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ISSN
A VIVNCIA NA ESCOLA SOB A PERSPECTIVA DE SER POBRE NO
ESPRITO
Lcio Gomes Dantas1 - UCSal e UNBEC
Elizabeth Tunes2 - UnB e UniCEUB
Eixo Temtico: Ensino Fundamental
Resumo
Esta comunicao pretende examinar o ser pobre sob o ngulo da tica e suas implicaes
com uma comunidade educativa. Trata-se da vivncia de uma comunidade educativa e a
relao que existe entre pobreza e aspectos ticos vivenciados no contexto escolar. A escolha
dessa temtica compreende-se sob os aspectos teolgicos cristos. Nessa perspectiva, a
discusso se torna tica na medida em que o cenrio social de pobreza material nos ajudou a
compreender a pessoa do pobre sem vincul-lo a um extrato social exclusivamente. Como
descrio metodolgica, utilizou-se uma observao vivencial em uma escola pblica no
Distrito Federal. Foram colaboradores a equipe gestora, educadores, estudantes e famlias.
Recorreu-se aos ensinamentos cristos baseados no Evangelho de Jesus Cristo, segundo So
Mateus, especificamente o contido nas bem-aventuranas: Bem-aventurados os pobres no
esprito, porque deles o Reino dos Cus. A pobreza no esprito, ante o exposto, exige das
pessoas uma atitude de liberdade e de independncia, pois a pobreza crist consiste em
liberdade que se traduz em desprendimento de pessoas e coisas para permitir que a pessoa
possa se desenvolver humanamente. Valor explicitado em virtudes clssicas, como sobriedade
e simplicidade, ante os bens materiais, prpria da mensagem crist. Ao exercer seu papel
singular diante da populao a que se destina, a escola respondeu pelo reconhecimento do
outro, pela integrao e participao de seus atores, de modo a respeitar as identidades e os
jeitos de viver daquelas pessoas que habitavam naquele espao. Apontou-se que a pobreza,
como um valor, esteve explcita em virtudes clssicas como sobriedade, solidariedade e
simplicidade, alm de ser, permanentemente, abrir-se ao outro e privilegiar as relaes
comunitrias. As relaes humanas pautaram-se no convvio, no respeito s individualidades
e ao enraizamento no lugar. Uma escola que vive essa relao exercita, em comum, o saber e
a liberdade humanos.
Palavras-chave: Educao. Pobreza crist. tica. Bem-aventuranas.
1 Doutor em Educao pela Universidade de Braslia (UnB). Mestre em Psicologia. Especialista em
Administrao e planejamento escolar e licenciado em Filosofia. Professor da Universidade Catlica de Salvador
(UCSal). Diretor do Colgio Marista Patamares (UNBEC), Salvador, BA. E-mail: [email protected]. 2 Doutora em Psicologia pela Universidade de So Paulo (USP). Pesquisadora associada e professora do
Programa de Ps-Graduao da Faculdade de Educao da Universidade de Braslia (UnB). Professora do
Centro Universitrio de Braslia (UniCEUB). E-mail: [email protected].
Introduo
Esta Comunicao tem o propsito de refletir sobre a pobreza sob o jugo da Teologia
crist como critrio tico. tico por pautar a pobreza e a pessoa do pobre como modo de viver
dentro do limite da realidade de cada um e sem ambicionar uma riqueza cumulativa baseada
em bens materiais. O enfoque da pobreza aqui ser o de no colocar a esperana nos bens
materiais que, embora sejam necessrios nossa sobrevivncia, so meios para realizar
valores mais elevados e dignos da pessoa. Baseamo-nos nos ensinamentos de Jesus Cristo,
no apenas por ele tratar os pobres como seus primeiros destinatrios da Boa Nova, ou seja,
de seu Evangelho, mas por fundar toda a sua mensagem sobre as bem-aventuranas dos
pobres, em atitude em consonncia com a defesa da vida. Isso leva a crer no entendimento do
que seja pobre como muito alm do campo econmico.
A teologia, ao dialogar com a pobreza, traz o desafio de penetrar na experincia e no
contedo da f humanos. Uma f pensada e sentida, que ilumina essa reflexo do fenmeno
da pobreza. Efetivamente, importante a observao que Arendt (2010, p. 9) faz em relao
f em Jesus Cristo, pois a sua f era intimamente relacionada com a ao, ou seja, uma f
que leva a agir, enquanto para So Paulo a nfase recai, antes de tudo, em uma f ligada
salvao. Entendi, outrossim, que a liberdade exercida na presena dos demais; portanto, ela
exige a presena do espectador, precisamente porque a f um ato de liberdade. Ela exige
tambm que o crente assuma a responsabilidade pelo mundo. A f que se relaciona ao amor
torna-se fonte de entendimento e de ao. O que faz mudar a vida da pessoa o milagre de
poder iniciar algo novo, o milagre de estar livre no mundo.
Escolhemos a percope do texto do Sermo da Montanha, proclamado no Evangelho
de So Mateus (Mt 5,3), para dizer que so Felizes os pobres no esprito, porque deles o
Reino dos Cus (BBLIA, 2002, p. 1153). O Reino se faz presente onde os pobres encontram
felicidade. Esse famoso Sermo tem uma funo importantssima dentro do Evangelho de So
Mateus. Com ele, Jesus inverteu a lgica dos valores tradicionais de sua poca: o Judasmo
cultivava a convico de que a prosperidade material era sinal da bno de Deus;
contrariamente, a pobreza era sinal de maldio. Os bem-aventurados, os pobres no esprito,
so reconhecidos porque choram, tm fome e misericrdia, so mansos e perseguidos,
portanto, esto abertos vontade de Deus.
Por que e para que tratar a temtica da pobreza na perspectiva das bem-aventuranas?
Todo gesto em direo ao outro, na alteridade, de viver uma vida pobre, ou seja, no
despojamento, pode aproximar as pessoas. Essa possibilidade decide, afinal, a proximidade e
a distncia que estabelecemos com as demais pessoas e com Deus. Ser bem-aventurado, na
condio de pobre, fundamenta o amor direcionado ao prximo e a Deus. Torna-se uma
expresso de um modo de ser feliz; quem bem-aventurado privilegia a simplicidade e a
liberdade em relao s coisas. Revela-se, assim, um valor de humildade, da experincia de
uma pobreza interior em busca do amparo da condio humana. Ser livre para acolher o outro
na condio em que ele nos vem. Dessa forma, a pobreza se expressa na pessoa e faz crescer
seus valores no despojamento e na liberdade interior diante de toda criatura.
Nesse sentido, metodologicamente, escolhemos uma escola pblica do Distrito Federal
que oferecia o segmento educacional do Ensino Fundamental, do 1 ao 5 ano, divididos em
dois ciclos: 1 ao 3 anos, primeiro ciclo, e 4 e 5 anos, segundo ciclo. Essa escola oferecia
oficinas de temas pedaggicos para os estudantes e no somente o professor era responsvel
pela aprendizagem desse estudante. Por vezes, a direo e a equipe tcnica, esta ltima
composta pela orientadora educacional e uma psicloga, participavam de aes pedaggicas
em sala de aula, com o intuito de intervir na aprendizagem dos estudantes.
Foram colaboradores deste estudo, como recorte para este Congresso, trs professoras,
a diretora e cinco famlias de um assentamento rural, localizado nas cercanias da escola.
Trabalhou-se com a perspectiva das histrias de vida (JOSSO, 2004; PASSEGGI, 2008) para
conhecer os contextos escolares, com dilogos acerca da cultura escolar vinculada situao
de pobreza, e interpretou-se a produo de dados luz da anlise de contedo (BARDIN,
2013).
O percurso pelo qual se enveredou nessa pesquisa foi o de assumir as influncias
recprocas em relao ao meio sociocultural estudado, reconhecendo o que era mutvel,
observvel, contraditrio, ambguo ou ambivalente. Nesse caso, inicialmente a observao
nessa escola teve carter exploratrio. Aos poucos, essa observao foi dando lugar a uma
vivncia que se configurou em uma observao vivencial, como forma de viver, na
integralidade, os acontecimentos no locus da pesquisa, na condio de pesquisadores, ao
valorizar o ambiente de estudo na inteno de gerar novos conhecimentos. Afinal, no
ambiente da pesquisa o observvel deve gerar novos conhecimentos.
Importante notar que o termo observao est associado ao da vivncia. Nesse caso,
empregamos o termo vivncia no sentido que Prestes (2010) menciona, ligado a estudos de
Vygotsky, quando ele utiliza a palavra perejivanie (vivncia) para se referir unidade pessoa-
ambiente social de desenvolvimento. Ou seja, de acordo com Prestes (2010, p. 120), essa
palavra, por exemplo, no diz respeito a uma particularidade da criana e nem ao ambiente
social em que ela se encontra, mas relao entre os dois. Assim, no existe ambiente
social sem o indivduo que o perceba e o interprete. O ambiente social uma realidade que
envolve o ambiente e a pessoa, o entre.
A partir desse prisma, investigamos uma escola nas dimenses do desprendimento, da
simplicidade, da cooperao, da abertura para o outro ou da liberdade de as pessoas serem
realmente aquilo que elas eram. Os mltiplos indicadores socioeconmicos que balizam a
escola hoje parecem, em sua grande maioria, partir do princpio de carncia. Contrariamente,
discutimos como eixo de nosso estudo as concepes que permearam as relaes interpessoais
na escola que se destinava a estudantes pobres materialmente, e como os estudantes
conseguiam ser pessoas plenas. Pretendemos, assim, nesta comunicao ultrapassar as
dicotomias socioeconmicas vinculadas s estratificaes de classes sociais, especificamente
opor pobres e ricos. Isso porque acreditamos que a todos, sem exceo, ricos e pobres, Cristo
imps como norma suprema o amor ao prximo e a cari