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Revista Eletrônica do Ministério Público Federal A tutela coletiva da responsabilidade civil — alguns aspectos processuais Solange Sena Hortélio * O ordenamento jurídico pátrio prevê a reparação de danos decorrentes da responsabilidade civil, tanto na esfera individual quanto na coletiva, dependendo da identificação dos fatos e do alcance do dano, a escolha dos tipos de ação e de procedimento. Quanto à tutela individual, Francesco Carnelutti (2000, p.82, v. II) aponta que “[...] no processo civil atua o sujeito do interesse em litígio e, portanto, de que, geralmente, interesse e ação coincidem [...]”. Neste sentido, o art. 6º do Código de Processo Civil dispõe que “ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”. Em consonância com o sistema adotado pelo Código de Processo Civil e pela legislação extravagante, a reparação individual dar-se-á por via do ajuizamento de ação de ressarcimento de danos, comumente chamada de ação indenizatória, uma típica ação de conhecimento. Cabe ao autor a escolha do procedimento a ser adotado, que pode ser o comum (ordinário ou sumário) ou o especial (procedimento dos juizados especiais cíveis v. g.), dependendo, mormente, do valor da causa e da complexidade das provas a serem produzidas. Não obstante a possibilidade de escolha dos procedimentos supra, pode o autor optar, em qualquer caso, pelo procedimento comum ordinário, que oportuniza todos os meios de prova no âmbito civil legalmente permitidos, sem limitação de valor da causa. No que concerne à tutela coletiva, inicialmente, vale fazer uma breve digressão. Entende-se por tutela coletiva, lato sensu, a defesa de direitos de uma coletividade de pessoas, determinável ou não. O Ministro catarinense do Superior Tribunal de Justiça, Teori Albino Zavascki (1995, p.33), faz, entretanto, uma importante distinção, referente à defesa de direitos coletivos e à defesa coletiva de direitos, nos seguintes termos: [...] Porém, é preciso que não se confunda defesa de direitos coletivos (e difusos) com defesa coletiva de direitos (individuais). Direito coletivo é direito transindividual (= sem titular determinado) e indivisível. Pode ser difuso ou coletivo stricto sensu. Já os direitos individuais homogêneos são, na verdade, simplesmente direitos subjetivos individuais. A qualificação de homogêneos não desvirtua essa sua natureza, mas simplesmente os relaciona a outros direitos individuais assemelhados, permitindo a defesa coletiva de todos eles. [...] * Advogada, graduada pela UFBA e pós-graduada em Direito Processual Civil pela Unijorge/BA. Ano I – Número 1 – 2009 – página 1 de 21

A tutela coletiva da responsabilidade civil — alguns ... · no processo civil atua o sujeito do interesse em litígio e, portanto, de que, geralmente, ... graduada pela UFBA e pós-graduada

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Revista Eletrônica do Ministério Público Federal

A tutela coletiva da responsabilidade civil — alguns aspectos processuais

Solange Sena Hortélio*

O ordenamento jurídico pátrio prevê a reparação de danos decorrentes da

responsabilidade civil, tanto na esfera individual quanto na coletiva, dependendo da

identificação dos fatos e do alcance do dano, a escolha dos tipos de ação e de procedimento.

Quanto à tutela individual, Francesco Carnelutti (2000, p.82, v. II) aponta que “[...]

no processo civil atua o sujeito do interesse em litígio e, portanto, de que, geralmente,

interesse e ação coincidem [...]”.

Neste sentido, o art. 6º do Código de Processo Civil dispõe que “ninguém poderá

pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”.

Em consonância com o sistema adotado pelo Código de Processo Civil e pela

legislação extravagante, a reparação individual dar-se-á por via do ajuizamento de ação de

ressarcimento de danos, comumente chamada de ação indenizatória, uma típica ação de

conhecimento.

Cabe ao autor a escolha do procedimento a ser adotado, que pode ser o comum

(ordinário ou sumário) ou o especial (procedimento dos juizados especiais cíveis v. g.),

dependendo, mormente, do valor da causa e da complexidade das provas a serem produzidas.

Não obstante a possibilidade de escolha dos procedimentos supra, pode o autor optar, em

qualquer caso, pelo procedimento comum ordinário, que oportuniza todos os meios de prova

no âmbito civil legalmente permitidos, sem limitação de valor da causa.

No que concerne à tutela coletiva, inicialmente, vale fazer uma breve digressão.

Entende-se por tutela coletiva, lato sensu, a defesa de direitos de uma coletividade

de pessoas, determinável ou não. O Ministro catarinense do Superior Tribunal de Justiça, Teori

Albino Zavascki (1995, p.33), faz, entretanto, uma importante distinção, referente à defesa

de direitos coletivos e à defesa coletiva de direitos, nos seguintes termos:

[...] Porém, é preciso que não se confunda defesa de direitos coletivos (e difusos) com defesa coletiva de direitos (individuais). Direito coletivo é direito transindividual (= sem titular determinado) e indivisível. Pode ser difuso ou coletivo stricto sensu. Já os direitos individuais homogêneos são, na verdade, simplesmente direitos subjetivos individuais. A qualificação de homogêneos não desvirtua essa sua natureza, mas simplesmente os relaciona a outros direitos individuais assemelhados, permitindo a defesa coletiva de todos eles. [...]

* Advogada, graduada pela UFBA e pós-graduada em Direito Processual Civil pela Unijorge/BA.

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Assim, a defesa de direitos coletivos refere-se à tutela dos direitos/interesses

coletivos lato sensu e a defesa coletiva de direitos à proteção dos direitos/interesses

individuais homogêneos, considerando-se ambos espécies do gênero tutela coletiva.

A tutela coletiva deve ser, mormente, compreendida sob o prisma do micro-sistema

composto pela Lei da Ação Popular (Lei 4.717/1965-LAP), pela Lei da Ação Civil Pública (Lei

7.347/1985-LACP) e pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990-CDC), como consta

positivado nestes diplomas legais (art. 21 LACP e art. 90 CDC), com aplicação subsidiária do

Código de Processo Civil (art. 22 LAP, art. 19 LACP e art. 83 c/c 90 CDC), ainda “[...] de

acordo com o princípio geral da incidência subsidiária das normas codificadas quanto aos

processos disciplinados por leis especiais [...]” (MOREIRA, 1977, p.118).

Os direitos e interesses coletivos lato sensu têm objetos indivisíveis – i.e. objetos

essencialmente coletivos –, dispensando a identificação individual dos componentes da

coletividade, e são compostos por direitos/interesses difusos e direitos/interesses coletivos

stricto sensu.

Os direitos/interesses difusos são titularizados por uma coletividade indeterminada,

vinculada por numa situação de fato (art. 81, parágrafo único, I, CDC). Já direitos/interesses

coletivos stricto sensu são titularizados por uma comunidade determinável, visto que,

normalmente, agregada por uma relação jurídica base (art. 81, parágrafo único, II, CDC).

Aluísio Gonçalves de Castro Mendes (2002, p.26) entende a ação coletiva, sob o

prisma do ordenamento jurídico pátrio, como:

[...] direito apto a ser legítima e automaticamente exercido por pessoas naturais, jurídicas e formais, conforme previsão legal, de modo extraordinário, a fim de exigir a prestação jurisdicional, com objetivo de tutelar interesses coletivos, assim entendidos os difusos, os coletivos em sentido estrito e os individuais coletivos [...]

Preceitua o art. 83 do Código de Defesa do Consumidor que, para a defesa dos

direitos e interesses ali protegidos – e que se aplicam àqueles dispostos na Lei da Ação Civil

Pública (art. 21) – são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua

adequada e efetiva tutela.

Restaram disciplinadas, no micro-sistema supraindicado, a ação civil pública e a ação

popular, as quais, como se pode observar, são ações de reparação de dano decorrente de

violação de interesses ou direitos difusos ou coletivos, stricto sensu, não se olvidando de

outras, objeto de estudos mais detalhados do que pretende ser o presente.

Segundo Luiz Manoel Gomes Júnior (2005, p.14), “no ordenamento jurídico pátrio,

consolidou-se o entendimento de que a Ação Popular é o instrumento adequado para atacar

ato ilegal e lesivo aos cofres públicos, bem como quando houver violação ao Princípio

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Constitucional da Moralidade Administrativa”.

O objeto da ação popular é a anulação (ação constitutiva) ou a declaração de

nulidade de ato administrativo (ação declaratória) – conduta ilícita –, que enseja (nexo

causal) lesão ao patrimônio público (dano), nos termos preceituados no art. 1º da Lei de Ação

Popular, bem como, necessariamente, independentemente de pedido, a condenação na

reparação dos danos pelos responsáveis (art. 11 LAP) – ação de prestação decorrente da ação

constitutiva e/ou da ação declaratória supra.

Já o objeto da ação civil pública é o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer

para evitar danos aos interesses e direitos difusos e coletivos stricto sensu, bem como a

reparação de eventuais danos coletivos corridos (art. 1º LACP) – ação de prestação genérica.

As referidas ações coletivas diferenciam-se, outrossim, pela legitimidade ativa.

Podem ajuizar a ação civil pública o Ministério Público, a Defensoria Pública, a União,

os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, as autarquias, as empresas públicas, fundações

ou sociedades de economia mista e a associações que, concomitantemente, estejam

constituídas há pelo menos 1 (um) ano, nos termos da lei civil, e incluam, entre suas

finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica,

à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e,

em interpretação sistemática, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo stricto sensu (art.

1º, IV, c/c art. 5º LACP).

Em se tratando de matéria consumerista, a legitimidade ativa difere um pouco. Além

de o Ministério Público, a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as associações

poderem ajuizar a respectiva ação civil pública, podem fazê-lo, outrossim, entidades e órgãos

da administração pública direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica,

especialmente destinados a defesa do consumidor (art. 82 CDC).

Mesmo a Defensoria Pública não constando expressamente do dispositivo supra,

entende-se que, a partir da Lei 11.448/2007, ela tem legitimidade para propor todas as ações

coletivas para a defesa de interesses coletivos e para a defesa coletiva de direitos, desde que

vinculadas a sua finalidade essencial, fixada no art. 134 da Constituição Federal.

Luiz Guilherme Marinoni (2008, p.746) esclarece que:

[...] a Defensoria Pública poderá ajuizar qualquer ação para a tutela de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos que tenham repercussão em interesse dos necessitados. Não será necessário que a ação coletiva se volte à tutela exclusiva dos necessitados, mas sim que a sua solução repercuta diretamente na esfera jurídica dos necessitados, ainda que também possa operar efeitos perante outros sujeitos [...]

Quanto à ação popular, a própria Constituição Federal, em art. 5º, inciso LXXIII, e a

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Lei de Ação Popular, no art. 1º, legitimam qualquer cidadão para ajuizá-la, considerando-se

que “[...] cidadão, no direito brasileiro, é o indivíduo que seja titular dos direitos políticos de

votar e ser votado e suas conseqüências. [...]” (SILVA, 1997, p.331), atributo que restará

comprovado com a apresentação do título de eleitor ou de documento equivalente, nos

termos do parágrafo 3º do artigo 1º da Lei da Ação Popular.

Observe-se, ainda, que, nos termos do artigo 6º, parágrafo 5º, da Lei de Ação

Popular, qualquer cidadão pode habilitar-se como litisconsorte ou assistente do autor da ação

popular.

Vale destacar, entretanto, que o Ministério Público é legitimado, assim como

qualquer outro cidadão, a promover o prosseguimento da demanda caso o autor desista da

ação ou dê causa à extinção do processo sem julgamento do mérito, como reza o art. 9º da

Lei da Ação Popular.

Já os direitos ou interesses individuais homogêneos são os direitos individuais

clássicos, divisíveis, transmissíveis por atos inter vivos ou mortis causa, suscetíveis de

renúncia e transação. Estes direitos são, geralmente, exercidos pelos seus próprios titulares.

Ocorre que há determinados casos em que a violação destes direitos está em inconsonância

com interesses sociais relevantes (art. 81, parágrafo único, III, CDC), o que motivou o

legislador outorgar ao Ministério Público e a outros (art. 82 CDC) legitimidade para defendê-

los, em regime de substituição processual extraordinária.

Para a tutela dos interesses e direitos individuais homogêneos, fez-se necessário o

estabelecimento de ação e procedimento próprios, visto que, por meio da ação civil pública e

da ação popular, não é possível o ressarcimento dos danos individuais sofridos pelos

jurisdicionados, muitas vezes atingidos em seu patrimônio pessoal em decorrência dos

mesmos fatos objeto das referidas ações.

Assim, foi criada a ação civil coletiva, inicialmente, com pálio na Lei n. 6.024/1974

(arts. 46 e 49, §1º), que dispõe sobre o ressarcimento de danos causados aos credores de

instituições financeiras em regime de liquidação e intervenção extrajudicial, legitimando,

extraordinariamente, o Ministério Público para a sua defesa e determinando que o valor da

indenização seja revertido aos credores lesados, na medida dos seus prejuízos.

Neste mesmo sentido, rezam a Lei n. 7.913/1989 (arts. 1º e 2º), que dispõe sobre o

ressarcimento de danos causados aos investidores do mercado de valores mobiliários; a Lei

8.884/1994 (art. 29), que trata da reparação de danos dos lesados por práticas que

constituem infrações a ordem econômica; o Estatuto da Criança e do Adolescente (no art.

201, V), que disciplina a reparação de danos que atingem a crianças e os adolescentes; o

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Código de Defesa do Consumidor (art. 91 e seguintes), para o ressarcimento de danos

causados em decorrência das relações de consumo; o Estatuto do Idoso (art. 74, I), referente

à tutela coletiva para reparação de danos causados a idosos.

Acrescente-se que, também no que concerne às ações civis coletivas, são legitimados

ativos para propor o Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os Estados, os

Municípios, o Distrito Federal, as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou

indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos

interesses e direitos coletivos; e as associações legalmente constituídas há pelo menos um

ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos objeto da

tutela coletiva, dispensada a autorização assemblear (art. 91 c/c art. 82 CDC; art. 29 da Lei

8.884/1994).

O procedimento das ações coletivas é especial. Isto porque, não obstante ter como

base o procedimento ordinário, estabelecido para a tutela individual no Código de Processo

Civil (arts. 282 e ss CPC), são acrescentados alguns procedimentos específicos, com o fito de

adequar o procedimento clássico de tutela individual à tutela coletiva (art. 7º LAP; art. 91 e

ss CDC; art. 17 da Lei de Improbidade Administrativa-Lei 8.429/1992-LImprob).

O Ministério Público tem atuação de destaque no procedimento das ações coletivas.

Caso o parquet não seja o autor, deve sempre atuar como fiscal da lei (art. 5º, par 1º, LACP;

art. 6º, par 4º, LAP; art. 92 CDC; art. 17, par 4º, LImprob), sob pena de nulidade do feito.

Sobre o assunto, vale trazer à baila as lições de Fredie Didier Júnior (2008, p.254):

[...] A falta de intervenção do Ministério Público implica nulidade do procedimento, a partir do momento em que ele deveria ter sido intimado, ex vi do art. 246, caput e parágrafo único, do CPC. A participação do Ministério Público, em tais casos, é encarada como “pressuposto processual” objetivo intrínseco de validade. O que dá ensejo à nulidade é a falta de intimação; “se intimado, deixa de intervir por qualquer motivo, nulidade não há” (FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Comentários ao Código de Processo Civil. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, v. 8, t. 3, p.519) [...]

Observe-se, ainda, que, em caso de desistência infundada ou abandono da causa, o

Ministério Público ou outro legitimado deve promover o prosseguimento da ação coletiva (art.

5º, par 3º, LACP; art. 9º LAP).

Questiona-se, todavia, se o Ministério Público teria legitimidade para propor ações

civis coletivas por violação a direitos individuais, em decorrência de danos verificados em

relações diversas das acima listadas.

O art. 127 da Constituição Federal atribui ao Ministério Público a função de zelar

pelos interesses sociais e pelos direitos individuais indisponíveis. Visando a dar efetividade a

este dispositivo constitucional, o legislador ordinário regulamentou tal dispositivo, dispondo,

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no art. 25, IV, ‘a’, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, que, além das funções

previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe,

ainda, ao Ministério Público promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei,

para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao

consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico,

e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos. No

mesmo diapasão, o art. 21 da Lei da Ação Civil Pública dispõe que se aplicam à defesa dos

direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do

Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.

Desta maneira, o Ministério Público tem, sim, inequívoca legitimidade para propor

ação civil coletiva para a tutela de direitos individuais, desde que estes sejam indisponíveis

(v. g. vida, art. 5º da CF; saúde, art. 196 da CF; educação, art. 205 da CF) e, quando

homogêneos, haja violação ao interesse social no descumprimento destes, devendo a violação

ser devidamente fundamentada.

Neste diapasão, é o entendimento do Ministro Teori Albino Zavascki (1995, p.47):

[...] concluímos que não cabe ao Ministério Público bater-se em defesa de direitos ou interesses individuais, ainda que, por terem origem comum, possam ser classificados como homogêneos. Aliais, esta tem sido a orientação do STJ. Entretanto, em casos excepcionais, devidamente justificados e demonstrados, em que a eventual lesão a um conjunto de direitos individuais possa ser qualificada, à luz dos valores jurídicos estabelecidos, como lesão a interesses relevantes da comunidade, ter-se-ia presente hipótese de lesão a interesse social, para cuja defesa está o Ministério Público legitimado pelo art. 127 da CF. [...]

Sobre o tema, portanto, é de se asseverar que o art. 127 da CF atribui ao Ministério Público a defesa de interesses sociais, assim entendidos aqueles cuja tutela é importante para preservar a organização e o funcionamento da sociedade e para atender suas necessidades de bem estar e desenvolvimento. [...]

A jurisprudência dos Tribunais Superiores, entretanto, tem divergido sobre o tema,

valendo transcrever alguns arrestos que interpretam de maneira razoável o sistema da ação

civil coletiva, apesar da falta de técnica para se identificar o tipo de ação, data maxima

venia.

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO

A MENOR CARENTE. DIREITO À SAÚDE. DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL.

LEGITIMAÇÃO EXTRAORDINÁRIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ART. 127 DA CF/88.

PRECEDENTES.

1. O Ministério Público possui legitimidade para defesa dos direitos individuais

indisponíveis, mesmo quando a ação vise à tutela de pessoa individualmente

considerada.

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2. O artigo 127 da Constituição, que atribui ao Ministério Público a

incumbência de defender interesses individuais indisponíveis, contém norma

auto-aplicável, inclusive no que se refere à legitimação para atuar em juízo.

3. Tem natureza de interesse indisponível a tutela jurisdicional do direito à

vida e à saúde de que tratam os arts. 5º, caput e 196 da Constituição, em favor

de menor carente que necessita de medicamento. A legitimidade ativa, portanto,

se afirma, não por se tratar de tutela de direitos individuais homogêneos, mas sim

por se tratar de interesses individuais indisponíveis. Precedentes: EREsp

734493/RS, 1ª Seção, DJ de 16.10.2006; REsp 826641/RS, 1ª Turma, de minha

relatoria, DJ de 30.06.2006; REsp 716.512/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de

14.11.2005; EDcl no REsp 662.033/RS, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de

13.06.2005; REsp 856194/RS, 2ª T., Ministro Humberto Martins, DJ de 22.09.2006,

REsp 688052/RS, 2ª T., Ministro Humberto Martins, DJ de 17.08.2006.

4. Embargos de divergência providos. (EREsp 715266/RS; Embargos de Divergência

no Recurso Especial 2006/0111749-0; STJ-1ªS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ

12.02.2007 p.232)

PROCESSO CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - MINISTÉRIO PÚBLICO - LEGITIMIDADE.

1. O Ministério Público Federal está legitimado a recorrer à instância especial nas

ações ajuizadas pelo Ministério Público Estadual.

2. O MP está legitimado a defender direitos individuais homogêneos, quando

tais direitos têm repercussão no interesse público.

3. Questão referente a contrato de locação, formulado como contrato de adesão

pelas empresas locadoras, com exigência da Taxa Imobiliária para inquilinos, é de

interesse público pela repercussão das locações na sociedade.

4. Embargos de divergência conhecidos e recebidos. (EREsp 114908/SP; Embargos

de Divergência no Recurso Especial, STJ-CE, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ

20.05.2002 p.95)

Para se identificar qual o juízo competente para se processar e julgar as ações

coletivas acima identificadas deve recorrer-se, primordialmente, à Constituição Federal.

Eduardo Arruda Alvim (2002, p.14) entende que “[...] de maneira geral, pode dizer-se

que a Constituição define qual a Justiça competente; o CPC (ou leis extravagantes), qual o

foro competente; e as leis de organização judiciária, qual o juízo competente [...]”.

Assim, caso haja interesse da União, entidade autárquica ou empresa pública

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federal, na qualidade de autoras, rés, assistentes ou oponentes, será competente a Justiça

Federal (art. 109, I, CF).

As ações indenizatórias que na qual não conste o interesse das pessoas jurídicas

acima indicadas devem tramitar na Justiça Comum, dada a sua competência residual,

estabelecida pela Constituição Federal.

Não se olvide, ainda, das regras de prerrogativa de foro estabelecidas pelas

Constituições Federal e Estaduais, criadas com o fito de proteger o exercício das respectivas

funções pelos beneficiários.

Quanto à competência territorial, o Código de Processo Civil estabelece como regra

geral para as ações fundadas em direito pessoal o foro do domicílio do réu, observado o

disposto no art. 94 do Código de Processo Civil. Ocorre que, como quase em todas as regras

jurídicas, há exceções.

Em se tratando de ação civil pública e ação civil coletiva, dispõem a Lei da Ação Civil

Pública (art. 2º LACP) e o Código de Defesa do Consumidor (art. 93, I, CDC) que o foro

competente é o do local do dano; estabelecendo, ainda, o foro da Capital do Estado ou no do

Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do

Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente (art. 93, II, CDC).

Diferentemente, em se tratando de ação popular, o foro competente é aquele que,

de acordo com a lei de organização judiciária de cada Estado, o for para as causas que

interessem a União, ao Distrito Federal, aos Estados e aos Municípios, dependendo da origem

do ato (art. 5º LAP). Conclui-se ser o foro da origem do ato administrativo impugnado, i.e., o

local da conduta.

Escolhida ação, o procedimento e o foro para a promoção da tutela coletiva da

responsabilidade civil, faz-se necessário delimitar, na petição inicial, o alcance da demanda.

A petição inicial deve constituir-se em um silogismo, isto é, em uma dedução formal,

na qual parte-se de uma premissa menor (fundamentos de fato), que deve subsumir-se a uma

premissa maior (fundamentos jurídicos), chegando-se a uma conclusão (pedido).

O Eminente jurista Marcos Bernardes de Mello (2003, p.20) conceitua o fato jurídico

nos seguintes termos:

[...] o mundo jurídico é formado pelos fatos jurídicos e estes, por sua vez, são o

resultado da incidência da norma jurídica sobre o seu suporte fáctico quando

concretizado no mundo dos fatos. Disso se conclui que a norma jurídica é quem

define o fato jurídico e, por força de sua incidência, gera o mundo jurídico,

possibilitando o nascimento de relações jurídicas com a produção de toda a sua

eficácia, constituída por direitos deveres, pretensões obrigações, ações,↔ ↔

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exceções e outras categorias eficaciais.

Desse modo, a norma jurídica constitui uma proposição através da qual se

estabelece que, ocorrendo determinado fato ou conjunto de fatos (= suporte

fático) a ele devem ser atribuídas certas conseqüências no plano do

relacionamento intersubjetivo (= efeitos jurídicos). [...]

Para a identificação de quais os fatos devem ser narrados, deve, em princípio,

desprezar-se os fatos simples ou secundários, ou seja, “[...] aqueles que, de per si, não

preenchem o suporte fático [...]” (ASSIS, 2002, p.142) da norma jurídica que se pretende a

aplicação.

No dizer de Caio Mário da Silva Pereira (2000, p.13):

[...] Pacífico é o direito e unânime a doutrina ao enunciar, em termos gerais, o

princípio da responsabilidade, proclamando sem contradita e sem rebuços, que a

vítima de uma ofensa a seus direitos e interesses receberá reparação por parte do

ofensor. Uma pesquisa histórica [...] revela a presença do princípio em todas as

civilizações anteriores [...] todos os sistemas jurídicos na atualidade não deixam

de enunciar este propósito, que se integra na civilização jurídica. [...]

Portanto, devem narrar-se os fatos – indicando-se os meios de prova a serem

utilizados para comprová-los –, dos quais se possa depreender os pressupostos da

Responsabilidade Civil, para se configurar o fato jurídico. São eles: a) conduta; b) dano; c)

nexo de causalidade entre o comportamento do agente e o dano sofrido pela vítima; d) risco

da atividade (se a intenção for aplicar a Teoria do Risco da Atividade).

Quanto aos fundamentos jurídicos, é relevante apontar qual a norma jurídica que,

aplicável aos fatos narrados, faz nascer o fato jurídico, com as consequências identificadas no

pedido.

É deveras importante a indicação do fundamento jurídico do pedido, não obstante o

conhecido brocardo latino, por meio do qual se ensina que ao juiz são dados os fatos para que

ele diga o Direito. Isto porque nestas normas estão detalhados quais os pressupostos

necessários à composição do fato jurídico. Neste sentido, para que se verifique a correta

subsunção do fato à norma que estabelece a obrigação de ressarcimento dos danos,

configurando-se o fato jurídico, torna-se necessária a comprovação da existência de todos os

seus pressupostos, concomitantemente.

Em seguida, serão apontados os mais corriqueiros fundamentos jurídicos para a tutela

coletiva da responsabilidade civil.

O primeiro pressuposto da responsabilização civil coletiva é a conduta, que pode ser

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lícita ou ilícita.

Mesmo a tutela individual já prevê a responsabilização civil por ato lícito, desde que

haja dano causado pelo agente da conduta (v. g. arts. 188, 929 e 930 do Código Civil-CC).

Mormente em se tratando de dano coletivo, não se requer a demonstração da

contrariedade ao direito para que se configure o dever de indenizar. Neste sentido, observe-

se que, em caso de ação civil pública, não se exige uma conduta ilícita para que surja o dever

de reparar dano. Se houver danos a quaisquer interesses difusos e coletivos, inclusive àqueles

ali elencados (art. 1º LACP), nasce o dever de indenizar, mesmo que tenha decorrido de uma

conduta lícita: verificado o dano e o nexo de causalidade entre a conduta do agente e aquele,

é imperioso o dever de ressarcimento.

Em regra, entretanto, a responsabilidade civil decorre de uma conduta ilícita.

Marcos Bernardes de Mello (2003, p.217, 219, 220 e 222) assim conceitua o ato

ilícito:

[...] Todo ordenamento jurídico, com maior ou menor intensidade, contém, como

básico, o princípio da incolumidade das esferas jurídicas individuais, consideradas

estas, em sentido lato, o conjunto de direitos e deveres, mensuráveis, ou não,

economicamente, relacionados a alguém. [...] No caso do fato ilícito lato sensu, o

cerne do seu suporte fático é constituído por dois dados: (a) um objetivo (porque

relacionado ao fato), a contrariedade ao direito, e (b) outro subjetivo (por dizer

respeito à qualidade do sujeito), a imputabilidade (= capacidade de praticar ato

ilícito, ou delitual). Assim, para que se possa considerar ilícito um fato, seja

evento, seja conduta, é necessário que implique violação da ordem jurídica,

negando os fins do direito, e seja praticado ou esteja vinculado a alguém

imputável. Sem que concorram esses dois elementos, não há ilicitude. [...]

Portanto, para que a contrariedade a direito componha o suporte fático ilícito

lato sensu, é necessário que não haja normas jurídicas que dela pré-excluam a

ilicitude, especificamente. Por isso, não há ilicitude se o ato é permitido pelo

direito, mesmo quando cause prejuízo, ainda quando gere a obrigação de

indenizar. [...] A imputabilidade do agente tem caráter objetivo, no sentido de

que está definida, no sistema jurídico, em normas específicas: as normas jurídicas

que atribuem às pessoas capacidade delitual, por exemplo, Código Civil, art. 5º.

[...]

A par das discussões doutrinárias acerca da imputabilidade constituir elemento

caracterizador da ilicitude ou da isenção de aplicação da pena, como descreve o referido

doutrinador (MELLO, 2003, p.222 e seguintes), vale abordar a contrariedade ao direito.

No que concerne à ação civil pública por improbidade administrativa, o dever de

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ressarcimento está disposto nos arts. 5º e 6º da Lei de Improbidade Administrativa.

Já os arts. 9º, 10 e 11 da Lei de Improbidade Administrativa descrevem os atos de

improbidade administrativa, os quais constituem infrações político-administrativas,

especialmente denominadas de crimes de responsabilidade, os quais constituem os atos

ilícitos que ensejam as penas descritas no art. 12 do citado diploma legal, dentre as quais o

ressarcimento integral do dano.

No que tange à ação popular, o dever de ressarcimento resta estampado no art. 11 da

LAP, o qual, se a decretação de invalidade do ato ensejar danos, determina ao juiz que

condene os responsáveis a ressarci-los, razão pela qual depreende-se que a condenação nas

perdas e danos independe de pedido do cidadão, visto que o dever de ressarcimento decorre

da lei e o interesse é indisponível.

Os atos ilícitos que ensejam o dever de ressarcimento em ação popular são os atos e

contratos administrativos nulos, elencados nos artigos 2º e 4º da Lei de Ação Popular, e os

anuláveis, indicados no art. 3º do mesmo diploma legal.

Já na ação civil coletiva por infrações contra a ordem econômica, o dever de

indenizar está fixado no art. 29 da Lei 8.884/1994 e os respectivos tipos de infração a

ensejarem ressarcimento estão elencados nos artigos 20 e 21 da referida Lei.

Neste mesmo sentido, o art. 1º da Lei 7.913/1989 autoriza a tutela coletiva de

direitos individuais homogêneo pela ação civil coletiva, positivando o dever de indenizar os

danos causados aos titulares de valores mobiliários e aos investidores do mercado por meio de

ação civil coletiva, bem como tipificando as condutas ilícitas correspondentes, as quais

devem ser faticamente descritas na petição inicial.

Vale dizer, ainda, que, em regra, como dispõe o artigo 186 do Código Civil, a

responsabilidade civil é subjetiva, razão pela qual, nesta hipótese, a conceituação de ato

ilícito envolve, outrossim, o elemento volitivo, caracterizando-o quando resta configurada a

culpa ou o dolo.

Com bem definido por Carlos Roberto Gonçalves (2005, p.490):

[...] Agir com culpa significa atuar o agente em termos de, pessoalmente, merecer

a censura ou reprovação do direito. E o agente só pode ser pessoalmente

censurado, ou reprovado na sua conduta, quando, em face das circunstâncias

concretas da situação, cabia afirmar que ele podia e devia ter agido de outro

modo.

Se a atuação desastrosa do agente é deliberadamente procurada, voluntariamente

alcançada, diz-se que houve culpa lato sensu (dolo). Se, entretanto, o prejuízo da

vítima é decorrência de comportamento negligente e imprudente do autor do

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dano, diz-se que houve culpa stricto sensu. O juízo de reprovação próprio da culpa

pode, pois, revestir-se de intensidade variável, correspondendo à clássica divisão

da culpa em dolo e negligência, abrangendo esta última, hoje, a imprudência e a

imperícia. Em qualquer das suas modalidades, entretanto, a culpa implica a

violação de um dever de diligência, ou, em outras palavras, a violação do dever

de previsão de certos fatos ilícitos e de adoção das medidas capazes de evitá-los.

O critério para aferição da diligência exigível do agente, e, portanto, para

caracterização da culpa, é o da comparação de seu comportamento com o do

homo medius, do homem ideal, que diligentemente prevê o mal e precavidamente

evita o perigo. A culpa stricto sensu é também denominada culpa aquiliana. [...]

Desta maneira, entende-se haver culpa quando o agente deveria ter agido mais

diligentemente para evitar o dano, como faria um homem médio.

A culpa contra a legalidade, mais fácil de ser demonstrada, segundo Sérgio Carvalieri

Filho (2000, p.44), ocorre “[...] quando o dever violado resulta de texto expresso de lei ou

regulamento [...]”.

Outro exemplo é a responsabilidade civil subjetiva é a dos profissionais liberais, na

condição de fornecedores ou prestadores de serviço, que, em consonância com o art. 14, §

4°, do Código de Defesa do Consumidor, é subjetiva, cuja culpa, normalmente, verifica-se por

meio da imperícia.

A grande dificuldade, neste caso, reside em comprovar a imperícia, normalmente por

meio do parecer de outro profissional da mesma área, apontando a falta de técnica do seu

colega, pois o juiz, corriqueiramente, não tem conhecimento da área para decidir per si.

Assim, esbarra-se no coorporativismo de classes, cuja luta incessante vem sendo travada.

Há, outrossim, ato ilícito, que enseja ressarcimento, sem que seja necessária a

identificação do elemento volitivo, como, v. g., o Fato do Serviço, delineado no art. 14 do

Código de Defesa do Consumidor, que determina a responsabilidade objetiva.

Portanto, neste caso, é apenas necessário que se descreva o fornecimento do serviço

por pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como por entes

despersonalizados, que desenvolvam atividade de prestação de serviços (art. 3º do CDC),

além de como o serviço prestado foi defeituoso (art. 14, § 1°, do CDC) e causou prejuízos.

O art. 37, § 6º, da Constituição Federal estabelece, também para o Estado, a

responsabilidade objetiva, tendo, com o seu advento, ampliado o campo de incidência da

obrigação de o Estado ressarcir o terceiro dos prejuízos a ele causados. Carlos Roberto

Gonçalves (2005, p.177-178) ensina:

[...] Seguindo a evolução, que se observa como tendência universal, atingiu-se,

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com o § 6º do art. 37 da CF de 1988, novo patamar para envolver a

responsabilidade das pessoas jurídicas de Direito Público (União, Estados, Distrito

Federal, Municípios e autarquias) e de Direito Privado (empresas públicas,

sociedades de economia mista e sociedades privadas concessionárias) pelos danos

causados, diretamente, pela execução do serviço público.

3.3. Tendo sido usada a expressão “serviço público”, há que concebê-la como

gênero, de que o serviço administrativo seria mera espécie, compreendendo a

atividade ou função jurisdicional e também a legislativa, e não somente a

administrativa do Poder Executivo; e, no que se refere ao “agente”, deve ser

entendido no sentido de quem, no momento do dano, exercia atribuição ligada à

sua atividade ou função. [...]

Observe-se, ainda, que, tratando-se de relação de consumo, o art. 22 Código de

Defesa do Consumidor fixa a obrigação de os órgãos públicos – por si ou suas empresas,

concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento –

fornecerem serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos,

determinando que, nos casos de descumprimento, total ou parcial, das citadas obrigações,

serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e/ou a reparar, efetivamente (art. 6º, VI,

do CDC), os danos causados.

Vale lembrar, ainda, que a responsabilidade civil por danos ao meio ambiente

também é objetiva, com espeque no artigo 14, parágrafo 1º, da Lei 6.938/1981.

A responsabilidade civil extracontratual objetiva, anteriormente apenas prevista em

leis esparsas, como no Código de Defesa do Consumidor, após a edição do novo Código Civil,

passou a ser aplicável a outras as relações jurídicas, com base na Teoria do Risco Atividade,

descrita no parágrafo único do art. 927 do Código Civil, que reza que “haverá obrigação de

reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a

atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para

os direitos de outrem”.

Pablo Stolze Gagliano (2002, p.1) faz importantes considerações sobre o tema:

[...] Em nosso entendimento, ao consignar o advérbio "normalmente", o legislador

quis referir-se a todos os agentes que, em troca de determinado proveito,

exerçam com regularidade atividade potencialmente nociva ou danosa aos direitos

de terceiros.

Somente estas pessoas, pois, empreenderiam a mencionada atividade de risco,

apta a justificar a sua responsabilidade objetiva.

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Importa destacar que o exercício desta atividade de risco pressupõe a busca de

um determinado proveito, em geral de natureza econômica, que surge como

decorrência da própria atividade potencialmente danosa (risco-proveito). Outro

não é, aliás, o entendimento do grande ALVINO LIMA, quando preleciona: "a teoria

do risco não se justifica desde que não haja proveito para o agente causador do

dano, porquanto, se o proveito é a razão de ser justificativa de arcar o agente

com os riscos, na sua ausência deixa de ter fundamento a teoria". [...]

Assim, para que o juiz aplique a Teoria do Risco da Atividade e converta a

responsabilidade civil extracontratual da regra subjetiva para a objetiva, deve descrever-se

que o agente exerce a atividade de risco, causadora do dano, com regularidade e proveito

econômico, como, v. g., o transportador de produtos tóxicos, fato justificador da assunção

dos riscos da sua atividade, que pode ser abordada, outrossim, na tutela coletiva.

Vale destacar, ainda, que, não obstante a responsabilidade civil ser independente da

responsabilidade criminal, se já houver sentença transitada em julgamento condenando o

agente pelo crime cometido, é prescindível produzir prova referente à conduta, com fulcro

do art. 935 do Código de Processo Civil. Observe-se que, a par disto, estes fatos devem ser

narrados, colacionando-se à petição inicial cópia da sentença e dos acórdãos, acompanhados

da certidão de trânsito em julgado.

Em seguida, vale descrever o segundo pressuposto da responsabilidade civil: o dano.

Nos termos expostos por Sérgio Carvalieri Filho (2000, p.70-71):

[...] não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não

houvesse o dano. [...] Indenização sem dano importaria enriquecimento ilícito;

enriquecimento sem causa para quem a recebesse e pena para quem a pagasse,

porquanto o objetivo da indenização, sabemos todos, é reparar o prejuízo sofrido

pela vítima, reintegrá-la ao estado em que se encontrava antes da prática do ato

ilícito. E, se a vítima não sofreu nenhum prejuízo, a toda evidência, não haverá o

que ressarcir. Daí a afirmação, comum, praticamente a todos os autores, de que o

dano é não somente o fato constitutivo mas, também, determinante do dever de

indenizar. [...]

Nos termos acima delineados, pode haver responsabilidade civil extracontratual sem

ilícito e sem culpa, todavia, nunca sem dano, posto que, se assim se considerar, estariam

suprimidos, não um, mas, dois pressupostos da obrigação de ressarcir, quais sejam o dano e o

nexo causal, pois não haveria o que se ligar, diretamente, à conduta.

Vale destacar que o gênero perdas e danos é classificado em duas espécies: dano

patrimonial (danos emergentes e lucros cessantes) e dano moral. Conforme dispõe o art. 1º da

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Lei de Ação Civil Pública, a tutela coletiva visa ao ressarcimento de ambos, fazendo-se

necessária a narrativa de fatos dos quais se possa depreender a sua caracterização.

Os danos patrimoniais podem ser classificados como danos emergentes e lucros

cessantes.

O dano emergente importa em efetiva e imediata diminuição no patrimônio da vítima

em razão do evento danoso. Resta caracterizado no desfalque sofrido pelo patrimônio da

vítima; será a diferença do valor do bem jurídico antes e depois da conduta lesiva.

Assim, deve apontar-se a destruição ou depreciação do patrimônio lesado,

descrevendo-se qual era o valor do bem antes e depois da conduta lesiva, bem como as

despesas que teve que realizar em razão desta.

O lucro cessante, por sua vez, é o reflexo futuro, ocorrido por efeito direto e

imediato da conduta do agente, sobre o patrimônio do lesado, a perda do ganho esperável, a

frustração do lesado, na diminuição do potencial do seu patrimônio, exigindo um maior

cuidado para sua caracterização e fixação, como ensina Sérgio Carvalieri Filho (2000,

p.72-73):

[...] Deve-se fazer uma avaliação concreta do dano, e não abstrata. Para tanto, a

indenização pecuniária deve ser medida pela diferença entre a situação real em

que o ato ilícito deixou o lesado e a situação em que ele se encontraria sem o

dano sofrido, atendendo o curso normal das coisas. [...]

Em caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor deve pagar ao ofendido o que

este deixou de lucrar durante a sua convalescença, bem como pagar pensão alimentícia a

este, caso desta ofensa resulte incapacidade ou diminuição da capacidade para o trabalho

(art. 949 e 950 do CCiv).

Desta maneira, devem apontar-se os rendimentos do ofendido antes e depois do ato

lesivo.

Frisar, ainda, que, mesmo na tutela coletiva, é cabível o ressarcimento dos danos

morais, como, v. g. noticia o Informativo 340/2007 do Superior Tribunal de Justiça, referindo-

se ao julgamento do REsp 866.636-SP, que versou sobre:

[…] ação civil pública intentada pelo estado-membro e pelo órgão estadual de

defesa do consumidor contra laboratório farmacêutico, objetivando o pagamento

de danos morais causados à coletividade, visto que colocara, no mercado,

anticoncepcional produzido sem o princípio ativo (placebo), do que decorreu a

gravidez de várias consumidoras desse medicamento. Dentre outros temas,

entendeu haver a responsabilidade do laboratório como fornecedor, pois a

simples suposição de que houvera a participação de terceiros no derramamento

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do medicamento ineficaz no mercado é relevada pela constatação da prova

carreada aos autos de que o laboratório produziu e deu essencial colaboração

para que fosse consumido e de que houve dano aos consumidores, o que afasta a

cogitação de aplicar-se a excludente de responsabilidade objetiva (art. 12, § 3º,

I, do CDC). Sua responsabilidade exsurge, sobretudo, do fato de ter produzido

manufatura perigosa sem adotar medidas eficazes para garantir que tal produto

fosse afastado de circulação. [...]

Observa-se, outrossim, a possibilidade de pedido de condenação pela reparação dos

danos morais mesmo em ação de improbidade administrativa, tendo sido assim ementada esta

tese no julgamento do REsp 960926-MG:

[...] Não há vedação legal ao entendimento de que cabem danos morais em ações

que discutam improbidade administrativa seja pela frustração trazida pelo ato

ímprobo na comunidade, seja pelo desprestígio efetivo causado à entidade

pública que dificulte a ação estatal. [...]

O nexo causal, terceiro pressuposto, é o vínculo, a ligação ou relação de causa e

efeito entre a conduta e o resultado.

Sérgio Carvalieri Filho (2000, p.49), conceitua no nexo causal nos seguintes termos:

[...] É necessário que o ato ilícito seja a causa do dano, que o prejuízo sofrido

pela vítima seja resultado desse ato, sem o quê a responsabilidade não correrá a

cargo do autor material do fato. Daí a relevância do chamado nexo causal. Cuida-

se, então, de saber quando um determinado resultado é imputável ao agente; que

relação deve existir entre o dano e o fato para que este, sob a ótica do Direito,

possa ser considerado causa daquele. [...]

Embora não se encontre na legislação nenhum dispositivo adotando de forma

expressa a Teoria da Causa Adequada, tal entendimento pode ser extraído do artigo 403 do

Código Civil. A expressão “por efeito dela direto e imediato” evidencia que nem todas as

causas têm relevância na imputação do dano, mas somente aquela que foi a mais direta, a

mais determinante.

Logo, em sede de responsabilidade civil, nem todas as condições que concorreram

para o resultado são equivalentes. Há que se perquirir aquela condição que foi a mais

adequada a produzir concretamente o resultado. Desta forma, há que se ter em mente que,

se duas ou mais circunstâncias concretamente concorreram para a produção do resultado,

causa adequada será aquela que teve interferência decisiva.

Necessário, outrossim, que seja estabelecido um juízo de probabilidade, de forma

que, de acordo com a experiência da vida, seja possível se verificar se a ação ou omissão

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seria adequada para produzir o dano.

Deve perguntar-se qual dos fatos foi adequado para o evento danoso, isto é, qual dos

atos fez com que o outro, que não teria consequências por si só, determinasse, auxiliado por

ele, o dano.

Carlos Roberto Gonçalves (2005, p.133), citando Caio Mário da Silva Pereira, ressalta

que:

[...] Com o art. 942 do Código de Civil, o direito positivo brasileiro instituiu um

“nexo causal plúrimo”. Em havendo mais de um agente causador do dano, não se

perquire qual deles deve ser chamado como responsável direto ou principal.

Beneficiando, mais uma vez, a vítima permiti-lhe eleger, dentre os co-

responsáveis, aquele de maior resistência econômica, para suportar o encargo

ressarcitório” [...] (Caio Mário da Silva Pereira, Responsabilidade civil, cit., p.91,

n. 73) [...]

Desta maneira, devem demonstrar-se, por via dos fatos, que os danos que se

pretendem a recomposição decorreram, direta e imediatamente, da conduta lesiva.

Delineado o cumprimento de todos os pressupostos, deve pedir-se a condenação dos

responsáveis ao restabelecimento da situação anterior.

O ordenamento jurídico pátrio prefere a tutela específica, com o fito de se

restabelecer, da maneira mais próxima, o estado anterior ao da lesão, conforme dispõem o

artigo 3º da Lei de Ação Civil Pública e o art. 84, parágrafo 1º, do Código de Defesa do

Consumidor, inspiradores do artigo 461, caput e parágrafo 1º, do Código de Processo Civil, os

quais rezam que a obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor requerer ou

se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.

A impossibilidade de tutela específica ou da obtenção de resultado prático

equivalente será verificada no caso concreto, competindo ao juiz adotar todas as medidas

necessárias para promovê-la, inclusive, fixando multa pelo descumprimento da ordem,

consoante autoriza o art. 84, parágrafo 5º, 4º e 2º, do Código de Defesa do Consumidor.

Convertida a obrigação de fazer e/ou não-fazer em perdas e danos, o juiz deve

condenar os responsáveis ao pagamento de dinheiro, conforme previsto no artigo 3º da Lei da

Ação Civil Pública, no artigo 12 da Lei de Improbidade Administrativa, bem como no artigo 2º

da Lei do Mercado de Valores Mobiliários.

O dano patrimonial, como assiná-la João de Matos Antunes Varela (1994, p.611) com

propriedade, é susceptível de avaliação pecuniária, podendo ser reparado, senão diretamente

– mediante restauração natural ou reconstituição específica da situação anterior à lesão –,

pelo menos indiretamente – por meio do equivalente ou indenização pecuniária.

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Diz o art. 286 do Código de Processo Civil que, em regra, o pedido deve ser certo e

determinado. Todavia, caso o autor não possa determinar, de modo definitivo, as

conseqüências do ato ou do fato ilícito, i.e. os danos, com pálio no art. 286, II, do Código de

Processo Civil, deve formular pedido genérico, a ser quantificado em liquidação de sentença,

com pálio no art. 475-A e seguintes do Código de Processo Civil.

Um exemplo clássico de pedido genérico é o da ação civil coletiva, como bem aponta

Teori Albino Zavascki (1995, p.43) textualmente:

[...] No que se refere à natureza da pretensão, diz a lei que a ação coletiva é de

responsabilidade por danos individualmente sofridos (art. 91), sendo que “em caso

de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a

responsabilidade do réu pelos danos causados.” A pretensão, conseqüentemente,

há de ser de natureza condenatória. [...]

Este entendimento aplica-se às demais hipóteses de tutela coletiva. Tal afirmativa

pode ser extraída do art. 14 da Lei de Ação Popular, o qual estabelece que, se o valor da lesão

ficar provado no curso da causa, será indicado na sentença; contudo, se depender de

avaliação ou perícia, será apurado na execução. Este dispositivo encontra-se em absoluta

consonância com o artigo 462 do Código de Processo Civil, que estabelece que, se, no curso

do processo, até a prolação da sentença, os danos forem passíveis de serem determinados e

quantificados, deve o juiz condenar o réu a ressarci-los, visto que, se, depois da propositura

da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da

lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, ex officio ou a requerimento da parte, no

momento de proferir a sentença.

Vale destacar que, em se tratando de ação civil coletiva, a regra geral é tanto o

pedido de indenização como a sentença que determina o ressarcimento devem ser genéricos,

com pálio no artigo 95 do Código de Defesa do Consumidor, devendo as vítimas, seus

sucessores ou os legitimados do artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor promoverem a

liquidação dos danos e a execução da sentença.

Na ação civil pública, havendo condenação em dinheiro para reparação dos danos

sofridos, esta será revertida para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD), instituído pelo

Decreto n. 1.306, de 9 de novembro de 1994, sendo seus recursos destinados à reconstituição

dos bens lesados, nos termos do art. 13 da Lei de Ação Civil Pública.

Neste diapasão, no que concerne à ação popular, a indenização que os responsáveis

pela prática do ato declarado nulo ou anulado e os beneficiários dele forem condenados a

pagar será revertida para a pessoa jurídica lesada e não competirá ao autor da demanda. Em

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consonância com o exposto, esclarece José Carlos Barbosa Moreira (1977, p.121):

[...] Note-se, porém, que a condenação ao pagamento de perdas e danos, imposta

aos realizadores e aos beneficiários do ato ilegítimo, reverterá em favor da

entidade patrimonialmente lesada, e não do autor popular. Assim se explica a

norma, acima aludida, do art. 17, que habilita a pessoa jurídica, em qualquer

hipótese, a promover a execução da sentença, em seu proveito, contra os outros

réus. [...]

Diferentemente, o dinheiro da condenação em ação civil coletiva é revertido em

benefício das vítimas/lesados e seus sucessores, conforme rezam o art. 97 do Código de

Defesa do Consumidor e o art. 2º da Lei n. 7.913/1989, que regulamenta o Mercado de Valores

Mobiliários.

Como em todo caso de urgência, perigo de lesão ou para fazer cessá-la, também na

tutela coletiva é possível o deferimento de medidas liminares, inclusive com cominação de

multa, decisões estas sujeitas a agravo de instrumento passível de deferimento de efeito

suspensivo, conforme preceitua o artigo 12 da Lei da Ação Civil Pública combinado com art.

522 do Código de Processo Civil.

As medidas liminares podem ter tanto o caráter de medidas cautelares, que visem

assegurar o resultado útil da demanda, quanto o caráter de antecipação dos efeitos da tutela

pretendida.

Desde que presentes o fumus boni iures e o periculum in mora, a possibilidade de

deferimento de medidas cautelares genéricas está prevista no artigo 4º da Lei da Ação Civil

Pública, que deve ser interpretado em consonância com o artigo 273, parágrafo 7º, do Código

de Processo Civil. Assim, o ajuizamento de ação cautelar somente se faz necessário em casos

específicos – v. g. produção antecipada de provas que irão embasar a ação principal –, sendo

possível requerer, no bojo da ação principal, a medida cautelar respectiva, dependendo do

caso concreto a escolha de qual o meio mais adequado.

Destaque-se, ainda, que o micro-sistema da tutela coletiva prevê um tipo específico

de medida cautelar, positivado no art. 7º da Lei de Improbidade Administrativa: a

indisponibilidade sobre os bens do indiciado que assegurem o integral ressarcimento do dano

ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito.

Resta prevista, outrossim, a possibilidade de se antecipar os efeitos da tutela

pretendida na ação principal, conforme dispõem o artigo 12 da Lei da Ação Civil Pública, o

art. 5º, parágrafo 4º, da Lei da Ação Popular e o art. 84, parágrafo 3º, do Código de Defesa do

Consumidor.

Assim, é possível, a requerimento da parte, antecipar, parcial ou totalmente, os

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efeitos da tutela pretendida no pedido inicial em tutela coletiva, desde que, existindo prova

inequívoca, o juiz se convença da verossimilhança da alegação e haja fundado receio de dano

irreparável ou de difícil reparação; ou fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o

manifesto propósito protelatório do réu, conforme disciplina o artigo 273 do Código de

Processo Civil.

A verossimilhança das alegações resta demonstrada com o preenchimento dos

pressupostos da responsabilidade civil, os quais devem restar pautados nos documentos que

acompanham a petição inicial, com o fito de consistirem em prova inequívoca dos fatos

jurídicos norteadores da reparação. Observe-se que, caso a comprovação de algum destes

pressupostos necessite de produção de prova testemunhal ou pericial, pode anexar-se à

petição inicial uma declaração, por instrumento público ou particular, da testemunha, na qual

ela declare, para os devidos fins de direito, os fatos que presenciou, ou um parecer técnico.

Vale demonstrar, ainda, que há fundado receio de dano irreparável ou de difícil

reparação. São aqueles casos em que aguardar a sentença definitiva poderá comprometer a

efetividade da tutela jurisdicional coletiva, como v. g. fornecimento de medicamentos

imprescindíveis a saúde de pessoas carentes.

Conclui-se, portanto, que a tutela coletiva da responsabilidade civil tem como base o

procedimento ordinário, acrescido de alguns procedimentos específicos para cada caso, o que

o torna um procedimento especial. Em breves linhas, observou-se, ainda, que a tutela

coletiva possibilita o ressarcimento mesmo em se tratando de atos lícitos, dada a importância

dos bens jurídicos em baila. Demonstrou-se, ainda, a necessidade de descrição e de

comprovação dos pressupostos da responsabilidade civil (conduta, nexo e dano), com o fito de

se alcançar a restauração do status quo anter, bem como a possibilidade de pedido e

condenação genéricos, caso não seja possível delimitar os danos completamente durante o

curso da ação de conhecimento em 1ª instância. Sendo inequívoca a importância e a vastidão

do tema, faz-se necessária a complementação dos estudos, sendo sugeridas as obras abaixo

indicada como o início da bibliografia a ser pesquisada.

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Ano I – Número 1 – 2009 – página 21 de 21