15
A VALORIZAÇÃO DO GEOPATRIMÓNIO NO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DE ÁREAS RURAIS Maria Luísa Rodrigues e André Fonseca Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa (CEG-UL), Grupo de Investigação em Geodiversidade, Geoturismo e Património Geomorfológico (GEOPAGE) - FLUL, Alameda da Universidade, 1600-214 Lisboa, Portugal; [email protected] , [email protected] ; Comunicação apresentada no VII CIER – Cultura, Inovação e Território

A VALORIZAÇÃO DO GEOPATRIMÓNIO NO …sper.pt/oldsite/actas7cier/PFD/Tema II/2_14.pdf · importância de forças endógenas nas etapas de evolução da história da Terra. A segunda

  • Upload
    buikhue

  • View
    214

  • Download
    1

Embed Size (px)

Citation preview

 

 

A VALORIZAÇÃO DO GEOPATRIMÓNIO NO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DE ÁREAS RURAIS

Maria Luísa Rodrigues e André Fonseca

Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa (CEG-UL), Grupo de Investigação em Geodiversidade, Geoturismo e Património Geomorfológico (GEOPAGE) - FLUL, Alameda da Universidade, 1600-214 Lisboa, Portugal; [email protected], [email protected]

 

 

 

 

 

 

Comunicação apresentada no VII CIER – Cultura, Inovação e Território 

Resumo 

O conceito de Geopatrimónio, como equivalente do termo inglês “Geoheritage”, tem de ser entendido como o conjunto de valores que representam a Geodiversidade do território. Nos últimos anos a maior parte do esforço desenvolvido no âmbito da conservação da natureza tem sido dirigido aos valores associados com a Biodiversidade, esquecendo a base em que assenta – a geodiversidade.

O património geomorfológico, integrado no Geopatrimónio (tal como o património geológico, o património hidrológico, pedológico ou outros), é constituído pelo conjunto dos elementos geomorfológicos que devem ser sujeitos a medidas de geoconservação e de divulgação, pelo valor intrínseco que encerram. Estes elementos geomorfológicos são constituídos por paisagens e geossítios de carácter geomorfológico – os geomorfossítios (equivalente do termo “geomorphosites” introduzido na literatura internacional por Panizza e Piacente, 2005).

Na comunicação será desenvolvida a importância que a avaliação e promoção do geopatrimónio reveste numa estratégia integrada de desenvolvimento sustentável das áreas rurais.

Palavras-chave: geopatrimónio, geodiversidade, geossítios, geomorfossítios, património geomorfológico, desenvolvimento sustentável, áreas rurais.

1 - Introdução

Um documento fundamental relacionado com o reconhecimento do importante papel desempenhado pela conservação do património geológico e geomorfológico na manutenção de muitas paisagens europeias é a Recomendação elaborada pelo Conselho da Europa em 2004 (Rec 2004, 3).

Neste documento reconhece-se que a Geologia e a Geomorfologia, enquanto Ciências da Terra, descrevem a história e as formas do nosso planeta. “Geology helps us to understand this history in terms of how the face of the planet has changed over time, as traced via the evidence of rocks, sediments in all forms, fossils and minerals that reveal past climates, environments, mountain construction, and continent movement. Geomorphology interprets the landforms we see today – deserts, glaciers, coastlines and others – and the conditions under which they were formed, and also provides a record of the recent past and current processes operating on our planet”.

Para a conservação dos valores geológicos e geomorfológicos, ou, de forma mais curta, para a Geoconservação, têm contribuído todos os programas, convenções ou projectos que procuram identificar áreas ou sítios (sites) de interesse geológico ou geomorfológico. Estas iniciativas pretendem esclarecer e educar a população relativamente ao valor destes sítios e desenvolver planos ou estratégias de ordenamento que contribuam não só para a sua conservação mas também para a sua promoção. Estes sítios, ou mais apropriadamente, estes geossítios (geosites) são objecto de um programa da IUGS (International Union of Geological Sciences) que, desde 1996, procura seleccionar e documentar os locais que, dos pontos de vista geológico e geomorfológico, possuem uma

importância internacional e regional em termos europeus. O programa GEOSITES é promovido pela ProGEO (European Association for the Conservation of the Geological Heritage).

A nível europeu deve salientar-se também a Convenção Europeia sobre a Paisagem, cujos objectivos são promover a protecção, ordenamento e gestão da paisagem, organisando a cooperação europeia nestes domínios. Para atingir estes objectivos é considerado que “geological and geomorphological features form the structural framework for all landscapes, and are essential characteristics of landscapes that need to be considered when applying the Landscape Convention”.

A nível mundial deve reconhecer-se, contudo, o papel desempenhado pela UNESCO na conservação do património cultural e natural. De facto a World Heritage Convention (Convenção do Património Mundial), adoptada em 1972, tem como objectivo a Protecção do Património Cultural e Natural Mundial, tentando identificar todos os conjuntos culturais e naturais de "outstanding universal value" (valor universal excepcional), com a sua inclusão na World Heritage List (Lista do Património Mundial). A Convenção do Património Mundial define património natural (natural heritage): características naturais compostas por formações ou grupos de formações físicas e biológicas de valor universal excepcional dos pontos de vista estético ou científico; formações geológicas e fisiográficas e áreas perfeitamente delimitadas que constituem o habitat de espécies ameaçadas de animais ou vegetais de valor universal excepcional dos pontos de vista da ciência ou conservação; sítios naturais ou áreas perfeitamente delimitadas de valor universal excepcional dos pontos de vista da ciência, conservação ou beleza natural.

A Convenção do Património Mundial permite, assim, o reconhecimento de um vasto conjunto de fenómenos geológicos e geomorfológicos, incluindo as suas relações com os valores culturais e naturais ao nível da paisagem.

Com base na Recomendação 2004 (3) do Conselho da Europa foi elaborado um Manifesto Europeu sobre “Earth Heritage and Geodiversity”, assinado por diversas entidades tais como a EFG (European Federation of Geologists), a IAG (International Association of Geomorphology), a IGU (International Geographical Union) ou a IUSS (International Union of Soil Sciences), onde se afirma que a “Geodiversity links the Earth, its people and their culture. It forms the basis of the European society. Earth heritage including landscapes, landforms, rocks, sediments, soils, minerals, fossils and waters, is an essential part of Europe’s natural heritage; a geological, geomorphological and soil heritage that needs to be safe-guarded for present and future generations”. Para além disso, reconhece-se no Manifesto, que a “Geodiversity offer potential for sustainable tourism, education and landscape appreciation”, (…) e que “landforms, patterns and earth heritage sites contribute to the character of rural areas and cities, and help create a living space and environment of high quality”.

2 - Conceitos

Com base no contexto definido na breve introdução acima apresentada pretende-se neste ponto definir alguns conceitos relacionados com o Património Natural, formado conjuntamente pelo Património Natural Abiótico e pelo Património Natural Biológico, a Geodiversidade e o Geopatrimónio.

A Geodiversidade pode ser encarada como “a variedade de ambientes geológicos e geomorfológicos considerados como a base para a diversidade biológica da Terra” (Panizza, 2007). Contudo, de forma mais exaustiva, pode entender-se a Geodiversidade como o conjunto dos elementos naturais (geológicos, geomorfológicos, pedológicos, hidrológicos, cénicos, etc.) existentes num determinado espaço. Assim, quanto maior for a variedade destes elementos presente numa dada área, maior será a geodiversidade aí patente.

De acordo com este conceito a Geodiversidade (tal como a Biodiversidade), pode ser avaliada de forma quantitativa (para além das análises qualitativas), uma vez que é possível analisar quer a variedade tipológica (número dos diferentes tipos de elementos naturais existentes num determinado espaço), quer a quantidade relativa de cada tipo de elementos naturais, identificando os elementos predominantes e determinando as características que atribuem originalidade e especificidade a cada paisagem.

Desta forma, o conceito de Geodiversidade está estreitamente relacionado com aquilo que se pode entender como o Património Natural Abiótico. Esta designação (Natural Abiotic Heritage) foi introduzida na bibliografia por comparação com a designação de Património Natural Biológico (Natural Biologic Heritage) ligado, por sua vez, ao conceito de Biodiversidade. O património abiótico foi definido pela negativa, isto é, foi considerado como o conjunto de todos os valores patrimoniais não biológicos.

Com o objectivo de designar estes valores pela positiva podem encontrar-se na literatura científica dois tipos de posicionamentos. Uma posição que se pode considerar restritiva, uma vez que designa aqueles valores abióticos exclusivamento como Património Geológico; uma posição que tenta incluir todos os valores patrimoniais abióticos, tais como os geológicos, geomorfológicos, pedológicos ou hidrológicos (discriminando mesmo alguns destes, como são o caso dos patrimónios paleontológico, sedimentológico, mineralógico ou outros), mas que por comodidade acaba normalmente por só rererir os mais importantes, isto é, os patrimónios geológico e geomorfológico.

Quanto à primeira posição referida, a que reduz o Património Natural Abiótico apenas ao Património Geológico, não nos parece uma opção acertada. Como já se aflorou no ponto introdutório, a Geomorfologia é uma Ciência da Terra independente da Geologia (embora os seus estudos tenham sofrido uma expansão mais recente), sendo praticada por investigadores com formações académicas de base muito diversas como é o caso dos geógrafos, dos geólogos, dos geotécnicos, dos hidrólogos, dos oceanógrafos e muitos outros.

Realmente os estudos de Geomorfologia e de Geologia, tal como os fundamentos das duas ciências, estão claramente definidos desde há muito. Sem nos pretendermos alongar nesta matéria, podemos acentuar que a linha de demarcação entre as duas pode ser colocada conceptualmente no facto da Geomorfologia se ocupar do conjunto de superfície terrestre relacionado com o relevo actualmente observável, enquanto a Geologia se relaciona com relevos antigos já completamente obliterados pelos processos erosivos, ou seja, apenas observáveis através da deformação dos materiais rochosos.

Segundo Mario Panizza (eminente geomorfólogo com formação de base em geologia e ex-presidente da IAG) a separação entre Geomorfologia e Geologia não é baseada sequer num critério cronológico, uma vez que depósitos da mesma idade podem caber em diferentes categorias: um depósito morénico entra na esfera da investigação geomorfológica ligada ao estudo de um glaciar que ocupa ou ocupava um vale glaciário bem marcado na paisagem actual; um sedimento marinho, igualmente quaternário, correlativo de um nível do mar mais elevado que o actual, será objecto de uma análise geológica que se debruce sobre o afloramento do ponto de vista sedimentalógico e cronológico. Contudo, as paisagens do passado, objecto de reconstituições paleogeográficas, são frequentemente mais antigas que os relevos visíveis na superfície terrestre sujeitos a estudos geomorfológicos que tentam reconstituir os processos de evolução que sofreram, a sua dinâmica geomorfológica actual e, em função da informação recolhida, os processos que se vão desencadear no futuro, englobando a componente de previsão geomorfológica fundamental para um correcto ordenamento territorial.

Assim, a Geologia e a Geomorfologia, no contexto das Ciências da Terra, contribuem com conhecimentos complementares através de métodos de abordagem científica diferenciados; o método geomorfológico procura sempre uma relação lógica, uma explicação, uma relação de causa e efeito entre, por exemplo, um afloramento rochoso e a paisagem circundante; o método geológico analisa o afloramento rochoso nas suas relações com outros afloramentos circundantes, tentando uma síntese paleogeográfica a partir das características estratigráficas, sedimentológicas, paleontológicas, petrográficas, etc, colocando esse afloramento no contexto da sua história geológica.

Assim como os conceitos, métodos e objecto da Geomorfologia e da Geologia são diversos, também o Património Geomorfológico e o Património Geológico são constituídos por elementos diferentes.

Fazem parte do Património Geomorfológico todas as formas de relevo actuais, enquanto elementos individuais, bem como as paisagens actuais que aquelas formas dão lugar. Fazem também parte do Património Geomorfológico os depósitos correlativos da evolução passada e presente do relevo actualmente existente na superfície terrestre. É de notar que a superfície terrestre actual se compõe de formas e depósitos emersos e submersos.

Fazem parte do Património Geológico todas as evidências de antigos relevos que compõem a história geológica passada da Terra. Estas evidências são compostas, por exemplo, por elementos estudados pela Paleontologia, com particular realce para os fósseis que auxiliam a datação dos materiais rochosos, pela sedimentologia, petrografia ou mineralogia, salientando-se a necessidade de

preservar afloramentos com particular interesse científico e didáctico, ou pela tectónica que esclarece a importância de forças endógenas nas etapas de evolução da história da Terra.

A segunda posição referida reduz, frequentemente, o Património Natural Abiótico ao conjunto dos Patrimónios Geológico e Geomorfológico. Também não nos parece a atitude mais correcta. Como referimos existem outros ramos científicos que também contribuem para o estudo da superfície terrestre e, como tal, se dedicam à identificação e conservação de valores patrimoniais abióticos. Tal é o caso, por exemplo, da Pedologia, da Hidrologia ou da Oceanografia, que fornecem inestimáveis conhecimentos sobre o funcionamento dos mecanismos naturais do nosso planeta e, como tal, sobre os valores que devem ser preservados no conjunto do património natural abiótico.

Assim como foi adoptado o termo Geoconservação para designar todo o conjunto de valores patrimoniais abióticos que devem ser objecto de medidas de conservação e preservação, propõe-se que se utilize o termo Geopatrimónio, como sinónimo de Património Natural Abiótico.

O conceito de Geopatrimónio, como equivalente do termo inglês Geoheritage, tem de ser entendido como o conjunto de valores que representam a Geodiversidade do território. Será, assim, constituído por todo o conjunto de elementos naturais abióticos existentes à superfície da Terra (emersos ou submersos) que devem ser preservados devido ao seu valor patrimonial. Nesta definição pela positiva, o Geopatrimónio inclui o Património Geológico, o Património Geomorfológico, o Património Hidrológico, o Património Pedológico e outros já referidos.

Neste sentido o Geopatrimónio terá de ser identificado, avaliado, classificado e integrado no conjunto patrimonial de uma região ou território. Contribui, assim, de forma decisiva para o estabelecimento do Património Natural (geopatrimónio e património biológico), Cultural e Misto que deverá ser objecto de sua valorização num modelo global de promoção de áreas que preservam um património natural particularmente rico, como é o caso de muitas áreas rurais portuguesas.

Nestas áreas rurais a preservação do Geopatrimónio contribui, de forma inequívoca, para a sustentabilidade ambiental. De facto, os modelos de desenvolvimento sustentável a implementar nas áreas rurais devem incluir a preservação e promoção do Geopatrimónio, garantindo a qualidade cénica, científica e didáctica das paisagens e das formas de relevo e outros elementos patrimoniais que as compõem. Este objectivo é tanto mais importante quanto se deve ter em consideração não apenas o valor ambiental deste património, como também o seu valor económico. A promoção e exploração sustentada deste recurso natural é, por exemplo, um dos objectivos do Geoturismo.

As regiões rurais ibéricas são, no conjunto da Europa Ocidental, das que possuem um conjunto de valores patrimoniais naturais mais vasto e melhor conservado. Mas esta mais-valia só será efectivamente capitalizada em termos de desenvolvimento quando for integrada de forma consciente e planificada nas estratégias de ordenamento dos espaços rurais.

Cabe à contribuição científica identificar e caracterizar o Geopatrimónio susceptível de ser integrado nos planos de ordenamento do território, sem deixar de apontar as suas vulnerabilidades e as situações de risco potencial que podem ocorrer quando o seu uso não for devidamente acautelado e regulamentado.

3 - Aplicação

Nos últimos anos diversos investigadores têm vindo a contribuir com metodologias de avaliação do Geopatrimónio (Panizza & Piacente, 1993 e 2003; Grandgirard & Szepesi, 1997; Cendrero, 1996 e 2000; Reis, 2000; Reis & Henriques, 2005; Coratza & Reynard, 2005; Reynard, 2005a, 2005b; Brilha 2005, Reynard, 2007). No presente trabalho propõe-se a apresentação de alguns resultados obtidos no decorrer do levantamento prévio do Geopatrimónio, na sua vertente geomorfológica, da Paisagem Protegida da Serra de Montejunto.

De acordo com o Decreto-Lei nº 19/93 de 23 de Janeiro, as Paisagens Protegidas do território Português correspondem a áreas “com paisagens naturais, semi-naturais e humanizadas, de interesse regional ou local, resultantes da interacção harmoniosa do homem e da Natureza que evidencia grande valor estético ou natural”. O maciço de Montejunto, inserido na rede de espaços protegidos, é um perfeito exemplo desta afirmação, na medida em que reflecte a relação de proximidade entre a ocupação rural e os espaços naturais ou semi-naturais envolventes.

No entanto, a exclusão do geopatrimónio das directivas de preservação, faz com que determinados sectores, que apresentam características geomorfológicas únicas no contexto do maciço, sofram da falta de estudos de ordem científica ou medidas de geoconservação. Um dos exemplos mais interessantes surge na fachada ocidental da Serra de Montejunto, associado a um afloramento de rocha cristalina, onde se observam todo um conjunto de micro e meso formas graníticas – o geomorfossítio do Penedo dos Ovos (fig. 1).

Figura 1 – Mapa hipsométrico e enquadramento da área de estudo.

3.1 – Geomorfossítio do Penedo dos Ovos: contextualização geomorfológica

O maciço de Montejunto, situada no bordo oriental da Orla Mesocenozoica Ocidental,

destaca-se vigorosamente da paisagem circundante, atingindo uma altitude máxima de 658 metros no

topo da anticlinal serra. Talhada em formações calcárias e margosas do Jurássico médio e superior,

esta corresponde ao prolongamento para sul do Maciço Calcário Estremenho.

O sector ocidental do maciço é caracterizado pela dobra anticlinal dissimétrica de Montejunto

com imponente expressão na morfologia. O topo do relevo é talhado nos materiais calco-margosos da

formação de Montejunto, transitando a sul para o complexo margoso da Abadia, onde Memple (1952)

distingue três formações sucessivas: a formação inferior, caracterizada por um grés granítico e

conglomerático, com espessas intercalações argilosas e margosas, assente directamente sobre a

formação de Montejunto; a formação intermédia, representada por argilas cinzentas muito arenosas,

com intercalações calcárias e conglomeráticas muito desenvolvidas, passando a recifes calcários na

base da assentada; a formação superior, composta por argilas margosas com intercalações arenosas e

calco-gresosas, aflorante nas imediações de Vila Verde dos Francos.

De facto, a intercalação granítica da formação inferior, por apresentar uma estratificação bem

definida (fig. 3 – 6), não poderá ser conotada como uma rocha granítica pura, mas antes como uma

rocha sedimentar resultante da erosão de uma litologia granítica (o que não deixa de ter importantes

implicações paleogeográficas). No entanto, por uma questão de comodidade, utilizaremos os termos

“granito” e “granítico” no decorrer do presente artigo, para nos referirmos aos afloramentos

granitoides da Serra de Montejunto.

Apesar da intercalação granítica se estender ao longo da fachada sudoeste de Montejunto, as

formas de meteorização encontram-se apenas na portela a oeste do Penedo dos Ovos e Convento da

Visitação (por se encontrarem pouco desenvolvidas apenas serão apresentadas as do primeiro

exemplo) (fig. 1). No sector do Penedo do Penedo dos Ovos observam-se cinco pequenos

afloramentos graníticos (altura máxima de 3m), com orientação NW-SE, caracterizados por uma

alternância de leitos finos e grosseiros, francamente conglomeráticos, com esparsas intercalações de

núcleos ferruginosos (Fonseca et al., em preparação). Estes afloramentos constituem um rebordo

estrutural descontínuo, associado à degradação do nível erosivo existente à cota dos 340 metros de

altitude, estabelecido no contacto com as bancadas argilosas e margosas da formação da Abadia

(fig. 2).

As formas de meteorização de micro e mesoescala, observáveis no topo e fachada dos

afloramentos, podem ser divididas em dois grupos, que nos reportam para a sua evolução genética. Em

primeiro lugar encontramos as formas endógenas, que se desenvolvem aproveitando a diferença de

resistência entre os diferentes leitos: tafoni e flared slope (fig. 3 – 1, 2 e 4). Em segundo lugar

encontramos as formas exógenas, que se relacionam com uma etapa de evolução subedáfica, que se

traduz na criação pias de fundo plano. Estas evoluem posteriormente por meteorização subaérea,

resultante da acumulação de água da chuva e de pequenas mudanças do nível de base, desenvolvendo

pias embutidas de perfil complexo (armchair shaped hollow) (fig. 3 – 5), associadas a canais de

escoamento ou regueiras desenvolvidas ao longo das linhas de fractura ou de maior declive (Fonseca

et al., em preparação).

3.2 – Património Geológico, Geomorfológico e Cultural

Tendo em conta que a litologia dominante no Maciço de Montejunto é de natureza calcária,

encontramos todo um conjunto de formas de dissolução de pequena e grande escala (lapiás, dolinas,

uvalas), típicas das áreas cársicas da Orla Ocidental portuguesa. A presença de uma intercalação

granítica no seio da formação da Abadia, quebrando a monotonia litológica, permite o

Figura 2 –Mapa Geomorfológico do Geomorfossítio do Penedo dos Ovos, Serra de Montejunto, escala

1:5 000. Legenda: 1 - Falha; 2 - Atitude da estratificação; 3 - Limite de formação ou depósito de cobertura;

4 - Calcários corálicos de Montejunto; 5 - Argilas e margas da Formação da Abadia; 6 - Intercalação

granítica do horizonte superior da formação da Abadia; 7 - Afloramento granítico com desenvolvimento de

micro e meso formas de meteorização; 8 - Rebordo estrutural; 9 - Escarpa de linha de falha; 10 - Nível

erosivo; 11 - Deslizamento translacional superficial; 12 - Sulco (rill); 13 - Escoamento difuso elementar;

14 - Barranco; 15 - Coluvião (argila e areia grosseira de alteração) ; 16 - Moinho; 17 - Estrada de terra

batida / Caminho de pé posto.

desenvolvimento de micro e meso formas de meteorização, semelhantes àquelas apenas encontradas

nas serras graníticas do Maciço Antigo.

Este afloramento granítico é um bom exemplo de Património Geológico e de Património

Geomorfológico, tal como estes conceitos foram definidos no ponto 2 do presente artigo.

De facto, a intercalação granítica mais ou menos extensa, representada na fig. 2 (símbolo 6),

pertence claramente à categoria de Património Geológico, uma vez que poderá contribuir para o

conhecimento da evolução da história (paleogeográfica) do Maciço de Montejunto e áreas adjacentes.

Isto é, para a compreensão de uma fase erosiva antiga de materiais graníticos, localizada

temporalmente numa etapa inicial da sedimentação da formação da Abadia, há aproximadamente 150

milhões de anos.

No entanto, nos locais onde as bancadas granitoides afloram e mostram todo um conjunto de

formas (de conjunto e de pormenor) que permitem o estudo geomorfológico das etapas de evolução

recente e actual do relevo, isto é, nesses locais aflorantes (fig. 2, símbolo 7), estamos em presença de

Património Geomorfológico.

No conjunto, todas as intercalações graníticas existentes na Serra de Montejunto devem ser

classificadas como Geopatrimónio.

O Geomorfossítio do Penedo dos Ovos constitui, sem sombra de dúvida, um elemento único

no contexto geomorfológico do Maciço de Montejunto, e possivelmente da Orla Ocidental, encerrando

um enorme potencial científico e didáctico pela possibilidade de observação de formas típicas de áreas

graníticas, na proximidade de um conjunto litológico calcário e margoso.

No entanto, para além do valor científico e didáctico enquanto geopatrimónio, é possível

atribuir-lhe um valor adicional, que nos reporta para a ocupação humana da Serra no início do século

XX, contribuindo para o conhecimento e valorização do património natural e cultural de Montejunto.

De facto, um dos elementos que caracteriza a paisagem de Montejunto é a elevada

concentração de moinhos de vento, que nos remetem para um passado recente onde a profissão de

moleiro ainda desempenhava um papel de relevo na sociedade rural. Com a mecanização da moagem

de cereais e o abandono das terras no decorrer do século XX, esta peça de arquitectura rural ficou há

mercê da erosão do tempo. Nos últimos 10 anos, iniciativas locais têm vindo a promover a sua

reabilitação, por reconhecerem que estes desempenham um papel importantíssimo na divulgação e

valoração do património cultural e histórico da região.

Numa área onde domina a litologia calcária, é natural observar-se que as mós utilizadas nos

moinhos, após a sua reabilitação, tenham sido extraídas das pedreiras calcárias existentes da base

nordeste da Serra. No entanto, percorrendo os moinhos mais antigos, ainda abandonados, observamos

que algumas das mós são de facto talhadas nas bancadas graníticas. Tal leva-nos a crer que,

aproveitando um recurso mais próximo, os moleiros da Serra davam preferência à extracção das suas

mós dos leitos graníticos mais resistentes. Este facto levou-nos a percorrer toda a extensão do

afloramento ao longo da fachada sul da Serra, tendo-se encontrado evidências de extracção bem como

mós abandonadas (fig. 3 – 3).

Assim, para além do valor intrínseco das formas e dos afloramentos graníticos, é de extrema

importância estabelecer a sua relação aos usos, histórias ou lendas do passado, servindo de garantia

adicional à sua preservação.

3.3 - Ameaças e uso

Quando falamos de ameaças ao património biótico, raramente nos ocorre que por via da inter-

relação dos elementos que compõem o património natural, estamos igualmente a falar de ameaças ao

Geopatrimónio. No caso particular de Montejunto, um dos principais factores de ameaça resulta das

práticas agro-florestais, das quais se destaca a plantação de eucalipto, responsáveis pela destruição de

habitats por via do cultivo, uso de maquinaria pesada e aumento do risco de incêndio.

1 2

4 5

Figura 3 - Afloramentos graníticos do Penedo dos Ovos. 1 - Tafoni; 2 - Tafoni, sulcos e flared slope; 3 - Mó granítica abandonada (indicada na fotografia) e entulho da extracção; 4 - Flared slope; 5 - Pias embutidas; 6 - Pormenor da estratificação.

Toda a área envolvente do Geomorfossítio encontra-se actualmente coberta por plantações de

eucalipto. Se não forem tomadas as devidas medidas de valorização e protecção deste sector,

poderemos observar num futuro próximo a destruição parcial do património e da qualidade

paisagística aqui existente.

No entanto, o Geomorfossítio do Penedo dos Ovos apresenta igualmente um elevado potencial

para a prática de bouldering (desporto derivado da escalada em rocha, que tal como o nome indica, é

praticado em pequenos blocos ou escarpas de pequena dimensão, não necessitando do uso de corda ou

material de segurança), tendo vindo a ser abertas nos últimos meses, inúmeras vias de grau de

dificuldade variado. Usufruindo da altura reduzida e variedade de afloramentos, da sua exposição a sul

e beleza intrínseca deste local, estes poderão corresponder a uma boa alternativa para os escaladores

de Montejunto, após um dia de “trabalho” nas escarpas calcárias do Maciço.

Sob o ponto de vista da geoconservação, a prática de bouldering, não constituindo qualquer

ameaça para afloramentos e formas graníticas de Montejunto, tem como mais valia o desenvolvimento

da fachada sudoeste da Serra, por via de uma prática desportiva sustentável (fig. 4).

4 - Conclusão

A Geodiversidade pode ser encarada como “a variedade de ambientes geológicos e

geomorfológicos considerados como a base para a diversidade biológica da Terra” (Panizza, 2007).

Contudo, de forma mais exaustiva, pode entender-se a Geodiversidade como o conjunto dos elementos

naturais (geológicos, geomorfológicos, pedológicos, hidrológicos, cénicos, etc.) existentes num

determinado espaço. Assim, quanto maior for a variedade destes elementos presente numa dada área,

maior será a geodiversidade aí patente.

Figura 4 – Abertura de vias para a prática de bouldering no afloramento granítico do Penedo dos Ovos (Agosto, 2008).

De acordo com este conceito a Geodiversidade (tal como a Biodiversidade), pode ser avaliada

de forma quantitativa (para além das análises qualitativas), uma vez que é possível analisar quer a

variedade tipológica (número dos diferentes tipos de elementos naturais existentes num determinado

espaço), quer a quantidade relativa de cada tipo de elementos naturais, identificando os elementos

predominantes e determinando as características que atribuem originalidade e especificidade a cada

paisagem.

O Geopatrimónio será, por sua vez, constituído por todo o conjunto de elementos naturais

abióticos existentes à superfície da Terra (emersos ou submersos) que devem ser preservados devido

ao seu valor patrimonial.

Neste sentido o Geopatrimónio terá de ser identificado, avaliado, classificado e integrado no

conjunto patrimonial de uma região ou território (com o património natural – geopatrimónio e

património biológico, bem como com os patrimónios cultural e misto), com o objectivo da sua

valorização num modelo global de promoção de áreas que preservam um património natural

particularmente rico, como é o caso de muitas áreas rurais portuguesas.

O exemplo apresentado da Serra de Montejunto – o geomorfossítio do Penedo dos Ovos – serve não só para ilustrar a diferença entre os conceitos de Património Geológico e de Património Geomorfológico, como também para mostrar como o Geopatrimónio se pode relacionar com o Património Cultural. Esta relação, tão frequente nas áreas rurais, é importante no desenvolvimento de modelos de desenvolvimento sustentado destas áreas e pode ser integrada no conceito emergente de Geoturismo.

Bibliografia

Alves, A.; Rodrigues, M.L. (2008). Geosites in Arrábida Natural Park. A preliminary approach.

Workshop Abstracts “Mapping Geoheritage”, Lausanne, 28.

Brilha, J. (2005). Património Geológico e Geoconservação. A Conservação da Natureza na sua

vertente Geológica. Palimage Editores, Viseu.

Cendrero, A. (1996). Propuesta sobre criterios para la clasificación y catalogación del património

geológico. El patrimonio geológico. Bases para su valoración, protección, conservación y utilización,

Centro de Publicaciones, Min. de Obras Publicas, Transportes y Medio Ambiente, Madrid, 29-38.

Cendrero, A. (2000). Patrimonio Geológico; diagnóstico, clasificación y valoración. Jornadas sobre

Patrimonio Geológico y Desarrollo Sostenible, Min. de Medio Ambiente, Serie Monografías, 23-37.

Conselho da Europa (2004). Recommendation Rec (2004) 3 on conservation of the geological heritage

and areas of special geological interest, 883rd meeting of the Ministers’ Deputies.

Coratza, P.; Reynard, E. (2005). Assessing, mapping and protecting geomorphosites: a Working

Group of the International Association of Geomorphologists (IAG). IV International Symposium

ProGEO Abstracts on the Conservation of the Geological Heritage, University of Minho, Braga, 9.

Fernandes, A.; Rodrigues, M.L. (2008). Geoheritage in th Sintra municipality. Workshop Abstracts

“Mapping Geoheritage”, Lausanne, 9.

Fonseca, A.; Faria, L.; Vidal Romani, J.R.; Rodrigues, M.L. (em preparação). Controlo estrutural no

desenvolvimento de formas graníticas – Caso de Estudo do Penedo dos Ovos, Montejunto.

Fonseca, A.; Rodrigues, M.L. (2008). Geotouristic map of the Montejunto Protected Landscape. An

example of a limestone massif - Portugal. Workshop Abstracts “Mapping Geoheritage”, Lausanne,

16.

Grandgirard, V.; Szepesi, A. (1997). Geomorphology and Management of Natural Heritage (the

Protection of the Geotopes, a New Task in Geomorphology). Noosfera, 3: 59-65.

Panizza M.; Piacente, S. (1993). Geomorphological Assets Evaluation. Zeitschrift fur

Geomorphologie. Suppl. Bd. 87: 13-18.

Panizza, M.; Piacente, S. (2003). Geomorfologia Culturale. Bologna, Pitagora Editrice.

Panizza, M.; Piacente, S. (2005). Geomorphosites: a bridge between scientific research, cultural

integration and artistic suggestion. Il Quaternario - Italian Journal of Quaternary Sciences, 18 (1), Vol.

Speciale, AIQUA, 3-10.

Panizza (2007). Geodiversity, Geological Heritage and Geotourism. Workshop Abstracts

“Geomorphosites, Geoparks and Geotourism”, Lesvos, 30.

Piacente, S. (2005). Geomorphological sites and geodiversity for a cultural approach to geology. Il

Quaternario - Italian Journal of Quaternary Sciences, 18 (1), Vol. Speciale, AIQUA, 11-14.

Reis, R.P.; Henriques, M.H. (2005). Approaching an integrated qualification and evaluation of the

geological heritage. IV International Symposium ProGEO Abstracts on the Conservation of the

Geological Heritage, University of Minho, Braga, 8.

Reynard, E. (2005a). Geomorphological sites, public policies and property rights. Conceptualization

and examples from Switzerland. Geomorphological Sites and Geodiversity (S. Piacente e P. Coratza,

Eds.), Il Quaternario - Italian Journal of Quaternary Sciences, 18 (1), Vol. Speciale, AIQUA, 323-332.

Reynard, E. (2005b). Geomorphosites et paysages. Géomorphologie: relief, processus, environment,

3: 181-188.

Reynard, E.; Fontana, G.; Lenka Kozlik, L.; Scapozza, C. (2007). A method for assessing «scientific»

and «additional values» of Geomorphosites. Geographica Helvetica, 62: 148 -158.

Reynard, E.; Panizza, M. (2005). Geomorphosites: definition, assessment and mapping. An

introduction. Géomorphologie: relief, processus, environment, 3: 177-180.

Rodrigues, M.L. (2008). Geosites in Portugal. Some examples. Abstract CD-ROM of the 33rd

International Geological Congress, Oslo.

Rodrigues, M.L. (2008). The geomorphologic heritage contributes for the values to preserve

definition. The Portuguese limestone massifs example. Proceedings of the 3rd International

UNESCO Conference on Geoparks, Osnabruck, 98.

Rodrigues, M.L. (2008). Mapping geoheritage and geotourism. A contribute based on the Portuguese

limestone massifs example. Workshop Abstracts “Mapping Geoheritage”, Lausanne, 15.

Rodrigues, M.L. (2007). A importância do património geomorfológico na definição dos valores a

conservar. O exemplo da Serra de Montejunto. “Etnografia”, Actas do III Congresso Internacional

(Fernando Cruz, Org.), AGIR.

Rodrigues, M.L.; Vidal Romaní, J.R. (2007). Geomorphic heritage and protected areas. The

Portuguese case. Workshop Abstracts “Geomorphosites, Geoparks and Geotourism”, Lesvos, 37.

Rodrigues, M.L.; Vidal Romaní, J.R. (2007). O património geomorfológico e as áreas protegidas. O

caso da Serra do Gerês. Actas do VI Congresso da Geografia Portuguesa, APG, Lisboa.