinação obrigatória, que

ocasionavam revoltas populares contra a imposição da mesma.

Segundo Luz (1997), entre as décadas de 20 e 30, o Brasil viveu uma

aceleração da urbanização, desenvolvimento industrial e viu o crescimento da saúde

pública como questão social, porém, o acesso às unidades de saúde existentes era

voltado às populações de grandes cidades e capitais.

Nesse período, especificamente no ano de 1923, foram criadas as Caixas

de Aposentadorias e Pensões - CAPs, a partir da promulgação da Lei Elói Chaves,

que criou a Previdência Social no Brasil. Estas Caixas de Aposentadorias atendiam

a categorias profissionais distintas (com sindicatos fortalecidos), fundamentais para

a economia agroexportadora dominante. A massa operária deveria ser assistida pelo

sistema, porém o objetivo desta assistência não estava centrado no indivíduo, na

recuperação de sua saúde, mas sim, na manutenção e restabelecimento de sua

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capacidade produtiva. Observa Mendes (1996: 59) que

O processo de industrialização acelerada que o Brasil vivenciou, especialmente a partir do Governo Juscelino, determinou o deslocamento do pólo dinâmico da economia para os centros urbanos e gerou uma massa operária que deveria ser atendida, com outros objetivos, pelo sistema de saúde.

A estrutura administrativa vigente era centralizada, técnoburocrática e

corporativista, com corpo médico remanescente da elite oligárquica que dominou a

República Velha e, para Luz (1997:139), “estes traços configuram o perfil autoritário

que ainda hoje caracteriza, em grande parte, o conjunto das instituições de saúde

pública e dos sistemas de decisões em política de saúde no Brasil”.

Este modelo médico-assistencialista, que privilegiava o individualismo, a

manutenção da capacidade de trabalho, tornou-se cada vez mais complexo e caro,

atendendo a uma demanda definida pelos trabalhadores em sua auto-avaliação de

saúde, sem apresentar resultados em face das necessidades de saúde da

população brasileira, quer urbana quer rural (Carvalho, 1998; Luz, 1997).

O declínio das ações do campanhismo sanitarista é comentado por

Mendes (1996), quando assevera que este declínio, somado ao crescimento da

atenção médica da Previdência Social, possibilitou a ascensão, de modo

hegemônico, do modelo assistencial médico-privatista.

De acordo com Campos (1991), o crescimento da garantia do acesso à

saúde para a maioria dos trabalhadores e suas famílias, ocorreu de maneira

desorganizada, sem planejamento, em obediência ao mercado e às pressões do

movimento sindical. Foi criada, assim, uma extensa rede de prestação de

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assistência médica individual, que tomava parte no processo de reprodução e

manutenção da força de trabalho, o que contribuía com a produção industrial.

No chamado Período do Desenvolvimento (décadas de 50 e 60), foi

promulgada a Lei Orgânica da Previdência Social, que uniformizou os benefícios

entre as diferentes categorias de trabalhadores e também, em 1963 foi criado o

Estatuto do Trabalhador Rural (Mendes, 1999).

O modelo curativista desenvolveu-se dominando os serviços de

previdência e assistência médica, com resultados ineficazes. Foram criados

programas, serviços e campanhas para o atendimento às necessidades de saúde,

porém resultaram na dicotomia da saúde pública versus atenção médica individual

(Luz, 1997).

Entre os anos de 1964 e 1984, o país viveu o período do militarismo.

Conforme relata Luz (1997:141), no período do ‘Milagre Brasileiro’, compreendido

entre 1968 e 1974, foi implementada uma “estratégia de medicalização social sem

precedentes na história do país”. A saúde foi vista como um bem de consumo

médico, ao qual o governo respondeu com o financiamento de clínicas e hospitais

privados, favorecendo o atendimento massificado, através da compra de serviços

médicos. O ensino médico, desviado da realidade de saúde da população, estava

voltado para as especialidades.

Ainda de acordo com Luz (1997), com o INPS (Instituto Nacional da

Previdência Social), estabelecido em 1966, foi consolidado o modelo médico –

assistencial - privatista, sendo privilegiada a prática médica curativa, individual,

assistencialista e especializada. Foi criado um complexo médico-industrial,

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dependente das indústrias farmacêuticas e de equipamentos médico-hospitalares,

em detrimento da saúde pública (Mendes, 1996; Luz, 1997).

Para Campos (1991), foi nos anos 70 que se estabeleceu a crise do

modelo de assistência adotado no país – crise financeira, política e de legitimidade,

tendo em vista que o sistema privilegiava a quantidade de serviços prestados sem

considerar a perda da qualidade e eficácia dos mesmos.

Programas e projetos passaram a ser o foco de atenção do governo na

busca da reorganização do sistema. O sistema de cobertura levou ao aumento da

oferta de serviços médico-hospitalares e a uma pressão por aumento nos gastos

com saúde, consolidando o que havia sido instituído na década de 60, ou seja, a

estratégia de expansão da oferta de serviços médicos por meio da contratação de

serviços privados para atenção meramente curativa.

Coincidindo com esta busca, nos anos 70 emergiu, internacionalmente, a

proposta de atenção primária em saúde, surgindo então no país, os primeiros

projetos-piloto de medicina comunitária (Mendes, 1996).

As conferências de Alma Ata, realizada em 1978; de Otawa em 1986 e a

de Adelaide em 1988, foram marcos importantes e propulsores para a reorientação

mundial dos serviços de saúde, segundo o paradigma da atenção e promoção à

saúde, com enfoque “holístico-ecológico, demonstrando que a saúde é fruto de

processos sociais” (Alves et al. apud Caldeira, 2001:11).

Em Alma Ata, foi lançado o movimento “Saúde Para Todos no Ano 2000”.

Esta conferência apontou a necessidade urgente de mudanças na atenção em

saúde, devendo ser baseada em métodos e tecnologias práticas aceitáveis pela

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comunidade e com fundamento científico para o alcance da referida meta. Enfatizou

também a “participação comunitária, a cooperação entre os diferentes setores da

sociedade e os cuidados primários de saúde como seus fundamentos conceituais”

(Brasil, 1996; Caldeira, 2001).

No decorrer dos anos 70, a expansão da cobertura da assistência médica

levou ao aumento da oferta de serviços médico-hospitalares e a uma pressão por

aumento nos gastos com a saúde, consolidando o que havia sido instituído à década

de 60, que era a estratégia de expansão da oferta de serviços médicos -

hospitalares, por meio de contratação de serviços privados para atenção meramente

curativa. No ano de 1977 foi criado o INAMPS – Instituto Nacional de Assistência

Médica e Previdência Social, como projeto modernizante e racionalizador, que teria

como meta nova formatação institucional de políticas públicas. No entanto, este

órgão teve suas ações condicionadas ou limitadas pela disponibilidade de recursos

existentes, que estavam em queda – em 1976 correspondiam a 30% do orçamento

da previdência social e, em 1982, já contava com perda de um terço do montante

dos gastos com saúde (Carvalho, 1999).

Ainda segundo Carvalho (1999), nos anos 80, o INAMPS viveu o

agravamento da crise financeira, necessitando enfrentá-la num contexto não apenas

de extensão de benefícios, mas também de universalização progressiva dos direitos

da comunidade no tocante à saúde e acesso aos serviços. Foram realizados

convênios com instituições públicas de saúde e universidades, iniciando a

integração da rede pública, culminando com a procura pelo serviço, tanto pela

clientela segurada como pela não segurada – eram os primeiros passos para a

universalização do acesso. Sob pressão da crise financeira, e também sob críticas

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ao caráter médico-hospitalocêntrico do sistema, foi necessário iniciar a reforma da

saúde.

De acordo com Mendes (1999), surgiram espaços, tanto políticos quanto

institucionais, para o crescimento contra-hegemônico da saúde, que buscassem

atender às orientações da proposição de Alma Ata.

Programas foram criados, visando estender os cuidados básicos de saúde

às populações menos assistidas, dentre eles, o Programa de Interiorização das

Ações de Saúde e Saneamento – PIASS. Esta estrutura propunha a detecção

precoce de doenças infecto-contagiosas e atendimento em níveis de complexidade,

privilegiando ações de baixo custo e alta eficácia, além da participação comunitária,

propiciando “expressivo incremento na oferta de serviços ambulatoriais básicos a

populações completamente excluídas” (Noronha & Levicovtz, 19994:79).

Um outro programa, o de Preparação Estratégica do Pessoal de Saúde –

PREPS, visava formar pessoal de nível médio e elementar, para apoiar o

desenvolvimento de recursos humanos nas Secretarias Estaduais de Saúde. Ambos

programas propiciavam o aumento da oferta de serviços básicos, em especial à

população do nordeste (Carvalho et al, 2001; Brasil, 1999 a).

No início da década de 80, período da Nova República, o

comprometimento com a reforma sanitária levou o comando do INAMPS a

disseminar convênios com municípios para a implantação das Ações Integradas de

Saúde – AIS, que se constituíram na principal arma para a mudança do sistema,

provocando debates que levaram à prevalência da estratégia da descentralização de

competências, recursos e gerência, relativos aos diversos programas setoriais

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existentes à época.

Após a VIII Conferência Nacional de Saúde, realizada em março de 1986,

disseminou-se um projeto democrático de Reforma Sanitária, dirigida à

universalização do acesso, descentralização, regionalização e hierarquização da

rede de serviços, além da participação da comunidade.

Estes movimentos propiciaram importantes discussões a respeito de

controle social e, desde então, foi enfatizada a necessidade da participação da

comunidade para o alcance dos objetivos traçados.

No ano de 1987, foi criado o Sistema Unificado e Descentralizado de

Saúde (SUDS), que redefiniu as funções e atribuições das esferas gestoras do

campo da saúde – União, Estados e Municípios, restringindo, ao nível federal, as

funções de coordenação política, planejamento, supervisão, normalização e

regulamentação do setor privado. Suas diretrizes assumiam universalização e

equidade no acesso aos serviços de saúde, integralidade dos cuidados

assistenciais, regionalização e integração dos serviços de saúde, descentralização

das ações de saúde, implementação de distritos sanitários, desenvolvimento de

instituições colegiadas gestoras e desenvolvimento de uma política de recursos

humanos (Noronha & Levicovtz, 1994).

Em 03 de outubro de 1988, com a promulgação da nova Constituição

Federal, foi instituído o Sistema Único de Saúde (SUS), tendo sua formatação final e

regulamentação pelas Leis 8080/90 e 8142/90. Segundo a Constituição Federal, em

seu artigo 2º, “a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado

prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”. Deve, então, o Estado

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garantir que políticas públicas estabeleçam o acesso, já que em seu artigo 198

definiu que:

As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I. descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II. atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

III. participação da comunidade (Brasil, 1998: 125).

A implementação deste modelo nacional de assistência à saúde,

caracterizado pela descentralização e pela criação de novas formas de gestão,

ocorreu nos anos 90, após a edição da Lei Orgânica da Saúde. Foi regulamentado

pelas Normas Operacionais Básicas (NOB), cuja primeira edição se deu em 1991,

seguida das edições NOB 93 e NOB 96, esta última vigente até os dias de hoje.

Na época da promulgação da Lei Orgânica da Saúde, em 1990, o país

vivia um período de desestabilização, com graves desajustes nas finanças públicas.

Houve declínio do crescimento populacional e da taxa de fecundidade, levando a um

novo perfil da sociedade brasileira, caracterizado pelo crescimento do grupo da

terceira idade. Este crescimento, no entanto, exigiu, da esfera governamental, maior

alocação de recursos para o enfrentamento das diferentes necessidades de saúde

desta população (Viana & Dal Poz, 1998).

Com a promulgação desta lei, a municipalização passou a ser a nova

forma de gerenciamento público. Municípios assumiram a gerência do sistema local

de saúde e o papel de prestadores de serviços. Para Hortale (1997), a

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descentralização possibilitou maior autonomia local no uso de recursos e na

implementação de políticas públicas.

Para este mesmo período, do ponto de vista epidemiológico, Patarra apud

Viana & Dal Poz (1998) menciona uma transição entre alta prevalência de mortes

por doenças infecto-contagiosas e o predomínio das doenças crônico-degenerativas,

havendo aumento da morbidade. Esse fato exigiu novo tipo de atenção à saúde,

visto que aumentou significativamente a demanda pelos serviços de saúde,

tradicionalmente centrada no eixo hospitalar. Estava posta assim, a crise da saúde –

múltiplos problemas que incidiram de forma contundente em sua demanda e oferta.

Surgem, neste contexto, o Programa de Agentes Comunitários de Saúde

(PACS) e o Programa de Saúde da Família (PSF), que atendem a uma população

adscrita a um determinado território, definido como um local apropriado por uma

determinada população, que sofre constantes modificações, visto que em

permanente construção e reconstrução (Mendes, 1999).

Considerando que o processo saúde-doença é socialmente definido,

torna-se prioritário um amplo modelo de saúde, que considere o indivíduo como um

todo, participante de uma família, uma comunidade e um grupo de trabalho; que o

reconheça enquanto residente de um território vivo, pulsante, com constantes

movimentos e que sofre a influência do meio político, econômico, cultural e

epidemiológico (Mendes, 1999).

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1.2 Trajetória para a reestruturação do modelo de assistência à saúde

Historicamente, desde o ano de 1963, a saúde da família tem sido objeto

de preocupação da Organização Mundial de Saúde (OMS), quando publicou os

Informes Técnicos Nº 257, no qual está expressa a preocupação com a

superespecialização médica e os altos custos da medicina, contrapondo-se à queda

na qualidade da relação médico-paciente (Vasconcelos, 1999).

No início da década de 60, foram criadas nos Estados Unidos da América,

país precursor da medicina de família, estratégias que permitiram o acesso a

serviços de saúde pública por parte de idosos e indivíduos de baixa renda.

Estes,constituíam parte da população excluída dos serviços médicos particulares,

hegemônicos no setor saúde. Apenas no ano de 1969, a medicina de família foi

reconhecida pela Associação Médica Americana, devendo o médico de família ser o

elo de ligação entre o paciente e os demais níveis do sistema de saúde, assumindo

a responsabilidade pela orientação e assistência necessária (D’Aguiar, 2001).

Somente na década de 70, sob os auspícios da OMS, o movimento

Médico de Família difundiu-se para países da América Latina, Europa e também

Canadá, num movimento contrário à crescente hospitalização, ao rápido

desenvolvimento das especialidades e subespecialidades e à alta complexidade

tecnológica. Na América Latina, contando com apoio da Fundação Kellog, a OMS

promoveu a discussão em torno do tema, tendo como objetivo maior, a divulgação

da proposta nas universidades, com o intuito de incentivar a discussão a respeito da

formação médica (Vasconcelos, 1999).

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Vasconcelos (1999) relata também que, no Brasil, nesta mesma época,

vivia-se o período da ditadura militar e, por isso, as propostas com origem no modelo

americano eram rechaçadas pelos setores progressistas de profissionais da saúde.

Os indicadores de saúde demonstravam o descompasso entre a assistência à saúde

promovida no país e o crescimento da economia. Surgiram, então, profissionais de

saúde que apresentavam suas experiências com movimentos sociais, isto é,

profissionais com postura política contrária ao militarismo, que passaram a divulgar e

defender suas idéias, tanto em instituições públicas quanto nos meios de

comunicação de massa, de tal forma que diferentes propostas de reorganização do

sistema de saúde surgiram e foram submetidas a debate político.

Para Viana & Dal Poz (1998: 13), a reforma do modelo de assistência

pública à saúde, em 1988, “introduziu mudanças substantivas no modo de operação

do sistema” com a criação do Sistema Único de Saúde. Porém, a implementação do

SUS, iniciada na década de 90, esbarrou em problemas tais como financiamento das

ações de saúde; definição de funções para os governos federal, estadual e

municipal; articulação entre serviço público e privado, além da resistência do modelo

biologicista de assistência à saúde.

Problemas como desajustes das finanças públicas e conseqüente

decréscimo do gasto público com a saúde, “declínio de crescimento populacional e

da taxa de fecundidade [...], crescimento decrescente das faixas de idade adulta, e

taxas crescentes para o grupo da terceira idade”, traçaram um novo perfil da

população brasileira, que passou a exigir ações de maior custo, tendo em vista o

predomínio das doenças crônico – degenerativas, além do aumento das causas

externas de morbimortalidade, como homicídios, acidentes, etc (Viana & Dal Poz,

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1998:14).

Para responder às necessidades de saúde da população, fez-se

necessário implementar ajustes na política de saúde, e, no Brasil,

considera-se que as mudanças no modelo assistencial que vêm se operando dentro do SUS, por conta de dois novos programas – Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e Programa de Saúde da Família (PSF) - , estão provocando alterações tanto nas modalidades de alocação de recursos e formas de remuneração das ações de saúde, quanto na forma de organização dos serviços. Desta forma, o PSF se constitui em uma estratégia de reforma incremental do sistema de saúde no Brasil, tendo em vista que o programa aponta para mudanças importantes na forma de remuneração das ações de saúde (superação da exclusividade do pagamento por procedimentos), nas formas de organização dos serviços e nas práticas assistenciais no plano local, e, portanto, no processo de descentralização (Viana & Dal Poz, 1998:16).

Experiências isoladas e focalizadas com agentes comunitários ou agentes

de saúde, que se desenvolviam no Paraná, Mato Grosso do Sul e Ceará, que

priorizavam atividades de prevenção, promoção e atenção à saúde, influenciaram a

criação do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) pelo Ministério da

Saúde, sendo implantado em nível nacional, no ano de 1991. Desde então, o

modelo de saúde deixou de considerar o indivíduo como eixo principal de atenção e

voltou-se para a família e comunidade (Brasil, 1999a).

Os modelos que antecederam ao PACS e PSF estavam calcados nas

antigas práticas de atenção primária, baseadas na adscrição de clientela e na estratégia de visitadores domiciliares que foram experimentados no Brasil nos anos 70-80, direcionando as atividades para clientes de alto risco para doenças infecto-contagiosas, diarréia e desnutrição. Estes modelos foram implantados em regiões pobres do Norte e Nordeste e nas favelas de grandes centros urbanos. Uma característica comum estava no impacto positivo e imediato sobre a mortalidade infantil, mas também na falta de recursos em situações que

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exigissem um pouco mais de complexidade tecnológica e de pessoal especializado (Carvalho, 1998: 87)

O objetivo principal da criação do PACS foi reduzir a mortalidade infantil e

materna, tendo sido estruturado de forma a servir como estratégia de transição para

o Programa de Saúde da Família (PSF), cuja implantação iniciou-se em 1994 (Brasil,

1999a).

Este programa introduziu uma nova forma de intervenção nos problemas

de saúde da população, agindo preventivamente sobre as suas necessidades de

saúde. Sob um olhar diferenciado, incorporou as concepções de integração com a

comunidade e um enfoque menos reducionista sobre saúde, não centrado apenas

na intervenção médica. Estes elementos foram primordiais para a construção do

PSF (Viana & Dal Poz, 1998).

Ainda conforme Viana & Dal Poz (1998), o Programa de Saúde da

Família2 foi “gestado” em 27 e 28 de dezembro de 1993, por ocasião da reunião

convocada pelo Ministério da Saúde, cujo tema era Saúde da Família. Nesta

reunião, tendo como referência o PACS nacional e seu sucesso, discutiu-se a

necessidade da incorporação de outros profissionais à equipe. A exemplo do Ceará,

foi decidido que o enfermeiro assumiria a supervisão do ACS. Ao final da reunião, foi

criada, na Fundação Nacional de Saúde, a Coordenação de Saúde da Comunidade

(COSAC), que gerenciaria os Programa de Saúde da Família, Programa de Agentes

Comunitários e o Programa de Interiorização do SUS. Estava assim instituída a

2 Apesar de conhecido em todo o país como Programa de Saúde da Família, o Ministério da Saúde adotou o nome de Estratégia Saúde da Família para referir-se ao PSF, pois há entendimento de que não se trata de um programa com data pré-determinada para expirar, mas sim, de uma estratégia de ação para a inversão do modelo assistencial.

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proposta de criação do PSF, que passaria a ser instrumento de reorganização do

SUS e da municipalização.

De acordo com Vasconcelos (1999), o PSF atenderia, antes de tudo, aos

brasileiros (32 milhões de pessoas) incluídos no mapa da fome do Instituto de

Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA ), pois estavam expostos a maior risco de

adoecer e morrer, sendo que em sua maior parte não tinham acesso permanente

aos serviços de saúde”.

O PSF foi considerado um programa que contribuiria para o

desenvolvimento dos sistemas locais de saúde, promoveria atenção primária de boa

qualidade, com participação da comunidade na construção de um novo setor de

saúde. Direcionado aos pobres e aos com mais riscos de adoecer e morrer, e

voltado para a atenção primária, o PSF, que incorporou os Agentes Comunitários de

Saúde do PACS, foi criado no país como estratégia de consolidação do SUS

(Vasconcelos, 1999).

Imprimiu-se, desta forma, uma outra dinâmica de atuação às unidades de

saúde, redefinindo responsabilidades entre os serviços e a população. Seus

profissionais (de nível superior, médio e agentes comunitários de saúde) foram

capacitados para uma abordagem humanizada da clientela; configurou-se a

necessidade de melhorar o acesso da população aos serviços de saúde, fazer

vínculo com a população adscrita à unidade básica de saúde, definir área de

atuação e conhecer seu perfil epidemiológico; criar, fortalecer e incentivar a

participação do Conselho Municipal e Conselhos Locais de saúde na tomada de

decisão, bem como prestar assistência domiciliar (Brasil, 1999a).

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Vasconcelos (1999:174) teve o cuidado de citar que este modelo não foi

criado para atender populações rurais e pobres do país, com tecnologia simplificada,

mas que se trata de “[..] um alargamento da atenção primária à saúde em direção à

incorporação de práticas preventivas, educativas e curativas mais próximas da vida

cotidiana da população, especialmente de seus grupos mais vulneráveis”.

Neste sentido também Mendes defende a qualidade da atenção primária

à saúde quando afirma que “...é preciso questionar a idéia de que a atenção primária

é de baixa complexidade tecnológica. Ao contrário exige conhecimentos, habilidades

e práticas de alta complexidade porque inscritas em distintos campos como o da

antropologia, da psicologia social, da sociologia, da economia, da medicina, da

comunicação social, da educação, etc.” (Mendes, 1996:267).

Santi (2000) relata que Dawson, na década de 20 já propunha serviços

para as famílias de uma região específica, baseados em centros primários de saúde

que oferecessem serviços de medicina curativa e preventiva, a cargo de médico

generalista e serviço de enfermagem. Tais centros deveriam ser de diferentes

tamanhos e níveis de complexidade, conforme a necessidade ou localização –

urbana ou rural. Ressaltava que seria necessário um serviço secundário para apoiar

os centros de atendimento primário.

A operacionalização da estratégia Saúde da Família, alicerçada nos

princípios básicos do Sistema Único de Saúde - universalização, descentralização,

integralidade e participação da comunidade, estruturou-se a partir de uma Unidade

de Saúde da Família3 (USF), assumindo a responsabilidade pela comunidade

3 A Unidade de Saúde da Família é uma unidade de saúde vinculada à rede de serviços do município e responsável pelo atendimento da população a ela adscrita. Esta população deve ser determinada

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adscrita. Suas ações possibilitam prestar atenção integral à saúde, intervir nos

fatores de risco, estabelecer parcerias e considerar o espaço social e o meio

ambiente da família como núcleo básico de abordagem no atendimento à saúde.

Para Viana & Dal Poz (1998), a equipe que atua em Saúde da Família tem assim

uma compreensão mais abrangente do processo saúde-doença.

Segundo o Ministério da Saúde (2001), a USF atua com base nos

seguintes princípios:

Caráter substitutivo: não significa a criação de novas estruturas de serviços, exceto em áreas desprovidas, e sim a substituição das práticas convencionais de assistência por um novo processo de trabalho, cujo eixo está centrado na vigilância à saúde;

Integralidade e Hierarquização: a Unidade de Saúde da Família está inserida no primeiro nível de ações e serviços do sistema local de saúde, denominado atenção básica. Deve estar vinculada à rede de serviços de forma que se garanta atenção integral aos indivíduos e famílias e sejam asseguradas a referência e contra-referência para os diversos níveis do sistema, sempre que for requerido maior complexidade tecnológica para a resolução de situações ou problemas identificados na atenção básica.

Territorialização e adscrição da clientela: trabalha com território de abrangência definido e é responsável pelo cadastramento e acompanhamento da população adscrita a esta área. Recomenda-se que uma equipe seja responsável pelo acompanhamento de, no máximo, 4.500 pessoas. Equipe multiprofissional: a equipe de Saúde da Família é composta, minimamente, por um médico generalista ou médico de família, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e de quatro a seis agentes comunitários de saúde. O número de ACS varia de acordo com o número de pessoas sob a responsabilidade da equipe - numa proporção média de um agente para 550 pessoas acompanhadas. Outros profissionais poderão ser incorporados nas Unidades de Saúde da Família ou em equipes de supervisão, de acordo com as necessidades e possibilidades locais.

O financiamento das Equipes de Saúde da Família tem sido garantido

pelo Piso de Atenção Básica (PAB), criado com a edição da NOB 01/96, que

pela territorialização da área de abrangência da unidade. Pode ter uma ou mais equipes de PSF, de acordo com o número de habitantes da região coberta.

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modifica a lógica de pagamento por produção de serviços, para o pagamento pela

cobertura populacional, o que se constitui em instrumento de consolidação do

programa, mudando a lógica da quantidade para a da qualidade. O PAB contempla

uma parte fixa, “per capita”/mês e uma parte variável, adicionada aos recursos de

fontes estaduais e municipais. Para equipes de PSF, os pagamentos variam de

acordo com o percentual de cobertura, ou seja, os municípios recebem valores

diferenciados, proporcionais ao número de pessoas cobertas pelo programa.

O conjunto de dados gerados pelas equipes de PSF e de PACS alimenta

o Sistema de Informação da Atenção Básica - SIAB, desenvolvido pelo Ministério da

Saúde, que agrega e processa todos os dados sobre a população de abrangência

da USF. Constitui-se em importante instrumento de gerência, visto que contém

dados e informações necessárias à avaliação das condições de saúde da clientela

atendida pelas equipes. É considerado um dos mais importantes instrumentos que

possibilitam o planejamento, acompanhamento e avaliação das ações de saúde

empreendidas.

Os dados gerados dizem respeito à realidade de vida da família em seu

ambiente sócio-cultural e profissional; informam acerca de sua composição e

permitem estabelecer, pessoa a pessoa, como ocorre o processo saúde-doença.

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1.2.1 A estratégia de Saúde da Família no Paraná

O Estado do Paraná, cuja população é de 9.558.126 habitantes,

distribuídos em 399 municípios, tem hoje 22 Regionais de Saúde – subdivisões da

Secretaria de Estado da Saúde para a regionalização da administração da

assistência à saúde. Conta com uma coordenação central do programa, que tem,

sob sua subordinação, as coordenações regionais das 22 Regionais de Saúde. As

coordenadoras regionais supervisionam as atividades das ESF e de PACS de suas

áreas, tendo como base os dados do SIAB e, também, em visitas aos municípios

que aderiram à estratégia. A coordenação regional é também responsável pelo

acompanhamento e assessoria aos municípios na montagem dos projetos para

instalação de novas equipes

A Coordenação Estadual do Programa de Saúde da Família do Estado do

Paraná (2002) relata que a implantação de equipes de PSF no Estado iniciou em

1994, quando foram qualificadas quatro equipes, atingindo a meta prevista para

aquele ano. O aumento progressivo do número de equipes qualificadas teve um

crescimento a partir de 1999, quando então, saindo de um patamar de apenas 215

equipes implantadas, saltou para 658 em 2000, 888 em 2001 e 1117 equipes até

fevereiro de 2002. Ressalta-se que o número de equipes qualificadas não expressa,

necessariamente, o número de equipes atuantes.

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FIGURA 01 – EVOLUÇÃO DO NÚMERO DE EQUIPES DE SAÚDE DA FAMÍLIA – PARANÁ, 1994-2001.

0

200

400

600

800

1000

1200

1400

1600

Metas 4 44 44 99 200 300 1000 1168 1500

Nº de equipes 4 44 44 99 189 215 658 888

1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Fonte: SESA/ISEP

Quanto à evolução da população coberta por equipes de PSF, segundo

dados dessa coordenação, ao final de 2001 somente cerca de 22,37% dos

residentes no Estado estavam sob a assistência de equipes de PSF. Para o ano de

2002 espera-se atingir a meta de 5.175.000 habitantes com assistência à saúde

sendo realizada por equipes de PSF, ou seja, 54,14% da população do Paraná.

Em relação aos ACS, as primeiras equipes foram implantadas no ano de

1994, totalizando 1889 ACS. No ano de 2001, havia 7574 ACS atuando no Estado,

em equipes de PACS ou de PSF. Até o mês de fevereiro de 2002 foram registrados

9708 ACS. A cobertura populacional foi de 4.202.113 habitantes no ano de 2001.

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Quanto aos municípios qualificados, em fevereiro de 2002, os números

indicavam 296 qualificados com equipes de PSF e 378 com equipes de PACS.

Para a capacitação das equipes de Saúde da Família e/ou de PACS foi

oficializado em 1997, como já mencionado, o Pólo Estadual de Capacitação,

Formação e Educação Permanente para Pessoal de Saúde da Família do Paraná,

estabelecido que foi por meio de convênio celebrado entre a Secretaria de Estado

da Saúde do Paraná e o Ministério da Saúde, com recursos do BIRD.

O trabalho do Pólo é regionalizado, coordenado pela Universidade

responsável e atende às demandas das equipes após análise das reais

necessidades, verificando-se a metas a serem alcançadas, ou redefinindo-as, de

acordo com a formação de novas equipes.

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31

1.2.2 A estratégia de Saúde da Família em Ponta Grossa

Sede da 3ª Regional de Saúde do Paraná, da qual fazem parte 12

municípios, Ponta Grossa é o principal município da região dos Campos Gerais e é

considerado referência em saúde, pois presta serviços de média e alta complexidade

além da atenção básica. Está habilitado pela NOB/SUS – 01/96, em Gestão Plena

de Atenção Básica.

A cidade está localizada a 121 km da capital do Estado, com uma área de

2.112,06 km² e população geral de 273.469 habitantes (133.125 homens e 140.344

mulheres), sendo residentes na área urbana 266.552 habitantes e, na área rural

6.917 habitantes. A taxa de crescimento populacional é da ordem de 1,94% e a

densidade demográfica de 132,51 hab/km². O número de crianças (0-14 anos) é

igual a 83.059 (IBGE, 2002).

De acordo com dados obtidos junto ao ISEP (2001), os cinco grupos de

causas mais freqüentes de mortalidade infantil, no município, no ano de 2000 foram:

transtornos relacionados à gestação de curta duração e baixo peso ao nascer;

outras afecções respiratórias do período neonatal; morte sem assistência médica;

desconforto respiratório do recém – nascido e hipóxia intra-uterina.

Em relação à mortalidade materna, as taxas vêm se apresentando com

discreta diminuição, nos anos que compreendem o período de 1997 a 2000,

variando entre 113,5 em 1997; 33,23 em 1998; 111,1 em 1999 e 85 por 100.000

nascidos vivos em 2000. Ressalta-se que, para a Organização Mundial de Saúde, as

taxas demonstram o alto índice de morte materna no município (ISEP, 2001).

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Quanto à rede de atendimento à saúde, o município conta seis distritos

sanitários, 49 Unidades Básicas de Saúde (UBS), 23 clínicas médicas e

odontológicas, 10 estabelecimentos hospitalares (gerais e especializados),

totalizando 693 leitos conveniados ao SUS e 128 particulares ou com outros

convênios (ISP, 2002).

Das 49 UBS, 43 estão localizadas na zona urbana e seis na zona rural.

Três são Unidades de Saúde da Família (todas na zona urbana), com uma equipe

de PSF cada. Até o mês de abril de 2002, havia previsão de contratação de mais

oito equipes totalizando 11 equipes na zona urbana, distribuídas em 10 Unidades de

Saúde da Família.

A história deste município influenciou a atual situação de atendimento à

saúde hoje presente. No Passado, Ponta Grossa foi um vilarejo tradicionalmente

ligado à criação de rebanho bovino que, após a Proclamação da República, passou

a desenvolver outras atividades econômicas, destacando-se a erva-mate e a

madeira. Sua história está fincada na formação de um núcleo jesuítico, no ano de

1588, tendo intensificado sua ocupação no final do século XVIII com o trânsito de

tropeiros que percorriam o trajeto Viamão – Sorocaba. A chegada de imigrantes

europeus, principalmente poloneses, italianos, russos, alemães e ucranianos foi

facilitada pela presença das ferrovias a partir do ano de 1883 (Estrada de Ferro do

Paraná e Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande do Sul). A partir de então, outras

atividades econômicas foram implementadas, como olarias, marcenarias, casas de

fundição e casas comerciais. Com a expansão econômica, o reflexo se fez notar em

dotação de infra-estrutura como calçamento, rede de água e esgoto, telefonia e

hospital (Holzmann, 2000)

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No final do século XIX, o atendimento à saúde da população, era prestado

por boticários, homeopatas e naturistas. Os dentistas amadores chegaram em 1882,

juntamente com os farmacêuticos. No ano de 1912 foi inaugurada a “Casa de

Misericórdia” e em 1913, a “Casa de Saúde Dr. Búrzio”. Na década de 30 foram

criados dois cursos universitários – Farmácia e Odontologia (Holzmann, 2000).

Devido ao crescimento do setor industrial e de comércio, entre as

décadas de 40 e 70, houve crescimento populacional, sem reflexo no aumento da

demanda por mão de obra, gerando um aumento significativo de atividades

informais. “O crescimento populacional aumentou a demanda por serviços básicos

como educação, saúde, lazer, saneamento e habitação, entre outros. Deste período

em diante, houve também um aumento importante da população favelada - 0,9% da

população urbana em 1960; 1,9% em 1970; 5,3% em 1980 e 10% em 1988”

(Holzmann, 2000:30).

A partir do intenso empobrecimento da população, foi observado que a

esta passou a organizar-se e a exigir do governo soluções para suas demandas.

Nos anos 90, o desemprego chegou a altas taxas e observou-se queda na qualidade

de vida dos habitantes (Barbosa, 1993).

Em relação à saúde pública, houve um impulso significativo a partir de

1986, ano de realização da VIII Conferência Nacional de Saúde, quando foi feito um

diagnóstico da rede de saúde local, objetivando a elaboração de um projeto de

municipalização dos serviços e, segundo Holzmann (2000:40), “não podemos

esquecer que já, em 1986, existia uma tendência à municipalização materializada

pela assinatura do convênio das Ações Integradas de Saúde, que se caracterizaram,

grosso modo, como o início da descentralização das ações de saúde”. O convênio

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de municipalização da saúde foi assinado no ano de 1989. Antes, porém, foi

realizado diagnóstico que evidenciou a precária condição da rede estadual, que

exigiria investimentos para reparos, modernização e aquisição de equipamentos. A

rede municipal contava então com 31 Unidades de Saúde, todas localizadas na

periferia da cidade, atendendo 25% da demanda (Ponta Grossa, 1987).

Até 1989, ainda tendo por base os relatos de Holzmann (2000), o

município “não possuía nenhuma forma bem definida de política municipal de

saúde”. Somente a partir da gestão de 1989-1992, com as responsabilidades

advindas da municipalização, foram elaborados e executados programas e projetos

de promoção à saúde, destacando-se as áreas de atendimento à saúde da criança e

de atendimento à saúde da mulher. Foram implantados os seguintes programas e

projetos: Programa Preventivo do Câncer, Programa Pré-natal, Programa de

Planejamento Familiar, Programa de Doenças Sexualmente Transmissíveis,

Programa de Puericultura, Programa de Imunização, Programa de Aleitamento

Materno, Programa de Saúde Escolar, Casa de Nutrição e Ambulatório de

Pneumologia Pediátrica.

A década de 90 foi marcada pela criação do Conselho Municipal de

Saúde (CMS). Conforme consta na Ata de nº 001, de Instituição e de Instalação do

referido Conselho, foi criado em junho de 1992, consoante o artigo 183 da Lei

Orgânica Municipal nº 4.658 e em conformidade com a Lei Federal nº 8.142/90, que

dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS. A atenção do CMS

estava voltada para a viabilização do atendimento do Pronto Socorro Municipal, para

dotar as Unidades de Saúde com médicos, para instituir o Fundo Municipal de

Saúde e para entender o funcionamento de Autorização de Internamento Hospitalar

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– AIH (Ponta Grossa, 1992).

A história da implantação da estratégia Saúde da Família no município de

Ponta Grossa não está registrada nos arquivos da Secretaria Municipal de Saúde e,

por isso, fez-se necessário o diálogo com a coordenadora do programa na época da

implantação das primeiras equipes de PACS e o levantamento de dados nas atas do

CMS.

De acordo com as informações obtidas com a coordenadora do PACS, no

período de 1992 a 1994, foram contratados, através da Associação de Proteção à

Maternidade e Infância (APMI), em torno de 200 ACS, alocados em oito UBS. A

supervisão dos mesmos era esporádica, aproximadamente uma vez ao mês, pois a

supervisora acumulava a função de chefia de quatro UBS simultaneamente. Com o

auxílio de outras quatro enfermeiras, a coordenadora realizava cursos preparatórios

para a capacitação dos ACS e trabalhava em parceria com a Pastoral da Saúde, que

ministrava cursos sobre alimentação alternativa, de tal forma que os ACS recebiam

informações de como preparar os alimentos e seus valores nutricionais.

No ano de 1994 o município havia assumido a Gestão Semi – Plena da

Atenção Básica. A leitura das atas do CMS permite identificar as dificuldades, tanto

gerenciais quanto financeiras, pelas quais passava a Secretaria Municipal de Saúde

desde a constituição do CMS. Estas dificuldades foram evidenciadas com a

dispensa dos ACS então contratados, devido à falta de recursos para manter as

equipes de PACS (Ponta Grossa, 1997).

Em fevereiro de 1998 o município habilitou-se à condição de Gestão

Semi-Plena de Atenção Básica. Para o desenvolvimento de seus projetos, foram

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contratadas enfermeiras e retomado o trabalho com 55 ACS, que eram

supervisionados pelas coordenadoras das UBS. Devido ao número reduzido de

enfermeiras para atuação em UBS, nem sempre a supervisão dos ACS esteve a

cargo destas. Em algumas unidades, os ACS eram supervisionados pela assistente

social, o que ocorre até os dias de hoje.

Deve ser ressaltado que a Portaria Nº 1.886, do Ministério da Saúde, de

18 de dezembro de 1997 aprova as Normas e Diretrizes do Programa de Agentes

Comunitários de Saúde e do Programa de Saúde da Família e determina, nas

Responsabilidades do Município, em seu item 4.4

Garantir a existência de profissional(s) enfermeiro(s), com dedicação integral na(s) unidade(s) básica(s) de referência, onde, no âmbito de suas atribuições, exercerá a função de instrutor supervisor, na proporção máxima de 30 Agentes Comunitários de Saúde para 01 enfermeiro.

Outra interrupção no Programa de Agentes Comunitários de Saúde

ocorreu no período de janeiro a abril de 2001, por haver expirado os contratos dos

ACS4 no PACS. Em abril deste mesmo ano o CMS aprovou a implantação de nove

equipes de PSF e uma equipe de Saúde Bucal. Segundo o secretário de saúde da

época, as equipes deveriam atender entre 4.500 e 5.000 pessoas cada e os bairros

selecionados seriam os da Baixada de Oficinas e Baixada de Uvaranas, pois

“segundo estatísticas é a região onde existe o maior índice de pobreza e

desassistência do município” (Ponta Grossa, 2000). Nesse mesmo mês, foram

4 Os ACS eram contratos por tempo determinado e não faziam parte do quadro de funcionários da Prefeitura Municipal de Ponta Grossa. Os contratos eram realizados por uma organização não governamental, a Associação de Proteção à Maternidade e Infância. Atualmente persiste a contratação por tempo determinado, com processo seletivo do próprio Instituto de Saúde de Ponta Grossa.

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implantadas três equipes, possibilitando a cobertura de 3,71% da população.

A coordenação das equipes foi assim distribuída: uma unidade passou a

ser coordenada por um médico e uma assistente social, outras duas unidades, por

uma enfermeira e uma assistente social. As equipes de Saúde da Família foram

formadas ampliando a constituição básica preconizada pelo Ministério da Saúde,

ficando assim: enfermeira, médico, assistente social, farmacêutico, odontólogo,

auxiliares de enfermagem, auxiliares de consultório dentário e técnico de higiene

dentária, além dos ACS que atuavam nas respectivas UBS, no PACS, e ainda novos

agentes que seriam contratados para compor as equipes que seriam implantadas.

Aponta-se que dentistas e assistentes sociais constituem duas equipes,

simultaneamente, enquanto que farmacêuticos, três equipes. Nem todas as UBS

contam com uma enfermeira na coordenação e estas profissionais são contratadas

por uma jornada de oito horas diárias de trabalho, ou seja, 40 horas semanais.

Como coordenadoras de unidade, as enfermeiras são responsáveis pela supervisão

e liderança da equipe de enfermagem e dos ACS, desenvolvem programas

específicos e respondem pela administração da UBS.

A proposta da Secretaria de Saúde de Ponta Grossa é implantar 25

equipes de PSF no município até o final da gestão 2001-2004 e, para tanto, solicitou

autorização ao CMS, considerando que a meta a ser alcançada, em fevereiro de

2002, seriam 11 equipes, o que possibilitaria atender à população de 11 bairros das

regiões de Oficinas e Uvaranas.

A meta prevista de implantação das 11 equipes de Saúde da Família, foi

alcançada no mês de abril de 2002, ficando 13,9% da população do município de

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Ponta Grossa com acesso a este tipo de atendimento.

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CAPÍTULO II

A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NA ENFERMAGEM

2.1 A Enfermagem no Brasil

Buscando entender o papel da enfermeira supervisora, que gerencia

unidades básicas de saúde, coordena equipes de PACS ou PSF e tem sob sua

responsabilidade o trabalho dos demais profissionais de enfermagem (técnicos e

auxiliares de enfermagem), faz-se necessário relatarmos o processo histórico da

enfermagem no Brasil.

Desde suas origens, a enfermagem está diretamente relacionada à

mulher, seja por desenvolver atividades direcionadas ao ato de cuidar, orientar,

proteger e nutrir sua prole, seja pelo fato de ter o encargo de prover, no âmbito de

sua família, as necessidades das crianças, idosos e doentes. Passos (1996) observa

que a sociedade determina os diferentes papéis para os diferentes gêneros,

estabelecendo, assim, uma construção histórico-social que delega à mulher, com

seu instinto de proteção da espécie, o ato de cuidar dos que necessitam de ajuda,

de apoio, de compreensão.

Essa experiência, desenvolvida no âmbito doméstico, foi gradativamente

transferida para o espaço público, cabendo à mulher não o ato de curar, próprio dos

homens, mas sim o de prestar cuidados, o que, de forma marcante, se dava através

de um aprendizado empírico, nada valorizado.

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Assim foi com a enfermagem, praticada por monges e ordens religiosas

femininas na era cristã que viveu, na transição para o capitalismo, um período de

decadência, não evoluindo como os demais campos do conhecimento neste

período. Com a revolução industrial, os hospitais passaram a ser espaço terapêutico,

regido sob o modelo médico, biologicista e o cuidado era considerado como algo

auxiliar, complementar e não prioritário (Pires, 1989).

No ano de 1860, Florence Nightingale, pioneira da enfermagem moderna,

criou no Hospital São Thomas, a Escola de Formação de Enfermeiras,

estabelecendo assim a enfermagem moderna, nos moldes da produção capitalista,

cuja divisão do trabalho garante o controle da produção, no caso, o cuidado do

doente. Note-se que ainda hoje, a divisão do trabalho na enfermagem persiste

(Pires, 1989).

Difundindo-se por todo o ocidente, o modelo nightingaleano influenciou

decisivamente a profissão e chegou ao Brasil no início do século XX. Caracterizado

como um modelo vocacional, promoveu a divisão do trabalho na enfermagem, desde

o seu início, de tal forma que, para o trabalho intelectual - supervisão, administração

e ensino, eram selecionadas as futuras ladies nurses, oriundas de famílias

abastadas. No entanto, para prestar cuidados diretos ao paciente – higiene,

conforto, alimentação e tratamento de feridas, além da manutenção do próprio

hospital, eram selecionadas as nurses, que residiam no hospital, trabalhavam em

jornadas extenuantes e recebiam para tanto, o pagamento de um salário (Passos,

1996; Santos, 2001).

A enfermagem brasileira surgiu num contexto de desenvolvimento do

país, nos primeiros anos da República, época em que cresciam as relações

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econômicas do Brasil com países importadores da produção agrícola brasileira.

Diversos autores, entre eles, Germano (1984), Loyola (1987) e Pires (1989),

apontam as más condições de vida da população brasileira no início da República,

em especial nas grandes cidades, dado o processo de industrialização e imigração

crescentes, que facilitavam a proliferação de doenças infecto-contagiosas.

A crescente preocupação com grandes endemias e epidemias que

grassavam o país, levou o governo a adotar medidas para o atendimento da

população. Dentre estas medidas, estava a criação de uma escola de enfermagem.

Carlos Chagas, diretor do Departamento Nacional de Saúde Pública, em

visita aos serviços de saúde dos Estados Unidos da América, em 1921, conheceu o

trabalho da enfermagem daquele país e empenhou-se em criar, no Brasil, uma

escola que preparasse profissional qualificado, capaz de promover medidas

curativas e preventivas aos indivíduos e coletividade (Pires, 1989).

Também em 1921, sob os auspícios da Fundação Rockefeller, veio ao

Brasil uma missão de enfermeiras americanas, para organizarem o serviço de

enfermagem desse departamento. Era a chamada Missão de Capacitação Técnica

para o Desenvolvimento da Enfermagem no Brasil, hoje conhecida como Missão

Parsons, em alusão a Miss Parsons, coordenadora da equipe técnica. Esta incursão

americana originou a primeira escola de enfermagem brasileira, que adotou o

“sistema Nightingale” (Nakamae, 1987).

Para Pires (1989), a formação das enfermeiras pela Escola Nacional de

Enfermagem, posteriormente chamada Escola de Enfermagem Anna Nery, já

demonstrava privilegiar o estudo em disciplinas de caráter curativo,

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hospitalocêntrico.

Segundo Rizzoto (1999:5), diferentes historiadores da enfermagem

brasileira afirmam que esta nasceu para atender as necessidades básicas da

população. No entanto, observa os fatores que condicionaram e determinaram o

desenvolvimento da enfermagem no país, diz que há uma “leitura equivocada” da

história, pois, em seu entender, seu surgimento não ocorreu para atender a

demanda da Saúde Pública e afirma que:

Os registros históricos da Escola de Enfermagem Anna Nery reforçam a interpretação de que a Enfermagem brasileira nunca priorizou efetivamente a Saúde Pública, ao contrário do que as versões históricas predominantes nos fizeram crer. Os seus primeiros programas confirmam que a formação das enfermeiras, desde a sua origem, esteve centrada no espaço hospitalar e no estudo sistemático de doenças. Não eram, portanto, preparadas para atuarem no campo da Saúde Pública, na tenção primária e na prevenção, mas, para serem coadjuvantes da prática médica hospitalar que privilegiava uma ação curativa.

Desta forma, Rizzoto (1999) defende que a institucionalização da

enfermagem no Brasil serviu para atender ao avanço da medicina hospitalar e não

para instaurar assistência de enfermagem em saúde pública, pois a Escola Nacional

de Enfermeiras tinha como objetivo educar enfermeiras para trabalhar em serviços

sanitários, atendimento geral ou especializado, em hospitais e clínicas privadas.

A mesma autora afirma, ainda, que havia, no programa das disciplinas,

uma tendência a privilegiar o conhecimento direcionado à atenção individualista,

voltada ao atendimento hospitalar. A atuação da enfermagem em Saúde Pública

ficava restrita ao combate da tuberculose, doença contagiosa que não fazia (e não

faz) distinção de classe social.

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Apesar desta contradição observada, para Pires (1989), a criação da

Escola de Enfermagem Anna Nery representou um marco da estruturação da

enfermagem como profissão no Brasil, visto que sua organização era guiada por

parâmetros próprios; produziu conhecimento específico e contribuiu para a

regulação do exercício da profissão por intermédio do estabelecimento de normas

apropriadas.

O modelo “nightingaleano”, trazido pelas enfermeiras americanas, deixou

marcas na enfermagem brasileira, que “de mera atividade de servir, exercida por

pessoas das camadas sociais inferiores, de baixa qualidade moral, de nível de

instrução elementar, passou a destinar-se a mulheres de camadas sociais elevadas,

de conduta moral ilibada e formação profissional esmerada” (Passos, 1996:37).

Chama a atenção que, para ser aceita como aluna da Escola de

Enfermeiras Anna Nery, era exigido o diploma de Escola Normal, ou equivalente, o

que limitava o acesso às postulantes de nível sócio-econômico inferir, pois naquela

época era incomum encontrar mulheres que estudassem além do ensino básico, ou

mesmo alfabetizadas (Rizzoto, 1999).

As alunas do curso de enfermagem, jovens da alta sociedade brasileira,

eram preparadas para assumir as chefias dos serviços de saúde pública

(contradição já citada acima) e o ensino. Na modalidade ensino, capacitavam

visitadoras sanitárias, que executavam o atendimento à população, ou seja,

realizavam o “trabalho braçal”. Pode-se considerar que aqui teve início a divisão do

trabalho da enfermagem no Brasil, cabendo à enfermeira o trabalho considerado

“superior”, já que o trabalho intelectual é considerado superior ao trabalho manual

(Melo, 1986).

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Para Almeida & Rocha, persiste, ainda hoje, a divisão do trabalho na

enfermagem, sendo que “os procedimentos e responsabilidades são também

parcelados e executados por diferentes agentes”.

Complementando este pensamento, Peduzzi (2001a) reitera que a divisão

do trabalho “acarreta a fragmentação das ações e, sobretudo, uma marcante

separação entre a concepção e a execução do processo de trabalho, expressa pelo

fracionamento do denominado cuidado direto e indireto”.

Retornando ao modelo preconizado e implantado por Florence

Nightingale, cabe comentar ainda que foi um modelo controlador (de atitudes, de

gestos, de doação, abnegação e honestidade), que exigia estabilidade emocional,

distanciamento das pessoas e segurança. Este modelo prevalece até os dias atuais,

o que permite entender as relações de poder que se estabelecem na profissão,

principalmente quando se trata de relações firmadas entre enfermeira e profissionais

das demais categorias da enfermagem (técnico e auxiliar) e de agentes comunitários

de saúde. (Passos, 1996; Santos, 2001).

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2.2 A supervisão de enfermagem

Supervisão do trabalho é um tema que tem sido discutido há vários anos

no âmbito da saúde e observa-se, empiricamente, uma resistência entre os

trabalhadores do setor, justamente por trazer em seu bojo a questão do controle da

produção do trabalho dos diversos atores dos serviços de saúde.

Embora o referencial teórico encontrado esteja voltado para a supervisão,

como instrumento educativo, a discussão perpassa seus aspectos políticos e

gerenciais, considerados imprescindíveis para sua realização.

As características da supervisão dos serviços de saúde têm evoluído ao

longo dos anos, posto que esta é condicionada pelas necessidades e interesses dos

usuários, num reflexo da organização da sociedade. Instrumento auxiliar da gestão

em serviços de saúde, a supervisão foi incorporada, no Brasil, a partir da década de

70, principalmente em unidades hospitalares, no entanto, seu maior realce deu-se

nos serviços de saúde da rede pública (Nunes, 1986).

Considerada como algo inseparável de qualquer processo de trabalho

realizado coletivamente, no qual estão presentes diferentes profissionais, com

distintas formações e qualidade de atendimento, a supervisão pode, e deve, servir

de reforço e estímulo à diversas atividades, entre elas o planejamento, a

organização interna dos serviços e a capacitação de funcionários (Ministério da

Saúde, 1982).

Na área da enfermagem brasileira, desde a década de 40, a supervisão

tem suscitado discussões. Conforme relata Silva (1997), os trabalhos que foram

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apresentados nos primeiros congressos de enfermagem ocorridos no Brasil,

demonstravam a preocupação das enfermeiras em relação à experiência profissional

e preparo técnico para o exercício da supervisão, pois consideravam que seu

objetivo era a melhoria do serviço de saúde.

Importa lembrarmos que a enfermagem está orientada para o exercício de

duas atividades fundamentais, desde sua institucionalização: a prestação de

cuidados ao cliente e a organização de serviços de saúde e/ou de enfermagem,

demandando supervisão do trabalho dos profissionais que compõem a equipe de

enfermagem. Neste sentido, Almeida (1986) comenta que tais atividades,

desempenhadas pela enfermeira, possibilitam melhor gerenciamento da assistência

prestada ao cliente, sendo imprescindível utilizar modelos administrativos que

permitam interação com a clientela, de modo a conhecer suas necessidades e obter

uma visão global do setor.

Fatores diversos podem dificultar a realização da supervisão por parte da

enfermeira, dentre eles podem ser destacados: serviço cuja orientação não valoriza

o desenvolvimento pessoal e interpessoal de seus funcionários; administração

centralizadora e tarefista; inadequação de recursos humanos e da estrutura técnica-

administrativa; infraestrutura e enfermeiras não capacitadas para o desenvolvimento

da supervisão (Cunha, 1991; Leite, 1997).

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2.3 A supervisão e a organização do trabalho

Inegavelmente, na área da saúde, utiliza-se muito das contribuições das

teorias administrativas. A teoria clássica da administração foi sistematizada no início

do século XX, tendo duas orientações – atomistas e fisiologistas na França, com

Henri Fayol à frente e a “Administração Científica”, nos Estados Unidos da América,

cujo expoente foi Frederick Taylor. Esta teoria tinha como características produção

em série e padronizada; aumento da eficiência da empresa (com aumento da

produtividade em menor tempo e com custo mínimo); não exigência de mão-de-obra

qualificada; hiato entre a concepção e a execução do trabalho, com intervenção

mínima do indivíduo no processo de trabalho; rígido modelo autoritário de disciplina,

dominação e controle (Brasil, 1982; Motta, 1998; Rovere, 1994).

Por ocasião do surgimento da indústria, com o intuito de garantir a

produção, concretizou-se o papel do supervisor, que foi alçado a uma posição de

prestígio e autoridade, visto que, fundamentalmente, assegurava o cumprimento de

ordens e regulamentos, detectava falhas e aplicava sanções. Suas ações eram

essencialmente fiscalizatórias. Posteriormente, com a departamentalização das

indústrias e a especialização do trabalho, foi necessário agregar ao conceito de

supervisão um caráter educativo, cabendo ao supervisor capacitar, orientar e

promover o desenvolvimento dos seus subordinados (Rodrigues & Torres, 1980).

Peres apud Silva (1997) destacou em seu estudo, quatro aspectos que

podem interferir na supervisão: hierarquia; centralização-descentralização de

decisão; a concepção da organização e a concepção de necessidades humanas.

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Verificou que a supervisão, tanto em estruturas mais rígidas quanto nas mais

flexíveis, está inserida no controle da produção, assegurando a realização do que foi

planejado previamente, de tal forma que objetivos estabelecidos pela administração

sejam alcançados; estando tais características presentes também quando se trata

de supervisão em saúde. Embora a supervisão tenha sua inserção no âmbito do

controle, a autora destaca a importância de seu caráter pedagógico, pois a

educação dos trabalhadores permitirá que realizem suas atividades de forma

suficiente.

Rovere (1994:71), analisando a influência da Administração Científica no

setor saúde, refere que o trabalhador foi desumanizado, adestrado para render mais

e incrementar a produtividade. Comenta que ainda perduram concepções desta

escola nos serviços de saúde, ao afirmar que “el edificio de poder de las

organizaciones se basa en autoridad, responsabilidad y disciplina...”.

Conforme alusão anterior, a enfermagem moderna organizou-se com sua

prática parcelada em tarefas, procedimentos e responsabilidades diferentes, tendo

sofrido influência da Teoria Clássica da Administração. De acordo com Peduzzi

(2001: 5)

O desdobramento do trabalho de enfermagem em diferentes categorias profissionais não nos permite definir um único e equivalente processo de trabalho para os diferentes trabalhadores da área, pois a cnada um destes cabe uma parcela diferente do trabalho, com peculiaridades de desempenho e desigualdades sociais.[...] No entanto, no exercício do cotidiano do trabalho, essa divisão do trabalho acarreta a fragmentação das ações e, sobretudo, uma marcante separação entre a concepção e a execução do processo de trabalho, expressa pelo fracionamento do denominado cuidado direto e indireto. Sendo o primeiro referido ao cuidado de enfermagem propriamente dito e executado pelo pessoal de enfermagem de nível elementar ou médio e, o segundo, referido às ações de planejamento e gerenciamento do cuidado e do serviço, realizado

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pelos enfermeiros.

As necessidades do processo de trabalho da enfermagem, tanto na

prestação do cuidado quanto na organização do serviço de enfermagem e da

assistência à saúde, de responsabilidade da enfermeira, pressupõem um preparo

formal para assunção ao cargo de supervisora da equipe, em todos os seus

aspectos. Porém, observa-se, empiricamente, que, na maioria das vezes, tem uma

prática de liderança da equipe de enfermagem calcada na direção e controle do

trabalho executado. Preocupa-se com a organização da escala de trabalho,

dedicando grande parte de seu horário para esta atividade; com o cumprimento de

normas e rotinas; verificando estoques e se há economia de tempo, de material e de

energia, porém dedica pouco tempo a fazer uma supervisão sistematizada, que

englobe também a capacitação dos funcionários no sentido de resolver, com

qualidade, as necessidades da clientela (Almeida & Rocha,1989).

Merece destaque a pesquisa de Leite (1996), realizada em Feira de

Santana - BA, em 1994, que teve como objetivo descrever o padrão de supervisão

da enfermeira. A autora verificou que a supervisão não era realizada de forma

sistematizada e resumia-se à execução de atividades rotineiras, demonstrando o

despreparo da profissional para a função de supervisora de equipe de enfermagem.

Almeida (1986) comenta que, na maioria das vezes, sobressaem, no

conjunto de ações desempenhadas pela enfermeira, as ações de controle, tais como

“distribuição e supervisão de pessoal não no sentido educativo, mas na cobrança

imediata do que deve ser realizado na prestação da assistência, dando-lhes a falsa

idéia de que o conjunto de tais tarefas compreende funções de planejamento e

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coordenação”. Afirma também, que as enfermeiras repetem atitudes e condutas que

foram assimiladas em seu processo de formação, sem a reflexão crítica necessária

que a função exige.

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2.4 A supervisão e seu componente pedagógico

A partir dos anos 80, de acordo com Reis (2001), a discussão em torno da

teoria e prática da supervisão sofreu aprofundamento, enfatizando a dualidade:

controle e processo pedagógico. Citando Nunes & Barreto, esta autora refere que a

supervisão traz em si questões contraditórias relacionadas ao caráter da cobrança,

do controle e da colaboração, associado à dimensão pedagógica, a qual contribui

para o crescimento dos supervisionados.

Considera-se que a enfermeira é fundamentalmente uma educadora, visto

que, entre outras tarefas desenvolvidas no seu cotidiano, depara-se com a

necessidade de ensinar o cliente/paciente, sua família e até mesmo sua

comunidade, bem como capacitar a equipe sob sua liderança, para contribuir com a

melhoria da qualidade da assistência à população.

Em sua trajetória profissional a enfermeira tem a possibilidade de

desenvolver aptidões no cuidado ao paciente, na administração da assistência de

enfermagem, na administração de serviços de saúde e/ou de enfermagem,

necessitando, em todas as esferas de ação, desenvolver também a dimensão

educativa, inerente ao papel da enfermeira, tanto nos momentos em que educa para

a saúde, quanto nos momentos em que capacita e atualiza os profissionais de

enfermagem.

O Ministério da Saúde considera que a supervisão, sempre necessária em

todo processo de trabalho realizado coletivamente, no qual estão presentes

profissionais com distintas formações e qualidade de atendimento, pode, e deve,

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servir de reforço e estímulo a diversas atividades, entre elas o planejamento, a

organização interna dos serviços e a capacitação de funcionários (Ministério da

Saúde, 1982).

Certamente, cabe à enfermeira a identificação das necessidades de

capacitação e reciclagem de seus funcionários. Esta necessidade, observada em

serviço, pode gerar planejamento específico para treinamento ou mesmo uma

capacitação no próprio serviço. De qualquer forma, à enfermeira da equipe será

destinado o papel de instrutora, o que facilitará sua percepção em relação às

dificuldades enfrentadas pela equipe, bem como a compreensão das

individualidades dos diferentes membros que a integram.

Considerando a assistência de enfermagem, prestada ao cliente por

elementos de uma equipe heterogênea em sua formação, não mencionando as

diferenças sociais, Davim, Torres & Santos (1999) afirmam ser necessário o

desenvolvimento de programas educacionais que possam formar profissionais de

enfermagem aptos a prestarem cuidados de enfermagem com elevada qualidade.

Pensamos que assim, torna-se imprescindível que o enfermeiro assuma a

responsabilidade pela educação permanente de sua equipe, contribuindo para a

melhoria do padrão de assistência prestada no hospital e comunidade, promovendo

a valorização dos recursos humanos em saúde.

Defendendo a incorporação de conteúdos educacionais na realização da

supervisão, Nogueira (1979) comenta que os debates sobre supervisão buscam

diminuir sua conotação coercitiva, enfatizando que não há consenso a respeito de

sua definição, mas que há, sim, a necessidade de direcionamento do olhar para a

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educação continuada a ser promovida pelo supervisor.

A estratégia da Saúde da Família traz às equipes desafios para a

capacitação dos ACS, na medida em que, conforme L´Ábbate (1999:16), “os

trabalhadores de saúde não devem ser considerados propriamente insumos ou

recursos, mas sujeitos, com potencialidade de desenvolver-se constantemente em

busca da autonomia possível, capazes de aderir a projetos de transformação”.

A capacitação dos ACS se dá, via de regra, em serviço, e é importante

salientar, estes não trazem, muitas vezes, em sua bagagem de conhecimentos, o

ensino formal, já que o Ministério da Saúde estabelece como critério para a

contratação, que o ACS apenas saiba ler e escrever, entre outros já citados. Sem

dúvida, os responsáveis pelo processo de educação devem estar cientes da

presença marcante do conhecimento natural ou cotidiano, que, segundo Roschke

(s.d), “conforma teorías implícitas o personales y que interviene en la incorporación

del conocimiento especializado y en la realización del proceso de trabajo”. Citando

Toulmin, a autora afirma que o conhecimento cotidiano é mais difícil de ser

modificado e também mais resistente ao novo. Portanto, capacitar ACS implica em

empregar uma metodologia que lhe possibilite sentir-se sujeito do processo,

reconhecendo a importância do seu aprendizado para transformação da realidade

da clientela.

Ao abordarmos a capacitação do ACS como um dos elementos que

poderá elevar a qualidade da assistência à população, necessitamos mencionar a

Educação Permanente Em Saúde – EPS, que tem sua base assentada no

comprometimento com a organização dos serviços de saúde, visando à

transformação das práticas e a melhoria da qualidade dos serviços, trabalhando com

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os sujeitos em seu próprio processo de trabalho e considerando as vivências

pessoais na conformação dos saberes (Ministério da Saúde, 2001).

Complementando, registramos aqui o pensamento do sanitarista Mario

Rovere (1994), que, ao referir-se aos serviços de saúde – “servicios de personas

para personas”, comenta que o principal fator da qualidade da atenção ao cliente

está relacionado com a disponibilidade, a atitude, o conhecimento e o desempenho

dos trabalhadores de saúde.

Os programas PSF e PACS, focalizados na promoção da saúde da

população, cujo objetivo é trabalhar práticas de saúde que integrem ações

individuais e coletivas, subentendem profissionais atuantes, que tenham visão

integral do indivíduo, sua família e comunidade. Para tanto, entendemos que a

participação destes profissionais, enquanto sujeitos do processo de trabalho

educativo que o mesmo requer, cresce à medida que os mesmos são capacitados,

frente aos problemas observados no dia-a-dia e nas suas dúvidas, embasados nas

vivências e experiências pessoais.

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CAPÍTULO III

A REALIDADE DO TRABALHO DA ENFERMEIRA E DO ACS

Neste capítulo serão apresentados e analisados dados resultantes de

entrevistas semi-estruturadas, com enfermeiros, ACS e coordenadora do PSF do

município em estudo. A observação de campo não fez parte deste estudo, pois

consideramos que, não fazendo parte do cotidiano do serviço local de saúde, não

obteríamos expressão fidedigna do dia-a-dia da USF. Entendemos que a nossa

presença poderia influenciar as atitudes a serem tomadas por todos os

trabalhadores da unidade, durante nossa permanência.

É importante ressaltar que duas das enfermeiras entrevistadas possuíam

experiência de um ano em equipes de PACS de outros municípios e que uma outra

era recém-formada, porém, havia assumido, em seu estágio de conclusão do curso

de enfermagem, o papel de coordenadora da equipe de PACS da USF, que

ofereceu campo de estágio, juntamente com o coordenador da USF. O estágio teve

a duração de seis meses, em município próximo à Ponta Grossa.

Em relação aos ACS entrevistados, constatamos que todos trabalhavam

anteriormente em equipes de PACS e, no início de 2002, passaram a compor

equipes de PSF de duas USF. Três haviam completado o primeiro grau, um o

segundo grau e um o terceiro grau incompleto, com faixa etária de 20 a 30 anos.

As entrevistas foram pautadas em um roteiro orientador do processo de

entrevista (vide anexo). No decorrer destas entrevistas, que poderiam ser tomadas

como uma conversa orientada, ocorreu um amadurecimento da entrevistadora no

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modo de conduzí-las, de tal forma que foi possível perceber no entrevistado uma

maior liberdade para responder, permitindo assim um maior aprofundamento das

questões levantadas.

Seguindo a metodologia da análise de conteúdos, para a análise

temática, identificamos as falas dos entrevistados que se mostraram de maior

relevância. Após a leitura das falas selecionadas, as mesmas foram re-agrupadas

em subgrupos e selecionados, então, os eixos temáticos, que serão discutidos a

seguir, com as seguintes denominações:

Características do trabalho

- O trabalho da enfermeira

- O trabalho do ACS

Trabalho em equipe

A escala hierárquica no trabalho

A supervisão

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3.1 Características do trabalho

3.1.1 O trabalho da enfermeira

O trabalho na enfermagem, parcelado entre diferentes atores

responsáveis pelo cuidado prestado esteve voltado, durante muitas décadas, para o

atendimento em saúde, baseado no modelo biomédico, hospitalocêntrico. Com a

ênfase na promoção da saúde, muitos esforços têm sido envidados para que possa

haver uma mudança no atendimento ao cliente, priorizando medidas de promoção,

manutenção e recuperação da saúde (Moretto, 2001).

Desta forma, o enfoque do ensino de enfermagem tem se voltado para a

formação de enfermeiras que estejam capacitadas para o desenvolvimento de uma

série de atividades próprias da área da saúde pública, porém sem perder de vista

uma formação que contemple conhecimentos necessários para um agir em

situações outras, que não especificamente as desenvolvidas em unidades básicas

de saúde.

Como professora de alunos do curso de enfermagem de uma instituição

de ensino superior do Estado do Paraná e supervisionando estágio de alunos em

UBS, verificamos que o dia-a-dia da enfermeira de uma unidade de saúde pública

está relacionado com ações de promoção da saúde e prevenção de doenças, com o

gerenciamento da unidade e dos recursos humanos da mesma. Em diferentes

oportunidades, como em cursos, jornadas e encontros, observamos que as

enfermeiras comentavam a respeito das inúmeras atividades que tinham sob sua

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responsabilidade na UBS, o que concorria para a insatisfação com seu próprio

rendimento e com a instituição empregadora. Comentavam, também, a respeito da

dificuldade que sentiam em absorver mais um profissional na equipe, o ACS, que

estaria sob sua supervisão.

O Ministério da Saúde, em sua Portaria Nº 1.886, de 18 de dezembro de

1997 (Brasil, 1997), que Aprova as Normas e Diretrizes do Programa de Agentes

Comunitários de Saúde e do Programa de Saúde da Família, em seu Anexo I -

Normas e Diretrizes do Programa de Agentes Comunitários de Saúde – PACS,

preconiza que a enfermeira instrutora/supervisora deva desenvolver ações

específicas na coordenação dos ACS, além daquelas que rotineiramente desenvolve

enquanto coordenadora da UBS. Estão aqui selecionadas as atividades que

mantêm relação com a coordenação dos ACS de uma forma geral, consideradas

atribuições básicas das enfermeiras instrutoras/supervisoras:

8.15.1 – planejar e coordenar a capacitação e educação permanente dos ACS, executando-a com a participação dos demais membros da equipe de profissionais do serviço local de saúde.

8.15.2 – coordenar, acompanhar, supervisionar e avaliar sistematicamente o trabalho dos ACS.

8.15.3 - reorganizar e readequar, se necessário, o mapeamento das áreas de implantação do programa após a seleção dos ACS, de acordo com a dispersão demográfica de cada área e respeitando o parâmetro do número máximo de famílias por ACS;

8.15.4 - coordenar e acompanhar a realização do cadastramento das famílias;

8.15.5 - realizar, com os demais profissionais da unidade básica de saúde, o diagnóstico demográfico e a definição do perfil sócio econômico da comunidade, a identificação de traços culturais e religiosos das famílias e da comunidade, a descrição do perfil do meio ambiente da área de abrangência, a realização do levantamento das condições de saneamento básico e realização do mapeamento da área de abrangência dos ACS sob sua responsabilidade;

8.15.6 - coordenar a identificação das micro-áreas de risco para priorização das ações dos ACS;

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8.15.7 – coordenar a programação das visitas domiciliares a serem realizadas pelos ACS, realizando acompanhamento e supervisão periódicas.

8.15.8 – coordenar a atualização das fichas de cadastramento das famílias;

8.15.9 – coordenar e supervisionar a vigilância de crianças menores de um ano consideradas em situação de risco.

8.15.10 – executar, no nível de suas competências, ações de assistência básica na unidade básica de saúde, no domicílio e na comunidade;

8.15.11 – participar do processo de capacitação e educação permanente técnica e gerencial junto às coordenações regional e eventual do programa.

8.15.12 – consolidar, analisar e divulgar mensalmente os dados gerados pelo sistema de informação do programa;

8.15.13 – participar do processo de programação e planejamento das ações e da organização do processo de trabalho da unidade básica de saúde, considerando a análise das informações geradas pelos ACS;

8.15.14 – definir, juntamente com a equipe da unidade básica de saúde, as ações e atribuições prioritárias dos ACS para enfrentamento dos problemas identificados; alimentar o fluxo do sistema de informação aos níveis regional e estadual, nos prazos estipulados;

8.15.15 – tomar as medidas necessárias junto à secretaria municipal de saúde e conselho municipal de saúde, quando da necessidade de substituição de um ACS.

8.15.16 – outras ações e atividades a serem definidas de acordo com prioridades locais.

Na entrevista realizada com as enfermeiras, ao serem solicitadas para

que relatassem sua rotina diária, percebemos que as quatro entrevistadas listaram

atividades que compreendem desde a supervisão da limpeza da unidade, até

capacitação dos funcionários desta e de ACS, passando por todos os programas

oficiais adotados pelo serviço de saúde. Desta forma, ficou-nos evidente que a

atividade da enfermeira é múltipla, algumas vezes com tendência a privilegiar o

burocrático-administrativo.

Reportando Adami, Almeida et al (1997:61), queremos comentar que

estas autoras relatam que sobressai o papel administrativo da enfermeira, quando

cotejado com outras atividades realizadas por ela, por exemplo, o cuidado direto ao

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cliente. Em trabalho realizado com enfermeiras de saúde pública, afirmam que em

serviços de atenção primária à saúde, com complexidade relativa, há a possibilidade

da enfermeira realizar, além das atividades administrativas, cuidados diretos à

clientela.

Rotemberg apud Barros & Araújo (1983) analisa a prática administrativa

do enfermeiro, afirmando que a mesma é influenciada pelas necessidades da

clientela que está inserida numa comunidade e sujeita às variações determinadas

pelas forças sociais desta comunidade.

Para demonstrar o exposto acima, apresentamos o relato de uma das

enfermeiras entrevistadas, a respeito de seu trabalho:

Sou coordenadora da unidade, coordeno a equipe, ou seja, a parte da enfermagem, da zeladora, o ACS, um pouco da parte da odonto. Faço planejamento familiar, com a entrega dos anticoncepcionais, as palestras para as mulheres; o preventivo, a puericultura. Também a parte de encaminhamento junto com a recepcionista; a parte da orientação ou quando vem paciente que tem alguma dúvida a gente orienta, encaminha. Às vezes faço alguma visita – agora com o PSF vou fazer mais visitas. Vamos começar a trabalhar com grupos; trabalho também com treinamentos com ACS, hipertensos, diabéticos, saúde da criança. Como eu sou coordenadora, eu vejo a parte administrativa, burocrática, né. A parte de solicitação de material, manutenção. A parte da medicação agora a gente está com um farmacêutico, então ele vai cuidar, né, mas antes eu supervisionava indiretamente, né.

Para uma outra enfermeira, que atua em equipe de PSF há pouco mais

de seis meses, o dia-a-dia de trabalho ocorre da seguinte forma:

Bom, na unidade eu faço supervisão da equipe de enfermagem em geral e os procedimentos. Agora no PSF, eu intensifiquei a questão das visitas domiciliares, que até então a gente fazia, mas não era uma coisa tão, tão comum. A gente realiza os programas aqui dentro da Unidade. Eu realizo o programa de

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puericultura, com crianças de 0-1 ano, o programa de preventivo do câncer com coleta de exames, o programa de planejamento familiar, né, acompanhamento das famílias, distribuição dos métodos e orientação. A supervisão, juntamente com o serviço social, dos ACS do PSF e atuo também diretamente no serviço quando tem necessidade, né, na frente, ali, realizando técnicas de enfermagem, né. No geral é assim, né. Se a gente fosse aprofundar...

Uma das entrevistadas teve a oportunidade de realizar estágio de

conclusão de curso em USF de município que tem suas unidades informatizadas e

há um maior número de profissionais para o atendimento da clientela. Seu relato

difere um pouco das demais, quando refere que “fazia visitas, era responsável por

orientações, agendamentos, correção e fechamento de relatórios. Na época,

estávamos implantando o cartão SUS, então, tive que ensinar os ACS a mexer no

computador”.

Para a quarta enfermeira entrevistada, a rotina do trabalho é muito

semelhante às rotinas citadas acima. Ela enfatiza a parte burocrática do seu

trabalho, quando relata que “[...] tem os relatórios, tudo fica a cargo da enfermeira.

Tem os relatórios das vacinas, da farmácia, né, porque aqui tem um farmacêutico

responsável, mas não todo dia, então é nosso trabalho também e ainda o

fechamento do relatório geral da unidade”.

Com relação ao conhecimento que o ACS tem sobre as atividades pelas

quais a enfermeira é responsável, a fala de um deles parece expressar o conjunto

das idéias dos ACS a este respeito:

Bem, a enfermeira já tem um trabalho um pouco mais burocrático que as outras auxiliares, né. As auxiliares são como eu já falei, são as que articulam, né, Ela cuida mais da parte assim, digamos assim social, como nas visitas, né. Ela que tem que iniciar tudo, ela que tem que ir lá pra ver que a pessoa tem né, junto com o médico né, mas ela que...digamos assim, que toma a frente desse

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trabalho, né e as auxiliares é mais pra fazer o restante do serviço né, medir pressão, fazer curativo, essas coisas.

O que pode ser complementado pelo que expressou outro entrevistado:

A enfermeira, que é a responsável também no caso de um curativo, de alguém que seja assim mais necessitado, vai na casa. Ela faz os preventivos, e....nossa, um monte de coisas, assim. As dúvidas que a gente tenha, que o povo procura a gente com perguntas de locais pra exames (outros que não sejam feitos aqui). Trabalho assim de esclarecimento, a gente recorre a ela, porque ela é necessária, sim, muito necessária. E tudo que a gente tenha dúvidas, porque a gente faz cursos, ta sempre se atualizando, mas a gente não é enfermeira, né, a gente não....nessa parte, né.; Então ela é muito necessária. Relatórios, estas coisas, a gente fecha com ela, tudo o que a gente tenha que agir a gente vai diretamente com ela.

As atividades relacionadas pelas enfermeiras, como sendo as que se

apresentam em suas rotinas de trabalho, demonstram a necessidade de formação

generalista, conhecimentos não apenas de condutas e preceitos da enfermagem,

mas também uma dose de conhecimentos relativos à comunicação e relacionamento

interpessoal, posto que se comunica com o corpo de recursos humanos da unidade,

com a comunidade e, certamente, com níveis hierárquicos superiores.

O desempenho de suas funções certamente demanda tempo, sofre

interrupções conforme as ocorrências e as demandas do serviço, dificultando a

realização de atividades extra-muros da unidade, tais como a supervisão direta do

ACS. Um trabalho interessante a registrar é o de Pedrosa & Teles (2001:306), que,

em pesquisa realizada em Teresina – PI, sobre o trabalho em equipes de PSF,

encontraram que “foi consenso que a gerência da Unidade de Saúde da Família

diminuiu o tempo de trabalho dedicado à comunidade”.

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Evidenciou-se, pois, que são variadas as atribuições das enfermeiras de

equipes de PSF, indo além daquelas realizadas por enfermeiras de UBS, por vezes

privilegiando a rotina de preenchimento de relatórios ao atendimento à clientela ou o

acompanhamento de seus funcionários. Aos ACS também parecem ficar claras as

inúmeras atividades pelas quais a enfermeira é responsável, bem como sua

percepção sobre a importância do conhecimento que aquela deve ter para o

desempenho de suas funções, além do fato de que é ela quem cuida da burocracia

da unidade.

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3.1.2 O trabalho do ACS

Através das entrevistas, buscamos conhecer também o trabalho do ACS.

A intenção foi obtermos informações sobre como e onde desenvolve suas

atividades.

De acordo com o Ministério da Saúde, ao ACS caberá desenvolver

atividades de promoção da saúde e prevenção de doenças, atuando na

comunidade, fazendo visitas domiciliares, lançando mão de ações educativas

individuais e coletivas, sob a supervisão e acompanhamento de enfermeira

instrutora-supervisora lotada na UBS de sua referência. Fica-lhe vedado desenvolver

atividades relacionadas ao serviço interno da UBS em que está lotado (Brasil, 1997).

Incitamos os ACS para que descrevessem seu dia-a-dia de trabalho. Suas

respostas foram coincidentes, ao descreverem suas rotinas, o aspecto relacionado à

promoção da saúde e orientação das famílias e indivíduos. No entanto, como

referido em Solla et al. (1996), não relataram atividades relativas à organização

comunitária, tampouco a realização de ações educativas, como reuniões e palestras.

Após a leitura das transcrições das entrevistas, a resposta que mereceu

destaque em relação às atividades desenvolvidas, foi a de um entusiasta do PSF,

mas que demonstra, nas entrelinhas, o caráter fiscalizador da sua orientação, ou

seja, fiscaliza o cuidado que a própria clientela tem em relação à sua saúde. Sua

entonação de voz e postura corporal foram importantes para a percepção da

cobrança que existe em relação ao indivíduo ou família assistida. Todavia, a

simplicidade do ACS ao se expressar, por meio das palavras, pode ter sido o fator

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que nos levou a essa percepção.

Bom, a gente vai nas casas, a gente cobra a vacinação das crianças – a gente tem o cartão sombra - pra ver se as vacinas estão em dia. As senhoras a gente cobra o preventivo; os hipertensos e diabéticos. A gente não vai todos os dias em todas as casas, né. A gente atende a gestante... porque as consultas é normalmente uma vez por mês, pra ver se está tudo em dia, pra evitar que eles venham a ser hospitalizados, né, por falta de esclarecimento ou por esquecimento. Então é esse o trabalho que a gente faz todo dia [...]. É um trabalho preventivo realmente, né.

Ao serem questionados sobre seu local de trabalho, os ACS informaram

que trabalham na comunidade e que vão à UBS somente para assinar o ponto,

buscar remédios que deverão entregar a alguma família que os solicitou, marcar

consulta requerida por algum morador da micro-área em que atua e para reuniões

com a supervisão.

Ao serem argüidos em relação a alguma atividade que pudessem exercer

na UBS, todos os entrevistados informaram que apenas colaboram com as auxiliares

de enfermagem na separação de medicamentos, de material de curativo que será

utilizado na visita domiciliária, previamente agendada pelo ACS, e que será realizada

pela auxiliar de enfermagem ou pela enfermeira.

Em relação a este item, um dos entrevistados foi enfático ao afirmar que:

Não, não, nós não temos permissão para isso. O que eu faço junto às pessoas que eu atendo, são os idosos...eu marco consulta pra eles “no” terceira idade porque moro próximo lá e facilita a vida deles e pra mim não custa nada, é o que eu posso fazer. Mas a gente só tem trabalho preventivo, de esclarecimento, não pode agir diretamente.

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Observamos, desta forma, a concordância com as orientações do

Ministério da Saúde em relação ao trabalho do ACS, que deve ser desenvolvido

exclusivamente na comunidade, realizando ações básicas de saúde, de acordo com

seu nível de competência; fazendo visitas domiciliares; desenvolvendo atividades de

educação em saúde individual ou coletivamente; estimulando a organização

comunitária e promovendo reuniões de grupos para a discussão de necessidades

sentidas pelos moradores de sua micro-área de atuação.

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3.2 O trabalho em equipe

O trabalho em equipe diz respeito à dimensão da atividade humana

relacionada à prática produtiva. Pode desenvolver-se em equipe constituída por

profissionais de uma mesma categoria ou ser multiprofissional. Implica no

compartilhamento de ações de planejamento, na divisão de tarefas, na cooperação e

colaboração entre os seus membros (Feuerwerker & Sena, 1999).

Na literatura existente sobre equipe de saúde, raramente são encontrados

definições ou conceitos a seu respeito. Há o predomínio de uma concepção que faz

parte do senso comum, considerando todo conjunto de trabalhadores como uma

equipe de trabalho. Ciampone & Peduzzi (2000:144) comentam que existem duas

características que necessitam ser consideradas: o trabalho leva à obtenção de

resultados e o trabalho em equipe exige comunicação recíproca entre os membros

desta. Portanto, cabe à equipe de saúde a responsabilidade por atingir resultados,

os quais estariam relacionados com a obtenção da saúde da clientela, facilitada pela

comunicação e interação que deve existir entre os membros da equipe. “É

justamente a relação recíproca entre estas duas dimensões complementares –

trabalho e interação – que caracteriza o que denominamos trabalho em equipe”.

A formação dos profissionais de saúde, ainda pautada no modelo

biomédico, configurando uma separação entre o biológico e o psicossocial, pouco

contribui para a interação dos profissionais de saúde, seja com o usuário do serviço

de saúde, seja com os demais profissionais, dificultando que, de fato, se trabalhe em

equipe (Ciampone & Peduzzi, 2000).

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Tomando-se por base a reforma sanitária brasileira, o trabalho em equipe

teve destaque, desde então, na atenção à saúde da população, visto ter sido

entendido como fator que colaboraria para a melhoria da qualidade dos serviços

prestados. O PSF, que se coloca como estratégia de re-estruturação do modelo de

assistência, ressalta a necessidade do trabalho em equipe para alcançar resultados

e elege como ponto central a formação de vínculos e a criação de laços de

compromisso da equipe com a comunidade (Peduzzi, 1998; Ciampone & Peduzzi,

2000).

Anteriormente à necessidade de se trabalhar em equipe, visando atender

a um dos princípios do PSF, as equipes de saúde se expandiram em conseqüência

da necessidade de extensão de cobertura dos serviços e, especialmente, em virtude

do modelo de reforma médica – Medicina Comunitária, que enfatizava o trabalho em

equipe para a racionalização dos serviços. No entanto, muitos conflitos se instalaram

entre os grupos de profissionais na tentativa de alcançar uma hegemonia, apesar da

hegemonia médica (Peduzzi & Schraiber apud Peduzzi, 1998).

Entre as décadas de 70 e 80 ocorreu intensa especialização do trabalho

em saúde. No Brasil houve uma forte expansão deste mercado, contribuindo para a

mudança da composição da força de trabalho em saúde e de suas equipes que, até

então, eram caracterizadas pelo binômio médico/atendentes de saúde. Com a

agregação de outros profissionais, principalmente auxiliares de enfermagem, de

nível médio, além outros de nível superior, especialmente psicólogos, odontólogos,

assistentes sociais e nutricionistas, observou-se o aumento significativo de

contratação de pessoal com maior escolaridade (Peduzzi, 1998).

A equipe de saúde tomou, conforme afirmam Peduzzi & Schraiber apud

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Peduzzi (1998:4), uma nova configuração, tornando-se mais complexa, porém

fundamentando suas ações “na concepção de trabalho técnico, reduzido a

procedimentos e condutas tomadas no âmbito estrito da ação operatória”.

Profissionais de diferentes áreas atuam numa mesma equipe, porém não articulam,

não problematizam suas ações que são realizadas parceladamente. Estas autoras

afirmam também que o trabalho em equipe de saúde tem se sobressaído no plano

das boas intenções e do discurso, com justaposição dos trabalhos dos diferentes

agentes, mantendo a hegemonia médica.

Campos (1997) critica a crescente especialização dos profissionais da

equipe de saúde, que, em nome de um suposto cuidado integral ao paciente, obriga-

o a consultar-se com vários profissionais que o atendem com intervenções focais,

sem que nenhum deles se responsabilize integralmente por seu tratamento.

Extrapolando este conceito para a equipe de enfermagem, composta de diferentes

categorias, corre-se o risco de cada um sentir-se responsável por fazer apenas o

que está estritamente relacionado às suas atribuições, sem que nenhum se

preocupe em conhecer integralmente as necessidades de cuidado do paciente.

Quanto à equipe de enfermagem, a crítica está centrada na fragmentação

do trabalho, com sua concepção alijada da execução. Almeida & Rocha (1989: 66)

afirmam que:

O trabalho em equipe fica no nível discursivo e não é realizado na prática. Quando algum serviço diz que o seu trabalho de enfermagem é realizado em equipe, o que se observa no concreto é a modalidade por tarefas (funcional), pois os princípios de equipe, quando não levam em conta a totalidade do trabalho e sua democratização funcional, acabam resultando no trabalho por funções, fragmentado.

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Analisando a prática da enfermagem, Capella & Gelbecke (1988:135), ao

se referirem ao trabalho em equipe, discorrem sobre a formação individual dos

componentes da equipe de enfermagem (enfermeiro, técnico, auxiliar e atendente de

enfermagem) e comentam que as distintas categorias

[...] são originárias de classes sociais diferentes, têm histórias diferentes e modos de ver e andar a vida diferentes. Isto refletirá no trabalho da equipe de enfermagem, se esta não estiver ciente destas diferenças, podendo gerar dificuldades de relacionamento entre os componentes da equipe, além de acirrar a própria divisão do trabalho.

Com o intuito de verificar como se desenvolve o trabalho em equipe,

indagamos às enfermeiras e aos ACS, sobre como este ocorre, no dia-a-dia da USF.

As enfermeiras relataram que, com a implantação da equipe de PSF, esperam um

maior entrosamento entre os membros da equipe, mais entendimento, tanto

considerando as relações profissionais quanto interpessoais. Afirmaram, ainda, que

entre o pessoal de enfermagem5 parece ser mais fácil trabalhar, pois, como disse

uma das entrevistadas, “com a parte da enfermagem discute tudo em conjunto, vê o

que dá para melhorar”.

Outra enfermeira entrevistada referiu-se ao trabalho com sua equipe da

seguinte forma:

5 A discussão sobre equipe de enfermagem tem sua inserção neste estudo, pois, fazem parte da ESF, enfermeira e auxiliares de enfermagem (muitas vezes encontramos técnicos de enfermagem contratados como auxiliares de enfermagem), o que pode implicar na reprodução do padrão de trabalho das equipes de enfermagem que atuam tanto em hospitais quanto em UBS. Deve-se também considerar que os ACS, supervisionados pela enfermeira, são considerados, em geral, integrantes da equipe de enfermagem da USF.

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Aqui a gente tá tendo até um pouco de sorte, eu diria assim, porque a gente observa as demais equipes que começaram a andar juntas, a gente fica sabendo. Porque às vezes sai um membro da equipe, a equipe se desfaz um pouco, não há entendimento, e aqui eu digo até que graças a Deus a equipe se integrou bem. É um trabalho difícil, porque são várias cabeças, várias formações, de vários locais diferentes. Mas eu acho que trabalho em equipe é você tá entendendo o outro, respeitando o outro, percebendo a importância que cada um tem no grupo. Então pra gente existem tropeços, não é sempre que está um mar de rosas. Existem desentendimentos que a gente procura sempre estar esclarecendo o quanto antes – já reúne o pessoal, que que tá acontecendo? O pessoal tem falado realmente, aberto, podendo estar resolvendo logo pra que a coisa não evolua pra um problema mais...

Observa-se, no registro dessas falas, a dificuldade encontrada pelas

enfermeiras para desenvolver o trabalho em equipe. Os membros que dela

participam, possivelmente, continuam desenvolvendo suas atribuições

desconhecendo o trabalho do outro, sem interação, sem a comunicação adequada,

sem considerar a importância do objetivo comum que a equipe deve visar para

alcançar a satisfação das necessidades da clientela. Uma das enfermeiras

considerou que, com a equipe de enfermagem, fica mais fácil desenvolver um

trabalho, provavelmente pelo maior contato que tem diariamente com os AE e ACS

da unidade, pois estão sob seu comando, sujeitos à sua supervisão e avaliação.

Em relação aos ACS, como seu trabalho é desenvolvido extra-muros da

USF, optamos por perguntar-lhes se conheciam os demais integrantes de suas

equipes e quais eram suas funções, com a intenção de verificar o quanto havia de

conhecimento a respeito do trabalho dos colegas e de integração na USF.

É interessante ressaltarmos que os ACS conheciam, pelo nome, cada um

dos membros da equipe com formação de nível superior e informaram o tipo de

atividade que exerciam. Dois deles não souberam, ao certo, quantos ACS

compunham sua própria equipe e outros dois confundiram enfermeiras com

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auxiliares de enfermagem, corrigindo o equívoco após emitirem a resposta. Não

informaram os nomes das AE.

Ao serem perguntados sobre sua integração com a equipe, um dos

entrevistados foi enfático ao afirmar:

Pois olha, eu...é o terceiro ano consecutivo que eu estou trabalhando e foi o primeiro ano em que eu senti um trabalho em equipe, realmente com entrosamento. Foi a primeira vez que realmente funcionou em equipe. Eu estou muito contente [...] acho que o PSF teria que ter sido implantado muito antes.

Uma outra ACS expressou, com muita alegria, que deveu-se aos ACS a

recepção e facilitação do relacionamento dos demais membros da equipe de PSF, já

que trabalhavam há mais tempo na UBS.

De forma inversa, outro entrevistado referiu-se ao trabalho em equipe

como “muito desgastante, pois não é fácil trabalhar com o novo”. Afirmou que havia

um entrosamento maior entre os profissionais que atuam internamente na USF, do

que entre os ACS, pois:

Eles estão aqui, eles estão convivendo no dia-a-dia, né. Eles estão mais juntos, né, mais unidos. E já os ACS eles vêm em determinado horário para assinar o ponto, né, mais à tarde também, quando tem reunião né, mas assim, uma coisa mais distanciada, porque a gente fica mais no bairro, né, não fica o tempo todo aqui, não tem uma convivência tão grande aqui. Daí então é por isso, né, a gente fica um pouco distanciada. A gente vê que tem uma certa distância, não que alguém seja culpado, né, porque realmente o nosso trabalho tem que ser lá fora e o deles aqui dentro, né.

Em conversas informais com enfermeiras de equipes de PACS e PSF, por

ocasião dos encontros promovidos pelo Pólo de Saúde da Família, foi possível

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apreendermos que havia dificuldade de relacionamento entre ACS e AE. Aos ACS

parecia ser muito melhor o trabalho na UBS, sem enfrentar sol, chuva, dificuldade de

locomoção, aceitação por parte das famílias, entre outras dificuldades. Ao contrário,

para os AE, parecia ser muito bom trabalhar “na rua”, sem muito compromisso com

horário, sem a correria do atendimento em dias de grande procura pelo serviço, sem

a “cobrança” contínua da supervisora.

A fala do ACS, afirmando que “não é fácil trabalhar com o novo” e que “a

gente vê que tem uma certa distância” certamente facilita-nos perceber que a

interação, a comunicação entre os membros da equipe não se faz de um momento

para o outro. Parece haver a necessidade de quebrar resistências, permitir que o

trabalho de cada um seja conhecido por todos e que seja exercitada, entre todos, a

comunicação, importante canal para o alcance dos objetivos traçados.

Para Campos & Baduy (1998), o trabalho na equipe de saúde da família,

além da responsabilidade da resolução de problemas, da capacidade de respeitar

culturas diferentes e de aprender continuamente na troca de experiências,

compreende o desenvolvimento de uma comunicação interpessoal, tanto

internamente quanto com a comunidade adscrita à sua área de atuação.

Em decorrência dessa observação, optamos perguntar aos ACS se

percebiam diferença entre o seu trabalho e o trabalho desenvolvido pelos AE. Todos

responderam afirmativamente, embora apenas um deles tenha divisado como

diferença somente o local de trabalho. Para outro, a questão situou-se no fato do

auxiliar de enfermagem apresentar

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uma formação, já tem estudo, tem mais atividades sob sua responsabilidade. São atividades mais claras, mais definidas durante o dia-a-dia. Agora o ACS, tipo assim, é mais variável [...] às vezes uma família que se muda já mudou tudo às vezes, porque se a gente tava fazendo uma atividade com essa família, tudo mudou, entende?

Um dos ACS entende como diferença o fato de que os AE “agem

diretamente com a pessoa”, ou seja, fazem curativos, verificam pressão arterial,

fazem aplicação de vacinas, ao passo que ACS “só orientam”, talvez não

reconhecendo a importância de seu papel na promoção da saúde.

Uma outra resposta leva à percepção do AE como responsável pelo

atendimento da população na UBS. O questionado expressou-se da seguinte

maneira:

Bom, no meu ponto de vista o auxiliar de enfermagem é o que, é o que articula praticamente tudo, né. A gente articula lá fora pra cá e eles articulam aqui dentro, né. Porque são eles que geralmente vê pressão, fazem o primeiro atendimento, em caso de ferimento, essas coisas, né, daí então eu acho que eles é que têm a maior sobrecarga de tarefas aqui e mesmo porque o nosso trabalho é mais no diálogo, né, a gente não faz tanta coisa como eles fazem, né. O deles parece ter mais consistência, o nosso já é um trabalho um pouco mais diferenciado.

A resposta seguinte complementa a anterior, quando o entrevistado

parece reconhecer que o trabalho do AE é de maior responsabilidade que o do ACS:

É...acho que tem, né. O deles exige muito mais responsabilidade do que o nosso, né, por causa dos remédio. Tem que ver tudo certinho, a hora de tomar, não trocar papel nenhum, né. Que o nosso nós passamos mais orientação, né. Nós passamos orientação que elas passam pra gente passar, né.

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No referencial teórico consultado, não foi localizada informação relativa ao

trabalho do ACS comparado com o trabalho do AE, porém pareceu-nos pertinente

buscar compreendermos como se dá essa relação e se interfere ou não no trabalho

do ACS.

Somente uma das enfermeiras entrevistadas relatou que ocorrem atritos

entre ACS e AE. Sua fala expressou preocupação, pois considerou seu papel como

mediador para a resolução do conflito:

Às vezes a gente vê muito conflito [...] talvez por o ACS ter uma expectativa de encontrar coisas diferentes e o auxiliar estar fixo numa rotina. Muitos auxiliares vêm de hospital ou de outra unidade, então são rígidos, acham que a parte de enfermagem é deles. Às vezes um invade a parte do outro e daí gera conflitos. O auxiliar sempre trabalhou né, e agora, de repente tem alguém mais trazendo problemas, às vezes cobrando, invadindo de repente o espaço do auxiliar. A gente tem que trabalhar muito isso, né.”

A coordenadora do PSF local foi questionada quanto à sua percepção da

existência destes conflitos, e assim respondeu:

A princípio havia bastante, hoje não sinto mais. Acho que havia porque não tinham a presença da enfermeira na unidade, porque a gente tinha muito poucas enfermeiras no sistema, não tinha a presença do profissional de nível superior o tempo todo com eles. Às vezes os ACS vinham para a unidade, estavam lá uns auxiliares que às vezes ficavam responsáveis pela unidade e havia uma certa rixa. Acho que também a própria compreensão da atribuição. Hoje, que se trabalha mais isto, acho que não tem havido nada. Os ACS entenderam bem sua função.

Verificamos, pelas demais entrevistas, que o “momento” de atritos entre

ACS e AE parece já não existir. A melhor compreensão das atividades que um e

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outro profissional desenvolve colaborou para isto. No entanto, podemos observar

que, por parte dos ACS há algo na fala que remete à valorização pessoal e

profissional, possivelmente também à auto-estima. O contato direto com o cliente,

para estes últimos, tem sido interpretado como apenas aquele no qual se

desenvolve uma técnica como verificação de tensão arterial, curativos e aplicação de

injetáveis, esquecendo que realizam, diariamente, o referido contato, seja

conversando, orientando, conhecendo sua casa e sua família, seja estimulando a

organização social.

Considerando que uma das formas de facilitar maior entrosamento entre

os membros da equipe é a realização de reuniões periódicas, nas quais podem ser

discutidos os problemas levantados em determinado período, tanto de ordem

profissional quanto interpessoal, perguntamos aos ACS se participavam de reuniões

com a equipe.

Chamou-nos atenção todos terem respondido que, dependendo de quem

é sua supervisora, têm reuniões semanais ou mensais, nas quais discutem assuntos

pertinentes às orientações e cuidados a serem prestados à população, bem como

questões relativas às micro-áreas.

No entanto, um ACS ofereceu a seguinte resposta a esta questão: “em

geral é mais sobre a nossa área, né. O nosso horário de assinar o ponto, nossas

obrigações, alguma coisa que a gente tem que passar pro povo, né. Também

alguma coisa que não é pra falar. Então é isso, geralmente é isso aí as reuniões”.

Parece ficar claro nesta resposta a percepção acentuada da ACS em relação às

questões mais administrativas que são tratadas nas reuniões, com ênfase nas

orientações solicitadas ou percebidas como necessárias pela supervisora.

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Conforme a pertinência, participam destas reuniões os médicos, dentistas,

farmacêuticos e assistentes sociais das equipes, sempre esclarecendo dúvidas dos

ACS.

Um dos entrevistados enfatizou a não participação em reuniões dos

profissionais que trabalham internamente na UBS. Questionado sobre o que é

discutido nestas reuniões internas, respondeu: “eles comentam mais entre eles, né”.

Também lhe foi perguntado como se sentia, tendo conhecimento da

realização de reuniões da equipe, para as quais não foi convidado a participar. Sua

resposta foi:

É uma situação um pouco chata, né, porque, além do posto ser pequeno tem mais os ACS, fica uma superlotação aqui, né.[...] Tá certo que não dá pra ficar fazendo reunião com todos os ACS né, mas fica chato, porque eles não divulgam, eles não comentam o que eles conversam né, fica só entre eles.

Cabe aqui comentarmos a importância de se aproveitar oportunidades

criadas no serviço, para promover a educação e o crescimento do trabalhador.

Roschke (s.d.), ao discorrer sobre a aprendizagem e o processo de trabalho,

destaca que existem duas modalidades de conhecimento: o conhecimento

especializado, adquirido em estudos formais e acadêmicos e o conhecimento

operacional, adquirido na experiência do trabalho, o qual facilita entender as

especificidades de cada comunidade.

Essa autora (Roschke,s.d:7) afirma que:

Al aprender en el trabajo, los trabajadores están buscando dar sentido a una

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situación que les parece incomprensible. Encuentran el sentido: a) cuando aproximan o relacionan esa situación a otra anteriormente vivida o imaginada, entonces se apoyan en modelos anteriormente construidos y en los criterios que usaran para resolverla; b) cuando comprenden cómo la naturaleza del trabajo y los procedimientos que esa situación conlleva se encuadran dentro del proyecto específico de desarrollo profesional, es decir cuando califica la práctica; c) cuando la interpretan como un campo que se abre institucionalmente o de forma más amplia para todo un equipo de trabajo, es decir cuando reconocen el sentido social de la acción.

Os ACS informaram que, além de discutirem sobre suas dúvidas nas

reuniões com as enfermeiras, também realizaram cursos com outras equipes.

Referiram-se aos Cursos Introdutórios, promovidos pelo Pólo de Saúde da Família,

nos quais a autora atuou como instrutora, além de outros cursos promovidos pelo

Instituto de Saúde de Ponta Grossa, visando capacitação dos ACS para orientações

na área materno-infantil, realizados no ano de 2001, conforme informações colhidas

junto à coordenação do PSF do município.

Na entrevista com a coordenadora do PSF do município, também

abordamos o enfoque das reuniões. Foi questionada quanto à sua realização,

freqüência e temas discutidos. Respondeu que são marcadas de acordo com a

necessidade, sem um calendário fixo, pois as enfermeiras são também solicitadas

para outras atividades, tais como padronização de rotinas e condutas, reuniões com

gerentes de distritos, cursos de atualização, entre outros. Quanto aos temas,

enfatizou que são relacionados à prática diária da enfermeira.

A coordenadora comentou, durante a entrevista, observar que falta à

enfermeira “uma visão mais voltada para o social”, em alusão à formação centrada

no modelo biomédico. Salientou, no entanto, que, dentre os demais profissionais

formados nesse modelo, é a enfermeira quem demonstra estar mais preocupada

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com seu próprio aprendizado, buscando desenvolver sua percepção em relação ao

cliente, considerando-o como parte de uma família e comunidade que sofrem

interferência do meio em que vivem.

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3.3 A escala hierárquica no trabalho

Tendo surgido das falas dos ACS, a questão da hierarquia dentro da

equipe de trabalho no PSF, optamos por abordar este tema, demonstrando que o

modelo biomédico, centrado na figura do médico persiste mesmo num novo modelo

de atenção à saúde. Embora o discurso seja de mudança, na prática, o que

verificamos é a cristalização do modelo anterior.

Rizzotto (1999) lembra que, até o início do século XIX, havia na medicina,

a separação e diferente valoração do trabalho do físico, que exercia a medicina

interna, em relação ao trabalho do cirurgião, que exercia a medicina do corpo, tida

como de pouco valor, pois os cirurgiões aprendiam as técnicas cirúrgicas nas

corporações de ofício e os físicos formavam-se nas Universidades, com saber

diversificado e filosófico. No entanto, a prática médica foi redefinida e unificada no

modo de produção capitalista, com a dissolução da divisão do trabalho manual

versus trabalho intelectual.

A divisão do trabalho no setor saúde ocorreu de forma processual e

complexa, especializada, com saberes e ações que são próprios de cada trabalho

que se individualizou. Reflete o desenvolvimento científico-tecnológico que envolve

um grande número de trabalhadores especializados e parciais, abrangendo

profissionais de diferentes níveis de formação e qualificação: médicos e demais

profissionais de formação superior, profissionais com atividades consideradas

essencialmente manuais e outros sem formação específica para o setor saúde, com

treinamento em serviço (Peduzzi, 1998).

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Essa divisão técnica do trabalho permitiu a valorização dos profissionais

de nível superior, mas também ocasionou a desigualdade na valorização social do

trabalho. Na enfermagem, que se organizou, como já citado anteriormente, em

equipe constituída de profissional de nível superior e de níveis médio e elementar,

houve a assunção de um papel de “subalternidade em relação à medicina”. Esta

subalternidade se deu por questão de gênero e porque o ato de curar era

considerado de maior complexidade sendo, por este motivo, reservado à prática

médica, assim como o ato de “cuidar” ser considerado secundário e estar sob

responsabilidade da enfermagem (Rizzotto, 1999:34).

Quanto à questão de gênero contribuindo para que a enfermagem fosse

considerada subalterna ao médico, Capella & Gelbecke (1988) afirmam que a

história mostra a discriminação da mulher com origens pré-históricas, concretizando-

se conforme a época e o modo de produção vigente, cabendo ao homem o papel

hegemônico na esfera da produção econômica. Estas questões refletem-se na

enfermagem, já que, na sociedade ocidental a medicina é considerada profissão

masculina.

Peduzzi (2001b: 107) afirma que:

As diferenças técnicas dizem respeito às especializações dos saberes e das intervenções [...] As desigualdades referem-se à existência de valores e normas sociais, hierarquizando e disciplinando as diferenças técnicas entre as profissões. Ou seja, correspondem distintas autoridades técnicas e legitimidades sociais às diferentes áreas profissionais. Isto significa que algumas profissões são “superiores” a outras, e que há relações hierárquicas de subordinação entre os profissionais.

A questão da hierarquia foi demonstrada, quando perguntamos aos ACS

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a quem recorriam quando necessitavam de orientação. Dois deles responderam que,

inicialmente, tentavam resolver entre eles e, não encontrando solução, procuravam

as AE, sendo que a enfermeira e assistente social seriam procuradas na seqüência.

Um dos entrevistados respondeu da seguinte maneira:

Primeiramente eu iria ver se as AE conseguiriam me ajudar. Se não conseguissem, eu iria tentar procurar o médico, e se fosse o caso de um medicamento, eu procuraria a farmacêutica, que o médico geralmente tá ocupado com os pacientes, né e a gente não pode ficar toda hora incomodando, procurando ele, porque senão atrasa com o trabalho.

Um outro ACS afirmou que “geralmente a gente conversa mais com as AE

e a enfermeira. Com o médico seria uma das últimas possibilidades”.

Tais respostas demonstram que está presente a obediência à divisão

hierárquica dentro da equipe de PSF, pois nenhum dos entrevistados afirmou

procurar, de imediato, um dos profissionais de nível superior da equipe, sempre

buscando primeiro a resposta entre os pares e/ou entre os profissionais de nível

médio. Em relação ao médico, é interessante observar que um ACS afirma que “iria

tentar” procurá-lo, o que nos leva a imaginar o difícil acesso a esse profissional.

Outro ACS diz que isto seria das últimas alternativas, demonstrando a dificuldade

que existe em abordar um profissional ainda considerado como o ponto central da

equipe.

Um ACS afirmou que geralmente procura pela assistente social, pois

entende que problemas relativos a medicamentos, receitas e encaminhamentos

devem ser solucionados pela assistente social e que, apenas na ausência desta,

procura pela enfermeira, que então “toma, leva prá frente”.

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Esta resposta causou estranheza, pois o ACS parecia querer afirmar que

não cabia à enfermeira a tomada de decisão em relação a questões diretamente

ligadas ao paciente. Na tentativa de elucidar a dúvida, lhe foi perguntado se recebia

alguma orientação sobre quando procurar a enfermeira ou a assistente social e sua

resposta foi a seguinte:

Acho que tem isto daí nos treinamentos, né. No início tem os treinamentos introdutórios, né, e aí eles já informam pra gente o que que é mais certo pra quem, né. Não adianta você trazer certos tipos de problemas aí, que nem alcoolismo, você chegar e conversar sobre alcoolismo com a enfermeira. Ela não vai tomar uma providência pra tentar encaminhar esta pessoa pra uma clínica, pra uma coisa assim, né.

Um outro entrevistado ressalta que procura a enfermeira ou a assistente

social conforme sua necessidade, demonstrando entender o papel de cada uma

delas na equipe:

Bom, eu pessoalmente sei identificar, assim, o tipo de auxílio que eu vou precisar. Se percebo que é a nível educacional, [...] falo com a assistente social, que tem um ótimo papel nessa área. Mas, se tem lá uma pessoa que tenha um problema de cuidar de si próprio, digamos assim que tenha uma ferida, a gente vai ativar a parte da enfermagem. Primeiro a gente fala com a área enfermagem, tanto auxiliar quanto com a enfermeira.

Vale ressaltamos a cultura organizacional da instituição que,

historicamente, teve em seus quadros um número maior de assistentes sociais que

enfermeiras na coordenação das UBS e, em algumas equipes de PACS, as

coordenações estiveram ao encargo de assistentes sociais.

Outros dois aspectos que merecem ser considerados são a baixa procura

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de enfermeiras nos concursos para suprimento do cargo de instrutoras/supervisoras

de equipes de PSF no município, bem como a “relativa fixação” das contratadas nas

equipes. Segundo avaliação da própria coordenação do programa, o salário

proposto é o cerne da questão, já que existe uma grande competitividade, em

termos salariais, entre os municípios da região.

A avaliação do PACS na Bahia, por Solla et al. (1996:13), corrobora essa

informação, pois constatou a alta rotatividade de enfermeiras supervisoras de ACS,

sendo que “mais da metade das entrevistadas não foram aquelas que efetivaram o

treinamento inicial dos ACS no seu município”. Afirmam os autores que o

instrutor/supervisor deve ser considerado e tratado como o elemento-chave da

equipe, pois, com suas ações de formação e supervisão, assegura o sucesso das

atividades propostas pelo Programa. Comentam, ainda, que a baixa fixação do

instrutor/supervisor ao emprego deve-se à pequena valorização do profissional,

demonstrada pela baixa remuneração e falta de incentivos oferecidos pelos

municípios.

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3.4 A supervisão

A supervisão, tema específico deste estudo, será abordada tanto em

relação à supervisão realizada pela enfermeira, quanto à supervisão que a

enfermeira tem de seu trabalho, visto que está diretamente ligada à coordenação do

PSF do município.

A coordenação municipal, responsável pelos aspectos gerenciais e

pedagógicos do PSF, é constituída pela coordenadora, farmacêutica-bioquímica, e

por dois odontólogos. Nesta coordenação não há enfermeira que possa orientar as

enfermeiras das equipes de PSF em questões técnicas. Existe um “colegiado”

formado por enfermeiras do ISP que auxilia a coordenação do programa, nos

aspectos da supervisão técnica destas profissionais atuantes nas equipes de PSF.

Este auxílio só é prestado quando solicitado pela coordenação.

A coordenação municipal de PSF é orientada pela coordenação estadual

do programa, em suas demandas administrativas. De acordo com a avaliação da

implantação e funcionamento do PSF realizada pelo Ministério da Saúde(1999:17), o

papel das coordenações estaduais “ocorre de maneira mais freqüente nas questões

relacionadas a recursos humanos: recrutamento e seleção de ACS, orientações

acerca das formas de contratação e discussão de faixas salariais”.

Contudo, segundo a avaliação dos secretários municipais de saúde,

constante do relatório preliminar da avaliação da implementação e funcionamento do

Programa de Saúde da Família – PSF,

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as assessorias da coordenação estadual aos municípios são realizadas predominantemente com os seguintes objetivos: implantação do SIAB (83,6%), capacitação das equipes de Saúde da Família (79,5%), elaboração do projeto de implantação do PSF (63,9%) e avaliação dos resultados obtidos com o PSF (54,3%). A coordenação estadual assessorou o recrutamento e seleção dos profissionais das equipes em apenas 30,5% dos municípios. . (Ministério da Saúde, 1999:18),

Uma preocupação em relação à supervisão de enfermagem, para

diversos autores, entre eles Almeida et al. (1990), Almeida & Rocha (1997), Solla et

al. (1996) e Silva (1997) é o modo como ocorre esta supervisão. Muitas vezes

tecnicista e fiscalizadora, não possibilita que haja mudança na forma de atender ao

usuário do serviço, abandonando o modelo biomédico e empregando uma

metodologia que permita “enxergar” o cliente, sua família e sua comunidade como

sujeitos que sofrem a ação do ambiente em que vivem e trabalham, de tal forma que

esta ação determina seu modo de viver-adoecer-morrer.

Dentre os problemas identificados na avaliação que Solla et al. (1996)

fizeram no PACS da Bahia, merece destaque a “baixa freqüência do supervisor em

campo (mesmo na zona urbana); falta de sistematização adequada do processo de

supervisão; e a ausência de supervisão do Programa nos municípios, por parte da

Coordenação Estadual”, pois estes são fatores que podem ser considerados comuns

em relação à realidade encontrada nesta pesquisa.

Para conhecer como as enfermeiras do município estão realizando a

supervisão dos ACS de suas equipes, perguntamo-lhes, inicialmente, como

definiriam supervisão.

Para as enfermeiras entrevistadas, o sentido de supervisão está

relacionado ao “discutir e planejar juntos, executar juntos as ações”. Comentam,

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ainda, o quanto é importante acompanhar o trabalho desenvolvido pela equipe e

possibilitar a adoção de métodos mais simples para lograr o resultado esperado pela

ação do trabalho. Enfatizam, finalmente, a importância da orientação e treinamento,

“se for o caso”, porém não especificam quais tipos de atividade crêem que devam

ser executadas junto com o ACS.

A resposta de uma enfermeira ilustra bem o que foi dito:

Bem, supervisão basicamente para mim seria você acompanhar o trabalho desenvolvido de tua equipe, é proporcionar para eles mecanismo de trabalho. Levar oportunidade, maneiras, modos. Se eu vejo que estão trilhando por um caminho difícil e eu tenho uma alternativa mais fácil, proponho para eles a situação de mudança e ao mesmo tempo vou acompanhá-los, porque aquilo que você não vê não tem condições de supervisionar. Porque se você faz uma supervisão fechada, só de relatórios, acho que fica muito difícil. Quando você vai a campo consegue ver a realidade deles e daí fica mais fácil até de sugerir as alterações.

É interessante destacarmos que afirmam ser necessário discutir e

planejar, junto à equipe, a assistência a ser prestada, porém não observamos

nenhuma afirmação a respeito do planejamento da supervisão que, em geral

acontece conforme a disponibilidade da enfermeira.

Outra resposta que mereceu atenção foi:

Eles vêm, assinam o ponto, a gente discute, eu vejo assim o que que eles precisam fazer, eles trazem os problemas. Tem alguns ACS que você precisa fazer uma supervisão mais...né, em cima dele, assim, que não ta cumprindo as tarefas, ou às vezes tem alguma reclamação e que você precisa verificar né, se está acontecendo. Daí a parte de coordenar também as atividades deles, ou orientar alguma coisa, fazer as visitas. A partir de agora a gente quer fazer mais visitas, fazer uma supervisão melhor, que por enquanto ainda estava um pouco jogado, a gente não fazia reunião todo dia e também fazer reunião em equipe para que ele faça parte da equipe. Que não haja tantos conflitos que a gente

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discuta o papel dele, pra que a equipe também entenda qual o papel do ACS e ele entenda como é a unidade – ele quer que às vezes resolva todos os problemas. Então, supervisão seria coordenar e planejar as ações junto com eles pra depois também avaliar o que cada um fez, o que precisa ser melhorado.

Entendemos ser necessário acrescentar que o relatório consolidado do

SIAB, após registro na Secretaria Municipal de Saúde, não retorna à USF para que a

produção de serviço e alcance de metas propostas possam ser analisados pelas

equipes. Desta forma, consideramos que este relatório não tem sido empregado

como instrumento de supervisão e planejamento. Também não foi mencionada sua

utilização pela coordenação do PSF, bem como outros instrumentos tais como SIM,

SINASC e SISVAN., que, segundo o Ministério da Saúde (1999), era utilizado por

secretários municipais de saúde para acompanhar e avaliar o trabalho das ESF.

Outro instrumento para supervisionar a ação dos ACS, que consideramos

estar sendo pouco explorado, é a visita domiciliária, visto que, resgatando do eixo

norteador Características do Trabalho – o trabalho da enfermeira, notificamos que as

enfermeiras entrevistadas, de modo geral, afirmaram realizar a visita domiciliária,

embora com baixa freqüência devido às inúmeras responsabilidades no serviço

interno da unidade.

Optamos, então, nas entrevistas, por perguntar aos ACS se as

enfermeiras os acompanhavam nas visitas domiciliárias. Todos destacaram que

quando solicitavam eram acompanhados por elas. Apenas um entrevistado declarou

que “ em muitos casos ela fica sabendo antes da gente, que é preciso visitar uma

família, daí ela mesma convoca a gente pra fazer a visita com ela”. Estas falas

levam-nos a considerar que a visita domiciliária não tem sido freqüentemente

realizada em conjunto Enfermeira-Agente.

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Os ACS afirmaram que é muito importante o acompanhamento da

enfermeira na visita, pois, como afirmou um deles,

ela tem mais jeito, sabe, de conversar, de explicar, de orientar, né, ela entende mais que a gente. E as famílias têm mais respeito com a enfermeira e a assistente social. As famílias sempre acham que a enfermeira sabe mais que você, e na verdade elas sempre sabem mais que você, e vão saber como ajudar esta pessoa que às vezes há resistência em tomar remédio, estas coisas assim, né.

Perguntamos também aos ACS, se percebiam que eram supervisionados.

Responderam afirmativamente, ressaltando que são supervisionados quanto ao

cumprimento de horário, preenchimento correto de fichas, uso de uniforme e

produtividade.

Em razão das respostas obtidas, indagamos se gostavam da forma como

eram supervisionados. Um deles respondeu que “assim tá dando pra levar, não pelo

meu lado, mas acho que pelo lado dela. Ela já tem muitos trabalhos para fazer, não

só na comunidade, como aqui no posto também [...], daí pra ela ficar

supervisionando a gente, muitas pessoas vão ficar sem auxílio”.

Como esta resposta parecia denotar a necessidade de uma outra forma

de supervisão, procuramos saber como pensavam que a mesma deveria ocorrer. O

ACS, cuja resposta foi transcrita no parágrafo anterior respondeu, de maneira um

pouco contraditória, que entendia ser necessário que a enfermeira fizesse mais

visitas às famílias, bem como verificasse se

[...] os ACS estão passando pra visitar e também ela teria que ver o lado da

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gente, se a gente ta conseguindo se aproximar daquela pessoa, daquela família, né. Que ela visitasse mais os locais, né, fosse mais vezes lá, que geralmente ela fica mais aqui no posto, com exceção das terças e quintas, né, que é o dia em que ela sai pra fazer as visitas.

Às enfermeiras, foi perguntado, tendo por base as repostas dos ACS em

relação à supervisão, como avaliam a supervisão que fazem. As respostas foram

variadas, indo da falta de tempo para acompanhar o ACS em suas atividades de

maneira “mais de perto”, à motivação para o trabalho com a equipe de PSF que

seria instalada na unidade, pois assim poderiam compartilhar com os demais

componentes da equipe (médico, assistente social e farmacêutico) os problemas que

detectavam tanto na unidade quanto com os ACS.

Responderam também que precisam discutir melhor os problemas

levantados pelos ACS para tentar orientá-los na resolução dos mesmos, fazendo

uma supervisão “mais de perto, mais constante, com mais comprometimento da

supervisora”.

Uma enfermeira respondeu que avaliava sua atuação em relação à

supervisão:

Através dos resultados dos relatórios dos ACS, através do trabalho deles em geral, das informações que eles trazem no dia-a-dia, da resolução destes problemas, o encaminhamento, tudo. E acho que até avaliando o relacionamento deles entre eles e a equipe.

Uma outra enfermeira afirma ser necessário aprofundar a “parte técnica”

da supervisão, mas sente-se satisfeita ao avaliar que conseguiu transmitir aos ACS

a necessidade de humanizar o relacionamento com a comunidade; conseguiu

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transmitir conceitos que considera importantes para a realização de uma visita

domiciliária humanizada, ou seja, o respeito, antes de tudo, à privacidade da família

e também se sente satisfeita por haver conseguido humanizar o relacionamento da

equipe com o próprio ACS.

Somente uma das entrevistadas respondeu que a avaliação da

supervisão pode ser realizada também pela comunidade, pois, “se o ACS não está

visitando, a própria pessoa traz a informação pra gente”.

Consideramos necessário informar que, em nenhum momento, as

enfermeiras afirmaram que registram formalmente a supervisão por elas realizada.

Não registrando, impossibilitam que seja feita, por elas ou por seus superiores, a

avaliação da supervisão e, conseqüentemente, não permitem a retro-alimentação,

que se faz necessária após o processo de avaliação.

Durante as entrevistas com as enfermeiras, observamos que referiam

como dificuldade para a realização da supervisão, o excesso de trabalho e,

conseqüentemente, a falta de tempo gerada pela grande demanda de atividades

próprias da enfermeira, tais como coleta de preventivo, puericultura e planejamento

familiar. Para uma delas, além do espaço físico da USF também dificultar a

supervisão, pois gostaria de trabalhar em grupos, fazer dinâmicas que facilitassem o

aprendizado em atividades de capacitação dos ACS, a distância entre a unidade e

as micro-áreas de atuação destes, impossibilita fazer visitas domiciliares com maior

freqüência, pois não há um veículo à disposição das equipes para esta tarefa.

Como fator facilitador, citaram o trabalho conjunto com a assistente social,

as reuniões que fazem com a equipe e/ou com os ACS, os relatórios que são

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preenchidos com os dados colhidos pelos ACS, além das fichas de cadastramento.

Uma das enfermeiras citou também o trabalho em equipe como facilitador da

supervisão, pois conta com o entrosamento e respeito que há entre os membros de

sua equipe.

Argüimos as enfermeiras quanto à percepção da supervisão de seu

trabalho, realizada por seus superiores. Todas responderam afirmativamente, em

especial quanto ao controle de resultados, mas também em relação a orientações

para a resolução de problemas. Apenas uma enfermeira referiu que foi observada

diretamente – “[...] ele me observou diretamente, me acompanhou em uma visita,

acredito que pra ver qual o meu comportamento, como eu trabalho, como que eu lido

com o cliente. Foi uma visita solicitada pelo distrito, uma visita especial”.

Na entrevista com a coordenadora do PSF municipal perguntamos se as

enfermeiras solicitavam supervisão, a qual respondeu ser constantemente solicitada,

pelos motivos mais variados, dentre eles, os problemas com a definição da área de

abrangência da unidade, reorganização do trabalho e atendimento de população de

outras áreas.

Concluindo a entrevista com as enfermeiras, solicitamos que informassem

se haviam recebido conteúdo teórico a respeito de supervisão de enfermagem no

curso de graduação. Uma das enfermeiras respondeu que “foi comentado,

certamente foi comentado, mas nada específico sobre supervisão. Tanto que não

marcou e fica uma coisa bem falha mesmo, que a gente sente bastante falta depois

que a gente sai da escola, vai pra realidade, se depara com situações que às vezes

fica uma coisa falha mesmo”.

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Para uma outra entrevistada, o conteúdo não foi ministrado teoricamente

e foi “prática mesmo, então, foi coisa que a gente teve que abrir caminhos mesmo,

procurar, ler e buscar aprender”.

Outras duas enfermeiras, graduadas na mesma instituição, afirmaram que

o conteúdo teórico foi ministrado apenas na matéria de “Administração”, voltada para

a área hospitalar e que, em Saúde Pública, o conteúdo foi abordado muito

superficialmente, não possibilitando um aprendizado satisfatório sobre o tema. Uma

delas emitiu a seguinte resposta:

Em nível hospitalar, no estágio de administração foi discutido, mas pouco. Depois, deparando com o dia-a-dia, a gente vê a falta que faz um conteúdo mais voltado para esta parte. E Unidade de Saúde a gente viu muito pouco. A gente passou uns dias verificando toda esta parte administrativa, mas como aluno você não tem aquela visão pra procurar entender melhor todo o processo e também acho que faltou um pouco de apoio, procurar voltar mais para a importância. O conteúdo teve mas não foi tão adequado quanto deveria ser.

Culminando a apresentação dos dados do eixo Supervisão, abordamos

outras três questões que foram elaboradas para a entrevista com a coordenadora do

PSF do município.

Ao ser questionada sobre os requisitos que considera básicos para que

uma enfermeira possa ser supervisora de ACS, respondeu que acredita serem

necessários conhecimentos técnicos e da área das ciências sociais, o que percebe

que falta “um pouquinho” entre as enfermeiras, além de conhecimentos a respeito de

comunicação. Afirmou perceber que, comparativamente ao médico e outros

profissionais da área da saúde, as enfermeiras “têm mais conhecimento, mas ainda

não o ideal”.

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Questionamos o que seria, para ela, uma boa supervisão, ao que

respondeu:

tem que ser uma pessoa que seja organizada, que esteja atenta para o seu entorno, porque eu acho que lidar com pessoas, com seres humanos é uma coisa que precisa realmente de uma certa dose de habilidade. Você tem que perceber isto, porque às vezes você pode desfazer até o entrosamento do grupo se você não estiver percebendo um pouco isto. Acho que passa por aí também. Falamos da organização, falamos da questão do estar atenta e passa pelo aspecto técnico também, a qualidade técnica, sem dúvida.

Perguntamos, finalmente, em quais aspectos a supervisão realizada hoje,

em Ponta Grossa, pelas enfermeiras supervisoras de ACS, tem facilitado e/ou

dificultado a efetiva implantação do PSF no município, para o que obtivemos a

seguinte afirmação:

Veja, eu não consigo ver pontos negativos nesta história. Eu acho que a supervisão tem ajudado muito, muito mesmo, pelo próprio trabalho na comunidade e isto passa pelos ACS. Eu acho que elas têm sabido utilizar os ACS como realmente um elo entre a unidade e a comunidade e isto facilita bastante. Eu acho também que elas estão muito mais preparadas e muito mais motivadas para desenvolver um trabalho voltado para a proposta do que outros elementos, com raríssimas exceções. A gente percebe que falta um pouquinho de conhecimento da proposta, mas elas têm muito interesse e a gente percebe que isto está crescendo a cada dia.

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CAPÍTULO IV

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão central deste estudo foi contribuir para uma reflexão acerca da

supervisão de enfermagem, mais precisamente supervisão realizada pela enfermeira

de equipes de PSF, em relação ao trabalho do ACS.

No Brasil, os primeiros projetos de medicina comunitária surgiram,

segundo Mendes (1996), nos anos 70. Desde a conferência de Alma Ata, em 1978,

tem sido discutido um novo modelo assistencial, que privilegie a promoção da saúde,

“trabalhando com os condicionantes e determinantes gerais de saúde através de

seus aspectos positivos e não apenas dos negativos, como seqüela e morte” (Busch,

2000).

A partir da 8ª Conferência Nacional de Saúde, ocorrida em 1988, vem se

consolidando, no Brasil, o princípio da “Saúde como Direito de Todos e Dever do

Estado”, culminando nos anos 90 com a institucionalização do Programa de Agentes

Comunitários de Saúde e Programa de Saúde da Família. Em ambos os programas,

coube à enfermeira a responsabilização por coordenar e supervisionar o trabalho

dos ACS.

Analisando os dados obtidos para este estudo verificamos que a

enfermeira responde por diversas atividades desenvolvidas diariamente nas USF, o

que, no seu entender, é fator limitante para o desenvolvimento da supervisão. O

tempo dispendido com a administração da unidade e a burocracia decorrente desta,

somada à sua prática profissional nos diferentes programas desenvolvidos pelo

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serviço de saúde, dificultam o acompanhamento do ACS e o desenvolvimento,

juntamente com estes, de atividades com a comunidade.

O caráter administrativo da supervisão foi realçado pelas respostas

(verificação de cumprimento de horários, assiduidade dos profissionais, elaboração

de relatórios, entre outros) e, possivelmente, as enfermeiras não tenham sua

atenção voltada para a riqueza de oportunidades de desenvolvimento da educação

permanente, o que talvez fosse observado se considerassem, mais amiúde, a

supervisão em seu caráter pedagógico. Percebe-se que, para as enfermeiras, “fazer

junto” é significado de fazer a supervisão do trabalho do ACS. Constatamos, assim,

que a supervisão está mesclada com as rotinas das atividades da equipe, não

ocorrendo sistematicamente, não sendo registrada e muito menos sofrendo

avaliação.

Percebemos limites quanto ao entendimento da supervisão como

processo educativo que permite mudanças nas relações de trabalho, nas relações

com a comunidade, na reflexão a cerca do modelo assistencial, facilitando inclusive,

a participação comunitária.

Quanto ao trabalho em equipe que, segundo nosso conhecimento,

permite um amadurecimento da equipe como um todo e, conseqüentemente, facilita

a supervisão, os dados demonstram que, talvez, a ausência ou baixa freqüência de

reuniões, da qual todos participem, tem dificultado o relacionamento interpessoal,

consolidado a hierarquia profissional e até impossibilitado que os ACS se

reconheçam como atores de mudança, peças importantes na promoção da saúde.

Cabe aqui registrar uma de nossas indagações - se a comunicação entre a equipe

deixa a desejar, como estará a comunicação da equipe com a comunidade? Estará

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a enfermeira percebendo as dificuldades que o ACS enfrenta no seu relacionamento

com as famílias? Propostas de enfrentamento das dificuldades estão sendo

colocadas à mesa? Acreditamos pertinente sugerir que estudos posteriores possam

ser realizados para aprofundar a compreensão da percepção e valorização do ACS,

em relação ao seu trabalho.

Observamos, também, que as enfermeiras relataram que, em seus cursos

de graduação, a supervisão não foi enfocada em seus distintos aspectos. Cabe aqui

questionamento em relação à educação formal da enfermeira – estarão os cursos de

enfermagem capacitando enfermeiras para a tarefa de supervisão, com a

compreensão de seu papel enquanto líderes de equipe de enfermagem?

Impossibilitadas de obter os programas atuais das disciplinas que teriam

este conteúdo em sua programação, não nos sentimos habilitadas a tecer qualquer

observação. No entanto, sugerimos que estudos sejam efetivados com o intuito de

conhecer como têm sido ministrados os conteúdos específicos que instrumentalizam

a enfermeira para o exercício desta atividade, pouco explorada e pouco valorizada.

Um aspecto relevante detectado no estudo, foi o de que a coordenação

do PSF local considera positiva a atuação das enfermeiras em suas equipes,

colaborando para a efetivação do PSF no município. Reconhece que há um longo

caminho a ser percorrido, mas entende que os resultados até agora obtidos têm sido

importantes para a re-estruturação do serviço.

Refletindo sobre as diferentes atribuições que tem a enfermeira de ESF,

entendemos que desafios lhes são colocados e, entre eles, podemos citar:

estabelecer um planejamento de atividades, o que possibilitaria readequação do

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tempo a ser dispendido nas diversas ações a serem realizadas, tanto na USF quanto

na comunidade. O planejamento também facilitaria a delegação de funções, a

detecção das necessidades de trabalho e o estabelecimento de metas para o

alcance de objetivos de curto, médio e longo prazo.

Um outro desafio seria sistematizar a supervisão, criando um instrumento

para registro, de modo a subsidiar a avaliação da supervisão e possibilitar a retro-

alimentação. Além deste, ainda poderíamos citar como desafio, o fortalecimento das

relações interpessoais na equipe e desta com a comunidade, valorizando o papel do

ACS e estimulando a sua participação em todas as atividades da ESF.

Acreditamos que a avaliação do trabalho do ACS deve ser tanto

quantitativa (tomando por base o SIAB) quanto qualitativa. Portanto, cabe à

enfermeira avaliar a atuação do ACS “in loco”, o que lhe permitirá avaliar seu

envolvimento com a comunidade, as facilidades e as dificuldades enfrentadas no

desempenho de sua função.

Tendo em vista a complexidade do trabalho em uma equipe de PSF, a

formação biologicista da enfermeira e demais componentes desta equipe,

entendemos que foram aqui discutidos e analisados aspectos que venham contribuir

com o desenvolvimento da equipe e, principalmente, da organização do processo de

supervisão do ACS. É possível concluir que a supervisão é tarefa complexa, que

exige planejamento e conhecimento teórico para sua aplicação; que as enfermeiras

são conhecedoras dos limites e desafios que lhes são impostos no cotidiano e que

ressentem-se de capacitação para o seu enfrentamento.

Lembramos que a capacitação das enfermeiras supervisoras/instrutoras é

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de responsabilidade do Pólo de Saúde da Família e das coordenações municipais

de PSF, porém temos observado movimentos isolados no sentido de

instrumentalizá-las para o exercício da supervisão. Portanto, sugerimos que

encontros e oficinas de trabalho para discussão do tema possam ser ofertados pelo

Pólo Estadual, em parceria com o Ministério da Saúde, possibilitando amplas

discussões e promovendo o intercâmbio das diferentes experiências e trabalhos

desenvolvidos nos Pólos de outras regiões do país.

As reflexões e constatações resultantes desta pesquisa são verdades, na

medida em que acreditamos nelas. Não são absolutas, porque a transformação-

hoje-em-processo pode, amanhã, revelar aspectos, valores ou desvalores que agora

não vemos. E, nesse caso, elas mudarão...

Vale lembrar o pequeno trecho de uma canção:

Se muito vale o já feito,

Mais vale o que serão

E o que foi feito é preciso conhecer

Para melhor prosseguir

(Milton Nascimento, Fernando Brandt)

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ANEXOS

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ANEXO I

ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM ENFERMEIRAS

1. Tempo de formada

2. Tempo de atuação como enfermeira de equipe de PSF

3. Descreva seu dia-a-dia de trabalho e comente sobre suas atribuições na

USF

4. Baseada em sua experiência, como definiria supervisão?

5. Como faz a supervisão do trabalho do ACS?

6. Como avalia esta supervisão?

7. Comente sobre os fatores que, ao seu ver, facilitam ou dificultam a

realização da supervisão

8. Percebe se o seu trabalho é supervisionado?

9. Comente como ocorre o trabalho em equipe na sua unidade de atuação.

10. Gostaria de fazer algum comentário?

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ANEXO II

ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM ACS

1. Tempo de atuação como ACS:

2. Tempo de atuação na mesma equipe:

3. Descreva como é o seu dia-a-dia de trabalho

4. Sabe me dizer quais são as atividades que a enfermeira supervisora desenvolve?

5. Vamos falar em trabalho em equipe. Quais são os outros membros que

compõem sua equipe de trabalho? Quais as atividades que desenvolvem?

6. Você vê diferença entre o seu trabalho e o trabalho do auxiliar de enfermagem?

Quais?

7. Quantas vezes a equipe se reúne para tratar de assuntos de interesse da

equipe? Você participa destas reuniões?

8. A enfermeira faz visita domiciliária com você? Como é esta experiência?

9. Quando teve dificuldade em seu trabalho, a quem procurou para resolvê-la?

10. Se a supervisora não está, a quem recorre para tirar dúvidas?

11. Gostaria de fazer algum comentário?

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ANEXO III

ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM COORDENADORA DO PSF

1. Por favor, defina, com suas palavras, o que significa supervisão.

2. Gostaria que comentasse como ocorre a supervisão das enfermeiras do PSF do

município.

3. As enfermeiras solicitam supervisão? Por quais motivos?

4. São realizadas reuniões com as enfermeiras? Com que freqüência?

5. Quais assuntos são tratados nessas reuniões?

6. Observa se existe rixa entre AE e ACS?

7. Quais são os requisitos que a senhora considera básicos para que uma

enfermeira seja coordenadora de ACS?

8. Para a senhora, o que seria uma boa supervisão?

9. Em quais aspectos observa que a supervisão, realizada hoje em Ponta Grossa,

pelas enfermeiras de PSF, tem facilitado e/ou dificultado a efetiva implantação da

estratégia no município?