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VIII - A UNIDADE E A NECESSIDADE DAS DUAS NATUREZAS DE CRISTO -------------------------------------------------- -------------------------------------------------- ------------------------ “A mente piedosa não sonha para si um Deus QualQuer; ao contrário, contempla somente o Deus único e verdadeiro; nem lhe atribui o Que Quer oue à imaginação haja acudido, mas se contenta com tê-lo tal Qual ele próprio se manifesta e, com a máxima diligência, precavém-se sempre, para Que não venha, mercê de ousada temeridade, a vaguear errática, trespassados os limites de sua vontade." - 1. Calvino, As Institutas, 1.2.2. "...Não há nada oue Satanás mais tente fazer do Que levantar névoas para obscurecer a Cristo; pois ele sabe oue dessa forma o caminho está aberto para todo tipo de falsidade. Assim, o único meio de manter e também de restaurar a doutrina pura é colocar Cristo diante de nossos olhos, exatamente como ele é, com todas as suas bênçãos, para oue seu poder possa ser verdadeiramente percebido." - |ohn Calvin, Commentary on the Epistle to the Co/oss/ans, Grand Rapids, Michigan, Baker Book House (Calvin's Commentaries, 1981 (reprinted), Vol. XXI (Cl 1.12), pp. 145-146. INTRODUÇÃO No capitulo anterior estudamos a realidade das duas naturezas de Cristo, afirmando que Jesus Cristo e plenamente homem e

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VIII - A UNIDADE E A NECESSIDADE DASDUAS NATUREZAS DE CRISTO----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------“A mente piedosa não sonha para si um Deus QualQuer; ao contrário, contempla somente o Deus único e verdadeiro; nem lhe atribui o Que Quer oue à imaginaçãohaja acudido, mas se contenta com tê-lo tal Qual ele próprio se manifesta e, com amáxima diligência, precavém-se sempre, para Que não venha, mercê de ousadatemeridade, a vaguear errática, trespassados os limites de sua vontade." - 1. Calvino,As Institutas, 1.2.2."...Não há nada oue Satanás mais tente fazer do Que levantar névoas paraobscurecer a Cristo; pois ele sabe oue dessa forma o caminho está aberto paratodo tipo de falsidade. Assim, o único meio de manter e também de restaurar adoutrina pura é colocar Cristo diante de nossos olhos, exatamente como ele é,com todas as suas bênçãos, para oue seu poder possa ser verdadeiramente percebido."- |ohn Calvin, Commentary on the Epistle to the Co/oss/ans, Grand Rapids,Michigan, Baker Book House (Calvin's Commentaries, 1981 (reprinted), Vol. XXI(Cl 1.12), pp. 145-146.INTRODUÇÃONo capitulo anterior estudamos a realidade das duas naturezasde Cristo, afirmando que Jesus Cristo e plenamente homem eplenamente Deus. Por natureza entendemos os elementos essenciaispara que uma coisa seja o que e (a concreta substancia de umaespecie); desta forma, quando falamos em natureza humana nosreferimos a um corpo mortal e uma alma (= espirito) imortal, osquais a constituem.Neste texto estudaremos algumas questoes que sao levantadasna historia, as quais ainda hoje sao debatidas por muitos, e que devemdespertar nosso interesse; nao por va especulacao, mas paraconhecermos melhor nosso Senhor Jesus Cristo (2Pe 3.18). AlguVIII- A Unidade e a Necessidade das Duas Naturezas. 223mas das questoes sao: Por que era necessario que o Redentor fosseDeus? Por que era necessario que ele fosse humano? Qual a relacaoexistente entre as duas naturezas de Cristo?

Antes de adentrarmos este estudo, faz-se necessario entenderque este assunto tem seus misterios, os quais pertencem a Deus;todavia, e importante notar que a Biblia nos fala da realidade daencarnacao; por isso temos o dever de estuda-lo, visto que o queDeus revelou em sua Palavra pertence a nos, para estudo e pratica(Dt 29.29). Atentemos para a recomendacao de Agostinho (354-430): “Ignoremos de boa mente aquilo que Deus nao quis que soubessemos.”584 Em suma, resumindo nossa postura: Devemos noslimitar a Palavra, para que nao facamos afirmacoes que a Bibliadesconhece.1. A NECESSIDADE DA DIVINDADE DO REDENTORNo Catecismo Maior, a pergunta 38, lemos:“Por que era indispensavel que o Mediador fosse Deus?”“R : .... para poder sustentar a natureza humana e guarda-la de cair sob aira infinita de Deus e o poder da morte; para dar valor e eficacia aos seussofrimentos, obediencia e intercessao; e para satisfazer a justica de Deus,conseguir seu favor, adquirir um povo peculiar, dar a este povo seu Espirito,vencer todos os seus inimigos e conduzi-lo a salvacao etema.”De forma resumida, podemos dizer que a divindade do Redentorera necessaria para que:1) Pudesse cumprir perfeitamente a lei: E impossivel a qualquerhomem cumprir totalmente a Lei de Deus (Rm 7.14-25).2) Revelasse Deus e sua salva..o aos homens: Em Cristo nosconhecemos o Pai e temos a salvacao eterna (Mt 11.27; Jo 1.18;14.11-18; ICo 2.9-11).584 Agostinho, Coment.rio aos Salmos, Sao Paulo, Paulus (Patristica, 9/1), 1998 (SI 6),Vol. I, p. 60. De igual modo, Calvino: “Tudo o mais que pesa sobre nos e que devemosbuscar e nada sabermos senao o que o Senhor quis revelar a sua igreja. Eis o limite de nossoconhecimento” [Joao Calvino, Exposi..o de 2 Cor.ntios, Sao Paulo, Parakletos, 1995 (2Co12.4), pp. 242, 243].224 EU CREIO.3) Derrotasse definitivamente a Satan.s, tirando de seu dominioos pecadores escravizados (Hb 2.14-15; Jo 12.31; 16.11; Jo14.30).4) Suportasse o peso da culpa do pecado de seu povo, bem comoa ira de Deus que cairia sobre ele, como representante dos eleitos,libertando assim os seus da maldicao decorrente do nao comprimento

da Lei (Is 53.1-12; Mt 27.46; G1 3.10-13).5) Pudesse constituir-se num caminho perfeito e imaculado, conduzindoo homem a Deus. Esta obra ninguem poderia fazer, nenhumdos filhos de Adao, nem mesmo um anjo585 (Jo 14.6; lTm2.5;lPe 3.18).6) Para que pudesse apresentar-se como sacrificio perfeito eaplicasse de forma eterna seus meritos a seu povo eleito (Hb 7.3,24-28; 9.24-25).2. A NECESSIDADE DA HUMANIDADE DE CRISTOA pergunta 39 do Catecismo Maior, lemos:“Por que era indispensavel que o Mediador fosse homem?“R: .... para poder soerguer nossa natureza e possibilitar a obediencia alei, sofrer e interceder por nos em nossa natureza e solidarizar-se com nossasenfermidades, para que recebessemos a adocao de filhos e tivessemosconforto e acesso, com confianca, ao trono da graca.”Seguindo a mesma linha de pensamento, podemos, resumidamente,dizer que a humanidade de Cristo era necessaria:1) Para ser um exemplo humano perfeito para seus discipulos(Mt 11.29; Jo 13.13-15; Rm 8.29; Fp 2.5-8; Hb 12.2-4; IPe 2.21;lJo 2.6).2) Cumprisse o proposito de Deus para o homem em relacao asua criacao. O homem, ao pecar, perdeu o dominio sobre a criacao;Jesus Cristo demonstra, em sua vida, o dominio sobre ela (Ef 1.22;Hb 2.8-9).586585 Ver: JoaoCalvino, As Institu.as, 11.12.1.586 Cf. Wayne A. Grudem, Teologia Sistem.tica, p. 446.VIII - A Unidade e a Necessidade das Duas Naturezas... 2253) Representar genuinamente seu povo - sendo o segundo Adaoatraves de quem Deus trata com os eleitos, tornando-se o unicoMediador entre Deus e os homens (Rm 5.15-19; ICo 15.21-23; 46-49; lTm 2.5). Se Jesus veio salvar os homens, teria que tornar-sehomem, nao um anjo.4) Para que estivesse sob a Lei, a fim de poder cumpri-la por seupovo (G1 4.4-5).5) Para que pudesse arcar moral, fisica e espiritualmente com asconsequencias do pecado de seu povo, ja que o pecado trouxe gravesprejuizos sobre estas tres areas. Todavia, tinha que ser homem sempecado para que pudesse apresentar-se a si mesmo como oferta santae imaculada (Hb 7.26-27; 9.14). Desta forma morresse pelos pecadoreseleitos, visto que somente a carne pode morrer (IPe 1.18-20).6) Para simpatizar com os seus, ja que ele estaria sujeito as

mesmas tentacoes (Hb 2.16-18; 4.15-16).7) “Para ser o padrao de nosso corpo redimido”.587 A ressurreicaode Cristo revela o padrao de nosso corpo redimido para todo osempre (ICo 15.21-23; 42-44; Cl 1.18).3. A NECESSIDADE DAS DUAS NATUREZAS NUMA SÓPESSOAEm resposta a questao 40 do Catecismo Maior - “Por que eraindispensavel que o Mediador fosse Deus e homem em uma so pessoa?”,responde:para que as obras proprias de cada natureza pudessem ser aceitas porDeus a nosso favor e que nos confiassemos nelas como obras da pessoainteira”.Era necessario que o homem levasse sobre si a culpa do pecado,cumprindo o aspecto condenatorio da Lei; e, ao mesmo tempo, quefosse Deus para poder cumpri-la, suportando a justa ira de Deus,conferindo um valor eterno ao seu sacrificio (Hb 9.23-28).587 Wayne A. Grudem, Teologia Sistem.tica, p. 446.226 EU CREIO.Joao Calvino escreveu sobre isso:“Visto, entao, que Deus por si so nao poderia provar a morte, e que ohomem por si so nao poderia vence-la, ele tomou sobre si a natureza humanaem uniao com a natureza divina, para que sujeitasse a fraqueza daquelaa uma morte expiatoria, e que pudesse, pelo poder da natureza divina,entrar em luta com a morte e ganhar para nos a vitoria sobre ela.”5884. A UNIPERSONALIDADE DE CRISTO4.1. A Visão dos Escritores do Novo TestamentoOs escritores do Novo Testamento, em nenhum momento, demonstraramestar preocupados com as implicacoes metafisicas(transcendentes) concernentes a Pessoa de Cristo. Quando eles falamde Cristo, fazem-no preocupados em demonstrar que a divindadee a humanidade dele sao verdades que constituem a condicaobasica e essencial para sua obra expiatoria (Rm 8.3; Fp 2.6-11; vejam-se, tambem: Jo 1.18; Cl 1.13-22; Hb 1 e 2; 4.4-5.10; 7.1-10.18;lJo 1.1-2.2).Todavia, ja na metade do primeiro seculo da Era Crista, surgiramalguns homens dispostos a negar a verdadeira humanidade deCristo, contra os quais Joao escreveu veementemente (cf. Jo 1.14;4.1-6).4.2. Erros Concernentes à Compreensão das Duas Naturezasde Cristo

Como resultado da nao compreensao das duas naturezas de Cristo,nos primeiros seculos da Era Crista surgiram diversas heresiasconcernentes a Pessoa de Cristo. Essas concepcoes ora negavam adivindade, ora negavam a humanidade de Cristo. Alguns teologos,no afa de combater alguma forma de erro, cairam com frequenciaem outro; passando a existir dai, nao mais uma heresia, mas duas!.Segundo Grudem, essas heresias surgiram da negacao de um dessesprincipios fundamentais, a saber: a) Deus e tres pessoas; b) cada588 Joao Calvino, /4i Institu.as da Religi.o Crist., edicao abreviada por J.P. Wiles, SaoPaulo, PES, 1984,11.12, p. 182.VIII - A Unidade e a Necessidade das Duas Naturezas... 227pessoa e plenamente Deus; e c) so ha um Deus.589Notemos tambemque, nos primeiros seculos, a Igreja confessou direta e indiretamentea Santissima Trindade, a divindade do Filho e do Espirito; istoestava implicito de varias formas: no batismo, na “bencao apostolica”e na recitacao do Credo Apostolico. O problema surge na elaboracaodesta verdade de modo compreensivel. Na elaboracao dadoutrina e que a Igreja se viu em serias dificuldades: como tornarcompreensivel doutrinas entremeados de misterios? Este foi um dosproblemas. Na tentativa de verbalizar a doutrina e que muitas heresiassurgiram.Vejamos abaixo apenas os principais erros.4.2.1. O EbionismoHeresia surgida nos circulos judaicos, no final do primeiro seculo.O nome e derivado do hebraico: pilK (‘ebheyon), que significa“pobre”, “necessitado”, “miseravel”, “mendigo”, “pedinte deesmolas”.590 Eusebio de Cesareia (c. 262-339), com uma dose demaldade, diz que este nome “manifesta a pobreza de sua inteligencia”.591 Informa que eles tinham a respeito de Cristo “pensamentospobres e de baixa estima”.592 Criam que a fe nao era suficientepara a salvacao, sendo preciso que os homens observassem a Lei.593 Determinadogrupo de ebionitas, “heterodoxo”, cria que Jesus era ummero homem, filho de Jose e Maria, porem um sincero observador daLei 594 Ele foi qualificado atraves do batismo pela descida do EspiritoSanto para ser um profeta e mestre; porem o Espirito Santo o abandonouno Calvario (vd. lJo 5.6-12). No entanto, como Messias predestinado,ele voltaria a terra para reinar.5955S‘JWayne A. Grudem, Teologia Sistem.tica, p. 177.5511 Apesar de haver alusoes (Hipolito e Tertuliano) a um suposto Ebiao como fundador da

seita, esta palavra relembra o titulo com que a igreja judaico-crista de Jerusalem gostava deser reconhecida (vd. Rm 15.26; G1 2.10; cf. J.N.D. Kelly, Doutrinas Centrais da F. Crist.:Origem e Desenvolvimento, p. 103),5,1 Eusebio de Cesarea, Historia Eclesiastica, Madrid, La Editorial Catolica (Bibliotecade Autores Cristianos, Vols. 349-350), 1973, III.27.6 (doravante citada como HE).552 Eusebio, HE., III.27.1.5,3 Eusebio, HE., 111.27.2.594 Eusebio, HE., II1.27.2/VI. 17.595 J.N.D. Kelly, Doutrinas Centrais da F. Crist.: Origem e Desenvolvimento, p. 103.228 EU CREIO.Este grupo desejava manter a qualquer preco o monoteismo doAntigo Testamento - preservando a Lei mosaica e uma forma deascetismo: todos os cristaos deveriam ser circuncidados nem quepara isso tivessem que negar a divindade de Cristo e sua concepcaovirginal... o que de fato fizeram. Na tentativa de preservar o monoteismobiblico, os ebionitas sacrificaram todos os textos que falamda divindade e eternidade do Filho.Rejeitavam os escritos de Paulo, chamando-o de “apostata dalei”;596 todavia, honravam a Tiago e Pedro.Devemos acentuar que todo o ebionismo . subordinacionista.A divindade do Filho, quando aceita, e menor que a de Deus. OFilho . ontologicamente subordinado ao Pai.4.2.2. O GnosticismoNome derivado do grego yvcuaic, “conhecimento”. Este grupoextremamente “amorfo”597 surgiu provavelmente no primeiro seculo.598 Os gnosticos pretendiam ter um conhecimento esoterico, secretoe especulativo de Deus. Na busca de um conhecimento maior,o gnosticismo se caracterizava por ser altamente especulativo, fazendoum sincretismo de elementos gregos, judeus, cristaos e orientais,buscando uma explicacao peculiar para a origem do mal.Irineu (c. 130- c. 200) os retrata como hereges que corromperam adoutrina crista, mesclando-a com a filosofia paga.599 No entanto, aoque parece, muitos dos mestres gnosticos eram cristaos sinceros,596 Eusebio, # £ ., 111.27.4.TO7 Conforme expressao de C.H. Dodd, A interpreta..o do Quarto Evangelho, Sao Paulo,

Paulinas, 1977, p. 134 e de J.N.D. Kelly, Doutrinas Centrais da F. Crist.: Origem e Desenvolvimento,p. 16. Do mesmo modo entende A.F. Walls, Gnosticismo: ln: J. D. Douglas,ed. ger. O Novo Dicion.rio da B.blia, Sao Paulo, Junta Editorial Crista, 1966, Vol. 11, p.674.598 Ha um certo consenso por parte dos Pais da Igreja em atribuirem a Simao, o Magico(At 8.9ss), a origem do gnosticismo (vd., por exemplo, Irineu, Irineu de Li.o, Sao Paulo,Paulus, 1995,1.23.2. p. 99s.); todavia, nos detalhes sao divergentes, devido a variedade degrupos gnosticos (vd. J.N.D. Kelly, Doutrinas Centrais da F. Crist.: Origem e Desenvolvimento,p. 16ss; B. Hagglund, Hist.ria da Teologia, Porto Alegre, RS, Concordia, 1973,p. 27).M‘J Irineu, Irineu de Li.o, 11.14.1. p. 161 ss.VIII - A Unidade e a Necessidade das Duas Naturezas. 229desejosos de expressar o evangelho de forma que parecesse satisfatorioa seus contemporaneos. Contudo, foram infelizes em sua tentativa,sacrificando o conceito biblico do Logos divino em prol deseus pressupostos filosoficos.600Uma das preocupacoes dominantes nos sistemas gnosticos eracom a questao da dualidade, caracterizada pela miseria e futilidadeda vida humana neste mundo: vida aprisionada pelo corpo material,e o contraste com a ordem superior, inteiramente espiritual, quenao se comunica com a materia.A materia e ma, e Deus, o Pai supremo (Bythos), e o Eon perfeito;por isso Deus nao pode ter criado o mundo; “o que Deus fez foilancar uma serie de emanacoes [30].601 Cada uma dessas emanacoesdistanciou-se mais de Deus, ate que por ultimo houve umaemanacao tao distante que pode tocar a materia. Esta emanacao[Demiurgo, identificado como o Deus do Antigo Testamento] foi aque criou o mundo (...). Os gnosticos sustentavam que cada emanacaoconhecia cada vez menos a Deus, ate chegar a um ponto que asemanacoes nao so ignoravam a Deus, mas que lhe eram hostis. Assimchegaram, finalmente, a conclusao de que o deus criador nao soera distinto do Deus verdadeiro, mas que o ignorava e lhe era ativamentehostil”.602Para os gnosticos, Deus (Bythos) nao tinha nada a ver com este

universo, dai, possivelmente, a afirmacao de Joao: “Todas as coisasforam feitas por interm.dio dele, e sem ele nada do que foi feito sefez” (Jo 1.3).A respeito da Pessoa de Cristo, havia dentro do gnosticismouma variedade de ideias, a saber:600 Vd. J.N.D. Kelly, Doutrinas Centrais da F. Crist.: Origem e Desenvolvimento, p. 20.601 Irineu, Irineu de Li.o, 1.1.3. p. 33. “Esses trinta eons constituem o Pleroma, ou aplenitude da Divindade” (J.N.D. Kelly, Doutrinas Centrais da F. Crist.: Origem e Desenvolvimento,p. 17).602 William Barclay, Juan I, Buenos Aires, La Aurora (El Nuevo Testamento Comentado),1974, Vol. 5, p. 20. Para uma descricao mais detalhada desse processo de emanacoes,vejam-se: J.N.D. Kelly, Doutrinas Centrais da F. Crist.: Origem e Desenvolvimento, p.17ss; B. Hagglund, Hist.ria da Teologia, pp. 29-30; L. Berkhof, Hist.ria das DoutrinasCrist.s, Sao Paulo, PES, 1992, pp. 45-47.230 EU CREIO.a) Jesus era uma das trinta emanacoes, “aeons”, do Deus bom,“Bythos”, emitidas para entrarem em contato com a materia que ema. Assim sendo, Jesus nao e divino, e apenas uma especie de semideus,uma entidade entre Deus e os homens.Deus - Bom Deus - BomJesus Cristo seria uma dasemanaçõesMatéria má Matéria máb) Partindo do principio filosofico de que a materia e essencialmentema, afirmavam que Jesus nao tinha corpo real; desse modoele era uma especie de fantasma, sem carne e sangue reais. Jesusera uma ilusao; parecia homem, mas nao era (docetismo);603 o filhode Deus, que era real, apenas usava o Jesus humano como meio deexpressao; a encarnacao, portanto, era apenas uma ilusao.604Por trasdesse conceito estava a concepcao de que Deus nao pode sofrer;603 Como sabemos, este nome . derivado do verbo grego SoK.co = “parecer, ter a aparenciade”. Este ensinamento foi primariamente difundido por volta do ano 85, por Cerinto,natural de Alexandria, discipulo de Filon.

fi()4 Vd. M.C. Tenney, Docetismo: In: E.F. Harrison, ed. Diccionario de Teologia, GrandRapids, Michigan, T.E.L.L., 1985, p. 175; Docetismo: ln: R.N. Champlin & Joao M. Bentes,Enciclop.dia de B.blia, Teologia e Filosofia, Sao Paulo, Editora e Distribuidora Candeia,1991, Vol. 2, pp. 203-205; J.N.D. Kelly, Doutrinas Centrais da F. Crist.: Origem eDesenvolvimento, pp. 104-105.VIII - A Unidade e a Necessidade das Duas Naturezas. 231logo, se Cristo sofreu, ele nao era Deus; e se ele era Deus, naopoderia sofrer. Entao, o sofrimento de Cristo teria sido apenas naaparencia, nao real. Inacio, bispo de Antioquia, no inicio do segundoseculo (c. 110), combateu ferrenhamente o docetismo, afirmandoa divindade e a humanidade de Cristo.605 Do mesmo modo, Policarpo(c. 75-c. 160), bispo deEsmima, escreve aos filipenses: “Qualquerque nao confesse que Jesus Cristo veio em carne e um anticristo.E quem nao confessa o testemunho da cruz e do diabo.”606Alguns diziam que quando ele andava nao deixava pegadas, porqueseu corpo nao tinha peso nem substancia. Joao, de modo especial,combateu esse tipo de conceito em seus escritos, evidenciandoque negar a verdadeira humanidade de Cristo equivalia a negar umdos pontos centrais da fe crista (vd. Jo 1.14; Uo 4.1-3, Hb 2.14).607c) Jesus era um homem comum que foi usado pelo Espirito deDeus e abandonado no Calvario, nao havendo de fato encarnacao(vd. Jo 1.14; 20.31; Cl 1.19; 2.9; Uo 2.22; 4.1-3,15; 5.1,5,6; 2Jo 7).4.2,3. MonarquicmismoO nome e derivado de duas palavras gregas, |iovoc & dai,“Um so Principio”, “Um so Deus”. O monarquianismo modalistafoi a heresia mais influente do terceiro seculo.608Sua preocupacao era a defesa do monoteismo, negando toda e605 Vd. suas Cartas: Aos Ef.sios, 7,1 8 ,1 9 , 20; Aos Magn.sios, 11; Aos Tralianos, 9; AosEsmirnenses, 1 -3,7 (vd. a colecao de Cartas ln: Canas de Santo In.cio de Antioquia, 3“ ed.Petropolis, RJ, Vozes, 1984). Devemos mencionar que, apesar de Inacio combater os “docetas”,este nome so iria aparecer como designacao deste tipo de pensamento por volta doano 200, em Serapiao, que denomina este grupo de Aoictidòí; (cf. Eusebio, HE., VI. 12.6).<i06Polycarp, The Epistle of Polycarp to the Philippians, Vil. In: Alexander Roberts &

James Donaldson, eds. The Ante-Nicene Fathers, 2“ ed. Peabody, Massachusetts, HendricksonPublishers, 1995, Vol. I, p. 34 (doravante citado como ANF). Quanto a um testemunhoantigo sobre o procedimento de Policarpo, vd. lrineu, Irineu de Li.o, 111.1.3. pp. 251 -252).61,7 Notemos que nem todo “docetismo” era gnostico, no entanto, como esta era uma dascaracteristicas do gnosticismo, os termos foram identificados.608 Compare as informacoes de L. Berkhof, Hist.ria das Doutrinas Crist.s, p. 71, com asde J.N.D. Kelly, Doutrinas Centrais da F. Crist.: Origem e Desenvolvimento, p. 89. Berkhofdiz, que foi Tertuliano o primeiro a dar este designativo (monarquiano) a este tipo de concepcao(Hist.ria das Doutrinas Crist.s, p. 71).232 EU CREIO.qualquer ideia de diversidade no Ser divino, dai a tentativa de conciliara doutrina do “Logos” com a unicidade de Deus.Os monarquianos criam numa especie de divindade de Jesus(monarquianismo din.mico),609 contudo afirmavam ser a Trindadeirreconciliavel com a unidade de Deus. Dentro dessa perspectivanao ha relacao trinitaria, e esta totalmente fora de questao a doutrinada expiacao e da intercessao do Espirito.a) Monarquianismo din.micoTambem conhecido como “humanitariano”. O mais destacadodefensor desta doutrina foi Paulo de Samosata, bispo de Antioquia,por volta do ano 260.Paulo de Samosata ensinava que Jesus era originariamente ummero homem,610 sendo elevado a uma posicao superior no batismo,quando recebeu o poder (“o^vajuc”) do ceu. Este poder, que passoua residir na pessoa humana de Jesus - como um mero recipientequalificou-a para uma tarefa especial. Assim Jesus foi elevado auma posicao intermediaria entre Deus e os homens, no entanto Jesusnao e essencialmente divino. A consciencia de ser o portador doLogos foi crescendo gradativamente em Jesus a partir de seu batismo.O Logos o capacitou a exercer um ministerio especial e era eleque controlava todas as palavras e obras de Jesus.Jesus era o filho adotivo de Deus; portanto, sua “divindade” eraapenas de honra, de ado..o, e nao de essencia; ela ocorre pela gra.a.Essa teologia adopcionista foi condenada no Sinodo de Antioquia

(268), sendo ele excomungado.611b) Monarquianismo modalistaseu principal representante foi Sabelio, presbitero de Ptolemaida(250), tendo ensinado em Roma por volta do ano 215.609 forca propulsora por tras do modalismo era a dupla conviccao, defendida comvigor, da unicidade de Deus e da plena divindade de Cristo” (J.N.D. Kelly, Doutrinas Centraisda F. Crist.: Origem e Desenvolvimento, p. 89)610 Eusebio, HE., V.28.2; Vll.27.2.611 Eusebio, HE., VII.29.1.VIII - A Unidade e a Necessidade das Duas Naturezas. 233Esta forma de modalismo foi conhecida no Ocidente como “Patripassianismo”(O Pai se encarnou e tambem sofreu),612 e no Orientecomo “Sabelianismo”.Para Sabelio nao havia Trindade; Pai, Filho e Espirito Santoeram apenas nomes diferentes para a mesma realidade; desse modo,os tres eram apenas (IIpocramaTa, semblantes, faces), e nao seresindependentes.613 Ele considerava as tres Pessoas da Trindade comotres diferentes modos de acao ou manifestacao divina, os quais Deusassume sucessivamente, revelando-se como Pai na cria..o e nadoa..o da Lei', como Filho na encarna..o6'4e como Esp.rito naregenera..o e santifica..o. Desse modo ha apenas uma unica Pessoa;ficando a Trindade reduzida a tr.s modos de manifesta..o.Epifanio, bispo de Salamis, descrevendo os ensinamentos doSabelianismo, escreveu, por volta do ano 375:“Ensinam que o Pai, o Filho e o Espirito Santo sao uma so e a mesmaessencia, tres nomes apenas dados a uma so e a mesma substancia” . A dianteEpifânio cita uma analogia utilizada: “Tome-se o sol: o sol e uma so substancia,mas com triplice manifestacao: luz, calor e globo solar. O calor... e(analogo a) o Espirito; a luz, ao Filho; enquanto o Pai e representado pelaverdadeira substancia. Em certo momento, o Filho foi emitido como umraio de luz; cumpriu no mundo o que cabia a dispensacao do evangelho ea salvacao dos homens, e retirou-se para os ceus, semelhante ao raio envi-6,2 Em sua obra contra Praxeas (c. 213), Tertuliano escreveu: “O demonio tem lutadocontra a verdade de muitas maneiras, inclusive defendendo-a para melhor destrui-la. Eledefende a unidade de Deus, o onipotente criador do universo, com o fim exclusivo de tornala

heretica. Afirma que o proprio Pai desceu ao seio da Virgem, dela nascendo, e que oproprio Pai sofreu; que o Pai, em suma, foi pessoalmente Jesus Cristo,... Praxeas foi quemtrouxe esta heresia da Asia para Roma.... Ele afugentou profecia e trouxe heresia; expulsouo Paraclito e crucificou o Pai” (Against Praxeas, 1. in: Alexander Roberts & James Donaldson,eds. The Ante-Nicene Fathers, 2a ed. Peabody, Massachusetts, Hendrickson Publishers,1995, Vol. Ill, pp. 597-598). Devido a obscuridade da pessoa de Praxeas, pensa-seque este nome era apenas um apelido (“intrometido”), dado a algum proponente dessasideias, tais como Noeto, Epigono ou o papa Calixto (217-222; vd. J.N.D. Kelly, DoutrinasCentrais da F. Crist.: Origem e Desenvolvimento, p. 90).613 Vd. P. Tillich, Hist.ria do Pensamento Crist.o, Sao Paulo, ASTE, 1988, p. 73.614 Boettner comenta: “A encarnacao foi reduzida a ser simplesmente uma uniao temporariadas naturezas divina e humana no homem Jesus Cristo” (Loraine Boettner, Studies inTheology, 9a ed. Philadelphia, The Presbyterian and Reformed Publishing Company, 1970,p. 128).234 EU CREIO.ado pelo sol que e novamente incorporado a ele. O Espirito Santo e enviadomais sigilosamente ao mundo e, sucessivamente, aos individuos dignosde o receberem...”615MONARQUIANISMO MODALISTA:Implicacoes desta doutrina:1) Nao ha Trindade.2) As tres formas de Revelacao nao sao co-eternas.3) Ha apenas tres MODOS da mesma Pessoa, e nao tres Pessoas.4.2.4. ArianismoNome derivado de seu maior representante, Ario (c. 250-C.336),natural da Libia e educado em Antioquia da Siria, tendo como mestrea figura enigmatica de Luciano de Antioquia (t 312), que teriasido discipulo de Paulo de Samosata.616Ario teve seus ensinamentos condenados em Antioquia (02/325);e no Primeiro Concilio Ecumenico de Niceia (20/05/325) sendoentao deportado para o Ilirico. Mesmo no exilio, ele continuou

escrevendo, aumentando consideravelmente sua influencia, contandosempre com um bom numero de amigos fieis, sendo o grandearticulador politico do grupo ariano, o bispo Eusebio de Nicomedia(t 342). Em 335, num encontro com Constantino (274-337),Ario subscreveu uma confissao considerada pelo Imperador “or615In: H. Bettenson, Documentos da Igreja Crist., p. 71.616 Cf. J.N.D. Kelly, Doutrinas Centrais da F. Crist.: Origem e Desenvolvimento, p.174.VIII - A Unidade e a Necessidade das Duas Naturezas... 235todoxa”, que na realidade e mais eloquente em seu silencio.517 Em336/337, quando jazia em seu leito de morte em Constantinopla, foisolenemente readmitido a comunhao da Igreja pelo Sinodo de Jerusalem.618O Arianismo, a despeito de sua condenacao em Niceia, juntamentecom os anatemas emitidos por este Concilio, desfrutou deampla aceitacao no quarto seculo, so comecando a perder forca noConcilio de Constantinopla (381), quando a posicao de Niceia foireafirmada; no entanto, o arianismo permaneceu vivo ate o final doseculo setimo. Se por um lado o arianismo desfrutou de boa aceitacaodevido ao grande numero de seguidores influentes e a toleranciaexplicita do imperador - que desejava a todo custo manter aunidade do imperio -,619 ele encontrou um adversario perseveranteque, apesar da pequena estatura, tornou-se um gigante na defesa daortodoxia biblica: Atanasio (c 296-373), o jovem bispo de Alexandria(328-373),620que mesmo sendo perseguido e exilado conseguiuexercer poderosa influencia na teologia ocidental, preservando am Vd. o texto de sua confissao In: Socrates Scholasticus, The Ecclesiastical H istory,1.26. ln: P. Schaff & H. Wace, eds. Nicene and Post-Nicene Fathers of the Christian Church(Second Series), Grand Rapids, Michigan, Eerdmans, 1978, Vol. II, pp. 28-29 (doravantecitado como NPNF2); Salaminus Hermias Sozomen, The Ecclesiastical History, 1.27. In:NPNF2, II, pp. 277-278; o texto grego esta reproduzido In: Philip Schaff, The Creeds ofChristendom, 6a ed. Revised and Enlarged, Grand Rapids, Michigan, Baker Book House(1931), Vol. 11, pp. 28-29 (doravante citado como C O Q . Vd. tambem Carlos Ignacio Gonzalez,

El Desarrollo Dogm.tico en los Concilios Cristologicos, Santafe de Bogota, CELAM.,1991, p. 316.<il8Cf. V.L. Walter, Arianismo: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclop.dia Hist.rico-Teol.gicada Igreja Crist., Sao Paulo, Vida Nova, 1988-1990, Vol. I, p. 105 (doravante citadocomo EHTIC) e Eusebius of Nicomedia: In: Philip Schaff, ed. Religious Encyclopaedia: orDictionary o f Biblical, Historical, Doctrinal, and Practical Theology, Chicago, Funk Wagnalls,Publishers, 1887 (revised edition), Vol. I, pp. 772-773.6|,J Vd. Philip Schaff, History of the Christian Church, Peabody, Massachusetts, HendricksonPublishers, 1996, Vol. Ill, § 119, p. 621; Atanasio: In: Tony Lane, Pensamento Crist.o:Dos Prim.rdios . Idade M.dia, Sao Paulo, Abba Press Editora, 1999, Vol. 1, p. 45; P.Tillich, Hist.ria do Pensamento Crist.o, pp. 75-76.620 Desses 45 anos, 17 foram passados em cinco exilios diferentes (cf. Samuel J. Mikolaski,Atanasio: In: Wilton M. Nelson, ed. ger. Diccionario de Historia de la Eclesai, Miami,Florida, Editorial Caribe, 1989, p. 100 e Atanasio: In: Tony Lane, Pensamento Crist.o:Dos Prim.rdios . Idade M.dia, Vol. 1, p. 45).236 EU CREIO.unidade da igreja e uma sa teologia biblica, sustentando a divindadee a humanidade de Jesus.621O ponto focal de Ario e de que ha um so Deus (Pai) nao-gerado,sem comeco, unico, verdadeiro, unico detentor de imortalidade. Paraos arianos, Jesus Cristo nao era da mesma substancia do Pai (ojiootiaioc, “da mesma natureza”), mas, sim, de uma substancia similar(ojioiovaioc, “de natureza semelhante”). Esse “iota” grego faziatoda a diferenca entre um cristianismo biblico e um cristianismoforjado pela imaginacao do homem.622Desta premissa, como observa Kelly,523 decorrem quatro outras:1) O Filho e uma criatura; uma criatura perfeita, distinta da criacao,mas que veio a existencia pela vontade do Pai;2) Como criatura, o Filho teve um comeco. Logo, a afirmacaode que ele era co-eterno com o Pai implicaria na existencia de doisprincipios, o que assinalaria uma negacao do monoteismo;3) O Filho nao tem nenhuma comunhao substancial com o Pai.

Ele e uma criatura que recebeu o titulo de “Palavra” e “Sabedoria”de Deus porque participa da Palavra e Sabedoria essenciais;4) O Filho esta sujeito a mudancas e ao pecado, tendo podidocair como o diabo caiu, Contudo Deus, prevendo sua firmeza decarater, agiu preventivamente com sua graca.Ario e seus discipulos, buscando apoio em textos tais como Jo1.14; 3.16, 18; Cl 1.15; lJo 4.9, ensinavam que Deus o Pai criou oFilho primeiro, e, atraves do Filho, criou o Espirito, os homens e omundo; portanto: Jesus e o primogenito do Pai e o Espirito e o primogenitodo Filho. O Filho foi criado do nada; ele veio a existenciaantes da fundacao do mundo, mas nao e eterno, porque foi criado.Dai o “chavao” ariano: “Tempo houve em que ele nao existia.”624621 Vd. Samuel J. Mikolaski, Atanasio: In: Wilton M. Nelson, ed. ger. Diccionario deHistoria de la Eclesai, pp. 99-100.622 Vd. Wayne A. Grudem, Teologia Sistem.tica, pp. 179-180; P. Tillich, Hist.ria doPensamento Crist.o, pp. 73-74.623 Vd. J.N.D. Kelly, Doutrinas Centrais da F. Crist.: Origem e Desenvolvimento, pp.172-174.624 Cf. J.N.D. Kelly, Doutrinas Centrais da F. Crist.: Origem e Desenvolvimento, p. 173.VIII - A Unidade e a Necessidade das Duas Naturezas... 237Portanto, sendo o Filho criado, nao e Deus. Consequentemente,Jesus nao e da mesma essencia ou natureza do Pai. A atribuicao detitulos “Deus” e “Filho”, feita a Jesus, era apenas de cortesia, resultanteda graca.Quando perseguido em 321, Ario buscou ajuda em seu antigo epoderoso amigo, o bispo Eusebio de Nicomedia (t 342) - que batizariao imperador Constantino, moribundo em maio de 337 -, escrevendo:“Somos perseguidos porque afirmamos que o Filho temum inicio, enquanto que Deus e sem inicio (avotp%oc)”.625O historiador W. Walker resume a posicao de Ario:“Para Ario, Cristo era, na verdade, Deus, em certo sentido, mas umDeus inferior, de modo algum uno com o Pai em essencia ou eternidade.Na encarnacao, esse Logos entrou em um corpo humano, tomando o lugardo espirito racional humano.”626Tillich especula que “A vitoria do arianismo teria transformadoo cristianismo em apenas mais uma entre as religioes ja existentes.”627

rO Pai criou o Filho\ primeiro e através do] Filho criou o EspíritoSanto4.2.5. O ApolinarismoNome derivado de Apolinario, o jovem (c. 310-C.390), bispode Laodiceia na Siria (c. 360), tendo seus ensinamentos condenadosem varios Concilios: Alexandria (362) (aqui somente o apolinarismo,nao Apolinario; seu nome nao foi mencionado);628 Roma625 Ario a Eusebio, ln: Socrates Scholasticus, Ecclesiastical History, 1.5. NPNF2., Vol. 2,p. 3. Ver tambem: H. Bettenson, Documentos da Igreja Crist., p. 72 e Carlos IgnacioGonzalez, El Desarrollo Dogm.tico en los Conc.lios Cristologicos, p. 314.626 W. Walker, Hist.ria da Igreja Crist., Sao Paulo, ASTE, 1967, Vol. I, p. 158.627 p Tillich, Hist.ria do Pensamento Crist.o, p. 77.<l28 Cf. Herzog, Appolinarianism: In: Philip Schaff, ed. Religious Encyclopaedia: orD ictinnaryofBiblical, Historical, Doctrinal, and Practical Theology, Vol. I, p. 109.238 EU CREIO.(377)629 (Apolinario e o apolinarismo); Antioquia (378), no 2o ConcilioEcumenico de Constantinopla (381) (Apolinario e o apolinarismo).Atanasio (c 296-373) mais uma vez foi o campeao da ortodoxiado seculo IV, escrevendo contra esta heresia (371 ).630 Aindaque alguns apolinaristas voltassem a Igreja, Apolinario conseguiuadeptos que perseveram em seus ensinamentos;631 um de seus discipulos,Vitalis, fundou uma congregacao em Antioquia (375), sendosagrado bispo por Apolinario. “Os apolinarianos tiveram pelo menosum sinodo em 378, e ha evidencia no sentido de ter ocorrido umsegundo sinodo. Depois da morte de Apolinario, seus seguidoresdividiram-se em dois partidos, os vitalianos e os polemeanos ousinusiatos. Por volta de 420, os vitalianos ja estavam reunidos coma Igreja Grega. Pouco mais tarde, os sinusiatos fundiram-se no cismamonofisita.”632Devido a sua concep..o tricot.mica do homem, bem como seudesejo de preservar a divindade e a unipersonalidade de Cristo, terminoupor concebe-lo como sendo totalmente divino e apenas 2/3humano. Baseando-se supostamente em Jo 1.14, admitiu que Jesus

era uma unidade composta de elementos divinos e humanos; o Verbodivino teria assumido apenas a carne humana, nao toda a humanidade;desse modo Jesus, ainda que humano fisicamente, nao o erapsicologicamente.633Esta compreensao pode ser comparada com aideia de uma alma humana sendo implantada num leao; a perguntae: quem governaria quem? No caso, a alma humana governaria oleao em seu corpo.634A ideia de total humanidade envolvia o conceito de pecamino-619 Em 376 foi censurado pelo Papa Damaso I. Foi entao que Atanasio desenvolveu suaobra, Demonstra..o da Encarna..o Divina, firmando sua posicao.630 Cf. Herzog, Appolinarianism: ln: Philip Schaff, ed. Religious Encyclopaedia: or Dictionaryo f Biblical, Historical, Doctrinal, and Practical Theology, Vol. I, p. 109.01 Cf. Herzog, Appolinarianism: in: Philip Schaff, ed. Religious Encyclopaedia: or Dictionaryo f Biblical, Historical, Doctrinal, and Practical Theology, Vol. I, p. 109.632 V.L. Walter, Apolinarismo: ln: EHTIC., 1, p. 98.633 Vd. Millard J. Erickson, Introdu..o . Teologia Sistem.tica, Sao Paulo, Vida Nova,1997, p. 291.634 Vd. Loraine Boettner, Studies in Theology, p. 263.VIII - A Unidade e a Necessidade das Duas Naturezas. 239sidade, por isso sua tentativa de resguardar o Filho.635 Para ele, ohomem era constituido de Zco|ia (carne ou corpo); 4/,u%ri (almaanimal) e Ilveviia (alma racional). O Ilve-uiia e que torna o homemo que ele e. Aplicando estes conceitos a Jesus, Apolinariodizia que Jesus tinha Zco|ia e XF'U%YI iguais a de um homem comum;ja o nvEI>|ia fora substituido pelo Aoyoc; assim, Jesus possu.a umcorpo, uma alma, mas n.o possu.a um esp.rito humano.Kelly acentua que Apolinario deixa claro seu pensamento nasseguintes consideracoes:“A carne, por depender de algum outro principio de movimento e acao(qualquer que seja este principio) para se movimentar, nao e por si so umaentidade viva completa, mas, a fim de se tornar uma, entra em fusao comalguma outra coisa. Dessa maneira, ela se uniu ao principio celestial governante[isto e, o Logos] e fundiu-se com ele... Assim, a partir do movimentodo motor, foi composta uma unica entidade viva - nao duas entidades,nem uma unica composta de dois principios completos e automaticos.”636Assim, para Apolinario ha uma unica vida; uma perfeita fusaodo homem (carne) com o divino, sendo a carne de Jesus glorificada

pelo Logos, dai falar ele de “carne divina”, “carne de Deus”, “naturezaencarnada da Palavra divina”.637HOMEM JESUS CRISTOALMA RACIONALALMA ANIAAALCORPO635 Cf. Louis Berkhof, Hist.ria das Doutrinas Crist.s, p. 94.636 Apud J.N.D. Kelly, Doutrinas Centrais da F. Crist.: Origem e Desenvolvimento, p.220.07 Vd. J.N.D. Kelly, Doutrinas Centrais da F. Crist.: Origem e Desenvolvimento, pp.221- 222.240 EU CREIO.Os ensinamentos de Apolinario foram censurados por este fato:se o Logos nao tomou sobre si a integridade da natureza humana -estando toda ela afetada pelo pecado esta natureza nao poderiaser redimida, visto que aquilo que o Filho nao levou sobre si naopode ser alvo de sua redencao.6384.2.6. NestorianismoNome proveniente de Nestorio (380-451), Bispo de Constantinopla(428-431). Adversario voraz do arianismo, seu primeiro atooficial como patriarca foi incendiar uma capela ariana.639Nestorio, numa serie de sermoes proferidos em 428, combateuuma designacao popular dada a Maria de “ c e o t o k o c ” (“Mae deDeus”).640Esta formula seria usada pouco depois pelo Concilio deEfeso (431), alcunhada por Cirilo de Alexandria. O Concilio deEfeso utilizou esta expressao, nao como uma atribuicao de majestadea Maria,641 mas, sim, como reconhecimento de que o que delanasceu, por obra do Espirito Santo, era o Filho de Deus, o Deusencarnado desde a concepcao. Nestorio, por sua vez - fugindo doque considerava o extremo oposto, que dizia ser Maria “ocuOpoitOTOk o c ” (“Mae do homem”)642-, entendia que a expressao correta seria“ XpiaTOTOKOç” (“Mae de Cristo”), ou mesmo “0eo8o%oc” (“querecebe643 a Deus”), por considerar distintas as qualidades da divindadee da humanidade. Desse modo, aceitando sua posicao, podemosperceber logo de inicio o problema da encarnacao do Verbo: omenino que nasceu de Maria era Deus-Homem?638 Vd. Louis Berkhof, Hist.ria das Doutrinas Crist.s, pp. 94-95; Wayne A. Grudem,Teologia Sistem.tica, p. 458.639 Cf. H. Griffith, Nestorio, Nestorianismo: In: EHTIC., III, p. 18.

640 Cf. H. Griffith, Nestorio, Nestorianismo: In: EHTIC., III, p. 18.641 O que viria a acontecer por volta do sexto seculo, quando Maria comecaria a seradorada (cf. W.C.G. Proctor, Madre de Dios: In: E.F. Harrison, ed. Diccionario de Teologia,p. 325).642 Cf. Lorenzo Perrone, De Niceia (325) a Calcedonia (451): In: Giuseppe Alberingo,org. Hist.ria dos Conc.lios Ecum.nicos, Sao Paulo, Paulus, 1995, p. 74 (doravante, citadocomo HCE).643 Proveniente de “Ao^tl”, “recipiente”, “vasilha”, “deposito” [a palavra e usada no NTcom o sentido de “banquete” (*Lc 5.29; 14.13)].VIII - A Unidade e a Necessidade das Duas Naturezas... 241Nestorio, tentando refutar o eutiquianismo, ensinava (?)644queJesus Cristo era constitu.do de duas pessoas e duas naturezas. Sustentavaque cada uma das duas naturezas de Jesus tinha sua propriasubsistencia e personalidade; a uniao entre elas nao era ontologica,mas apenas moral, simpatica e afetiva.NESTORIANISMO: DUAS PESSOASE DUAS NATUREZASSeus ensinamentos foram rejeitados no Concilio de Efeso (431)e de Calcedonia (451). Ele foi mandado para um mosteiro em Antioquia,depois exilado (435/436) na distante cidade de Petra, na Arabia,e finalmente foi para o oasis de Upper, no Egito, onde passariao resto de seus dias.645O nestorianismo permaneceu na Persia, onde seus seguidoresestabeleceram um eficiente trabalho missionario que permitiu suaproliferacao na Arabia, india, Turquestao e China, espalhando-sepor diversas regioes da Asia. Ainda hoje sobrevive o nestorianismo644 Em 1895 descobriu-se na Siria um escrito de Nestorio, O Livro de Heraclides (publicadoem 1910) no qual ele ensina algo que vai justamente de encontro a heresia que supunhamque ele sustentava. Referindo-se a Cristo, Nestorio afirma que “o mesmo que e um eduplo”; ele tambem se dizia satisfeito com a Cristologia de Calcedonia. Na atualidade, osestudiosos estao divididos quanto a interpretacao de seu pensamento e, consequentemente,

se foi justo ou nao condena-lo (vd. H. Griffith, Nestorio, Nestorianismo: In: EHTIC., Vol.Ill, p. 19; J.N.D. Kelly, Doutrinas Centrais da F. Crist.: Origem e Desenvolvimento, pp.235-240; B. Hagllund, Hist.ria da Teologia, pp. 79-82; G.C. Berkouwer, A Pessoa deCristo, Sao Paulo, ASTE, 1964, p. 54; Wayne A. Grudem, Teologia Sistem.tica, pp. 458,469; Johannes Quasten, Patrology, 7“ ed. Westminster, Maryland, Christian Classics. INC.,1994, Vol. Ill, p. 516).645 Cf. Justo L. Gonzalez, A Era das Trevas, Sao Paulo, Vida Nova (Uma Historia Ilustradado Cristianismo), 1980-1988, p. 96; W, Moller, Nestorius: In: Philip Schaff, ed. ReligiousEncyclopaedia: or Dictionary o f Biblical, Historical, Doctrinal, and Practical Theology,Vol. II, p. 1630b.242 EU CREIO.(“Caldeus Uniatos”) na Mesopotamia, Persia e Siria, havendo umgrupo alinhado com a Igreja de Roma e outro independente (“IgrejaNestoriana Nao-Unida”).646 .4.2.7. EutiquianismoNome derivado de Eutico (= Eutiques, Eutiquio) (c.378-454),arquimadrita647 de um mosteiro em Constantinopla, discipulo deCirilo de Alexandria. Sua doutrina consiste numa reacao ao nestorianismo.Ele sustentou que a encarna..o . o resultado da fus.o dodivino com o humano em Jesus, sendo a natureza humana absorvidapela divina, ou que desta fusao surgisse uma nova substancia “hibrida”;648 um “terceiro tipo de natureza.”649 Assim, sua posicao envolviauma pessoa e uma natureza. Ele foi o fundador do “Monofi-^sismo”: Cristo tem uma unica natureza; a divina revestida de carnehumana. Observem que dentro desta perspectiva Jesus nao salvarianinguem, ja que ele nao seria verdadeiro homem nem verdadeiroDeus...EUTIQUIANISMO:646 Vd. mais detalhes em Nestorianos: ln: EBTF., IV, p. 489; Kenneth S. Latourette, Historiadei Cristianismo, 3a ed. Buenos Aires, Casa Bautista de Publicaciones, 1977, Vol. 1,pp. 218-219; Justo L. Gonzalez, A Era das Trevas, p. 116ss.

647 Arquimadrita significava, na Igreja oriental, o chefe de um ou mais mosteiros. O titulotambem se aplicava aos padres celibatarios de destaque.648 Cf. Millard J. Erickson, Introdu..o . Teologia Sistem.tica, p. 303.649 Wayne A. Grudem, Teologia Sistem.tica, p. 459.VIII - A Unidade e a Necessidade das Duas Naturezas. 243O eutiquianismo foi condenado no Sinodo Permanente de Constantinopla(22/11/448).650 Todavia, em outro Concilio, convocadopelo imperador Teodosio II (408-450), realizado em Efeso (08/449),Eutico foi reabilitado.651 Isso ocorreu a revelia do bispo de RomaLeao I, “o Grande”,652 que havia elaborado uma “Carta Dogm.tica”ou “Tomo”653( 13/06/449), combatendo a doutrina da naturezaunica de Cristo. Dioscoro, sucessor de Cirilo (t 444) como patriarcade Antioquia, foi quem presidiu este Concilio - com plenos poderesimperiais654-, impedindo inclusive que os tres legados do bispode Roma lessem sua “Carta Dogm.tica” perante o Concilio.655No entanto, dois anos depois, foi convocado o Concilio de Calcedonia(23/05/451 )656 pelo imperador Marciano, que casou-se comPulqueria [irma do imperador Teodosio II, falecido prematuramentenuma queda de cavalo (28/07/450)]. Calcedonia anulou a decisaode Efeso e o invalidou como Concilio verdadeiramente ecumenico,condenando o eutiquianismo, exilando Eutico e Dioscoro.Contudo, o eutiquianismo continuou vigorando como ensinamentogenuino na Igreja Egipcia.650 Lorenzo Perrone, Dc Niceia (325) a Calcedonia (451): In: HCE., p. 87. Quanto asarticulacoes politicas de Dioscoro, patriarca de Antioquia, neste Concilio, vd. Ibidem., p.88ss.; Justo L. Gonzalez, A Era das Trevas, p. 98.Vd. Lorenzo Perrone, De Niceia (325) a Calcedonia (451): ln: HCE., pp. 89-90.“ 2 Latourette diz que Leao I “foi um dos homens mais capazes que ja ocuparam o chamadotrono de Pedro” (Kenneth S. Latourette, Historia dei Cristianismo, 1, p. 220).653 Este “Tomo", que Berkhof chama de “um comp.ndio da cristologia ocidental”, contribuiriadecisivamente para a formulacao de Calcedonia (vd. Louis Berkhof, Hist.ria dasDoutrinas Crist.s, pp. 97-98). Do mesmo modo, declara Perrone: “O Tomus ad Flavianum

representa uma contribuicao decisiva para a solucao da questao cristologica, tal como tomaraforma na definicao de Calcedonia” (Lorenzo Perrone, De Niceia (325) a Calcedonia(451): In: HCE., p. 88). Boa parte deste “Tomo” encontra-se ln: H. Bettenson, Documentosda Igreja Crist., pp. 83-86.“ 4 Vd. Justo L. Gonzalez, A Era das Trevas, p. 98.655 Este Concilio seria conhecido na Historia como o “S.nodo dos Ladr.es”, alcunhadada por Leao, bispo de Roma, em carta dirigida a Pulqueria, irma do imperador TeodosioII, em 20/07/451. Isto porque sua decisao nao coincidia com a ortodoxia da Igreja, e tambemporque seu documento nao foi lido (vd. mais detalhes, In: J.N.D. Kelly, DoutrinasCentrais da F. Crist.: Origem e Desenvolvimento, pp. 249-252; Efeso, Concilios de: ln:EBTF., II, p. 289a; Justo L. Gonzalez, A Era das Trevas, pp. 98-99).656 O Concilio foi convocado primariamente para realizar-se em Niceia, todavia, em 22/09/451, transfere-o para Calcedonia (cf. Lorenzo Perrone, De Niceia (325) a Calcedonia(451): ln: HCE., p. 93).244 EU CREIO.4.3. A Posição Bíblico-ReformadaNa historia da Igreja houve dois Concilios que foram fundamentaispara definir a questao das duas naturezas de Cristo; o primeirodeles foi o de Niceia, reunido em 325, e o segundo - o maisimportante - foi o de Calcedonia, reunido de 8 a 31 de outubro de451, com a presenca de mais de 500 bispos e varios delegados papaisque, como de costume, o representavam. Calcedonia ratificouo Credo de Niceia (325) e o de Constantinopla (381). Seu objetivoera estabelecer uma unidade teologica na Igreja.Seu Credo foi rascunhado em 22 de outubro por uma comissaopresidida por Anatolio de Constantinopla (f 458), encontrando suaredacao final, possivelmente, na 5a Sessao, na quinta-feira de 25 deoutubro.657 Calcedonia rejeitou o nestorianismo (duas pessoas e duasnaturezas) e o eutiquianismo (uma pessoa e uma natureza), afirmandoque Jesus Cristo e uma Pessoa, sendo verdadeiro Deus everdadeiro homem (uma pessoa e duas naturezas). “....Calcedoniapronunciou-se nao so contra a separacao como contra a fusao”658 dasduas naturezas de Cristo. Todavia, a nocao de misterio esteve presente

nesta confissao, por isso ela nao tentou explicar o que as Escriturasnao esclareciam.659JESUS CRISTO: UMA PESSOA E DUAS NATUREZAS:651 Compare as informacoes de J.N.D. Kelly, Doutrinas Centrais da F. Crist.: Origem eDesenvolvimento, p. 257; P. Schaff, COC., I, p 29; Lorenzo Perrone, De Niceia (325) aCalcedonia (451): ln: HCE., pp. 97-98.658 G. C. Berkouwer, A Pessoa de Cristo, p. 55.659 Vd. G.C, Berkouwer, A Pessoa de Cristo, p. 67ss.; Cari E. Braaten, A Pessoa de JesusCristo: In: Cari E. Braaten & Robert W. Jenson, eds. Dogm.tica Crist., Sao Leopoldo, RS.Sinodal, 1990, Vol. I, p. 492.VIII - A Unidade e a Necessidade das Duas Naturezas. 245L. Berkhof (1873-1957) resume as “mais importantes implicacoes”da declaracao teologica de Calcedonia, como segue:6601) As propriedades de ambas as naturezas podem ser atribuidas a uma soPessoa, como, por exemplo, onisciencia e conhecimento limitado;2) Os sofrimentos do Deus-Homem podem ser reputados como real everdadeiramente infinitos, ao mesmo tempo que a natureza divina nao epassivel de sofrimento;3) E a divindade, e nao a humanidade, que constitui a raiz e a base dapersonalidade de Cristo;4) O Logos nao se uniu a um individuo distinto, e, sim, a natureza humana.Nao houve primeiro um homem ja existente com quem se teriaassociado a Segunda Pessoa da Deidade. A uniao foi efetuada com a substanciada humanidade no ventre da virgem.Um decreto ou uma declaracao teologica, por mais relevanteque seja, nao poe fim imediatamente a um sistema; a ortodoxia, porsua vez, nao e criada atraves de pronunciamentos oficiais, emborasaibamos que todos eles sejam necessarios e relevantes para norteara Igreja. Com isso estamos apenas querendo indicar que, do mesmomodo que Niceia nao colocou um ponto final na questao Trinitaria,Calcedonia nao determinou o fim dos problemas cristologicos. Comoja indicamos, as heresias permaneceram em diversas regioes, especialmentena Igreja Oriental.661 Contudo, Calcedonia se constitui nummarco decisorio na vida da Igreja, estabelecendo uma compreensaocristologica que, se nao e a final, e a que pode ser alcancada peloEspirito dentro da Revelacao. No entanto, a Palavra e a fonte detoda a genuina teologia, portanto, se Calcedonia estabeleceu balizas,

e gracas a Deus por isso, devemos permanecer sempre atentos a Palavrade Deus, a luz da qual nos e nossa teologia seremos julgados.660 Louis Berkhof, Hist.ria das Doutrinas Crist.s, p. 98. Esquema bem parecido podeser encontrado tambem em Charles Hodge, Systematic Theology, Grand Rapids, Michigan,Eerdmans, 1976 (reprinted), Vol. II, pp. 391-392.661 Alem das indicacoes ja feitas, vd. Louis Berkhof, Hist.ria das Doutrinas Crist.s, pp.99-102; J.N.D. Kelly, Doutrinas Centrais da F. Crist.: Origem e Desenvolvimento, p.258; B. Lohse, A F. Crist. Atrav.s dos S.culos, 2a ed. Sao Leopoldo, RS, Sinodal, 1981,pp. 101-106; P. Tillich, Hist.ria do Pensamento Crist.o, Sao Paulo, ASTE, 1988, p. 91ss.;J.L. Gonzalez, A Era das Trevas, p. 102ss.; Cari E. Braaten, A Pessoa de Jesus Cristo: In:Cari E. Braaten & Robert W. Jenson, eds. Dogm.tica Crist., Vol. I, p. 492ss.246 EU CREIO.Ainda que os Reformadores do seculo XVI tenham aceitado adecisao de Calcedonia, houve uma diferenca entre eles quanto aalguns detalhes que nao eram de somenos importancia, mas queescapam em muito ao escopo destas anotacoes.Calvino (1509-1564) foi o Reformador que mais de perto seguiuo pronunciamento de Calcedonia; ele escreveu:“Com efeito, que se diz o Verbo haver-Se feito carne (Jo 1.14), nao sedeve assim entender que se haja sido ele ou convertido cm carne, ou confusamentemisturado a carne; ao contrario, porque no ventre da Virgempara si escolheu um templo em que habitasse, e Aquele Que era o Filho deDeus Se fez o Filho do Homem, nao mediante confusao de substancia, masmerce de unidade de pessoa. Pois, na verdade, afirmamos ser a Divindadeassim associada e unida a humanidade que a cada natureza permaneca integralsua propriedade e, todavia, dessas duas constitua um Cristo unico.”662Tambem as Confissoes Reformadas seguiram a mesma interpretacaode Calcedonia, apresentando obviamente novas contribuicoesque esclareciam certas questoes da epoca.663A Confiss.o de Westminster (1647), a mais madura ConfissaoReformada, declara:“O Filho de Deus, a segunda Pessoa da Trindade, sendo verdadeiro e

eterno Deus, da mesma substancia do Pai e igual a ele, quando chegou ocumprimento do tempo, tomou sobre si a natureza humana com todas assuas propriedades essenciais e enfermidades comuns, contudo sem pecado,sendo concebido pelo poder do Espirito Santo no ventre da VirgemMaria, e da substancia dela. As duas naturezas, inteiras, perfeitas e distintas- a Divindade e a Humanidade - foram inseparavelmente unidas emuma so pessoa, sem conversao, composicao ou confusao; essa pessoa e verdadeiroDeus e verdadeiro homem, porem um so Cristo, o unico Mediadorentre Deus e o homem.” (Capitulo VIII.2)Do mesmo modo, o Catecismo Menor de Westminster (1647):“21. Quem e o Redentor dos eleitos de Deus?"“O unico Redentor dos eleitos de Deus e o Senhor Jesus Cristo, que, sen-662 J. Calvino, As Institutos, II. 14.1.661 Vejam-se, por exemplo; Catecismo de Heidelberg, Pergs. 35 e 48; A Segunda Confiss.oHelv.tica, Cap. XI; A Confiss.o Escocesa, Cap. VI; A Confiss.o Belga, Arts. 9, 10, 18, 19.VIII - A Unidade e a Necessidade das Duas Naturezas. 247do o etemo Filho de Deus, se fez homem, e assim foi e continua a ser Deuse homem em duas naturezas distintas, e uma so pessoa, para sempre”.664“22. Como Cristo, sendo o Filho de Deus, se fez homem?”“Cristo, o Filho de Deus, fez-se homem tomando um verdadeiro corpo euma alma racional, sendo concebido pelo poder do Espirito Santo no ventreda virgem Maria, e nascido dela, mas sem pecado” .6634.3.1. O Significado da Unipersonalidade de CristoCom esse nome, queremos dizer que Jesus Cristo mesmo, tendoduas naturezas, possuia apenas uma personalidade, a qual reuniaperfeitamente suas duas naturezas, sem haver fragmentacao em seucomportamento. Jesus Cristo sempre agiu como Deus-Homem.4.3.2. Evidências da Unipersonalidade de Cristo1) Jesus Cristo fala de si mesmo como uma unica pessoa; naohavendo o intercambio entre um “Eu” e um “Tu” entre as duas naturezas(Jo 17.1, 4, 5, 22, 23).2) Os pronomes pessoais atribuidos a ele sao sempre referentesa uma pessoa.3) Jesus Cristo e verdadeiro Deus e verdadeiro homem, nao havendouma preponderancia do divino sobre o humano nem do humanosobre o divino. Nao podemos falar biblicamente - como muitasvezes somos tentados a pensar - em Jesus agindo, pensando efalando como homem em alguns textos, e em outros como Deus.Jesus e o Verbo de Deus encarnado que vive, sofre, morre e ressuscita

como tal. Jesus Cristo nao tem personalidade fragmentada, sendoem alguns momentos Deus e em outros homem. Por isso, os atributosde sua divindade, bem como de sua humanidade, sao atribuidosa uma so Pessoa. Leia com atencao os seguintes textos:♦ Lc 1.43 - Mae do Senhor.♦ Lc 2.11 - Nasceu o Senhor.♦ Jo 3.13 - O Filho do Homem esta aqui e no ceu (vd. Jo1. 18; 6.62).664 Mesmo teor da Perg. 36 do Catecismo Maior.665 Mesmo teor da Perg. 37 do Catecismo Maior.248 EU CREIO.♦ At 3.15 - Mataram o Autor da vida.♦ At 20.28 - Sangue de Deus.♦ Rm 9.5 - Cristo, Deus bendito.♦ ICo 2.8 - Crucificaram o Senhor da Gloria.♦ G1 4.4 - O Filho foi enviado para nascer.♦ Hb 1.1-2 - O Filho e herdeiro de todas as coisas.♦ Cl 1.13-20 - “Nos libertou do imperio das trevas e nos transportoupara o reino do Filho de seu amor....Ele e a imagem do Deus invisivel.... havendofeito a paz pelo sangue de sua cruz....”.♦ Cl 2.8-9 - Em Cristo habita a plenitude da divindade.Alem dos textos citados, leia tambem: Mt 1.21; Lc 1.31-33;Fp 2.6-11, entre outros.4) Todos os que se referiam a Jesus Cristo faziam mencao deuma so pessoa (Mt 16.16; lJo 4.2).IMPLICAÇÕES DOUTRINÁRIAS E PRÁTICAS1) Nao podemos compreender exaustivamente esse assunto.Todavia, faremos bem em deixar que nossa mente e nosso coracaosejam guiados pela Palavra. Somente Deus, pela iluminacao doEspirito e atraves de sua Palavra, podera nos instruir a respeito de simesmo (leia SI 119.18; Jo 14.26; 16.13).6662) Deus deseja que o conhecamos, nao para nossa vaidade intelectual,mas, sim, para que o adoremos melhor.3) A natureza divina de Cristo nao foi humanizada, nem a naturezahumana foi divinizada. Jesus Cristo continuou sendo homemcom todas as suas propriedades nao pecaminosas, e continuou sendoDeus com todo o seu poder; porem, sem fazer uso necessario domesmo (Mt 26.53-54).4) A encarnacao tem sua origem na bondade de Deus; entretanto,ela se tornou necessaria devido ao nosso pecado. Todo o sofrimentode Jesus Cristo tem como causa motora seu eterno amor pelospecadores eleitos (Jo 3.16).

666 Veja-se tambem Confiss.o de Westminster, Cap. I.VIII - A Unidade e a Necessidade das Duas Naiurezas. 2495) “O grande amor de Deus para com a humanidade e demonstradopelo fato de o Filho de Deus nao ter vindo a terra como umanjo, e, sim, como homem - o homem Cristo Jesus - tendo naturezahumana como a nossa.”6676) A encarnacao jamais sera desfeita: Jesus Cristo permanecepara sempre verdadeiro homem e verdadeiro Deus.6687) “Todo aquele que ultrapassa a doutrina de Cristo, e nela n.opermanece, n.o tem Deus; o que permanece na doutrina, esse temassim o Pai como o Filho” (2Jo 9).8) Estamos convencidos de que a genuina piedade biblica(Eucrepeia)669 comeca pela compreensao correta do misterio de Cristo,conforme nos diz Paulo: “Evidentemente, grande . o mist.rio dapiedade: Aquele que foi manifestado na carne foi justificado emesp.rito, contemplado por anjos, pregado entre os gentios, crido nomundo, recebido na gl.ria” (ITm 3.16). Todo o conhecimento cristaodeve vir acompanhado de piedade: “Paulo, servo de Deus e ap.stolode Jesus Cristo, para promover a f. que . dos eleitos de Deus eo pleno conhecimento da verdade segundo a piedade” (Tt 1.1).Calvino comenta: “Ela [a doutrina] so sera consistente com apiedade se nos estabelecer no temor e no culto divino, se edificarnossa fe, se nos exercitar na paciencia e na humildade e em todos osdeveres do amor.”670 Portanto, devemos indagar sempre a respeitode doutrinas consideradas evangelicas, se elas, de fato, contribuempara a piedade. A ortodoxia genuina sera plena de vida e piedade.667 John Owen, A Gl.ria de Cristo, Sao Paulo, PES, 1989, p. 8.668 Vd. Wayne A. Grudem, Teologia Sistem.tica, p. 447.*At 3.12; ITm 2.2; 3.16; 4.7, 8; 6.3, 5, 6, 11; 2Tm 3.5; Tt 1.1; 2Pe 1.3, 6, 7; 3.11.670Joao Calvino, As Pastorais, Sao Paulo, Parakletos, 1998 (ITm 6.3), pp. 164-165. Emoutro lugar: “Visto que todos os questionamentos superfluos que nao se inclinam para aedificacao devem ser com toda razao suspeitos e mesmo detestados pelos cristaos piedosos,a unica recomendacao legitima da doutrina e que ela nos instrui na reverencia e no temor deDeus. E assim aprendemos que o homem que mais progride na piedade e tambem o melhordiscipulo de Cristo, e o unico homem que deve ser tido na conta de genuino teologo e aquele

que pode edificar a consciencia humana no temor de Deus” [Joao Calvino, As Pastorais (Tt1.1), p. 300],IX