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Friedrich Wilhelm Nietzsche V O N T A D E D E P O T Ê N C I A Ensaio de uma transmutação de todos os valores Esboço de um prólogo As grandes coisas exigem silêncio, ou que delas falemos com grandeza: com grandeza significa: com cinismo e inocência 1 . Narro aqui a história dos dois séculos que virão. Descrevo o que virá, o que não mais deixará de vir: a ascensão do niilismo. Desde já esta página da história pode ser contada: porque, no caso presente, é a própria necessidade que a produzirá. O futuro fala desde já pela voz de cem signos, a fatalidade anuncia-se em toda a parte; para entender esta música do futuro todos os ouvidos já estão atentos. A civilização européia agita-se desde muito sob uma pressão que vai até a tortura, uma angústia que cresce em cada década, como se quisesse provocar uma catástrofe: inquieta, violenta, arrebatada, semelhante a um rio que quer alcançar o término de seu curso, que não reflete mais, que teme até refletir. Quem toma qui a palavra nada mais fez, até o presente, que meditar e recolher-se como filósofo e como solitário por instinto, que encontrou proveito fora da vida, apartado dos homens, na paciência, na contemplação, no retiro; qual um espírito audaz e temerário que várias vezes se descaminhou pelos labirintos do futuro, qual um pássaro profético que dirige seus olhos para trás quando descreve o que pertence ao futuro, o primeiro niilista perfeito da Europa, mas que ultrapassou o niilismo, tendo-o vivido em sua alma e vendo atrás de si, abaixo de si, longe de si 2 . Não nos enganemos quanto ao sentido do título que quer tomar este evangelho do futuro. “ Vontade de Potência. Ensaio de uma transmutação de todos os valores” – nesta fórmula expressa-se um contramovimento, quanto à origem e à missão; um movimento que, num futuro qualquer que seja, substituirá o niilismo total; mas que admite sua necessidade, lógica e psicológica: que absolutamente virá depois dele e por ele. Por que se impõe desde já a vinda do niilismo? Porque precisamente foram os valores, predominantes até o presente, que no niilismo alcançaram as últimas conseqüências; porque o niilismo é o último limite lógico dos grandes valores e de nosso ideal; porque precisamos transpor o niilismo para compreendermos o verdadeiro valor dos “valores” do passado... Não importa qual seja esse movimento, dia virá em que teremos necessidade de valores novos... 1 Nietzsche não emprega aqui o termo cinismo na acepção pejorativa comum, mas no sentido filosófico-ético do desprezo às convenções da opinião pública e da moral. Esta acepção é a decorrente da escola de Antístenes, ou escola Cínica. Ao jogar juntos os dois vocábulos: “cinismo e inoc6encia”, Nietzsche caracteriza, de antemão, seu espírito dialético e polêmico: falar com cinismo significa: sem se preocupar com as convenções. E com inocência, significa, sem segundas intenções, com clareza, pureza e dignidade 2 Nietzsche já se confessa niilista. Segundo sua análise, podemos dividir os niilistas em positivos e negativos, e a estes, subdividi-los em ativos e passivos. Assim o próprio Nietzsche é um “niilista positivo e ativo”, contrastando com os cristãos que são “niilistas negativistas passivos”, ou os socialistas da esquerda, que são “niilistas negativistas ativos”. Essa classificação é puramente exemplificativa. No entanto, convém esclarecer que o sentido de negativo ou positivo se relaciona com o impulso de vida ou de morte, na atuação das doutrinas ou pessoas. Para Nietzsche, predominam os impulsos de morte sobre os de vida, tanto no cristianismo como no socialismo. A interpretação de Lichtenberger, que viu em Nietzsche um negativista ativo, não procede, a não ser julgado do ponto de referência cristão.

A vontade-de-poder

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  • 1. Friedrich Wilhelm NietzscheVONTADE DE POTNCIAEnsaio de uma transmutao de todos os valoresEsboo de um prlogo As grandes coisas exigem silncio, ou que delas falemos com grandeza: com grandeza significa: comcinismo e inocncia1. Narro aqui a histria dos dois sculos que viro. Descrevo o que vir, o que no mais deixar de vir:a ascenso do niilismo. Desde j esta pgina da histria pode ser contada: porque, no caso presente, aprpria necessidade que a produzir. O futuro fala desde j pela voz de cem signos, a fatalidade anuncia-seem toda a parte; para entender esta msica do futuro todos os ouvidos j esto atentos. A civilizao europiaagita-se desde muito sob uma presso que vai at a tortura, uma angstia que cresce em cada dcada, como sequisesse provocar uma catstrofe: inquieta, violenta, arrebatada, semelhante a um rio que quer alcanar otrmino de seu curso, que no reflete mais, que teme at refletir.Quem toma qui a palavra nada mais fez, at o presente, que meditar e recolher-se comofilsofo e como solitrio por instinto, que encontrou proveito fora da vida, apartado dos homens, na pacincia,na contemplao, no retiro; qual um esprito audaz e temerrio que vrias vezes se descaminhou peloslabirintos do futuro, qual um pssaro proftico que dirige seus olhos para trs quando descreve o quepertence ao futuro, o primeiro niilista perfeito da Europa, mas que ultrapassou o niilismo, tendo-o vivido emsua alma e vendo atrs de si, abaixo de si, longe de si2. No nos enganemos quanto ao sentido do ttulo que quer tomar este evangelho do futuro. Vontadede Potncia. Ensaio de uma transmutao de todos os valores nesta frmula expressa-se umcontramovimento, quanto origem e misso; um movimento que, num futuro qualquer que seja, substituiro niilismo total; mas que admite sua necessidade, lgica e psicolgica: que absolutamente vir depois dele epor ele. Por que se impe desde j a vinda do niilismo? Porque precisamente foram os valores, predominantesat o presente, que no niilismo alcanaram as ltimas conseqncias; porque o niilismo o ltimo limitelgico dos grandes valores e de nosso ideal; porque precisamos transpor o niilismo para compreendermos overdadeiro valor dos valores do passado... No importa qual seja esse movimento, dia vir em que teremosnecessidade de valores novos...1Nietzsche no emprega aqui o termo cinismo na acepo pejorativa comum, mas no sentido filosfico-tico do desprezo s convenesda opinio pblica e da moral. Esta acepo a decorrente da escola de Antstenes, ou escola Cnica. Ao jogar juntos os dois vocbulos:cinismo e inoc6encia, Nietzsche caracteriza, de antemo, seu esprito dialtico e polmico: falar com cinismo significa: sem sepreocupar com as convenes. E com inocncia, significa, sem segundas intenes, com clareza, pureza e dignidade2Nietzsche j se confessa niilista. Segundo sua anlise, podemos dividir os niilistas em positivos e negativos, e a estes, subdividi-los emativos e passivos. Assim o prprio Nietzsche um niilista positivo e ativo, contrastando com os cristos que so niilistas negativistaspassivos, ou os socialistas da esquerda, que so niilistas negativistas ativos. Essa classificao puramente exemplificativa. Noentanto, convm esclarecer que o sentido de negativo ou positivo se relaciona com o impulso de vida ou de morte, na atuao dasdoutrinas ou pessoas. Para Nietzsche, predominam os impulsos de morte sobre os de vida, tanto no cristianismo como no socialismo. Ainterpretao de Lichtenberger, que viu em Nietzsche um negativista ativo, no procede, a no ser julgado do ponto de referncia cristo.

2. LIVRO PRIMEIRO O Niilismo Europeu Um Plano1. Vede que surge a contradio entre o mundo que veneramos e o mundo que vivemos, que somos.Resta-nos: ou suprimirmos nossa venerao ou suprimirmo-nos. O segundo caso o niilismo 1. O niilismo que ascende em teoria e na prtica. Derivao viciosa deste (pessimismo, suasespcies: preldio do niilismo, embora intil)3. 2. O cristianismo que sucumbe ante sua moral. Deus a verdade; Deus o amor; Deus justo. O maior acontecimento Deus morreu surdamente pressentido. 3) A moral, quando privada de sua sano, no mais se sustm. Conclui-se por deixar cair ainterpretao moral (mas o sentimento ainda est saturado dos resduos da escala crist de valores). 4) Foi sobre julgamentos morais que at o presente repousou o valor, antes de tudo o valor dafilosofia (da vontade do verdadeiro). (O ideal popular do sbio, do profeta, do santo, caiu em desuso.) 5) Tendncias niilistas nas cincias naturais (absurdos); causalismo, mecanicismo. A submisso sleis um intermdio, um resduo. 6) Igual em poltica: falta a crena no justo direito, a inocncia; reina a mentira, sujeio ao momentoque passa. 7. Identicamente na economia poltica: supresso da escravatura, ausncia de uma casta redentora, deum justificador vinda do anarquista. Educao? 8. Anlogo na histria: o fatalismo, o darwinismo; a ltima tentativa de interpret-la num sentidorazovel e divino, malogrou-se. (Tambm aqui o fenomenalismo: o carter como mscara: no h fatos.) Asentimentalidade diante do passado: no se suportaria a biografia! 4 9. O mesmo na arte: o romantismo e seu contragolpe5 (a repugnncia ao ideal romntico e suamentira). Este moral, tem o sentido de uma grande veracidade, mas pessimista. Os artistas puros(indiferentes em face do assunto). (Psicologia de confessor e psicologia de puritano, duas formas doromantismo psicolgico: mas tambm o seu oposto, a tentativa de observar o homem do ngulo puramenteartstico, ainda no se ousa ali a apreciao contrria!) 10 Todo o sistema europeu das aspiraes humanas tem conscincia de seu absurdo ou melhor desua imoralidade. Probabilidade de um novo budismo. O maior perigo. Quais as relaes entre averacidade, o amor, a justia e o mundo verdadeiro? No existe nenhuma! I Niilismo2.3Para Nietzsche o pessimismo tambm uma condio do predo mnio dos impulsos de morte. A palavra moderna e a acepc deNietzsche no a de Coleridge, e sim a de Schopenhauer levemente modificada. No propriamente a disposio de esp. rito queconsiste em ver o lado mau das coisas de preferncia aos bons, nem um desejo de que os acontecimentos se processerrdesfavoravelmente, nem a acepo de que a vida somente dor e o prazer a cessao desta. Nietzsche, no aforismo n. 16, define aacepo que aceita. Pessimismo a disposio de esprito parl ver o predomnio da dor sobre o prazer ou vice-versa (hedonismo). E nestecaso que o pessimismo j o preldio do niilismo. As outras acepes de Nietzsche acerca do pessimismo so expressadas nos aforismosseguintes.4Biografia, aqui, para Nietzsche a narrativa da vida, das aes e dos trabalhos de uma determinada personagem histrica, quandoorientada pelo romantismo, onde a exaltao da personagem era uma negao da realidade. Para a histria, a biografia um auxiliarpoderoso. No momento, porm, em que o niilismo predomina, em que o realismo se impe na arte, a biografia inaceitvel no estiloclssico, tanto dos bolandistas, dos hagigrafos, como no das famosas galerias de homens clebres, to abundantes nos trsprimeiros quartis do sculo dezenove. A biografia moderna afasta-se do estilo romntico, sem ser friamente realista. A tendnciapredominante fazer do biografado um ponto de referncia sua poca, tornando a personagem mais universal, sem desumaniz-la.5O contragolpe o realismo, dominante no fim do sculo dezenove. 3. a) Niilismo, uma condio normal. Niilismo: falta-lhe a finalidade: a resposta pergunta Paraqu? Que significa o niilismo? Que os valores superiores se depreciam.Pode ser indcio de fora, pode o vigor do esprito aumentar at parecerem imprprios os fins que atento desejava alcanar. (convices, artigos de f) (: porque a f expressa geralmente a necessidade decondies de existncia, a submisso autoridade de certa ordem de coisas que prospere e desenvolva um Sei,proporcionando-lhe a aquisio da potncia...); por outra parte, o indcio de fora, insuficiente para erigir a simesma uma finalidade, uma razo de ser, uma f.Alcana o mximo de sua fora relativa como fora violenta de destruio: como niilismo ativo.Poderamos dar como seu oposto o niilismo fatigado que no mais ataca: a mais conhecida de suas formas obudismo, que niilismo passivo, como sinal de fraqueza; a atividade do esprito pode estar fatigada, esgotada,de tal forma que os fins e valores preconizados at o presente paream imprprios e no mais se imponham,de sorte que a sntese dos valores e dos fins (sobre os quais repousa toda cultura slida) se decomponha, e queos diferentes valores se guerreiem entre si; uma desagregao...; que tudo o que alivia, cura, tranqiliza,adormenta, venha em primeira plana, sob roupagens diversas, religiosas ou morais, polticas ou estticas, etc.O niilismo representa um estado patolgico intermedirio ( patolgica a desmedidageneralizao, a concluso que no tende a nenhum sentido ): ou porque as foras produtivas ainda noestejam suficientemente slidas, ou porque a decadncia ainda hesitante no tenha descoberto seus meios.b) Condio desta hiptese. Que absolutamente no existe verdade; que no h uma modalidadeabsoluta das coisas, nem coisa em si6. Isto propriamente nada mais que niilismo, e o mais extremoniilismo. Ele faz consistir o valor das coisas precisamente no fato de que nenhuma realidade corresponde nemcorrespondeu a tais valores, os quais so nada mais que um sintoma de fora por parte dos que_estabelecemescalas de valor, uma simplificao para conquistar a vida.3.A pergunta do niilismo para qu? vem do uso, at hoje dominante, graas ao qual o fim pareciafixado, dado, exigido de fora quer dizer, por alguma autoridade supra-humana. Quando desaprenderam acrer nessa autoridade, procuraram, segundo uso antigo, outra que soubesse falar a linguagem absoluta eordenar desgnios e encargos. A autoridade da conscincia agora sobretudo, uma compensao para aautoridade pessoal (quanto mais a moral se emancipa da teologia mais se torna imperiosa). Ou ento aautoridade da razo. Ou o instinto social (o rebanho). Ou ainda a histria com seu esprito imanente, que temo seu fim em si prpria, e qual podem confiadamente se entregar. Desejariam desviar o querer, a vontade deum objetivo, o risco que poderiam correr ao marcar uma finalidade para si mesmos; desejariam desobrigar-seda responsabilidade (aceitariam o fatalismo). Enfim: a felicidade, e, com um pouco de tartufismo, afelicidade do maior nmero.Dizem:1) E de todo desnecessrio um fim determinado;2) impossvel prever esse fim.Agora quando a vontade seria necessria em sua mais forte expresso, justamente quando maisfraca e mais pusilnime. Desconfiana absoluta quanto fora organizadora da vontade de conjunto.(poca em que todas as apreciaes intuitivas vm, uma aps outras, em primeira categoria, comose pudssemos obter urna direo por intermdio c1elas, e como se dessa direo nos vssemos privados seprocedssemos de outra forma.)Para qu? Exige uma resposta 1) da conscincia, 2) do instinto de felicidade, 3) do instintosocial (rebanho), 4) da razo (esprito), suposto que no estejamos obrigados a querer, a fixar-nos ummotivo.Depois sobreveio o fatalismo: absolutamente no h resposta, mas para alguma parte estamosindo, impossvel querer um fim, com resignao... ou revolta...Agnosticismo em relao finalidade.Depois sobreveio a negao considerada como explicao da vida: a vida considerada como algo6Neste caso o sentido de coisa em si o metafisico (Ding an Sich), pelo qual uma coisa subsiste em si mesma sem supor outra coisa,segundo o conceito kantiano e no no conceito realista vulgar de existncia fora da representao. Mas Nietzsche, em negando a coisaem si, nega o conceito ntico, o noumeno da acepo ps.kantiana, que afirma uma existncia absoluta, fora da relao dialtica, emmovimento. Nietzsche aceita somente a relao trgico-dialtica das coisas, em seu movimento de contradio, como j expusemos noprlogo. 4. que se concebe sem valor e que se acaba por suprimir).4. A mais geral caracterstica dos tempos modernos: o homem desmereceu, ante seus prprios olhos,infinitamente em dignidade. Foi durante muito tempo centro e o heri trgico da existncia, em geral; depoisse esforou ao menos em afirmar o seu parentesco com a poro decisiva da existncia que possua valor porsi mesma como fazem todos os metafsicos que querem manter a dignidade do homem, com a crena deque os valores morais so valores cardeais. Aquele que abandonou a Deus prende-se com redobradaseveridade crena na moral.Crtica do niilismo5.O niilismo, como condio psicolgica, aparecer, primeiramente, logo que sejamos forados a dar atudo o que acontece o sentido que a no se encontra: dessa forma, quem procura, acabar por perder acoragem. O niilismo pois o conhecimento do longo desperdcio da fora, a tortura que ocasiona esse emvo, a incerteza, a falta de oportunidade de se refazer de qualquer maneira que seja, de tranqilizar-se emrelao ao que quer que seja a vergonha de si mesmo, como se framos ludibriados por longo tempo...Esse sentido talvez fora: ou o cumprimento de um cnone moral superior em tudo o que tem ocorrido, omundo moral; ou o aumento do amor e harmonia nas relaes entre os seres ou parte da realizao do estadode felicidade universal; ou at a marcha para um no-ser universal. Uma finalidade qualquer basta paraatribuir-lhe um sentido. Todas essas concepes tm de comum o quererem alcanar algo pelo seu prprioprocessus: e logo se percebe que por esse eterno vir-a-ser7 nada se realizou, nada se atingiu... Assim adecepo quanto a um pretenso alvo do eterno vir-a-ser a causa do niilismo: ou essa decepo relaciona-se com um propsito de antemo determinado, ou de maneira geral, percebe-se que todas as hipteses de umafinalidade at aqui emitidas, quanto totalidade da evoluo, so insuficientes (o homem no mais seapresenta como o colaborador e, menos ainda, como o centro do eterno vir-a-ser).O niilismo, como condio psicolgica, aparecer, em segundo lugar, logo que se estabelea umatotalidade, uma sistematizao, e tambm uma organizao em tudo o que sucede e atrs de tudo o quesucede, de forma que a alma, sedenta de respeito e de admirao, navegar na idia de um domnio e de umgoverno superiores (se a alma de um lgico, o encadeamento das conseqncias e a realidade dialticaabsolutas sero suficientes para tudo conciliar...) Uma espcie de unidade, forma qualquer do monismo: e,como conseqncia desta crena, o homem, num sentimento de profunda conexo e dependncia frente afrente de um todo que lhe infinitamente superior, sente-se a forma material da divindade... O bem datotalidade exige o abandono do indivduo... Ora, no existe semelhante totalidade!...8No fundo, o homem perdeu a crena em seu valor, desde que no um todo infinitamente preciosoque atua por ele: o que equivale a dizer que concebeu este todo a fim de poder dar crdito ao seu prpriovalor.O niilismo como condio psicolgica, possui ainda uma terceira e ltima forma. Aceitos estes doisjulgamentos: a saber, que pelo devir nada deve ser realizado e que o devir no regido por uma grandeuhisde, onde o indivduo possa inteiramente prender-se como num elemento de valor superior: resta-lhe osubterfgio de condenar a totalidade daquele mundo do devir porque iluso, e inventar um mundo que seencontre alm deste, mundo que ser o mundo-verdade. Mas desde que o homem compreende que estemundo somente foi edificado para responder s necessidades psicolgicas e que este no tem absolutamentenenhum fundamento, nasce-lhe uma forma suprema do niilismo, forma que abarca a negao de um mundo7No decorrer deste livro traduziremos a expresso Werder, que o devenir francs, o fieri latino, umas vezes por contnuo vir-a-ser,por eterno vir-a-ser e outras pelo neologismo devir, j aceito por muitos gramticos. Esse devir expressa o sentido da existncianietzscheana, de um contnuo vir-a-ser das coisas. Mas a expresso Werden, em Nietzsche, no simplesmente a passagem de um estadopara outro estado, um tornar-se, mas um contnuo tornar-se, porque ele no aceita o esttico de um estado posterior. Assim devir, atravsdeste livro, indica sempre a eternidade do vir-a-ser e nessa acepo deve ser compreendida pelo leitor.8O que Nietzsche nega aqui a humanidade como totalidade. Ele adota a opinio de Goethe, que no aceitava a existncia dahumanidade... Existem homens e nada mais que homens. Para Nietzsche, a humanidade ainda um desejo, uma conquista a ser obtida.S acreditava na humanidade conquistada por super-homens, isto , quando o Homo sapiens sobrepassasse a si mesmo. Para Nietzschehumanidade era simplesmente uma palavra. 5. metafsico, que exclui a crena num mundo-verdade. Por este ngulo admite a realidade do devir comonica realidade, proibindo qualquer desvio que leve a um alm e a falsas divindades e no tolera mais estemundo, embora no queira neg-lo9. Que sucedeu ento? Apesar de realizado o sentimento do no-valor compreendeu que no poderiainterpretar o carter geral da existncia nem pela concepo de finalidade, nem pela de unidade, nem pelade verdade. Nada consegue nem obtm por meio delas; falta a unidade que intervm na multiplicidade dosacontecimentos: o carter da existncia no verdadeiro, ele falso... decididamente no tem mais razo dese persuadir da existncia do mundo-verdade... Em uma palavra, as categorias: finalidade, unidade, ser,pelas quais demos um valor ao mundo, so retiradas por ns e desde ento o mundo tem o carter de umacousa sem valor... Admitindo tenhamos reconhecido que o mundo, por estas trs categorias, no pode mais serinterpretado, e que, segundo este exame, se desvalorize para ns, impe-se perguntemos donde nos vem acrena nestas trs categorias. Experimentemos se no possvel recusar-lhes crdito! Desde que astenhamos desvalorizado, a demonstrao da impossibilidade de aplic-las ao mundo no mais razosuficiente para desvalorizar o mundo. Resultado: a crena nas categorias da razo a causa do niilismo, temos medido o valor domundo de acordo com as categorias que se relacionam com um mundo puramente fictcio.6. Concluso: todos os valores pelos quais experimentamos at o presente tornar o mundo avalivelpara ns, e pelos quais temo-lo precisamente desvalorizado desde que se mostraram inaplicveis, sob ongulo psicolgico, todos estes valores so resultados de certas perspectivas de utilidade, estabelecidas paramanter e aumentar as criaes de domnio humano: mas falsamente projetadas na essncia das coisas. ainda a ingenuidade hiperblica do homem que o leva a considerar-se o sentido e medida dascousas...Proposio principal. Em que sentido o niilismo completo a conseqncia necessria do idealatual. Niilismo incompleto, suas formas: vivemos em meio dele. As tentativas para evitar o niilismo, sem transmutar os valores dominantes, provocam o contrrio,agravam o problema.Toda escala de valores puramente moral (como por exemplo a budista) termina no niilismo: eis o quese deve aguardar para a Europa Pensa-se bastar um moralismo sem fundo religioso: mas a o caminho doniilismo est necessariamente aberto. A presso que nos obriga a considerarmo-nos como estabelecedores de valores, no existe nareligio.8. Nada mais perigoso que um objeto de desejo contrrio essncia da vida. A concluso niilista (acrena no no-valor) conseqncia da avaliao moral: perdemos o gosto do egosmo (emborareconheamos que no existe ato no-egosta); perdemos o gosto da necessidade (embora reconheamos aimpossibilidade do livre-arbtrio e da liberdade inteligvel). Compreendemos que no alcanamos a esferaonde colocamos os nosso valores mas, por este fato, a outra esfera, aquela onde vivemos, nada ganhou emvalor: ao contrrio, estamos fatigados, porque perdemos nosso estmulo principal. Em vo, at agora!9. O niilismo radical a convico da absoluta insustentabilidade da existncia, quando se refere aosvalores superiores que se aceitam; acrescente-se ainda o sabermos que no temos o menor direito de fixar umalm ou um em-si das coisas. Esse conhecimento a continuao do esprito verdico que se desenvolveu em ns: tambm aconseqncia da f na moral. Eis aqui a antinomia: enquanto cremos na moral, condenamos a existncia.9Nietzsche quer referir-se a certas concepes filosficas que afirmam a existncia de um mundo-das-aparncias, o mundo em quevivemos, e um mundo-verdade, do qual este simplesmente uma iepiescntao. Tal mundo-verdade os crentes colocam- no numalm. A concepo essencialmente, em suas diversas espcies. fixa este aspecto. Afirmando o mundo-das-aparncias como nicomundo da existncia, Nietzsche emprestava uma grande fora ii escola moderna dos existencialistas, movimento atual da filosofia, aoqual muitos lhe atribuem o impulso principal. 6. A lgica do pessimismo levada at os limites extremos do niilismo: qual o princpio ativo? noo da falta de valor, da falta de sentido: de que maneira as escalas de valores morais se encontram atrs detodos os outros valores superiores. Resultado as escalas de valores morais so condenaes, negaes; a moral afasta da vontade deviver... Problema: mas que a moral?O Niilismo Europeu10.Que vantagens oferecia a hiptese da moral crist?1) ela concebia ao homem valor absoluto, em oposio sua pequenez e sua acidncia no rio dodevir e da morte;2) convinha aos advogados de Deus pelo carter de perfeio que emprestava ao mundo, apesar damisria e do mal, a compreendida a famosa Liberdade : o mal aparecia cheio de sentido;3) admitia que o homem possusse um saber particular acerca dos valores absolutos, oferecendo-lhe,assim, para o que mais interessava, um conhecimento adequado;4) evitava que o homem se desprezasse, enquanto homem, que tomasse partido contra a vida, edesesperasse do conhecimento; era um meio de conservao.Em resumo: a moral era o grande antdoto contra o niilismo prtico e terico.Mas, entre as foras que a moral alimentou, encontrava-se a veracidade: esta termina por volver-secontra a moral, descobrindo sua telcologia, sua considerao interessada; e agora, o conhecimento destamentira tanto tempo encarnada, da qual perdemos a esperana dc desembaraar-nos, atua precisamente comoestimulante. Verificamos em ns necessidades implantadas pela longa interpretao moral, que nos aparecemimediatamente como exigncias de no-verdade: por outro lado, suportamos viver por aquelas necessidades,s quais o valor parece ligado. Nada estimamos do que conhecemos e no mais ousamos estimar aquilo quegostaramos que nos iludisse: deste antagonismo resulta um processo de decomposio.Na realidade no temos mais necessidade de antdoto contra. o primeiro niilismo: em nossa Europa avida no maisincerta, arriscada, insensata a um tal ponto.A elevao do valor do homem, do valor do mal, etc., a uma potncia to grande, no maisnecessria agora; suportamos uma reduo importante desse valor, admitimos a parte de no-senso, de azar: apotncia atingida pelo homem permite agora um rebaixamento dos meios de disciplina cuja interpretaomoral foi o lado forte.Deus uma hiptese demasiadamente extrema.Contudo as posies extremas so revezadas por posies mais moderadas, mas por outrasigualmente extremas, somente diferentes por serem s avessas.E assim que a crena na imoralidade absoluta da natureza, na falta de finalidade e de sentido,transforma-se numa paixo, psicologicamente necessria quando insustentvel a f em Deus e numa ordemessencialmente moral. O niilismo aparece agora, no porque o desprazer da existncia tenha aumentado, masporque, de maneira geral, desconfiam da significao que possa haver no mal, ou at na existncia.Apenas urna interpretao foi destruda: mas como era considerada a nica interpretao, poderiaparecer que a existncia nenhum significado tivera e que tudo fora em vo.Resta demonstrar que este em vo o carter do niilismo atual. A desconfiana em nossos valoresantecedentes acentua-se at ousarmos a pergunta: No sero todos os valores meios de seduo, paraarrastar a comdia sem que o desfecho se aproxime? Essa demora, com um em vo, sem finalidade nemmotivos, a idia mais paralisante, sobretudo quando se compreende tue se foi enganado, sem ter a foranecessria para no se deixar enganar...Imaginemos essa idia sob o mais terrvel aspecto: a existncia tal qual , sem finalidade nemmotivos, mas repetindo-se sem cessar, de uma maneira inevitvel, sem um desfecho em o nada: o EternoRetorno. a forma extrema do niilismo: o nada (o contra-senso) eterno!Forma europia do budismo: a energia do saber e da fora co-agem a uma tal crena: E a maiscientfica de todas as hipteses possveis. Negamos as causas finais: se a existncia tendesse a um fim, a esse 7. fim j teria atingido10.O que se visa aqui, compreende-se, est em contradio com o pantesmo: porque a afirmao de quetudo perfeito, divino, eterno, obriga igualmente a admitir o Eterno Retorno. Uma interrogao: estaposio afirmativa e pantesta em face de todas as coisas tornou-se impossvel pela moral? Em suma: foisomente o Deus moral que foi ultrapassado? Ter sentido imaginar um Deus alm do bem e do mal?Seria imaginvel um pantesmo dirigido neste sentido? Suprimindo a idia de finalidade noprocessus, afirmaramos contudo o processus? Este seria o caso de, no crculo deste processus, a cadamomento deste, algo fosse alcanado e sempre fosse a mesma coisa. Espinosa conquistou uma anlogaposio afirmativa, no sentido que, para ele, cada momento tem sua necessidade lgica: e conquistou umasemelhante conformao do mundo graas ao seu instinto lgico fundamental.Mas o caso de Espinosa apenas um caso particular. Todo trao fundamental de carter, formando abase de todos os fatos, exprimindo-se em todos os fatos, cada vez que fosse considerado por um indivduocomo seu trao fundamental, deveria impulsionar este indivduo a aprovar triunfantemente cada momento daexistncia universal. Importaria precisamente em que esse trao fundamental de carter produzisse em simesmo uma impresso de prazer, que o tornasse a sentir como bom e precioso.Ora, a moral protegeu a existncia contra o desespero e a autodestruio entre os homens e as classesque foram violentadas e oprimidas por outros homens: porque a impotncia em face dos homens, e no aimpotncia em face da natureza, que produz o amargo desespero de viver 11. A moral tratou como inimigos oshomens autoritrios e violentos, os senhores em geral, contra os quais o simples devia ser protegido, querdizer: antes de tudo encorajado e fortificado. Conseqentemente a moral ensinou a odiar e a desprezar o queforma o trao fundamental do carter dos dominadores: sua vontade de potncia. Suprimir, negar, decomporessa moral: isso seria olhar o mais odiado instinto com um sentimento e estimao contrrios.Se o oprimido, aquele que sofre, perdesse a crena em seu direito de desprezar a vontade depotncia, sua situao seria de desespero. Para que isso fosse assim, seria necessrio que este gesto fosseessencial vida e que se pudesse demonstrar que, na vontade moral, a vontade de potncia foi apenasdissimulada, e que esse dio e esse desprezo nada mais so que manifestaes daquela. O oprimidocompreenderia que se encontra no mesmo terreno que o opressor e que no possui privilgio nem categoriasuperior sobre este.Bem ao contrrio! Nada h na vida que possa valer, seno o grau de potncia com a condio,bem entendido, de que a prpria vida seja vontade de potncia.A moral preserva os deserdados do niilismo, emprestando valor infinito a cada um deles, valormetafsico, classificando-os numa categoria que no correspondia potncia terrestre, hierarquia do mundo:pregava a submisso, a humildade, etc. Admitindo-se que a crena nessa moral fosse destruda, seriam osdeserdados privados das consolaes dessa moral e pereceriam. O perecer apresenta-se como vontade de perder-se, como escolha instintiva do que destrinecessariamente. Os sintomas da autodestruio nos deserdados so a autovivisseo, o envenenamento, oarrebatamento, o romantismo, acima de tudo a coao instintiva a atos pelos quais tornam os poderosos seusinimigos mortais (instituindo, por assim dizer, seus prprios carrascos), a vontade de destruio comovontade de um instinto mais profundo ainda, o instinto de autodestruio, a vontade do nada12.O niilismo um sintoma; revela que os deserdados no tm mais consolao: que destroem paraserem destrudos, que afastados da moral, no tm mais razo para se resignarem, que se colocam noterreno do princpio oposto e que querem tambm a potncia do seu lado, forando os poderosos atransformarem-se em seus carrascos. E a forma europia do budismo, a negao ativa, desde que a prpriavida perdeu seu sentido. escusado acreditar que a desgraa se tenha tornado maior: pelo contrrio! Deus, a moral, aresignao eram remdios para graus de misria terrivelmente baixos: o niilismo ativo apresenta-se emcondies relativamente muito mais favorveis. At o fato de se considerar a moral como ultrapassadaimplica um certo grau de cultura intelectual; e esta cultura, por seu turno, um bem-estar relativo.Certa fadiga intelectual impulsionada por uma longa luta de opinies filosficas at o cepticismodesesperado em face de toda a filosofia caracteriza igualmente o nvel, de forma alguma inferior, desses10 Este o argumento central de Nietzsche para a justificao de sua teoria do Eterno Retorno.11 Nietzsche fixa um aspecto comprovado entre ns, no caso do Cear, e ainda no dos rabes e de outros povos. O homem nunca odiou aterra. O desespero de viver nasce das relaes dos homens entre si e no de sua incapacidade no domnio da natureza.12 Esta vontade do nada o desejo de retorno ao ventre materno, os impulsos de morte que estuda a psicologia profunda da atualidade. 8. niilistas. Lembrem-se em que condies Buda entrou em cena. A doutrina do Eterno Retorno repousaria emhipteses eruditas (como as que possua a doutrina de Buda, por exemplo, a idia de causalidade, etc.). Que significa hoje deserdado? Impe-se antes de tudo colocar a pergunta debaixo do aspectofisiolgico e no sob o ngulo poltico. A mais doentia espcie de homens da Europa (em todas as classes)forma o terreno do niilismo: essa espcie considerar a crena no Eterno Retorno uma maldio e quandoimpressionada por ela, no recua mais adiante de nenhuma ao. Querer apagar, no somente de modopassivo, mas ainda fazer apagar tudo quanto a este respeito esteja desprovido de significao e de fim.Embora isso no seja para ela mais que um espasmo, um furor cego diante da certeza de que tudo j existiu detoda a eternidade inclusive este momento de niilismo e de destruio. O valor de uma tal crise quepurifica, rene os elementos semelhantes e os faz destrurem-se uns aos outros, determina a homens de idiasopostas, tarefas comuns pondo tambm luz meridiana, entre eles, os fracos e os hesitantes, e provocando,assim, uma hierarquia de foras sob o aspecto da sade; que ela reconhece pelo que so, os que mandam e osque obedecem. Naturalmente fora de todas as convenes sociais existentes. Quais os que se mostraro mais fortes? Os mais modera- dos, os que no tm necessidade de dogmasextremos, os que no somente admitem, mas amam tambm uma boa parte de acaso, de contra-senso. Osque podem pensar no homem, reduzindo consideravelmente seu valor, sem que se sintam, por isso,diminudos ou enfraquecidos: os mais ricos em relao sade, aqueles que esto altura da maior desgraa eque, por isso mesmo, no temem a desgraa, homens que esto convictos de seu poder e que, com uma altivezconsciente, representam a fora qual o homem atingiu 13. Como semelhantes homens imaginaro o Eterno Retorno?11. Os valores superiores, a cujo servio o homem deveria viver, sobretudo quando dispusessem dele demaneira grave e custosa, os valores sociais, a fim de fortalec-los, como se fossem mandamentos de Deus,foram elevados acima dos homens, como realidades, como o verdadeiro mundo, a esperana do mundo avir. Agora que a origem mesquinha daqueles valores se nos revela claramente, o universo por issoparece-nos desvalorizados, parece-nos ter perdido seu sentido... mas isso nada mais que um estadointermedirio.12.Perspectiva principal. Escusado lobrigar a misso da espcie superior na direo da espcieinferior (como por exemplo o fez Comte ), mas impe-se considerar a espcie inferior como base sobre aqual a espcie superior pode edificar sua misso base necessria ao crescimento daquela.As condies que permitem a espcie forte e nobre conserva-se (em relao disciplina intelectual),so o oposto s condies que regem a massa industrial, os especieiros Spencer 14.Se o que apenas permitido s naturezas mais fortes e s mais fecundas, para tornar sua existnciasuportvel os cios, as aventuras, a incredulidade, e at incluindo a devassido permitindo fossem snaturezas medianas, inevitavelmente f-las-ia perecer. E, efetivamente, sucede assim. A atividade, a regra, amoderao, as convices consistem, em uma palavra, em virtude de rebanho: com elas a espcie dehomens medianos atinge sua perfeio.Causas do niilismo: 1) Ausncia da espcie superior, isto , aquela cuja fecundidade e potnciainesgotveis mantm a crena no homem. (Imaginem quanto devemos a Napoleo: quase todas as esperanassuperiores deste sculo.)2) A espcie inferior, rebanho, massa, sociedade esquece a modstia e infla suasnecessidades at transform-las em valores csmicos e metafisicos.Assim ela vulgariza a existncia: porque a massa tiraniza os homens de exceo quando governa,fazendo-lhes perderem a f em si mesmos, e arrastando-os ao niilismo.13Aqui j esto, em parte, enumerados os caracteres que Nietzsche deseja para o super-homem. Homens dessa espcie podemdesejar o Eterno Retorno. Foi isso que no compreendeu o Pe. Leonel Franca. Para os desesperados o Eterno Retorno uma maldio.No o para os que esto alturado seu sofrimento.14 Este nome de especieiros dado aos vendedores de especiarias. Nietzsche usa-o aqui, no sentido pejorativo, como homens de idiasestreitas , comuns, desprovidos de elevao. 9. Malogram-se todas as tentativas de imaginar tipos supenores (oromantismo; o artista, o filsofo; a-pesar-dos esforos de Carlyle em lhes emprestar valores morais superiores). Como resultado, a resistncia contra os tipos superiores. Rebaixamento e incerteza de todos os tipossuperiores. A luta contra o gnio (a poesia popular, etc). A compaixo aos humildes e aos que sofrem, como padro para a elevao da alma. Falta o filsofo,o intrprete da ao, e no apenas aquele que a transforma em poesia.13.Em que sentido o niilismo de Schopenhauer continua sendo a conseqncia de um mesmoideal, criado pelo tesmo cristo. To grande era o grau de certeza em relao ao objeto do mais elevadodesejo, em relao aos valores superiores e maior perfeio, que os filsofos nela se apoiavam como numacerteza absoluta, como numa certeza a priori: com Deus no cimo como verdade imediata. Tornar-se igual aDeus, fundir-se em Deus isso foi, durante milhares de anos, o objeto do mais ingnuo e do maisconvincente desejo ( uma coisa convence, nem por isso mais verdadeira: somente convincente.Advertncia destinada aos asnos).Esqueceram-se de atribuir a essa fixao dos ideais uma realidade pessoal: tornaram-se ateus.Renunciaram, por isso, o ideal? Em resumo, os ltimos metafsicos procuram sempre neste ideal a realidadeverdadeira, a coisa em si, em relao qual o resto aparncia. Instituem como dogma que o nosso mundodas aparncias por no ser visivelmente a expresso desse ideal, no poderia ser verdadeiro, nem poderiaremontar ao mundo metafsico que consideram como causa. E impossvel que o incondicionado, enquantorepresenta esse perfeio superior, seja a razo de tudo quanto condicionado. Schopenhauer, desejando quefosse de outra maneira, foi forado a imaginar aquele fundo metafsico como anttese do ideal, como vontadem e cega: assim este poderia ser o que parece, o que se manifesta no mundo das aparncias. Mas nem porisso renunciava quele ideal absoluto... e escapou-se por esta sada. (Kant parecia ter necessidade dahiptese da liberdade inteligvel para desobrigar o ens perfectum da responsabilidade da forma como estcondicionado este mundo, numa palavra, para explicar o mal: lgica escandalosa para um filsofo...)A moral como avaliao superior. Ou o nosso mundo obra e expresso (modalidade) de umdeus: neste caso impunha-se que fosse de perfeio suprema (concluso de Leibnitz...) e no se duvidariade saber o que pertence perfeio neste caso o mal no poderia ser seno aparente (em Espinosa, demaneira mais radical, a idia do bem e do mal), ou preciso deduzi-lo do desgnio supremo de Deus ( talvez como conseqncia de um favor especial da divindade que permite a escolha entre o bem e o mal: este o privilgio de no se ser um autmato: a liberdade a risco de enganar-se, de escolher mal... como porexemplo Simplicius em seu comentrio acerca de Epicteto)15.Ou o nosso mundo imperfeito, o mal e o erro so reais so determinados, absolutos, inerentes existncia dele logo no o mundo-verdade: logo o conhecimento apena o caminho para alcanar a negaodeste; logo um erro que como tal podemos reconhecer. E a opinio de Schopenhauer baseada nas hiptesesde Kant. Pascal mais desesperado ainda: entendeu que o conhecimento tambm deveria estar corrompido,falsificado, que a revelao necessria para compreender o mundo, inclusive em forma negativa...14.As causas que devemos atribuir vinda do pessimismo:1) Os mais poderosos e mais fecundos instintos vitais foram at aqui caluniados. Por isso umamaldio repousa sobre a vida;2) a bravura e probidade crescentes e a mais audaciosa suspeita do homem percebem que aquelesinstintos no podem ser destacados da vida e conseqentemente se volvem contra a vida;3) s prosperam os mais medocres que nem seque sentem este conflito; a espcie superior malogra-se e indis pe-se contra si, como produto da degenerescncia, por outro lado indignamo-nos contra omedocre que quer atribuir a si um carter de finalidade e de sentido ( ningum mais pode responder a umpara qu? );4) o amesquinhar, a faculdade de sofrer, a inquietude, a precipitao, o formigar, aumentamincessantemente, a atualizao de todo este movimento, ao qual chamamos civilizao, torna-se cada vez15 Simplicius foi um filsofo grego. Fez vrios estudos, entre eIe um acerca do Manual de Epitecto. J em seu comentrio ac DeCoelo, de Aristteles, Simplicius havia aproximado o pen sarnento de Epitecto quele, filiando-o sistematicamente ao neoplatonismo.Simplicius obteve celebridade por erros ingnuos de sua obra. Nietzsche refere-se neste aforismo certamente ao fato de haver Simpliciusfeito esforos sobre-humanos para conciliar a filosofia de Epitecto com a de Plato e a de Aristteles. Observe-se que Epicteto tambm dos filsofos no-sistemticos que se ausentam da maioria das histrias de filosofia. 10. mais fcil, e o indivduo desanima e submete-se em face dessa enorme organizao.15.Evoluo do pessimismo ao niilismo. Desnaturao dos valores. Escolstica dos valores. Osvalores insulado e idealizados, em vez de conduzirem e de dominarem a ao voltam-se contra a ao queeles refutam.Contrastes em vez de escalas e ordens naturais. dio hierarquia. Os contrastes correspondem a umapoca de gentalha porque so muito mais fceis de compreender.O mundo refutado em presena de outro artificialmente edificado, do mundo-verdade, o nicoque vale algum coisa. Mas afinal se descobre com quais elementos cons trudo o mundo-verdade, epercebe-se que apenas sobre o mundo-refutado, e lhe atribuda esta suprema desiluso.Estamos agora em face do niilismo: conservaram-se os valores que julgam e nada mais! Isso dnascimento ao problema da fora e da fraqueza:1) nele os fracos se despedaam;2) os fortes destroem o que resiste;3) os mais fortes ultrapassam os valores que julgam.Tudo isso retinido cria a idade trgica.Para a crtica do pessimismo. A preponderncia da tristeza sobre a alegria ou ento ocontrrio (hedonismo): estas duas doutrinas j so indcios do niilismo.Porque em ambos os casos, estabelecem como direo final os fenmenos de prazer ou de desprazer. assim que se manifesta certa casta de homens que no tm mais o brio de determinar para si umavontade, uma inteno, uma diretriz: para qualquer outra espcie mais s no se mediria o valor da vidapelo padro das coisas acessrias. E poderamos facilmente imaginar um excesso de dor e, apesar disso, avontade de viver, a afirmao da vida, ante a necessidade desse excesso.A vida no vale a pena ser vivida; resignao, que adiantam as lgrimas? eis aqui umaargumentao dbil e sentimental. Un monstre gai vaut mieux quun sentimental ennuyeux.16O pessimismo das naturezas enrgicas: que adianta aps uma luta terrvel, mesmo aps a vitria?Eis aqui o instinto fundamental das naturezas vigorosas: compreender que algo existe, cem vezes maisimportante do que sabermos se nos encontramos bem ou mal e conseqentemente o de sabermos se outrosse encontram bem ou mal. Em suma, afirma-lhes que encontramos um fim, pelo qual no hesitamos em fazersacrifcios humanos, em arrostar todos os perigos, em suportarmos o que h de pior: a grande paixo.Porque o sujeito apenas fico, o ego, cujo egosmo, dizem, desaparece totalmente quando censurado.O filsofo niilista um convicto de que tudo o que acon- 17 tece desprovido de sentido e feito emvo; no deveria, porm, existir o ser intil e desprovido de sentido. Onde vai buscar as razes que o levam atal objeo? Onde vai buscar esse sentido, essa medida? O niilista, em resumo, significa que o olharvolvido para semelhante ser vazio e intil absolutamente no satisfaz ao filsofo, causando-lhe impresso devazio e de desolao. Tal verificao est em contraste com nossa sutil sensibilidade de filsofo. Da concluir-se esta apreciao absurda: impe-se que o carter da existncia oferea prazer ao filsofo para que este possasubsistir de pleno direito... E fcil compreender desde logo que o prazer e o desprazer, no domnio do queacontece, somente podem ser considerados como meios: necessrio ainda perguntar se, de maneira geral,nos ser possvel ver o sentido, o fim, e se a pergunta da falta de sentido ou de seu contrrio, no serinsolvel para ns. Para a histria do niilismo europeu18. Perodo de obscuridade: tentativas de todos os gneros para conservar o antigo e no deixar o novoescapar-se. Perodo de claridade: percebe-se que o antigo e o novo so antteses fundamentais: os valoresantigos nascem da vida decrescente; os novos, da vida ascendente. Observa-se que o ideal antigo ideal contrrio vida (nascido da decadncia e determinando adecadncia, embora adornado com as esplndidas roupagens domingueiras da moral).16 Em francs no original. A frase de Voltaire. 11. Compreendemos as coisas antigas e no somos suficientemente fortes para as novas. Perodo das trs grandes paixes: o desprezo, a compaixo, a destruio. Perodo da catstrofe: a vinda de uma doutrina que passa os homens pelo crivo... que impulsiona osfracos s decises, e tambm os fortes.19.O dirio do niilista. O assombro ante a descoberta do falso.Vazio; ausncia de pensamentos: as paixes fortes revolvem-se em derredor de assuntos sem valor: os espectadores destes impulsos absurdos, o pr e o contra: necessrio refletir com ironia e friezaentre si mesmo. Os mais fortes impulsos aparecem como sedutores e mentirosos: como se devramos crerem seus objetivos. A maior fora no mais sabe a quem deve servir. Os meios existem porm sem finalidade.O atesmo encarado como falta de ideal.Fase da negao apaixonada: quando nela se alivia o desejo longamente acumulado de afirmao ede adorao...Fase do desprezo, at da negao... at da dvida... at da ironia... at do prprio desprezo...Catstrofe: No ser a mentira algo de divino? No reside o valor de todas as coisas precisamenteem serem falsas?... No convir crer em Deus, no porque seja verdadeiro, mas porque seja falso...? No sero desespero apenas a conseqncia da crena na verdade divina? No ser justamente a mentira, afalsificao, substituindo um falso motivo, que d um valor, um sentido, um fim?...20. O niilismo no somente a meditao acerca do em vo!, no somente a crena que tudo mereaparecer: lana mo obra e destri... Digam, se assim o quiserem, que ilgico: mas o niilismo descr danecessidade de ser lgico... caracterstica de espritos vigorosos e de vontades fortes: e, para estes, impossvel deterem-seante a negao do julgamento: a negao ativa tira sua origem da natureza deles. O aniquilar-se pelojulgamento sucede ao aniquilar-se pelo ato.21. O niilista perfeito. O olhar do niilista idealiza no sentido da fealdade, ele infiel s suasrecordaes e lhes permite carem e se desfolharem; e no as poupa palidez cadavrica que a fraquezaestende sobre as coisas longnquas e passadas. E o que no realiza quanto a si mesmo, tampouco o faz quantoa todo o passado dos homens, deixa que passado se esvaia.22. Para a gnese do niilista. Tardiamente que temos 22 coragem de confessar o que sabemosverdadeiramente. ue at o presente eu tenha sido fundamentalmente niilista, i h bem pouco tempo queconfessei a mim mesmo: tanto energia como o abandono que eu, como niilista, empreguei ai avanar,enganaram-me acerca desse fato principal. Quando seguimos para um fim, parece-nos impossvel que a ausncia de alvo em si seja artigo def.23.Os valores e as mutaes de valores esto em proporo com o aumento de potncia daquele quefixa os valores.O grau de incredulidade, de liberdade concedido ao esprito: expresses de aumento de potncia.O niilismo, ideal da mais alta potncia do esprito, a vida mais abundante, em parte destruidor,em parte irnico.24. Que a crena? Como nasce? Toda crena um aceitar algo como verdadeiro. A forma extrema doniilismo consistia em compreender que toda crena, o aceitar algo como verdadeiro, so necessariamentefalsos: porque absolutamente no existe mundo-verdade. Este seria, ento, um reflexo visto em perspectiva,cuja origem se encontra em ns (no sentido de que temos necessidade incessante de m mundo mais estreito,abreviado e simplificado.) Consistiria em compreender que um certo grau de fora que permite confessemos a ns 12. mesmos a aparncia, a necessidade da mentira, sem provocar a nossa runa...Neste sentido, o niilismo como negao de um mundo verdadeiro, de um ser, poderia constituir ummodo divino de pensar.II Para uma Crtica da Modernidade25.Renascimento e reforma. Que demonstra o Renascimento? Que o reino do indivduo tem seuslimites. A dissipao demasiadamente grande, no h possibilidade de reunir, de capitalizar, e oesgotamento sobrevm. So pocas em que tudo se desperdia, em que at se malgasta fora que deveriaservir para ajuntar, para capitalizar, para acumular riquezas sobre riquezas... At os adversrios de taismovimentos so forados a praticar o esbanjamento insensato de foras: esgotam-se logo, usam-se eesvaziam-se.Possumos, na Reforma, a correspondncia desordenada plebia da Renascena italiana, movimentooriundo de impulsos similares, com a diferena que, no norte, ainda em atraso e vulgar, tiveram de se revestirde um disfarce religioso, a noo de existncia superior no tinha ainda se afastado da noo de vidareligiosa.Na Reforma, o indivduo tambm quer alcanar a liberdade; cada um, seu prprio sacerdote, eissimplesmente frmula de libertinage. Na verdade, duas palavras bastam liberdade evanglica paraque todos os instintos, que tinham motivos de permanecer secretos, se desencadeassem como ces selvagens;os mais brutais apetites tiveram de sbito a coragem de se manifestar, tudo parecia justificado... Abstinham-sede compreender qual era a liberdade que no fundo sonhavam, fechavam os olhos diante de si mesmos... Masfechar os olhos e umedecer os lbios com discursos exaltados, no impedia estirassem as mos e tomassem oque havia para se tomar, e fizessem do ventre o deus do livre evangelho, e impulsionassem todos osinstintos de vingana e de dio para satisfazerem-se num furor insacivel... Isso durou certo tempo; depoissobreveio o esgotamento, tudo semelhantemente ao que se dera no meio-dia europeu; e l, tambm, umaespcie vulgar de esgotamento, um universal ruere in servitium... Ento sobreveio o sculo indecente daAlemanha...26.Os trs sculos. Suas diferentes sensibilidades explicam-se melhor pela forma seguinte:Aristocratismo: Descartes, reino da razo, testemunho da soberania na vontade;Feminismo: Rousseau, reino do sentimento, testemunho da soberania dos sentidos, mentiroso;Animalismo: Schopenhauer, reino dos apetites, testemunho da soberania dos instintos animais; maishonestos, porm mais sombrio.O sculo dezessete aristocrtico, coordena, altivo em relao a tudo o que animal, severo arespeito do corao, desprovido de sentimentalidade, no-alemo, ungemtlich; adversrio do que burlesco e natural; esprito generalizador e soberano em relao ao passado, porque cr em si mesmo. Possui,no fundo, muito da besta feroz, e pratica a disciplina asctica para tornar-se dominador. Sculo da fora devontade e tambm das paixes violentas.O sculo dezoito dominado pela mulher, entusiasta, espirituoso e banal, mas com o esprito aservio das aspiraes e do corao; libertino ao usufruir o que h de mais intelectual, solapando todas asautoridades; repleto de embriaguez e de serenidade, lcido, humano e socivel, falso ante si mesmo, muitocanalha no fundo...O sculo dezenove mais animal, mais vulgar, mais feio, mais realista, mas da gentalha, e, emconseqncia disso, melhor, mais honrado, mais flexvel a qualquer realidade, mais verdadeiro; pormmuito fraco de vontade, triste e obscuramente desejoso, mais fatalista. Nem terror, nem respeito diante darazo nem diante do corao; intimamente persuadido do domnio dos apetites (Schopenhauer chama devontade, no entanto, nada mais caracterstico para a sua filosofia que a ausncia de vontade). A prpriamoral reduz-se a um instinto (compaixo).Augusto Comte um prolongamento do sculo dezoito (domnio do corao sobre o crebro,sensualismo na teoria do conhecimento, exaltao altrusta).O fato de a cincia tornar-se a tal ponto soberana, mostra que o sculo dezenove se subtraiu aodomnio do ideal. Certa ausncia de necessidades e de desejos nos possibilitam a curiosidade e o rigorcientfico, espcie de virtude que nos peculiar... 13. O romantismo uma espcie de contragolpe do sculo dezoito, um desejo acumulado para sua exaltao emalto estilo na realidade h nele muito de teatral e logro de mesmo: queriam representar a natureza violenta,a grande paixo.O sculo dezenove busca, instintivamente, teorias que justifiquem a submisso fatalista ao impriodos fatos. xito alcanado por Hegel sobre a sentimentalidade sobre o idealismo romntico, deve-se ao quej possua fatalista no conjunto de seu pensamento, f na razo perior de que dispe aquele que triunfa, justificao do Estado verdadeiro (em lugar da humanidade, etc.).Para Schopenhauer somos algo estpidos, ou, no caso favorvel, algo que se suprime a si prprio. Eo sucesso determinismo, da derivao genealgica das obrigaes, consideradas anteriormente comoabsolutas, a doutrina do milieu e da adaptao, a reduo da vontade a movimentos reflexos, a negao davontade como causa agente; enfim um verdadeiro batismo novo: v-se por toda parte pouca vontade quea palavra torna-se disponvel para servir a novo significado. Outras teorias: a doutrina da objetividade, daobservao, independente da vontade, como nico caminho, que leva ao verdadeiro, e tambm beleza (e ainda a crena no gnio para ter um direito submisso); o.mecanismo, a rigidez determinvel doprocesso mecnico; o pretenso naturalismo, a eliminao do sujeito que escolhe, julga, interpreta, institudoem princpio17.Kant, com sua razo prtica, com seu fanatismo moral, pertence inteiramente ao sculo dezoito;encontra-se da completamente fora do movimento histrico; no tem menor compreenso das realidades doseu tempo, por exemplo, da Revoluo; mas se impressionou com a filosofia grega; um fantasista da idiado dever, uma sensualista tendncia oculta para os mimos dogmticos.Em nosso sculo o retorno a Kant um retorno ao sculo dezoito: querem de novo alcanar o direitoao antigo ideal, antiga exaltao, eis por que se impe uma teoria do conhecimento que trace limites,isto , que permita fixar, vontade, um alm da razo...O pensamento de Hegel no est to distanciado do de Goethe: basta ouvir o que Goethe diz deEspinosa. E o desejo divinizar o universo e a vida, para encontrar na contemplao e no estudo, o repouso e afelicidade; Hegel busca razo em tudo diante da razo podemos submeter-nos e resignar-nos. Em Goetheh uma espcie de fanatismo quase alegre e confiante, fatalismo que no se revolta nem enfraquece, quebusca fazer de si mesmo uma totalidade, o sentimento de que a totalidade sozinha decide de tudo, justificatodas coisas e f-las parecer boas.27.O sculo dezessete sofre da humanidade como de uma soma de contrastes (lamas decontraditions que somos); busca descobrir o homem, coorden-lo, desenterr-lo: quanto o sculo dezoitoprocura esquecer o que se sabe da natureza do homem, para adapt-lo sua utopia. Superficial, meigo,humanitrio entusiasma-se pelo homem.O sculo dezessete esfora-se por desfazer os traos do indivduo para que a obra se parea o maispossvel com a vida. O sculo dezoito busca, pela obra, interessar-se no autor, O sculo dezessete procura aarte na arte, um pedao de civilizao; o sculo dezoito serve-se da arte para fazer propaganda da ordempoltica, em favor das reformas sociais.A utopia, o homem ideal, a divinizao da natureza, a vaidade da encenao de sua prpriapessoa, a subordinao propaganda social, o charlatanismo, o que nos oferece o sculo dezoito.O estilo do sculo dezessete: propre, exact et livre.O indivduo forte que se basta a si mesmo ou o que esfora com ardor ante Deus essaimportunidade e indiscrio de escritor moderno so contradies. Produzir-se vista de todos quecontraste com os sbios de Port Royal!18 Alfieri tinha o sentimento do grande estilo.A averso do burlesco, da ausncia de dignidade, e a falta do sentido da natureza pertencem aosculo dezessete.17 a crena no gnio para ter direito submisso, eliminao do sujeito que julga, interpreta, institudo como princpio, so premissasdo nazismo. O nazismo encerra, portanto, os elementos desagradveis que Nietzsche combateu durante toda a vida.18 Nietzsche refere-se a Port Royal des Champs, onde viviam asceticamente, entregues meditao e ao estudo, sbios da categoria dePascal, Arnauld dAndjlly, Antoine, o grande Arnauld, Lemaistre, Sacy, Nicole, Lancelot, etc. Admirava a histria desses sbios emoralistas cristos, e era com devoo e lgrimas nos olhos que lia Les Penses e Les Provinciales de Pascal, onde, nesta ltima,eram relatadas as perseguies que sofreram da Igreja. Foi profunda a influncia de Port Royal em Nietzsche, tanto que o maior sonho desua vida foi a fundao de um novo claustro para sbios, onde estes pudessem se entregar meditao, contemplao, ao insulamento eaos estudos. 14. 28. Contra Rousseau. Infelizmente o homem no suficientemente mau; os adversrios de Rousseauque dizem o homem um animal de rapina, infelizmente no tm razo. No na perversidade que est amaldio do homem, mas no amolecimento e no moralismo. Na esfera que Rousseau combatia com maiorviolncia, encontra-se justamente a espcie relativamente mais forte e melhor nascida ( aquela que possuias grandes paixes ainda no destrudas: a vontade de potncia, a vontade de fruio, a vontade e o poder demandar). necessrio comparar o homem do sculo dezoito com o da Renascena (e tambm com o dosculo dezessete, em Frana), para compreender-se de que se trata: Rousseau um sintoma de desprezo de simesmo e de vaidade incandescida ndices da carncia de vontade dominante: moraliza, e busca nas classesdominantes a causa de seu estado miservel de homem rancoroso.29. Rousseau; a lei fundamentada no sentimento, a natureza como fonte da justia, a afirmao de que ohomem se aperfeioa medida que se aproxima da natureza (segundo Voltaire, medida que se afasta). Asmesmas pocas so, para um, progresso da humanidade e, para outro, agravao da injustia e dadesigualdade. Compreendendo ainda Voltaire a umanit no sentido da Renascena, igualmente a virt (comocultura superior), combateu pela causa: des honntes gens e de la bonee conpagnie, pela causa do bomgosto, da cincia, das artes liberais, e do prprio progresso e da civilizao. A luta inflamou-se por 1760; de um lado o cidado de Genebra, do outro le seigneur de Ferney19. Foisomente a partir daquele momento, que Voltaire se tornou o homem sculo, o filsofo, o representante datolerncia e da incredulidade (at ento no havia passado de un bel esprit). A inveja e o dio do sucesso deRousseau impeliram-no para a frente, para as alturas. Pour la canaille un dieu rmunrateur et vengeur Voltaire. Crtica das duas perspectivas quanto ao valor da civilizao. A inveno social para Voltaire o queh de mais belo: no h escopo mais elevado que sua manuteno e seu aperfeioamento; a honntt estprecisamente em respeitar os costumes sociais; virtude obedincia para com certos preconceitosnecessrios, em benefcio da conservao da sociedade. Voltaire foi missionrio da cultura, aristocrata, representante das castas vitoriosas e dominantes e deseus valores. Mas Rousseau permaneceu plebeu, ainda como homme de lettres, o que algo de inaudito; seuimpudente desprezo de tudo o que no fosse ele mesmo. O que havia de mrbido em Rousseau foi precisamente o que mais se imitou. (Lord Byron possuatambm uma natureza semelhante, ele tambm se elevava artificialmente a atitudes sublimes, clerarancorosa; sinais da vulgaridade; e quando mais tarde, em Veneza, readquiriu o equilbrio, compreendeu oque realmente alivia, o que faz bem... linsouciance.) Rousseau era orgulhoso de si, apesar de sua origem; mas se exaltava furiosamente quando lherecordavam isso... Em Rousseau havia certamente perturbaes cerebrais, em Voltaire uma sade e uma leveza poucocomuns. O rancor do doente: os perodos de demncia eram tambm os de misantropia e desconfiana. As razes de Rousseau em favor da Providncia (em contraposio ao pessimismo de Voltaire):tinha necessidade de Deus para poder amaldioar a sociedade e a civilizao; em si cada coisa devia ser boa,porque Deus a havia criado; s o homem corrompeu o homem. O homem bom, como homem da natureza,era pura imaginao; mas com o dogma da paternidade de Deus, tornava-se verossmil, e at bemfundamentado. Romantismo Rousseau: paixo, o soberano direito da paixo, o natural, fascinao dademncia (a loucura tornada grandeza), a absurda vaidade dos dbeis, rancor da gentalha transformado emjustiador, (na justia tivemos, desde cem anos, um enfermo por guia).30.Contra Rousseau O estado primitivo da natureza hediondo, o homem fera, nossa civilizao o triunfo inaudito sobre a natureza feroz; assim conclua Voltaire. Ele sentia os abrandamentos, osrefinamentos, as alegrias intelectuais do estado civilizado; desprezava o esprito limitado, at sob a cor davirtude, a falta de delicadeza, at entre os ascetas e os monges.Rousseau parecia preocupado com a maldade moral do homem; com as palavras injusto e cruelque excita melhor os instintos dos oprimidos, que se encontram geralmente sob o impulso do vetitum e da19 O primeiro, Rousseau; o segundo, Voltaire. 15. desgraa: de maneira que a conscincia lhes desaconselha as veleidades insurrecionais. Estes emancipadoresbuscam antes de tudo uma coisa: dar a seu partido os acentos profundos e as grandes atitudes das naturezassuperiores.2031. Os pontos culminantes da cultura e da civilizao encontram-se separados: impe-se no nosdesviemos do antagonismo abissal que existe entre cultura e civilizao. Os grandes momentos da culturaforam sempre, sob o aspecto moral, pocas de corrupo; e, por outra parte, pocas de domesticao desejadae forada ao homem (civilizao) foram perodos de intolerncia para com as naturezas mais intelectuais emais audaciosas. A civilizao quer algo diferente do que deseja a cultura: talvez seus fins sejam opostos... 2132.Problemas no-resolvidos que eu assento: o problema da civilizao, a luta entre Rousseau eVoltaire por volta de 1760. O homem torna-se mais profundo, mais imoral, mais forte, mais confiante em simesmo e, na mesma medida, mais natural: o que progresso. Por certa espcie de diviso dotrabalho, as camadas tornadas mais ms e as camadas amolecidas, amansadas, separam-se: de tal modo que osaspectos de conjunto so imperceptveis primeira vista...Faz parte do vigor, do domnio de si e da fascinao dos seres fortes, o possurem as camadas maisfortes a arte de impor sua maior malignidade por algo de superior. Desde que haja progresso, os elementosreforados so interpretados no sentido do bem.33. Em que sentido os sculos cristos, com seu pessimismo, foram mais fortes que o dcimo oitavo. Interpretar identicamente o perodo trgico da Grcia. O sculo dezenove contra o dezoito. Em que foi ele seu herdeiro, em que manifestou um recuo (:mais desprovido de esprito, de gosto), em que se mostrou em progresso (: mais sombrio, mais realista,mais forte).34.Kant possibilita aos alemes o cepticismo dos ingleses, na teoria do conhecimento:1) Nela interessando as carncias morais e religiosas dos alemes: da mesma forma, com a mesmarazo, os novos acadmicos utilizaram o cepticismo como preparao ao platonismo (veja-se SantoAgostinho); semelhantemente Pascal se serviu do cepticismo moral para excitar, (para justificar) anecessidade da f.222) Ao misturar ornatos escolsticos para tornar aceitvel ao gosto cientfico dos alemes (poisLocke e Hume eram, por si mesmos, demasiadamente claros, luminosos, isto , segundo os valores20Nietzsche quer referir-se frase de Ovdio (Amores, liv. III, ep. 4, v. 17): Nitimur in vetitum semper, cupimusque negara.Esforamo-nos para alcanar sempre o que nos vedado e desejamos o que nos negado. Esse verso de Ovdio condensa toda apsicologia humana. Ainda nesse aforismo ele fixa o ressentimento dos oprimidos, aproveitado por Rousseau. O tema doressentimento, em Nietzsche, merece estudos especiais, sobretudo nas suas ligaes aos modernos trabalhos de Max Scheler e deoutros. Nietzsche, entretanto, foi o primeiro a compreender a grande significao psicolgica do ressentimento, em a Genealogia daMoral.21 A separao entre cultura e civilizao inspirou o conceito spengleriano, Spengler um discpulo de Nietzsche, e sua filosofia umavariante dos temas, coordenadas e problemas j expostos por Nietzsche. Para este, civilizao tem um sentido de amansamento dohomem, de sedimentao das conquistas obtidas pela cultura. O conceito spengleriano semelhante: cultura o produzir-se, ogerar-se, enquanto civilizao a soma do produzido, as obras j realizadas pela cultura.22 Nietzsche quer referir-se aqui Academia de Carneades e de Clitmaco. O primeiro era um filsofo grego, nascido em Cirenaica(Lbia) (213 a 126 a.C.). Fundou uma academia, tornando-se clebre pelo brilho de sua sutileza e pela flexibilidade de sua eloqncia.Era senhor de imensos recursos de argumentao. Em Roma, impressionou profundamente a Cato, de quem se encontram referncias.Todas as suas obras se perderam. Clitmaco, tambm filsofo grego, era natural de Cartago. Seguiu as lies de Carneades, em Atenas,com quem fundou a Academia. Informa Digenes Larcio que ele deixou mais de 400 livros, que se perderam. Ccero cita diversos, ondeso expostas as doutrinas da Academia. Nietzsche, em citando Santo Agostinho, quer certamente se referir ao livro Contra osAcadmicos, que ele escreveu antes de se ordenar, no qual atacou o cepticismo. Nietzsche, em destruindo a cincia, em negando oracionalismo, aproxima-se do pascalismo e do agostinismo. Usou do malho segundo a sua linguagem para combater os valoresde fim de sculo, a f na cincia, no progresso, etc, defendendo o asceta, o retiro espiritual, o homem solitrio, o asseio, a dignidade virtudes nietzscheanas. O ataque coisa em si, concepo da matria, da substncia, da vontade, contra todas as concepes decarter ntico, so verdadeiros caminhos que aproximam de Deus. Sua luta contra a f, era por excesso de f...O gnio italiano o que utilizou mais livre e sutilmente o que pediu emprestado, ps cem vezes mais do que tirou; foi o gniomais rico, o que mais tinha para dar. 16. correspondentes ao instinto alemo, excessivamente superficiais).Kant: mesquinho conhecedor de homens e psiclogo medocre; enganava-se grosseiramente no queconcernia aos grandes valores histricos (a Revoluo Francesa); fantico moral moda de Rousseau; comuma corrente subterrnea de valores cristos; dogmtico dos ps cabea, mas suportando esta tendncia comum tdio pesado, a ponto de querer tiraniz-la, mas cedo de fatiga at o cepticismo; nunca foi atingido pelogosto cosmopolita e pela beleza antiga... um retardador, e intermedirio. Nada tem de original) intevm eserve de vnculo, como Leibnitz entre o mecanicismo espiritualismo, como Goethe entre o gosto do sculodezoito e o sentido histrico que essencialmente um sentido de exotismo como a msica alementre a francesa a italiana, como Carlos Magno entre o Imprio romano e o nacionalismo, um retardadorpor excelncia.)35. Para a caracterstica do GNIO NACIONAL, em relao ao que lhe estranho e atribudo: O gnio ingls torna tudo quanto recebe mais grosseiro e mais natural. O gnio francs dilui, simplifica, logiciza, enfeita. O gnio alemo embrulha, transmite, confunde, moraliza.36.Devemos restituir aos homens a coragem de seus instintos naturais.E combatermos a m opinio que tm de si mesmos (no como indivduos, mas como homens danatureza...).Impe-se arrebatemos as contradies que existem nas coisas, depois de compreendermos que fomosns quem nelas as puseram.Sem dvida devemos suprimir da existncia toda espcie de idiossincrasia social (a culpa, a punio,a justia, a honestidade, a liberdade, o amor, etc.).Progredir para o natural: em todas as questes polticas, nas relaes dos partidos entre si, at nospartidos de mercadores, ou de obreiros ou de empregadores, so questes de potncia que esto em jogo. Cumpre perguntar de incio o que se pode fazer, e somente depois, o que se deve fazer.Que no mecanismo da grande poltica ainda retumbe a fanfarra crist (por exemplo nos boletins devitrias ou nas alocues imperiais endereadas ao povo), o que pertence s coisas que se tornam cada vezmais impossveis, porque so contrrias a bom gosto.Progresso do sculo dezenove sobre o dezoito ( no fundo, ns, os bons europeus, estamos emguerra contra o sculo dezoito ):1) Retorno natureza, compreendido sempre mais resolutamente no sentido contrrio ao deRousseau. Bem distante do idlio e da pera!;2) sempre mais resolutamente antiidealista, objetivo, audacioso, aplicado, medido, desconfiadoquanto s mutaes bruscas, anti-revolucionrio;3) colocando sempre mais resolutamente o problema da sade do corpo antes da sade da alma:concebendo esta ltima como um estado que decorre da primeira, aquela como condio essencial dasegunda.37. Duas grandes tentativas que foram feitas para ultrapassar o sculo dezoito: Napoleo, ao despertar de novo o homem, o soldado e a grande luta pelo poder ao conceber aEuropa como unidade poltica; Goethe, ao imaginar a cultura europia, que formasse a herana completa do que a humanidadeatingira at ali. A cultura alem deste sculo desperta desconfiana na msica falta o elemento completo queredime e une, o elemento que se chama Goethe.38. Sem a f crist, diz Pascal, sereis, em face de vs mesmos, assim como a natureza e a histria,um monstro e um caos.23 Essa profecia cumprimo-la: depois que o sculo dezoito, dbil e otimista, adornou23 Est em francs, no original. As citaes de Pascal no so, porm, exatas. Nietzsche cita de memria e fez provavelmente aluso seguinte passagem: Que quimera ento o homem! que novidade! que monstro! que caos! que vassalo de contradies! que prodgio! 17. e racionalizou o homem. Schopenhauer e Pascal. Num sentido essencial, Schopenhauer o primeiro que retoma o movimentode Pascal: um monstro e um caos, portanto algo que preciso negar... a histria, a natureza, o prprio homem! Nossa incapacidade em conhecer a verdade conseqncia de nossa corrupo, de nossadecomposio moral, assim que Pascal fala. E Schopenhauer diz, no fundo, a mesma coisa. Quantomais profunda a corrupo da razo, mais necessria a doutrina da graa ou, para falar a lngua deSchopenhauer, a negao.39. Schopenhauer como revide (estado anterior Revoluo): A compaixo, a sensualidade, a arte,a fraqueza de vontade, o catolicismo dos desejos espirituais bom sculo dezoito, no fundo. Em Schopenhauer, o erro fundamental da vontade (como se o apetite, o instinto, o desejo, fossem oque h de essencial na vontade) tpico: o que diminuir at desconhecer o valor da vontade. Da mesmaforma a averso ao querer; tentativa de ver no no-mais-querer, no sujeito sem alvo nem inteno (nosujeito puro, livre de vontade), algo de superior, a coisa superior em si, o que vale. Grande sintoma de fadiga, ou de fraqueza da vontade: porque a vontade que tratadominadoramente os apetites impondo-lhes o caminho e a medida...40. O problema do sculo dezenove. Saber se seu lado forte e seu lado fraco seguem juntos. Se feito de um nico e mesmo cepo. Se a variedade de seu ideal, as contradies deste limitam-se a um fimsuperior que seja algo de mais elevado. Porque seja predestinao grandeza desenvolver-se, nestamedida, sob tenso violenta. O descontentamento, o niilismo, poderiam ser sinais favorveis.41. Crtica do homem moderno. O homem bom foi corrompido e seduzido pelas ms instituies(os tiranos e os padres); a razo constituda em autoridade; a histria que sobrepuja os erros; o futuroconsiderado como um progresso; 24 o estado cristo (o Deus dos exrcitos); o instinto sexual cristo (emoutras palavras, o casamento); o reino da justia (o culto da humanidade); a liberdade. Atitude romntica do homem moderno: o homem nobre (Byron, Vtor Hugo, George Sand); anobre indignao; santificao pela paixo (como verdadeira natureza), colocar-se ao lado dosoprimidos e dos deserdados: divisa dos historiadores e dos romancistas; os esticos do dever; odesinteresse considerado como arte e conhecimento; o altrusmo como espcie mais mentirosa doegosmo (utilitarismo), o mais sentimental egosmo. Tudo isso cheira a sculo dezoito. Mas este possua qualidades que no foram transmitidas:despreocupao, jovialidade, elegncia, clareza intelectual; o tempo do espirito transformou-se; o gozoque forneciam a sutileza e a clareza do esprito substitudo pelo gozo da cor, da harmonia, do conjunto, darealidade, etc. Sensualismo nas coisas do esprito. Em suma, o sculo dezoito de Rousseau.42.A indisciplina do Esprito Moderno em toda espcie de ouropis morais.As palavras pomposas: tolerncia (pela incapacidade de dizer sim ou no); amplido de simpatia( um tero de indiferena, um tero de curiosidade, um tero de irritabilidade doentia); a objetividade (falta de personalidade, falta de vontade, incapacidade de amar); a liberdade quanto regra (Romantismo);a verdade em face da mentira e da falsificao (naturalismo); o esprito cientfico (o documento humano:isto , o romance-folhetim e os apndices em lugar da composio); a paixo, atuando em lugar dadesordem e da intemperana; a profundidade, atuando em lugar do caos e da babel dos smbolos.Os obstculos mais favorveis e os remdios contra a modernidade:1) servio militar obrigatrio, com guerras verdadeiras que faam cessar toda espcie debrincadeiras;2) estreiteza nacional (que simplifica e concentra);etc. Esta nota de Henri Albert. Entretanto devemos ponderar que Nietzsche nunca corrigiu os originais que compem Vontade dePotncia, cuja edio foi feita aps sua morte, as quais certamente seriam modificadas, dando-lhes o estilo que lhes faltava, sobretudoesta, referente a Pascal, um dos santos de Nietzsche.24 Uma das caractersticas do fim de sculo foi esta crena no progresso indefinido da humanidade, que chegou a ser um verdadeiropostulado. 18. 3) melhor nutrio (a carne); 4) espao mais vasto e salubridade das moradias; 5) predominncia da fisiologia sobre a teologia, a moral, a economia e a poltica; 6) severidade militar nas exigncias e na prtica dos deveres (no se elogia mais...)43. No nos devemos deixar enganar pelas aparncias: esta humanidade visa menos ao efeito, mas dtodas as outras garantias de durao; seu passo mais lento, mas sua medida muito mais rica. A sadetorna-se melhor, reconhecemos as verdadeiras condies da fora do corpo e criamo-las a pouco e pouco; oascetismo ironizado. E o temor dos extremos, certa confiana no caminho reto, nada de exaltao,necessidade momentnea de habituar-se aos valores mais estreitos (como ptria, cincia, etc.). Mas o conjunto da imagem prestar-se-ia ainda a equvocos isso tanto poderia ser um movimentoascendente como um movimento decrescente da vida.44.A Modernidade observada sob o smbolo da nutrio e da digesto.A sensibilidade infinitamente mais irritvel ( sob os ouropis da moral: aumento da compaixo);a abundncia das impresses dspares maior que em qualquer outra poca: o cosmopolitismo das lnguas,das literaturas, dos jornais, das formas, dos gostos diferentes, at das paisagens.O tempo dessa influncia um prestssimo; as impresses desfazem-se; impedem instintivamenteabsorver em algo, de se impressionarem profundamente, de algo digerirem; da sobrevm oenfraquecimento da faculdade de digesto. Produz-se uma espcie de assimilao desse cansao deimpresses; o homem esquece o modo de agir; reage somente s impresses exteriores. Gasta suas foras ouna assimilao, ou na defesa, ou na rplica.45.Profundo enfraquecimento da espontaneidade: o historiador, o crtico, o analista, o intrprete, oobservador, o colecionador, o leitor, so talentos reativos todos se acolhem sombra da cincia!Preparao artificial de sua prpria natureza para fazer dela um espelho; o interesse que existe meramente epidrmico; h certa frieza por princpio, o equilbrio, a temperatura mantida a um grau inferior,justamente debaixo da delgada superfTcie. onde h calor, agitao, tempzstade, movimento de vagas.Oposio entre a mobilidade exterior e um certo peso, uma fadiga profunda.A surmenage (o excesso de trabalho), a curiosidade e a compaixo eis os vcios modernos.46.Por que tudo comdia. Falta na humanidade moderna a segurana do instinto (conseqncia delonga atividade no mesmo sentido, praticada pela mesma espcie de homens); a incapacidade de executar algode perfeito apenas a conseqncia: o indivduo nunca reconquista a disciplina da escola.O que constri a moral, um cdigo, o instinto profundo de que s o automatismo torna possvel aperfeio na vida e no trabalho...Mas hoje alcanamos o plo oposto; ns mesmos queramos atingi-lo a conscincia extrema, aautopenetrao do homem e da histria: com isso estamos praticamente o mais longe possvel da perfeio doser, da ao e da vontade: nosso apetite, nosso desejo do conhecimento, smbolos de formidveldecadncia. Aspiramos ao contrrio do que desejam as raas fortes, as naturezas vigorosas compreender um fim...O fato de que a cincia seja possvel, no sentido em que ela praticada hoje, prova de que todos osinstintos elementares, os instintos de defesa e de proteo da vida, no funcionam mais. No ajuntamos mais;desperdiamos os capitais de nossos antepassados, at na forma de procurarmos o conhecimento.47. O que hoje mais profundamente corrodo o instinto, e a vontade da tradio: todas as instituiesque devem sua origem a este instinto so contrrias ao gosto do esprito moderno... Tudo que se faz, em suma,tudo que se pensa, persegue a inteno de arrancar pelas razes o sentido da tradio. Considera-se a tradioum destino; estudam-na, reconhecem-na (sob a forma de hereditariedade ) no a querem, porm. Atenso de uma vontade projetada sobre longos espaos de tempo, a escolha das condies e dos valores quepermitem possamos dispor do futuro, dispor de sculos inteiros isso precisamento antimoderno no mais 19. alto grau. Portanto, temos de concluir que so os princpios desorganizadores que do seu carter nossapoca.48. Para urna caracterstica da Modernidade desenvolvimento exagerado das formaesintermedirias; perecimento de tipos; ruptura das tradies, das escolas; predominncia dos instintos(preparado filosoficamente o inconsciente assume maior valor depois que se produziu o enfraquecimento davontade, do querer fins e meios)...49. O predomnio dos mercadores e dos intermedirios, at no domnio intelectual: o literato, orepresentante, o historiador (como amalgamador do passado e do presente), o extico e o cosmopolita, osintermedirios entre as cincias naturais e a filosofia, os semitelogos.50. A tenso crtica: os extremos aparecem e alcanam a preponderncia. Decrescimento doprotestantismo: considerado terica e historicamente como meia medida. Predominncia efetiva docatolicismo; o sentimento do protestantismo est to amortecido que os movimentos mais nitidamenteantiprotestantes no so mais considerados como tais (por exemplo Parsifal, de Richard Wagner). Toda aintelectualidade superior, na Frana, catlica por instinto; Bismarck compreendeu que no existe mais oprotestantismo.51.O protestantismo, essa forma de decadncia, intelectualmente imunda e tediosa, na qual ocristianismo soube guardar-se at o presente, no Norte medocre, algo de incompleto e de complexo que temvalor para o conhecimento porque reuniu, num mesmo corpo, as experincias de ordem e origens diferentes.52.Vede o que o esprito alemo fez do cristianismo! E, para nos ocuparmos apenas doprotestantismo, quanto chope h ainda na cristandade protestante! Podemos acaso imaginar uma forma maisembrutecida, mais carunchosa, mais preguiosa da f crist do que aquela que se manifesta num protestanteda classe mdia germnica? E um cristianismo bem humilde, e de boa vontade o chamarei de homeopatia docristianismo!Fazem-me atentar para o fato de que ainda hoje existe um protestantismo arrogante, o dospredicadores da corte e especuladores anti-semitas: mas ningum ousou pretender que um esprito qualquerpaire sobre aquelas guas...Aquilo to-somente a forma mais indecente da f crist, e no, absolutamente, a mais razovel...53. Com a palavra pessimismo, arbitrria e escolhida inteiramente ao acaso, entregamo-nos a umabuso que se propaga como epidemia: esquecemos o problema que vivemos, o problema que somos. Nobasta saber quem tem razo, impe-se perguntar onde devemos ser classificados, se entre os condenados eos organismos de decadncia... Contrapuseram dois modos de pensar, como se eles tivessem de lutar pela verdade, um contra ooutro: quando ambos so apenas sintomas particulares, quando a luta, qual se entregam, somente demonstraa existncia de um problema cardeal da vida -. e no absolutamente um problema para filsofos. A qual delaspertencemos ns?54. Principais sintomas do pessimismo. Les dners chez Magny25, o pessimismo russo (Tolstoi,Dostoiewski); pessimismo esttico, a arte pela arte, a descrio (pessimismo romntico e anti-romntico);pessimismo na teoria do conhecimento (Schopenhauer, o fenomenalismo); pessimismo anarquista; religiode compaixo, preparao ao budismo; pessimismo da cultura (exotismo, cosmopolitismo); pessimismomoral: eu mesmo.25 Famosas reunies de intelectuais, no Restaurant Magny, em que tomavam parte os Goncourt, Flaubert, etc. 20. Distraes, libertao passageira do pessimismo: as grandes guerras. as fortes organizaesmilitares, o nacionalismo, a concorrncia industrial; a cincia; o prazer.55. Fizeram alguns a indigna tentativa de querer ver em Wagner e em Schopenhauer traos deperturbaes cerebrais; fariam um estudo infinitamente mais interessante se precisassem cientificamente otipo de decadncia que ambos representam.2656. A moderna atuao dos moedeiros falsos na arte, considerada como necessria, por concordar comas mais ntimas necessidades da alma moderna. Enchem-se as lacunas do talento, e mais ainda as lacunas da educao, da tradio, da disciplina. Primeiramente: buscam o pblico menos artstico, que mais absoluto em seu amor ( e que logose ajoelha diante da pessoa...). Utilizam, assim, a superstio de nosso sculo, a crena no gnio... Em segundo lugar: peroram aos sombrios instintos dos insatisfeitos, dos ambiciosos, dosinconscientes da poca democrtica: a importncia da atitude. Em terceiro lugar: transportam os processos de uma arte para outra, misturam as intenes da arte sdo conhecimento, ou da Igreja, ou ento aos problemas de raas (nacionalismo), ou de filosofia soam aomesmo tempo todos os sinos e despertam o sombrio pressentimento de que sejamos um deus. 27 Em quarto lugar: adulam a mulher, os sofredores, os revoltados, introduzem at na arte um excessode narctico e opiatos. Lisonjeiam os letrados, os leitores de poemas e de velhas histrias.57.O falso reforo 1) no romantismo: o contnuo expressivo no um sinal de fora, mas deindigncia;2) a msica pitoresca, aquela que chamamos dramtica, sobretudo mais frvola (assim como ofolhetinismo brutal, e o alinhamento de faits e traits no romance naturalista);3) a paixo assunto dos nervos e das almas fatigadas, assim como o prazer que sentimos no cumedas altas montanhas, nos desertos, ante as tempestades, nas orgias e nos horrores no que monstruoso emacio (entre os historiadores, por exemplo); existe efetivamente o culto dos depravados do sentimento (de onde provir que as pocas robustas buscam satisfazer na arte uma necessidade contrria a necessidadede algo que se encontra alm das paixes?) A preferncia concedida aos temas excitantes (ertica ousocialista ou patolgica): tudo isto indica para quem hoje se trabalha, para os sobrecarregados de trabalho,distrados ou debilitados. Devem ser tiranizados para deles obter-se algum efeito.58. A arte moderna considerada como arte de tiranizar. Uma lgica dos contornos, grosseira ebem acentuada: motivo simplificado at frmula; a frmula tiraniza. No traado do limitado pelas linhas,uma selvagem multiplicidade, uma massa opressora que turva os sentidos; a brutalidade das cores da matria,dos desejos. Exemplos: Zola, Wagner; na ordem intelectual Taine. Logo: lgica, massa, brutalidade.59.26Nietzsche escreveu, na mocidade, um artigo, o nico em toda a sua vida, para rebater a alegao de um alienista que desejou provarfosse Wagner um doente mental, um anormal. No de hoje o processo de psiclogos e alienistas que, escudados numa pretensanormalidade o mais das vezes o coeficiente da mediocridade , consideram como doentes mentais todos quantos se afastam da mdiaarbitrariamente estabelecida. Em parte representa uma superstio tambm ingnua: a convico de que ao dar um nome ao conjunto deatitudes, tendncias, atributos de algum nome esse construdo com a conjuno de duas ou mais palavras gregas, a fim de emprestarum sentido misterioso a uma definio simples , hajam resolvido o problema das manifestaes mentais. ainda urna reminiscncia mgica que a cincia conserva: o valor maravilhoso das palavras e o domnio dos fenmenosdesconhecidos pelo simples fato de lhes dar um nome. O interessante que isso oferece satisfaes profundas aos criadores dessaspalavras. Talvez haja cientistas cujo orgulho consista, apenas, na formao de uma dessas palavras, com as quais julga haver dominadoum pouco a natureza humana.27 Nietzsche, quando fala em nacionalismo, quase sempre inclui a raa. As polmicas a respeito dos valores dos nacionalismos, a seu ver,foram polmica quanto s raas. Ele jamais incluiria, no seu conceito tnico, o nacionalismo que vive nas Amricas, onde h conjugaoe coordenao d raas diversas. 21. Acerca da nossa msica moderna. A decadncia da melodia assemelha-se decadncia daidia, da dialtica, da liberdade no movimento intelectual, pesadume, intumescncia que se desenvolvempara novas tentativas e at para princpios; terminamos por somente nos atermos aos princpios de nossotalento particular, ao que h de limitado num talento particular.Msica dramtica contra-senso! Isto simplesmente a pior das msicas... O sentimento, apaixo, simples ersatz quando se no capaz de atingir a intelectualidade superior e o bem-estar que estaoferece (p. ex. em Voltaire).Do ngulo tcnico, o sentimento, a paixo so mais fceis de expressar bastam artistasmedocres para tanto.A inclinao para o drama revela mais, num artista, um grande domnio dos meios aparentes do quedos meios verdadeiros. Temos uma pintura dramtica, uma poesia dramtica, etc...60. A separao entre o pblico e o cenculo : para o primeiro, preciso ser-se hoje charlato;no segundo, querem um virtuose e nada mais! Os gnios especficos deste sculo venceram esta separao eforam grandes nos dois domnios; o grande charlatanismo de Vtor Hugo e Richard Wagner, a par deverdadeiro virtuosismo, permitiu-lhes satisfazer aos mais requintados sob o ngulo da arte. Da a falta devalor: tm uma tica varivel, quer dirigida para as necessidades mais grosseiras, quer para as maisrequintadas.61. Se num artista entende-se por gnio a maior liberdade, sob a gide da lei, a leveza divina, afrivolidade no que h de mais dificil, Offenbach tem muito mais direito de ser chamado gnio que RichardWagner. Wagner pesado, macio; nada lhe mais estranho que os momentos de perfeio travessa, taiscomo o polichinelo de Offenbach os atinge, cinco, seis vezes em quase todas as suas buffonneries. Mas,talvez, por gnio, mister entender-se outra coisa.62.Distingo a coragem ante as pessoas, a coragem ante as coisas, a coragem ante o papel. Esta ltima foipor exemplo a coragem de David Strauss. Distingo ainda a coragem diante das testemunhas e a coragem semtestemunhas: a coragem do cristo, do crente em geral, jamais pode ser sem testemunha, isso basta paradegrad-la. Distingo enfim a coragem por temperamento e a coragem por medo do medo: um caso particulardesta ltima espcie a coragem moral. Junte-se ainda a coragem pelo desespero. Wagner tinha esta coragem.Sua situao em relao msica era, em suma, desesperada. Faltavam-lhe duas coisas que qualificam umbom msico: a natureza e a cultura, isto , a predestinao msica, a educao e disciplina musicais. Eletinha coragem: dessa penria fez um princpio, inventou, para seu prprio uso, uma categoria de msica. Amsica dramtica, tal como ele a concedeu, era a msica que ele era capaz de realizar... traou-lhe limites asua prpria concepo.E como a compreenderam mal! E compreenderam-na mal?... cinco sextas partes dos artistasmodernos esto no mesmo caso. Wagner o salvador deles: cinco sextos ainda um nmero bem pequeno.Cada vez que a natureza se tem mostrado inexorvel e logo que, por outra parte, a cultura permaneceabandonada ao acaso, reduzida a uma tentativa, a um diletantismo, o artista dirige-se a Wagnerinstintivamente, que digo? entusiasmado, meio atrado, cado a meias, como diz o poeta. 2863. Falta-nos na msica uma esttica que se restrinja a impor regras aos msicos e que lhes faa criaruma conscincia, falta-nos, e isso uma conseqncia, a verdadeira luta pelos princpios porque,enquanto msicos, nos mofamos das veleidades que Herbart manifestou neste domnio, da mesma maneiraque das de Schopenhauer. De fato, disso resulta uma grande dificuldade: no somos mais capazes de criarmotivos acerca das noes de modelo, de maestria de perfeio tateamos cegamente, com o instintode um velho amor e de uma velha admirao, no domnio dos valores, estamos quase dispostos a crer que oque nos satisfaz bom... Minha desconfiana desperta-se ao ouvir por toda parte designarem Beethoven, to inocentemente,28 Refere-se clebre balada de Goethe: O Pescador. (Nota de H. Albert) 22. como clssico: sustento com rigor que, nas outras artes, entende-se por clssico o tipo contrrio quele querepresenta Beethoven.Mas, desde que vejo em Wagner essa decomposio do estilo que entra pelos olhos, e que chamamseu estilo dramtico, apresentado e venerado como modelo, maestria, progresso, minha impacinciaatinge o mximo. O estilo dramtico na msica, tal como o entende Wagger, a renncia de toda espcie deestilo, sob o pretexto de que existe algo que tem cem vezes mais importncia que a msica, isto , o drama.Wagner sabe pintar; serve-se da msica, no para fazer msica. Refora as atitudes, poeta; enfim apela paraos belos sentimentos, para as idias elevadas, como todos os artistas de teatro. Assim conquistou asmulheres, e os que desejam cultivar o esprito: mas que tem que ver essa gente com a msica? Nenhumaconscincia tm da arte; no sofrem quando todas as virtudes elementares e essenciais da arte soespezinhadas e desprezadas em favor das intenes secundrias (como ancilla dramaturgica). Que importamtodos os alargamentos dos meios de expresso, se o que exprime, isto , a prpria arte, perdeu a regra quedevera gui-la? O esplendor pictrico e a potncia dos sons, o simbolismo da ressonncia, o ritmo, as cores naharmonia e na dissonncia, a significao sugestiva da msica, toda a sensualidade da msica que Wagner feztriunfar tudo isso Wagner reconheceu na msica, buscou-a, dela tirou para desenvolv-la. Vtor Hugo fezalgo semelhante para a lngua: mas hoje se pergunta, em Frana, se no caso de Vtor Hugo, no foi emdetrimento da lngua... se, com o reforo da sensualidade na lngua, a razo, a intelectualidade, a profundaconformidade s leis da linguagem no se enfraqueceram. Na Frana, os poetas tornaram-se artistas plsticos;na Alemanha, os msicos tornaram-se comediantes e garatujadores culturais no sero estes fatos ndicesde decadncia?64.Hoje h um pessimismo do msico, at entre os que no so msicos. Quem no encontrou em suavida, quem no amaldioou aquele infeliz moo que martirizou seu piano at ao desespero, que com suasprprias mos revolveu a lama da mais sombria harmonia cinzenta e parda?... Tais fatos monstram-nos quesomos pessimistas... Mas sero suficientes para vos conceder um ouvido musical? Estou disposto a crer queno.O wagneriano pur sang no um msico; no resiste s foras elementares da msica, mais ou menos como amulher cede vontade de seu hipnotizador e para atingir aquele estado, no lhe carece tornar-sedesconfiado por uma conscincia muito severa e bastante til in rebus musicis et musicantibus. Digo mais oumenos como : mas talvez haja aqui mais que um smbolo. Considerem-se os meios que Wagner usa depreferncia para alcanar um efeito ( meios que, em boa parte, teve de inventar por si mesmo); soestranhamente semelhantes aos meios de que se serve o hipnotizador para atingir seus efeitos ( escolha domovimento, da cor de sua orquestra, o horrvel subterfgio diante da lgica e da quadratura do ritmo, o que hde rastejante, de escorregadio, de misterioso, de histrico em sua melodia infinita). E o estado a que aprotofonia de Lohengrin, por exemplo, transporta o ouvinte, e melhor ainda a ouvinte, acaso diferente doxtase sonamblico? Aps a audio da citada protofonia ouvi uma italiana exclamar, olhar bonito eexttico, em que perita a wagneriana: Come si dorme com questa musica!65. A msica e o grande estilo. A grandeza de um artista no se mede segundo os belossentimentos que ele desperta: s as mocinhas acreditam nisso. Mas segundo a intensidade que emprega para atingir o grande estilo. O