A terapia Cognitiva e a Atenção Plena

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    A terapia cognitiva e o mindfulness:

    entrevista com Donna Sudak

    The cognitive therapy and mindfulness: interview

    with Donna Sudak

    Renata Ferrarez Fernandes Lopes 1

    Filipe Silva Castro 2

    Carmem Beatriz Neufeld 3

    1Ps-doutora (Professora Associada do Ins-

    tuto Psicologia da Universidade Federal de

    Uberlndia - SP - Brasil).2Mestrando (Mestrando no programa de

    Ps-Graduao em Psicologia da Universidade

    Federal de Uberlndia - MG).3Doutora (Professora da Graduao e Ps-

    Graduao em Psicologia do Departamento

    de Psicologia da Faculdade de Filosoa,

    Cincias e Letras de Ribeiro Preto da Univer-

    sidade de So Paulo).

    Correspondncia:

    Renata Ferrarez Fernandes Lopes.

    Av. Maranho, s/n, bloco 2C, Campus

    Umuarama. Bairro Jardim Umuarama.

    Uberlndia - MG. Brasil. CEP: 38400-902.

    Este argo foi submedo no SGP (Sistema

    de Gesto de Publicaes) da RBTC em 28 de

    agosto de 2012. cod. 117.

    Argo aceito em 20 de maro de 2013.

    RESUMO

    H um crescente interesse em temas que apresentam interfaces entre espiritualidade

    e sade, entre psicologia e religio. Alguns estudos tm abordado essas aproximaes

    tanto na perspectiva dos clientes como dos terapeutas religiosos/espirituais, ou ainda

    no que se refere s intervenes. Uma tcnica que tem se destacado nas intervenes

    da terapia cognitivo-comportamental o mindfulness, advinda do budismo. O presente

    artigo tem como objetivo apresentar uma breve reviso da literatura sobre o tema e,

    adicionalmente, o trabalho relata uma entrevista com Donna Sudak, psiquiatra com

    diversas produes cientfcas na abordagem cognitivo-comportamental. Na entrevis-

    ta, realizada na oportunidade de sua visita ao Brasil para o Workshop Internacional da

    Federao Brasileira de Terapias Cognitivas e a II Jornada de Terapias Cognitivo-Com-

    portamentais do Interior de So Paulo, Donna Sudak apresentou suas opinies sobre a

    aproximao das terapias cognitivas e a espiritualidade, sobre as tcnicas de aceitao,

    bem como sobre a tcnica de mindfulness.

    Palavras-chave:espiritualidade; mindfulness; terapia cognitivo-comportamental.

    ABSTRACT

    There is a growing interest in issues with interface between spirituality and health, be-

    tween psychology and religion. Some studies have discussed similarities in the context

    of clients or therapists religious/spiritual and in the interventions. One technique that

    has been highlighted in the interventions of cognitive-behavioral therapy is mindful-

    ness. This article aims to present a brief literature review of the topic and, additionally

    present an interview with Donna Sudak, a psychiatrist with many scientifc productions

    in cognitive-behavioral approach. In the interview due to her visit to Brazil during theInternational Workshop organized by the Brazilian Federation of Cognitive Therapies

    and the II Journey of Cognitive Behavior Therapies of So Paulo, Donna Sudak exposes

    her view about the approximation of cognitive therapy and spirituality, about accep-

    tance, and also about the technique of mindfulness.

    Keywords:cognitive-behavioral therapy; mindfulness; spirituality.

    DOI: 10.5935/1808-5687.20120010

    evista Brasileira de Terapias Cognitivas

    20128(1)pp.67-72

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    NOVOS OLHARES SOBRE A RELIGIO E A

    SADE

    Recentemente, muitas discusses na rea de sade temabordado o tema da religio e espiritualidade. Anteriormenteconsiderada como relacionada patologia, a viso sobre a

    experincia religiosa foi sofrendo mudanas recentes e hoje j reconhecida como um elemento capaz de fornecer equilbrioe melhorar a sade em certas circunstncias. A OrganizaoMundial da Sade (OMS) seguindo esta proposta incluiu obem-estar espiritual como uma dimenso do estado de sade,

    junto s dimenses corporais, psquicas e sociais, formalizandoassim o acrscimo do domnio Religiosidade, Espiritualidade eCrenas Pessoais em seu instrumento de avaliao de quali-dade de vida (Peres, Simo & Nasello, 2007). O Manual Diag-nstico e Estatstico das Doenas Mentais IV: Texto revisado(DSM-IV-TR American Psychiatric Association, 2002) tambmalterou sua maneira de contextualizar o papel da religio substi-

    tuindo conotaes negativas e incluindo uma categoria especficapara as questes espirituais e religiosas (Marques, 2003).

    Muitas pesquisas atuais nas reas da Medicina e daPsicologia seguem a mesma tendncia e h uma variedade deprodues relacionando sade e espiritualidade/religio. Algunspesquisadores tratam das possveis relaes, outros discutemaproximaes e ainda alguns realizam esforos em avaliar oefeito de certos hbitos religiosos na vida das pessoas. Panzinie Bandeira (2007) mostram diversos artigos que apresentamevidncias empricas da relao da religio/espiritualidade sade fsica e mental, alm de associaes positivas com aqualidade de vida e bem-estar. As autoras referem que h na

    maioria das pesquisas a indicao de que crenas e prticasreligiosas esto correlacionadas positivamente a uma melhorsade fsica e mental. As autoras citam que existem quatrorazes para associao entre religio e sade: crenas reli-giosas permitem uma viso de mundo que fornece um sentidos experincias; crenas e prticas religiosas podem evocaremoes positivas; a religio utiliza rituais que facilitam asprincipais transies de vida (nascimento de filhos, casamento,adoecimento e morte); e crenas religiosas funcionam comoagentes de controle social direcionando os comportamentossocialmente aceitveis. Entretanto, as prprias autoras desta-cam a possibilidade da religio exercer um efeito negativo na

    sade quando as crenas ou prticas religiosas so usadaspara justificar comportamentos desadaptativos ou ento soutilizados para substituir tratamentos mdicos importantes.

    Peres, Simo e Nasello (2007) indicam que alguns estu-dos tem demonstrado que a valorizao dos sistemas de crenasdos clientes colabora com a adeso do paciente terapia e queesta obtm melhores resultados nas intervenes. Os autoresevidenciam algumas recomendaes da Associao PsiquitricaAmericana (The American Psychiatric Association, 2006) paraabordar temas de religiosidade/espiritualidade como a identifi-cao das variveis religiosas e espirituais como caractersticas

    das queixas e sintomas, a pesquisa do papel da religio/espiri-tualidade no sistema de crenas do paciente especfico, utilizara entrevista para verificar qual o envolvimento e o histrico dopaciente com a religio/espiritualidade, alm de sempre utilizarde princpios ticos para abordar estes temas ou quando sepropuser qualquer interveno religiosa com algum paciente.

    Entretanto, a posio dos pesquisadores e terapeutasfrente s relaes entre sade e religio/espiritualidade estlonge de ser consensual. Comumente, as crticas principiampelos problemas nas definies de religio e espiritualidadee do uso dos termos de forma intercambivel. Alguns autoresoptam pela utilizao dos dois conceitos como idnticos, masde forma geral, no contexto atual da pesquisa na rea podemser encontradas definies diferenciadas para cada um dostermos. Assim, segundo Worthington Jr. e Aten (2009) a religio caracterizada como a associao a um sistema de crenas eum conjunto de prticas peculiares relacionadas a uma tradioe uma comunidade, na qual se partilham crenas e prticas co-

    muns. J no que tange espiritualidade, apesar da dificuldadede consenso entre os pesquisadores, o conceito mais recorrenterepousa sobre um sentimento de proximidade e ligao como sagrado que estimula um senso de intimidade, respeito eadmirao. Os autores sugerem quatro tipos de espiritualidade:religiosa, humanstica, natural e csmica. Em cada tipo deespiritualidade h uma relao com um elemento especfico,como a conexo com uma religio, com a humanidade, com anatureza/ambiente ou ento com a criao, respectivamente.

    Elsass (2008) afirma que, a partir das definies e daaproximao da cincia com os ambientes religiosos, resulta-dos interessantes comearam a tomar forma. Apontamentos

    iniciais associam uma melhor sade fsica e mental a umamaior espiritualidade e maior religiosidade. Em sua reviso,o autor evidencia estudos que defendem que pessoas religio-sas, frequentemente, participam mais de contextos sociais deapoio, so menos solitrias, tm uma vida de trabalho menosestressante, representando um nmero de fatores que podemcontribuir para melhorar a sade entre as pessoas religiosase espirituais, em comparao com as pessoas no-religiosas.Apesar destes estudos sofrerem algumas crticas ligadas prin-cipalmente formulao dos questionrios e s definies deum fenmeno que se mostra to complexo, os mesmos tmtomado vulto crescente na literatura.

    O interesse crescente pode ser observado a partir dapublicao do peridico Journal of Clinical Psychology quereservou um nmero especial para artigos que tratassem dereligio/espiritualidade em possveis relaes com a psico-terapia. Assim, no volume 65, nmero 2, do ano de 2009, operidico trouxe artigos relacionados a intervenes orientadasespiritualmente para o tratamento de dependncia de lcoole abuso de substncias e tambm para casais religiosos apartir de uma perspectiva adleriana. Alm disso, h artigosque discutem terapia para muulmanos, formas de intervenopsicodinmica orientada espiritualmente, psicoterapia espiritual

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    testa e intervenes cognitivo-comportamentais que perpas-sam aspectos religiosos/espirituais como a tcnicamindfulness.

    Em um dos artigos, Post e Wade (2009) realizaram umareviso sobre psicoterapia religiosa em trs nveis de anlises:os terapeutas religiosos, os clientes religiosos e as intervenesreligiosas. Os autores destacaram a importncia dos terapeutas

    identificarem as prprias atitudes e preconceitos sobre alguma re-ligio evitando a imposio de valores pessoais sobre os clientes.Alm disso, os autores pontuaram que alguns clientes religiosospodem encontrar nas discusses religiosas o desenvolvimentoda confiana e aceitao do terapeuta. Os autores ressaltam quemuitos pacientes podem querer falar sobre questes religiosasou espirituais em terapia, e estas podem estar inter-relacionadascom os problemas apresentados ao longo do processo terapu-tico. Assim, os autores discutem a importncia dos psicoterapeu-tas avaliarem as preferncias dos clientes, incluindo a histriareligiosa/espiritual e as preocupaes associadas. Post e Wade(2009) ainda sugerem a busca de recursos informativos sobre a

    diversidade religiosa, j que este tema no abordado de formaeficaz na formao dos profissionais, de forma que o conheci-mento sobre as religies e hbitos espirituais pode contribuir naconfiana do terapeuta em trabalhar com temas religiosos e comclientes que seguem uma determinada linha espiritual.

    MINDFULNESS: UMANOVAAPROXIMAOFoi a partir da aproximao das cincias mdicas e psi-

    colgicas com a religio que surgiu uma tcnica muito discutidaatualmente: omindfulness. Jon Kabat-Zinn, aproveitando-se deum ambiente mais aberto a essas ideias, incorporou algumasprticas budistas (principalmente da meditao) medicina

    comportamental em seus trabalhos que visavam reduo deestresse e manejo de dores crnicas. Assim, no grupo desenvol-vido por ele, em um programa de gesto de estresse baseadoemmindfulness, o pesquisador comeou a desenvolver a ca-pacidade dessa ateno plena nos pacientes. Especificamente,omindfulnessrefere-se capacidade de prestar ateno, nomomento presente, a tudo que surge interna ou externamente,sem a realizao de julgamentos ou o desejo de que as coisassejam diferentes (Vandenberghe & Assuno, 2009). Assim,quando omindfulnessocorre, o indivduo tem uma conscinciasincera, intencional, ao que est acontecendo de momento amomento, sem julgar, na vivncia enquanto ela ocorre.

    Pode-se dizer, ento, quemindfulness a habilidade deestar consciente dos seus pensamentos, emoes, sensaes eaes, no momento presente sem julgar ou criticar a si mesmoou a prpria experincia. estar no aqui e agora. Atualmente, aliteratura tem investigado esta tcnica em diversos tratamentose para diferentes transtornos. Hardt et al. (2011) mostram queh evidncia do mindfulnessligado sade fsica e mental,estando associado a um menor ndice de estresse e distrbiosmentais. Alm disso, o aumento na capacidade demindfulnesssugere uma diminuio na angstia e no relato de sintomasmdicos. Os autores levantam que vrios programas tm sidodesenvolvidos com o objetivo de ajudar os pacientes no trata-

    mento de doenas crnicas, cncer e depresso.McKay et al. (2007) afirmam que as habilidades emmin-

    dfulnessajudam no foco em um elemento em um dado momentoe isso pode auxiliar no melhor controle de emoes intensas,visando acalm-las. Alm disso, h argumentos de que omin-dfulnessajuda na identificao e separao de julgamentos das

    experincias, alm de agir sobre o equilbrio entre o raciocniodos pensamentos com as necessidades das emoes.

    O mindfulness tambm conhecido como uma me-ditao envolvendo o desenvolvimento da ateno plena. Hinmeros relatos dessa meditao e de exerccios semelhantesem diversos sistemas religiosos como cristianismo, islamismo,

    judasmo, mas esta tcnica principalmente conhecida a partirdos ensinamentos budistas (Mckay et al., 2007). Atualmente,o budismo uma das poucas religies que ainda valoriza odesenvolvimento dessa habilidade. Ela muito utilizada parao trabalho com as emoes e para que o praticante consigaestabelecer o foco no presente.

    Apesar de seu surgimento estar vinculado a um contex-to religioso, omindfulnesscomea a ocupar outros espaos.Iniciado com os pacientes de Kabat-Zinn, hoje a tcnica j vista em outras formas de psicoterapia, incluindo algumasterapias cognitivas. Nestas, o mindfulness colocado comouma tcnica sistematizada, que pode ser ensinada e que treinvel. Giuffra (2009) destaca que apesar domindfulnessserconsiderado um componente essencial da psicologia budistae fazer parte do Caminho ctuplo para se alcanar o nirvana,ele no deve ser considerado como um conceito religioso enem mesmo um conceito espiritual. O autor classifica como umconceito cognitivo, usado no budismo, mas que hoje tambm

    reconhecido e estudado pela Psicologia e que tem se destacadoem abordagens como a Gestalterapia, e diferentes TerapiasCognitivo-Comportamentais, tais como a Terapia de aceitao ecompromisso (ACT), a Terapia comportamental dialtica (TCD),Terapia cognitiva baseada emmindfulness(MBCT) e Programade reduo de estresse emmindfulness(MBSR).

    Na Terapia comportamental dialtica, omindfulness relata-do como uma das quatro habilidades crticas que podem ajudar naregulao emocional, ajudando o paciente a se manter equilibradoquando as emoes surgirem de forma intensa (McKay et al., 2007).Na Terapia de aceitao e compromisso, omindfulness conside-rado um importante recurso para ajudar o paciente no processo

    de aceitao. A aceitao neste contexto diferente da resignao.Refere-se a um processo ativo no qual o indivduo admite o queacontece consigo sem se apegar aquilo que gostaria que fosse.Trata-se de compreender a realidade percebendo o aparecimentoinevitvel de pensamentos, sentimentos e sensaes sem evit-los,recha-los ou julg-los (Roomer & Orsillo, 2010).

    Omindfulnesspermite uma maior ateno, uma maiorconscincia e ao mesmo tempo permite que o indivduo entendasobre a impermanncia daquilo que est se passando naquelemomento. O pensamento, a sensao e a emoo daquele mo-mento iro passar e por isso omindfulnesspermite uma maioraceitao dos fatos, uma maior compreenso dos processos

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    que esto acontecendo naquele momento. Obviamente, aaceitao no deve ser entendida como uma postura de con-formao do indivduo a uma determinada situao ou circuns-tncia, mas como uma postura mais aberta e compassiva quepermite a flexibilizao dos pensamentos, dos comportamentos,entendendo as ocorrncias da vida como partes do caminho

    que se deseja tr ilhar. Opta-se assim por estabelecer o foco noque est acontecendo sem se prender em atitudes julgadorasque normalmente so inteis para o indivduo.

    Nas terapias, as intervenes baseadas na aceitao eemmindfulnessestabelecem o foco na habilidade em manter-seatento ao momento presente, e atualmente esta habilidade apontada como um importante recurso para lidar com emoesintensas, com dores crnicas, episdios depressivos, trans-tornos alimentares, transtornos de personalidade borderline.Entretanto, o fato de ter sido incorporada ao contexto das Tera-pias cognitivo-comportamentais evidencia a tentativa de buscarrelaes entre a Psicologia e a Religio, neste caso, o budismo.

    Outras relaes tm sido feitas. Giuffra (2009), buscandodiscutir as semelhanas entre ambas, utiliza o encontro entre DalaiLama (14) e Aaron Beck na abertura do V Congresso Internacionalde Psicoterapia Cognitiva ocorrido em junho de 2005, na cidade deGotemburgo, Sucia. O autor discute as origens da Terapia Cogniti-va, e alguns pontos interessantes sobre o budismo, incluindo a formacomo esse sistema religioso v e lida com a mente. Entretanto, comoponto central nesse artigo esto as semelhanas levantadas nodilogo por ambos os mestres. Primeiramente, a Terapia Cognitivae o Budismo buscam eliminar o sofrimento e gerar o bem-estar.Ambos defendem que as emoes no so resultados de eventosreais e sim uma forma de nossas mentes process-los. Alm dis-

    so, tanto os terapeutas cognitivos quanto os praticantes budistasbuscam treinar a mente para melhorar a objetividade, diminuir asdistores, erradicando o sofrimento e alcanando a felicidade.Ambos valorizam a sabedoria, compaixo, entendimento, aceitao.Por fim, ambos valorizam o mtodo cientfico e do um grande valora gerar e cultivar um estado de alerta e ateno mental.

    Apesar das origens domindfulnessestarem vinculadasao budismo, hoje possvel perceber que ela tem sido conside-rada, no campo cientfico, apenas como uma interveno quepode contribuir para melhorar o estado de alguns pacientes.Como tcnica ela pode ser aprendida, desenvolvida, treinadae no precisa estar vinculada a um contexto espiritual/religio-

    so. A busca principal (como se pode ver em Davis & Hayes,2011; Foley et al., 2010; Hofmann et al., 2010, Ma & Teasdale,2004), tem sido em verificar, de forma emprica, os efeitos efundamentos dessa ateno que pode se tornar uma importanteferramenta teraputica no futuro. Dentre esse grupo que debatee analisa intervenes na perspectiva cognitivo-comportamentalest Donna Sudak, de quem trataremos no prximo tpico.

    DONNASUDAKDonna Sudak formada em Medicina pela Faculdade de

    Medicina da Pensilvnia, com especialidade em Psiquiatria com

    nfase na Terapia Cognitivo-Comportamental. Atualmente, atuacomo docente no Departamento de Psiquiatria na Faculdade deMedicina da Universidade de Drexel e diretora do Programade Treinamento em Psicoterapia na mesma universidade. DonnaSudak aborda tpicos da Terapia Cognitivo-Comportamentale supervisiona os residentes de psiquiatria que escolhem a

    nfase na Terapia Cognitiva. Alm disso, ela a atual presi-dente daAcademy of Cognitive Therapy. Donna faz parte doBeck Institute for Cognitive Therapy and Research e fornecesupervises aos residentes das Universidades Albert Einstene Thomas Jefferson. Ela possui uma variedade de produescientficas, sendo autora de diversos artigos e livros que abor-dam a Terapia Cognitivo-Comportamental.

    Donna Sudak escreve sobre temas como: a Terapiacognitivo-comportamental, sobre a combinao dessa terapiacom a utilizao de medicamentos, sobre sesses breves naabordagem cognitiva. Algumas de suas publicaes envolvem otratamento de pacientes suicidas, com transtornos alimentares,

    depresso, fobia e outros. Em seu livro A Terapia cognitivo--comportamental na prtica, Sudak (2008) seguindo o modelocognitivo, defende uma boa conceituao de caso para queo terapeuta possa ento decidir quais tcnicas sejam maiseficientes para cada paciente. A autora discute uma variedadede tcnicas que podem ser aplicadas dependendo do problemaque o paciente apresenta. Em alguns casos, a autora sugerea combinao do tratamento cognitivo-comportamental com amedicao para um resultado mais rpido e eficaz. A autoracita ainda a Terapia comportamental dialtica relacionando-aa eficcia nos estudos com indivduos com transtorno de per-sonalidade borderline.

    Donna Sudak pesquisadora vinculada Universidadede Drexel e ao Instituto Beck estando em contato com diver-sos estudos. Na pgina da Universidade so colocados comointeresses da autora a avaliao psiquitrica, tratamentospsiquitricos e psicoterapia.

    Donna Sudak foi a convidada que ministrou o WorkshopInternacional da Federao Brasileira de Terapias Cogniti-vas e a conferencia de abertura da II Jornada de TerapiasCognitivo-Comportamentais do Interior de So Paulo (IIJoTCC) ocorridos no perodo de 23 a 26 de maio de 2012 emRibeiro Preto. No workshop, ministrado por ela, foi abordadoo tema: Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e Terapia

    Comportamental Dialtica (TCD) para circunstncias clnicasdesafiadoras. Alm disso, ela tambm realizou a confernciade abertura da II JoTCC com o tema Utilizando a TCC compacientes suicidas.

    Assim, foi neste contexto que esta importante pesquisa-dora cedeu a entrevista transcrita abaixo. Na entrevista a autoraapresenta sua viso sobre espiritualidade e religio em contatocom sade e com as Terapias cognitivas, alm de sua visosobre a aceitao e omindfulness, conceitos to recorrentesnos estudos recentes da rea.

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    ENTREVISTACOMDONNASUDAK

    1. HMUITASCONCEPESQUANDOSEFALAARESPEITODESADE, QUEFORAMSENDOALTERADASHISTORICAMENTE.ATUALMENTE, SEVUMAMUDANANESTECONCEITOBUSCANDO-SEINCLUIRAESPIRITUALIDADE. A ORGANIZAO

    MUNDIALDASADE(OMS) REALIZOUALTERAESINCLUINDOOBEM-ESTARESPIRITUALCOMOUMADASDIMENSESDESADE, ETAMBMODSM-IV-TR MUDOUSUAMANEIRADECONTEXTUALIZAROPAPELDARELIGIO, SUBSTITUINDOCONOTAESNEGATIVASEINCLUINDOUMACATEGORIAESPECFICAPARAASQUESTESESPIRITUAISERELIGIOSAS. QUALASUACONCEPODESADE? E QUALARELAO, PARAVOC,ENTREESPIRITUALIDADEESADE?

    O estado geral da mente, do corpo e esprito de umapessoa obtido a partir de uma combinao de bem-estarfsico, psquico e social. Eu acredito que, para muitas pessoas,a espiritualidade melhora a sade, fornecendo senso de pro-

    psito, significado e conexo com outros. Dito isso, eu acreditoque religio no o mesmo que espiritualidade.

    2. ASRELIGIES, ATRAVSDESUASTCNICASPECULIARES, PODEMSERVISTASCOMOIMPORTANTESRECURSOSPARAASPESSOASBUSCAREMSENTIDO, PAZ, ESPERANA, ALMDEFORNECERPRECEITOSERITUAISQUEFACILITAMTRANSIESDAVIDAAOLONGODODESENVOLVIMENTO. A PSICOLOGIAASSIMCOMOAMEDICINA, ATRAVSDESEUSMTODOS, BUSCAMREESTABELECERUMESTADODEBEM-ESTAR, EQUILBRIO, EEMMUITOSCASOSPROMOVEMSIGNIFICADOSPARAEXPERINCIASPESSOAIS. MUITASVEZES, ARELIGIOEAPSICOLOGIA/MEDICINATMCOMOOBJETIVOMELHORARACONDIODEVIDADAQUELAPESSOAEMUMDETERMINADOMOMENTO. VOCENTENDESERPOSSVELHAVERUMAAPROXIMAODAPSICOLOGIAOUDAMEDICINACOMARELIGIO,ENQUANTOUMCORPOSISTEMATIZADODECONHECIMENTO?

    Eu acredito que a psicologia e a medicina esto enrai-zadas no mtodo cientfico. Eu no me sinto qualificada paracomentar quanto ao fato de uma religio aceitar tal abordagems suas crenas e mtodos e se essas crenas e mtodosdurariam se analisados com o mtodo cientfico.

    3. O MINDFULNESSEMUMADESUASDEFINIESREFERIDOCOMOACAPACIDADEDEPRESTARATENO, NOMOMENTOPRESENTE,ATUDOQUESURGIRINTERNAMENTEOUEXTERNAMENTE, SEMSEEMARANHAREMJULGAMENTOSOUNODESEJODEQUEASCOISASSEJAMDIFERENTES. EMQUESENTIDOVOCVALIGAOENTREAACEITAOEOMINDFULNESS? VISTOQUESERDESENVOLVIDAESSACONSCINCIAEATENOAMPLIADA, SERIAPRECISOTAMBMDESENVOLVERAACEITAODOQUESEPERCEBE?

    Novamente, eu no sou uma pessoa formada na ACT(terapia de aceitao e compromisso). Mas, mindfulness, naminha viso, envolve dar-se conta (awareness) dos contedose aceit-los sem julgamento.

    4. O MINDFULNESSVISTOHOJECOMOUMATCNICACAPAZDEFORNECERSENTIDO, PROMOVERUMAATENOAOPRESENTEEESTASSOCIADOAMAIORBEM-ESTAR, MAIORQUALIDADEDEVIDA,MAIORSADE. ENTRETANTO, PODESERCONSIDERADOTAMBMUMAFILOSOFIADEVIDALIGADASTRADIESBUDISTAS. EMQUEEXTENSOOINDIVDUOPRECISACOMPARTILHARDESSAFILOSOFIA

    PARASEBENEFICIARDESTATCNICA? E OQUEVOCACREDITAQUEASOCIEDADEOCIDENTALPRECISADESENVOLVERPARAALCANARASHABILIDADESNECESSRIASAOMINDFULNESS?

    Mindfulness, como uma tcnica, no est ligada a ne-nhuma tradio religiosa especfica. A mente pode ser treinadacom a prtica a obsevar, ou participar, ou descrever fenmenossem julgamentos, plenamente e na ausncia de uma tendnciareligiosa em particular.

    5. DIANTEDEUMASOCIEDADEQUENOVALORIZAESSAATENOPRESENTEEONO-JULGAMENTO, MUITOSPACIENTESPODEMENFRENTARDIFICULDADESPORMAISTREINVELQUEA

    HABILIDADEDOMINDFULNESS

    POSSASER. CONTE-NOSUMPOUCOCOMOAPRTICADEMINDFULNESSRELATADAPELOSPACIENTESEMSEUCOTIDIANOFORADOCONTEXTODOCONSULTRIO?

    Na verdade, h maneiras de treinar a ateno de umapessoa mesmo nas atividades dirias. Marsha Linehan des-creve, por exemplo, o uso de luzes vermelhasIpara observara respirao. MBSR (Treinamento de reduo de estresse ba-seado emmindfulness) descreve muitas tcnicas (bodyscanII,alimentao conscienteIII, conscincia da respirao) quepodem ser incorporadas ao cotidiano.

    6. AVALIANDOADIVERSIDADEDEPACIENTESQUESEPODETERE

    PERCEBENDO

    QUE

    H

    DIFERENTES

    ADAPTAES

    S

    TCNICAS

    PROPOSTAS; QUAISPONTOSVOCDESTACARIAPARAAESCOLHADESSATCNICAAUMDETERMINADOPACIENTE? EXISTEMCARACTERSTICASPECULIARESQUEUMPACIENTEPRECISATERPARASERAJUDADOPELOMINDFULNESS?

    Eu acredito que a questo mais importante a se con-siderar quais so as evidncias de benefcios da prtica domindfulnessem uma circunstncia particular - ele realmente sfaz sentido em ser implantado quando temos clareza que sejabenfico (como procedimento teraputico). Muitas pessoas po-deriam decidir utilizarmindfulnesscomo uma preferncia pessoale isso no o mesmo que a prescrio como parte da terapia.

    7. O TERAPEUTA, COMOPARTICIPANTEATIVONATERAPIA, PRECISACONSTANTEMENTESEPREOCUPARCOMAFORMAOPESSOALE

    ITreino de Marsha Linehan que sugere que ao ver as luzes vermelhas (por ex-emplo, do semforo) se reserve um tempo para atentar-se a prpria respiraoou mesmo as sensaes que se experimenta naquele momento.IIExerccio de investigao do corpo, que consiste em se atentar a cada partedo corpo em suas sensaes presentes, das possveis tenses ou relaxamen-tos, das posies estabelecidas. Escanear todo o corpo conscientizando-se desuas partes.III Manter-se atento enquanto se come, observando o que est comendo, assensaes produzidas ao longo da alimentao.

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    TCNICAPARAALCANARAEFICINCIAEMSEUTRABALHO. QUAISASCARACTERSTICASOTERAPEUTAPRECISADESENVOLVERPARAAPLICARDEFORMACORRETAEADEQUADAOMINDFULNESS?

    Alguns profissionais (incluindo Marsha Linehan) acredi-tam que terapeutas devem ter sua prpria prtica emmindful-nesspara exercer a TCD (terapia comportamental dialtica)de forma eficaz. Existem alguns trabalhos que terapeutas comtreino emmindfulnesstem melhores resultados com seus pa-cientes. Assim, terapeutas que empregammindfulnesspodemter melhores resultados se tiverem sua prpria prtica. Isso, noentanto, precisa de mais dados para ser provado.

    8. QUALSERIAOCONJUNTODELEITURASBSICASQUEVOCSUGERIRIAAUMTERAPEUTAQUEQUERCOMEARAUTILIZAROMINDFULNESS?

    Os livros de Kabat Zinn so maravilhosos. E vriasleituras no site behavioraltech4tambm.

    9. A TCNICADEMINDFULNESSNORMALMENTEMUITOEVIDENCIADAEMTERAPIASCOMOTERAPIADEACEITAOECOMPROMISSO(ACT) ETERAPIACOMPORTAMENTALDIALTICA(DBT). VOCACREDITAQUETODASASTERAPIASCOGNITIVASINCLUINDO, POREXEMPLO, ATERAPIACOGNITIVADEBECKEATERAPIADEESQUEMASDEYOUNGPODEMINCLUIROMINDFULNESSTAMBMCOMOTCNICA?

    A terapia no sobre adio de tcnicas. A conceituaode caso individualmente pode incorporar omindfulnesscomouma tcnica baseada nos dados especficos, nas necessidadesdo paciente. Sempre que possvel, deve-se utilizar tcnicasquando h dados que a sustentem.

    10. EM2005, NAABERTURADOV CONGRESSOINTERNACIONALDETERAPIACOGNITIVA, REALIZADOEMGOTEMBURGO, NASUCIA, HOUVEOENCONTROENTREDALAILAMAEAARONBECK. NESTE, DALAILAMAASSOCIOUAMEDITAOUTILIZANDOMINDFULNESSCOMAIDENTIFICAOEREGISTRODOSPENSAMENTOS. COMOVOCVESTARELAO?

    Eu no vi esse dilogo. No entanto, quando algum usaa prtica domindfulnesstorna-se possvel ser mais conscientedos pensamentos.

    11. E PARAFINALIZAR, VISTOQUEATERAPIACOMPORTAMENTALDIALTICAETAMBMOMINDFULNESSTEMSIDOMUITODISCUTIDOATUALMENTE, QUALCAMINHOVOCPENSAQUEASPESQUISASDEVEMSEGUIRPARAFORTALECEREPOSTERIORMENTEDIFUNDIRAINDAMAISATCNICADEMINDFULNESSEATERAPIACOMPORTAMENTALDIALTICA? COMOVOCIMAGINAOFUTURODESSEMODELODETRATAMENTO?

    A pesquisa deve determinar para quais pacientes, equando, os tratamentos so teis e eficazes.

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