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1 www.visãoinclusiva.com.br, [email protected] PRÁTICA DOCENTE NA EDUCAÇÃO DE PESSOAS SURDAS ATRAVÉS DA COGNIÇÃO E DA DESCRIÇÃO VISUAL SINALIZADA: ENSAIOS PEDAGÓGICOS 1 Prof. Dr. Luiz Albérico Falcão 2 Resumo: A educação humana apresenta uma complexa relação cérebro-mente-espírito-energia. Desde a consciência educacional familiar à prática docente de professores surdos e ouvintes e de interpretes da Libras a pergunta é uma só: Como fazer para garantir ensinagem e aprendizagem significativa e libertadora para/com pessoas surdas? O fato é que o acolhimento, a alfabetização e socialização de crianças, jovens e adultos com deficiência auditiva todo o processo deve ser adequado com estratégias pedagógicas diferenciadas e em Libras. Assim, existe a necessidade de redesenhar a práxis com ferramentas educacionais adaptadas aos educandos surdos, em cada tema e conteúdo curricular. Ao educador cabe conhecer e dominar diferentes técnicas que envolvem a Descrição Visual Sinalizada; a Leitura de Imagem sinalizada e o Tripé da Aprendizagem. Assim como, reconhecer estratégias como o Baralho das Configurações para brincadeiras e jogos inclusivos envolvendo surdos e ouvintes e o álbum de imagens como ferramentas de problematização e tema gerador. A metodologia aplicada nesta investigação está norteada pela pesquisação e observação-participante. A resultante deste estudo é a consolidação de um rico ensaio pedagógico cujas oportunidades e possibilidades educativas sobressaem dos limites escolares para os lares onde estão crianças surdas desamparadas da língua e da identidade familiar. Espera-se com esta compilação contribuir com a formação de educadores no planejamento e execução de atividades inclusivas com surdos e ouvintes, além de fomentar requisitos educacionais metodológicos para a prática docente inclusiva efetivando momentos de aprendizagens, libertação, autonomia e prazer de convivência transdisciplinar e multidimensional. Palavras Chave: Educação de Surdos, Formação Docente, Acessibilidade e Inclusão, Língua de Sinais-Libras. Justificativa A educação das pessoas surdas 3 tem estado regrada por um discurso excludente de professores e professoras de que disponibilizar um interprete em sala de aula garante 1 Depois de uma década de experiências escolares com surdos, de ensinar a Libras e de trabalhar na formação de professores como educar as pessoas com deficiência auditiva, apresentamos neste texto algumas técnicas para o desenvolvimento de atividades escolares e educativas com surdos. 2 Professor Assistente da Universidade de Pernambuco, Doutor em Ciências da Educação e especialista em educação de surdos e Libras. Coordena o Programa de extensão de Formação de Multiplicadores Inclusivos - PROFORMI e o curso de Instrutor de Libras. Conta ainda com dezenas de livros publicados na área. 3 Inicialmente defendemos a ideia de não generalizar a Libras como utilizada por todos os surdos. Nem o estigma de surdo sinalizante para todos. Existem quatro níveis de residual auditivo: leve, moderado, severo e profundo, ainda existem aspectos relevantes da identidade

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PRÁTICA DOCENTE NA EDUCAÇÃO DE PESSOAS SURDAS ATRAVÉS DA COGNIÇÃO E DA DESCRIÇÃO VISUAL SINALIZADA: ENSAIOS

PEDAGÓGICOS1 Prof. Dr. Luiz Albérico Falcão2

Resumo:

A educação humana apresenta uma complexa relação cérebro-mente-espírito-energia. Desde a consciência educacional familiar à prática docente de professores surdos e ouvintes e de interpretes da Libras a pergunta é uma só: Como fazer para garantir ensinagem e aprendizagem significativa e libertadora para/com pessoas surdas? O fato é que o acolhimento, a alfabetização e socialização de crianças, jovens e adultos com deficiência auditiva todo o processo deve ser adequado com estratégias pedagógicas diferenciadas e em Libras. Assim, existe a necessidade de redesenhar a práxis com ferramentas educacionais adaptadas aos educandos surdos, em cada tema e conteúdo curricular. Ao educador cabe conhecer e dominar diferentes técnicas que envolvem a Descrição Visual Sinalizada; a Leitura de Imagem sinalizada e o Tripé da Aprendizagem. Assim como, reconhecer estratégias como o Baralho das Configurações para brincadeiras e jogos inclusivos envolvendo surdos e ouvintes e o álbum de imagens como ferramentas de problematização e tema gerador. A metodologia aplicada nesta investigação está norteada pela pesquisação e observação-participante. A resultante deste estudo é a consolidação de um rico ensaio pedagógico cujas oportunidades e possibilidades educativas sobressaem dos limites escolares para os lares onde estão crianças surdas desamparadas da língua e da identidade familiar. Espera-se com esta compilação contribuir com a formação de educadores no planejamento e execução de atividades inclusivas com surdos e ouvintes, além de fomentar requisitos educacionais metodológicos para a prática docente inclusiva efetivando momentos de aprendizagens, libertação, autonomia e prazer de convivência transdisciplinar e multidimensional.

Palavras Chave: Educação de Surdos, Formação Docente, Acessibilidade e Inclusão,

Língua de Sinais-Libras.

Justificativa A educação das pessoas surdas3 tem estado regrada por um discurso excludente

de professores e professoras de que disponibilizar um interprete em sala de aula garante

1Depois de uma década de experiências escolares com surdos, de ensinar a Libras e de trabalhar na formação de professores como educar as pessoas com deficiência auditiva, apresentamos neste texto algumas técnicas para o desenvolvimento de atividades escolares e educativas com surdos. 2 Professor Assistente da Universidade de Pernambuco, Doutor em Ciências da Educação e especialista em educação de surdos e Libras. Coordena o Programa de extensão de Formação de Multiplicadores Inclusivos - PROFORMI e o curso de Instrutor de Libras. Conta ainda com dezenas de livros publicados na área. 3 Inicialmente defendemos a ideia de não generalizar a Libras como utilizada por todos os surdos. Nem o estigma de surdo sinalizante para todos. Existem quatro níveis de residual auditivo: leve, moderado, severo e profundo, ainda existem aspectos relevantes da identidade

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a sua aprendizagem significativa e funciona como modelo de acessibilidade. Assim, muitos professores e professoras demandam a estes profissionais intermediadores, a responsabilidade da socialização, comunicação, do ensinamento e da avaliação sem que assumam seu verdadeiro papel e responsabilidade a qual foram formados.

Algo efetivamente precisa mudar qualitativamente, tanto na formação docente, como na práxis escolar, para que toda a comunidade escolar (pais, professores, gestores, auxiliares e terceirizados) assuma seu verdadeiro papel formador e humanizador de humanos.

E que professores e professoras construam sua práxis com muito mais consciência, mais eficiência e eficácia, planejamento e responsabilidade, dedicação, esforço, paciência e resultados mais produtivos, dignos de uma escola que acolhe a todos, inclusiva e para todos. Até lá, a escolarização de surdos se mantém alienada e perdida como cego em tiroteio, onde cada um atira para todos os lados esperando acertar em algum lugar. Quando não, se mantém uma prática ritualizada e retórica “porque sempre deu certo assim”, sem abrir espaço para novas demandas por novos atores, legitimando o modelo segregacionista e justificando o discurso esmolativo e protecionista que não retém, não educa, não forma, nem constroi a humanidade mais humanizada.

1. Reconhecendo na surdez possibilidades pedagógicas e libertadoras A surdez não deve ser vista como um desastre nem um castigo divino, mas sim,

como um desafio de identificar alternativas e possibilidades reais mais próximas das ideais e por caminhos mais significativos e investigativos do que a simples contextualização discursiva sem investigar nem reconhecer-se sujeito do mundo.

A aprendizagem por contexto na educação das pessoas surdas nem sempre liberta, nem sempre constrói, nem sempre transforma. Apenas ameniza e simplifica sua participação no mundo, porque não oferece recursos investigativos para a problematização da aprendizagem. Geralmente quando as pessoas surdas utilizam os sinais “aprendi” e “entendi” funciona como pacote pronto, sem dúvidas, sem questionamentos, sem investigação, sem novos investimentos. Como se o conhecimento fosse fechado em si e imutável. Como se não houvessem outras formas de reconstruir ou ressignificar os saberes.

do sujeito: se é surdo oralizado usuário de aparelho auditivo. Pode ainda ser implantado coclear. Este cidadão terá sempre deficiência auditiva, e pode não ser usuário da Libras e nem por isto deixou de ser surdo. Então quando se dirigir a um surdo é preciso identificar qual a sua especificidade comunicacional. Num ambiente onde todos são surdos oralizados com aparelho auditivo e não sinalizantes de nada adianta oferecer interprete de libras.

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A aprendizagem por contexto mantém o sujeito aprendente surdo apenas com uma ideia do fenômeno, sem duvidar, investigar nem buscar epistemologicamente justificativas para outras formas de coexistência. Sem compreender valores, alternativas e possibilidades para novas aprendizagens, ou mesmo que justifique tanto tempo sentado nas bancas escolares sem construir significativamente sua vida.

Este imbróglio conteudista e alienador tem um culpado: a sociedade que não sabe como se comunicar, educar, compreender o raciocínio lógico, reinterpretar de forma imagética o mundo para que toda a informação seja acessível ao mental e cognitivo da pessoa com deficiência auditiva.

Embora não se perceba diferente4, a criançae jovens surdosdevem ser estimulados para apreenderem e perceberem o ambiente espacial e temporal pelas vias sensoriais e, a visão, é a principal fonte de interação e estimulação para que, de forma compensatória, multidimensional e multifatorial, sejam fornecidos mecanismos, estratégias e alternativas educacionais coerentes com a sua especificidade cognoscitiva, mental, intelectual e humana.

É preciso ampliar e,definitivamente, com um megadetalhamento de cada fenômeno. Não se pode esperar que o apenas visto seja garantiapara a aprendizagem, ou o suficiente para que seja apreendido em todos os seus liames e possibilidades.

Alguns verbos dão muito trabalho para educadores de surdos: indagar, duvidar, questionar, problematizar para transformar. Perguntas devem ser constantemente repetidas ao longo de cada dia na relação familiar e escolar: Quem? Por quê? Como? Onde? De outra forma como seria? E se fosse diferente? O que muda? Vamos comparar os resultados? Agora explique o que aprendeu... E por que não deu ou não deu certo assim e assim? O que podemos concluir? Vamos fazer diferente? Ontem aprendemos isto e isto, hoje vamos aprender mais além... É preciso colocar na mente das pessoas surdas que aprender nunca acaba nem termina em si, e que a profissionalização é um caminho de esforço e dedicação e não de privilégios e respostas prontas irrefletidas ditas pelos seus intermediadores com o sinal de “normal” e “fácil”.

Então, nunca devemos aceitar de uma criança, jovem e adulto surdo uma resposta de que já conhecem algo e caso encerrado. Questione como funciona; mude o caminho; o processo; o olhar focal; a investigação. Faça o caminho inverso, do fim para o começo, da problematização e do produto para a origem e o inicio. Busque até o inexplicável como a vida e o Ser enquanto coexistência com o mundo, a natureza e o cosmo; a energia e a vida sem que incorra para a divindade onde tudo se sublima e mediocriza os sinais no silêncio do impenetrável.

4 Uma jovem surda aos 18 anos e aluna da 8ª série de uma escola de referencia do Recife- PE afirmou: “CEGO AZAR SURDO NORMAL”. A mãe relatou que seu filho descobriu a deficiência ao 11 anos quando perguntou por que ele usava aquele negócio na orelha e os demais coleguinhas da turma não.

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A subjetividade e construção abstrata de conceitos são terrenos áridos na educação de surdos. Reconstrua com criatividade e ousadia sua práxis com o mundo para que este seja ressignificado com possibilidades e oportunidades diferenciadas para podermos reconstruir um ambiente familiar, escolar e profissional com integridade, harmonia e valoração da humanidade que tenta atingir a plenitude inclusiva.

Caminhos educativos diferenciados Sendo intencionalmente educativo e elucidativo, cada nova e/ou ressignificada

situação de ensinagem e aprendizagem deve prescindir da Técnica do Tripé da Aprendizagem. A demonstração, simulação e ação “com” o sujeito surdo é uma proposta de vivência e coexistência compartilhada e construtiva. Sua participação deve considerar valores, sentimentos, percepções, interpretações em diferentes situações de forma que compense a ausência/perda parcial ou total da audição.

Ou seja, é preciso encarar a surdez como risco de déficits de aprendizagem e não como uma coisa normal e que não se precisa de ferramentas diferenciadas para a compreensão e assimilação do conhecimento.

Sendo os caminhos cognitivos e mentais semelhantes entre os diferentes sujeitos, o que muda no sujeito com deficiência auditiva, principalmente severo e profundo, é o canal de percepção e o local de registro sensorial cérebro-mente, assim, os estímulos sensoriais e a interação com o mundo devem ser adaptados de forma contextualizada investigativa, compensatória e reflexiva nas demais vias sensoriais.

Assim, o cérebro assume suas funções acumulativas, interpretativas, reflexivas, renovadas e ampliadas favorecendo a compreensão da contextualidade de cada situação de aprendizagem como processo comum. Afinal, todo espaço cortical reservado para audição estaria, a princípio preservado, mas os estímulos, a via e os espaços utilizados para os registros não seguem esta área do córtex auditivo.

É preciso trabalhar esta realidade com serenidade e perseverança, acreditando na capacidade e no potencial de aprendizagem da pessoa surda a partir da compreensão deste mecanismo compensatório que só vai ocorrer se os estímulos externos, o meio ambiente, as relações sociais, os valores pessoais e a cultura familiar, social das ruas, da escola, do trabalho, apresentarem esta nova forma estratégica de apresentação e reconstrução do mundo.

A título de ilustração e reflexão, o sujeito cego quando abre a boca para reivindicar qualquer situação pede que lhe seja apresentado, exatamente tudo, detalhadamente espacial e temporal, formas, modelos, cores e valores para que ele construa seus conceitos em cima das descrições e das suas percepções sensoriais preservadas. A técnica da áudio-descrição é uma prova deste modelo de acessibilidade.

O sujeito surdo vê e na maioria das vezes não argumenta maiores detalhamentos sobre os mesmos fenômenos. E se assim o fizesse, quem iria interpretar? sob os limites

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do único olhar do intérprete o que e como construir valores, conceitos e representações significativos? Os surdos estão a mercê, na dependência daqueles que se fazem representá-los de forma solitária, acrítica e flutuante segundo os valores e preconceitos de quem os intermedia porque a interpretação é sempre de alguém e incorre em riscos conforme Solé (2005) do “falem por mim”.

A criança surda percebida como pessoa em formação, deve ser tratada como tal. Afago, educação dos limites e do “não” na hora certa contribuem para compreensão e segurança no mundo que a cerca.

Embora não possa ouvir, é importantíssimo que as pessoas continuem falando com ela. Ao falarmos, usamos não só a nossa voz e as palavras, mas, também, as expressões faciais e a movimentação de todo o corpo ajudam a complementar a fala. Ao ficar em silêncio com seu filho surdo, nem mesmo estas mensagens corporais serão passadas para ele. O que acontece então é o bloqueio na comunicação. Sem poder dizer o que sente e pensa e ao perceber que também não consegue estabelecer nenhuma comunicação, a criança surda pode se tornar mais agitada e um pouco agressiva. (INES, 2005 apud FALCÃO, 2012)

A relação de confiança e comunicação precisa ser também com os olhares

dirigidos um para o outro para que ela possa sentir com a expressão do seu interlocutor aquilo que ele deseja de fato comunicar. Mesmo não entendendo a mensagem completamente, ela observa que os olhos e a expressão facial podem dar significado à fala. Então, ser sincero com o olhar é uma forma de se comunicar com mais efetividade e segurança. Mas se a criança baixa o olhar ou desvia de direção ou até fecha os olhos, é sinal de que a comunicação e o diálogo não estão acontecendo satisfatoriamente. É preciso ser mais convidativo e efetivo, retomando um rumo da comunicação motivada pelo interesse e atenção dos sujeitos.

Entre dois ouvintes que discutem o tom de voz geralmente se altera e tendem a querer um superar o outro. Pode terminar aos gritos sem entendimento ou o “poder” supera a falta de bom senso. Como seria essa situação diante de um surdo? Entre dois surdos que gesticulam vão rapidamente às tapas, murros e bofetões ou um sai e acaba-se a amizade.

Entre surdos e ouvintes quando fecham-se os olhos a comunicação e o diálogo estão comprometidos. A relação interpessoal e dialética não pode estar medida pela força, pelo poder da oratória sobre a indiferença. Com os surdos a fala deve seguir uma sequência lógica e alternada de interlocutores sinalizantes.

Também não deve-se misturar, na educação com surdos, compreensão e saber com mimo e excesso de proteção. “A criança surda não é boba, percebe a fragilidade de seus pais, e como toda criança, vai tentar dominá-los. Dar limites é também dar segurança à criança” (INES, 2005 apud FALCÃO 2012).

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Uma criança surda que convive com um território transcultural valora a vida nas relações com todos e não exclui seus familiares nem a escola das suas relações com seus pares surdos pois a língua de sinais é um ambiente comum de interação e de conhecimento que universaliza e harmoniza a vida.

A nossa redundância de repetir, a todo momento, as palavras escritas, manuais e sinalizadas vale como reforço, deve ser trabalhada com o surdo, em figuras e sinais. Funciona como proposta educacional em defesa da memorização e afirmação de que cada objeto tem um nome, significado universal e pessoal, função, valor, representação. De que é importante cada estímulo como fenômeno cognoscível e que é apresentado como interação externa que se torna implícito na memória. Esses estímulos servem para a construção de um campo mental reflexivo conceitual para a fixação da aprendizagem pela multifatoriedade de interações, e deve estar presente desde o primeiro semestre de vida de uma criança com diagnóstico de surdez.

Em todos os espaços de diversão, em cada passeio, pic-nic, viagens e encontros que a criança surda estiver presente, deve ser dedicada a ela um tempo maior de exposição, explicação dos valores, significados e culturas respectivamente, para que ela se sinta importante e envolvida, respeitada, valorada e amada, vidente e comunicante pela sinalização do/para/com o mundo. É preciso considerar que o sujeito surdo não determina uma doença nem um estado de depreciação por conta da surdez, mas existe um risco que pode ser remediado através da comunicação sinalizada em Libras.

Ser surdo, portanto, não é uma catástrofe, nem a pessoa deve ser digna de pena, compaixão que muitas vezes são tidos como o “bichinho” e são deixados à deriva na ignorância e na marginalidade pelo simples fato de não conhecerem, pais e professores, a libras e como se comunicar/educar uma criança para o mundo sinalizado.

1.2 Especificidade da Interpretação/tradução de diferentes temas para diferentes componentes curriculares, pessoas, saberes

O conhecimento humano tem uma dinâmica infinita de saberes. Nas escolas brasileiras os conteúdos curriculares apresentam-se registrados em vários temas que conferem áreas afins e interesses pessoais em cada especificidade temática.

Este conhecimento é universal e precisa ser ampliado para os sinais da Libras que atualmente não atendem a 10% desses saberes. E a utilização de recursos como os classificadores ou o ensino por contexto e sentido da Libras também não confere apropriação do conhecimento.

• História: Pré-história, Antiga, Média, Moderna, Contemporânea, Pós-modernidade líquida (Brasil, América Latina, Ocidente, Oriente, Ásia, Oceania...;

• Geografia: Política, Humana, Econômica, Espacial, Ambiental;

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• Matemática: Básica, Geometria, Álgebra, Aritmética, números naturais, reais, inteiros, irracionais, racionais, complexos, virtuais;

• Física: Mecânica, Quântica, Elétrica, Eletrônica, Ótica, Termodinâmica, Nuclear;

• Química: Orgânica, Inorgânica, Bioquímica; • Tecnologia: Hardware, Software, programação, inteligência artificial, internet,

banco de dados, redes, robótica,...; • Biologia: Genética, Taxonomia, Fisiologia, Botânica, Citologia, Histologia,

Zoologia, Anatomia (Reino, espécie, classe, ordem, família, gênero, tipo),... • Filosofia: Sentimento, Reflexão, Metafísica; • Sociologia: Sociedade, Praxis, Crítica, Autocrítica, Autoconsciência • Artes: História da Arte, Clássica, Medieval, Renascentista, Moderna (Cubismo,

Expressionismo, Surrealismo); • Letras: Fonética, Ortográfica, Gramática de diferentes línguas, literatura.. • Educação Física: Práticas esportivas, Exercícios físicos, Conhecimentos

técnicos, jogos esportivos, de salão, de competição...; • Ética: Cidadania, Moral e Cívica;

Religião: Criacionismo, Brasil (Cristianismo protestante e católico, Islamismo, Afros)

Esperamos que sejam criados novos sinais e que a Libras possa contribuir para que surdos motivem-se e insiram-se no mercado de trabalho cada vez mais competitivo e com habilidades diversas..

2.A intencionalidade educativa diante da pessoa surda na aquisição da Libras Inicialmente defendemos a ideia de não generalizar o conceito de surdez para todos. Além de existirem quatro níveis de residual auditivo: leve, moderado, severo e profundo, ainda existem aspectos relevantes da identidade do sujeito. Se é surdo oralizado usuário de aparelho auditivo. Pode ainda ser implantado coclear. Este cidadão terá sempre deficiência auditiva, e pode não ser usuário da Libras e nem por isto deixou de ser surdo.

É inviável considerar a aquisição da linguagem fora dos aspectos históricos, sociais, culturais, políticos, econômicos, educacionais, profissionais e holísticos, em que os sujeitos, surdos e ouvintes estão inseridos, como também, não se deve isolar da sua vivência, os aspectos afetivos, emocionais e identitários que fazem parte da sua constituição humana representada por situações e problematizações.

BAKHTIN (1992 apud FALCÃO, 2012), afirma que

A língua não é um conjunto de formas e regras estáticas, constituída por um processo de evolução contínua que se realiza através da interação social dos locutores cuja criatividade

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não pode ser compreendida independente dos conteúdos e valores ideológicos que a ela se ligam.

A questão diagnóstica da pessoa com deficiência auditiva deve estar

intimamente relacionada com a interação em língua de sinais que assume a mediação entre os interlocutores proporcionando comunicação e construção de conhecimentos. Mas nada acontece por um acaso, nem se aprende a Libras por osmose, nem parasitando saberes.

Para que um estímulo se transforme numa informação valiosa, para ocorrer ensinagem e aprendizagem é preciso esforço volitivo, intencional que assume movimento intrínseco cognoscitivo.

O desejo de aprender é de natureza individual do aprendiz, e ocorre de dentro para fora. A motivação para a aprendência é, portanto, pessoal e intransferível. A forma como o mundo se apresenta vai ser fator determinante para a qualidade da aprendizagem e humanização do sujeito como fruto do meio. A informação intermediada pelo locutor e o interlocutor gera conhecimento. Para que a comunicação assegure a difusão, disseminação e universalização das informações, experiências pessoais e coletivas e possam se constituir em conhecimento significativo e assim, permitira dinâmica do processo cognição e recognição, deve-se considerar que cada situação não está isolada no tempo nem no espaço e a forma como se comunicam e interagem interfere diretamente na reinterpretação e compreensão dos fenômenos. Isto gera aprendizagem, historicidade e culturalidade dos saberes, dinâmica e identidadeindividual a partir das relações familiares e sociais.

Neste contexto de reinterpretação do mundo a linguagem tem o papel estruturador do pensamento e o seu desenvolvimento promove uma melhora na obtenção de informações, interpretações, inferências e intervenção do meio, segundo as experiências individuais, a percepção, análise e reinterpretação sensorial de cada fenômeno.

Tradicionalmente as crianças surdas são privadas de estímulos adequados e de investigação contextualizada, de descrição visual sinalizada que atendam às suas necessidades e especificidades cognoscitivas.

Lamentavelmente, a falta de qualidade e de conteúdos e contextos multidimensionais e multifatoriais a serem apresentados e vivenciados pelos surdos determinam um modelo fracionado, fragmentado de lacunas na estruturação do pensamento, do comportamento, da construção significativa e conceitual do mundo pela da língua de sinais. As relações sociais e a estruturação mental cognitiva ficam comprometidos com este conjunto de falhas de interpretação e conceituação do mundo do conhecimento humano.

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A oferta eficaz e integral de múltiplos estímulos sensoriais, articulados em um campo conceitual sinalizado, significativo, correlacionado às diversas linguagens emocionais, corporais, gestuais favorecemmelhor desenvolvimento afetivo, social e cognitivo da criança surda sem que esta seja levada a tornar a sua vida um calvário pela exclusividade da oralização das pessoas ouvintes.

O uso da comunicação sinalizada como instrumento de interação intra e interpessoal é um forte argumento para o desenvolvimento cognitivo pleno. É um atributo humanizante de caráter universal que expressa e manifesta a vida e o mundo sinalizado.

Para construção de representações, valores e conceitos, a pessoa precisa ser capaz de interligar ideias, aprender a distanciar e aproximar sentidos e significados adquiridos com os novos estímulos e interações a serem agregadas a cada nova situação e momento. Esta autoconsciência da dinâmica da vida renova e amplia novos saberes, reestrutura novas ideias e gera novos formatos. Mesmo aqueles que já estejam desenhados e que aparentemente seriam imutáveis. Redesenhar e reestruturar valores, emoções, sentimentos e saberes ajuda a reinterpretar e ressignificar cada conhecimento como dinâmico e contribui para a construção individual do sujeito com identidade pessoal e coletiva.

A esta dinâmica cognoscitiva de percepção, reflexão, análise e ação pode-se chamar de função planejadora e estruturadora da linguagem, do pensamento e do conhecimento humano quando intervém e se apodera do meio. Com o domínio dessa função intelectual, a criança planeja conscientemente suas ações, utilizando-se da linguagem como estruturadora e reestruturadora do pensamento e do sentido para cada fenômeno. Assim torna-se autor e sujeito do seu próprio saber.

Entendendo o pensamento como processo de descobertas a partir da percepção de associações mentais que se aproximam e distanciam do objeto e que o universo está composto desta multidimensionalidade relativa e fatorial, é preciso compreender que os fenômenos são complexos e se intercruzam numa grande cadeia de correlações e intermediações de causa, efeito e consequências fenomenológicas. Assim, também relativizam-se conforme o olhar de cada um de nós aprendizes imperfeitos.

A linguagem funciona como instrumento de mediação do mental para o meio externo organizando, planejando, regulando, orientando e transmitindo o pensamento e ações que representem o ser intelectual idealizador. Através da língua, as representações do mundo podem estruturar-se a fim de organizar de forma coerente o que foi percebido, analisado e apreendido não apenas como aquisição de códigos sequenciais, mas estruturando representação, sentido e valores culturais.

O domínio de uma língua possibilita a elaboração de raciocínios, “analógicos-dedutivos”, específicos, levando a criança à representação de conceitos abstratos. Além

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disso, a língua ainda funciona como moderadora da percepção, da memória mediada e atenção involuntária, funções conhecidas como superiores no processo do desenvolvimento da cognição humana. Os ambientes familiar, escolar e social com crianças surdas devem estar funcionalmente estruturado sem língua de sinais sob pena de não potencializarmos suas habilidades neurosensoriais da visão e dos demais sentidos que naturalmente estão preservados.

Sabemos que o desenvolvimento cognitivo não está atrelado exclusivamente à aquisição de uma língua, mas o domínio da língua natural possibilita a criação e o desenvolvimento de uma melhor forma de processar o pensamento, cada situação de aprendizagem, suas representações, significados sociais e construção de sentido pessoal. Essa formulação mental e cognitiva permite uma conexão neuronal mais eficiente para esse desenvolvimento.

A aquisição da linguagem e a estruturação da língua como argumento do pensamento e da aprendizagem é, sem dúvidas, uma das mais complexas características do cérebro humano e a língua de sinais é estruturante desta formação mental e cognitiva para/com as pessoas surdas.

Crianças surdas têm como língua natural a língua visuo-espacial do qual os estímulos se estruturam em gestos manuais, corporais e a expressão facial possibilitam toda comunicação, leitura e interpretação do mundo e para o mundo, mas é distinta da maioria que de ouvintes diante da sociedade oral-auditiva.

Mas para se estabelecer uma língua de sinais reconhecida e compreendida por todos, em defesa da aprendizagem naturalmente apreendida pelas crianças surdas, esta deve ser comum em todos os ambientes e relações com surdos. Este mundo é possível e nele não cabe segregação nem instalação de dois mundos – de ouvintes e de surdos -esfacelados e inoportunos.

Prescinde que primariamente e indispensavelmente, todos os pais, trabalhadores da educação e da saúde compreendam valor e necessidade mínima para a humanização dos concidadãos surdos.

No Brasil, este modelo de formação deve estar embasado durante toda a vida da criança surda como primeira língua oficial do pais – Libras.

Todas as crianças, especialmente as filhas de pais ouvintes, necessitam apreender a se comunicar em sinais. Como garantia, os pais devem aprender Libras para educarem seus filhos com deficiência auditiva em Libras. Esta formação é possível e é dignamente humana.

Assim, o ambiente sinalizado com crianças surdas favorece a ensinagem e aprendizagem de forma natural, intencional e intensamente em gestos e sinais que podem ser compreendidos por todos.

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Isto elimina a concepção de que ser surdo é ser estrangeiro no próprio país, de que a estrangeirice do surdo é para sempre. Diminui a necessidade de dependência de intermediadores, e os interpretes passam a contribuir com a aprendizagem sem a relação de indispensabilidade que atualmente ocorre como se apenas esses profissionais pudessem compreender, comunicar, interagir, educar, ser solidário e colaborativo. Desta forma, fragiliza a relação professor-aluno, interfere na cumplicidade e dualidade educador-educando. Ambos, professor ouvinte e aluno surdo, precisam desenvolver empatia, estabelecer interação, respeito, compreensão, confiança. É implícito no ato de educar a interação e completude com o outro, pois ambos são educandos e aprendentes.

É preciso criar um vínculo afetivo e profissional com autoconsciência e reflexividade através da sinalização do mundo do conhecimento no mundo familiar e escolar, onde se ensina para a vida em sociedade pela liberdade, autonomia e inclusão de todos.

Este mundo é possível e nele não cabe uns sobre outros. O maior exemplo de igualdade é tratando os diferentes com respeito às suas diferenças e com oportunidades diferentes para que todos possam desenvolver suas potencialidades e habilidades com igualdade e liberdade. O mundo real vivenciado e o imaginário refletido, coexistem, correlacionam-se e corresponsabilizam-se. A vivência da vida é possibilitada por essa dinâmica teórico-prática social que interagindo entre si, constitui-se do ser que passa a compartilhar de saberes plurais que coletivizam-se na interação para/com todos. Contudo, para o sujeito surdo a informação que chega pelo canal visual não tem oportunizado a construção dessa teia de correlações conceituais o que não corrobora com a sua emancipação pessoal e social. É preciso um esforço pedagógico a mais nessa direção e isto não se pode garantir com a colocação de um intermediador na frente da sala liberando sinais à revelia da real aprendizagem significativa. Para a criança-jovem-adulto surdo a percepção de mundo lhe chega fragmentada, apenas pelo que o olhar consegue captar como informação sem caráter investigativo nem reflexivo. A educação de surdos tem sido em caráter depositário e unilateral. Esta só será ressignificada e transformada em aprendizagem para a vida se for trabalhada como reforço pelo estímulo e interação à reflexão e recursividade. Pela(re)apresentação daquilo que internalizou de forma a reconstruir e reinventar seus valores e saberes. De forma a reelaborar suas interpretações construindo mentalmente um campo de conhecimentos que entram em sintonia com suas vivências, saberes, valores, necessidades, interesses, sentimentos. Enfim, valoram o ser e ressignificam a vida. Mas o que ocorre é que o conhecimento repassado é expresso de forma fragmentada segundo a orientação dada e defendida de um “contexto” que tanto liberta

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como limita a compreensão. Não há investigação cognitiva e por isto, também não há aprendizagem significativa. Raramente se educa uma pessoa surda segundo uma situação problema gerar temas de investigação, ou mesmo, de um produto buscar os elementos que antecederam e subsequentes subprodutos. Dá trabalho e é mais fácil afirmar que ele aprendeu o “sentido” ou o “contexto”. Na realidade não passa de uma ideia de algo sem aprofundar num modelo recursivo de investigação e reinvenção cognitiva. Ao final todos passam os anos e quando chegam ao final do Ensino Médio ou à universidade pensam que não precisam mais aprender porque já acabaram os estudos. Um fato curioso e, até certo ponto, preocupante quanto aos caminhos de sua aprendizagem, e que normalmente ocorre com os surdos em sala de aula, independente se regular, especial, bilíngue ou inclusiva, é que eles não registram nada daquilo que está sendo passado em sinais. É interessante como tratam esta questão cognitiva da ensinagem e aprendizagem das pessoas surdas como se elas fossem verdadeiramente gênios. Como se bastasse um estímulo visual – OLHAR, sem investigar, sem questionar, sem elaborar, sem fazer relação, sem interagir, sem refazer nem reelaborar nem reinventar, simplesmente OLHAR é APRENDER. Isto vai de encontro com todos os princípios da psicologia cognitiva e da pedagogia defendida por todas as correntes educacionais. Segue-se em sala de aula com surdos falhas em todo o processo educacional. Durante uma aula expositiva nada se escreve, a não ser que o professor coloque no quadro o esquema e peça para que os alunos copiem – estes são copistas sem reflexão nem intervenção. Ou, quando muito, mandam fazer resumo do livro marcando o que o aluno deve “repetir” no caderno, sem refletir, sequer, o conceito de resumo. Ocorre que, durante uma explanação interpretada se o jovem surdo ou surda parar para escrever alguma ideia que considere importante, vai perder uma dezena de sinais colocados pelos interpretes. Quando tem algo exposto no quadro dão mais valor ao que está escrito do que aos sinais que estão sendo interpretados. E a mente entra no devaneio sem concentração nem compreensão do discurso. Daí, quando alguém lhe pergunta algo, em muitos casos, pedem para repetir o que estava sendo dito pois não estava concentrado na interpretação. Ressalvo que essas observações ocorreram em sala de pré-vestibular, em sala do Ensino Fundamental e Médio observando jovens com deficiência auditiva com níveis de perda severo e profundo. Quando não se tem uma imagem ou vídeo que possam refletir ou, como tema gerador, provocar uma discussão temática, muito se perde. Queremos com isto confirmar que as imagens ensinam, mas o que é visto nem sempre é o que está contido no texto, muito menos nas entrelinhas da informação.

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Mais uma vez a “aprendizagem” é fragmentada e até certo ponto, estéril porque não se mantém como significativa para a vida. Cai na zona da memoria de curta duração ou de trabalho sem evoluir, sem elaboração mental para a memória de longa duração. Isto justifica o discurso de muitos professores e professoras de surdos o seu esquecimento. Esperam que eles sejam verdadeiros gênios quando não constroem ferramentas adequadas para a aprendizagem descritiva visual baseada na DVS (descrição visual sinalizada).

1. Caminhos da Cognição Visual

Na alfabetização de crianças surdas é possível seguir um modelo de ensino-aprendizagem inicial a partir de uma interação com jogos e imagens logo ao se estabelecer um primeiro diálogo. Nosso tema gerador é um álbum de figuras e um jogo da memória com diversos temas que provocam no sujeito reflexões, lembranças de fatos ocorridos ligados à imagem. Estainiciativa diminui a timidez, vincula o diálogo a um foco de interesse dos sujeitos e, melhor ainda, habilita o educador a compreender o nível de compreensão e interação linguística e identifica no sujeito aprendente suas aptidões e vivências repassadas a partir das imagens. Nada disto tem tanto valor quanto ao momento de interação que surge entre os sujeitos aprendentes, ambos passam a aprender e ensinar ao mesmo tempo. Ocorre uma valiosa troca de informações, de sinais, de sentimentos e emoções que configuram um verdadeiro espaço de prazer por onde as horas passam no deleite dos sinais, risos, mímicas, gestos, expressões e lembranças de histórias vividas. Foram várias imagens e vivências com crianças e jovens surdos, desde imagens de ação como disputa com jogos esportivos e de salão (futebol, basquete, vôlei, dama, dominó, pular corda, corrida de bicicleta, pessoas, automóvel, natação) a imagens de lugares e ambientes (casa, cozinha, praia, piscina) e animais (cachorro, gato, leão, pássaros, cobra, macaco, formiga, barata, aranha, mosquito, etc). A cognição visual sinalizada pode ser bem aproveitada na comunicação e educação em ambientes com crianças com deficiência auditiva porque garante a cognição visual pela apresentação do mundo, dos espaços comuns domiciliares, familiares, escolares, das ruas e clubes em imagens e diálogo visual, garantindo a assimilação, vivenciando cada situação com as diferentes circunstâncias que se apresenta cada um dos fenômenos e contextos. Mas é preciso romper com o invólucro que delimita o dito da ensinagem e aprendizagem por comandos e estigmas preconceituosos pouco explorados além dos limites dos interpretes e de seus limitados educadores. É pertinente e interessante que a sonorização também seja preservada uma vez que alguns surdos apresentam residual auditivo, a percepção da vibração estará sempre

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presente e minimiza os efeitos da artificialidade do ensino exclusivamente sinalizado e "mudo" com o mundo, contribuindo ainda com a leitura labial e a vivência na realidade. Não se pode esquecer que o interesse em pesquisar, conhecer e aprender necessita de motivação recíproca, de valoração individual e intransferível. A repetição de estímulos e informações é uma argumento comum do humano. Quantas vezes repetimos e reiteramos nossos discursos para as crianças, filhos e educandos, como forma de fixação da aprendizagem? Pois bem, o processamento mental de ambos, surdos e ouvintes, carece dessa prerrogativa procedimental como (re)estruturante dos campos conceituais, dos valores e princípios éticos, morais, estéticos. Nada de errado termos que repetir informações para que se garanta internalização de saberes, valores para uma aprendizagem significativa, respeitando-se os caminhos e a intensidade, a depender da vivência prévia e da motivação individual. A maioria das crianças quando ouvem uma informação de caráter educativo dos pais ou professores, muitas vezes já ouviram de outras pessoas, ambientes, equipamentos de comunicação de massa (anúncios em rádios, vídeos)as mesmas informações, comentários dos jornais, da televisão, de conversas entre vizinhos, ou seja, a informação já existe de alguma forma latente na mente e passa a ser efetivada com o alerta dos pais ou dos professores como reforço e determinação de atenção, valor e atributo. Essas mesmas informações e/ou experiências anteriores do alerta dos adultos cuidadores ocorridas com as crianças ouvintes, geralmente não foram compreendidas, adquiridas, vistas, percebidas, analisadas e refletidas pelo complexo cérebro-mente-espírito e energia das crianças com deficiência auditiva. Com isto, a sua percepção de mundo, todo o processo educacional de estímulos, de elaboração, reflexão, interação, possibilidades de ação e de intervenção comum ao mental comum e que está potencialmente presente em todos os humanos, nas pessoas com deficiência auditiva não foram estimulados nem interagidos em todas as suas potencialidades, e daí, não representam o mesmo significado de cognição e reinvenção. Em outras palavras, nem sempre o que se vê é essencialmente o que se precisa e deve-se aprender de cada fenômeno e em todas as suas complexas relações com o conhecimento. Esta realidade comum decorrente da surdez, deve ser compreendida como diferencial cognoscível. É necessário reinventar os saberes e as estratégias educacionais pois nem sempre o que é simplesmente visto sem reflexão ou criticidade, sem elaboração nem esforço mental pode ser considerado como construtivo e reconstrutivo de conceitos. É preciso refletir sobre a necessidade de se trabalhar o tempo pedagógico, o tempo do aluno, tentar compreender os caminhos escolhidos, percorridos e construídos

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pelo aluno. Tudo é muito estanho nesta relação. Raramente se questiona como o aluno chegou àquele resultado ou construiu a sua lógica de raciocínio.

É preciso analisar a narrativa lógica do sujeito surdo e tentar compreender o processo cognoscível de elaboração dos conceitos e saberes. Este pode ocorrer por diversos e diferentes caminhos, mas que permanecem velados pela falta de comunicação e diálogo entre professor e aluno. Assim, muitas vezes, a construção do conhecimento permanece estático e sem outras possibilidades de ressignificar o conhecimento, pois está mergulhado num exemplo ou numa passagem da vida sem construir um campo conceitual transdisciplinar e dinâmico. Muitos surdos, ao final de uma “aprendizagem” aceitam apenas a explicação daquele modelo ou daquela forma estática. Não conseguem ampliar a compreensão para a aplicabilidade macro dos saberes.

E preciso trabalhar os saberes disciplinares, curriculares e experienciais como uma rede interligada e transdisciplinar. Este é um dos desafios a serem percorridos para a educação emancipadora das pessoas surdas.

Na educação de surdos é preciso compreender que todo o processo é mais demorado, mas isso não quer dizer que é impossível. Aparentemente estranho, mas tudo, exatamente tudo deve ser detalhado como saber e como questionamento, estimulando a duvida e a investigação cognitiva. Sempre demonstrando as interrelações homem-mundo-natureza-cosmo-vida-energia-ser-coexistência-espiritualidade intra e interpessoal, individual e coletiva para uma viagem ecoformativa de educação para/com a vida planetária. A educação familiar e escolar das pessoas surdas não pode estar limitada a uma "Libras em Contexto". É preciso promover a criação de uma rede de informações, saberes e vivências multidimensionais e transdisciplinares que atinjam um processo recursivo de reinventar a ensinagem e a aprendizagem significativa para uma convivência tolerante, harmônica e prazerosa entre surdos e ouvintes.

Não se pode minimizar os estímulos nem achar que uma vez repassado o conhecimento, muitas vezes copiado em um caderno já basta para sua aprendizagem. Este modelo de aluno ouvinte e surdo é o copista, descrito em vários livros e estudos da área como o mais comum e presente nas escolas brasileiras. Contudo, uma criança ouvinte escuta inúmeras vezes uma mesma palavra até que possa se apropriar do nome, dos diferentes usos e significados, da culturalidade e historicidade da mesma palavra. Mas não ocorre o mesmo com a crianças surda que permanece alheia do conhecimento e o espaços escolar sem autoconsciência e com pouco significado para a vida humana. Portanto, Não se pode esperar que uma criança surda “veja” uma única vez e já saia anunciando conhecimento apropriado, refletido e consciente. Não se pode negar que o modelo mental diante da cognição visual é diferenciado e incomum.

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Quando se instala uma ensinagem e aprendizagem baseada na repetição de sinais e palavras buscando conceituar cada fenômeno no macro e micro mundo da coexistência. ressignificando os conceitos e diferentes usos, situações, valores, interesses, necessidades, paraconjuntamente ampliaro campo de percepção e intervenção, a aquisição de novos valores e representações, gera novos sentidos e significados emancipatórios.

A construção interativa com diferentes entendimentos e significados de um mesmo fenômeno amplia o campo conceitual e consolida a aprendizagem significativa. Esta diferença pedagógica habilita a pessoa surda pela compreensão das interrelações associativas e correlacionadas dos valores, saberes, conceitos, identifica semelhanças e diferenças dos adquiridos anteriormente e amplia cada vez mais a dinâmica da aprendizagem significativa. Tudo isto favorece a construção da teia mental conceitual, enriquece o vocabulário de palavras e sinais, favorece a (re)interpretação do todo e das partes de cada fenômeno na dinâmica cognitiva visual para uma aprendizagem de fato libertadora e autônoma. Mesmo que aparentemente estranho, na educação de pessoas com deficiência auditiva, a repetição é uma estratégia que favorece e oportuniza a curto prazo uma relação significado-significante e assim, possibilita a (re)estruturação do modelo representacional do mental humano com todas as suas potencialidades.

2. O Uso da Descrição Visual Sinalizada na Técnica da Leitura de Imagem O cérebro está sempre solícito à adequação espacial e neurosensorial reestruturando os valores e fundamentos linguísticos da língua de sinais durante toda a vida por conta da plasticidade cerebral. A aprendizagem através da imagem e de diferentes estímulos multissensoriais é possível através da percepção com investigação, reflexão, busca e criação de caminhos cognoscíveis. O complexo mental-espiritual e energético da pessoa com deficiência auditiva é uma incógnita. A subjetividade, a lógica do raciocínio e os caminhos mentais reflexivos são fatores construídos e constitutivos do intelecto. Então como trabalhar cognoscível com cogniscente diante da necessidade de tolerância com paciência atrelada à permanência de estímulos visuais de diferentes ângulos, formas, sentidos, caminhos, com frequência, intensidade e ritmicidade favorecem a aprendizagem significativa. O que se pretende éa sociogênese, dialogênese com inteligência e consciência com autonomia e liberdade dos sujeitos aprendentes, independente se surdos ou ouvintes. Então jamais pensar que a aprendizagem dos sinais ocorre de forma natural e baseada em um sentido aleatório ou que deixá-lo olhar para um fenômeno é o suficiente para que todo o processo mental ocorra naturalmente.

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Para a apresentação de um fenômeno que pode ser percebido por imagem, por mais simples que ela possa parecer e aparecer aos nossos olhos, para uma criança com deficiência auditiva é preciso trabalhar sua funcionalidade, observação, investigação, descrição, compreensão, esmiuçar desde a visão macro ao micro, da concentração à dispersão até uma tomada de consciência humanizante e libertadora. Uma técnica que pode ser bem aproveitada na educação e comunicação com uma criança surda é apresentar-lhe o mundo, os espaços comuns domiciliares, familiares, escolares, das ruas e clubes. A escrita das palavras deve ser em LP com letra maiúscula e apresentando palavras simples e também em Datilologia que o alfabeto manual, com as configurações de cada letra para familiarização dos códigos linguísticos.

Cada ambiente e utensílios domésticos devem ser indicados com as palavras em LP e o alfabeto manual em tarjetas, cada ambiente com o seu nome indicativo: PORTA(PORTA), PIA (PIA), COPO (COPO), CAMA (CAMA), MESA (MESA), CADEIRA (CADEIRA), ARMÁRIO (ARMÁRIO), LIVRO (LIVRO), LÁPIS(LAPIS), BRINQUEDO (BRINQUEDO), CARRO (CARRO), ÔNIBUS (ONIBUS), enfim, tudo deve ser colocado nas duas línguas para sua familiaridade mental, intelectual, estrutural e associativa, sem deixar de estar presente nesta dinâmica pedagógica, os sinais da Libras como terceira fonte de aprendizagem pelos pais e educadores.

É preciso ampliar também os conceitos, saberes e valores, por exemplo, uma cadeira não pode ser apenas de madeira, mas também plástico, ferro, aço, alumínio, vidro, gelo, papel, tubo, humana. Estas variações devem ser ensinadas também no tocante aos nomes dos animais que não seja apenas, peixe, mas todas as famílias, vertebrados e invertebrados, terrestres, aéreos e aquáticos, aos nomes das flores, das plantas, árvores. Enfim, que saiam, os surdos, desta zona de conforto mantida por professores e interpretes que não oferecem estudo e informação mais efetiva nem significativa.

Muitos surdos durante todos os anos escolares e quando chegam nas universidades permanecem passando de ano a ano com conhecimento superficial e inconsistente. Alguns surdos afirmam que conhecimento de surdo é diferente do conhecimento dos ouvintes. Tem professores que selecionam os conteúdos a serem trabalhados para surdos distintos dos oferecidos aos ouvintes. O descompasso dos conteúdos trabalhados com surdos e o que muitos deles aprendem é tão gritante que chega ao ponto de alguns surdos afirmarem que a Aids é doença de ouvinte; A deficiência visual é AZAR e que ser surdo é NORMAL; Que só existe vida depois que nasce; Que o ar existe no pulmão e é Deus quem põe (FALCÃO, 2012 b).

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Desenvolvemos no curso de instrutor de Libras uma estratégia de leitura de imagens em Libras. Este processo de sinalização da imagem não está fechado em si, pela dinâmica interpretativa que é pessoal, fica caracterizadaa constante (re)construção e variação segundo cada sujeito que apresenta seu olhar e ponto de vista.

2.1 A Técnica da Leitura/Interpretação da Imagem em Libras Mensagem do grupo: Construa com criatividade e dance com a imaginação na expressividade da imagem, das ideias e das palavras através dos sinais É preciso definir o ambiente utilizando os sinais da libras e recursos como classificadores e marcadores manifestando a distribuição espacial, posição e condição imagética. E assim, analisar:

1. Tomar consciência do seu cenário, da dimensão e proporcionalidade do espaço de construção; do uso consciente das expressões corporais e faciais para um conjunto harmônico e coerente;

2. Analisar a mensagem/ideia principal 3. Procurar o foco da imagem – imagem central (ideia chave da imagem) 4. Analisar a mensagem de fundo 5. Analisar a mensagem subliminar (abstração – antes e o depois, como, por que,

onde?) Contudo, o que de fato vai ser apresentado na leitura de imagem é:

1. Sinalizar a ideia principal – O TEMA; 2. Sequência? Como iniciar, desenvolver e concluir 3. Ao descrever uma pessoa, que seja por completo 4. Definir o ponto de referência espacial para iniciar a leitura da imagem,

independente da posição do apresentador; 4.1. Preferencialmente de cima para baixo, de um lado para o outro, e segundo a perspectiva do apresentador na visão foco-fundo; 4. 2. Selecionar na apresentação da leitura:

a) Definição do ponto de referência lateral direito ou esquerdo e terminar com o outro lado até fechar a apresentação de toda a imagem, fazendo uma varredura da imagem ou,

b) Definir a imagem central como informação direta e focal posicionando com sinais, marcadores e classificadores o complemento da imagem;

c) Procurar ultrapassar o limite da ideia para uma compreensão mais detalhada e aprofundada da imagem, agregando outros valores e saberes.

Ao se trabalhar com uma imagem (figura 1), o que normalmente é apresentado ao aluno com deficiência auditiva é: DOCE GOSTOSO POTE 2. Tudo ocorre como se pelo fato de ver, a pessoa possa despertar para a especificidade do olhar, observar, investigar, apreender, inferir, sem que lhe seja oferecida condição mínima deste movimento cognoscitivo.

Lamentavelmente nada mais é explorado na imagem. Assim é a educação das pessoas com deficiência auditiva, superficial, contextualizada numa ideia sem detalhamento, sem aprofundamento, sem investigação qualitativa da imagem que

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(re)estruture um campo conceitual critico, reflexivo, amadurecido pela reflexividade, criticidade e recursividade. Esta falta e falha reflexiva da educação de surdos reproduz um mental limitado e circunscrito apenas no olhar generalista sem buscar formas nem modelos mais significativos. Sem ressignificar a vida pessoal, social, escolar, profissional. Sem se preparar para uma vida em sociedade a qual todos somos diferentes e que precisamos aprender a conviver com todas as diferenças e não, numa rota de fuga e autoafirmação, desenhar e criar, desesperadamente, um mundo de surdos segregado e homogêneo onde convivem os pares e, oportunamente, seus adeptos.

figura 1

Desta forma, a exploração visual da imagem não ocorre de forma adequada que esclareça ambiente, distribuição espacial, sequência, forma, modelo, justificativas. Por exemplo: onde está? Como? Por que? O que tem na frente, ao lado, por trás. E ainda, por trás dos potes, o outro ambiente, a geladeira, o armário, o relógio. Onde os potes estão colocados, se em cima de uma mesa onde pode ser?

Mas nada se encerra nesta descrição. Desta imagem podem surgir outros temas transdisciplinares como alimentação, dieta, ideia de quantidade, massa, volume, consistência. Como fazer o doce de leite, nutrientes, saúde, doenças, etc. Para que o sinal não seja apenas DOCE que é o mesmo de AÇUCAR. E nada mais se explora ou se constrói como conhecimento. Ainda podem acrescentar adjetivos como DELÍCIA, nada mais. E outros doces? Quais os tipos de doces, de variações deste alimento como pudins que recebem o mesmo sinal. Também não fazem, por exemplo, variação entre alimento natural, de fabricação caseira, manufaturados, dos produtos orgânicos ou mesmo com aqueles que são industrializados. E se enveredar pelos limites da saúde-doença, desconhecem os riscos de consumirem produtos com agrotóxicos, com produtos químicos, corantes, acidulantes. Tudo está no limite do que é GOSTOSO e daquilo que querem consumir.

A construção do conhecimento deve ser ampla, geral, multidimensional, transdisciplinar, e por diferentes pontos de vista, ou se reduz o olhar e a possibilidade de

Doce de Leite

Doce de Leite

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aprendizagem a uma visão micro e esmolativa de quem tem muito a dar, compartilhar, mas não sabe como fazer nem como avaliar o feito.

A sociedade em geral pouco dialoga com os surdos. Isto resulta na pouca interação e na produção de mentes limitadas e formatadas ao menor trabalho e à lei do menor esforço. A falta de informação e formação tanto em libras como em educação de surdos dos pais, trabalhadores da educação e da saúde resulta na oferta do conhecimento social, escolar e profissional minimamente “básico”, algumas vezes chamado de “contextualizado”, regrado pelo que PODE ou NÃO PODE, pelo CERTO, ERRADO, BOM, RUIM, segundo o mínimo que se consegue repassar como ensino-aprendizagem aos sujeitos surdos e o que estes “podem” e “precisam” apreender para a vida pela repetição, muitas vezes, sem tomada de consciência. Tudo funciona como se apenas o esmolativamente repassado resolvesse a construção do cenário e dos campos conceituais reflexivos necessários para a apreensão e compreensão das diferentes e múltiplas maneiras de ver e trabalhar uma imagem como tema gerador de aprendizagens. Ledo engano. Cada vez que uma criança tem a oportunidade de ouvir uma palavra e ver a sua simbologia escrita, constrói na mente uma representação pessoal e agrega ao seu campo conceitual registros cognitivos oral-auditivo.

Cada vez que uma criança surda “vê” um sinal e associa o seu significado à imagem também constrói na mente uma representação pessoal e agrega como registro cognitivo visual. Mas este registro só tornar-se-á um campo conceitual crítico, reflexivo, investigativo quando ocorrer esta anastomose de informações múltiplas que se interligam. Do contrário, o conhecimento fica limitado apenas ao que lhe foi informado e qualquer mudança do cenário a criança surda perde-se no discurso vazio. E quando as informações sinalizadas chegam moldadas e modeladas aos limites dos sinais que apresentam “sentido” e “contexto” sem definição nem conceituação teórica, muito daquilo que foi repassado como informação fica perdido sem sentido. Principalmente se a informação foi repassada sem vinculo com as experiências anteriores nem agregando valores.

Em outras palavras, todo o mecanismo informacional para a educação de surdos e ouvintes transcorre por estímulos e vias aferentes cérebro-mentais diferentes, mas ambos são registrados como memória de longa duração e aprendizagem comprovando a fantástica característica da plasticidade e adaptabilidade cerebral aos ambientes multissensoriais. O que nos resta é oferecer experiências compensatórias que resultem em reflexividade e interatividade aos sujeitos surdos para que ambos, ouvintes e surdos, possam ter uma bagagem de conhecimento comum ao ser humano e sem privilégios de políticas afirmativas e esmolativas, todos possam desenvolver suas habilidades e potencialidades ideais e necessárias à uma vida produtiva saudável e feliz.

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A técnica da descrição visual sinalizada entra neste momento como reforço do sinal, do ambiente que se constitui como contexto e segundo as diferentes realidades que cada situação pode se apresentar.

Para facilitar esta construção e garantir um diálogo mais comum entre os conceitos da temática do dia, envolvemos também os pais para trabalharem em sinais com seus filhos os diferentes ambientes de casa e utensílios domésticos, dos demais ambientes comuns da criança, no transporte, na escola, na padaria, mercadinho, barraca de guloseimas, revistas e figuras, que em todos os ambientes sejam colocados os nomes em datilologia e em sinais, também escrito em LP com as letras maiúsculas e, acima de tudo, estimular o diálogo sinalizado com problematização em tudo. Desde o por quê? Onde? Quem? Como? Às variações de textura, forma, cor, modelo, tamanho, usos, necessidades, interesses, possibilidades, etc. No conjunto das informações trabalhadas pela descrição visual sinalizada, podemos explorar nas imagens relações físicas e subjetivas, explorando a afetividade, os sentimentos envolvidos em cada um dos fenômenos diferenciados percebendo ainda em cada figura foco e fundo, espaço e tempo. O cão, por exemplo, que também é cachorro, animal, tem reino, espécie, família, raça, nome, sinal, é amigo mas também morde e pode tornar-se perigoso e provocar doenças. Mas o que é doença? E assim voltamos ao começo ampliando o campo conceitual investigativo e reflexivo exploratório do mental em possibilidades cognitivas e naturais. Da mesma forma que fazemos com as crianças ouvintes, compensando pelas vias visuais o que lhe falta como informação sobre/para/do/com o mundo.

3. O Uso do Álbum de Imagem estruturante da aprendizagem significativa Ao longo de uma década de experiências com o ensino da Libras para ouvintes e na presença de colaboradores surdos, registramos situações que foram definidas como impactantes. Como contribuir com a aprendizagem significativa da Libras, para agregar valores e fluência linguística a partir de imagens distintas. A falta de experiências em diferentes situações gera no sujeito insegurança do desconhecido. Mas também pode ser gerador de polêmicas investigativas.

O que se deseja com o uso de imagens é provocar o diálogo como tema gerador e, ao mesmo tempo, oferecer condições de buscar na memória experiências concretas vividas, possibilitando maior interação entre os sujeitos aprendentes.

Todas as imagens eram selecionadas e organizadas num álbum de imagem e apresentada numa sequência de complexidade e de interesse do aluno surdo. Num primeiro momento ele vai folhear todas as imagens, parar para observar alguma que lhe chame atenção e até contar fatos vividos que liguem à imagem observada. Isto é normal e altamente positivo. Esta liberdade é necessária como momento de interação e construção dialogada.

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Num momento seguinte o educador pode direcionar ao tema da discussão deixando o interesse para outros momentos que não se encerra naquele encontro. Ou seja, torna-se motivo para novos debates. Assim vai precisar retomar algum tema que direcione aos objetivos de cada encontro aula.É interessante que esta programação das atividades e temas seja definindo no coletivo com um cronograma visual cujo quadro das atividades da semana ou do mês esteja visivelmente colocado e combinado entre os sujeitos. É preciso aproveitar este momento interativo para trabalhar a transdisciplinaridade. Apresentar, compactuar e definir com o coletivo os dias da semana, os meses, o respeito às diferentes regras sociais, interpessoais, estabelecer a diferença entre o que se quer, daquilo que se precisa e do que se pode fazer e ter. Comentários da Figura 2 -Certa vez num grupo de estudos com acadêmicos e diversos estudantes surdos, crianças e adolescentes, uma das imagens apresentava crianças pedalando numa rua. A jovem surda levantou-se e começou a fazer o sinal BICICLETA e contar que corria pela rua passando pelas pessoas até cair no chão e machucar o joelho, levantou a perna da calça e mostrou uma ferida no joelho.

Figura 2

Construir uma forma de avaliar o comportamento associado a aceitação do outro com avaliação diária e semanal atribuindo valores através de imagens de face com semblante feliz e/ou triste, por exemplo, a serem analisados todos os dia e ao longo da semana. O prêmio pelo bom comportamento pode ser discutido e respeitado como regra de convivência. Isto favorece a reflexão quanto aos valores como comportamento, a qualidade das relações, da dedicação, do respeito, hierarquia, harmonia, paciência, amor.

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Este modelo de avaliação diário contribui positivamente com a autoestima, o respeito às regras sociais, a motivação para aprendizagem, a um ambiente saudável e feliz. Alguns exemplos podem ser ilustrados neste momento como forma de facilitar de forma prática, objetiva e simples, o que vem a ser este álbum de imagens.

A imagem apresentada fez lembrar um fato ocorrido. Também pode relatar situações assistidas na rua, na televisão ou no computador em vídeos. Portanto, o educador deve usar este momento para também contar sua história, trazer situações curriculares como temas transversais e, acima de tudo, inserir a escrita da língua portuguesa com palavras chave do tipo: BICICLETA, CAIR, CUIDADO, RUA, PESSOAS, MACHUCAR. E ainda inferir diversas outras situações a partir deste tema gerador como: MÉDICO, HOSPITAL, REMÉDIO... Daí já surgem outras imagens para respaldar este novo tema que será também motivo de novos diálogos. A aprendizagem não para e o prazer de compartilhar e aprender passa a ser constante. A escola transforma-se num ambiente de descobertas e reflexões.

Na educação de pessoas com deficiência auditiva tudo deve ser registrado com foto ou, preferencialmente, imagens gravadas para que possam ser retomados, a qualquer momento, estes registros como aprofundamento ou relembrar situações, tirar dúvidas. Com pessoas que dependem de estímulos visuo-gestuais para aprendizagens, independente da idade, o registro imagético é uma forma de garantir presença, participação, motivação, memória e aprendizagem. Todos, pais, professores e interpretes devem ter em mente que sinais soltos sem vínculo com imagens nem temas geradores que resultem em discussão e problematização, é mais uma informação que fatalmente vai ser esquecida pelos surdos.

Passar horas a fio colocando sinais na frente de uma pessoa com deficiência auditiva sem que esta elabore, questione, interaja, sem que ela se envolva com o discurso é perda de tempo, não há ensinagem e muito menos aprendizagem significativa. Ou seriam estes sujeitos surdos verdadeiros gênios pois vai de encontro a todos os princípios da neurocognição e da psicologia cognitiva quando ressaltam a necessidade de registro com esforço, com elaboração mental, ver, pensar, fazer, refazer, reescrever, reestruturar, cognição e recognição, invenção e reinvenção do conhecimento para que torne-se verdadeiramente e significativamente cognição e aprendizagem.

4. Brincadeiras e jogos como ferramenta colaborativa de aprendizagem Outras atividades podem ser trabalhadas para construção de temas geradores. O jogo da memória (figura 3) é mais um exemplo. Os jogadores ao levantarem uma cartela que pode ser construída com emborrachados ou, melhor ainda, com material reciclado

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de pastas e classificadores que seriam jogados no lixo, recortados com figuras coladas em uma das faces.

Esses jogos podem ser utilizados para explorar ainda mais a fluência dos sinais. Uma experiência educacional positiva com surdos ocorreu com o jogo da memória. A regra é pegar duas cartelas e quando acertam duas iguais, o jogador vai ganhando as cartelas e acumulando pontos, vence quem tiver mais cartelas.

Figura 3 Este jogo estimula noção espacial, memória e coordenação motora. O que

acrescentamos como adaptação para os surdos e melhor fixação da aprendizagem é a figura associada à palavra escrita em datilologia (alfabeto manual) e também a palavra escrita em LP para ser reconhecida, saber que existe, a se trabalhar posteriormente ou quando da curiosidade do interlocutor.

Quando a pessoa, surda ou ouvinte, pega uma cartela, mesmo não tendo acertado a escolha das duas cartelas iguais, apresenta a datilologia e o sinal de cada uma das imagens. Isto reforça a assimilação linguística e favorece aprendizagens múltiplas. Esta é mais uma das estratégias de motivação do tema gerador. A regra do jogo (que pode ser alterada e reescrita pelos jogadores a cada nova partida), pode ser: aquele que retirar a imagem apresenta em sinais a imagem, conta uma história que vincule a imagem ao fato. A história pode ser real ou da imaginação. Cabe ao educador pontuar a construção do que é real e do que é imaginário sem ter que ser, necessariamente, mentira.Neste momento é preciso vincular o apresentador a estes conceitos como forma

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de construir a história com os diferentes elementos da realidade, da imaginação, do sonho, da ficção. Vale ressaltar que o imaginário e a subjetividade na educação das pessoas com deficiência auditiva são incógnitas que merecem atenção e dedicação pelo educador. Registrar todos os êxitos e frustrações é uma oportunidade de socializar os saberes construídos. Uma simples imagem pode desencadear informações e discussões de identidade, aflorar conflitos, provocar transferências. A psicologia cognitiva pode ser uma ferramenta a mais na interpretação dos fatos.

5. O Baralho das Configurações na aquisição da escrita da LP Outra estratégia de jogos para a alfabetização é o Baralho das Configurações que se apresenta com imagens pontuais e a palavra escrita no alfabeto manual, na língua portuguesa, além de ser apresentado como sinal correspondente. Vale ressaltar que esta estratégia também insere no repertório do sujeito aprendente o alfabeto manual e a língua portuguesa escrita. A alfabetização em LP dos surdos é oferecida só depois de alfabetizados em Libras, mas nada impede de trabalhar a curiosidade de algum aluno neste sentido. Uma imagem nunca deve ser vista, olhada, lida, observada, analisada apenas pela leitura de um foco principal. Todo o ambiente deve ser explorado com investigação, de busca e de aprendizagem. São detalhes que com um simples olhar e primário não se observa.

É preciso aguçar a visão de foco e visão de fundo, utilizando os diferentes recursos linguísticos da libras. Além dos sinais, devem ser utilizados os classificadores e marcadores como ferramenta de localização e distribuição espacial. Assim, usar diferentes imagens envolvendo situações de família, alimento, coisas de casa, vestuaria, animais, profissões, brincadeiras, esportes, veículos, todos em situações do cotidiano com suas particularidades comuns e de forma lúdica podem ser apresentados no baralho das configurações com o alfabeto manual como início do diálogo.

Na sequência da observação, a imagem dois ao fundo revela a cidade do Rio de Janeiro, embora o foco seja numa praia (Copacabana), com uma estátua de uma pessoa (Carlos Drumond de Andrade), educador e escritor famoso que toda uma história que endossa a sua homenagem; o amarelo pode ser apenas uma cor, mas também, a cor de uma fruta apetitosa e madura, e como ficam as frutas que também são apetitosas e maduras mas não são amarelas?, e a cor do sol que as vezes é amarelo, laranja e vermelha?

A ponte pode ser para apenas passar de um lado para o outro, mas ao fundo separa no imaginário representativo um sol que enleva do dia todas as lembranças de

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uma vida; As águas carregam no vai e vem da natureza, da vida e não levam apenas peixes e lixo, mas sentimentos e lembranças de lugares por onde passamos e vivemos;

CACHORRO - MAGRO MULHER –SENTAR CORAMARELO CACHORRO - MAGRO MULHER –SENTAR CORAMARELO

PONTE-SOL- RIO RIO-MORRO CACHOEIRA PONTE -SOL- RIO RIO - MORRO CACHOEIRA

BARCO - GRANDE CARRO - BONITO AVIAO - ANTIGO BARCO CARRO AVIÃO- ANTIGO

O rio que se agiganta também se transforma em cachoeira, cada um, em diferentes regiões brasileiras, todos como água de nascentes e chuvas que se precipitam no cosmo com as nuvens e descem dos morros derrubando casas, árvores nas cidades, enchendo os rios e alimentando animais, pessoas e a própria terra que se aduba de

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desejos até o mar que alimenta os sonhos do além que fizeram voar e libertam os sonhos em liberdade e imaginação, na inteligência e na criatividade de cada mente que se amontoa de vida e saúde. E por falar em saúde....

O discurso não se esgota em si pois o conhecimento é uma rede que agrega no micro e no macro, concentrando e dispersando saberes, valores, sentimentos, emoções, manifestações, verdades pessoais, coletivas, planetárias e... como diz o poeta, numa folha qualquer, um desenho... uma linha... um sonho que se realiza...

6. O uso da Técnica do Tripé da Aprendizagem O Tripé da Aprendizagem baliza as atividades educativas e recreativas na perspectiva de atender as necessidades educacionais individuais com respeito e adequação aos requisitos da cognição visual diante das características sensoriais dos escolares surdos. A construção deste modelo de ação invariavelmente e substancialmente teve a contribuição (re)estruturante de educandos surdos para consolidar e sistematizar nossas propostas de ensino, pesquisa e extensão centradas no aluno infanto-juvenil. A participação simultânea e dinâmica da dualidade professor-aluno é indispensável. Neste espaço educacional não cabe intermediação. O educador precisa conhecer a Libras e dominar as técnicas pedagógicas fundamentais e necessárias para que seus alunos surdos possam assumir, com dinamismo e autonomia, suas ações e reflexões, garantindo assim, o processo cognitivo para o seu desenvolvimento mental e intelectual. Não podemos deixar de ressaltar a necessidade de recriar e reinventar o conhecimento a todo o momento, sob pena de, sem esta ação, mantermos o mental e o físico das pessoas com deficiência auditiva retidas em regras rígidas e imutáveis. Uma das nossas maiores conquistas está concentrada na valorização e valoração da autoestima pelo prazer de conviver com outros iguais e tão diferentes entre si. As crianças surdas faziam a festa e todos nós participávamos irradiados pelo entusiasmo e a natureza das atividades. Ficou evidenciado para todos os envolvidos na pesquisação,que a adaptação das atividades educativas e recreativas é uma condição indispensável para a aprendizagem significativa das pessoas com deficiência auditiva. E que apenas a oferta da língua Libras com intermediadores interpretes de libras não são suficientes para que os alunos surdos sejam contemplados em toda sua plenitude de inteligência humana como aprendizes e sujeitos ativos e produtivos. A relação dual professor-aluno surdo tornou-se indispensável e enriquecedora. No desenvolvimento do Tripé da Aprendizagem inicialmente a atividade é apresentada pela Demonstração com o professor assumindo a atividade, colocando a sua técnica, expressões e sentimento à vista, expondo a sua forma de trabalhar e de atuar na atividade definida. Na sequência convida um dos surdos observadores a junto com

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ele, executar a mesma atividade, observando o respeito às regras e aos limites pré-estabelecidos. Esta fase recebe o nome de Simulação, nela são oferecidas condições mínimas para que o escolar surdo assuma sua condição de sujeito assistido. Garantida esta apropriação por todos, sem exceção, cada uma das crianças e jovens surdos faz a atividade acompanhada com o educador, demonstrando e percebendo a existência de regras, implícitas ou explícitas, das características comuns e incomuns a outras atividades, buscando se apropriar e dominar a atividade, compartilhando suas dúvidas e conflitos e limites e interesses como forma de aprendizagem. Na última fase, cada criança ou o grupo apresenta na sequência da atividade, a próxima etapa da Ação propriamente dita, com características de autonomia e eficácia, mesmo que aparentemente repetidora e “sem criatividade nem reflexão”. Não se garante aprendizagem apenas pelo que se vê. A surdez não permite que experiências prévias sejam terceirizadas e sirvam como modelo de aprendizagem. Nem sempre o que é visto é apreendido e apropriado, para que seja efetivada, de fato, como atividade individual ou de um coletivo, para se estabelecer autonomia e responsabilidade, é pertinente e salutar que se faça este ritual como forma de garantir participação consciente e pró-ativa por parte das crianças surdas. Quando um aluno surdo assumiu a responsabilidade com a atividade, a dianteira e a liberdade de agir, expressou toda a sua habilidade no lidar com as regras e os limites do jogo e que também se projetam para a vida na sociogênese de cada um interagindo com o mundo. Na sequência da aprendizagem, galgados todos os estágios e com apropriação dos saberes, reestruturamos, paulatinamente, outras oportunidades que possibilitassem aos alunos se libertarem das regras anteriores, podendo, inclusive, intervir e criar outras regras e outros produtos. O mais interessante ao analisarmos a vídeogravação de cada atividade, foi perceber o quanto as crianças se apropriam e se fixaram nas regras como imutáveis. Isto, até o momento em que a liberdade e possibilidade de inferir e transformar, mudar, recriar a atividade e foi declarada, quando passou a ser, com responsabilidade e consciência, cada um por si até que um novo conflito foi observado e motivo de novas mediações e diálogos com surgimento de novas soluções. tudo em Libras e sem interprete.

A inserção de novas atividades ou a adaptação de atividades anteriores com novos resultados, regras, composições, artefatos, devem ser antecipadamente (re)apresentadas para que sejam ressignificadas e reinterpretadas como uma nova atividade, do contrário, as crianças envolvidas não compreenderão a mudança. Parece

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óbvio esta justificativa, mas na educação dos surdos não se trata de clareza ou lógica reflexiva, uma vez que a surdez impõe uma limitação de interação com o abstrato e a comunicação fica comprometida diante da dependência de interpretação entre o que é visto, observado e de fato é.

Assim, tudo, exatamente tudo deve ser minuciosamente detalhado e compartilhado para que a criança não se sinta de fora, discriminada porque não compreende a dinâmica do jogo, muito menos dependente de uma terceira via intermediadora como os ILS que nesse momento pode desestruturar a relação de confiança e empatia necessária entre professor e o aluno, independente se surdos e/ou ouvintes.

Em muitos casos, as crianças surdas se isolam, se esquivam de uma participação mais efetiva porque não se sentem capazes de compreender todas as nuances da atividade, da brincadeira, do envolvimento e da participação, mais uma vez o diálogo em Libras e a negociação se tornam fatores resolutivos de conflitos.

A partir desta vivência as regras e as atividades podem ser modificadas pelos sujeitos e pelos grupos como forma de interação e intervenção maturacional que leva a autonomia e liberdade de escolha por fazê-los perceber o dinamismo inerente e a criatividade necessária a qualquer atividade lúdica e educacional.

A consciência e a responsabilidade pelos atos são estruturadores do comportamento e da identidade de cada pessoa em formação.

Sem antes termos consciência da necessidade de pontuar cada uma destas fases, corremos o risco de má interpretação e de desenvolver deslocados valores, ruídos que podem levar a cabo o fim da relação entre diferentes com diferenças, entre surdos e ouvintes, (res)surgindo frustração e revolta com insucessos e aprofundamento dos preconceitos.

Também é salutar não evidenciar as diferenças durante a composição das equipes, é preciso evitar separar os grupos por gênero ou equipes distintas de surdos e de ouvintes. Também orientamos tornar os jogos menos competitivos, sem alimentar violências, com menos agressividade e muito mais compreensão, compartilhamento e responsabilidades pessoais e coletivas. Assim evitamos exacerbar sentimentos de poder e de dominação pelo de superação e consciência social e coletiva da necessidade de se viver com ou outro.

Salientamos que é inoportuna a presença de algumas palavras que surgem em jogos e atividades de lutas que são alimentadoras do embrutecimento humano, no mínimo, desumanas e destruidoras da paz. No futebol, por exemplo, o bom jogador, aquele que faz gols é o “matador”, “destruidor”, nas lutas palavras como “golpe”, “guerra” são comuns, mas nada disso é construtivo de um mundo humanizado, muito

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menos, compreendido como benéfico à (re)construção e reinvenção pela possibilidade de vivências mais saudáveis e humanizantes.

Daí como interpretar para os surdos palavras tão torpes e desumanas, como introduzir sentimentos e comportamentos mais humanos para os surdos se o mecanismo comunicacional e afetivo dos ouvintes se dá pela violência física, moral e verbal?

7. Considerações Finais É preciso estruturar um censo crítico-reflexivo autônomo e libertador do que vem a ser uma aprendizagem por problematização e um educador que estimule a reflexão para uma transformação consciente, livre e humanizada. A mente humana responde a um campo conceitual que se transforma numa ampla rede de informações e saberes. Assim, não podemos limitar o conhecimento humano a um mero "contexto da Libras" que não investiga, não busca, não infere, não constrói, não responde à todas as possibilidades, caminhos, ideias e alternativas de se chegar a um determinando conhecimento e gerar habilidades individuais distintas. Consideramos que não se pode estabelecer uma "liberdade criativista” de que o surdo tudo pode ou que a "monocultura surda" é algo presente e imutável ou ainda que a Libras é completa, se não existem sinais para as diferentes áreas do conhecimento. Ao utilizar as técnicas apresentadas como ensaio pedagógico, é possível a construção de novos saberes com estratégias de ensinagens e aprendizagens mais efetivas e criativas, consciente do novo que se instala com novos sinais e novas oportunidades de convivência com o conhecimento humano num mundo inclusivo onde cabem todos.

É preciso coerência familiar, escolar, social, laboral e acadêmica quanto ao modelo de sociedade que se pensa no presente para um futuro com direitos, deveres, limites e relações humanizadas e coletivizadas.

A metodologia da pesquisação com observação e participação ativa do pesquisador resultou na estruturação de um novo cenário de possibilidades educativas e libertadoras com a consolidação de um rico ensaio pedagógico cujas oportunidades e possibilidades educativas sobressaem dos limites do ambiente escolar e familiar, para a conquista da integridade da vida de cada pessoa com deficiência auditiva em sua plenitude.

Desde o inicio da escrita do livro Educação de Surdos: ensaios pedagógicos à estruturação desta síntese de práticas pedagógicas, espera-se com esta compilação, contribuir com a formação de educadores no planejamento e execução de atividades inclusivas com surdos e ouvintes mais significativas para que de fato a inclusão possa ser um elemento de interligação reflexiva, recursiva e humanizante diante do modelo de sociedade da pós-modernidade em que a convivência transdisciplinar e multidimensional seja uma conquista de toda a coletividade.

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Bibliografia

FALCÃO, L. A. B. Educação de Surdos e a Formação Docente na Perspectiva Inclusiva - O caso concreto do Paraguay. Tese Doutorado. Paraguay. Universidad Americana, 2012. ______. Educação de Surdos: ensaios pedagógicos. Recife, Ed. do Autor, 2012. 207 p. ______. Surdez, Cognição Visual e Libras: estabelecendo novos diálogos. Recife, 2ª Ed. do Autor, 2011. 385p. ______.Acessibilidade, Inclusão Social e Educação de Surdos:Um paradigma em foco. Disponível em http://www.editora-arara-azul.com.br/revista/01/compar1.php, acesso em 22 mai 2010. ______. Inclusão social e educacional das pessoas surdas e mudas. Jornal Voz do Planalto, Carpina, PE,ano 9, nov. 2008. Caderno Cidades, Edição 107, p. A-11. ______. Estrangeiro não, apenas surdo. Disponível em http://www.uniguararapes.com.br/site/complexo/ fg2008/download/estrangeiros_nao_apenas_surdos.pdf , acesso em 22 set. 2009. ______Da formação à prática docente da educação física com surdos: crenças, reflexões, saberes e emoções em LIBRAS. Recife : Ed. do Autor, 2007. 217 p. ______. Aprendendo a Libras e reconhecendo as diferenças: um olhar reflexivo sobre a inclusão : estabelecendo novos diálogos. Recife : 2ª, Ed. do Autor, 2007. 343p.