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1 A TRAJETÓRIA DO MINISTÉRIO EXTRAODRINÁRIO PARA A DESBUROCRATIZAÇÃO: ENTRE RUPTURAS E PERMANÊNCIAS DO ESTADO BRASILEIRO Caio César Vioto de Andrade 1 RESUMO O presente trabalho busca compreender o que significou o Ministério Extraordinário para a Desburocratização no período de abertura no regime militar, já com vistas à democratização, abordando algumas particularidades de avanço e recuo do escopo de ação do Estado no governo Figueiredo, bem como de que forma surge o interesse do Estado, enquanto executivo e regime, em criar tal ministério, considerando os meios em que este pensava sanar os problemas detectados e o discurso que legitimava suas ações. Será analisado também o Plano Nacional de Desburocratização, de autoria do primeiro ministro extraordinário para a desburocratização, Hélio Beltrão, com o objetivo de perceber como era pensada a questão da burocracia na época, com o intuito de detectar rupturas e permanências. PALAVRAS-CHAVE: Desburocratização; desestatização; ditadura militar; Hélio Beltrão. INTRODUÇÃO Os principais objetivos que buscamos alcançar no tratamento e análise sobre o tema são salientar as continuidades e permanências nas relações entre Estado e sociedade a partir do projeto que viria a culminar na criação do Ministério, visando situar o fenômeno diante da lógica de expansão e contração do intervencionismo tanto em relação à economia, quanto à administração pública, buscando perceber até que ponto se tratou de uma preferência política ou de uma necessidade circunstancial por parte do governo. Para tal, iremos analisar aspectos do discurso do Estado em relação à “modernização” e “humanização” do regime, com vista à abertura democrática. Vários autores, como os que serão mencionados abaixo citam o descompasso entre Estado e sociedade no Brasil, talvez até entre as esferas do próprio Estado. Hélio Beltrão salienta a raiz cultural e fundacional desta característica no Brasil, portanto o artigo visa elucidar os motivos que levaram o país a ter tão notável característica, bem como, através 1 Graduado e Mestrando em História pela UNESP-Franca. E-mail: [email protected]

A TRAJETÓRIA DO MINISTÉRIO EXTRAODRINÁRIO PARA A

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A TRAJETÓRIA DO MINISTÉRIO EXTRAODRINÁRIO PARA A

DESBUROCRATIZAÇÃO: ENTRE RUPTURAS E PERMANÊNCIAS

DO ESTADO BRASILEIRO

Caio César Vioto de Andrade 1

RESUMO

O presente trabalho busca compreender o que significou o Ministério Extraordinário para a Desburocratização no período de abertura no regime militar, já com vistas à democratização, abordando algumas particularidades de avanço e recuo do escopo de ação do Estado no governo Figueiredo, bem como de que forma surge o interesse do Estado, enquanto executivo e regime, em criar tal ministério, considerando os meios em que este pensava sanar os problemas detectados e o discurso que legitimava suas ações. Será analisado também o Plano Nacional de Desburocratização, de autoria do primeiro ministro extraordinário para a desburocratização, Hélio Beltrão, com o objetivo de perceber como era pensada a questão da burocracia na época, com o intuito de detectar rupturas e permanências.

PALAVRAS-CHAVE: Desburocratização; desestatização; ditadura militar; Hélio Beltrão.

INTRODUÇÃO

Os principais objetivos que buscamos alcançar no tratamento e análise sobre o tema

são salientar as continuidades e permanências nas relações entre Estado e sociedade a

partir do projeto que viria a culminar na criação do Ministério, visando situar o fenômeno

diante da lógica de expansão e contração do intervencionismo tanto em relação à economia,

quanto à administração pública, buscando perceber até que ponto se tratou de uma

preferência política ou de uma necessidade circunstancial por parte do governo. Para tal,

iremos analisar aspectos do discurso do Estado em relação à “modernização” e

“humanização” do regime, com vista à abertura democrática.

Vários autores, como os que serão mencionados abaixo citam o descompasso entre

Estado e sociedade no Brasil, talvez até entre as esferas do próprio Estado. Hélio Beltrão

salienta a raiz cultural e fundacional desta característica no Brasil, portanto o artigo visa

elucidar os motivos que levaram o país a ter tão notável característica, bem como, através

1 Graduado e Mestrando em História pela UNESP-Franca. E-mail: [email protected]

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do tema proposto, ver como o próprio Estado pensava tal problema e de que forma

acreditava ser possível saná-lo.

Pretendemos a principio, salientar quais eram as condições do Estado brasileiro

quando da criação do Ministério Extraordinário para a Desburocratização (ou Ministério da

Desburocratização), estabelecendo algumas comparações, de forma um pouco mais

extensa, com o período anterior, não com casos específicos de reforma ou tentativa desta

no aparelho de Estado, mas procurando perceber o processo de acumulo de intervenções

do Estado, aspecto fundamental de nossa análise.

O PROBLEMA HISTÓRICO DA BUROCRATIZAÇÃO E OS DISCURSOS DO MINISTRO

HÉLIO BELTRÃO

Hélio Beltrão, autor do Programa Nacional de Desburocratização e primeiro a ocupar

a pasta do ministério extraordinário para a Desburocratização, ressaltava de forma

recorrente alguns aspectos que seriam os grandes entraves para o desenvolvimento do

Brasil e geradores de conflitos na relação entre Estado e sociedade. Entre tais fatores

estariam o excesso de centralização de poder, o formalismo, a presunção de culpa, a

morosidade do serviço público, entre outros. Dentre as soluções que apontava, as mais

fundamentais seriam a descentralização de poder, a “humanização” do tratamento para com

os usuários do serviço público, com atenção especial para os pequenos e médios

empresários e a diminuição das exigências de documentos para diversas atividades

públicas ou privadas. (BELTRÃO, 1984, p.11-23)

Para o ministro, referência no assunto da dinamização do aparelho de Estado desde

a década de 1940 (DINIZ; CAMARGO, 1989, p. 32) haveria no Brasil um descompasso

entre Estado e sociedade, aspecto salientado por vários autores que tratam desta relação

no país, em especial no regime militar, como Aspásia Camargo, que observa que as

mudanças que ocorreram entre o fim do regime e o inicio da redemocratização obedeciam a

uma lógica “incrementalista”, mais do que uma ruptura de padrões em relação aos

segmentos da elite e das organizações populares, além do fato de que o aperfeiçoamento

da capacidade de organização não se traduzir automaticamente em absorção satisfatória

pelo sistema político-institucional, criando um “hiato” entre Estado e sociedade, nos dois

sentidos do fluxo de relações. (Ibid., p.11)

Um dos períodos a ser analisado, por se tratar reconhecidamente de uma época em

que se iniciou um longo processo de centralização e tentativa de racionalização do Estado

brasileiro, é a Era Vargas.

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De acordo com Edson Nunes (2003), em “A Gramática Política do Brasil”, a

revolução de 1930 inicia um processo de state building, caracterizado pela intervenção

dirigista na econômica e por uma centralização administrativa e política, acirrada após o

Estado novo.

Nos quinze anos do primeiro governo Vargas, três formas de relação entre Estado e

sociedade foram tentadas. Através das novas agências e regulamentos foram legislações e

instituições corporativistas e buscou-se o insulamento burocrático, com novas agências e

empresas estatais. Também foram dados os primeiros passos em direção ao universalismo

de procedimentos, com tentativa de reforma do serviço público e criação, para este, de um

sistema meritocrático.

Tais processos, chamados pelo autor de “gramáticas modernizantes”, ainda não

conseguiram extirpar as relações clientelistas, que foram redimensionadas através de um

sistema político que procurava abranger os grupos locais residuais da República Velha. A

grande “inovação” do governo federal em relação a isso foi que o Estado, cada vez mais

forte e centralizado, “nacionalizou” o clientelismo. (p. 47)

A revolução de 1930, entretanto, não conseguiu constituir uma “ordem burguesa

moderna” que se diferenciasse qualitativamente da ordem oligárquica, tradicional e privatista

do período anterior, enviesando-se mais para um “Estado de compromisso”, que

representava a tentativa do governo de conciliar interesses diferentes e mesmo antagônicos.

Dessa forma, apesar da centralização, o regime foi obrigado a atender os grupos

agrários, os industriais emergentes, os militares, bem como a classe média em formação e o

crescente movimento operário. Com isso, as políticas estatais foram desagregadas em

diversas direções, buscando, ao mesmo tempo, contemplar todos os grupos e modernizar o

Estado. (ibid., p. 48)

Assim, principalmente a partir de 1937, o governo teve de se apoiar nas oligarquias

locais, destacadamente pela nomeação de interventores para substituir os governadores de

estados. Com isso, houve uma institucionalização da “gramática de troca generalizada” que

marcou a primeira República.

O governo encontrou-se, então, sobrecarregado e, diante de uma variada gama de

problemas a serem resolvidos, a partir de uma ação imediata, tomou algumas medidas

fundamentais, como as seguintes:

a)Intervenção estatal na economia, através da criação de agências e programas, políticas de proteção ao café e transferência de todas as decisões econômicas relevantes para a esfera do governo federal; b) centralização política, reforma administrativa, racionalização e modernização do aparelho de Estado; c) redefinição de padrões de relacionamento entre o governo federal e os grupos estaduais, com a simultânea centralização dos instrumentos para o exercício do

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clientelismo; d) incorporação do trabalho em moldes corporativos. (ibid., p. 49)

As novas medidas expressavam institucionalmente um “labirinto de tendências” que

não pareciam convergentes. O universalismo de procedimentos foi tentado com a reforma

do serviço público, a partir do DASP. O insulamento burocrático, por meio do mesmo órgão,

logrou êxito com as novas autarquias e, depois, com as empresas estatais. O clientelismo

foi mantido e posto em prática por meio de um complexo jogo de relações com grupos

estaduais e municipais, através de cargos públicos, participação em conselhos consultivos

especiais e pelas relações estabelecidas com os interventores estaduais. O corporativismo

foi expresso principalmente na área trabalhista, com a criação do Ministério e da Justiça do

Trabalho e pela CLT. (ibid., p. 49-50)

Uma das principais medidas de ruptura com a estrutura política da República Velha

foi a substituição, mediante cassação de mandato e nomeação, dos governadores pelos

interventores.

Os interventores dispunham de grande prestígio e de amplos recursos próprios à

patronagem. No entanto, muitos tiveram que estabelecer relações com as antigas

oligarquias, o que enfraqueceu seu ímpeto inovador.

Apesar de conflitos e assimetrias nos diferentes estados, a esfera federal se manteve

no propósito da centralização e racionalização. Somou-se a isso a grande preocupação do

governo com os problemas “nacionais”, opostos aos locais, como o veto aos estados

contraírem empréstimos diretamente, a instauração do Departamento de Imprensa e

Propaganda (DIP) e a Voz do Brasil.

Outra bandeira do novo governo era a racionalidade, oposta à suposta

irracionalidade da República Velha. Uma das medidas foi a extinção dos partidos, com o

intuito de, através do Estado, neutralizar os conflitos, nos moldes corporativistas.

Toda a estrutura corporativista que emergiu após 1930, centralizou e estatizou os

meios para o clientelismo. A criação dos órgãos responsáveis pela regulamentação do

trabalho e suas respectivas burocracias, bem como a criação de outros ministérios e

agencias, gerou vários novos empregos, absorvendo parte da classe média e aumentando a

presença do Estado na sociedade em geral. (ibid., p. 50-52)

Houve também, a partir do DASP, o início de um processo de insulamento

burocrático, característico e simbólico da busca de racionalidade e modernização do

período. Para racionalizar, era preciso a busca de três objetivos: centralização,

padronização e coordenação.

Segundo Nunes, o DASP era “paradoxal”, porque “combinava insulamento

burocrático com tentativas de institucionalização do universalismo de procedimentos”, este

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último mais relacionado com a contratação e promoção do serviço público. Assim, o DASP,

representou uma fração modernizadora de administradores profissionais. (ibid., p. 53)

O autor também ressalta que o corporativismo e o insulamento burocrático sempre

seguiram lado a lado no processo de centralização e racionalização do Estado, transferindo

para a esfera federal os recursos para instrumentalizar o clientelismo. Assim, a

conseqüência não intencional da combinação entre corporativismo, insulamento burocrático

e universalismo de procedimentos com a centralização foi a “nacionalização” do

clientelismo, focado no governo federal. (ibid., p. 54)

Vemos que, a partir da Era Vargas, que grande parte do “cenário” institucional, bem

como da lógica da dinâmica da administração pública, no sentido da relação entre as

diversas organizações, entre os entes federativos e destes com a sociedade, já estavam

postos.

Assim, nos períodos posteriores e durante a vigência da ditadura militar, tal sistema

tendeu a se expandir e com base neste processo de expansão e acúmulo de intervenções

do Estado que se deram as análises, críticas e propostas relativas ao Programa Nacional de

Desburocratização.

Já na apresentação da obra “Descentralização e Liberdade”, de autoria de Hélio

Beltrão (1984), os editores ressaltam a “intensa atividade nos setores público e privado”, por

parte do então ministro. Também observam que o autor procura expressar os conceitos com

clareza, para que “o povo possa entender sua mensagem. Nada de jargões, nada de

‘economês”, nada de preocupações acadêmicas”.

Salientam também sua atuação em várias organizações privadas e governamentais,

com destaque para a Petrobras, sua participação no Decreto-lei 200, no Banco Central e na

Sudene, bem como as pasta de Ministro do Planejamento, no governo Costa e Silva,

Ministro Extraordinário para a Desburocratização e Ministro da Previdência Social no

governo Figueiredo. (p. 7)

No Ministério da Desburocratização, foi responsável pela concepção e execução do

Programa que “beneficiou, sobretudo as pessoas mais humildes e as pequenas empresas”.

Também é observada, segundo citação do próprio autor que:

O Programa de Desburocratização representou a extensão da abertura política ao quotidiano do homem comum, para protegê-lo dos abusos da burocracia, garantindo o respeito à sua dignidade e aos seus direitos, diariamente negados na humilhação das filas, na tortura das longas esperas, na indiferença e na frieza dos balcões e dos guichês. (ibid., p. 8)

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Outros aspectos observados são “seu comportamento liberal”, “preocupação com a

dignificação e moralização da função pública”, além do fato de ser “avesso à tecnocracia” e

o fato de ter sido “um dos percussores da abertura democrática”. (ibid., p. 9)

Constantemente preocupado em ressalta o caráter político de seu intento, o ministro

sempre observava em seus discursos a necessidade de adequar a máquina pública à vida

real do homem comum. De acordo com ele sempre houve no Brasil uma concepção de “país

imaginário”, raciocinado e planejado de maneira abstrata, a partir de centralizações e de

grandes modelos importados.

Diante desta preocupação, Beltrão fundamentava o Programa no objetivo de dar

“prioridade ao pequeno e a valorização da simplicidade”. Dizia ele: “noventa por cento de

tudo neste país é pequeno: o cidadão de reduzida renda, o pequeno empresário, o pequeno

município carente de recursos”. (ibid., p. 12)

Assim, detectava que o grande obstáculo ao desenvolvimento econômico e social

era o centralismo burocrático, combatido por ele há mais de quarenta anos. Ainda, atribuía

tal problema ao “passado colonial”, que se desenrolou ao longo da história do país,

evidenciando, dessa forma, o caráter de acúmulo de intervenções e ingerências, que faz

dirimir quaisquer suspeitas acerca do caráter localizado do problema.

Também via o momento da instituição do Programa Nacional de Desburocratização

como uma “fase de saturação” e que o governo, ao assumir a autoridade, também assumiu

a “responsabilidade por tudo que acontece de errado neste país”. Além disso, ressalta o

“preço político muito alto” pelo excesso de poder concentrado no governo. (ibid., p. 13)

Outro ponto fundamental na concepção de Beltrão é o fato de que todos os

problemas nacionais seriam “subprodutos” do centralismo burocrático. Tal problema seria

expresso nas ações governamentais muito amplas, tentando abarcar e resolver os assuntos

de diversas esferas. No entanto, o ministro ressalta que não falava de nenhum governo em

particular e que o “processo centralizador” seria resultado de uma longa duração, “até certo

ponto inconsciente”.

Beltrão faz uma extensa citação atribuída ao Visconde do Uruguai, de 1862, em que

este observa os problemas da centralização excessiva e da falta de autonomia local, como

sabido, um longo debate travado nos últimos anos do Império e tema fundamental do início

da República.

Ainda, segundo o ministro, tal processo se acirrou, combinando centralização,

desconfiança e tutela, o que deu origem a “uma gigantesca e confusa burocracia federal”,

que acabou perdendo o contato e a sensibilidade em relação aos problemas locais e

cotidianos e, por natureza, diferentes uns dos outros. No entanto, o processo de

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burocratização criaria ainda uma “verdade central” que procurava adequar todas as

peculiaridades regionais ao mesmo padrão. (ibid., p. 17-18)

Além disso, teria ocorrido no Brasil não somente um tipo de centralização do poder

central em face aos locais, mas também uma concentração de poder no executivo. O efeito

de tal processo foi a substituição do espaço político pelo poder burocrático, algo que o

ministro tinha a intenção de combater. (ibid., p. 19)

Outro aspecto sempre salientado por Beltrão era a necessidade de se fortalecer os

municípios, que seriam “a grande realidade física, social e humana da Federação”. Observa

também que os municípios dependem da transferência de verbas federais e sofrem pela

falta de recursos materiais e humanos para resolver seus problemas cotidianos, bem como

pela participação praticamente nula na solução dos grandes problemas sociais. Ao mesmo

tempo, os prefeitos municipais são aqueles que sofrem mais pressão popular, sendo que

não dispõem de meios suficientes para sanar uma variada gama de assuntos. (ibid., p. 23-

24)

Beltrão também observa que a descentralização administrativa não se opõe a um

enfoque nacional de determinados assuntos. Para ele “nacional não é sinônimo de central”,

no sentido de que a existência de uma política nacional não demanda necessariamente sua

execução pelo governo federal. Ainda, a descentralização aumentaria a eficácia e reduziria

os custos dos programas federais. (ibid., p. 25)

Outro aspecto importante no Programa e no discurso do ministro era o tema da

desestatização. De acordo com Beltrão, um erro comum era associá-la apenas ao processo

de “privatização”. Mesmo no campo econômico, a desestatização também se referia a

assegurar uma “maior liberdade de movimentos” para a iniciativa privada, cerceada e

asfixiada pelo excesso de regulamentações, com vistas a ampliar o espaço da livre empresa

na esfera econômica. (ibid., p. 153)

Assim, além de privatizar empresas que não deveriam permanecer sob controle

estatal, o Programa buscava reduzir a “excessiva ingerência burocrática do Estado no

próprio exercício da atividade empresarial, fenômeno de índole estrutural, profundamente

enraizado em nossa tradição paternalista e autoritária”. O ministro ainda cita a insurgência

do Barão de Mauá contra o excesso de leis e regulamentações em relação à indústria e ao

comércio, denotando o caráter de predominância da intervenção na história do Brasil, muito

antes do “Estado-empresário”. (ibid., p. 154)

Beltrão ressalta que o debate em torno da estatização sempre foi “puramente técnico

e abstrato”, com “estridentes guerras de palavras” que acabaram por não apontar soluções

objetivas. Para ele, a discussão na década de 1970 se concentrou nos problemas gerados

pela ação do “governo como empresário”, e se esqueceu da dimensão do “Governo como

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Governo”, responsável pela burocracia no cotidiano dos empresários e pela excessiva

regulamentação da atividade econômica. De acordo com ele, este problema só veio a ser

adequadamente tratado, com propostas de solução, a partir da criação do Programa

Nacional de Desburocratização, em 1979. (ibid., p. 155)

O problema ainda não seria devidamente abordado enquanto se discutisse com base

em “falsos dilemas” como “estatização X desnacionalização” e “empresa privada X empresa

estatal”.

O primeiro deles, para o ministro, encontrava solução no “fortalecimento da empresa

privada nacional”, incentivando o “controle nacional do processo de desenvolvimento”.

Vemos, assim, que neste aspecto, o ministério não procurava romper totalmente com

a lógica desenvolvimentista e nacionalista do regime militar, mas redimensioná-lo para a

esfera privada, dado o insucesso das tentativas de “Estado-empresário”.

Beltrão também salientava que empresas privadas e empresas estatais não são

excludentes, mas poderiam e deveriam coexistir no Brasil. O ministro corroborava da idéia

que os “países de insuficiente capitalização privada”, como o Brasil, deveriam ter o Estado

como indutor do desenvolvimento e que a presença estatal tenderia a crescer na medida em

que a economia se desenvolve. No entanto, para ele, o ponto é detectar o crescimento

desnecessário do Estado. Este seria precisamente o processo de estatização, que “funciona

contra os interesses e a expansão do setor privado”. (ibid., p. 156)

Além disso, o crescimento das empresas estatais para áreas já atendidas pelo setor

privado acabou privilegiando as primeiras, já que estas, que contavam com estímulos

oficiais, não tinham que passar pela “asfixia burocrática”. Dessa forma, muitas empresas

estatais perderam sua razão de ser, com o agravante de que algumas continuavam em

expansão para outros setores diferentes dos iniciais.

Com isso, a postura do Estado deveria ser a de abandonar a função de

“empresário” nos setores em que as empresas privadas já fossem consistentes sem, no

entanto, abandonar totalmente a atividade econômica. Beltrão, dessa forma, procurava

opor-se à radicalização acerca do debate sobre a desestatização. (ibid., p. 157-158)

O CRESCIMENTO DO ESTADO NA DITADURA MILITAR

Luciano Martins ressalta que um fator que contribuiria para o protagonismo do

Estado seria a “situação capitalista” do Brasil, com características das sociedades

dependentes e em desenvolvimento marcadas por uma grande autonomia do político em

relação ao econômico e ao social, criando condições para a auto-expansão do Estado.

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Desta forma, a esfera estatal tem um papel “estruturante” na sociedade em processo

conturbado de transformação e, na economia, se comporta enquanto gestor e produtor.

Tudo isso ocorre anteriormente ao monopólio da produção ou de políticas que visam um

welfare state, o que marca fundamentalmente a diferença com as sociedades capitalistas

avançadas. Portanto, esta autonomia do político se deve à desarticulação social e à

especificidade do modo de desenvolvimento capitalista e o poder do Estado depende

indiretamente dos recursos provenientes, pela via fiscal predominantemente, da acumulação

privada.

Também observa duas dimensões da questão da expansão do Estado: o incremento

de sua capacidade extrativa, ou seja, dos recursos financeiros à sua disposição e do

aumento de sua atividade empresaria, sendo estas as atividades econômicas de bens e

serviços por empresas governamentais.

Tal expansão também se realizaria a partir da integração de “forças centrípetas

(concentração de recursos financeiros e de decisões normativas ao nível do Governo

federal)” e de forças centrífugas (agencias relativamente independentes para alocação de

recursos e decisões). (MARTINS, 1985, p.34-43).

Cardoso observa que em função da fragilidade das organizações intermediarias

como partidos, sindicatos, associações, e até mesmo dos proprietários, que se organizam

de forma instável e, neste contexto, o Estado, como governo e burocracia, especialmente a

militar, são catalisadores. Com este aspecto o Ministério procura romper, com o objetivo de

“devolver” o poder à sociedade civil cada vez mais sob o controle do Estado, algo que,

segundo o autor, era um temor do liberalismo europeu. Ainda sobre a questão dos

interesses de determinados setores e suas fragilidades, o autor chama a atenção para a

permeabilidade maior do governo do que da burocracia, no sentido de que como as classes

não sedimentaram estruturas intermediarias ao nível de Estado, a “inovação técnica” que

parte de indivíduos pode chegar aos níveis mais altos de decisão sem encontrar

“resistências organizadas”. (1979, p.92)

Diante do exposto, podemos considerar o papel crucial do ministro Hélio Beltrão em

todos os aspectos que envolvem a desburocratização e, pelo mesmo motivo, a

possibilidade, pelo menos aparentemente e no que tange a discurso e planejamento, de

mudanças bruscas de direcionamento político.

Sobre o planejamento no Brasil, o autor salienta que este era elaborado por grupos

restritos de técnicos e políticos e dentro do sistema político formal, com muitos conflitos e

nuances políticas e econômicas, porém com a idéia central de “necessidade de

fortalecimento da nação”. (Ibid., p. 79)

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Os aspectos de modernização, portanto, vem da cúpula do governo e, neste sentido,

o Ministério da Desburocratização não rompe, já que no governo Figueiredo, de acordo com

Adriano Codato, há uma concentração de poder a nível ministerial, sendo que uma cúpula

de ministros quem realmente “governava”. (2003, p. 515)

Martins observa que o Estado se apresenta como um “universo em expansão” e que

suas partes internas passam a ter existência própria e agem como “confederadas”, mais do

que como subordinadas, desta forma, o Estado se expandiria a partir das “lógicas

particulares” de suas agências e o grau de importância de cada uma das agencias seria

gerado pelas suas próprias condições internas, mais do que pela delegação a partir do

poder público. (MARTINS, 1984, p. 81)

Além disso, os mecanismos auto-reguladores não eram eficientes, bem como não

havia controle externo, devido ao regime autoritário, o que gerava mais distorções e

desequilíbrios na forma de expansão, e as alianças estabelecidas entre alguns setores da

sociedade, principalmente o empresariado e a burocracia, se dariam de forma heterogênea,

o que fazia com que as agências substituíssem os partidos políticos no sentido em que

agregavam interesses e os transformavam em políticas públicas, portanto a pluralismo se

daria no âmbito do Estado e não na sociedade, fato também observado por Cardoso, em

que a burocracia e a tecnocracia, se expandindo, em oposição à sociedade civil, se

tornavam aparatos a serviço de interesses políticos, substituindo o lugar dos partidos

(CARDOSO,1975, p.182).

Observa-se também que o modelo adotado pelas reformas é diretamente ligado a

uma imagem de povo e de nação e que desde 1930, especialmente, com as inovações

institucionais inseridas por Vargas e pela motivação de intelectuais como Oliveira Vianna e

Azevedo Amaral, adotou-se no Brasil o pressuposto de que o povo não possuía “motivação

política” e que, portanto, necessitava do Estado para o desenvolvimento e para incutir um

“sentido público” na massa. Porém, isto acabou resultando num excesso de formalismo e no

fortalecimento do clientelismo, seguindo até a década de 1960 com a administração

burocrática travando o desenvolvimento do país. A partir de 1967, procurou-se superar este

modelo institucional e descentralizar a administração pública no Brasil. Hélio Beltrão já era

um personagem importante neste contexto, porém, só em 1979 seu grupo conseguiu chegar

a um local de poder que permitisse tentar colocar em prática seus pressupostos, que

incluíam mudar a forma como o Estado pensava a sociedade brasileira e a relação entra

ambos, buscando, agora, uma adequação do primeiro às necessidades e especificidades da

segunda. (SILVA, p. 7-8)

Bresser Pereira observa que o decreto-lei 200, pode ser considerado o primeiro

passo em direção à reforma gerencial no Brasil, e que contou com a participação de Hélio

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Beltrão, que no ministério da Desburocratização, em 1979 viria a ser um “arauto das novas

idéias” com sua criticas ao formalismo, centralização e desconfiança em relação ao público.

(2008, p. 65-66)

O mesmo autor, ao tratar do tema da descentralização considera que a delegação de

poderes é política, pois pretende transferir legalmente receitas e responsabilidades em

níveis subnacionais. Da mesma forma, Hélio Beltrão também enfatizava a necessidade da

“decisão política” a respeito do tema. Bresser ainda salienta que a descentralização no setor

público é diferente do processo em empresas comerciais e no setor privado em geral, mas

vê algumas semelhanças, ao passo que Hélio Beltrão via muitas semelhanças e tanto no

Programa, quanto nos relatórios do ministério é bem enfatizada a comparação (positiva)

com o setor privado e o fortalecimento deste. (BRESER PEREIRA, 2009)

Citando Castells, Bresser fala a respeito da tendência, no ultimo quarto do século

XX, motivada pela globalização, da descentralização de poderes e da necessidade dos

cidadãos e grupos, diante da complexidade cada vez mais crescente da sociedade, de ver

seus interesses defendidos cotidianamente e não somente no período eleitoral, portanto

seria uma demanda da sociedade, mas também um “esforço consciente do Estado-nação”

para enfrentar uma crise de legitimidade.

Desta forma, “a descentralização seria uma estratégia de gestão pública, enquanto a

delegação de poderes é uma decisão política com consequências gerenciais”. A primeira é

construída de cima para baixo, enquanto a segunda é uma demanda local e regional, com

resistências por parte do governo central. No Ministério da Desburocratização ocorre um

misto dos dois, com mais tendência para a primeira, porém os dois processos são

complementares, sendo a descentralização direcionada a agências e organizações sociais e

a delegação seria para unidades subnacionais, porém “mesmo quando não há delegação e

a agência continua subordinada ao governo central, a descentralização combinada com a

administração por resultados torna estratégico o controle social.” Ainda sobre isso, o autor

questiona a descentralização como meio de democratização, sendo que isto não ocorreria

caso não houvesse a delegação de poderes e o objetivo fosse a eficiência gerencial, sendo

uma estratégia de gestão para aumentar o controle do administrador sobre os resultados.

Porém, se houvessem os dois processos juntos, seria um sinal de um processo democrático

em curso. Ainda observa que no Brasil, nascido como um Estado centralizado, a delegação

é um meio das camadas mais baixas da sociedade efetivarem sua cidadania, aspecto

também ressaltado por Beltrão. (Ibid., p.299)

Bresser observa que, em relação às agências executivas e reguladoras, que tem

maior autonomia em relação ao governo central, pode-se verificar que se trata de uma

política de governo ou de Estado, sendo a segunda definida claramente pela lei e a primeira

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pelo governo vigente. Geralmente, num contexto democrático, as mudanças dos

direcionamentos destes órgãos se dão quando um partido de oposição ascende ao poder, o

que obviamente não ocorreu no regime militar, mas também houve uma mudança

significativa, pelo menos na intenção exposta e que partiu do Executivo, tanto em termos

institucionais, quanto político no sentido de iniciativa e decisão. Da mesma maneira, Bresser

observa que uma política de Estado só poderia ser modificada pelo parlamento, não

cabendo ao Executivo. (Ibid., p. 300)

Portanto a questão é até que ponto e de que forma isso se dá em relação ao

Ministério da Desburocratização, já que o regime político contava, no máximo, com uma

cúpula de tomadores de decisões.

AS AÇÕES DO MINISTÉRIO EXTRAORDINÁRIO PARA A DESBUROCRATIZAÇÃO

Beatriz Wahrlich (1984) trata da trajetória de concepção e implementação dos Planos

Nacionais de Desburocratização e Desestatização, respectivamente, de 1979 e 1981,

empreendidos no governo Figueiredo, na fase derradeira da ditadura militar brasileira.

De acordo com a autora, os dois programas eram interligados e visavam objetivos

complementares: “aumentar a eficiência, e eficácia e a sensibilidade da administração

pública e fortalecer o sistema de livre empresa”. (ibid. p. 73)

O Decreto-lei que instituiu o Programa Nacional de Desburocratização tinha como

objetivo a melhoria dos métodos de trabalho do serviço público, dispensando exigências

redundantes, para o beneficio de clientes e servidores, além de evitar a criação de novas

empresas públicas ou de econômica mista para integrar a estrutura governamental. Para a

condução do Programa, foi nomeado um ministro extraordinário, conforme o Decreto-lei nº

200, de 1967. (op.cit.)

A autora ainda ressalta que a proposta de Hélio Beltrão ia além da reorganização e

racionalização técnica e administrativa da máquina burocrática, mas era de natureza

política, visando a transformação de comportamento em relação à forma com que a

administração, de forma geral, tratava seus usuários. Os objetivos do projeto seriam

descentralizar decisões, diminuir regulações e valorizar a presunção de inocência dos

usuários. Tais metas não poderiam ter êxito somente pela via estritamente técnica.

Conforme o ministro:

O primeiro ponto a esclarecer é, portanto, este. Desburocratizar não é racionalizar nem reorganizar. O Programa não se destina a aperfeiçoar o funcionamento interno da máquina administrativa. Pretende garantir o respeito à dignidade e à credibilidade das pessoas e protegê-las contra a pressão burocrática.

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Fica assim evidenciada a dimensão política do Programa, isto é, sua plena inserção no processo de abertura democrática e sua inseparável vinculação à liberdade individual e aos direitos de cidadania. (BELTRÃO, 1984, p. 11-12 apud WAHRLICH, 1984, p. 73)

A autora ressalta que tais conotações culturais e políticas presentes no programa

eram inéditas ou pelo menos não haviam sido enfatizadas nos programas semelhantes

feitos anteriormente. No entanto, os resultados efetivos do programa eram quase sempre

técnicos (redução de exigências e etapas no âmbito da relação entre o serviço público e os

seus usuários), sendo sua dimensão política restrita à atuação de Beltrão. (ibid. p. 74)

A partir de 1983, assume o ministério João Geraldo Piquet Carneiro, prosseguindo

na linha traçada por Beltrão. De acordo com o então novo ministro, o programa partilhava da

percepção popular de burocracia como o processo pelo qual o usuário é uma vítima da

máquina estatal, das filas, do excesso de exigências, da lentidão, da precariedade dos

serviços, etc.

De acordo com o ministro a “síndrome da burocratização” seria caracterizada:

- pelo culto do processo, pelo qual a forma se toma mais importante que a substância; - pela excessiva especialização e departamentalização, levando a que o funcionário perca a noção de conjunto do organismo a que pertence; - pela concentração do poder decisório nas esferalt mais altas, com o conseqüente esvaziamento das funções periféricas; - pela valorização excessiva das atividades-meio (em detrimento das atividades-fim) e multiplicação desnecessária dos controles prévios e/ou cruzados; - pela transferência, ao usuário ou cliente, de certas atribuições que à própria administração competem, tudo isso resultando na perda inevitável da eficiência administrativa. (WAHRLICH, 1984, p. 74-75)

Em 1981 foi publicado um resumo das atividades desenvolvidas pelo Programa

Nacional de Desburocratização, abrangendo a simplificação de variadas rotinas de trabalho,

com o intuito de suprimir documentos e exigências numerosas. De acordo com a autora:

Com esse propósito, 110 normas regulatórias foram expedidas, das quais 18 através de leis federais, 32 de decretos do Poder Executivo e 28 de portarias ministeriais. Os estados-membros cooperaram também com 19 instruções emanadas do Poder Executivo, e algum municípios os acompanharam, com 13 decisões simplificatórias. Deve-se acrescentar que muitas regulamentações abrangem mais de um assunto. Por esse motivo, em termos quantitativos, o total das 110 regulamentações cobre 148 tópicos. (ibid. p. 75)

Ainda, segundo Wahrlich, Hélio Beltrão, criador do Programa, lançou-se numa

“cruzada” pela desburocratização, através de palestras, conferências, entrevistas, debates

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vinculados pela impressa e demais meios de comunicação. O ministro sempre ressaltava

em suas falas uma “tendência histórica” do Brasil, ao crescimento da burocracia, ao

formalismo, à regulamentação e à centralização decisória, que geravam ineficiência do

Estado. Além disso, com a implementação do Programa, segundo o ministro, “Quatrocentos

milhões de documentos foram eliminados de circulação dentro da administração federal. A

economia resultante, incluindo o setor privado, se aproxima de US$ 2 bilhões por ano, cerca

de 0,8% do PNB do país.” (BELTRÃO, 1982 apud WAHLICH, 1984, p. 76)

Com a supressão das exigências, comprovações, documentos, etc se verifica o

tempo e o conforto ganho pelo contribuinte. Tal fato caracterizava o cumprimento do objetivo

de gerar impacto econômico, cultural e político proposto pelo Programa. Em outras palavras,

isso seria a “desburocratização”. (ibid. p. 77)

De acordo com Piquet, a grande motivação e causa da burocratização seria a

“tendência nacional ao estatismo” que permeia a formação histórica do Brasil, caracterizada

por ver o Estado com o ponto de partida para resolver todos os males sociais. (op. cit.)

Uma das principais conquistas do Programa foi a criação do “Estatuto da

Microempresa”, um dos objetivos prioritários de Beltrão. Tal estatuto dispensava várias

formalidades burocráticas que dificultavam a manutenção das empresas, como também as

isentava da maioria ou de todos os impostos e taxas. Para Piquet, o projeto seria ao mesmo

tempo desburocratizante e desestatizante:

O Estatuto da Microempresa objetiva tratar de maneira distinta e favorecida a empresa de reduzido porte econômico. O favorecimento que se busca não é a proteção paternalista do Estado, mas o reconhecimento de que a microempresa não resiste ao mesmo tratamento fiscal e burocrático imposto às empresas de maior porte. Em essência, são sugeridas providências simplificadoras em quatro grandes áreas: no registro de empresas, nas esferas trabalhista e previdenciária, no campo creditício e na área fiscal. (PIQUET CARNEIRO, 1984, p. 9 apud WAHRLICH, 1984, p. 77)

Sobre o Programa Nacional de Desestatização, suas premissas eram as seguintes:

- a organização e a exploração das atividades economlcas competem, em princípio, às empresas privadas, que para tanto contarão com o estímúlo e o apoio do Estado (Constituição Federal, art. 170); - são objetivos prioritários do Governo, enunciados no Decreto n.O 83.740, de 18 de julho de 1979, que institui o Programa Nacional de Desburocratização, o fortalecimento do sistema de livre empresa, a consolidação da grande empresa privada nacional, a contenção da criação indiscriminada de empresas estatais e, quando recomendável, a transferência do seu controle para o setor privado; - o Governo tem o firme propósito de promover a privatização do controle de empresas estatais, nos casos em que a manutenção desse controle se tenha tornado desnecessária ou injustificável; - essa transferência não se vem operando, porém, com a rapidez desejada, pela ausência de uma clara definição das empresas enquadráveis e de

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normas que definam os mecanismos e procedimentos de transferência, transformação ou desativação; - a política de privatização não deve, entretanto, alcançar nem enfraquecer as empresas públicas cujo controle se considere intransferível, seja por motivo de segurança nacional, seja pela necessidade de viabilizar o desenvolvimento do próprio setor privado nacional, seja para assegurar o controle nacional do processo de desenvolvimento (o grifo não é do original). (ibid. p. 78)

A respeito do último tópico, é interessante notar o apelo à “segurança nacional” para

impedir determinadas privatizações. Tal expressão pode ser avaliada a partir do método das

“flag words”, de Higgs, citado neste artigo. Além disso, é um recurso muito condizente com

um regime autoritário, ainda que estivesse em sua fase de transição.

Ainda, sobre os aspectos legais do Programa Nacional de Desestatização, observa-

se:

O Decreto n.O 86.215, de 15 de julho de 1981, atribui a três ministros de Estado (da Secretaria de Planejamento, da Fazenda e Extraordinário para a Desburocratização) o encargo de, sob a coordenação do primeiro, e tendo como órgão de apoio uma comissão especial, dirigir, supervisionar e acelerar o processo de transferência de controle, transformação ou desativação de empresas controladas pelo Governo federal, observadas as diretrizes, procedimentos e critérios de enquadramento estabelecidos no mesmo decreto. (op. cit.)

De acordo com a autora:

O mesmo decreto estabeleceu os critérios de enquadramento de empresas estatais para transferência do seu controle para o setor privado ou, se for o caso, sua desativação. São para tal fim enquadráveis: - as empresas privadas que, tendo sido criadas pelo setor privado, passaram ulteriormente para o controle direto ou indireto da União, em decorrência da inadimplência de obrigações, execução de garantia ou situações jurídicas semelhantes; - as empresas instituídas pelo poder público que não mais devam permanecer sob o controle e direção do Governo federal, por já existir, sob controle nacional, setor privado suficientemente desenvolvido e em condições de exercer as atividades que lhe forem atribuídas; - as subsidiárias das empresas instituídas ou controladas direta ou indiretamente pela União, cuja existência não seja indispensável à execução dos objetivos essenciais da empresa controladora e importe em desnecessária ou injusta competição com as empresas privadas nacionais. Ainda o mesmo ato expressamente exclui da desestatização empresas incumbidas de atividades diretamente ligadas à segurança nacional, a critério do presidente da República; as empresas incumbidas de atividades sujeitas ao regime legal de monopólio do Estado; as empresas responsáveis pela operação da infra-estrutura econômica ou social básica ou produtoras de insumos de importância estratégica, cujo controle o Estado foi levado a assumir para viabilizar o desenvolvimento do setor privado, e não para com ele competir; e as empresas instituídas com o objetivo de manter o controle nacional do processo de desenvolvimento ou evitar a desnacionalização de setores básicos da economia. (O grifo não é do original.) (ibid. p. 79)

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Além disso, sobre a transferência de controle para o setor privado, a autora ressalta

o seguinte, de acordo com o Programa:

- a operação de transferência deverá ser precedida de ampla divulgação, como forma de assegurar o conhecimento público das condições em que se processará, bem como da situação econômica, financeira e operacional das empresas cujo controle se pretenda transferir; - os adquirentes deverão ser cidadãos brasileiros residentes no país ou empresas ou grupos de empresas sob controle nacional; - os adquirentes deverão obrigar-se, mediante compromisso irrevogável, a manter sob controle nacional o capital e a administração das empresas adquiridas; - a fim de preservar o caráter negociaI das transações, evitar-se-á a excessiva generalização, regulamentação ou rigidez de condições, capazes de desestimular . adquirentes potenciais, resguardado, em qualquer caso, o interesse da administração; - as condições e os valores que servirão de base para a negociação das transferências de controle serão fixados pela comissão especial a que se refere o art. 6.° do decreto, segundo critérios que levem em conta a conveniência de viabilizar as transferências, sem prejuízo do interesse da administração. (ibid. p. 80)

Finalmente, a autora ressalta que:

A referida comissão especial é responsável pela efetiva execução das medidas estabelecidas no decreto e constituída de um representante de cada um dos três ministros de Estado que dirigem o programa. À comissão cabe: a) submeter à aprovação conjunta dos ministros de Estado a que está subordinada as normas e providências destinadas à implementação das medidas previstas no decreto que a institui, assim como as decisões de maior relevância; b) realizar o levantamento, a identificação e a proposta de enquadramento das empresas a que se refere o inciso I do art. 1.° do mesmo decreto; c) constituir, se necessário, grupos de negociação para o estudo e encaminhamento de negociações específicas, os quais ficarão a ela vinculados e terão as atribuições por ela fixadas, observado o disposto neste decreto; d) manter estreito relacionamento com os ministérios, órgãos e entidades a que estejam vinculadas as empresas objeto das medidas previstas neste decreto; e) propor, quando for o caso, indicação dos agentes financeiros oficiais que devam intervir nas operações de privatização ou liquidação reguladas por este decreto; f) estudar e propor anteprojetos de lei, nos casos que dependam de prévia autorização legislativa, bem como de outros atos que se façam necessários; g) propor as medidas que devam ser adotadas no caso de participações minoritárias pelo Governo federal, em empresas privadas.

Sobre os resultados do Programa Nacional de Desestatização, a autora ressalta que

em 1983, 27 empresas estatais foram abrangidas pelo programa, com a privatização de 14

delas. Além disso, no mesmo ano, 30 empresas estavam em processo de desestatização e

outras 28 à venda.

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De acordo com Wahrlich, levando-se em consideração as mais de 300 empresas

estatais existentes, os resultados são modestos, porém, como fica claro nos objetivos do

Programa traçado pelo governo, o objetivo maior era evitar a expansão e não mudar

drasticamente o que já existia. (ibid. p. 82)

A autora conclui observando que a desestatização, ao mesmo tempo em que tinha

entusiastas, enfrentava opositores abertos, que se contrapunham ideologicamente ao

Programa, expressando o temor, principalmente, em relação ao fato de que as empresas

multinacionais poderiam ser favorecidas, em detrimento das nacionais.

A desburocratização não sofria oposição aberta, já que ninguém se manifestava

claramente contrário aos objetivos do empreendimento, porém, enfrentava inimigos velados,

como os intermediários que se beneficiavam, pela via legal ou não, do excesso de trâmites

do serviço público. Outro aspecto eram as alegações de desemprego que os Programa

poderia causa, no entanto tal empecilho poderia ser solucionado com a alocação para

funções mais úteis e com carência também alegada por parte de outros setores da máquina

estatal. (ibid. p. 83)

Tendo como principais fontes discursos que emanam do Estado, optamos por

analisá-los de acordo com o método proposto pelo autor norte-americano Robert Higgs, que

são as “flag words” ou, “palavras-bandeiras”, que buscam compreender o discurso e a

ideologia a partir do uso e da significação dada a determinados termos. Por exemplo, a

palavra “democracia”, aparece sempre positivamente, em quase a totalidade dos discursos

políticos das mais variadas linhas de pensamento, enquanto a palavra “estatização” aparece

de forma positiva ou negativa, dependendo da perspectiva ideológica. Desta forma, pode se

classificar as “flag words” como universais ou discriminantes.

No estudo da ação humana, nada é mais fundamental, de acordo com Higgs, do que

a consideração sobre o que os atores sociais envolvidos acreditam. Deste modo, as

percepções diante de determinadas situações, pelo desconhecimento, faz com que as

pessoas conduzam seus interesses numa mais ou menos densa rede de ignorâncias e

incertezas. Para lidar com este contexto de incertezas, os indivíduos e grupos formam um

sistema de crenças.

Desta forma, a ideologia é uma forma de entender a relação entre sociedade e

Estado, pela mediação dos atores sociais, permitindo a compreensão de como os grupos de

interesse agem de forma a fazer valer seus objetivos por meio do uso do aparato estatal.

Nem é preciso salientar as discussões e contra-sensos que o termo ideologia gerou

nos debates em torno das ciências sociais. Assim, se faz necessário optar por uma linha de

pensamento a fim de facilitar a abordagem de um determinado objeto de pesquisa a ser

analisado.

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De acordo com Higgs, a ideologia é uma crença mais ou menos coerente e bastante

abrangente sobre as relações sociais. Por coerente, significa que determinados elementos

de crença combinam entre si, de forma coesa, porém não necessariamente de maneira

lógica do ponto de vista formal. A abrangência se refere a abarcar uma grande variedade de

categorias e inter-relações sociais. A despeito disso, tende a girar em torno de alguns

valores centrais como, por exemplo, liberdade individual, igualdade social ou glória nacional.

Durante um período de crise, o papel da ideologia se torna mais importante ou,

simplesmente, mais visível, tanto na tentativa de manter a ordem, quanto de mudá-la.

Pela identificação dos imperativos ideológicos dos atores políticos (antes disso

atores sociais), pode-se entender melhor suas ações. A identificação pode ser obtida por

uma analise das palavras dos lideres e da elite dos grupos sociais e pelos fatos, a ação

política propriamente dita, sendo assim, a ideologia é mais provável de ser decisiva em

momentos de crise quando algumas situações de escolha social se mostram mais

claramente. Da mesma forma, a linguagem e os discursos nunca são neutros, porém, sendo

que a ideologia não tem um compromisso estrito com a lógica e os fatos, mas com a

justificativa e o convencimento.

Expostas estas características, o autor pretende dar um caráter empírico à ideologia

que, por sua vez, permitem uma análise mais rigorosa dos discursos políticos,

principalmente no que se refere àqueles que procurar propor e justificar um aumento ou

diminuição da intervenção do Estado na sociedade. (Higgs, 1987, p. 49-54)

Como complemento, pretendemos também utilizar instrumentos da análise de

conteúdo, observados por Quivy e Campenhoudt. As principais são as análises temáticas,

que buscam a frequência, direção e intensidade ao tomar como objeto um discurso, as

formais, em que se analisa a expressão, a partir de aspectos como tamanho das frases,

ordem das palavras, hesitações etc. para tentar apreender o direcionamento ideológico do

interlocutor, menos do que as estruturais, que buscam aspectos implícitos, já que nossa

proposta é observar como o Estado, através de sua cúpula, enxergava conscientemente o

problema da burocracia. (2005, p. 227-228)

Dentre as fontes que pretendemos usar temos as mensagens presidenciais do

governo Figueiredo ao Congresso Nacional, de 1980 a 1985, relatando a atividade dos

ministérios.

Podemos salientar alguns pontos importantes nestes relatórios em relação ao

ministério da desburocratização como, por exemplo, que este aparecia em cada ano numa

“categoria” diferente e que em todos ressalta alguns pontos fundamentais sobre a natureza

do ministério, bem como a preocupação em citar números vultuosos da redução de

documentos e afins desde a implementação do programa.

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Na mensagem de 1980, a desburocratização aparece na parte de “política social”

(p.5) e o relatório contem duas páginas (121 e 122). A principio é mencionado o programa

nacional de desburocratização, criado no ano anterior e que visava “melhorar o atendimento

do usuário do serviço público, legitimo destinatário da atividade da Administração” e dar

prioridade aos “pequenos”, sejam usuários, empresários ou servidores. Também é

observado o “duplo propósito de humanizar a relação do público com a Administração e

dinamizar a iniciativa privada”.

Outro objetivo é introduzir é uma “mudança de mentalidade” e “presunção de

veracidade” do público e do servidor público perante a Administração e que o Programa é

federal, mas que conta com a “acolhida” dos estados e alguns municípios, que já teriam

iniciado projetos análogos.

Na mensagem de 1981, a desburocratização aparece em “tópicos especiais” e vai da

página 153 à 156. Nelas é observado que o projeto obteve “grande impulso” no ano anterior

e são listadas as principais medidas tomadas durante o ano, com o destaque para o fato de

que “muitas das medidas a serem adotadas no âmbito do Programa dependem da alteração

das leis federais” e que “o processo de desburocratização impõe a eliminação de exigências

e formalidades de origem estadual e municipal, fora, portanto, da competência do ministro”.

Também ressalta a divulgação e participação em relação ao programa em que “o

ministro e os membros de sua reduzida equipe realizaram mais de 200 palestras, em

organizações da Administração, universidades e associações de classe, levando a todo país

a mensagem do Programa”.

No ano de 1982, o programa aparece na parte de “Política econômica e financeira” e

como “desburocratização e descentralização administrativa”, nas páginas 62 e 63. São

citadas as ações em conjunto com o MIC, “restringindo drasticamente os documentos

exigíveis para registro ou arquivamento de empresas” e também que “no sentido de

descentralizar o processo de tomada de decisões e fortalecer os estados, o MIC intensificou

esforços desativando as delegacias estaduais, transferindo para as secretarias estaduais de

indústria e comércio uma série de atribuições que antes lhe estavam afetas”.

Em 1983, aparece novamente na área de política social e reitera os objetivos de

“simplificar e dinamizar a Administração Federal, reduzir a interferência do governo na

atividade privada e facilitar o atendido aos usuários do serviço público” e lista brevemente os

atos baixados em 1982.

Ainda na parte de “política social”, em 1985 (não tivemos acesso ao do ano anterior)

reforça os pontos salientados nos relatórios anteriores e dá a entender que os objetivos

foram cumpridos com êxito, listando, a seguir, os atos baixados de mais destaque. Cita as

medidas tomadas em 1984 e no último parágrafo diz: “Além dessas medidas, assinale-se o

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amplo trabalho de articulação com os estados e municípios visando estender o esforço de

desburocratização às demais esferas do governo.”

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos notar que grande parte da concepção do Programa Nacional de

Desburocratização, bem como das ações mais importantes do Ministério Extraordinário para

a Desburocratização dependeram da ação e articulação de Hélio Beltrão. Além disso, foi de

fundamental importância a relativa autonomia conferida a ele pelo presidente Figueiredo,

denotando assim o caráter político, mais do que técnico, do intento, como sempre salientado

pelo então ministro.

Neste aspecto, não se vê grandes rupturas com os períodos anteriores da ditadura

militar, em que a concentração de poder fazia com que mudanças nos rumos políticos só

pudessem ser efetivas caso contassem com grande apoio do executivo, em especial, da

figura pessoal do presidente da República.

Outro aspecto que o ministério não rompeu foi o fato de que, apesar de propor

amplas desestatizações, ainda acreditava na ação do Estado como promotor do

desenvolvimento, sendo que seu foco no fortalecimento das empresas nacionais também

caracterizava sua permanência no ideário nacionalista.

Ainda, vemos um apelo muito acentuado do ministro pela descentralização de poder

e fortalecimento da autonomia dos entes federativos, principalmente dos municípios. Neste

aspecto, vemos que Beltrão deixa de observar os perigos que tal processo poderia

representar, como um acirramento do clientelismo, uma “gramática”, segundo Edson Nunes,

sempre presente na política nacional, que acabava por se articular com os outros aspectos

da condução da administração pública.

No âmbito das rupturas efetivas, vemos o tratamento bastante crítico do ministro em

relação à burocracia, sem precedentes na história do Brasil. Também sua preocupação

sistemática com a pequena empresa denota uma proposta de mudança de rumos da política

econômica vigente na ditadura militar, com o objetivo de criar “campeões nacionais”.

Além disso, era clara a consciência de Beltrão sobre como o problema da

“burocratização” e da “estatização” se processou durante longo período e que só poderia ser

resolvido pela via política, dada a descrença do ministro na via estritamente técnica e

administrativa.

Outro aspecto interessante do discurso é que o ministro sempre procurava inserir os

objetivos do Programa no âmbito mais geral da democratização e dos direitos humanos,

pensando, além da dimensão da representatividade política e da repressão estatal, no dia-a-

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dia do homem comum e do pequeno empresário em sua relação com o Estado. No entanto,

ao afirmar que suas críticas não se dirigiam a um governo em especial, Beltrão deixa de

abordar as peculiaridades do processo do crescimento do Estado durante a ditadura militar.

Enfim, vemos que o Ministério da Desburocratização representou mais a proposta de

um modelo de administração pública e um esforço de compreensão crítica do problema

histórico da burocracia no Brasil, mas que, conscientemente dependente de outras

articulações políticas, como a adesão de estados e municípios, além de um processo de

continuidade que acabou não acontecendo devido à redemocratização, acabou por não

alcançar grandes resultados efetivos, apesar dos poucos êxitos conseguidos nos anos de

vigência do ministério terem sido significativos.

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FONTES

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