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INSTITUTO A VEZ DO MESTRE - AVM PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO CIVIL E PRIVADO Leonardo Guilherme Baldez Santos A TUTELA JURÍDICA DO NOME E SUA ALTERAÇÃO Rio de Janeiro 2012 LEONARDO GUILHERME BALDEZ SANTOS

A TUTELA JURÍDICA DO NOME E SUA ALTERAÇÃO · origem genealógica. O uso de sobrenomes representativos da origem familiar só veio a surgir posteriormente, como veremos mais adiante

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INSTITUTO A VEZ DO MESTRE - AVM

PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO CIVIL E PRIVADO

Leonardo Guilherme Baldez Santos

A TUTELA JURÍDICA DO NOME E SUA ALTERAÇÃO

Rio de Janeiro

2012

LEONARDO GUILHERME BALDEZ SANTOS

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A TUTELA JURÍDICA DO NOME E SUA ALTERAÇÃO

Monografia apresentada para

conclusão do Curso de Pós

Graduação em Direito Privado

pelo Instituto A Vez do Mestre

- AVM.

Orientador: Francis Rajzman

Rio de Janeiro

2012

LEONARDO GUILHERME BALDEZ SANTOS

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A TUTELA JURÍDICA DO NOME E SUA ALTERAÇÃO

Monografia apresentada para

conclusão do Curso de Pós

Graduação em Direito Privado

pelo Instituto A Vez do Mestre

- AVM.

Data de aprovação: ____/____/____

Banca Examinadora:

_____________________________________________

Professor Francis Rajzman – Orientador

_____________________________________________

Professor(a) ___________________________________

_____________________________________________

_____________________________________________

Professor(a) ___________________________________

_____________________________________________

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RESUMO

A proposta do presente trabalho é tratar de um dos mais importantes e

imediatos direitos da personalidade, que, contudo, permanece ainda parcialmente

obscuro na doutrina jurídica brasileira: o direito ao nome e a tutela jurídica deste

fundamental direito da personalidade. Para este fim, tomaremos por referência a

legislação sobre o assunto e, principalmente, a análise das decisões judiciais sobre

o tema, além da doutrina dos mais importantes doutrinadores de Direito Civil.

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ABSTRACT

This research means to approach one of the most important and immediate of

the Rights of Personality, which, however, remains partialy obscure to brazilian

authros: the right to the name and the way its regarded by the judicial system.

Therefore will be used as guidance to our researches the legislation about the theme

and, especially, the precedents concerning it, as well as the teaching of our most

important authors in Civilan Law

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 8

2 HISTÓRICO 9

3 NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO AO NOME 12

4 DA PERSONALIDADE E DOS DIREITOS CORRESPONDENTES 14

4.1 O conceito de personalidade 14

4.2 Direitos da Personalidade e sua base legal 15

5 DIREITO AO NOME E SUA PROTEÇÃO LEGAL 17

5.1 A Lei de Registros Públicos – Lei 6.015/1973 17

5.2. – Peculiaridades do Registro Civil de Pessoas Naturais 19

6 MUDANÇA DE NOME 20 6.1 – Mudança de Nome com base no advento da maioridade 21 6.2 – Mudança do nome com base em sua natureza vexatória 23 6.3 – Mudança de nome com base na alteração do estado civil 26 6.4 - Inclusão de apelidos notórios 27 6.5 - Mudança de nome com base no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990) 29 6.6 - Mudança de nome com base no Programa de Proteção a Testemunhas (Lei 9.807/99) 30 6.7 - Mudança de nome com base no Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/80) 32 6.8 – Mudança de nome por motivo de transgenitalização (mudança de sexo) 33 7 - Conclusão 36 Bibliografia e Referências 37

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1 INTRODUÇÃO

O nome civil é, sem dúvida, o elemento mais emblemático da

personalidade. Além de individualizar e identificar o indivíduo no seio da sociedade,

ainda remonta suas origens genealógicas e representa a sua “imagem-atributo”, ou

seja o próprio retrato moral daquela pessoa dentro da sociedade: sua reputação,

histórico etc.

Como direito da personalidade, o nome civil (aí incluídos sobrenome e

prenome) goza de uma ampla tutela jurídica protetiva, cuja previsão legal se inicia no

art. 16 do Código Civil de 2002, estendendo até o art. 19 sua proteção sobre os

vários aspectos e elementos substitutivos do nome. Há, ainda, diversos dispositivos

legais que tutelam o nome civil da pessoa natural, sendo o principal deles a Lei de

Registros Públicos (Lei 6.015/1973) que aprofunda e, até certo ponto,

procedimentaliza essa tutela do nome civil.

Dentre os outros dispositivos que, de forma esparsa, abordam a questão,

podemos citar a Lei 6.515/1977 (Lei do Divórcio), bem como a Lei 9.807/1999 (Lei

que instituiu o Programa de proteção às testemunhas e vítimas ameaçadas), a Lei

6.815/80 (Estatuto do estrangeiro) e a Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do

Adolescente), todas elas prevendo inclusive a possibilidade de alteração de registro

civil.

Diante das diversas situações para as quais o Direito Brasileiro prevê a

possibilidade de alteração do nome no Registro Civil de Pessoas Naturais, e da

importância do nome como elemento da personalidade, percebe-se que a doutrina

jurídica brasileira peca em dar tão pouca importância à discussão do tema nas obras

dos mais consagrados autores civilistas, bem como nas salas de aula dos cursos de

bacharelado.

O presente trabalho, portanto, busca condensar e organizar de maneira

didática os principais aspectos da proteção jurídica ao nome civil das pessoas

naturais, especialmente no que concerne às hipóteses de mudança de nome e

retificação do Registro Civil. Longe de pretender esgotar as discussões sobre a

questão, esta pesquisa visa, sobretudo, aproximar o olhar sobre as diversas

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hipóteses previstas esparsamente na legislação para analisar seus pontos em

comum e verificar o tratamento que os tribunais e a doutrina têm dado ao tema.

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2 – HISTÓRICO

A história dos nomes remonta às origens da própria linguagem

humana. Os povos primitivos utilizavam-se de grunhidos, gestos, desenhos e

sons imitativos dos animais para referirem-se às coisas e seres à sua volta.

Contudo, quanto a estes povos sem escrita, não há como aferir sobre a

utilização de nomes próprios para designar as diferentes pessoas no grupo

social, ou a que essas denominações faziam referência.

Foi no Egito antigo que surgiu a primeira forma de escrita

conhecida. Os hieróglifos e, posteriormente, a escrita cuneiforme são os

primeiros vestígios de uma linguagem escrita que guarda relação com a

língua falada, através da representação de sons. Por tal motivo, é possível até

hoje a compreensão dos nomes utilizados entre os povos egípcios antigos.

Segundo os historiadores 1, no Egito antigo não se utilizavam

sobrenomes como utilizamos atualmente, eram compostos de nome e

adjetivos, eventualmente seguidos pela partícula “filho de” para indicar a

origem genealógica. O uso de sobrenomes representativos da origem familiar

só veio a surgir posteriormente, como veremos mais adiante.

Na Grécia antiga também não era utilizado o sobrenome2,

podendo ser utilizada a partícula patronímica “filho de” para referir-se à

ascendência de um indivíduo ou, exigindo o contexto, fazer referências ao seu

local de origem, como podemos verificar da simples leitura dos clássicos da

literatura grega: “...Ájax, filho do Télamon de Salamina...”3.

Tal como os gregos, os Romanos também utilizavam-se das

referências as antepassados e aos clãs de origem para individualização dos

nomes. Esse sistema, contudo, caiu em desuso com a queda do Império

Romano.

Na idade média, especialmente após as Invasões Bárbaras,

houve um grande aumento populacional nas cidades e vilarejos. A esse fato

1 http://bbnames.com/blog/archive/2007_02_01_archive.html) 2 Lexicon of Greek Personal Names – projeto da British Academy. Disponível no site: http://www.lgpn.ox.ac.uk/project/index.html 3 SCHWAB, Gustav. As mais belas histórias da antiguidade clássica, volume II. Ed. Paz e Terra, 1999, São Paulo.

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aliou-se a crescente influência do cristianismo que popularizou em toda a

Europa o uso de nomes dos mártires e santos cristãos, fazendo com que se

tornasse cada vez maior a ocorrência de homônimos. Uma vez que a

sistemática latina de individualização dos nomes já havia caído em franco

desuso, começaram a surgir enormes dificuldades para individualização dos

cidadãos nas regiões de maior densidade populacional. Para lidar com o

problema, a própria sociedade passou a adotar meios de individualização dos

cidadãos de modo espontâneo, tanto coloquialmente como nos registros

oficiais.

Em 1563, no Concílio de Trento, a Igreja Católica oficializou a

adoção de sobrenomes, além do nome de batismo. Os nomes utilizados

poderiam ser nomes de família ou nomes de santos e santas, sendo o registro

batismal e o registro matrimonial realizado nas próprias igrejas4. Uma vez que

todo o mundo ocidental encontrava-se sob a influência da Igreja, o uso de

nomes compostos por prenome e sobrenome se difundiu e se estabeleceu até

os dias de hoje.

A partir desse momento, uma vez que não existia um registro

público oficial nos Estados medievais, a Igreja passou deter o fundamental

papel de manter os registros de todos os nascimentos, casamentos e óbitos

ocorridos naquelas comunidades. Desde então, até o advento dos Estados

Laicos, todos os registros da vida civil de um cristão eram lavrados em livros

paroquiais, o que futuramente viria a ser feito pelos cartórios registrais

pertencentes ao Estado.

No Brasil colonial tamanho era o poder da Igreja que não se poderia

esperar algo diferente. Os registros públicos eram realizados da mesma

forma, sendo ainda curioso que os proprietários de escravos tinham grande

preocupação sobretudo no registro de nascimento dos filhos de suas

escravas que aqui nasciam, visto que essa era uma forma de garantir-lhes a

posse dos aqui nascidos, uma vez que não havia outros documentos

comprobatórios de sua propriedade.5

4 PEREIRA DA SILVA, Sidney - Os registros de batismo e as novas possibilidades historiográficas. 2008. Disponível em http://www.historiahistoria.com.br/materia.cfm?tb=artigos&id=53. 5 PEREIRA DA SILVA, Sidney – Obra citada.

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No início do século XIX, contudo, um resfriamento nas relações

entre o Império do Brasil e a Igreja Católica acabou por dar origem ao que

viria a se tornar formalmente o Registro Civil Brasileiro6, quando Dom Pedro II

sancionou a Lei 1829 de 1870, que estabelecia a realização decenal do

recenseamento no território brasileiro. Tal norma trazia em seu art. 2º a

seguinte determinação:

“ Art. 2.º O Governo organizará Registro dos

Nascimentos, Casamentos e óbitos, ficando o regulamento

que para esse fim expedir sujeito à aprovação da

Assembléia Geral...”

A norma, contudo, necessitava de uma regulamentação, que

viria a surgir em 1874, através do Decreto 5604 de 25 de abril de 1874. O

decreto criou e traçou linhas gerais para o Registro Civil no Brasil.

Fato é que, alguns anos antes, já havia uma discreta

movimentação no sentido de se promover a “estatização” dos Registros Civis.

No ano de 1863 foi editado o Decreto 3069, que, motivado pela crescente

chegada de mão de obra imigrante de países não católicos, garantia efeitos

civis aos casamentos celebrados fora da igreja católica, desde que levados a

registro em livros paroquiais ou junto às prefeituras, dependendo a comarca.

Eram estes, portanto, os primeiros esboços do Registro Civil

Brasileiro: Inicialmente sendo realizado com exclusividade pelas igrejas,

através dos livros paroquiais de batismo, casamento e falecimento;

posteriormente tendo sido incorporado à estrutura oficial do Estado.

6 MEDICI, Euclide Bernardo – O Registro Civil no Brasil – Disponível em http://www.mediciadv.com.br/artigos/01.htm

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3 NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO AO NOME

Visto que a natureza jurídica de nosso tema não é de caráter intuitivo e

que a doutrina mudou seu posicionamento ao longo dos tempos, antes de

adentrarmos o cerne da questão cabe fazermos uma busca pela natureza jurídica

que se atribui ao direito ao nome, para melhor entendermos o objeto desta pesquisa.

Teoria Dominial ou Do nome como objeto da propriedade:

Os primeiros autores que se debruçaram sobre o tema enxergavam no

direito ao nome um caráter patrimonialista, atribuindo-lhe a natureza de direito de

propriedade. A corrente dominial, como ficou conhecida, entendia que o titular do

direito poderia fazer dele o uso que bem entendesse, pois era parte integrante de

seu patrimônio pessoal.

Tal corrente, contudo, é alvo de diversas críticas, sobretudo em razão de

algumas características do nome que o afastam do suposto caráter dominial que lhe

era atribuído. Desde início podemos destacar que o direito ao nome não possui

mensurabilidade sob o aspecto econômico, também não podendo ser alienado ou

estar sujeito a prescrição. De fato, em vez de integrar a esfera patrimonial da pessoa

natural, o nome parece estar mais intimamente ligado ao seu aspecto moral,

psíquico e social.

Nas palavras de Caio Mário da Silva Pereira7:

““...o nome (...) é inalienável e imprescritível, não tem valor econômico

próprio e não pode ser dotado de exclusividade mas é repetido e usado por pessoas

diferentes, dado que a linguagem não é bastante rica a possibilitar um nome a cada

indivíduo”

Teoria Negativista

Para Savigny, Rudolf von Ihering e, no Brasil, Clóvis Beviláqua, o não

existiria um pretenso direito ao nome. O nome, como os demais atributos da

7 PEREIRA, Caio Mário da Silva – Instituições de Direito Civil, Vol I, Pag. 156. 19ª Edição, Rio de Janeiro. Ed. Forense. 2000.

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personalidade humana, seriam por demais abstratos para obterem proteção jurídica

ou sequer integrar como objeto uma relação jurídica.

Segundo Beviláqua, citado por Sílvio Rodrigues8, a personalidade seria

apenas a “aptidão, reconhecida pela ordem jurídica a alguém, para exercer direitos e

contrair obrigações”

Teoria do Estado

Essa teoria entende o nome como sendo uma imposição do Estado sobre

seus cidadãos como forma de identificar e individualizá-los. Não se trataria, portanto,

de um direito titularizado pelo indivíduo, mas um simples meio representação da

pessoa na sociedade como imposição das necessidades práticas da vida em

sociedade.

Uma vez que o nosso atual Código Civil, em seu art. 16, aponta

expressamente a natureza jurídica do nome como sendo a de verdadeiro direito da

personalidade, essa corrente não é mais aplicável em nosso Direito.

Teoria do Direito da Personalidade

Atualmente é a teoria majoritária, sendo aquela adotada pelo nosso

Código Civil de 2002, art. 16, incluído no Capítulo II, que trata dos Direitos da

Personalidade:

“Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos os prenome e o

sobrenome”

Conforme nos ensina Caio Mário da Silva Pereira: “elemento designativo

do indivíduo e fator de sua identificação na sociedade, o nome integra a

personalidade”9

Da própria personalidade jurídica, portanto, decorreria uma série de

direitos inerentes à pessoa natural, nos quais se inclui o nome. Estes direitos, por

sua vez, devido à sua importância tanto para o indivíduo, quanto para o exercício da

vida em sociedade, poderão ser tutelados pelo Estado e opostos erga omnes. 8 RODRIGUES, Silvio. 1980. Pag. 37 - 9 PEREIRA, Caio Mário da Silva – Obra citada, pág. 155.

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4 – DA PERSONALIDADE E DOS DIREITOS CORRESPONDENTES

A personalidade, por não tratar-se propriamente de um Direito, mas de um

atributo da Pessoa Natural protegido por diversas garantias jurídicas, não possui

definição legal. Contudo, por se tratar de um conceito à qual a legislação faz

menção, faz-se importante a sua conceituação.

4.1 – CONCEITO DE PERSONALIDADE

A doutrina jurídica tradicional costuma tratar como sinônimos a personalidade

e a capacidade jurídica. Tal tendência tem uma explicação bastante compreensível:

o Código Civil Brasileiro de 2002, já em seus artigos 1º e 2º, traz normas que

aproximam bastante a idéia da capacidade jurídica e da personalidade humana,

tratando-as como se fossem uma única coisa. É praticamente uma decorrência

lógica que muitos autores se refiram a um ou a outro como conceitos sinônimos em

face do que diz a lei.

Para o professor Sílvio Rodrigues:

“afirmar que o homem tem personalidade é o mesmo que dizer que ele tem capacidade

para ser titular de direitos”10

Alguns autores, no entanto, evitam restringir o entendimento da personalidade

como sendo apenas um sinônimo de capacidade jurídica, contrariamente ao

posicionamento da maior parte da doutrina. Segundo José Carlos Moreira Alves é

necessária a diferenciação de ambos os conceitos: enquanto a personalidade

jurídica seria um conceito absoluto, ou seja, existindo ou não existindo, estando

presente ou ausente, sem meio-termo; a capacidade jurídica seria um conceito

relativo, podendo se verificar situações na qual o indivíduo tenha capacidade jurídica

plena ou não.

A personalidade jurídica, seria, portanto, a “potencialidade de adquirir direitos

e contrair obrigações” enquanto a capacidade jurídica seria justamente “o limite

dessa potencialidade”.11

10 RODRIGUES, SILVIO – Direito Civil – Volume I. Ed. Saraiva. Sâo Paulo, 2003.

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A capacidade jurídica envolve os conceitos de capacidade de direito, ou seja,

aquela que, conforme previsto no art. 1º do Código Civil Brasileiro de 2002, toda

pessoa nascida com vida é detentora, decorrendo da simples condição humana; e a

capacidade de fato, ou seja, a possibilidade ou aptidão para exercer por si só os

atos da vida civil, independentemente de representação ou assistência. Somente

quando o indivíduo fosse considerado capaz sob ambos os aspectos, teria ele a

capacidade plena.

4.2 – DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE E SUA BASE LEGAL

É sabido que toda pessoa natural possui personalidade e que desta decorre

de imediato uma série de direitos a ela relacionados. Os chamados Direitos da

Personalidade são aqueles inerentes à própria condição humana, incluindo-se

dentre eles o direito à integridade física, à imagem, à intimidade, à vida privada e

também o direito ao nome.

Tamanha é a importância e a proteção garantida aos direitos da

personalidade que o Código Civil Brasileiro de 2002 lhe atribui as seguintes

características principais:

a) Absolutos: Os direitos à personalidade são absolutos, ou seja, são direitos

individuais com oponibilidade “erga omnes”. Impõe-se, portanto, contra toda a

coletivdade.

b) Generalidade: A garantia desses direitos independe de etnia, origem, sexo

etc, ainda que incapaz o seu titular.

Vitaliciedade: os direitos da personalidade permanecem pela vida toda.

c) Imprescritibilidade: Os direitos da personalidade não estão sujeitos à

prescrição, contudo, isso não significa dizer que o direito à reparação de

ofensa a tais direitos seja igualmente imprescritível. O direito de ação, em tais

casos, seguirá a regra geral do código civil.

11 MOREIRA ALVES, José Carlos. Citado por MENDEZ, Silmara Aguiar – Da personalidade e da capacidade. Disponível em http://monografias.brasilescola.com/direito/da-personalidade-capacidade.htm.

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d) Irrenunciabilidade: Não é possível a renúncia aos direitos da personalidade,

não podendo o seu exercício sofrer limitação mesmo que voluntária (conforme

o próprio art. 11 do Código Civil de 2002)

e) Intransmissibilidade: Exceto quanto à legitimação prevista no parágrafo

único do art. 12 do Código Civil, apenas o próprio indivíduo cujo direito foi

violado terá direito à ação para sua tutela.

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5 – O DIREITO AO NOME E SUA PROTEÇÃO LEGAL

O Código Civil Brasileiro de 2002, no capítulo que trata dos Direitos da

Personalidade, traz em seu artigo 16 a seguinte previsão:

“Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e

o sobrenome.”

Verifica-se, pois, que o direito ao nome, por se tratar de um direito da

personalidade, relaciona-se diretamente à própria Dignidade da Pessoa Humana,

que por sua vez é tutelada pela Constituição da República Federativa do Brasil de

1988, em seu artigo 1º. III, caracterizando-se como verdadeiro Princípio

Fundamental da República Federativa do Brasil.

Ao garantir a toda pessoa o direito ao nome, o Código Civil protege não só o

principal elemento identificador e individualizante da pessoa na sociedade, mas

ainda a sua origem familiar (representada pelo sobrenome). A proteção ao nome é,

portanto, não apenas uma garantia ao seu titular, mas também para toda a

sociedade, visto que o nome civil é ainda um dos principais meio assecuratórios das

relações sociais. Através dele o Estado e os membros da sociedade são capazes de

identificar os indivíduos para os fins que se façam necessários; inclusive para

atribuição de responsabilidades (responsabilização civil, penal e administrativa) e

garantia de diretios (direitos autorais, de propriedade, direitos relacionados à vida

familiar etc).

5.1 – A Lei de Registros Públicos – Lei 6.015/1973

Com o objetivo de instrumentalizar a garantia desse direito, foi editada a Lei

6.15/73, a chamada “Lei de Registros Públicos”. A referida norma regulamentou de

forma ampla o funcionamento dos Registros Públicos no Brasil, incluindo-se neste

gênero as seguintes espécies:

I – O Registro Civil de Pessoas Naturais

II – O Registro Civil de Pessoas Jurídicas

III – O Registro de Título s e Documentos

IV – O Registro de Imóveis

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Visto que nosso foco são as pessoas naturais, interessa-nos apenas o

Registro Civil de Pessoas Naturais, que, conforme art. 29 da Lei de Registros

Públicos, tratará do registro de:

I - nascimentos;

II - casamentos;

III - óbitos;

IV - emancipações;

V - interdições;

VI - sentenças declaratórias de ausência;

VII - opções de nacionalidade;

VIII - sentenças que deferirem a legitimação adotiva.

Dentro desse rol, relacionam-se ao nome civil o registro dos nascimentos

(momento de atribuição do nome civil, por ato dos pais ou responsáveis, ao qual

está sujeito o titular); casamentos (circunstância na qual pode ser adotado por um

dos cônjuges o sobrenome do outro; ou abandonado o seu uso, em caso de

averbação de divórcio) e adoção (situação na qual é permitida legalmente não

apenas a adoção dos sobrenomes dos adotantes, mas até mesmo a mudança do

nome do adotado, se menor).

A lei determina ainda que seja averbada junto ao Registro Civil de Pessoas

Naturais, conforme o disposto no art 29, §1º, alínea “f”, as “alterações ou

abreviaturas de nomes”. Contudo, a lei prevê diversas hipóteses de alteração do

nome, não abrangidas pelas situações mencionadas acima, conforme veremos mais

adiante.

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5.2. – Peculiaridades do Registro Civil de Pessoas Naturais

Tamanha é a importância do nome como Direito da Personalidade, que, ao

tratar do tema na Lei de Registros Públicos, o Legislador assegurou diversas

garantias com o objetivo de dar especial proteção e efetividade a esse direto. Entre

tais medidas assecuratórias, incluem-se:

a) Funcionamento do Registro Civil de Pessoas naturais em todos os

dias, sem exceção (garantia assegurada pelo art. 8º da Lei de

Registros Públicos);

b) O Registro Civil de Pessoas Naturais é inadiável, sendo exceção

expressa à regra do art. 10 da mesma lei, que prevê que os títulos

apresentados que não sejam registrados dentro do horário de

funcionamento do cartório, serão registrados no dia seguinte com

preferência sobre os posteriores (previsão no parágrafo único do

art.10);

c) As certidões do Registro Civil das Pessoas Naturais mencionarão,

sempre, a data em que foi Iavrado, o que reforça a segurança e a

exatidão das informações contidas (art. 19, §2º);

d) Nas certidões de registro civil, não se mencionará a circunstância de

ser legítima, ou não, a filiação, salvo a requerimento do próprio

interessado, ou em virtude de determinação judicial (art. 19,§3º). Tal

proteção coaduna a previsão do artigo 227, §6º, que veda a

discriminação entre filhos havidos dentro ou fora do casamento;

e) Isenção de emolumentos para os registros de nascimento e óbito,

bem como a primeira respectiva certidão (art. 30, caput);

f) Isenção de emolumentos para as demais certidões extraídas do

Registro Civil de Pessoas Naturais para os reconhecidamente

pobres (garantia prevista no §1º do art. 30)12

12 Segundo o art 226,§1º da Constituição Federal de 1988, “O casamento é civil e gratuita a celebração”. Já o Código Civil de 2002 repete a previsão em seu art. 1512, contudo, exige afirmação de pobreza no parágrafo único do mesmo dispositivo. Apesar de contrariar a própria hierarquia das normas, visto que a Constituição não previu exceções à regra da gratuidade do casamento civil, o judiciário não tem apresentado respostas claras acerca do evidente descumprimento do mandamento constitucional. A lei autoriza reembolso aos oficiais de

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6 – Mudança de Nome

A imutabilidade do nome, característica que se justifica diante da necessidade

de dar segurança às relações jurídicas e sociais, não é absoluta, podendo ser

relativizada diante de situações específicas previstas em lei. As situações mais

comuns de alteração de nome são a mudança em virtude de casamento e divórcio,

adoção e as situações previstas na própria lei de Registros Públicos, quando

atingida a maioridade ou quando o nome tiver caráter vexatório. Contudo, as

hipóteses não se limitam a estas.

Além das hipóteses elencadas na Lei de Registros Públicos, existem outras

situações para as quais leis esparsas autorizam a modificação do nome civil. Neste

capítulo listaremos as hipóteses e trataremos mais pormenorizadamente das

principais.

1) Mudança de nome com base no advento da maioridade (art.56 da Lei

6015/1973)

2) Mudança de nome com base em sua natureza vexatória (art.57 da Lei

6.015/1973)

3) Mudança de nome com base na modificação do estado civil (casamento ou

divórcio)

4) Inclusão de apelidos notórios

5) Mudança de nome com base no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei

8.069/1990)

6) Mudança de nome com base no Programa de Proteção a Testemunhas (Lei

9.807/99)

7) Mudança de nome com base no Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/80)

8) Mudança de nome por motivo de transgenitalização (mudança de sexo)

registro de meia parte dos custos da publicação dos editais de proclamas, contudo, não prevê outra fonte de custeio para a outra parte das despesas. Tolera-se, dessa maneira, a cobrança de emolumentos a todos os que não se declarem pobres, apesar de não haver previsão constitucional neste sentido.

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6.1 – Mudança de Nome com base no advento da maioridade

A Lei de Registros Públicos, em seu art. 56, traz a seguinte previsão :

“O interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá,

pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não

prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será

publicada pela imprensa”

A simples leitura da norma conduz ao entendimento de que, atingida a

maioridade civil, pode o indivíduo requerer a mudança de nome, independentemente

de situações extraordinárias que a justifiquem. Tal direito estaria limitado apenas

pelo decurso do prazo de 1 ano após a maioridade e pela vedação de prejuízo aos

sobrenomes de família. A interpretação dessa norma, no entanto, é controvertida

dentro da doutrina.

Uma parte da doutrina sustenta que a imutabilidade do nome só se releva

diante de circunstâncias extraordinárias ou de nomes que possam expor a ridículo o

seu titular. Assim, o artigo deveria ser interpretado em combinação com o art. 57 da

mesma lei, exigindo-se sempre uma motivação forte o suficiente para justificar a

alteração.

Não nos parece, contudo, a interpretação mais adequada da norma. A

redação do artigo não é dúbia nem obscura e não deixa margem a interpretações

criativas. Parece bastante claro que a intenção do legislador foi garantir ao indivíduo

a possibilidade de escolher permanecer com o nome que lhe foi atribuído por

terceiros (os pais, em regra) ou modificá-lo no momento em que atinge, perante a lei,

maturidade suficiente, ou seja, atingida a sua plena capacidade. Seria, pois, um

reconhecimento do direito ao nome como elemento da personalidade, inclusive

permitindo ao seu titular a possibilidade de interferir na sua escolha assim que

atingida a sua capacidade civil.

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Assim sendo, nada mais adequado do que limitar essa escolha no tempo, de

modo a garantir a segurança das relações sociais e a própria segurança jurídica no

seio da sociedade. Por isso o legislador optou por fixar o prazo decadencial de um

ano para o exercício de tal direito.

Quanto à alegação dos críticos de que a mudança do nome poderia servir

para evitar o cumprimento de obrigações ou escapar da aplicação da lei, ao contrário

de enfraquecer essa interpretação, somente a reforça, visto que é ao completar

dezoito anos que o indivíduo passará - em regra - a responder por seus próprios

atos, além de submeter-se a diversos deveres dentro da sociedade (alistamento

militar, obrigatoriedade do voto, aquisição da responsabilidade civil e penal...).

Assim, a limitação do exercício do direito à mudança de nome se dá tão próxima do

momento de aquisição da plena capacidade, que tal limitação temporal minimizaria

os riscos de que essa mudança fosse usada para escusar-se de cumprimento de

obrigações .

Fato é que nos dias de hoje dificilmente alguém travaria relações jurídicas por

demais complexas sem que fosse necessária a utilização dos documentos de

identificação (RG, CPF, CTPS etc). E como a mudança de nome não implica na

mudança desses registros, não haveria que se falar em insegurança jurídica.

Ademais, para o exercício desse direito previsto no art 56 da Lei de Registros

Públicos, é exigido que o Requerente o faça mediante procedimento de jurisdição

voluntária no qual serão apresentadas ao juiz de direito diversas certidões, tais

quais:

- Certidão de distribuição de feitos junto à justiça comum cível;

- Certidão de distribuição de feitos junto à justiça criminal e execuções

criminais;

- Certidão negativa de protestos de títulos;

- Certidão de inexistência de débitos trabalhistas;

- Certidão de inexistência de débitos fiscais;

- Certidão de que o sujeito não responde a processos na Justiça Federal;

- Certidão de quitação de obrigações junto à Justiça Eleitoral;

- Certidão de antecedentes criminais.

Enfim, o procedimento é tão severamente burocratizado, caro e minucioso

que, em tese, seria praticamente blindado às tentativas de sua utilização como forma

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de esquiva das obrigações contraídas pelo Requerente. Por esse motivo,

entendemos correta a tese que sustenta que subsiste o direito à mudança de nome

dentro do prazo de um ano após atingida a maioridade civil de seu titular,

independentemente de possuir o nome caráter vexatório ou não.

6.2 – Mudança do nome com base em sua natureza vexatória

Ao tratar das hipóteses de mudança de nome, a Lei 6.015 de 1997 traz a

seguinte previsão:

“Art. 57. A alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após

audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro,

arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa, ressalvada a hipótese do art.

110 desta Lei.”

Entre outras hipóteses, o presente dispositivo fundamenta os pedidos de

mudança de nome que se baseiam no caráter vexatório do nome adotado. Trata-se,

pois, de uma das hipóteses mais comuns de mudança do nome pela via judicial,

situação na qual o sujeito é exposto ao ridículo em razão do próprio nome.

Uma vez que se trata de situação excepcional, esse pedido pode ser

realizado a qualquer tempo, não se sujeitando ao prazo do artigo 56 da mesma lei, o

que se deve à necessidade de proteção à dignidade da pessoa humana. Uma vez

que os direitos fundamentais não estão sujeitos à prescrição, não há como limitar

temporalmente a possibilidade de alteração do nome civil em situações que afrontam

diretamente a própria dignidade.

Citamos abaixo alguns exemplos de julgados relacionados às situações em

tela:

Neste primeiro julgado o Requerente, do sexo masculino, ajuizou pedido de

mudança de nome por lhe ter sido atribuído o nome “Lucimar”, geralmente atribuído

a pessoas do sexo oposto. A princípio a exposição a ridículo causada pelo prenome

nessa situação é evidente, contudo o tribunal considerou que os autos não haviam

sido devidamente instruídos com os documentos comprobatórios de que o

procedimento não visava a esquiva de eventuais credores. Em respeito à segurança

das relações sociais, foi determinada a abertura de prazo para que o Requerente

apresentasse as certidões imprescindíveis à análise deste requisito.

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Processo: 0000996-77.2009.8.19.0066 - APELAÇÃO 1ª Ementa

DES. CÉLIA MELIGA PESSOA - Julgamento: 13/07/2010 - DÉCIMA OITAVA

CÂMARA CÍVEL DO TJ-RJ

APELAÇÃO CÍVEL. ALTERAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. MUDANÇA DO

PRENOME "LUCIMAR". REQUERENTE DO SEXO MASCULINO. ALEGAÇÃO DE

QUE SE TRATA DE NOME USUALMENTE ATRIBUÍDO A PESSOAS DO SEXO

FEMININO. Sentença de procedência. Recurso interposto pelo Ministério Público.

Art. 57 da LRP que permite excepcionalmente que o nome seja alterado mesmo

depois de esgotado o prazo de um ano contado da maioridade, desde que presente

razão suficiente para tal. Jurisprudência do eg. STJ que admite a aludida alteração,

desde que preenchidos os requisitos autorizadores da alteração do nome e ausentes

expedientes escusos visando a esquiva de eventuais credores. Precedentes do STJ.

Prova dos autos. Feito insuficientemente instruído no tocante à exigência de que o

pleito não configure expediente escuso para fugir de credores. Presença de

certidões positivas nas áreas criminal e de família a exigir maior cautela no exame

do risco à segurança das relações jurídicas. Respeito à economia e à celeridade

processual, que torna incoerente a anulação da sentença para produção das provas

relativas à inexistência de prejuízo à segurança das relações jurídicas. Art. 130 c/c

515, §4º, do CPC, que respaldam a conversão do julgamento em diligência para que

venham aos autos as mencionadas certidões. SUSPENSÃO DO JULGAMENTO DO

FEITO ATÉ A VINDA DAS INFORMAÇÕES IMPRESCINDÍVEIS À RESOLUÇÃO

DO MÉRITO RECURSAL.

Íntegra do Acórdão em Segredo de Justiça - Data de Julgamento: 13/07/2010

Num segundo julgado, uma hipótese um pouco menos usual. Trata-se de

situação na qual o pedido objetivava não a mudança de prenome, mas de

patronímico, o que, a princípio poderia esbarrar numa vedação expressa à mudança

de nome, prevista no art. 56 da Lei de Registros Públicos: a vedação à mudança que

prejudique os apelidos de família.

No caso em tela o Autor pretendia a substituição de seu sobrenome materno

“Eljabel” pelo outro sobrenome do ramo materno “Dornelles”. A justificativa era a de

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que, por se tratar de empresário que frequentemente viajava aos Estados Unidos da

América, após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 o autor vinha

passando por situações vexatórias e sofrendo discriminação sempre que tentava

ingressar naquele país por possuir sobrenome de origem árabe.

A rigor, portanto, não seria um nome que o exporia a ridículo por si só, mas

no caso concreto e dadas as circunstâncias, acabou por lhe causar transtornos e

situações vexatórias em razão do contexto de intolerância em outro país o qual o

Autor visitava com freqüência devido à sua própria atividade profissional.

O juízo de primeira instância acolheu o pedido, contudo houve recurso do

Ministério Público, chamado à manifestação por exigência expressa do art. 57 da Lei

6.015/73. O Tribunal, contudo, negou provimento ao recurso.

0000005-08.2009.8.19.0000 (2009.005.00289) - EMBARGOS INFRINGENTES 1ª

Ementa DES. KATYA MONNERAT - Julgamento: 15/12/2009 - QUINTA CÂMARA

CÍVEL MUDANÇA DE PATRONÍMICO - SOBRENOME ÁRABE - ALEGAÇÃO DE

PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO - ALTERAÇÃO DO REGISTRO -

ADMISSIBILIDADE - PRINCIPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Embargos Infringentes. Ação de alteração do patronímico. Nome de família de

origem árabe. Constrangimentos vivenciados em viagens ao exterior. Alteração que

não acarreta prejuízo para o interessado ou para a sociedade. Ausência de prova de

interesses obscuros. Segurança das relações jurídicas preservada. A imutabilidade

do prenome não deve ser compreendida em caráter absoluto, pois nesses tempos

de intolerância não é justo obrigar o indivíduo a se apresentar em sociedade com

nome que possa de alguma forma vinculá-lo a credos de qualquer tipo, mesmo que

não o exponha propriamente ao ridículo, mas possa constrangê-lo ou abomine.

Primazia do Princípio da dignidade da pessoa humana. Acórdão perfeitamente

adequado ao caso examinado, e baseado nos ditames legais. Recurso não provido.

Ementário: 28/2010 - N. 10 - 24/06/2010

Precedente Citado: TJRJ AC 2009.001.11137, Rel.Des. Mauricio Caldas Lopes,

julgada em 01/04/2009 e AC 2008.001.48855, Rel. Des. Vera Maria Soares Van

Hombeeck, julgada em 18/11/2008.

Data de Julgamento: 15/12/2009

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Abaixo transcrevemos um trecho do acórdão no qual a Relatora menciona o

princípio da dignidade humana como justificativa para flexibilização da imutabilidade

do nome civil:

“Nesse sentido, a imutabilidade do prenome não deve ser compreendida em

caráter absoluto, pois não é justo nesses tempos de intolerância, obrigar o indivíduo

a se apresentar em sociedade com nome, ainda que não o exponha propriamente

ao ridículo, possa de alguma forma vinculá-lo a credos de que tipo for e constrangê-

lo ou mesmo abomine. O princípio da dignidade da pessoa humana foi consagrado

pela Constituição Federal – art.1°, III, como princípio fun damental, atribuído o valor

como alicerce da ordem jurídica democrática - que deve sempre prevalecer, não se

podendo esquecer que a lei objetiva servir o homem e não puni-lo ou prejudicá-lo.

Não há que se falar em um numero fechado de hipóteses tuteladas, eis que a

proteção é à personalidade, não um direito, mas um valor fundamental do

ordenamento, fundamentando as situações existenciais e sua mutabilidade

incessante a exigir a tutela.”

6.3 – Mudança de nome com base na alteração do estado civil

(casamento ou divórcio)

Esta hipótese é a mais usual até mesmo por não depender de provimento

judicial. A adoção do sobrenome do cônjuge pela esposa antecede ao próprio Direito

Registral, tendo origem no Direito Canônico e direito costumeiro. No momento em

que se passou a prever a possibilidade do casamento civil (não religioso), foi

mantida a tradição, e, atualmente, permite-se a adoção pelo marido do sobrenome

da esposa, pelo1565 §1º do Código Civil Brasileiro de 2002.

Há ainda, no art. 57, §2º da Lei de Registros Públicos, uma curiosa previsão

de adoção do sobrenome pela concubina:

“§ 2º A mulher solteira, desquitada ou viúva, que viva com homem solteiro,

desquitado ou viúvo, excepcionalmente e havendo motivo ponderável, poderá

requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o

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patronímico de seu companheiro, sem prejuízo dos apelidos próprios, de

família, desde que haja impedimento legal para o casamento, decorrente do

estado civil de qualquer das partes ou de ambas.”

É interessante observar que tal previsão não foi repetida pelas normas que

posteriormente vieram a tratar da União Estável (a Lei 8.971 de 1994 e a Lei 9.278

de 1996) ou no Código Civil de 2002. Diante dessa incongruência foi editado Projeto

de Lei (PLS 351/09) com o objetivo de permitir a adoção do sobrenome do

companheiro pelos casais que vivam em União Estável, contudo o referido projeto foi

arquivado em 2011.

Ainda quanto a esse assunto, vale lembrar que atualmente a legislação

permite, em alguns casos até a manutenção do sobrenome do ex-marido para após

o divórcio. Isso se dá com mais freqüência quando o sobrenome era utilizado

publicamente no exercício de atividade profissional etc.

6.4 - Inclusão de apelidos notórios

Outra hipótese bastante conhecida, apesar de não ser muito freqüente na

vida o cidadão comum, é a inclusão no registro dos apelidos notórios ostentados

pelo indivíduo. Essa situação é mais usual entre figuras públicas como artistas,

atletas ou políticos. A hipótese em comento é prevista no art. 58 da Lei de Registros

Públicos, que admite até mesmo a substituição do prenome por apelidos notórios,

como exceção à regra da imutabilidade do prenome.

Para algumas pessoas públicas os apelidos notórios passaram a ser

praticamente uma marca registrada de identificação imediata pelo público. Poucos

talvez reconheceriam de imediato os nomes de Agenor de Miranda Araújo Neto ou

João Luiz Woerdenbag Filho como figuras públicas conhecidas, mas se falarmos em

Cazuza e Lobão, certamente a identificação é imediata. Tais exemplos, bem como o

tenista Gustavo Kuerten (“Guga”) não fizeram uso da norma que permite a inclusão

de seus apelidos no registro do nome, contudo há ainda diversos outros exemplos

que optaram pela inclusão, como a apresentadora de TV Xuxa (Maria da Graça

Xuxa Meneghel) e o ex-presidente Lula (Luís Inácio Lula da Silva).

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Segue abaixo o trecho de um julgado do TJ-MT acerca de uma ação na qual

uma pessoa comum do povo pretendia a inclusão de um apelido notório no registro

civil. Os desembargadores foram unânimes em dar provimento ao recurso para

permitir a inclusão do apelido:

“APELAÇÃO Nº 90698/2008 - CLASSE CNJ - 198 – 2ª Câmara Cível

COMARCA DE JUÍNA - Data de Julgamento: 29-4-2009

APELANTE: SEBASTIÃO PEREIRA SOARES

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO

Cuida-se de Recurso de Apelação Cível interposto por SEBASTIÃO PEREIRA

SOARES em face da r. sentença proferida pela MMª Juíza de Direito da 2ª Vara

Cível da Comarca de Juína que julgou improcedente o pedido formulado na Ação de

Retificação de Nome.

Aduz o Recorrente que com fulcro na Lei 6.015/73 requereu a inclusão de pronome

"CAPU", haja vista que ficou conhecido na região pelo apelido "TIÃO CAPU",

recebido na época que trabalhava no garimpo.

(...)

O Parquet apresentou contrarrazões, acostada às fls. 82 a 89, nas quais clama pelo

improvimento do recurso.

(...)

No caso em comento, a meu ver, a inserção do apelido "Capu" no prenome do

requerente trará maior notoriedade, posto que preservados estão o primeiro nome

(Sebastião) como os sobrenomes (Pereira Soares). Ademais, na medida em que se

refere a apelido público e notório que será incorporado à sua personalidade, o fim do

nome que é a distinção entre as pessoas está amplamente resguardada.

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Destaco que o nome é direito de qualquer cidadão e o acompanha em todos os atos

da sua vida civil, não me parece justo que não haja a inclusão do apelido,

sobremodo quando não se vislumbra na alteração qualquer prejuízo a terceiros.

Certo que a regra é da imutabilidade do prenome, entretanto, a lei também deve

servir de instrumento para manter a paz social e harmonizar a vida das pessoas,

solucionando seus conflitos, razão pela qual não se justifica um rigorismo

exacerbado.

Diante do exposto, DOU PROVIMENTO ao apelo, a fim de incluir o apelido ao

prenome do Apelante, para que passe a constar SEBASTIÃO CAPU PEREIRA

SOARES. “

6.5 - Mudança de nome com base no Estatuto da Criança e do

Adolescente (Lei 8.069/1990)

O artigo 47 do Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu parágrafo

6o (incluído pela Lei de Adoção, nº 12010/09), prevê a possibilidade de que, além da

adoção do sobrenome do adotante, seja requerida a mudança do prenome do

adotando.

“Caso a modificação de prenome seja requerida pelo adotante, é obrigatória

a oitiva do adotando, observado o disposto nos §§ 1o e 2o do art. 28 desta

Lei.”

A hipótese prevista na lei, contudo é criticada por muitos especialistas, que

consideram não recomendável a mudança. Uma vez que a criança, desde os

primeiros anos de vida é capaz de identificar o próprio nome, ele passa a ser um dos

principais elementos na formação de sua identidade pessoal. A alteração desse

elemento constituiria uma violação à própria identidade do menor, quando de fato a

adoção deveria ser um momento em que os novos pais abraçam e aceitam o

adotando por inteiro, sem querer moldá-lo em direção a uma nova identidade que

não é sua por origem.

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Defende esse entendimento a assistente social Maria Josefina Becker,

membro da Equipe de Estudos e Pesquisas do Juizado da Infância e da Juventude

de Porto Alegre:

“De um modo geral, nesses casos, manter o nome original é uma forma de

respeitar a identidade da criança e de manifestar a aceitação, sem reservas de sua

pessoa.”13

A lei, contudo, deixa aberta essa possibilidade de alteração, desde que

ouvida a vontade do adotando em respeito à sua própria dignidade, visto que é ele

próprio o titular desse direito da personalidade.

6.6 - Mudança de nome com base no Programa de Proteção a

Testemunhas (Lei 9.807/99)

A lei 9.807 de 1999, que instituiu o Programa de Proteção às Testemunhas e

Vítimas ameaçadas, dentre os diversos mecanismos que buscam assegurar a

segurança de vítimas e testemunhas, prevê a possibilidade de modificação no

registro civil para alteração de nome completo, não apenas do prenome, mas

também dos sobrenomes, sendo a única hipótese legal em que se permite a

alteração completa do nome, mesmo em prejuízo dos apelidos de família. Vale notar

que a previsão se estende aos filhos menores e parentes da pessoa que encontra-

se em situação de ameaça.

O fato se justifica, visto que as pessoas que se encontram nessa situação

frequentemente são obrigadas a mudar de vida por completo, deixando seus lares,

empregos, suas cidades e adotando toda uma nova identidade, que se completa

com a modificação do nome civil. Com efeito, torna-se mais difícil a sua localização,

o que garante um maior nível de segurança.

“Art. 9o Em casos excepcionais e considerando as características e gravidade

da coação ou ameaça, poderá o conselho deliberativo encaminhar requerimento da

pessoa protegida ao juiz competente para registros públicos objetivando a alteração

de nome completo.”

13 BECKER, Maria Josefina. Citada por CARVALHO, Andre Ricardo Fonseca, em artigo publicado no portal Jus Navigandi (http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11788).

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Excepcionalmente ao que em regra ocorre nas demais hipóteses legais que

prevêem a alteração do nome, o artigo 9º da Lei 9.807/1999 foi muito feliz em prever

de forma sucinta o procedimento a ser adotado para que tal medida venha a ter

efeito. A especificação do procedimento a ser adotado assegura a rápida solução da

questão, o que é importantíssimo em casos nos quais a própria vida do indivíduo

encontra-se sob risco de perecimento.

As normais procedimentais encontram se nos §§ 2º e 3º do artigo 9º:

“§ 2o O requerimento será sempre fundamentado e o juiz ouvirá

previamente o Ministério Público, determinando, em seguida, que o

procedimento tenha rito sumaríssimo e corra em segredo de justiça.”

“§ 3o Concedida a alteração pretendida, o juiz determinará na sentença,

observando o sigilo indispensável à proteção do interessado:

I - a averbação no registro original de nascimento da menção de que houve

alteração de nome completo em conformidade com o estabelecido nesta Lei,

com expressa referência à sentença autorizatória e ao juiz que a exarou e

sem a aposição do nome alterado;

II - a determinação aos órgãos competentes para o fornecimento dos

documentos decorrentes da alteração;

III - a remessa da sentença ao órgão nacional competente para o registro

único de identificação civil, cujo procedimento obedecerá às necessárias

restrições de sigilo.”

A ampla alteração permitida pelo dispositivo legal, contudo, não é

necessariamente perpétua. Uma vez que tenha fim o motivo que originou o pedido,

poderá o indivíduo sob proteção requerer o restabelecimento do registro anterior,

voltando a utilizar o prenome e sobrenome originais. Essa possibilidade é garantida

pelo §5º do artigo 9º da Lei de Proteção a Testemunhas, sendo o pedido

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encaminhado ao Juiz competente pelo Conselho Deliberativo14 e após a oitiva do

Ministério Público.

6.7 - Mudança de nome com base no Estatuto do Estrangeiro

(Lei 6.815/80)

O Estatuto do Estrageiro também traz em seu bojo uma previsão de

modificação do nome. A previsão antecipa a possibilidade de que o cidadão

estrangeiro que aqui venha a residir tenha um nome de difícil pronunciação ou que o

venha a expor ao ridículo, podendo ser adaptado à língua ou traduzido, se for

possível.

O artigo 43, em seu parágrafo primeiro ainda faz referência à necessidade de

previsão em Regulamento dos documentos que deverão instruir o pedido, bem como

à realização de investigação sobre o comportamento do requerente, de modo a

garantir a segurança das relações jurídicas. Repete, portanto, a falha das demais

normas dessa natureza, que deixam de prescrever um procedimento claro a ser

adotado nessa mudança.

Eis o que diz o art. 43 da Lei 6.815/1980:

Art. 43. O nome do estrangeiro, constante do registro (art. 30), poderá ser alterado:

I - se estiver comprovadamente errado;

II - se tiver sentido pejorativo ou expuser o titular ao ridículo; ou

III - se for de pronunciação e compreensão difíceis e puder ser traduzido ou adaptado à prosódia da língua portuguesa.

§ 1° O pedido de alteração de nome deverá ser instruído com a documentação prevista em Regulamento e será sempre objeto de investigação sobre o comportamento do requerente.

§ 2° Os erros materiais no registro serão corrigidos de ofício.

§ 3° A alteração decorrente de desquite ou divórcio obtido em país estrangeiro dependerá de homologação, no Brasil, da sentença respectiva.

14 O conselho deliberativo é o responsável pela inclusão ou exclusão de pessoas no programa de proteção, bem como pela administração das medidas necessárias ao cumprimento do programa, conforme art.6º da Lei 9.807 de 1999.

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§ 4° Poderá ser averbado no registro o nome abreviado usado pelo estrangeiro como firma comercial registrada ou em qualquer atividade profissional.

6.8 – Mudança de nome por motivo de transgenitalização

(mudança de sexo)

Além das hipóteses já citadas acima, que possuem previsão legal e requisitos

mais ou menos claros, há ainda uma hipótese no qual a mudança do nome é de

extrema importância e cuja evolução tem se dado de forma extremamente lenta na

jurisprudência: a possibilidade de mudança do nome para aqueles indivíduos que

submetem-se à cirurgia de transgenitalização (mudança de sexo).

Por não ter previsão legal, a questão tem sido submetida ao judiciário como

hipótese de mudança de nome por expor seu titular a constrangimentos e situações

humilhantes. Mesmo não se tratando de nomes originariamente vexatórios, é óbvio

que ao tornar-se incongruente o nome da pessoa com o sexo que o indivíduo passa

a ostentar perante a sociedade, tal incongruência imediatamente passa a causar

situações constrangedoras e humilhantes.

Uma vez que a lei deve garantir o direito à dignidade da pessoa humana,

resta aos transexuais recorrerem ao judiciário de modo a garantir a alteração de seu

nome civil à sua nova condição. Antigamente os pedidos eram indeferidos por falta

de previsão legal, alegações de que a mudança poderia provocar insegurança

jurídica etc. Contudo, com a nova dialética do direito civil e a horizontalização da

eficácia dos direitos fundamentais, a jurisprudência tem se modificado no sentido de

admitir a mudança do nome civil, inclusive omitindo nos documentos de uso

corriqueiro (como o RG) o fato de a mudança se dever à realização da mudança de

sexo.

Apesar de atualmente a questão da mudança de nome para sujeitos já

submetidos à intervenção cirúrgica de transgenitalização ser mais ou menos

pacífica, ainda gera muita polêmica a questão da alteração da designação do gênero

nos assentamentos do Registro Civil. Muitos entendem que a modificação dos

assentos causaria insegurança jurídica, além de ignorar a realidade biológica do

indivíduo. Outros entendem que devem ser observadas a realidade social e

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psicológica da pessoa, prestigiando-se o princípio constitucional da dignidade da

pessoa humana.

Fato é que a questão é extremamente nova e ainda merece uma discussão

bastante aprofundada e esclarecida, visto que dela há de surgir muitos

questionamentos.

Abaixo citamos alguns exemplos de julgados nesse sentido:

No primeiro julgado, o Autor formulou dois pedidos: o de retificação do nome

(julgado procedente em primeira instância) e o de retificação do registro do

designativo de sexo (julgado improcedente pelo juízo a quo). No julgamento da

apelação, o tribunal entendeu por dar provimento ao recurso do autor, permitindo a

averbação no registro do sexo da certidão de nascimento.

“Apelação Cível. Ação de Retificação de Registro Civil. Procedimento de

alteração e retificação relacionado ao nome e ao gênero. Transexual submetido à

cirurgia de redesignação sexual. Sentença de procedência parcial. Indeferimento do

pedido de alteração do designativo de sexo, com amparo no princípio da segurança

jurídica. A conservação do sexo masculino no assento de nascimento do recorrente,

motivada pela realidade biológica em detrimento das realidades social, psicológica e

morfológica, manteria o transexual em estado de anomalia, importando em violação

ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana por negativa ao direito

personalíssimo à orientação sexual . Precedentes do STJ e deste Tribunal. Recurso

provido.15

O segundo julgado que trazemos é interessante por trazer à discussão um

ponto importante: deferido o pedido de alteração de nome e de sexo no registro civil,

deve o fato constar como alteração determinada por força de decisão judicial ou

não? Eis um trecho do acórdão:

“(...) Sentença de improcedência, com fundamento na estabilidade das

relações jurídicas, na ausência de transformação do autor em mulher, e na

preservação de terceiros de boa-fé. A alteração da legislação é mais lenta que as

mudanças sociais e técnicas, pelo que o julgador deve aplicar a lei de forma a

adequá-la a essas mudanças. A medicina atual faz distinção entre transexual,

15 Processo: 0006662-91.2008.8.19.0002 - APELAÇÃO 1ª Ementa - DES. CARLOS EDUARDO MOREIRA SILVA - Julgamento: 07/12/2010 - NONA CÂMARA CÍVEL Data de Julgamento: 07/12/2010

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travesti e homossexual. Resolução 1652/2002 do Conselho Federal de Medicina que

estabelece as condições para a cirurgia de neocolpovulvoplastia, no caso de

transexualismo, por reconhecer distúrbio psico-social, por transtorno de identidade

de gêneros. Reconhecimento pelo Ministério da Saúde de tratar-se de tratamento,

pela Portaria 1.707 de 18 de agosto de 2008, que institui no âmbito do SUS o

processo transexualizador, dentro da integralidade da atenção à saúde. Hipótese a

que se aplicam normas constitucionais do direito à saúde e à dignidade da pessoa

humana, bem como a permissão excepcional do art. 13 do Código Civil de 2002, e

não a proibição. Aplicação do art. 5º da Lei de Introdução ao Civil. Instrução do feito

suficiente para o julgamento. Necessidade de modificação do nome e do sexo no

registro civil, em razão da aparência física de mulher. Jurisprudência não

pacificada com relação ao que deve constar, sendo necessária a ponderação

entre os interesses em jogo. Preservação da boa-fé de terceiros e das normas

registrais, devendo ser averbada a decisão no registro civil, constando nas

certidões que as alterações de nome e gênero decorrem de ato judicial.

Precedente do STJ no Resp. 678.933. Inexistência de discriminação ilegítima.

Reforma da sentença para julgar procedente o pedido, alterando-se o nome e o

gênero. Provimento do segundo recurso, prejudicado o recurso ministerial.”16

Conforme verificamos, optaram os julgadores por manter no registro a

informação de que as alterações foram averbadas em razão de ato judicial, em

respeito à boa-fé de terceiros e às normas recursais. Fato é que, mesmo não sendo

a questão pacífica, a informação averbada na certidão de nascimento não chega

gera tanto constrangimento, por não se tratar de um documento de uso corriqueiro

na vida do cidadão em suas relações contratuais ou sociais.

16 0180968-76.2007.8.19.0001 (2009.001.11138) - APELAÇÃO 1ª Ementa . DES. NANCI MAHFUZ - Julgamento: 08/09/2009 - DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL. Data de Julgamento: 08/09/2009

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Conclusão

O direito ao nome integra os direitos da personalidade e é provavelmente o

mais importante elemento de identificação do indivíduo na sociedade. O nome

remonta às origens familiares e tem direta relação à construção da identidade de

cada pessoa. Por comprometer a própria Dignidade da Pessoa Humana, tal direito

deve ser protegido.

A lei prevê, portanto, uma série de garantias quanto ao nome civil, inclusive

permitindo a sua alteração para garantia da dignidade humana, à proteção da família

e até mesmo do direito à vida (nos casos em que a medida se justifica para a

proteção de testemunhas). Contudo, o faz de maneira esparsa e desorganizada.

A falta de critérios e de um procedimento claro quanto à forma de se obter o

resultado apontado na lei, antes de garantir os direitos que busca tutelar, gera uma

enorme insegurança jurídica, na medida em que faz com que os procedimentos

variem de estado para estado17, de juízo para juízo etc. Muitas vezes nem mesmo

se depreende da lei se é necessário que a parte vá a juízo requerer a mudança

pretendida ou se o procedimento pode ser realizado diretamente junto ao cartório do

Registro Civil de Pessoas Naturais.

A garantia deste importante direito da personalidade, faz necessária uma

regulamentação mais clara dos procedimentos e requisitos a serem adotados para a

modificação do nome junto ao Registro Civil. Enquanto uma regulamentação geral

não surge (e parece que dificilmente virá a surgir), resta à doutrina o papel de buscar

esclarecer os caminhos que levam a uma segura tutela jurídica do nome civil.

17 Dependendo do que prevê o Código de Organização Judiciária de cada Estado as ações podem correr perante a Vara de Registros Públicos, ou perante o juízo cível etc. Não havendo uma padronização de procedimento.

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Bibliografia e referências:

CARVALHO, Andre Ricardo Fonseca, em artigo publicado no portal Jus Navigandi

(http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11788).

MEDICI, Euclide Bernardo – O Registro Civil no Brasil – Disponível em

http://www.mediciadv.com.br/artigos/01.htm

MENDEZ, Silmara Aguiar – Da personalidade e da capacidade. Disponível em

http://monografias.brasilescola.com/direito/da-personalidade-capacidade.htm.

PEREIRA DA SILVA, Sidney - Os registros de batismo e as novas possibilidades

historiográficas. 2008. Disponível em

http://www.historiahistoria.com.br/materia.cfm?tb=artigos&id=53.

PEREIRA, Caio Mário da Silva – Instituições de Direito Civil, Vol I, 19ª Edição, Rio

de Janeiro. Ed. Forense. 2000.

RODRIGUES, Silvio – Direito Civil – Volume I. Ed. Saraiva. Sâo Paulo, 2003.

SCHWAB, Gustav. As mais belas histórias da antiguidade clássica, volume II. Ed.

Paz e Terra, 1999, São Paulo.

Web sites Utilizados:

http://bbnames.com/blog/archive/2007_02_01_archive.html

Lexicon of Greek Personal Names – http://www.lgpn.ox.ac.uk/project/index.html