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Intercom Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da ComunicaoXXXIV Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao Recife, PE 2 a 6 de setembro de 2011
A via que se transformou em rua: cdigos do sistema da comunicao visual urbana expressos na via W3Norte na cidade de Braslia1
Ftima Aparecida dos Santos2Rogrio Jos Camara3
Universidade de Braslia, Braslia, DF
Resumo
Anlise das comunicaes visuais do comrcio popular da via W3Norte na cidade de Braslia. A partir de entrevistas com os comerciantes investigou-se o funcionamento da via, tendo as fachadas de suas lojas como ndice, buscando os processos que fazem o lugar operar como um sistema semitico dinmico. A pesquisa envolve o levantamento do uso de identificao e comunicao visual por meio de placas e letreiros no comrcio popular da W3 Norte e sua relao com a arquitetura local. Investiga-se a sobreposio de modelos de cidade com o projeto da cidade de Braslia, verificando como uma brecha ou alterao no projeto permitiu gerar uma multiplicidade de interpretaes do moderno e o modo como essas semioses se apresentam enquanto visualidade. Procurou-se compreender as diferentes formas de textualidade urbana, suas caractersticas visuais e suas diversas apropriaes na vida cotidiana.
Palavras-chave
Comunicao visual urbana; Braslia; sistema; semiose; varejo.
A cidade, o design e o lugar da comunicao
A concepo de cidade como sistema de comunicao, que hoje est na base de qualquer estudo urbanstico srio, j se encontra presente, ainda que apenas como intuio, na teoria e na didtia da Bauhaus. Constituem comunicao: o traado da cidade, as formas dos edifcios, dos veculos, dos mveis, dos objetos, das roupas, a publicidade; as marcas de fbrica; o invlucro das mercadorias; todos os tipos de artes grficas; os espetculos de teatro, cinema e esportes. Tudo o que inclui no vasto mbito da comunicao visual na Bauhaus, objeto de anlise e projeto. (ARGAN, 1999, p. 271)
Como compreender os signos que compe uma cidade? A pesquisa que aqui se
apresenta comea com essa inquietao e, como toda pesquisa, ganha vida e ramifica-se
1 Trabalho apresentado no GP Semitica da Comunicao, XI Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicao, evento componente do XXXIV Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao.2 Professora Adjunta do depto de Desenho Industrial- Instituto de Artes- Universidade de Braslia. Doutora em Comunicao e Semitica PUC-SP. E-mail: [email protected] Professor Adjunto do depto de Desenho Industrial- Instituto de Artes- Universidade de Braslia. Doutor em Comunicao UFRJ. E-mail: [email protected]
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mostrando outras questes no pensadas e permitindo compreender que mesmo no j
visto existe a possibilidade sempre aberta de descobrir mais e traar novas relaes.
Embora sonhada desde o sculo XIX e para sua idealizao foram realizados alguns
projetos urbansticos, a cidade de Braslia viria a ser viabilizada num perodo de
renovao radical das artes e da arquitetura em consequncia da modernizao
econmica e cultural promovida na Amrica Latina. Buscava-se naquele momento a
implantao de novas tecnologias, de industrias e da entrada de capital estrangeiro, o
que viria a radicalizar a discusso pela adoo de politica de desenvolvimento a
confrontar:
[] de um lado, o modelo socialista com aspecto populista enraizado no prprio estado, apoiado por setores populares e por determinado grupo de intelectuais; de outro, o fortalecimento de um ideal internacionalista junto classe mdia e s antigas oligarquias incentivadas pelo capital estrangeiro.(CAMARA, 2000. p. 18)
Empresas passariam a dar incentivos s instituies formadoras e culturais ligadas s
cincias e as artes. Com a implantao do otimismo econmico nos anos 50, as
vanguardas nacionais, expressas pelo concretismo, bossa-nova, arquitetura moderna e
Teatro Brasileiro de comdia, pretendiam produzir smbolos de validade universal e
colocar em discusso um novo iderio esttico que ambicionava responder perspectiva
de um pas urbano e industrial.4 Sob essa perspectiva adotou-se uma arte projetual,
ordenadora do espao visual, que pretendia dar ritmo e fluxo ao desenvolvimento.
Neste contexto a criao de Braslia comparece como o projeto mais ambicioso e de
grande visibilidade internacional, o grande smbolo do ideal desenvolvimentista do
perodo. Paradoxalmente surge como proposta de cidade democrtica, mas tutelada pelo
estado. Seu Plano Piloto influenciado pelas teorias funcionalistas, em particular pelas
teorias de Le Corbusier, tende a pensar a cidade no mais como um lugar onde se
mora, mas como uma mquina que deve realizar uma funo5. Na constituio da
cidade de Braslia chama ateno o fato do perodo histrico coincidir com os esforos
de implantao da Escola Superior de Desenho Industrial no Brasil e o modo como
reas to prximas quanto a arquitetura, o urbanismo, o desenho industrial e a
comunicao visual no aparecerem juntas na formao da nova capital. O principal
ndice dessa separao so os mobilirios urbanos, a sinalizao e as fachadas dos 4CAMARA, Rogrio. Grafo-sintaxe concreta: o projeto noigandres. Rio de Janeiro: Rio Ambiciosos, 2000, p. 18
5ARGAN, Giulio Carlo. Histria da arte como histria da cidade. So Paulo: Martins Fontes, 1993 p. 230.
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prdios comerciais. No caso dos mobilirios urbanos e sinalizao percebe-se que
poucos equipamentos existiam desde incio e outros foram implantados tardiamente. A
sinalizao urbana s comear a ser pensada na dcada de setenta quando a Companhia
de Desenvolvimento do Planalto Central CODEPLAN6. J as fachadas de lojas e
comrcios ganharam regulamentao somente no comeo do sculo XXI com a lei n
3035 de 2002, regulamentada pelo Decreto n 26.624 de 8/03/06 que implantou o Plano
Diretor de Publicidade. A lei no legisla sobre formatos e esttica das comunicaes.
Ela apenas regula a proporo das comunicaes visuais fixadas nas fachadas de lojas e
extingue a fixao de outdoors na regio do plano piloto de Braslia. Como exemplo da
falta de ateno dada comunicao visual pode-se citar a investigao sobre a
elaborao das fachadas dos prdios pblicos de Braslia realizada junto ao arquivo
pblico do Distrito Federal, no qual se percebe como o projeto da sinalizao dos
ministrios e das avenidas eram feitos.
Planta de projeto de sinalizao dos ministriosFonte: Arquivo Pblico do Distrito Federal,
1990
Planta de sinalizao das AvenidasFonte: Arquivo Pblico do Distrito Federal,
1962
A comunicao visual ocupa lugar secundrio na histria. De certa forma parece que
antes do advento da constituio do IAB em So Paulo e posterior estruturao da ESDI
no Rio de Janeiro na dcada de 60, no havia qualquer produo de comunicao visual
no Brasil. A histria dessa rea contata nas entrelinhas e possvel acompanh-la por
meio de impressos, produo de jornais, revistas, anncios publicitrios. Ela tem suas
brechas, os livros ilustram apenas fatos histricos relacionados Bauhaus e a HfG.
Percebe-se que contada a partir da perspectiva de integrao ao sistema de produo
6SILVA F., Antnio Rodrigues da. O projeto de sinalizao do Distrito Federal. Dissertao de Mestrado apresentada Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Braslia, 2007, p. 117.
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no qual predominou os ideais da racionalidade tcnica sobre a subjetividade e sem
aproximao com a realidade nacional.
Esta pesquisa nasceu da busca por registros sobre a comunicao visual e o prprio
design na formao e criao da cidade de Braslia. Entretanto os ndices encontrados
foram outros, a partir da inquietao histrica comeou-se a perceber que lugar a
comunicao visual ocupa na expresso e no processo de formao de sentidos da
cidade.
Assim, selecionou-se dentro do Plano Piloto a via W3Norte por suas caractersticas
rompem com a paisagem organizada da cidade e possui uma visualidade diferente. As
hipteses iniciais davam conta de uma ocupao espontnea e no regulamentada j que
as modificaes ocorridas no planejamento da rea desde do projeto de Lcio Costa no
haviam sido registradas nos planos diretores da cidade. Finalmente encontrou-se na
CODHAB/DF Companhia de Desenvolvimento Habitacional dos Distrito Federal os
gabaritos das quadras, datados de 1962/63 quando Israel Pinheiro promoveu mudanas
significativas: os comrcios voltados para a avenida; a variao das tipologias das
edificaes; e as edificaes com funo mistas. Tal modificao fez surgir uma
mediao entre Braslia e as outras cidades brasileiras.
Abordagem: ndices histricos em questionrios
Como objetivo entender as referncias visuais dos comerciantes e encontrar pessoas que
podero contribuir para uma pesquisa qualitativa em um segundo momento realizou-se
um questionrio feito com tcnica de amostragem por convenincia que teve como
aplicadores os alunos de graduao dos cursos de Desenho Industrial, Comunicao e
Arquitetura da Universidade de Braslia.
Os proprietrios ou funcionrios mais antigos, cerca de quinze por cento dos
comerciantes, responderam trinta questes. Em suas respostas encontrou-se ndices de
suas origens e do modo como reconhecem em seus comrcios as influncias do projeto
moderno. Perguntou-se sobre o Estado e Cidade de origem, sobre as ruas de comrcio
que eles conhecem, o modo como comparam suas lojas com lojas de outras cidades,
com os prdios de Braslia e com o comrcio das entre-quadras. O registro fotogrfico
das fachadas tambm foi realizado durante esse perodo.
A maioria dos comerciantes entrevistados vieram de outras cidades, tiveram comrcios
em outros lugares e quando chegaram a cidade a via j existia. Os locais de origem
variam muito indo de So Lus-MA at Farroupilha-RS, passando por Bauru-SP,
Budapeste na Hungria, Tupaciguara-MG, incluindo-se a vrias capitais brasileiras.
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Percebe-se que a maioria das lojas mudou de endereo nos ltimos dez ou vinte anos e
apenas quatro de um total de oitenta e nove mantem o mesmo endereo desde do
comeo da dcada de sessenta. Para a maioria dos entrevistados o comrcio da via
W3Norte no se assemelha ao das entre-quadras da cidade de Braslia. Para entender tal
questo deve-se explicar que esses comrcios foram implantado para terem as mesmas
funes, foram projetado como comrcio de vizinhana que permitiria ao morador
comprar perto da sua residncia os produtos consumidos no dia a dia. A grande maioria
conhece os comrcios varejistas de outras cidades, os exemplos vo desde de cidades
satlites do Distrito Federal, passando pelas principais vias de comrcio popular como
SAARA e Mercado de Madureira no Rio de Janeiro, Vinte e Cinco de Maro em So
Paulo e Vila Rubim em Vitria. Os entrevistados no reconheciam semelhana entre os
comrcios de outras cidades com o seu. Sobre o modo de promover os produtos
percebe-se que a maioria dos comerciantes tm preferncia por faixas que anunciam
ofertas ou dias nos quais o servio mais barato. A resposta surpreendente dentro das
questes comparativas veio da pergunta que inquiria sobre a semelhana dos prdios da
via W3Norte com os prdios de Braslia. A grande maioria acha que eles podem ser
comparados aos edifcios modernos da cidade, destacando-se a forma e altura dos
prdios e o conjunto visual da quadra.
A cidade, a inveno da capital e seus textos culturais
Observou-se a cidade de Braslia, a via W3Norte, e os apontamentos encontrados nos
questionrios sob o prisma: das constataes a respeito da histria de formao da
capital por Laurent Vidal7; das relaes a respeito da arquitetura e o contexto cultural
realizadas por Iuri Lotman8; dos sistemas de construo, preservao e descarte de
memria tambm apontados por Lotman; e, ainda da condio de lembrana e nesse
caso cabe bem a constatao de Bergson9 sobre a lembrana como representao de um
objeto ausente ou de uma cidade ausente.
A relao entre a vida na cidade e as pessoas que a ocupa inclui explorar, inventar, criar
e definir novos modos de vida10. A cidade constitui-se o lugar de refgio quando no se
7VIDAL, Laurent. De nova Lisboa a Braslia. A inveno de uma capital (sculo XIX e XX). Braslia: UnB. 2009.
8LOTMAN, Iuri. La Semiosfera. Madrid: Catedra, 2000.
9BERGSON, Henry. Matria e Memria. So Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 275.
10HARVEY, David. Espaos de esperana. So Paulo: Cia das Letras, 2004. p.208.
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tem condio de vida descente no campo e pode representar todo o iderio de uma
gerao. No caso de Braslia observa antes da formao dos signos visuais, dos signos
arquitetnicos, a construo de um signo de pas, utpico no qual se trocaria o povo
brasileiro rural, tacanho, no educado e no ordenado geograficamente, no distribudo
igualitariamente ou j sufocado pela presso de cidades densamente povoadas como Rio
e So Paulo, por um povo moldado aos princpios do racionalismo. Tais prticas
denotam o sonho de uma cidade sem povo:
Os discursos que fundem a cidade servem para a representao de valores que se considera poder nascer somente em espaos urbanos. Muitas vezes, como vimos, tais discursos e representaes apoiam sua argumentao na oposio entre uma cidade real existente no caso do Brasil republicano, trata-se geralmente do Rio de Janeiro e uma cidade imaginada, na qual so projetados novos valores. (VIDAL, 2009, p. 129)
Lcio Costa pretendia criar espao para que todas as classes sociais tivessem lugar em
Braslia, entretanto Juscelino Kubitschek disse-lhe que a cidade serviria apenas aos
funcionrios pblicos e aos comerciantes e para as classes mais desvalidas se pensaria
centros urbanos de periferia 11. Em algum momento da construo se teve a esperana
de que o povo que ocuparia aquela nova cidade seria a alta casta de funcionrios
pblicos federais, imaginou-se que os operrios que vieram para construo iriam
embora da cidade assim que as obras terminassem, fato que no aconteceu. O povo
elitizado que se imaginou criar caiu por terra. Tambm no foi possvel arrancar do
imaginrio desses ocupantes as lembranas de cidades que trouxeram.
Uma das principais modificaes de cidade presentes no projeto de Braslia a negao
da rua tradicional. Segundo Vidal, a rua modernista quer ser a anttese da rua barroca12.
A rua moderna divide-se em duas verses possveis: a via e a entre-quadra. Na via tem
se o deslocamento de carros em alta velocidade e a fixao de aparelhos pblicos, nas
entre-quadras deveriam existir os caminhos para que a populao moradora das super-
quadras pudesse se deslocar para chegar at as vias. As entre-quadras seriam tambm o
caminho para que o comrcio local pudesse ser abastecido. Desse modo se concebe o
projeto de um comrcio de vizinhana voltado para dentro das super-quadras. Os
primeiros moradores de Braslia rejeitaram a anti-rua, pois ia contra suas prticas
sociais, no Rio a rua o corao da atividade pblica. Na qualidade de gente de rua
11VIDAL, Laurent. De nova Lisboa a Braslia. A inveno de uma capital (sculo XIX e XX). Braslia: UnB. 2009, p.223
12Id ibid p. 221
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perceberam rapidamente e rejeitaram as intenes radicais do Plano Piloto.13
Antes mesmo de sua implantao abandona-se da ideia do comrcio voltado para dentro
das super-quadras. Da anlise histrica possvel retirar: a formao de um novo povo,
a destituio da concepo de rua, a rejeio da populao brasileira em detrimento de
uma populao especfica para a cidade de Braslia.
As alteraes nos gabaritos da via W3Norte tentam reproduzir a dinmica comum de
uma cidade. Elas geram algo que no nem a rua comum das cidades barrocas e nem a
via.
A dupla vida semitica no espao urbano de Braslia
No processo de construo da cidade de Braslia algumas reas foram elaboradas por
arquitetos. Na impossibilidade de projetar todos os prdios da cidade, a comisso
responsvel por sua implantao definiu o que se chama at hoje de Normas de
Gabarito, a fim de controlar as possveis construes que viessem a nascer no
importando a partir de quais mos e projetos. O fato que a partir da mudana de
constituio de via W3Norte, da pequena liberdade dada para interpretar o que se
considerava um projeto moderno, percebe-se uma leitura possvel, um filtro entre o
conceito e sua aplicao. Assim na paisagem de Braslia possvel avistar prdios como
os das fotografias abaixo:
Edifcio comercial na quadra 704 da via W3Norte. Ao fundo prdios comerciais da entre-quadra 111 112da asa norte- Foto: Pedro Marra Disponvel em: http://finissimo.com.br /closes/2009-07-28/ Acessado em 10/07/2011
As edificaes acima nasceram de gabaritos prximos, gerando edifcios com funes
semelhantes mas cuja visualidade so diferentes. Observa-se que o processo semitico
13HOLSTON apud VIDAL. Op. Cit. p. 223
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http://finissimo.com.br/http://finissimo.com.br/closes/2009-07-28/http://finissimo.com.br/closes/2009-07-28/
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para a construo de tais prdios deriva do modo como cada um dos construtores leu o
projeto da cidade de Braslia, interpretou suas normas e posteriormente o modo como
cada um dos comerciantes que ocuparam esses espaos reconheceram tal projeto. O
processo de compreenso e solidificao desses textos culturais pelos comerciantes
resulta naquilo que Lotman considera como a dupla vida semitica do espao urbano,
traduzindo para aspectos especficos, para a tipologia dos edifcios uma macro narrativa
da cidade. No processo de solidificao da arquitetura dos prdios percebe-se no
primeiro caso a estrutura de concreto, as paredes sem camadas, a sntese de uma
comunicao visual que mal aparece na imagem. No caso da segunda imagem, a da via
estudada, observa-se o uso da cor, o revestimento e a condio de redundncia da
comunicao visual.
O espao arquitetnico vive uma dupla vida semitica. Por uma parte, modeliza o universo: a estrutura do mundo do construdo e habitado traduzida ou reportada ao mundo em sua totalidade. Por outra modelizado pelo universo: o mundo criado pelo homem reproduz seu ideal de estrutura global do mundo. A isto est ligado o elevado simbolismo de tudo o que de um ou outro modo pertence ao espao de convivncia criado pelo homem. (LOTMAN, 2000, p. 103)
Quando observa-se as respostas dadas pelos comerciantes da via W3Norte sobre a
semelhana entre seus comrcios e os comrcios das entre-quadras e ainda sobre o seu
edifcio e os edifcios de Braslia, verifica-se que o primeiro caso resulta em uma
negativa, para eles no existe semelhana entre um comrcio e outro, mas existe
semelhana entre os prdios. Por outro lado ao observar as imagens das vrias cidades
que compe o referencial de comrcio varejistas percebe-se uma visualidade muito
complexa, rica, misturando o contexto mono-estrutural da cidade de Braslia ao
poliglotismo gerado pela leitura de vrios comrcios de vrias outras cidades. No painel
abaixo apresenta-se a coleo de imagens geradas a partir das fachadas da via W3Norte
e sua comparao com uma coleo de imagens de comrcios das cidades citadas pelos
entrevistados. A altura dos prdios varia, as cores da fachadas tambm, as tipologias
determinadas dos edifcios tornam-se suporte de diversas formas de gritar promoes e
nomes de lojas e comerciantes para os transeuntes do lugar. Cada fachada procura
apresentar-se com cores e tipografias, com imagens e nomes, com telefones e
promoes, constituindo-se a anttese da ordem racional.
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Composio de imagens a partir das fachadas da via W3Norte
Composio de imagens a partir das fachadas de lojas em cidades citadas como referncia de comrcio na pesquisa realizada com os comerciantes da W3Norte.
As imagens da via apontam a estrutura do texto cultural criado pelos comerciantes para
representarem o que para eles seria a cidade de Braslia e o que para eles seria o
comrcio de varejo. Esse texto possui caractersticas de vrios contextos que
ultrapassam a cartilha da boa construo moderna. A paisagem da via W3Norte
contrasta com a paisagem montona de Braslia. Nela percebe-se uma apropriao
cultural do projeto, compreendido como elemento ativo da conscincia humana.
Segundo Lotman14 a conscincia, tanto a individual como a coletiva, espacial. A
arquitetura racional pretendia a ordenao da vida e a apreenso das funes da cidade a
partir da sua composio e modelaes. A partir da segunda metade do sculo XX
possvel perceber que a cidade torna-se o lugar do diverso, alis foi com essa ambio
que se destituram os grandes congressos de arquitetura moderna (CIAM), para Lotman
todos os movimentos anteriores desde do renascimento tinham como intuito ordenar a
paisagem da cidade, essa ordenao por vezes significou a destituio da diversidade
em detrimento de um texto mono-estrutural sim, mas tambm rico em gerao de
signos:
A ideia da diversidade estrutural, do poliglotismo semitico do espao habitado pelo homem, desde suas unidades macro- estruturais at as micro-estruturais, est extremamente ligada ao movimento cientfico e cultural geral da segunda metade do sculo XX. Choca com a tendencia contraria da planificao nica e totalizadora, ideia que na tradio cultural secular percebida como racional e efetiva. Se desejamos de um lado verificar influncias anteriores, a ideia do urbanismo regular se remonta ao renascimento e as concepes utpicas por ele geradas. No sculo XV. Alberti exigia que as ruas das cidades fossem retas; as casas, deveriam ter a mesma altura, niveladas com rgua e linha. [...] Tal cidade monolgica se
14LOTMAN, Iuri. La semiosfera. V.III. Madri: Catedra. 2000, p. 112
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distingue por uma elevada semioticidade. Por uma parte copiava a ideia de simetria ideal do cosmos, e, por outra, encarnava a vitria do pensamento racional do homem sobre a irracionalidade da natureza espontnea. [...] A cidade tornaria uma imagem desse mundo criado inteiramente pelo homem, de um mundo mais racional que natural. [...] A cidade monolgica um texto fora de contexto. (LOTMAN. 2000. V. III p. 107-108)
A via devolve a cidade de Braslia ao seu contexto de cidade brasileira e ao fazer isso
promove a gerao do novo. Um salto informativo que evidencia o seu funcionamento
bem como toda a estratgica elaborada dos processos de comunicao denunciados pela
redundncia de informao. Ao fazer isso possvel prever o trnsito realizado pelo
pblico que se utiliza do comrcio local.
Fachada de loja na via W3Norte
Na imagem acima verifica-se que a identificao do comrcio acontece trs vezes, uma
na fachada externa da loja, outra no pilar e uma terceira vez na parte interna. Cada uma
das placas dispostas permitem ler o movimento do pblico muito mais do que informar
de modo redundante que se trata de uma loja de estofamentos. A composio denuncia a
ecologia do ambiente pois a mesma informao tenta capturar a ateno do pblico.
Projetada para ser via de passagem, pode-se perceber nela o deslocamento de carros
com velocidade mdia de 60 km por hora, modificada para ser via de comrcio percebe-
se a tentativa de facilitar o acesso do consumidor criando diante das lojas alguns bolses
de estacionamento, observa-se que o comrcio tem a funo de suprir os moradores das
redondezas que fazem suas compras a p e refugiam-se do sol e da chuva embaixo dos
pilotis. As trs posies das comunicaes visuais denotam que tal estratgia quer
atingir o motorista que trafega pela via, aquele que j estacionou o seu carro e tambm o
que caminha. Estabelece dimenses diferentes para emitir a mesma mensagem e faz a
compensao de suas propores. Nesse caso a comunicao visual dialoga com pelo
menos trs elementos: a memria das lojas e comrcios varejistas de outras cidades, a
releitura da arquitetura modernista que determina o local de fixao das placas e o modo
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como tal comrcio interpreta o movimento do seu pblico. Desse modo a fachada revela
uma malha semitica na qual so apresentadas as memrias de origem, a compreenso
do espao e interpretao do movimento do consumidor.
As modificaes inseridas no projeto da via W3Norte determinam ou condicionam a
mudana dos suportes de comunicao, influenciando a transmisso de informaes, a
constituio e organizao das mensagens e o modo de interao do transeunte.
Ao observar o trnsito das composies e suportes de comunicao visual trasladados
de outras cidades e de outros contextos, o modo como so fixadas e a forma como so
traduzidas para o projeto moderno, as comunicaes tecem uma malha para capturar a
ateno do receptor e revelam certa irregularidade na paisagem da cidade de Braslia.
Tal irregularidade nasce da insero de textos de contextos diversos.
Todo texto complexo que entra na cultura pode ser apresentado como um conflito de duas tendncias. Por um lado, a medida que aumenta o grau de ordenao, aumenta tambm a medida da previsibilidade, inicia-se uma nivelao estrutural, ou, um incremento da entropia. Por outro lado, se deixa sentir a tendencia contraria: aumenta a irregularidade interna da organizao semitica o texto, seu poliglotismo estrutural, as relaes dialgicas das subestruturas que entram nele, a situao de intenso conflito na relao texto-contexto. Estes mecanismos trabalham para o aumento da troca de informaes e tem um carter nega-entrpico. (LOTMAN. 2000. V. III p. 104)
Anlise das elementos das fachadas da W3Norte.
Descrever-se a estrutura dos objetos analisados, buscando aquilo que segundo
Lotman15 constituiriam a parte invarivel. Observou-se neste momento o modo como os
elementos da comunicao visual comportam-se para gerar as fachadas da via estudada.
Para tanto fez-se uma anlise das tipografias, cores e composio de marcas.
Toma-se como exemplo a fachada da loja Barbosa colches. O que constitui sua
arquitetura so os letreiros, as faixas e o prprio produto. Os colches empilhados na 15Op. cit. V.II p. 65
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parte frontal da loja insinua variedade, facilidade de aquisio, pronta entrega e baixo
custo. Seu letreiro traz informaes sobre tudo que se pode encontrar no
estabelecimento, como na chamativa faixa que descreve modelos de colches e seus
diversos preos para a partida das negociaes individuais, com a garantia do nome do
dono: Barbosa. As cores contrastantes, o uso de tipografias basto em caixa alta e as
possibilidades tteis indicam uma abordagem mais direta com o cliente. O desenho
dessa promoo evidencia uma oposio escala arquitetnica da cidade. Tudo est
prximo, abundante e dialoga diretamente com o interessado pessoalmente ou atravs
dos telefones destacados nos letreiros sugerindo que o cliente especial ou
personnalit. O modo como as cores so utilizadas na fachada da Barbosa Colches
revelam uma das estruturas mais recorrentes no que diz respeito ao uso de cores neste
tipo de comrcio:
1. a cor predominante: o azul, determinada pela identidade do fabricante de seu
principal produto, no caso a empresa Probel;
2. como cor tnica tem-se o amarelo, complementar ao azul, destacar os
telefones. Alcana-se o mximo de contraste de luminosidade possvel no uso destes
matizes;
3. finalmente, como cor intermediria, o vermelho, cor de maior cumprimento de
onda e, por isso, de longo alcance;
4. a faixa promocional procura dialogar com o letreiro institucional mantendo suas
as cores, mas ressaltado pela inverso das relaes de harmonia;
5. a queima de estoque expressa pelo uso do amarelo como cor predominante e
do vermelho como tnica
6. e o azul e o preto aparecem como cores intermedirias.
Logo obtm-se que constituem-se um cdigo do comrcio varejista a
complementaridade entre as cores, o uso de saturao e o construo de oposies
cromticas.
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Outro modo de estruturar as cores recorrente no comrcio popular pode ser observado
ainda com o uso de cores complementares como estratgia. Neste caso:
1. utiliza-se as relaes entre cores primrias ou entre cores anlogas, mas sempre
com os matizes em seu grau mximo de saturao. Quando se trata do uso de
cores anlogas comum a paleta ficar restrita s de cores quentes intermediadas
hora pela cor azul, hora por uma acromtica: preto ou branco;
2. pode-se combinar cores cromticas e acromticas, nestes casos procura-se
estabelecer o contraste extremo de luminosidade com o uso do preto e cores
quentes vermelhos, laranjas e amarelos. Menos recorrente o contraste de
saturao, normalmente ocorre com o uso do azul ou verde. Observa-se estes
casos quando o comerciante procura relacionar a cor ao produto que
comercializa, constituindo uma semiose cujo signo de partida a relao indicial
entre a fachada e o produto.
Em comrcios que encaram o desafio de capturar o cliente, diante da forte concorrncia
os letreiros se estendem sobre a fachada e procuram uma maior elaborao da marca. As
tipografias utilizadas na composio das fachadas constituem um exerccio visual a
parte. As interferncias na sintaxe tipogrfica vo desde a estilizao at a substituio
de uma letra por uma imagem que representa o produto comercializado. Da tiram-se as
principais caractersticas:
1. busca uma tipografia diferenciada por sua forte estilizao combinada a
substituio da letra por representaes ilustrativas do produto comercializado, o que
refora o carter simblico da marca;
2. usa-se de versaletes combinados com capitulares no inicio e no fim do nome o
que resulta num espao superior que permite integrar a marca descrio do produto
comercializado.
3. pode-se observar outras variveis que fogem ao pragmatismo do uso do tipo sem
serifa. So aquelas que buscam se aproximar da ideia de sofisticao como, por
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Intercom Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da ComunicaoXXXIV Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao Recife, PE 2 a 6 de setembro de 2011
exemplo, o uso do tipo gtico, mas que esta forma de representao no est
necessariamente vinculada um perodo ou a um conceito, apenas algo que o
diferencia.
Os letreiros so, em sua maioria, planos, pintados ou impressos digitalmente. A
simulao de relevo explorada no s no uso do contraste de matizes e de
luminosidade das cores como tambm por recursos grficos como o delineamento do
texto e por sombras e grafismos que sugerem tipos e produtos em perspectiva.
Quando compara-se a anlise da paisagem da cidade diante da comunicao visual
revelam-se os dispositivos informacionais, a dinmica do movimento e o modo como
Lcio Costa concebe no apenas a cidade mas tambm o povo brasileiro. Essa
concepo do arquiteto sobreposta com outros traos, instalam-se sobre o plano piloto
uma polifonia composta pelas vozes de diversos atores. O instante em que o discurso de
cada um desses atores se fixou e modificou a paisagem da cidade diferem, formando
uma linha do tempo de impresses.
Concluindo
As visualidades encontradas no comrcio da W3Norte, por hora, no podem ser
consideradas nicas, j que apresentam caractersticas semelhantes a de comrcios
populares de outras cidades e regies. Quando destituem-se os cdigos cromticos ou o
uso de tipografias encontram-se traos semelhantes entre as comunicaes da via estuda
e o de outras cidades, na verdade percebe-se que o uso de cores saturadas, a composio
com complementares, a relao cromtica x acromtica so comuns nas representaes
dessas categorias. No caso dos tipos observa-se em qualquer comrcio de rua a
preferncia pelos bastonados e um desvio radical para o uso de tipografias em situaes
excntricas nas quais no se pretende representar determinado perodo mas adota-se tal
caracterstica como sendo de bom gosto. O que entretanto encontrou-se como maiores
marcos semiticos nesta anlise foram as caractersticas de oposio entre a visualidade
do comrcio popular de Braslia e a constituio da cidade: o perto e o longe, o
horizonte e a proximidade e, a condio de captura do olhar do transeunte. No caso das
relaes entre as comunicaes visuais e a cidade de Braslia percebem-se as oposies:
o perto e o longe, o cinza e o colorido, o lugar do carro e o espao de transeunte. Na
observao de cada um desses elementos desenham-se modelos dinmicos de usos da
cidade e sobreposies de funes. Se no projeto moderno a funcionalidade
determinava o lugar de morar, de trabalhar, de estudar e de comprar, na via W3Norte
todas as funes podem sobrepor-se, em contrapartida ao analisar as cores, o cinza
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nasce, em uma tabela cromtica da sobreposio de todas as ondas de luz e na W3Norte
tais ondas segreram-se revelando uma paleta intensa de matizes. Assim o espao
semitico analisado contitui-se em uma oposio homogneo X heterogneo revelando
que a via um sistema semitico diferente dentro da cidade na qual est inserida.
Alimenta-se de informaes da cidade filtrando-a e traduzindo-as, constituindo um
sistema aberto e autonomo.
Agradecimentos:
Arquivo Pblico do Distrito Federal.Alunos dos cursos de Desenho Industrial, Arquitetura e Comunicao da UnB.Cnpq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico) pelo financiamento desta pesquisa por meio do Edital Universal.
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Resumo