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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Vianey Mreis Lopes Junior A Vítima no Processo Penal e a Reparação do Dano pelo Juízo Criminal MESTRADO EM DIREITO São Paulo 2012

A Vítima no Processo Penal e a Reparação do Dano pelo ......iniciando na era de seu maior protagonismo, com a vingança propriamente até sua posição atual diante da era do monopólio

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

Vianey Mreis Lopes Junior

A Vítima no Processo Penal e a Reparação

do Dano pelo Juízo Criminal

MESTRADO EM DIREITO

São Paulo 2012

2

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

Vianey Mreis Lopes Junior

A Vítima no Processo Penal e a Reparação

do Dano pelo Juízo Criminal

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação de Mestrado apresentada à

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –

PUC/SP, como exigência parcial para

aprovação e obtenção do Título de Mestre em

Direito Processual Penal sob orientação do

Professor Doutor Cláudio José Langroiva

Pereira.

São Paulo 2012

3

Banca examinadora

________________________________________

________________________________________

________________________________________

4

Dedicatória

Dedico este trabalho a Silmara, minha amada

esposa, mãe dos meus filhos, colega de escritório,

que tornou possível a realização deste sonho.

Também à memória de meu pai, pelo exemplo

de combatividade e determinação e a minha mãe por

seu afeto e exemplo.

5

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, por ter me conduzido até aqui e colocado pessoas

maravilhosas em meu caminho, que me abriram portas inimagináveis.

Agradeço profundamente ao meu orientador Professor Cláudio José

Langroiva Pereira, pela paciência e sabedoria.

Agradeço aos Professores da Pós-Graduação da PUC-SP, pelo muito que

me ensinaram, em especial aos Professores: Claudio de Cicco, Álvaro de Azevedo

Gonzaga, Márcia Alvim, Gabriel Chalita, Marco Antonio Marques da Silva e Oswaldo

Henrique Duek Marques.

Agradeço ao Professor Benedito Roberto Garcia Pozzer, por sua amizade,

por suas palavras, rogando a Deus que o proteja no cumprimento de sua missão.

Agradeço ao Professor Roberto Ferreira Archanjo da Silva, por sua amizade,

seu inestimável incentivo e por ter me levado para a Pós-Graduação.

Agradeço ao inesquecível Professor Hermínio Alberto Marques Porto (in

memorian), por sua confiança, rogando a Deus que o ilumine.

6

“Vinde a mim todos os que estais cansados sob

o peso do vosso fardo e vos darei descanso.

Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de

mim, porque sou manso e humilde de coração,

e encontrareis descanso para vossas almas,

pois meu jugo é suave e meu fardo é leve.”

Jesus Cristo

Mateus, capitulo IV, 11-12

7

RESUMO

O presente trabalho analisa a posição da vítima ao longo da história, ora como

principal protagonista do processo, ora afastada e substituída pelo Estado Juiz.

A Constituição Federal de 1988, ao eleger o Estado Democrático de Direito sob a luz

do Princípio da Dignidade Humana após estabelecer inúmeras garantias, revalorizou

a vítima da criminalidade violenta, trazendo explicitamente a obrigação de amparo e

assistência.

A vítima foi revalorizada por extensa legislação ordinária posterior à Constituição e

finalmente com a Lei 11.719/2008 de 11/06 de 2008 que tratou de sua indenização

em sede do Juízo Criminal, na busca por reparação de danos sofridos em virtude do

crime.

A reparação agora determinada pelo Juízo Criminal com evidente intenção de

celeridade e eficiência, aferindo o dano e estipulando a indenização, com evidente

alargamento de sua competência. Neste diapasão ainda estuda-se a forte corrente

que gradativamente propõe ser o Estado concorrente e solidário na responsabilidade

pela reparação dos danos decorrentes dos danos sofridos pela vítima oriundos da

criminalidade violenta.

Palavras-chave: Vítima; Reparação; Juízo Criminal, Estado Democrático de Direito e

Princípio da Dignidade Humana.

8

ABSTRACT

The present paper intends to demonstrate the victim´s historical position in the penal

process and their evolution as a character in the penal process, starting at the time of

their greatest protagonism, with the revenge, up to their present situation at the time

of the State´s monopoly, where the victim must be supported by the State and

compensated by the delinquent for the crime.

We intend to demonstrate that the victim, under the protection of the Rule of Law

and the Principle of the Dignity of the Human Being, which are eternity clauses in the

federal Constitution of 1988 and guiding lines of this study, in face of the moral and

material damages suffered as a result of the crime needs to have those damages,

both moral and material, repaired, the delinquent being required to do so as well as

the State, which must provide the conditions for their total rehabilitation.

The study of the legislative reform introduced by Law 11.719/2008, interpreted under

the constitutional realm, supported by principles and jurisprudence, still incipient,

proves those aspects with their clear re-valuation, in this context.

Furthermore, we point out the need for extensive action by the Criminal Court, which

had added to its scope of actions the ascertainment of the defendant´s responsibility

as related to the victim´s damages, with no offense to the already accomplished

constitutional principles of the penal process, and the need for the consequent

determination of an effective compensation so that the victim´s claims can be

satisfied, so that the international treaties can be validated, and so that the civil court

can be released of the extra burden of unnecessary filing for new requests of

compensation.

Key-words: victim, Rule of Law, Principle of the Dignity of the Human, repaired.

9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 11

1. A VÍTIMA NO PROCESSO PENAL E SUA REPARAÇÃO PELO

JUÍZO CRIMINAL ............................................................................................ 12

1.1. A Vítima, conceito .................................................................................... 12

1.2. Contexto histórico .................................................................................... 18

1.2.1 Civilizações da antiguidade posteriores à ordem tribal ................. 23

1.2.2 Código de Hammurabi ................................................................... 26

1.2.3 Direito hebreu ................................................................................ 28

1.2.4 Direito Romano .............................................................................. 30

1.2.5 Antigo Direito Penal Germânico .................................................... 32

1.2.6 Direito canônico ............................................................................. 35

1.2.7 Estado Moderno ............................................................................ 37

1.3. Tendências de revalorização da vítima na legislação ............................. 40

2. A VÍTIMA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO ............................. 52

2.1. A vítima na Constituição Federal Brasileira de 1988 ............................... 55

2.2. Do Princípio da Dignidade humana, um retrospecto histórico

filosófico do conceito ............................................................................... 58

2.3. Do Princípio da Dignidade humana, conceito atual, vigência na ordem

Constitucional e sua aplicabilidade em face das vítimas de delitos ........ 64

3. A REPARAÇÃO DO DANO CAUSADO PELO DELITO ............................ 70

3.1. Uma visão constitucional sobre a reparação de danos ............................ 70

3.2. A reparação dos danos com a atuação do Juízo Criminal em face

da Lei nº 11.719/2008 de 11/06/2008 ...................................................... 74

3.3. A apuração dos danos e a fixação do quantum indenizatório sob o crivo

do contraditório e a ampla defesa ........................................................... 84

10

4. A QUESTÃO DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO E A FIXAÇÃO DA

INDENIZAÇÃO ................................................................................................ 89

4.1. A responsabilidade concorrente do Estado pelo ato criminoso ............... 89

CONCLUSÃO .................................................................................................. 98

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................. 102

11

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por escopo demonstrar a posição histórica da

vítima no processo penal e sua evolução como personagem do processo penal,

iniciando na era de seu maior protagonismo, com a vingança propriamente até sua

posição atual diante da era do monopólio Estatal na aplicação e distribuição da

Justiça, em que a vítima deve ser amparada pelo Estado e indenizada pelo

delinquente em face do crime.

Pretendemos demonstrar que a vítima, sob a égide do Estado

Democrático de Direito e do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, cláusulas

pétreas da Constituição Federal de 1988 e linhas mestras deste estudo, em face dos

danos materiais e morais que sofreu em virtude do crime, necessita ver reparados os

danos não somente materiais como também morais, obrigando-se o delinquente a

reparar e de forma concorrente e solidária o Estado, que deve prover condições para

sua perfeita reabilitação.

O estudo da reforma legislativa introduzida pela Lei nº 11.719/2008, com

interpretação sob a égide constitucional, amparado pela doutrina e pela

jurisprudência, ainda incipiente, demonstram esses aspectos com a clara

revalorização da vítima neste contexto.

Observamos ainda a necessidade de ampla atuação do Juízo Criminal

que teve sua competência acrescida na apuração da responsabilidade do réu no que

toca ao prejuízo da vítima, sem nenhuma ofensa aos princípios constitucionais do

processo penal já conquistados e consequente fixação de efetiva reparação para

que se atenda aos reclamos da vítima, para que se de efetividade aos tratados

internacionais e desafogue a esfera civil, tornando desnecessária a vítima

reingressar com novos pedidos indenizatórios nessa esfera.

12

1. A VÍTIMA NO PROCESSO PENAL E SUA REPARAÇÃO PELO

JUÌZO CRIMINAL

1.1. A vítima, conceito

Paulatinamente, com o progresso e a evolução dos Estados modernos e

com a consolidação do monopólio estatal na aplicação da Justiça, o criminoso

transformou-se no personagem central do processo penal, a vítima, por sua vez, foi

quase que esquecida no cenário processual, sendo utilizada durante muito tempo

como meio de prova meramente. No entanto, nos últimos tempos, vem sendo

redescoberta em todo o mundo, sendo que a revalorização da vítima inicia sua

vigorosa caminhada com o fim da Segunda Guerra Mundial, com a atuação dos

organismos internacionais e com o desenvolvimento da vitimologia propriamente,

como ciência autônoma.

Foram feitos intensos estudos sobre a vítima no direito e em outros ramos

do conhecimento humano, como a sociologia, filosofia, psicologia, psiquiatria, dentre

outros, motivando movimentos em inúmeros países, levando à criação de

associações internacionais e nacionais preocupadas em assegurar os direitos da

vítima, sendo inclusive aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas – ONU,

em 29 de novembro de 1985, a Declaração dos Direitos Fundamentais da Vítima.1

Etimologicamente a palavra vítima vem do latim2, contudo há diferentes

explicações sobre seus significados, posto que se prendem às variações culturais de

acordo com uma determinada época, influência religiosa, inicialmente pagã e

posteriormente cristã.

Este trabalho não mergulha no universo da vitimologia, pois não busca a

análise da vítima em amplo aspecto, mas utiliza-se de alguns conceitos desta

ciência para discutir a sua reparação.

1 FERNANDES, Antonio Scarance.O papel da vítima no processo criminal. São Paulo: Malheiros Editores, 1995, p. 11. 2 KOSOVSKI, Éster et al. Vitimologia em debate. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990. p. 192.

13

Para Plácido e Silva, a palavra vítima derivaria de victima, do latim, em

que geralmente se entende que é toda pessoa sacrificada em seus interesses, que

sofre um dano ou é atingida por qualquer mal3.

Do ponto de vista histórico, chamava-se vítima, entre os povos da

antiguidade de modo geral, o animal a ser sacrificado para aplacar a ira divina ou

ainda oferecido em ação de graças por benefícios recebidos. No primeiro caso em

latim empregava-se a palavra hóstia e diferenciava-se no segundo caso com a

palavra victima4.

Edgard de Moura Bittencourt aduz, já com base numa visão religiosa

cristã calcada na Bíblia, que a palavra vítima tem origem no verbo latino vincere,

sendo o ser vivo que se imola em sacrifício. Esse autor ainda afirma que há o

sentido jurídico genérico representando aquele que é atingido diretamente pela

ofensa ou ameaça ao bem jurídico tutelado pelo direito. Num sentido jurídico penal

estrito, a palavra designa o indivíduo que sofre diretamente as consequências da

violação da norma penal e em sentido penal amplo abrange o indivíduo e a

comunidade que suportam diretamente as consequências do crime.5

Ainda, com forte influência religiosa cristã, o vocábulo ganhou significado

amplo em nossos dias, pois vítima não significa somente o animal abatido em

sacrifício, mas todo ser vivo que sofre qualquer espécie de dano, que pode resultar

por ação de outrem ou por fatos da natureza, sendo este o significado literário ou

gramatical da palavra vítima.6

José Frederico Marques, referindo-se à vítima, fala em ”sujeitos principais

do processo e em sujeitos secundários”, considerando o ofendido e o prejudicado

como terceiros “que funcionam no processo penal como interessados em questões

3 SILVA, De Plácido e Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Cia Editora Forense, 2000, p. 870. 4 MASON, Sean F. História da Ciência.Trad. de José Vellinho de Lacerda. Porto Alegre: Editora Globo, 1957 apud em OLIVEIRA, Edmundo.Vitimologia e direito penal: o crime precipitado ou programado pela vítima. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005, p. 7. 5 BITTENCOURT, Edgard de Moura. Vitimologia como Ciência. Revista Brasileira de Criminologia e Direito Penal, ano 1, nº 1, p. 480, abril/maio de 1963. 6 FERNANDES, Antonio Scarance. O papel da vítima no processo criminal. São Paulo: Malheiros Editores, 1995, pp. 31-32.

14

acessórias que se contêm na relação processual penal. Tais são o ofendido ou a

pessoa prejudicada pelo crime”.7

É evidente o caráter acessório que tais personagens processuais

possuem na visão de José Frederico Marques retratando de certa forma a visão

doutrinaria de uma época acerca da vítima.

Os estudos da vitimologia, ciência nascida com o fim da Segunda Guerra

Mundial, são relevantes e influenciam na definição jurídica de vítima, sendo

considerado “vítima penal quem sofre as consequências de violação de uma norma

penal, podendo, no processo, contudo, defender interesses criminais e não

criminais, o primeiro objeto de indagação consiste em saber se essa vítima penal se

identifica com a figura do sujeito passivo da infração penal.”8

Fernando da Costa Tourinho Filho define vítima ou ofendido como ”o

sujeito passivo da infração penal. E sujeito passivo é o titular do direito lesado ou

posto em perigo pelo crime”.9

Antonio Scarance Fernandes complementa o conceito:

A vítima criminal é, assim, o sujeito passivo da infração penal, principal

ou secundário. Contudo, importa salientar que, assim como o réu não

poder ser considerado objeto do processo e sim um sujeito dotado de

direitos, também a vítima deve ser vista no processo não apenas

abstratamente como sujeito passivo do delito, mas como alguém

concretamente dotado de direitos. Sujeito prejudicado. Não corresponde

ele ao sujeito passivo do delito. Este é o titular do direito protegido pela

norma penal. O sujeito prejudicado é o titular do direito à indenização

civil, ou seja, aquele que, em razão de um ilícito civil, tem direito a

pleitear a reparação do dano sofrido.

Pode, contudo, a mesma pessoa ser sujeito passivo e sujeito

prejudicado. Isso acontece quando, em decorrência de um fato

criminoso, o sujeito passivo tenha sofrido lesão e, pelos termos da lei

civil, possa pleitear a reparação do dano. Em conclusão, sem avançar

para o extenso conceito vitimológico, considera-se vítima o sujeito

7 MARQUES, José Frederico.Elementos de direito processual penal, v. I, Campinas, SP: Editora Bookseller, 2000. 8 FERNANDES, Antonio Scarance.O papel da vítima no processo criminal. São Paulo: Malheiros Editores, 1995, pp. 40-43. 9 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa.Processo penal, v.2, 20ª edição, São Paulo: Editora Saraiva, 1998, p. 438.

15

passivo, principal ou secundário. O prejudicado só será vítima quando

ostente também a qualidade de sujeito passivo. Assim, todo sujeito

passivo será vítima, mas não todo prejudicado.10

O conceito de prejudicado foi extraído das normas de direito civil e, como

sustentado por Antonio Scarance Fernandes, nem todo sujeito passivo é prejudicado

e se a lei processual penal permitir que o simples prejudicado possa no juízo criminal

defender seus interesses civis estará admitindo a participação de outras pessoas,

além da vítima, mas se limitar essa intervenção à vítima criminal será legitimado

somente o prejudicado que tenha ao mesmo tempo a posição jurídica de sujeito

passivo de infração penal.11O Código de Processo Penal usa as palavras vítima,

ofendido, pessoa ofendida e lesado, sem rigor terminológico, mas, para Antonio

Scarance Fernandes, é possível extrair algumas conclusões:

O vocábulo vítima aparece com o significado de vítima penal, ou seja, de

sujeito passivo da infração penal. Assim no artigo 187, § 2º, inciso V, consta que o

“réu será interrogado sobre se conhece a vítima”; no artigo 240, § 1º, letra ‘g’,

admite-se busca domiciliar para apreender pessoas vítimas de crimes. Não é a

palavra usada para se referir à vítima como sujeito da relação jurídica

processual.Lesado corresponde no Código ao que sofreu prejuízo em decorrência

do crime. Está referido nos diversos artigos em que são previstas formas de

reparação do dano ao prejudicado: restituição de coisa apreendida no artigo 119,

ressarcimento com o dinheiro arrecadado na venda em leilão público das coisas

apreendidas, artigo 122, parágrafo único, ressarcimento com o dinheiro arrecadado

na venda de bens sequestrados em leilão público, artigo 133, parágrafo único.

É como ofendido ou pessoa ofendida que o Código se refere à vítima no

sentido processual: artigos 5º, II e ‘caput’; 6º, IV; 14; 19; 24, ‘caput’ e parágrafo

único; 30; 31; 32, § 2º; 33; 34; 38; 39, § 1º; 45; 50, ‘caput’; 63; 127; 134; 140; 142;

201 e parágrafo único; 229, ‘caput’; 268; 373; 526; 529, ‘caput’ e parágrafo único;

598.”12

10 FERNANDES, Antonio Scarance. O papel da vítima no processo criminal. São Paulo: Malheiros Editores, 1995, pp. 48-50. 11 Ibidem, p. 50. 12 Ibidem, p. 51. (Artigos do Código de Processo Penal da época da obra do autor citado, anteriores as reformas, atualmente renumerados e modificados em sua redação).

16

José Frederico Marques faz uma distinção entre vítima e prejudicado

propriamente destacando a diferença com o exemplo do crime de homicídio em que

a vítima seria a pessoa assassinada e os prejudicados seriam seus familiares que

tinham uma dependência financeira em relação ao falecido, ou seja, a primeira sofre

as consequências diretas do ato criminoso em si mesmo e as segundas sofrem as

consequências patrimoniais e morais.13

As expressões sujeito passivo e titular do bem jurídico não compõem a

nossa legislação penal e são efetivamente uma criação doutrinaria quando se

referem à expressão vítima. Há quem entenda incabível a expressão sujeito passivo,

pois, numa visão vitimológica, a vítima interage com o agente e com o meio, não

estando desta forma passiva.14 Para se identificar o sujeito passivo principal e

secundário,faz-se necessário analisar a norma que define o crime e se sobrevier

dúvida, deve se optar por orientações mais abrangentes, desde que seja para fins

processuais, pois o Código de Processo Penal não adotou posição restritiva sobre

quem é ofendido.15

Os diversos sistemas processuais não adotaram o mesmo conceito de

ofendido, o nosso Código não define especificamente o que seja ofendido, não

acolheu uma posição restritiva que só considere ofendido o sujeito passivo principal,

sendo o vocábulo usado para se referir ao titular do direito de ação penal privada, ao

titular do direito de representação, ao assistente do Ministério Público ou ao

legitimado para requerer providências cautelares civis.

Com a finalidade de finalizarmos o conceito de vítima se faz ainda

necessário abordar o conceito do instituto da autocolocação da vítima em risco,

consoante a lição de Alessandra Orcesi Pedro Greco fixando as distinções

relevantes classificando as vítimas em dois grupos:

13 MARQUES, José Frederico. Curso de Processo Penal. São Paulo: Editora Saraiva, 1956, volume II, p. 56. 14 GRECO, Alessandra Orcesi Pedro. A autocolocação da vítima em risco. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 24. 15 FERNANDES, Antonio Scarance. O papel da vítima no processo criminal. São Paulo: Malheiros Editores, 1995, p. 52.

17

Aquelas vítimas que criaram o risco para si, ou que consentiram para

que outro a criasse; e aquelas que não tiveram nenhuma colaboração

no risco para si próprias.16

Ao tratarmos de reparação da vítima em face do delito, a aplicação do

conceito mencionado anteriormente se torna importante para fixação do valor a ser

pago a título de indenização, pois é evidente que o comportamento da vítima no

cenário delitivo terá o condão de tornar maior ou menor a responsabilidade do réu

no que tange à indenização. Importa salientarmos que o artigo 59 do Código Penal

pátrio já faz menção ao comportamento da vítima para dosimetria da pena a ser

aplicada,adiante desenvolveremos melhor essa questão.

16 GRECO, Alessandra Orcesi Pedro. A autocolocação da vítima em risco. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 27.

18

1.2. Conceito histórico

O estudo histórico não tem por escopo abordar toda a matéria referente à

evolução do papel da vítima, mas trazer uma visão dos principais momentos

históricos da vítima em face do processo penal.

A vítima nos primórdios da civilização teve relevante papel, como

protagonista da relação processual na punição dos autores dos crimes atuando até

mesmo em causa própria com legitimidade para punir o infrator, pois a própria vítima

ou suas famílias tinham o direito de prosseguir com a vingança, inicialmente privada

e depois, regulamentada e pública ou posteriormente obter uma compensação

financeira com a composição. Nos sistemas de justiça da antiguidade a

compensação era uma das medidas mais comuns na reparação da vítima ou de

seus familiares.

A princípio é preciso reafirmar que a fase cunhada como “Idade de Ouro”

da vítima não é expressão que indique período histórico determinado e circunscrito

no tempo, pois não há historicamente comprovado um termo inicial ou um final

preciso do período em questão. Pode-se apenas estabelecer um marco temporal ao

final desta fase, mais ou menos preciso, considerando-se o início de sua decadência

com a formação dos estados e sua exclusividade no exercício da jurisdição e

consequente diminuição do papel da vítima.

A importância de estabelecer as características principais desse período é

evidenciada quando se vislumbra atualmente a já citada revalorização da vítima, que

significa uma retomada de um conceito de valor que já existira no passado e depois

sofreu uma mudança drástica de paradigma levando a vítima ao esquecimento como

personagem processual e sujeito de direito, bem como enquanto ser humano.

É comum na doutrina a afirmação de que a vítima viveu, nos primórdios

da civilização, sua “Idade de Ouro”, identificando-se esta fase com o período da

vingança e posteriormente vingança pública, em que se entende que a vítima

vingava-se com fulcro exclusivo na sua dor. Entretanto, não é possível afirmar que a

vítima tinha a exclusividade do interesse do direito penal à época, Giuseppe Bettiol

alerta para o risco de se fazer uma afirmação peremptória e precipitada nesse

sentido, ao dizer que, embora se afirme com frequência acerca da natureza privada

19

do direito penal na fase histórica, que antecedeu à constituição do Estado que

conhecemos, o poder punitivo do pater famílias repousava numa justificação de

natureza pública,17 pois este não agia como depositário de um poder privado, mas

era uma autoridade política, de natureza pública, sendo a família a primeira forma de

organização política, quando o estado não existia ou era ainda muito rudimentar.

A vingança privada era de fato a prática utilizada pelos povos primitivos,

entretanto, como afirma Alexandra Orcesi Pedro Greco, tal prática consistia num

poder dever que o ofendido ou seus familiares deveriam exercer, com fundamento

em bases morais, mágicas e religiosas, possuindo esta atuação o caráter divino, na

busca da reparação e restabelecimento da paz social, abalada pelo delito.18

Erich Fromm, por sua vez, descreve a vingança como uma instituição

social aceita e organizada, tendo-a observado entre diversas etnias da Índia,

Polinésia, Córsega e dos índios americanos que a definem como um dever sagrado

que recai sobre um membro de determinada família, clã ou de uma tribo que tem

que matar um membro de uma unidade familiar correspondente, se um de seus

companheiros tiver sido morto.19

Tal revide, sem guardar qualquer proporcionalidade, era pessoal, de

indivíduo para indivíduo, de grupo para grupo, sem qualquer regulação, pois quando

a vingança passa ser regulada por qualquer tradição, costume ou lei, com a

supervisão de um líder político ou religioso, passa à categoria de vingança pública.

Por sua vez, Edgar Magalhães Noronha aduz que o caráter

preponderantemente privado ou público das regras de natureza penal de um

determinado povo não segue uma rigorosa evolução cronológica no sentido da

transmudação do privado para o público.20Tais observações norteiam a necessidade

de especial cuidado para não se adotar categorias e períodos históricos estanques e

definidos em algumas noções que efetivamente transcendem limites culturais e

temporais estritos.

17 BETTIOL, Giuseppe. Direito penal. Tradução e notas de Paulo José da Costa Junior e de Alberto Silva Franco. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1977, volume I. 18 GRECO, Alessandra Orcesi Pedro. A autocolocação da vítima em risco. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 28. 19 FROMM, Erich. Anatomia da destrutividade humana. Tradução de Marco Aurélio de Moura Matos, Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 1975, p. 364. 20 NORONHA, Edgar Magalhães. Direito penal. São Paulo: Editora Saraiva, 1968. v.1, p. 20.

20

É importante salientar que os estudos da evolução histórica do direito

penal tratam, com frequência, de quatro fases distintas:vingança privada, identificada

com o período primitivo da humanidade; vingança pública, quando o Estado ou a

organização social existente passa a regular os casos de vingança e aplicar a pena;

fase da humanização, a partir do século XVIII; e a etapa atual, em que há diversas

correntes com seus próprios pontos de vista.

Nesse sentido, há vários exemplos históricos demonstrando que a

evolução não obedece a um sentido linear cronológico e que tendências

humanitárias, bem como a vingança pública ou privada, são marcas que estiveram

presentes em diversas épocas, com avanços e retrocessos ao longo da história.21

Edgar Magalhães Noronha também assevera no mesmo diapasão que

esses períodos não se sucedem integralmente, ou melhor, advindo um, nem por isso

o outro desaparece logo, ocorrendo, então, a existência concomitante dos princípios

característicos de cada um, uma fase interpenetra a outra, havendo verdadeira

intersecção, e durante tempos esta ainda permanece ao seu lado.22

Com o estabelecimento dessa premissa, pode-se, então, falar do período

identificado como a “Idade de Ouro” da vítima, como sendo aquele que compreende

desde os primórdios da civilização até o fim da Alta Idade Média. Com o início da

Baixa Idade Média (século XII), período este marcado pela crise do feudalismo,

pelas cruzadas e surgimento do processo inquisitivo na igreja católica, sendo que

neste período a vítima inicia seu caminho rumo ao ostracismo, sendo substituída, no

conflito de natureza criminal, pelo soberano e mais adiante pelo Estado.

Como podemos inferir, trata-se de um período histórico muito amplo, o

que torna temerária qualquer classificação taxativa e dificulta a exata compreensão

da evolução do direito penal no que tange ao tratamento à vítima se buscarmos um

sentido linear, tanto de forma cronológica, como também axiológica.

Ana Sofia Schmidt de Oliveira23 lembra ainda no sentido de desmistificar a

fase da idade de ouro da vítima, no que tange à crença de que a vítima agia

21 ZAFFARONI, Eugenio Raúl, PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, volume I, p. 181. 22 NORONHA, Edgar Magalhães. Direito penal. São Paulo: Editora Saraiva, 1968. p. 21. 23 OLIVEIRA, Ana Sofia Schmidt de. A vítima e o direito penal. Uma abordagem do movimento vitimológico e de seu impacto no direito penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 20.

21

livremente e sem quaisquer parâmetros, afirmando que se o direito penal adquiriu

definitivamente seu caráter publicístico com surgimento dos métodos inquisitivos por

volta do século XII, não é correto afirmar que até então a justiça penal esteve nas

mãos da vítima, pois as práticas penais das civilizações mais remotas guardavam

uma forte marca mágica e teocrática, que implicava nítida identificação entre crime e

pecado, o que de per si transcende o interesse exclusivo das partes de pura

vingança, substituído pela necessidade em apaziguar os deuses, que sobrepunham.

Nesses períodos mais remotos da humanidade, a vítima agia por suas

próprias forças ou com o apoio do clã familiar, com forte componente de caráter

mágico e religioso sempre presente como já dito. As consequências do crime não

ficavam, normalmente, adstritas aos indivíduos envolvidos na ação delituosa,

alcançando suas famílias e seu clã, pois a ofensa a um membro da tribo repercutia

em todos, o que gerava lutas sangrentas e infindáveis, responsáveis pelo extermínio

de clãs e comunidades inteiras. Nesse ambiente, onde não havia ainda sistemas

sociais mais organizados política e juridicamente, cabia à vítima e sua tribo punir o

ofensor e seu clã. Tudo dependia da força pessoal da vítima ou de seu grupo para

se impor sobre o criminoso e puni-lo.

A vingança de sangue de forma mágica e simbólica tinha o poder de

desfazer o mal praticado pelo criminoso, por meio de sua própria destruição ou

banimento do grupo. Tal ato vinculado a um poder dever expressava a repulsa ao

agressor, gerada pela ofensa.24

Apesar do todo trazido sobre as vinganças e práticas nas sociedades

primitivas e nas sociedades tribais, o crime não era e ainda hoje não é fenômeno

comum, pois há um alto grau de coesão social, com o ajustamento do homem

comum às tradições da tribo e do clã, também as normas do grupo fixadas há

tempos e de caráter consuetudinário, e a quase ausência de competição social,as

poucas tensões da vida consistentes no suprir das necessidades básicas da

subsistência contribuem para a quase total ausência de delitos. Ademais as

sociedades tribais possuíam formas diversas de esvaziamento das tensões antes da

eclosão da prática de qualquer violência que delas pudessem decorrer, tais como

24 FROMM, Erich. Anatomia da destrutividade humana. Tradução de Marco Aurélio de Moura Matos, Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 1975, pp. 365-366.

22

rituais de sacrifícios e ritualizações da guerra com jogos e lutas corporais,tudo

contribuindo para a quase ausência de conflitos internos.25

A punição do homem, autor efetivamente do crime, só era exigida quando

a agressão fosse mais grave e tinha por finalidade purgar o clã da indignidade do

ato. Recaía sobre o culpado ou, na sua falta, sobre quem viesse a ser apontado pela

vítima ou até por seus parentes, por reconhecimento ou procedimentos mágicos

realizados em cerimônias de julgamento, é a responsabilidade flutuante que busca

um responsável para a pena, que libertará o clã da impureza com que o crime o

contaminou.26

Portanto, ainda que a vítima participasse dos rituais punitivos e pudesse

até mesmo golpear pessoalmente o criminoso, a finalidade maior de tais práticas era

restabelecer a coesão social abalada pela prática do crime e da harmonização do

clã em face das divindades. O interesse do grupo na manutenção da coesão social,

especialmente por suas raízes religiosas, sobrepunha-se ao interesse individual da

pura vingança, que terminava por ser alcançada, mas possuía um significado cultural

muito diferente daquela que o homem moderno pode ter hoje.

Assim, nesse mundo mágico e simbólico do paganismo tribal, em que

imperava a ausência de leis causais, em que a contradição não só era possível

como aceitável, é mais importante saber que a ofensa foi dissipada sem provocar a

ira divina, do que propriamente determinar a exata e pessoal responsabilidade pela

infração, ou sua motivação.

Todos como indivíduos, o clã e a comunidade como um todo eram

agredidos pelo delito e a situação anterior a prática do delito, de harmonia

social,deveria ser restabelecida em respeito às divindades ofendidas e não só em

face da vítima, muito embora esta tivesse atuação pessoal intensa como já exposto.

25 GONZAGA, João Bernardino. O direito penal indígena à época do descobrimento. São Paulo: Editora Max Limonad, 1970, pp. 18-19. 26 BRUNO, Aníbal. Direito penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1984, volume 1, pp. 65-69.

23

1.2.1 Civilizações da antiguidade posteriores à ordem tribal

O mesmo forte sentimento comunitário que se apontou anteriormente nas

sociedades tribais encontra-se presente também na formação das antigas

civilizações, mais populosas, heterogêneas, complexas e organizadas cujas leis

escritas chegaram até nós. A elas, em regra, retrocede a análise histórica do direito

penal e processual e, por isso, merece citação.

Logo que surgiram as primeiras organizações sociais mais estruturadas,

percebeu-se que não interessava a ninguém a vingança sem medida, tampouco as

rixas infindáveis entre os clãs, seguidas também de uma resposta sempre

desproporcionada, pois, isso implicava o empobrecimento e dizimação dos clãs,com

grande desestruturação social. Diante da necessidade de se limitar a reação à

agressão, passou-se da chamada fase da vingança privada à fase da vingança

pública limitada e regulada, pela autoridade constituída.

Assim, quando a vítima e seus parentes pretendiam punir o autor do

crime, deviam se dirigir a um representante do clã, da comunidade ou autoridade

pública, incumbido de verificar se eram obedecidas determinadas regras formais e

se a vingança não ultrapassava os limites estabelecidos nas normas então em vigor,

fossem ela de índole religiosa ou de direito.

Entretanto, como assevera Osvaldo Henrique Duek Marques, a

transferência da vingança do particular para um poder central perdurava em algumas

sociedades ainda como vingança privada, porém regulamentada, pois mantinha

todas as características da vingança de sangue, como na aplicação do talião entre

os hebreus.Também nas sociedades primitivas em que o poder central assumia

integralmente o dever de punir, persistia o sentimento vingativo, embora abrandado,

como no caso do talião aplicado pelo código de Hammurabi.27

Nesse sentido, René Girard explica que os sistemas e organizações

judiciárias:

Não suprimem, mas apenas limitam a uma represália única, cujo

exercício é confiado a uma autoridade soberana e especializada em seu

27 MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena. 2 ed. São Paulo: Livraria Martins Fontes, 2008, pp. 12-13.

24

domínio. Estas decisões da autoridade judiciária afirmam-se sempre

como a última palavra da vingança’.28

Portanto, como se pode inferir, mesmo quando há sistemas de justiça

retirando ou limitando ao particular o protagonismo da vingança, dando a esta uma

regulamentação e uma feição pública, ainda assim remanesce o sentimento da

prática de vingança.

A esse respeito, esclarece ainda Oswaldo Henrique Duek Marques que,

embora o sistema judiciário almeje racionalizar toda sede de vingança expressada

no contexto social, a experiência demonstra, nos casos concretos de crimes graves,

que muitas vezes os indivíduos não se satisfazem com a expectativa de punição

decorrente de um processo judicial e cita exemplo emprestado de Hans Von Hentig,

em que os parentes das vítimas requerem o direito de assistirem às execuções dos

criminosos, fato este corriqueiro nos Estados Unidos da América, ainda nos dias de

hoje.29

As antigas legislações das civilizações da antiguidade denotam este

aspecto claramente.Essas legislações e codificações que chegaram aos nossos dias

constituem importante fonte histórica de informações sobre o papel da vítima nos

primórdios da civilização. Entretanto, cabe ainda fazer mais uma ressalva. Tais

codificações não devem ser superestimadas, pois não se deve, por meio delas,

cunhar afirmações absolutas acerca das relações sociais e jurídicas em determinado

tempo e lugar. Isso ocorre porque, apesar da importância desses documentos, eles

não representam, por si só,integralmente, todo um sistema social efetivamente

vigente, pois havia inúmeras interações com o divino, com a natureza, com os

costumes e com a cultura de forma geral.

Nesse sentido, consoante Aníbal Bruno, o estudo dos sistemas de penas

e de castigos nas sociedades primitivas, faz-se necessário, além da análise jurídica

dos antigos documentos, um exame comparativo, de ordem antropológica do

homem arcaico com o homem atual, levando-se em conta a realidade simbólica,

mágica e primitiva para termos uma ideia mais acertada de como viviam tais homens 28 GIRARD, René. A violência e o Sagrado. 3. ed. Tradução de Martha Conceição Gambini. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2008, pp. 29-30. 29 MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena. 2. ed. São Paulo: Livraria Martins Fontes, 2008, p. 14.

25

no que se refere à tutela social e a garantia de permanência da comunidade por

meio de imposição de penas as transgressões.30

Ana Sofia Schmidt de Oliveira exemplifica que para verificar a limitação da

relevância desses documentos, basta um exercício de imaginação, e que em alguns

milhares de anos, antropólogos de uma civilização futura venham achar a nossa Lei

de Execução Penal nº 7.210/84. Neste contexto histórico, se não contarem com

outras fontes de informações e consultas, é possível que escrevam tratados sobre o

alto grau de humanização vigente nos presídios brasileiros no final do século XX.31

Portanto, nesse sentido é necessária certa restrição na análise pura das legislações

arcaicas.

30 BRUNO, Aníbal. Direito Penal, parte geral. 3 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1967, tomo I, pp. 54-55. 31 OLIVEIRA, Ana Sofia Schmidt de. A vítima e o direito penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, pp. 22-23.

26

1.2.2 Código de Hammurabi

Com efeito, o Código de Hammurabi, uma das mais antigas codificações

conhecidas, vem da Babilônia, civilização da região da mesopotâmia e data,

aproximadamente, o século XVIII antes de Cristo. Hammurabi foi um dos primeiros

reis babilônicos e, de acordo com o prólogo da legislação, foi chamado pelos

principais deuses “para fazer surgir a justiça na terra”32, tendo, assim, recebido a

codificação que possuía evidente origem divina.

Neste código, gravado em placas cuneiformes, constam disposições

penais muito rigorosas. Além da previsão da pena de morte e penas de lesões

corporais ou mutilações (aplicadas segundo o princípio de Talião), que eram muito

frequentes, havia também a previsão da pena de composição para os crimes de

natureza simplesmente patrimonial.

Em alguns casos era prevista a pena de talião e a composição

cumulativamente para o mesmo delito. A utilização de uma ou outra dependia da

qualificação social do ofensor e do ofendido e nesse ponto observa-se o preconceito

de classes explicito no texto. A lei babilônica fazia evidente distinção entre o awilum

e o muskênum, sendo o primeiro aquele cidadão na plenitude de seus direitos,

aristocratas e nobres em geral e, o segundo, o integrante de uma classe

intermediária composta de homens livres e pobres, artesãos, agricultores, pequenos

comerciantes, enfim, sendo esta a classe social intermediária entre a nobreza e os

escravos, que não possuíam qualquer direito.

Nesse período, a lei de Talião foi considerada como um grande progresso

jurídico, pois era conhecida pelo povo pelos preceitos de igualdade e

proporcionalidade que impunha entre a ofensa praticada e a pena imposta, ou seja:

“olho por olho, dente por dente”, portanto impertinente qualquer assertiva sobre

eventual barbárie de tal método, posto que teve ampla aceitação social à época.

Notamos ainda que, embora fosse reconhecido o direito da vítima e de

sua família à aplicação do talião e ao recebimento do preço da composição, o

32 BOUZON, Emanuel. Código de Hammurabi. Introdução e tradução do texto cuneiforme e comentários. 10 ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2003, p. 223.

27

exercício de tal direito encontrava limites legais, não podendo ser

indiscriminadamente exercido sem a intervenção do Estado teocrático.

Vejamos parte do Epílogo:

Que o homem oprimido, que está implicado em um processo, venha

diante de minha estátua de rei da justiça e leia atentamente minha

estela escrita e ouça minhas palavras preciosas. Que minha Estela

resolva sua questão, ele veja o seu direito, o seu coração se dilate!33

Nesse sentido, não há que se falar em vingança privada, mas aqui já há a

efetiva aplicação de um sistema de justiça organizado, de cunho teocrático, ainda

que ungido de um sentimento vingativo, mas que já buscava a recomposição do

dano patrimonial da vítima, além da punição do criminoso em que pese à punição ter

motivação religiosa, mágica e com grande carga simbólica.

33 BOUZON, Emanuel. Código de Hammurabi. Introdução e tradução do texto cuneiforme e comentários. 10 ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2003, introdução.

28

1.2.3 Direito hebreu

No direito hebreu também são inúmeras as passagens do Antigo

Testamento que demonstram a aplicação do talião.Assim, como o sistema

Babilônico e no antiquíssimo sistema Indiano (Código de Manu), o direito penal

hebreu estava fundado em concepções religiosas e sua origem era divina. Os Dez

Mandamentos foram recebidos no Monte Sinai por Moisés diretamente de Deus,

como símbolo da aliança sagrada entre Deus e o homem e constituem a fonte do

direito penal mosaico até os dias de hoje. O direito hebreu nasce com Moisés, após

a libertação do povo hebreu do Egito, onde eram escravos e viviam em estado de

total desorganização social e religiosa.

Não obstante a regra fosse o talião, existiam exceções, distinguindo-se

entre dolo e culpa34, e cedendo, em alguns casos, lugar para uma pena de caráter

indenizatório, cuja finalidade era compensar a vítima.Esta característica fica clara em

algumas passagens do Antigo Testamento como, por exemplo:

Se dois homens travarem de razões, e um ferir o outro com pedra, ou

punhada, e o ferido não morrer, mas ficar precisado a estar de cama; se

depois ele se levanta, e anda por fora firmando-se no seu bordão:

aquele, que o feriu, será dado por inocente; mas ficará obrigado a lhe

pagar perdas e danos à medida do tempo que o ferido não pôde

trabalhar, e a dar-lhe tudo o que ele despendeu com os médicos.35

Se alguém furtar um boi, ou uma ovelha, e os matar, ou vender,

restituirá cinco bois por um boi, e quatro ovelhas por uma ovelha. Se um

ladrão for achado arrombando a porta duma casa, ou escavando a

parede para entrar, e sendo ferido, morreu da ferida: aquele, que o feriu,

não será culpado da sua morte. Se ele matou o ladrão já de dia,

cometeu homicídio, e será punido de morte. Se o ladrão não tiver por

donde pagar o furto, será vendido. Se aquilo, que ele roubou, se achar

ainda vivo em sua casa, quer seja boi, quer seja jumento, quer seja

ovelha, restituirá em dobro.36

34 Bíblia Sagrada, Livro do Êxodo, 21, 12-13. Bíblia de Jerusalém. Tradução em língua portuguesa diretamente dos originais. São Paulo: Editora Paulus, 2002. 35 Bíblia Sagrada, Livro do Êxodo, 21, 18-19. Bíblia de Jerusalém. Tradução em língua portuguesa diretamente dos originais. São Paulo: Editora Paulus, 2002. 36 Bíblia Sagrada, Livro do Êxodo, 22, 1-4. Bíblia de Jerusalém. Tradução em língua portuguesa diretamente dos originais. São Paulo: Editora Paulus, 2002.

29

Percebe-se no texto sagrado do antigo testamento a evidente

preocupação com o ressarcimento da vítima indo além da simples punição do

delinquente.

30

1.2.4 Direito Romano

Em Roma ocorreu algo raro entre os povos da antiguidade consistente na

secularização do direito penal com a fundação da república.A fundação da

República (509 A.C.) é o marco da separação entre a religião e o Estado. A marca

da laicização do direito romano está na lei das XII Tábuas que, promulgada em 453-

451 antes de Cristo, contém diversas disposições penais. Difere a legislação

tabulária daquelas já mencionadas porque não foi outorgada pelos deuses, ou seja,

não tem origem divina, tampouco fundamentam penas em face da ira dos deuses,

tampouco seu procedimento jurídico se consubstanciasse numa liturgia religiosa.

A lei das XII Tábuas limita a vingança privada, distingue os delitos

privados dos públicos, sendo os primeiros sempre sujeitos a penas patrimoniais,

visando à reparação da vítima, prevê a possibilidade da composição como forma de

evitar a vingança e determina a pena de talião. Essa última característica fica

evidente no inciso II da Tábua VII – Dei delitti:

Contra aquele que destruiu o membro de outrem e não transigiu com o

mutilado, seja aplicada a pena de talião.37

A lei tabulária teve o grande mérito de estabelecer uma inédita e ao

menos formal igualdade social, excluindo do direito penal qualquer distinção de

classes sociais e de ordem religiosa, além de estabelecer proporcionalidade entre o

delito e a pena e a possibilidade da reparação pecuniária da vítima. Ressalta ainda

Heleno Cláudio Fragoso que, em alguns casos menos graves, a vítima era mesmo

compelida a aceitar a compensação financeira oferecida pelo culpado.38

A lei tabulária significou também o marco inicial da primazia que se

estabeleceria do direito escrito nos sistemas jurídicos de origem latina.

Diversas leis foram substituindo a lei XII Tábuas, dentre as quais se

destacam as leis Corneliae e Juliae. A repressão dos delitos privados dependia da

iniciativa do ofendido e era realizada por um tribunal civil com imposição da pena 37 CRETELLA, Junior José. Curso de direito romano. 10 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1986, pp. 43 e seguintes. 38 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: a nova parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 26.

31

pecuniária. Ao Estado, representado pelo magistrado, cabia à repressão dos delitos

públicos. Os delitos privados eram considerados fonte de obrigação e ao particular

cabia sua persecução, regulada, porém, também pelo Estado. A indenização fixada

pelo magistrado e paga ao particular era chamada de damnum.

Para certos delitos, o montante da prestação indenizatória era fixado

previamente pelo Estado.39 Interessante à distinção que se fazia entre o furto e o

roubo. O autor do furto só seria punido se a vítima o trouxesse a juízo, ao passo que

o assaltante ficava sujeito à persecução pública, em razão da perturbação que

causava à ordem pública e ao perigo comum gerado.

Para os delitos públicos as sanções previstas eram a morte ou o desterro,

relacionando-se a gravidade da pena com a gravidade da ofensa.

Já no período do baixo império entre 284 e 565 depois de Cristo, o direito

penal romano passa a assumir um papel de instrumento a serviço da manutenção e

do reconhecimento da autoridade do Estado. Nesse diapasão, notamos a forte

perseguição aos cristãos, que se recusavam a adorar o imperador, que possuía

caráter divino, a realizar sacrifícios e ainda ousavam em considerar todos os homens

iguais, fossem escravos ou patrícios, sendo todos filhos do mesmo pai.

Nesta fase, os interesses particulares não são mais tutelados

publicamente, tendo os delitos privados sido praticamente absorvidos pela nova

categoria dos delitos chamados de extraordinários, destacando-se, entre eles, várias

espécies de furtos, o estelionato, o rapto e o aborto, entretanto a composição do

dano da vítima com a compensação pecuniária nos delitos patrimoniais e em alguns

outros delitos fixados previamente pelo Estado sempre estiveram presentes no

ornamento romano.40

39 MOREIRA Alves, José Carlos. Direito Romano. 13 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2001. 40 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: a nova parte geral. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1985, p. 28.

32

1.2.5 Antigo Direito Penal Germânico

O período entre os séculos V e X foi marcado por encontros e conflitos de

dois sistemas. Enquanto o direito romano decaía, com a própria decadência de

Roma, que terminaria conquistada, firmava-se o direito germânico, que se tornou a

base do direito feudal.

Não há como negar que a assunção do direito germânico substituindo em

grande parte o direito romano foi um retrocesso de grandes proporções, posto que

trazia de volta as práticas mágicas, a responsabilidade objetiva sem maiores apuros

técnicos já outrora conquistados pelo direito romano, mas no que tange

especificamente ao atendimento da vítima, este ordenamento buscou também a

reparação, ainda que por motivos religiosos e místicos.

O direito bárbaro era baseado na vingança de sangue e na noção da

perda da paz em face da prática criminosa. A paz era a ordem imperante no âmbito

de uma tríplice relação: casa, família e comunidade. O direito identificava-se com a

ordem, com a paz; daí ser o crime identificado como a quebra da paz. A pena

conhecida como perda da paz era, portanto, consequência inevitável do princípio de

talião: quem quebrasse a paz, merecia perder a paz.

Como sistema de direito propriamente houve um retrocesso em relação

ao direito romano, que era escrito e laico e trazia uma igualdade ao menos formal

das partes, mas, a vítima voltaria ao papel de protagonista neste sistema.

Daí a concepção individualista do direito germânico, pois o delito dava

início a uma relação entre delinquente e vítima. O instrumento para a punição não

era o povo ou o estado, mas apenas o ofendido ou, se fosse o caso, de seus

parentes. Assim, embora a comunidade não tomasse diretamente parte da resposta

ao crime, permitia a agressão da vítima ao autor do delito41.

À medida que foi se fortalecendo o poder estatal, esta concepção

individualista foi sendo gradativamente mitigada, até alcançar a composição

obrigatória (compositio) num evidente retorno aos ideais romanos. Nela, ao invés da

41 HASSEMER, Winfried. Direito Penal, fundamentos estrutura, política. Organização e tradução de Carlos Eduardo de Oliveira Vasconcelos e Adriana Beckman Meirelles. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editores, 2008, p. 74.

33

aplicação do talião, o agressor era obrigado a compensar o dano com uma quantia

em dinheiro, gado ou outros bens.

Louis Assier-Andrieu com fulcro em Tácito, historiador romano das tribos

bárbaras, assevera que as leis bárbaras nos primórdios da idade média são “tarifas

de composição” literalmente, pois havia listas com preços a serem pagos pelos

crimes cometidos. Tácito ainda relata que nelas se resgatava o homicida entregando

um certo número de cabeças de gado a família da vítima. A lei dos Burgúndios

estipulava que quem arrancasse os marcos de delimitação de um campo de plantio

teria uma de suas mãos cortadas, mas que o culpado poderia “resgatar a sua mão”

pagando a metade do que valia a sua própria pessoa. Já a lei lombarda preceituava

que um copista que alterasse uma escritura por ignorância seria condenado a pagar

pelo preço de sua própria pessoa para evitar a morte e que o homicídio era

resgatado em múltiplos do valor da vítima, sendo três vezes o valor entre os francos

e nove vezes o valor entre os alamanos.42

Evidente o caráter reparatório das penas mencionadas, ainda que se

argumente que possuíam discriminação em relação à posição social da vítima e do

agressor, o que influenciava de fato na definição do resgate a ser pago, ou mesmo

que tais medidas eram opções políticas a vingança de sangue desenfreada que se

instalara com o fim do império romano, não há como negar que as vítimas eram de

fato indenizadas evitando-se um problema de cunho social posterior ao delito.

Inobstante seja mesmo a composição a marca do direito germânico na

Alta Idade Média, existiam também outras penas, de caráter sacramental, impostas

aos delinquentes que afetavam a comunidade como um todo. Exemplos desses

delitos eram a traição e os delitos contra o culto. Observa-se, entretanto, que a

execução do criminoso não possuía caráter de pena, mas sim de sacrifício humano,

com grande conteúdo mágico e simbólico para toda a comunidade.

O predomínio do direito germânico estendeu-se até o final do século XI

em grande parte da Europa, ou seja, durante a Alta Idade Média. Algumas práticas

judiciárias desse período devem ser referidas pela forte marca que deixaram no

sistema penal.

42 ASSIER-ANDRIEU, Louis. O direito nas sociedades humanas. Tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2000, p. 139.

34

Ainda nesta fase de vingança, os litígios eram resolvidos também na base

do jogo de provas. Não havia ninguém, nenhum representante do poder,

encarregado de formular as acusações contra o suposto autor de um dano. Quem se

apresentasse como vítima de um dano, ou algum familiar da vítima, deveria apontar

seu adversário e reclamar dele a reparação.

O procedimento era a ritualização da guerra particular entre os dois

contendores, que encontrou seu ápice com as ordálias ou duelos de Deus, mas

havia sempre a possibilidade de um acordo com fins a reparação, para impedir a

guerra ritualizada.

São vários os aspectos interessantes que merecem destaque neste

sistema judicial, dentre eles o fato de que não há qualquer preocupação com a

busca da verdade. O árbitro neste sistema não tem por função verificar quem tem

razão, mas apenas fazer observar o pacto estabelecido. A prova é a expressão de

força, o julgador reconhece o direito do mais forte.43

Ademais, o pagamento do preço do “resgate”, para fazer cessar a disputa,

apesar do nítido caráter indenizatório, tinha como foco principal ser uma forma do

“culpado” não pagar com seu próprio sangue pelo que supostamente causou à

vítima, sendo uma verdadeira “compra” do direito alheio de vingança.

As realização das provas, assim chamadas, não tinham como objetivo a

reconstituição dos fatos, mas sim verificar dentre os adversários quem possuía mais

força, mais peso e podiam ser de três ordens: testemunhais, em que as testemunhas

não depunham sobre os fatos, mas sobre a importância da pessoa, orais em que

cada um dos adversários tinha de recitar uma determinada fórmula corretamente

para vencer e, por último, as ordálias em que as partes combatiam até a morte.

Quanto a esta última espécie, eram provas de caráter mágico-religiosas. Como

exemplo, citamos o famoso exemplo de Michel Foucault quando foi realizada uma

prova no Império Carolíngio, no norte da França, onde o acusado de homicídio

deveria andar sobre fogo em brasa e, dois dias depois, se tivesse cicatrizes, seria

considerado culpado, pois Deus protegia sempre os inocentes.44

43 BRUNO, Aníbal. Direito penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1984. 44 FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. In: OLIVEIRA, Ana Sofia Schmidt de. A vítima e o direito penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 30.

35

1.2.6 Direito canônico

No período compreendido entre o fim do século IX e o século XIII, o direito

canônico constituiu se na principal fonte normativa escrita do mundo ocidental.

Inicialmente de ordem interna e com o objetivo de resolver apenas os

conflitos que surgissem entre os católicos, à jurisdição episcopal foi se afirmando e

conquistando espaço, a ponto de chegar a ser reconhecida oficialmente, a partir do

ano de 313, pelo Imperador Constantino. Com esse fortalecimento, a competência

da Igreja foi sendo alargada, até alcançar todas as infrações religiosas, mais as

matérias consideradas a elas conexas.

Os tribunais eclesiásticos atuavam em matéria penal, inicialmente, sob

provocação. O procedimento era o acusatório. Entretanto, a partir do final do século

XII, surgiu o processo oficioso, ordenado pelo juiz sempre que a prática de uma

infração chegasse a seu conhecimento por meio de qualquer pessoa. Passa então a

ser inquisitorial o procedimento, não tendo a vítima relevância alguma nele, sendo

mero meio de prova.

Com o direito canônico, a vingança de sangue do direito germânico foi

muito limitada, sendo ele uma das principais causas históricas da transmutação do

papel da vítima, que, de sujeito central do conflito penal, passa a ser vista sob um

enfoque utilitário. A vítima passou a servir apenas como um repositório de

informações na perseguição daquele que “pecava”.

O mecanismo que gerou tal afastamento da vítima não teve caminho de

volta. No fim da Idade Média o que se vê é o desenvolvimento dos Tribunais da

Inquisição. Os procedimentos dos Tribunais do Santo Ofício da Inquisição e a

adoção do método do inquérito, aproveitado pela justiça secular, confirmaram o

afastamento da vítima da solução do conflito penal. Confiscos e multas em favor do

estado passaram a ser importantes e cada vez mais comuns como medidas

penais.45

Sem entrar em maiores investigações referentes às Escolas Penais, no

iluminismo, cumpre apenas relembrar que a Escola Clássica e a Escola Positivista

45 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Tradução de Torrieri Magalhães. São Paulo: Editora Hemus, 1983, p . 20.

36

centraram suas atenções, respectivamente, no crime e no criminoso, e a vítima não

ocupou, nelas, nenhum papel de destaque, sendo mero meio de prova.

A finalidade atribuída à pena pela Escola Clássica, dominada pela

influência iluminista, era, inicialmente, a prevenção do crime, evoluindo-se, mais

tarde, para uma metafísica jus naturalista, em que a pena assentou sua justificativa

na exigência ética da retribuição.46

Compreende-se, portanto, a ausência da preocupação com a vítima do

crime, na mediada em que o crime era essencialmente uma ofensa à ordem pública

e não a uma pessoa em especial.

Assim, nasce o conceito jurídico do delito, sem a necessidade de

referência à vítima, em seu maior ostracismo.

46 BRUNO, Aníbal. Direito penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1984, v. I, p. 97.

37

1.2.7 Estado Moderno

Com o fortalecimento das Monarquias e do Estado Moderno, a vítima foi

relegada, definitivamente a plano secundário. O direito penal passou a ser

considerando de ordem pública, sendo o crime visto como ofensa à boa ordem

social, cabendo ao soberano ou ao Estado reprimi-lo. Essa marginalização da vítima

deu-se em sincronia com a progressiva afirmação de que o direito penal e o

processual penal eram de interesse público.

Assim, o processo penal, fosse acusatório, inquisitório ou misto,

neutralizava a vítima, reduzindo seu papel a meio de prova. A relação jurídica que se

forma é entre juiz, réu e acusador. De regra, o acusador era um órgão do Estado,

despontando o Ministério Público como órgão encarregado de promover a ação

penal em quase todos os crimes.

Na França há a figura do Juiz em pé, ou seja, aquele que fica sob o

‘parquet’, referindo-se ao piso, de madeira envernizada da época, portanto daí

advém a figura do Juiz acusador que não tinha assento e mais tarde foi conhecido

como membro do ‘parquet’ ou promotor de justiça.

Até hoje há sistemas jurídicos, como o português que nomeia o órgão de

acusação não como promotores ou membros do ministério público, mas como

magistrados do ministério público em evidente identificação com o conceito Francês

do juiz em pé.

Importa, portanto, na administração da justiça penal, o interesse público e

não mais o privado, devendo a acusação ao acusado advir de um órgão marcado

pela imparcialidade e isento de paixões, voltado para a defesa da sociedade.

Observa-se, no que toca a este momento histórico, que enquanto

anteriormente o litígio era resolvido entre as partes, os métodos utilizados eram as

provas de força, os duelos verbais e as ordálias, no momento em que o

representante do ministério público substitui a vítima, aqueles métodos não mais

podem ser utilizados.

É preciso que se descubra outro método para alcançar a verdade e

desponta como único modelo existente daquele utilizado pelos tribunais

38

eclesiásticos, a ‘inquisitio’. Foi esse o modelo inspirador do inquérito, método de

buscar a verdade, empregado para a reconstrução dos fatos sempre que o criminoso

não era flagrado no cometimento do crime.

Nessa evolução que tende a acabar com a justiça privada, fica bastante

restrito o papel da vítima que apenas pode acusar em um pequeno número de

casos, cabendo-lhe, nos demais, somente noticiar o fato e testemunhá-lo perante o

tribunal.

Chega-se, então, àquilo que parte da doutrina denomina de período de

ostracismo da vítima, quando ela ocupa posição periférica no sistema penal,

limitando-se a servir na produção da prova.

Três dispositivos do Código Penal pátrio ilustram bem o ponto a que

chegou a evolução desta concepção. Trata-se, a título de exemplo, do artigo 25, que

prevê a hipótese em que à vítima é lícito reagir por si, a uma agressão injusta;

regulando e delimitando a legitima defesa, nos seguintes termos:

Artigo 25 – Entende-se em legítima defesa quem, usando

moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual

ou iminente, a direito seu ou de outrem. (Redação dada pela Lei nº

7.209 , de 11.7.1984).47

No mesmo sentido restritivo da atuação da vítima, temos o artigo 100, que

estabelece a excepcionalidade da ação promovida pelo ofendido nos seguintes

termos:

Artigo 100 – A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente

a declara privativa do ofendido. (Redação dada pela Lei nº 7.209 , de

11.7.1984).

§ 1º – A ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo,

quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do

Ministro da Justiça. (Redação dada pela Lei nº 7.209 , de 11.7.1984).

§ 2º – A ação de iniciativa privada é promovida mediante queixa do

ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo. (Redação

dada pela Lei nº 7.209 , de 11.7.1984).48

47 Código Penal Brasileiro, artigo 25. 48 Ibidem, artigo 100.

39

Também fazem parte do regramento da atuação da vítima os artigos 19 e

24 ambos do Código de Processo Penal, nos seguintes termos:

Artigo 19. Nos crimes em que não couber ação pública, os autos do

inquérito serão remetidos ao juízo competente, onde aguardarão a

iniciativa do ofendido ou de seu representante legal, ou serão entregues

ao requerente, se o pedir, mediante traslado.

Artigo 24. Nos crimes de ação pública, esta será promovida por

denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir,

de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido

ou de quem tiver qualidade para representá-lo.

Parágrafo único. No caso de morte do ofendido ou quando declarado

ausente por decisão judicial, o direito de representação passará ao

cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.

§ 1º No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por

decisão judicial, o direito de representação passará ao cônjuge,

ascendente, descendente ou irmão. (Parágrafo único renumerado pela

Lei nº 8.699 , de 27.8.1993).49

No mesmo sentido de regrar e limitar a atuação da vítima, ainda mais

paradigmático temos o artigo 345 do Código Penal, que estabelece o crime de

exercício arbitrário das próprias razões para aquele que faz justiça pelas próprias

mãos, nos seguintes termos:

Artigo 345 – Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer

pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite:

Pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena

correspondente à violência.

Parágrafo único – Se não há emprego de violência, somente se procede

mediante queixa.50

Essa criminalização da atuação da vítima quando venha a agir ainda que

tenha razão, hoje, demonstra da forma mais cabal a referida evolução.51

49 Código de Processo Penal. Artigos 19 e 24. 50 Código Penal Brasileiro, artigo 345.

40

1.3. Tendências de revalorização da vítima na legislação

A Constituição Federal brasileira de 1988, em seu artigo 245, ordena o

amparo aos herdeiros e familiares das vítimas de crimes dolosos, sendo este o

primeiro comando constitucional específico voltado para as vítimas de criminalidade,

desse artigo se originaram diversas iniciativas legislativas e medidas do poder

executivo, incluindo as próprias reformas do Código de Processo Penal.

O referido preceito será objeto de pormenorizado estudo mais adiante,

porém insta salientar alguns efeitos de sua prolação na legislação

infraconstitucional.

Nota-se, em face da longa caminhada da humanidade no que concerne à

humanização das penas, um afastamento gradativo da pessoa da vítima,

inicialmente pelo desejo de afastar-se a ideia de vingança. Com a feição pública e

impessoal do processo gerou-se uma despreocupação estatal com as vítimas dos

delitos de modo geral, entretanto a doutrina vem preconizando o atendimento às

vítimas da criminalidade, do abuso de poder, da violência de modo amplo.

Do imenso sofrimento deixado pela segunda guerra mundial propriamente

surge com maior ênfase na revalorização das vítimas, a própria ciência chamada

vitimologia, surgida do martírio do povo judeu nos campos de concentração de Adolf

Hitler, sendo reconhecido como fundador da doutrina vitimológica o advogado

israelita Binyamin Mendelsohn, professor emérito da universidade Hebraica de

Jerusalém, tendo como marco inicial histórico, sua conferência proferida na

universidade de Bucarest, em 1947, com o tema “Um Horizonte Novo na Ciência

Biopsicossocial: A Vitimologia”.52

A partir desse evento, com o desenvolvimento dos estudos da vitimologia

e com a participação dos organismos internacionais do pós-guerra, podemos dizer

que a surge o impulso maior na direção da revalorização da vítima na sociedades

democráticas ocidentais.

51 OLIVEIRA, Ana Sofia Schmidt de. A vítima e o direito penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, pp. 32-33. 52 OLIVEIRA, Edmundo. Vitimologia e direito penal: O crime precipitado ou programado pela vítima. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005, p. 9.

41

Entretanto, vale lembrar que historicamente a reparação do dano

decorrente de crime já esteve mais presente no Direito Brasileiro e foi

gradativamente perdendo seu espaço nas legislações mais contemporâneas.

Inicialmente, citando o Código Criminal do Império, temos em seu artigo

21, onde se ordenava peremptoriamente que o delinquente satisfará o dano que

causar com o delito. O artigo 22, por sua vez, previa que “a satisfação será sempre a

mais completa possível”. Note-se que em seu parágrafo único o referido artigo 22

discorria sobre a necessidade de instrução para aquilatar-se o dano causado à

pessoa e bens do ofendido nos seguintes termos:

Para este fim o mal que resultar à pessoa e bens do ofendido será

avaliado em todas as suas partes e consequências.53

A Lei nº 261, de 3.12.1841, por sua vez, que reformou o código criminal

do império, revogou estes dispositivos, estabelecendo uma distinção clara entre a

matéria de jurisdição criminal da jurisdição civil, remetendo a indenização para ser

discutida no Juízo cível54. É interessante notar que este dispositivo legal, com pouca

alteração, foi implantado no Código Civil Brasileiro de 1916, em seu artigo 1.525 e

ratificado no artigo 935 do novo código de 2002, vigente.55

O Código Penal brasileiro de 1890 não alterou a sistemática, pois, em seu

artigo 69, alínea b, onde fixava a obrigação de indenizar o dano, como um dos

efeitos da condenação com trânsito em julgado, mas não estabelecia qualquer

instrução do feito no sentido de efetivamente apurar-se o dano em Juízo, como no

vetusto Código Criminal do Império que determinava em seu artigo 22 anteriormente

citado.

A partir do novo Código Penal de 1940, as legislações se sucedem

afastado sempre a presença da vítima no que tange à indenização, preconizando, a

rigor, desde a reforma de 1841 a busca da jurisdição cível para a reparação do

53 PIERANGELI, José Henrique. Códigos Penais do Brasil, evolução histórica. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 240. 54 Art. 68. A indenização em todos os casos será pedida por ação cível, ficando revogado o art. 31 do Código Criminal, e o § 5º do art. 269 do Código do Processo. Não se poderá, porém, questionar mais sobre a existência do fato, e sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no crime. Idem obra citada. 55 Idem, obra citada.

42

dano. No entanto, remanesce a atuação da vítima como assistente da acusação,

que tem previsão legal desde o Código Penal de 1890, em seu artigo 408,porém à

época buscava-se nitidamente a vingança com a aplicação da lei penal em seu rigor

maior, embora se alegue também que o assistente zela pelos interesses patrimoniais

da vítima.56

Evidentemente que nas legislações passadas, como citado, a vítima,

mediante sua habilitação na ação penal, na condição de assistente, ou não,

representada por advogado, sempre lhe foi facultado à busca da reparação cível,

uma vez que com a posse da sentença penal transitada em julgado, mas, a rigor, a

atuação do assistente da acusação não tinha este escopo e as vítimas pobres

também não contavam com esta possibilidade.

O Código Penal Brasileiro de 1940, também silenciou no que se refere à

reparação da vítima, tampouco o Ministério Público atuava neste sentido, liquidando

as sentenças penais transitadas.

Sobreveio a nova parte geral do Código Penal, modificado pela Lei nº

7.209/84, com nova redação para diversos artigos no sentido de estimular a

indenização da vítima.

Com a reforma de 1984, foi introduzido no artigo 59 do estatuto penal a

finalidade preventiva da pena; é adotado um modelo de justiça reabilitadora ou

ressocializadora, que visa a uma prevenção especial, mesmo ao aplicar uma pena

privativa de liberdade, sendo que nessa concepção a pena não é uma vingança e

sim um meio de reinserção do criminoso. Por fim, existe ainda o sistema reparador

que visa principalmente à reparação do dano sofrido pela vítima que tem posição

preponderante.57

Após as reformas de 1984 e de 1998 do nosso Código Penal, que

ampliou profundamente o artigo 44 do Código Penal e possibilitou a aplicação de

penas restritivas de direitos ao réu condenado à pena privativa de liberdade não

superior a quatro anos, nas hipóteses em que o crime não tenha sido cometido

mediante violência ou grave ameaça à pessoa, adotou um sistema misto,

56 PATENTE, Antonio Francisco. O assistente de acusação. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2002, p. 3. 57 JESUS, Damásio Evangelista de. Penas alternativas. 2. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2000. pp. 25-27.

43

denominada teoria eclética (é retributivo – preventivo), conforme se observa nos

artigos 5958 e 44, ambos do Código Penal e artigo 1º da Lei de Execução Penal –

LEP.

Além de todas as mudanças, também se faz imperiosa a observação de

Edmundo Oliveira no que tange ao artigo 59 do Código Penal, pois, além do que já

foi exposto, o citado artigo incluiu de modo explícito na análise das circunstâncias

judiciais, que influem na dosagem da pena, o comportamento da vítima no momento

do delito, que passa a ser levado em conta.59

É o início de uma mudança de paradigma.

Verificamos, por fim, que a Lei nº 9.714/98, com a reforma citada, trouxe

inúmeras inovações no que tange à aplicação de penas substitutivas e também em

amparo à vítima e tem por mérito segundo Damásio Evangelista de Jesus:

Atender aos princípios do Estado Democrático de Direito: retribuir a

culpabilidade do condenado de acordo com o grau de reprovabilidade

da conduta, reparar o dano e procurar prevenir o crime.60

Frise-se a observação feita por Damásio Evangelista de Jesus, no que

tange ao ajustamento do sistema ao Estado Democrático de Direito:

Estado Democrático de Direito, o sistema que mais se ajusta à sua

natureza é o do direito penal que visa a ressocializar o delinquente,

reparar o dano sofrido pela vítima e prevenir o delito.61

Voltando ao Código Penal, temos o inciso I, do artigo 91, em que se

verifica que é efeito da condenação tornar certa a obrigação de indenizar o dano

causado pelo crime, efeito genérico da condenação.

58 JESUS, Damásio Evangelista de. Penas alternativas. 2. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2000, p. 27. 59 OLIVEIRA, Edmundo. Vitimologia e direito penal: O crime precipitado ou programado pela vítima. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005, p. 220. 60 JESUS, Damásio Evangelista de. Penas alternativas. 2. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2000, p. 28. 61 JESUS, Damásio Evangelista de. Penas alternativas. 2. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2000, p. 27.

44

Da mesma forma, o artigo 16 prevê a título de arrependimento posterior

que nos delitos sem violência com a efetiva reparação do dano se dará a redução da

pena de um terço a dois terços e no caso da referida reparação ocorra depois da

denúncia, mas anteriormente à sentença, se dará a ocorrência da atenuante

genérica prevista no artigo 65, inciso III, letra b, ambos os artigos do Código Penal.

Também há o incentivo aos acusados de delitos com previsão de penas

de até dois anos de reclusão para que procedam à reparação dos danos para obter

a substituição das condições genéricas do artigo 78, § 1º pelas condições

específicas do § 2ª, letras a,b e c, todos do Código Penal.

Ainda é importante citar o artigo 83, inciso IV do mesmo Código que

estabelece as condições do livramento condicional, elencando no inciso citado a

reparação da vítima como uma das condições para a concessão, salvo a inequívoca

impossibilidade de pagar.

No mesmo sentido há o artigo 94, inciso III do Código Penal que também

elenca como requisito para o deferimento da reabilitação, a reparação da vítima,

salvo novamente a inequívoca demonstração da impossibilidade de fazê-lo.

Finalmente, ainda o artigo 312, § 3º62do Código Penal que permite a

extinção da punibilidade no caso de peculato culposo cujo dano é devidamente

ressarcido ao Estado.

O Código de Processo Penal também no capítulo VI, das medidas

assecuratórias, em seus artigos 125 ao 144, prevê a futura reparação do dano com

medidas constritivas e assecuratórias em face do patrimônio do acusado, que

efetivamente se prove terem sido adquiridos com os proventos do crime.

Mas ainda assim, apesar da legislação vigente citada, que preconiza a

reparação, a sentença penal condenatória permanece como mera sentença

declaratória relativa à indenização civil da vítima, já que não há ordem expressa e

imperativa, ou seja, um comando judicial para que o condenado repare o dano

resultante do crime.

62 NUCCI, Guilherme de Souza.Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002 , p. 153.

45

Nesse diapasão a sentença penal é declaratória que faz coisa julgada no

juízo cível no que tange à obrigação da reparação do dano, discutindo-se,

exclusivamente, o quantum debeatur, que deverá ainda ser liquidado.63

Ainda nesse sentido, José Frederico Marques aduz que:

A condenação penal é assim um fato jurídico que traz imanente a

obrigação de indenizar.64

Já em legislações esparsas mais modernas que nosso vetusto Código

penal, temos, como grande avanço, a Lei nº 9.099/95 (projeto de Michel Temer,

Nelson Jobim e Abi Ackel) que trouxe de volta o protagonismo da vítima e

posteriormente a Lei nº 10.259/2001 (Juizados Especiais Cíveis e Criminais no

âmbito da Justiça Federal) com mesmo foco, eles introduziram o modelo

consensual, pactuado, negociado, de justiça criminal significando grande avanço no

que tange à despenalização, que não se confunde com descriminalização e

reparação de danos à vítima. Com previsão em seus artigos 62 a 72 e seguintes e,

por fim, o artigo 89 § 1º, inciso I onde se elenca como condição da suspensão

condicional do processo, a reparação do dano como primeira premissa, salvo

impossibilidade absoluta e vale dizer que o não cumprimento desse requisito importa

em sua revogação conforme § 3º do mesmo artigo.65

Inovou também a Lei nº 9.503/1997, que instituiu o Código de Trânsito

Brasileiro e demonstrou a mesma tendência de revalorização, diga-se, de forma

ainda mais direta, instituindo a figura da multa reparatória estabelecida no artigo

297, onde preceitua que essa penalidade consiste no pagamento por depósito

judicial em favor da vítima ou de seus sucessores de quantia calculada com fulcro no

63 BALTAZAR Junior, Paulo José. A sentença penal de acordo com as leis da reforma. In: NUCCI, Guilherme de Souza (org.). Reformas do Processo Penal. Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico, 2008, p. 255. 64 MARQUES, José Frederico. Curso de Processo Penal. São Paulo: Editora Saraiva, 1956, volume II, p. 83. 65 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais criminais:Comentários à Lei 9.099/95 de 26/09/1995. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

46

artigo 49 § 1º do Código Penal, artigo este que estabelece os parâmetros da pena

de multa, sempre que o crime gerar prejuízo material.66

Por sua vez, visando ao combate ao crime organizado, mas trazendo de

forma oblíqua um benefício real às vítimas, temos a Lei nº 9.807, de 13 de julho de

1999, que dispôs sobre a organização e a manutenção de programas especiais de

proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas, bem como a proteção de acusado

ou condenados que tenham prestado voluntariamente a efetiva colaboração para

investigação criminal e para o processo penal.

A legislação brasileira adotou a política criminal de proteger os direitos da

vítima e visando à efetiva persecução penal na prevenção e repressão de crimes

graves, especialmente oriundo do crime organizado, cujo deslinde depende da

efetiva colaboração da vítima, do destemor das testemunhas e ainda da eficaz e

eficiente colaboração dos coautores ou partícipes.67

O artigo 2º, § 1º, da referida Lei nº 9.807/99, deve ser interpretado de

modo ampliativo, uma vez que o réu não teria incentivo para colaborar com a polícia

ou com a justiça, sabendo que sua família não estaria protegida. Ademais, a lei visa

proteger, sem distinção, a pessoa humana e tratar a vítima, testemunha e acusado

de maneira igual, caso contrário, estaríamos infringindo o princípio da constitucional

da isonomia.

A integridade física da vítima a ser preservada está prevista no inciso II,

do artigo 13, da Lei nº 9.807/99 como forma de os réus obterem o perdão judicial ou

significativa diminuição de pena. O perdão judicial previsto na Lei nº 9.807/99 foi

incorporado ao nosso sistema legal e se aplica somente na hipótese em que o

delator for coautor ou partícipe, sendo uma causa de extinção de punibilidade

(artigos 107, IX, e 120 do Código Penal), sendo uma circunstância de caráter

pessoal e incomunicável.

No que tange aos direitos difusos e coletivos, também temos o exemplo

da lei nº 9.605/1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas

66 DIAS, Gilberto Antonio Farias. Manual Faria de Trânsito: as infrações de trânsito e suas consequências para a aplicação do Código de Trânsito Brasileiro. 10. ed. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2007. 67 AZEVEDO, David Teixeira de. A colaboração premiada num direito ético. In: Revista dos Tribunais, vol. 771. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, jan./2000, p. 449.

47

derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras

providências, apropriou-se a lei dos conceitos contidos na linha reparatória do

princípio do Poluidor-Pagador68, em que se exige a reparação conforme preceitua o

artigo 17 que estabelece como condição do sursis especial o laudo comprobatório

da reparação do dano ambiental e o artigo 27 que também prevê a recomposição do

dano como condição a efetivar-se a transação penal. No artigo 9º da mesma lei,

estabelece-se a restauração da coisa no caso de dano ao particular. Finalmente no

artigo 20, determina-se a fixação dos danos sempre que possível para eventual

liquidação após o trânsito em julgado.

Como se pode verificar a legislação pátria vem produzindo verdadeiros

incentivos aos acusados e também obrigações no que tange à reparação dos danos,

como forma também de extinção, diminuição ou atenuação de pena, bem como

requisito para obtenção de benefício legal e progressão de regime prisional em sede

de execução penal.

Portanto, as reformas do Código de Processo Penal brasileiro, ocorridas

em 2008, recolocaram a vítima em evidência com sua revalorização. Instituiu-se, por

exemplo, mediante a lei nº 11.690 de 09/06/2008, as modificações do capítulo V,

Título VII, Do Ofendido, artigo 201, renumerando o primitivo parágrafo único e

criando outros estabelecendo a sua participação processual (§§ 2º, 3º e 4º do artigo

201), medidas de atendimento assistencial psicossocial, jurídica e de saúde (§ 5º) e

o resguardo dos direitos da personalidade (§ 6º).

Dessa forma a vítima passa a participar efetivamente do andamento do

processo judicial não mais como mero meio de prova, sendo informada de seu

andamento e tendo uma série de direitos à assistência tanto por parte do Estado,

quanto do acusado.

Em respeito aos direitos do acusado, entende Antonio Magalhães Gomes

Filho69 que especificamente as medidas de assistência à vítima, por ora, só podem

correr as expensas do ofensor após o trânsito em julgado da sentença condenatória,

68 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcelos. O princípio do poluidor-pagador e a reparação do dano ambiental. In. Antonio Herman de Vasconcelos BENJAMIM (org.). Dano Ambiental: prevenção, reparação e repressão. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 223. 69 GOMES FILHO, Antonio Magalhães. Provas, Lei 11.690, de 09.06.2008. In: Maria Thereza Rocha de Assis Moura (coord.). As Reformas do Processo Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, pp. 281-282.

48

inserindo-se nos efeitos civis da sentença penal, entretanto nada impede que o

Estado venha a prestar esta assistência por seus vários órgãos.

Portanto, importa frisar que todas as reformas anteriores à reforma de

2008 do Código de processo Penal não tinham por foco específico a pessoa da

vítima, mas buscavam a reparação como efeito de análoga barganha da pena,

oferecida ao réu, com alguma influência do pensamento vitimológico nascente.

Mas com base na Constituição como já mencionado anteriormente, vários

estados e órgãos do executivo federal passam a buscar a criação de mecanismos

visando ao atendimento das vítimas de violência.

Nesse sentido o Estado de São Paulo possui interessante experiência

nascida de sua constituição estadual, que serviu de inspiração a diversos estados da

federação.

O Estado de São Paulo, em 05 de outubro de 1989, promulgou a sua

Constituição, e em face do comando constitucional do artigo 245 da Constituição

Federal, prevê o ordenamento estadual paulista, de modo pioneiro, em seu artigo

278, incisos V e VI, o atendimento da vítima e a implantação de uma política de

atendimento multidisciplinar de amparo.

Em 1º de novembro de 1995, sob o governo paulista de Mário Covas,

mediante ação conjunta de suas secretarias de estado da Justiça e cidadania, da

administração penitenciária, da segurança pública e da procuradoria geral do estado

constituiu-se um grupo especial de trabalho com enfoque específico na “proteção à

vítima”. O referido grupo fora presidido por Antonio Scarance Fernandes e visava dar

eficácia ao artigo 278, incisos V e VI da constituição bandeirante já em vigor.

O referido grupo de trabalho fez uma série de recomendações, colhidas

junto a toda sociedade civil e órgãos da administração, magistratura, ministério

público e procuradoria do estado, todos devidamente representados. As

recomendações visavam serem efetivadas em sede administrativa do estado e dos

municípios, além de sugerirem também alterações legislativas no âmbito estadual e

federal.

Dentre essas iniciativas, merece destaque a criação do Centro de

referência e apoio à vítima – CRAVI, criado em julho de 1998 pelo Governo do

49

Estado de São Paulo dando eficácia ao artigo 245 da Constituição Federal e ao

artigo 278 da Constituição Estadual.

Além disso, houve a criação do CRAVI com fulcro nas diretrizes do

Programa Nacional de Direitos Humanos e do Programa Estadual de Direitos

Humanos (Decreto Estadual n.º 42.209/1997), a Lei Federal nº 9.807/1999, e a Lei

Estadual nº 10.354/1999.

Fundamentaram também a iniciativa bandeirante, as seguintes resoluções

de âmbito internacional: As Resoluções n.º40/34 (Princípios fundamentais de justiça

para vítimas de crime e de abuso de poder) e de n.º60/147 (Princípios básicos e

guias sobre o direito à reparação às vítimas de evidentes violações de direitos

humanos) da Assembleia Geral das Nações Unidas, que procuram reconhecer,

consolidar, preencher lacunas e guiar o direito à reparação para as vítimas de

violações de direitos humanos desde a perspectiva da vítima.

O referido órgão estatal trabalha com as vítimas em sentido amplo, com

atendimento multidisciplinar e coligado a diversos órgãos do Estado, podendo ofertar

um leque de atendimentos às vítimas de violência, desde uma consulta com

psicólogo ou assistente social até acolhimento em abrigos e inclusão no programa

nacional de proteção à testemunha e tratamentos completos.

Após a criação do CRAVI em São Paulo, a iniciativa prosperou e hoje há

órgãos idênticos em quase todos os estados da federação com a mesma

denominação e o mesmo foco de atendimento.

Não somente o Poder Executivo ou Poder Legislativo paulista, mas

também o Poder Judiciário do Estado de São Paulo trouxe a lume algumas decisões

no que tange à prolação de Acórdãos com fixação de penas com nítido caráter

reparatório em cristalina consonância com a ideia de reparação dos danos da vítima.

As Decisões trazidas são todas anteriores à reforma de 2008, demonstrando como a

Jurisprudência e a doutrina sempre se antecipam à lei.

A prestação pecuniária constitui modalidade de pena restritiva de

direitos de singulares e benéficos efeitos em se cuidando de crime

praticado contra o patrimônio, pois satisfaz melhor a vítima do que a

mera aplicação de uma pena privativa de liberdade que não será

50

cumprida, diante da primariedade do agente e este se verá obrigado a

ressarcir o ofendido do prejuízo causado.70

Com o advento da Lei nº 9.714 de 25 de novembro de 1998, pode a

pena carcerária ser substituída por pena restritiva de direito,

substituição essa por prestação pecuniária, consistente no pagamento

em dinheiro aos dependentes da vítima (esposa ou filhos) no valor de

cinco salários mínimos, em questão presente. O valor, embora

simbólico, é uma forma de mitigar o sofrimento dos familiares da vítima

e, em caso de eventual indenização civil, é de ser abatido do montante

ai apurado.71

A pena de detenção superior a um ano pode ser substituída por duas

restritivas de direito e uma delas, é razoável seja a prestação pecuniária

a beneficio da família da vítima fatal, a teor do disposto no artigo 45 e

seus parágrafos do Código Penal, com a redação conferida pela Lei nº 9.714 de 25.11.1998.72

A prestação pecuniária aplicada, nos termos da Lei nº 9.714/98 deve,

em princípio, ser concedida em favor da vítima e de seus dependentes,

mesmo que esta não tenha sofrido prejuízos, posto que sofreu um dano

moral, de sorte que, apenas nos crimes em que o sujeito passivo for a

coletividade a pena poderá ser aplicada em favor de entidade pública ou

privada com destinação social.73

O artigo 45 do Código Penal reconhecendo que a prestação pecuniária

pode ser consistente no pagamento de uma indenização a vítima, sendo

este ressarcimento posteriormente deduzido do eventual montante

estabelecido na ação civil, inexiste nulidade na sentença na qual o juiz,

convertendo a pena privativa de liberdade por restritiva de direito, opta

pelo ressarcimento pecuniário, pois esse proceder traduz não só o que

determina a lei, mas também direciona a solução do conflito, não

existindo motivo jurídico ou lógico para que se aguarde o eventual

julgamento no âmbito civil quando, na ação penal, já fica perfeitamente

configurada a responsabilidade do acusado.74

70 Apelação Criminal nº 1.113.125/1. Relator Desembargador Renato Nalini, 11º Câmara Criminal. TJSP. 71 Apelação Criminal nº 1.126.905/4. Relator Desembargador Péricles Piza, 4º Câmara Criminal, TJSP. 72 Apelação Criminal nº 1.120.120/0. Relator Desembargador Renato Nalini, 11ª Câmara Criminal. TJSP. 73 Apelação Criminal nº 1.224.215/9. Relator Desembargador Marco Nahum, 4ª Câmara Criminal. TJSP. 74 Apelação Criminal nº 1.253.025/6. Relator Desembargador Almeida Sampaio, 6ª Câmara Criminal. TJSP.

51

O legislador, com o advento da Lei nº 9.714/98, além de estabelecer

(preenchidos os requisitos) um âmbito maior de aplicação das penas

restritivas de direito como alternativa à pena de prisão, também passou

a se preocupar com a vítima e seus dependentes, atendendo aos

propósitos reparatórios que também constituem finalidade do direito.

Assim, com a prestação pecuniária, pretendeu o legislador trazer

liquidez à sentença penal condenatória visando, principalmente, a

satisfação do dano sofrido pela vítima. Portanto a prestação pecuniária,

em primeiro plano, deve ser concedida em favor da vítima e seus

dependentes. Apenas nos crimes em que o sujeito passivo for a

coletividade a pena poderá ser aplicada em favor de entidade pública ou

privada com destinação social.75

Pode-se perceber que tanto a legislação quanto a jurisprudência e mesmo

os atos do Executivo já vinham refletindo a necessidade de reparar em dinheiro o

delito e fornecer assistência em face dos danos sofridos pelas vítimas, portanto

podemos dizer que a tendência de revalorização da vítima é um movimento

inexorável, tratando-se de um fenômeno jurídico social gestado de longa data pelo

pensamento ocidental do pós-guerra nas nações democráticas e deverá trazer um

novo paradigma ao processo penal, que não irá garantir apenas os direitos do

acusado e a aplicação do direito penal, como também acolherá a vítima para a

devida reparação de seus danos morais e materiais.

75 Apelação Criminal nº 1.226.737/5. Relator Desembargador Marco Nahum, 4ª Câmara Criminal. TJSP

52

2. A VÍTIMA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Inicialmente importa trazer alguns conceitos, neste sentido iniciamos

conceituando o Estado Democrático de Direito, pois se trata de um conceito mais

amplo de Estado que busca suplantar a designação de Estado de Direito concebido

pelo liberalismo e que nem sempre expressa a mesma ideia de Estado Democrático,

pois há Estados de Direito que não são democráticos, muito embora também

fundados sob a égide do direito.

Elegemos o conceito de Estado consoante Dalmo de Abreu Dallari sendo

aquele em que há “uma ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de

um povo situado em determinado território” e destacamos ainda que o autor se

apropria da locução “bem comum” cunhada pelo Papa João XXIII, em que define

bem comum como “o conjunto de todas as condições de vida social que consistam e

favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana’76.

José Afonso da Silva, por sua vez, afirma que a configuração do Estado

Democrático de Direito não significa apenas unir formalmente os conceitos de

Estado Democrático e Estado de Direito, consistindo na realidade na criação de um

conceito novo e importa frisar que na locução do autor que o Brasil se constitui em

legítimo Estado Democrático de Direito, não como mera promessa, mas como

realidade, posto que a Constituição aí já o está proclamando e fundando nos estritos

termos do Artigo 1º da Constituição Federal de 1988.77

Percebe-se, ainda, com Aloysio Vilarino dos Santos, que o sentido da

existência do Estado propriamente, para a sociedade é o fato de existir em função

do bem-estar de seus cidadãos, seus súditos. O Estado deve ter uma gestão social

e submetida a uma Constituição, a qual estabelece seus limites e de seus

76 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 22 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2001. Onde cita Carta Encíclica, “Pacem in terris”, do Sumo Pontífice PAPA JOÃO XXIII, intitulada: A paz de todos os povos na base da verdade, justiça, caridade e liberdade, publicada em 11/04/1963. Publicado em http://www.vatican.va/ Acessado em 16/07/2012. 77 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1997, pp. 119-120.

53

governados, constituindo um Estado constitucional, cujo fundamento é o

constitucionalismo, que procurou submeter o Estado ao Direito.78

O Estado Democrático de Direito brasileiro protege não somente a

propriedade, como desejava como premissa primeira a corrente neoliberal

constituinte, mas abriga por sua constituição e leis todo um complexo de garantias

fundamentais, escoradas no “Princípio da Dignidade Humana”.

É uma opção do povo brasileiro, a adoção do Estado Democrático de

Direito, que está expresso no artigo 1º da Constituição da República Federativa do

Brasil79, lavrada e outorgada sob o devido processo legislativo mediante trabalho da

assembleia constituinte, eleita democraticamente, portanto legitima a opção popular

e deste princípio basilar decorrem os princípios que fundamentam o atendimento às

vítimas da criminalidade, do abuso de poder e de todas as formas de violência e

arbítrio.

O princípio da legalidade é nota essencial no Estado Democrático de

Direito, porquanto é da essência do seu conceito subordinar-se o Estado a

Constituição e fundar-se na legalidade democrática.80 O império da lei, portanto,

vigora no Estado Democrático de Direito, pois ninguém estará obrigado a fazer ou

deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (artigo 5º, inciso II da CF) e

diga-se, o próprio Estado fica adstrito ao cumprimento das regras e dos limites;

tendo seu poder limitado pela lei, e o controle desta limitação se dá através do

acesso de todos ao Poder Judiciário.

A vítima neste contexto de ordem constitucional insere-se perfeitamente,

primeiramente porque antes de sua condição de vítima propriamente insere-se por

sua condição humana e de cidadania indeclinável.

Aproveita a vítima todas as garantias individuais, todas as normas de

proteção à dignidade da pessoa humana, portanto a implantação de sistemas de

78 SANTOS, Aloysio Vilarino dos. A Defesa da Constituição como Defesa do Estado: Controle de Constitucionalidade e Jurisdição Constitucional. São Paulo: RCS Editora, 2007, p. 21. 79 CF – Artigo 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: ...III – a dignidade da pessoa humana. 80 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 35. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2012, p. 410.

54

proteção à vítima, tanto em sede administrativa, como também inserido-a no

ordenamento jurídico, são decorrências lógicas da aplicação do texto constitucional.

Importa salientar que somente sob a égide da democracia, as sociedades

ocidentais, logo após a segunda grande guerra e sob os auspícios da ONU, a

pessoa da vítima passou a ser foco de interesse e revalorização, o mesmo não

acontecendo nos países com regimes totalitários deixando clara a relação entre

democracia e a reparação dos danos das vítimas de forma geral.

55

2.1 A vítima na Constituição Federal Brasileira de 1988

A Constituição Federal brasileira de 1988, em seu artigo 245, ordena o

amparo aos herdeiros e familiares das vítimas de crimes dolosos, sendo este o

primeiro comando constitucional específico voltado para as vítimas da criminalidade

violenta81, deste comando constitucional decorreram os comandos da constituição

paulista anteriormente citado, bem como as reformas legislativas, tanto no Código de

Processo Penal, como na legislação extravagante.

Portanto, para Flavia Piovesan, a dignidade da pessoa humana:

Simboliza um verdadeiro superprincípio constitucional, a norma maior a

orientar o constitucionalismo contemporâneo, dotando-lhe especial

racionalidade, unidade e sentido82

O princípio da dignidade da pessoa humana torna-se desta forma um dos

fundamentos do Estado Democrático de Direito, princípio com efeito normativo a

informar toda a organização do Estado Brasileiro, tendo sido eleito pelo poder

constituinte originário após longeva ditadura militar, com todas as mazelas

decorrentes de tal período.

No mesmo sentido, a Declaração Universal dos Direitos Humanos,

adotada pela resolução nº 217 da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de

dezembro de 1948, vem preceituar em seu artigo 1º:

Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São

dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às

outras com espírito de fraternidade.

Após a prolação desta declaração, que se tornou quase unânime no

concerto das nações em 1975, com a adesão das nações comunistas da Europa

81 Artigo 245 da CF: A lei disporá sobre as hipóteses e condições em que o Poder Público dará assistência aos herdeiros e dependentes carentes de pessoas vitimadas por crime doloso, sem prejuízo da responsabilidade civil do autor. 82 PIOVESAN Flávia. Temas de Direito Humanos. São Paulo: Editora Max Limonad, 2003, p. 389.

56

oriental, que formavam o bloco da extinta União Soviética, que inicialmente se

abstiveram em assiná-la.83

Iniciou-se o movimento mundial de reconhecimento dos direitos humanos

com a prolação de diversos outros diplomas internacionais84, compondo um sistema

global de proteção dos direitos humanos, composto de diversos tratados.

Há também diversos tratados regionais85 todos da mesma índole

protetiva, dos quais o mais importante tratado é a Convenção Americana sobre

Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (1969), sendo o Brasil

signatário de todos estes Diplomas.

Como se pode verificar, com a consolidação de inúmeras democracias

ocidentais, com o insistente temor da volta das ditaduras, não importando sua

origem política, há um crescente processo de consolidação dos direitos humanos e

de internacionalização de seu alcance através dos diplomas internacionais e da

vigilância de seu cumprimento por organismos de jurisdição internacional. Passa,

portanto, a interessar de modo geral a todas as Nações, este desenvolvimento, não

mais sob um enfoque meramente moral, mas essencialmente jurídico no âmbito do

direito internacional público.

Há hoje a consolidação de uma arquitetura protetiva internacional, que

compreende instituições, tribunais, procedimentos e mecanismos vocacionados à

salvaguarda de parâmetros protetivos mínimos afetos à dignidade humana86.

Para as vítimas especificamente, de todas as formas de violência em

geral, aproveitam se de todo este arcabouço constitucional erigido, composto de

83 Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa, realizada na Finlândia, Helsinki, em 1975, fonte: www.onu-brasil.org.br/www.un.org/ 84 Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial (1965), Pacto internacional dos direitos civis e políticos (1966), Convenção para a prevenção e repressão do crime de genocídio (1948), Pacto internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais. (1966), Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher (1979), Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes (1984), Convenção sobre os direitos da criança (1989), Convenção internacional sobre a proteção dos direitos de todos os trabalhadores migrantes e seus familiares (1990). Fonte: www.un.org/. 85 Convenção interamericana para prevenir e punir a tortura (1985), Convenção interamericana para prevenir punir e erradicar a violência contra a mulher – Convenção de Belém do Pará (1994), Convenção interamericana para a eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência (1999). Fonte: www.un.org/. 86 MEDEIROS, Ana Letícia Baraúna Duarte et al. Código de Direito Internacional dos Direitos Humanos Anotado. São Paulo: DPJ Editora, 2008, p. 4. Organizadora: Prof.ª Dra. Flávia Piovesan.

57

todos os princípios e garantias. Nesse sentido se faz necessário breve retrospecto

da construção do princípio da dignidade humana, para que possamos dimensionar

sua importância e aplicabilidade em face das vítimas de delitos.

58

2.2. Do Princípio da Dignidade humana, um retrospecto histórico filosófico do

conceito

A Dignidade da pessoa humana foi erigida como fundamento

constitucional expresso, de ordem normativa em seu artigo 1º, pela primeira vez pela

constituição da República Federal da Alemanha, também chamada de “Carta de

Bonn”, logo após a segunda grande guerra, seguida, alguns anos depois, pelas

constituições de Portugal, Espanha e Itália, países saídos de brutais ditaduras que

desconheceram qualquer proteção aos cidadãos, eventualmente dissidentes ao

regime, por supostas razões de Estado, cometendo crimes bárbaros87 e toda

espécie de violação aos direitos mais elementares do ser humano e das minorias em

geral.

A despeito dessa consolidação legislativa internacional do princípio da

dignidade humana que eclodiu no pós-guerra, é necessário aclarar que tal não se

deu de forma rápida como pode parecer num primeiro momento tampouco sem

resistências e esta construção doutrinária remonta raízes no pensamento Greco

romano e na própria doutrina judaico-cristã88 como destacamos em Gênesis:

Deus criou o homem a sua imagem; À imagem de Deus ele o criou.

Não se quer dizer com isso que apenas as religiões de origem Judaico-

Cristãs tenham desenvolvido o esse conceito, posto que há conceitos semelhantes

junto ao livro dos Vedas, na Índia, que possui mais de cinco mil anos e também em

outras grandes religiões do oriente, mas tomaremos como premissa religiosa apenas

essas duas grandes correntes religiosas citadas, até porque a igreja Católica depois

se utilizará de todo esse conhecimento e desenvolverá também o conceito, deixando

vigoroso legado à sociedade ocidental.

87 Silva, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 37. 88 Bíblia Sagrada. Livro do Êxodo, 21, 12-13. Bíblia de Jerusalém, tradução em língua portuguesa diretamente dos originais. São Paulo: Editora Paulus, 2002.

59

Ingo Wolfgang Sarlet traz o pensamento de Marco Túlio Cícero que

desenvolveu,por meio de alguns conceitos do estoicismo, uma compreensão própria

da dignidade desvinculada do cargo ou posição social. A “dignitas romana” era um

conceito de cunho aristocrático que variava de acordo com a posição social do

indivíduo e seu grau de reconhecimento pela comunidade, havendo, portanto, uma

modulação da dignidade de pessoas mais dignas e menos dignas. Cícero, por sua

vez, enxergando a possibilidade de reconhecer a coexistência de um sentido moral

no que diz respeito às virtudes pessoais do homem declara que a dignidade tinha

dupla significação, como dote (dádiva) e como conquista, no sentido de ser o

resultado de um fazer, um agir na esfera social.

Marco Túlio Cícero ainda, apropriou-se de certa forma e reelaborou os

conceitos do pensamento estoico89para quem a dignidade era tida como qualidade

inerente ao ser humano, que o distinguia das demais criaturas, no sentido de que

todos os seres humanos eram dotados da mesma dignidade, noção esta que se

encontrava intimamente ligada à noção de liberdade pessoal de cada indivíduo. O

novo conceito formulado por Cícero é desvinculando da dignidade romana, no

sentido da posição social e política ocupada pelo indivíduo, bem como a ideia de

que todos os seres humanos, em relação a sua natureza, eram iguais em

dignidade.90

Já em torno do ano 440 d.C., com a igreja Cristã já designada por Igreja

Católica Apostólica Romana e também na condição de religião oficial do império

romano do ocidente, o Papa São Leão Magno sustentou que o ser humano possuía

dignidade pelo fato de que Deus os criou a sua imagem e semelhança e que, ao

tornar-se homem, em alusão à vinda do Cristo numa visão dada com base no dogma

da Santíssima Trindade, dignificou a natureza humana e revigorou os laços entre a

humanidade e Deus,que culminou com a crucificação de Jesus Cristo.91

89 Estoicismo: O estoicismo (do grego: Στωικισµός) é uma escola de filosofia helenística fundada em Atenas por Zenão de Cítio, no início do século III a.C.. Os estoicos ensinavam que as emoções destrutivas resultavam de erros de julgamento, e que um sábio, ou pessoa com “perfeição moral e intelectual” não sofreria dessas emoções. Fonte Enciclopédia Barsa, Editorial Planeta, 3. ed. Madrid, volume VII. 90 Sarlet, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011. 91 SOLIMEO, Plínio Maria. São Leão Magno, o Papa que deteve Atila, publicado em www.catolicismo.com.br, consultado em 20/05/2012.

60

Anício Mânlio Torquato Severino Boécio92, matemático, linguista e filósofo

cristão considerado um pré-escolástico citado por Ingo Wolfgang Sarlet, acabou por

influenciar a noção contemporânea de dignidade da pessoa humana ao definir a

pessoa humana como “substância individual de natureza racional”.93

Já em plena idade média, São Tomás de Aquino, influenciado pelas

ideias de Boécio, trouxe a concepção de uma dignidade ontológica ou inata por ser o

homem filho de Deus e feito a sua imagem e semelhança e complementou com o

conceito de uma dignidade adquirida em face de uma vida reta de acordo com o

evangelho e da orientação da Igreja.94

O rompimento com os conceitos religiosos, com a secularização da

concepção de dignidade humana inicia sua marcha com o movimento jusnaturalista

a partir do século XVI quando se buscou uma maior racionalização dos conceitos

fora dos padrões da Igreja.

Com Thomas Hobbes houve uma retomada do conceito da dignidade

romana, anterior à reformulação de Cícero, quando tal foi aferida em função da

posição social, dos bens, da genealogia aristocrática. Neste sentido Hobbes afirma

que “o valor público de um homem, aquele que lhe é atribuído pelo Estado, é o que

os homens vulgarmente chamam de dignidade”.

Ainda, segundo Hobbes:

O valor de um homem, tal como o de todas as outras coisas, é seu

preço; isto é, tanto quanto seria dado pelo uso de seu poder. Portanto,

não absoluto, mas algo que depende da necessidade e do julgamento

de outrem. Um hábil condutor de soldados é de um alto preço em

tempos de guerra presente ou iminente, mas não o é em tempos de

paz. Um Juiz douto e incorruptível é de grande valor em tempos de paz,

mas não o é tanto em tempo de guerra. E tal como nas outras coisas,

também o homem não é o vendedor, mas o comprador quem determina

o preço. Porque mesmo que um homem, como fazem muitos, atribua a

92 Filósofo cristão nascido em Roma em 479 ou 480/524, autor de inúmeras obras de matemática e filosofia, um dos principais tradutores de Aristóteles. Fonte Enciclopédia Barsa, Editorial Planeta, 3. ed. Madrid, volume III, p. 933. 93 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011, p. 37. 94 AQUINO, Tomás de. Os pensadores. Tradução publicada sob licença de Alexandre Correa. 2. ed. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996, p. 25.

61

si mesmo o mais alto valor possível, apesar disso seu verdadeiro valor

não será superior ao que lhe for atribuído pelos outros.95

Pode-se perceber na análise do texto que o divórcio da conceituação de

Hobbes de seus predecessores escolásticos, como Boécio, Tomás de Aquino e

Kant, verificamos mediante os conceitos apresentados, apenas a título de

exemplo,os avanços e retrocessos na construção de um conceito de dignidade da

pessoa humana desvinculado tanto do ideário religioso quanto dos preconceitos de

classe.

Com Kant, cuja concepção de dignidade parte da autonomia ética do ser

humano, que se fundamenta na capacidade de autonomia da vontade, na

capacidade de autodeterminação e de um agir de acordo com as leis, fundamenta o

autor ainda que tal atributo pertence apenas ao homem em face de sua

racionalidade, constituindo-se no fundamento da dignidade da natureza humana.96

Nesse raciocínio que sintetizamos, Kant fundamentou a dignidade

afirmando no sentido de individualizar o ser humano diferindo-o de coisas e dando-

lhe valor próprio por sua simples existência e afirmando ainda textualmente que:

O homem, e de uma maneira geral, todo ser racional, existe como um

fim em si mesmo, não simplesmente como um meio para uso arbitrário

desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas ações tanto

nas que se dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem a outros

seres racionais, ele tem sempre de ser considerado simultaneamente

como um fim. Portanto, o valor de todos os objetos que possamos

adquirir pelas nossas ações é sempre condicional. Os seres cuja

existência depende, não em verdade de nossa vontade, mas da

natureza, tem, contudo, se são seres irracionais, apenas um valor

relativo como meios e por isso se chamam coisas, ao passo que os

seres racionais se chamam pessoas, porque a sua natureza os

distingue já como fins em si mesmos, quer dizer, como algo que não

pode ser empregado como simples meio e que, por conseguinte, limita

nessa medida todo o arbítrio e é um objeto de respeito.97

95 HOBBES, Thomas. Os Pensadores. 2. ed. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996, p. 54. 96 KANT, Immanuel. Fundamentos da metafísica dos costumes. In: HOBBES, Thomas. Os Pensadores. 2. ed. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996, pp. 134 a 141. 97 KANT, Immanuel. Fundamentos da metafísica dos costumes. In: HOBBES, Thomas. Os Pensadores. 2. ed. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996, pp. 134-135.

62

Ainda na defesa da qualidade da condição da pessoa humana Kant

afirma que

(...) no reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando

uma coisa tem preço, pode-se por em vez dela, qualquer outra como

equivalente, mas quando uma coisa está acima de todo o preço e,

portanto, não permite um equivalente, então ela tem dignidade. Esta

apreciação dá, pois a conhecer como dignidade o valor de uma tal

disposição de espírito e põe-na infinitamente acima de todo o preço.

Nunca ela poderia ser posta em cálculo ou confronto com qualquer

coisa que tivesse um preço, sem de qualquer modo ferir sua

santidade.98

Como podemos verificar, para Kant, o conceito da dignidade da pessoa

humana se desveste de sua roupagem de cunho religioso, dada por Boécio e Tomás

de Aquino, fundamentando não mais na origem divina do homem ou de seu agir de

acordo com o evangelho, mas por sua simples condição humana, racional e não

coisificada, portanto sendo a condição humana possuidora da dignidade como valor

intrínseco.

Kant rejeita a perda da dignidade aceita por Tomás de Aquino, justificada

em face de atos indignos99, pois a dignidade é condição inerente do homem e,

portanto, impassível de renúncia ou expropriação.

Hoje a concepção kantiana permeia a maioria das constituições dos

Estados democráticos de direito, permanecendo incensurável no sentido de que a

dignidade da pessoa humana está considerada como fim, e não como meio, e

repudia toda e qualquer espécie de coisificação e instrumentalização do ser

humano.100

A visão secularizada de dignidade da pessoa humana, de certo modo

desvinculada da tradição judaico-cristã ou mesmo não identificada como produto do

exclusivo pensamento europeu, favorece para que se torne um valor intercultural,

universal, favorecendo sua globalização e adoção entre os mais diversos povos.

98 Ibidem, p. 140. 99 Neste sentido, Tomás de Aquino aceita e justifica a pena de morte como forma de extirpar o indigno com a analogia do anjo caído. 100 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011, p. 45.

63

Hegel, sustentado por uma perspectiva própria com influência da

escolástica que não negava a visão Kantiana, muito embora não a aceitasse

completamente, pois entendia que o ser humano não nascia completamente digno,

mas fazia-se digno com base na sua ética, no seu agir como cidadão.101

A nós, juristas em nossa condição de cristãos, com a visão cristã, não há

que se repudiar as conceituações de Boécio e Tomás de Aquino, como superadas

ou incompatíveis com a visão Kantiana ontológica da dignidade inerente à condição

humana, posto que se fundem numa visão de dignidade outorgada por Deus, na

condição de seus filhos diletos, com um recomendável dever de agir reto e probo,

mas ainda que não se tenha esta consciência ou crença, mesmo que os atos não

sejam dignos, ainda assim teremos a nossa dignidade inata por nossa simples

condição de seres humanos. E esta conquista do pensamento ocidental, já

positivada em nossa ordem constitucional, deve ser resguardada e se fazer cumprir

pela sociedade.

Após traçada esta sumária linha do tempo através da filosofia na

construção de uma concepção filosófica e secularizada de dignidade, pode-se

perceber claramente, nesta exposição conceitual e histórica, a dificuldade de

conceituação propriamente de sua concepção e também de aceitação do conceito

de dignidade da pessoa humana, ao longo dos séculos.

Nestes sentido aduz Carlos Alberto Bittar quando afirma que:

(...) a ideia de dignidade da pessoa humana hoje, resulta, de certo

modo, da convergência de diversas doutrinas e concepções de mundo

que vem sendo construídas desde longa data na cultura ocidental.102

101 A melhor maneira de educar eticamente um filho comenta Hegel a resposta de um pitagórico, “é fazendo-o cidadão de um Estado com boas leis”. WEBER, Thadeu. Pessoa e Autonomia na filosofia de Hegel. In: Revista Veritas, v. 55, nº 3, set./dez. 2010, p. 59-82. Disponível em: www.revistaseletrônicas.pucrs.br, acessado em 26/06/2012. 102 BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. Atualizado por Eduardo Carlos Bianca Bittar. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 14.

64

2.3. Do Princípio da Dignidade humana, conceito atual, vigência na ordem

Constitucional e sua aplicabilidade em face das vítimas de delitos

A doutrina de forma majoritária entende que a retomada dos estudos e

discussões acerca dos conceitos da dignidade da pessoa humana e sua

consequente aplicação no ordenamento jurídico deram-se com a proclamação da

Declaração Universal da ONU, em 1948, que diz em seu artigo 1º que “todos os

seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e

consciência, devem agir uns para com os outros em espírito e fraternidade”.

Dizemos retomada porque a discussão desse princípio já é muito antiga como

demonstrado e após as barbáries da segunda guerra há a efetiva incorporação das

premissas da doutrina kantiana no supracitado princípio e nos textos legais.

Importa, portanto, antes de falarmos propriamente dos efeitos da

dignidade da pessoa humana na legislação, trazermos alguns conceitos de ampla

aceitação acerca do princípio em questão e iniciamos pela definição de Ingo

Wolfgang Sarlet que, embora como ele próprio define, trata-se de uma proposta em

contínua reconstrução103, com o intuito de fornecer a maior afinidade possível com

uma concepção multidimensional, aberta e inclusiva de dignidade da pessoa

humana, nos seguintes termos:

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e

distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do

mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade,

implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres

fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato

de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as

condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de

propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos

destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais

seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que

integram a rede da vida.104

103 O autor já alterou sua definição por duas vezes desde a primeira edição publicada, sendo esta a mais atual e completa. 104 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011, p. 73.

65

Defende ainda o autor que o conceito, além de representar uma proposta

em contínua construção, pois sempre passível de ser ampliado e reinterpretado,

também possui a necessidade de cotejo entre este e os direitos fundamentais, em

face de haver entre ambos uma relação dinâmica e recíproca, para que o conceito

possa ser concretizado e se torne operativo na esfera jurídica.105

Em consonância com Ingo Wolfgang Sarlet, define José Afonso da Silva

na seguinte visão:

A dignidade da pessoa humana, inscrito no art. 1º, III, da Constituição,

não é uma criação constitucional, pois ela é um desses conceitos a

priori, um dado preexistente a toda experiência especulativa, tal como a

própria pessoa humana. A Constituição, reconhecendo a sua existência

e a sua eminência, transformou-a num valor supremo da ordem jurídica,

quando a declara como um dos fundamentos da República Federativa

do Brasil constituída em Estado Democrático de Direito. Se, é

fundamento é porque se constitui num valor supremo, num valor

fundante da República, da Federação, do País, da Democracia e do

Direito. Portanto, não é apenas um princípio da ordem jurídica, mas o é

também da ordem política, social, econômica e cultural. Daí sua

natureza de valor supremo, porque está na base de toda a vida

nacional.106

Jorge Miranda, por sua vez, formula a dignidade da pessoa humana no

fato de que os seres humanos todos são dotados de razão e consciência

representando justamente o denominador comum a todos os homens, expressando

em que consiste sua igualdade.107

Ainda na doutrina portuguesa, há que se trazer José Joaquim Gomes

Canotilho, posto que esse autor possui uma visão ainda mais identificada com a

concepção kantiana, nos seguintes termos:

105 Idem, obra supracitada. 106 SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia. Revista de Direito Administrativo, v. 212, pp. 84-94, abr./jun., 1998. 107 Miranda, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, volume IV, p. 183.

66

A noção de dignidade humana consubstancia-se no princípio

antrópico108 que acolhe a ideia pré-moderna e moderna da dignitas-

homini, com supedâneo em Pico Della Mirandola109 ou seja, do

indivíduo conformador de si próprio e da sua vida segundo o seu próprio

projeto espiritual.110

Como podemos verificar em face dos conceitos trazidos de forma

exemplificativa, o princípio da dignidade humana encontra-se amplamente discutido

e sedimentado, sendo o princípio fundante de nossa ordem constitucional,

devidamente positivado em nossa Constituição de 1988 e utilizado de forma

operativa e integradora como norma cogente, que de fato é. Não remanescem

sequer as críticas já tecidas no sentido de que a utilização do princípio em questão

como fundamento de decisão judicial alarga por demasiado o arbítrio judicial com

bases supostamente subjetivas.Tal crítica já foi devidamente discutida por José

Afonso da Silva no sentido de que não deve realmente haver realmente limite na

proteção dos direitos fundamentais,nas decisões judiciais, com fulcro na dignidade

da pessoa humana.111

Portanto, passando efetivamente para a sua aplicação e vigência na

ordem constitucional, iniciamos citando a letra da lei. Conforme nossa Constituição

Federal de 1988 preceitua:

Artigo 1º – A República Federativa do Brasil, formada pela união

indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se

em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III – a dignidade da pessoa humana;

108 Em Física e Cosmologia, o Princípio antrópico estabelece que qualquer teoria válida sobre o universo tem que ser consistente com a existência do ser humano. Em outras palavras, o único universo que podemos ver é o universo que possui vida. Se existe outro tipo de universo, nós não podemos existir para vê-lo. 109 Giovanni Pico dela Mirandola, filósofo neoplatônico e humanista, autor de Discurso sobre a Dignidade do Homem, exerceu influência também sobre Tomás de Aquino. 110 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 3. ed. Coimbra: Editora Almedina, 1999, p. 219. 111 SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia. Revista de Direito Administrativo, v. 212, pp. 84-94, abr./jun. 1998.

67

No que tange ao conceito propriamente, em face do todo exposto, não há

que se falar em falta de aplicabilidade ou eficácia, tampouco que possua conceito

meramente programático e neste passo afirma José Afonso da Silva não haver

norma constitucional desprovida de eficácia. Nas palavras textuais do autor temos:

“Todas elas (normas) irradiam efeitos jurídicos, importando sempre uma

inovação da ordem jurídica preexistente à entrada em vigor da

constituição a que aderem a nova ordenação instaurada. O que se pode

admitir é que a eficácia de certas normas constitucionais não se

manifesta na plenitude de seus efeitos jurídicos pretendidos pelo

constituinte enquanto não se emitir uma normação jurídica ordinária ou

complementar executória, prevista ou requerida”.112

No mesmo diapasão, consoante Paulo Bonavides acerca dos princípios e

sua propriedade normativa cogente:

Neste contexto, perante a terceira e atual fase do constitucionalismo,

enfim, a fase do neoconstitucionalismo ou pós-positivismo, que é fruto

dos grandes movimentos constituintes da última metade do século XX,

“as novas Constituições promulgadas acentuam a hegemonia axiológica

dos princípios, convertidos em pedestal normativo sobre o qual assenta

todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais”113.

As regras vigem, os princípios valem; o valor que neles se insere se

exprime em graus distintos. Os princípios, enquanto valores

fundamentais governam a Constituição, o regímen, a ordem jurídica.

Não são apenas a lei, mas o Direito em toda a sua extensão,

substancialidade, plenitude e abrangência.114

Portanto, reafirmamos que não é mais pertinente à discussão sobre

serem alguns artigos Constitucionais de conteúdo meramente programáticos, como

se desprovidos de eficácia normativa, e com relação ao princípio da dignidade

humana,como não poderia deixar de ser, tal discussão ocorreu no mundo inteiro e

encontra-se superada.

112 Silva, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 5. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, pp. 81-82. 113 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 273. 114 Ibidem, p. 282.

68

Importa trazer a título de exemplo da República Federal Alemã, hoje

unificada, onde se inaugurou a positivação do conceito do princípio da dignidade

humana em lei fundamental, na sociedade ocidental do pós-guerra, com a Carta de

Bonn.

O supracitado conceito vem sendo aplicado de modo iterativo e concreto

na discussão de questões levadas ao poder judiciário alemão compondo votos na

Corte Constitucional, como no trecho do voto a seguir colacionado, proferido na

Corte Constitucional Alemã sobre a discussão sobre a eventual descriminalização do

aborto:

No sentido de que assim como é correto afirmar que a ciência jurídica

não é competente para responder à pergunta de quando se inicia a vida

humana, também é certo que as ciências naturais não estão em

condições de responder desde quando a vida humana deve ser

colocada sob a proteção do direito constitucional.115

Portanto, em face da aceitação explícita da plena eficácia e vigência do

princípio da dignidade humana, como norma, é evidente que também fundamenta o

amparo às vítimas de criminalidade, sendo o artigo 245116 da Constituição uma

verdadeira decorrência lógica do princípio citado, bem como de todos os direitos

fundamentais aplicáveis.

Não é demais relembrar que toda essa discussão reiniciou-se após a

segunda guerra mundial, sob o abrigo da ONU, com a Declaração de Direitos

Humanos da ONU de 1948, que traz a dignidade em seu artigo 3º117, pensada

justamente para socorrer milhões de vítimas dos campos de concentração e das

nações literalmente destruídas pelo conflito, com milhões de desabrigados famintos,

doentes e órfãos, o que neste cenário atroz levou a filósofa alemã de origem judia,

115 Trecho do voto da Juíza Jutta Limbach, presidente à época do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, transcrito por Ingo Wolfgang Sarlet na obra Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011, p. 54. 116 Artigo 245 da CF: A lei disporá sobre as hipóteses e condições em que o Poder Público dará assistência aos herdeiros e dependentes carentes de pessoas vitimadas por crime doloso, sem prejuízo da responsabilidade civil do autor. 117 Artigo 3º da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948. Disponível em <http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/legislacao-pfdc/trabalho-escravo/docs_acordos_internacionais/declaracao_universal.pdf>. Acesso em maio de 2012.

69

Hanna Arendt,a cunhar em 1996 a expressão “banalidade do mal”118, com a

finalidade de tentar explicar o comportamento bestial do povo alemão, seus

compatriotas, que agiram ou se omitiram, diante da barbárie, sob o manto da

legalidade da república nacional socialista de Adolf Hitler.

Esse é o motivo principal do resgate do conceito do princípio da

dignidade da pessoa humana como valor absoluto e inerente à condição humana, e

que se diga, tornou-se o epicentro das Constituições ocidentais de modo geral.

Portanto, de inteira aplicabilidade o conceito da dignidade da pessoa

humana, no que tange à reparação das vítimas da criminalidade e pode-se afirmar

que o referido princípio informa também a reforma do Código de Processo Penal

pátrio, trazida pela Lei nº 11.719/2008 de 11/06/2008, que introduziu o artigo 387,

inciso IV119, que ordena ao Juízo criminal que prontamente fixe um valor mínimo

para a reparação dos danos.

A discussão propriamente da aplicação da novel legislação se fará em

capítulo próprio, porém somente a título de esclarecer ponto relevante, faz se

necessário lembrar que a reparação da vítima em sede do Juízo criminal em nada

deslustra as garantias do acusado, que se defenderá de modo amplo do fato

imputado, que se provado, com trânsito em julgado da sentença condenatória,

ensejará a reparação fixada.

Portanto, a estranheza causada na doutrina de modo geral e a

jurisprudência ainda tímida no que tange à efetiva aplicação do dispositivo não se

justificam, pois após tantos anos de discussão e luta em defesa dos acusados,

agora, sob os mesmos fundamentos, volta-se para a vítima com a mesma

legitimidade.

118 ARENDT, Hannah. As Origens do Totalitarismo. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1990, pp. 324-325. 119 Artigo 387, inciso IV: O juiz, ao proferir sentença condenatória: ...IV – Fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido. Redação dada ao Código de Processo Penal, em seu artigo 387, inciso IV, determinado pela lei 11.719/2008, publicado no Diário Oficial da União em 23/06/2008, com vigência após sessenta dias da sua publicação. Código de Processo Penal. Obra coletiva de autoria da Editora Revista dos Tribunais, 14ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

70

3. A REPARAÇÃO DO DANO CAUSADO PELO DELITO

3.1. Uma visão constitucional sobre a reparação de danos

Tomamos como premissa o texto constitucional colacionado a seguir, mas

há a necessidade de se fazer algumas ressalvas apresentadas na sequência.

A reparação pode ser de cunho exclusivamente moral ou material, ou

ambos cumulativamente é decorrente de dano perpetrado por ato do delinquente

contra a pessoa da vítima, portanto a responsabilidade objetiva do infrator já vem

definida com a respectiva sentença criminal condenatória,na condição de efeito da

condenação, que se convola em título executivo judicial após o trânsito em julgado,

admitindo medidas assecuratórias de cunho cautelar em desfavor do patrimônio do

réu.

Não cabe a discussão da existência do dano em si, que se presume, pois

tal fato já foi superado pela prolação da sentença penal condenatória, uma vez que a

existência do dano é certa, restando qualificá-lo em material ou moral ou ambos

cumulativamente e ainda determinando sua quantificação.Há, portanto, uma

presunção absoluta da ocorrência do dano com a obrigação de indenizar em face da

existência do delito.

Inicialmente trazemos a fundamentação constitucional propriamente que

assegura o direito de reparação de forma ampla, lato sensu, para proteção aos

direitos da propriedade e da personalidade:

Artigo 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no

País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos

desta Constituição;

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da

indenização por dano material, moral ou à imagem;

71

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das

pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou

moral decorrente de sua violação;

A Constituição torna, portanto, passíveis de indenização todo e qualquer

dano à personalidade, a pessoa ou a seus bens e se faz necessário diferenciá-los:

José de Aguiar Dias120 assinala, enfaticamente, essa ideia:

Ora, o dano, já o dissemos, é uno, e não se discrimina em patrimonial e

extrapatrimonial em atenção à origem, mas aos efeitos. Para distinguir o

dano moral do material haveria, pois, que verificar os efeitos ou

consequências do ato lesivo: se este vem a causar uma diminuição no

patrimônio, configura-se o dano patrimonial ou material, nada

importando a natureza do direito lesionado; se, por outro lado, o ato

lesivo nenhum efeito tem sobre o patrimônio, mas causa sofrimento,

atingindo a pessoa em seus interesses morais tutelados por lei, o dano

é moral ou imaterial.

Os danos exclusivamente materiais são passíveis de quantificação exata,

como aquele decorrente de um furto contra um depósito de cereais, em que se

poderá saber exatamente quanto se perdeu em face dos danos do arrombamento e

de quantos sacos de cereal foram levados, estimados por seu preço de mercado.

Portanto, não há maiores dificuldades em identificar o dano estritamente

material, seja ele definido em qualquer categoria da lei civil, tal como o lucro

cessante, que exige prova circunstanciada ou outra modalidade qualquer de dano

puramente material, ainda que em decorrência de delito.

Nestes casos não há que se falar em dano à personalidade, mas sim ao

patrimônio sem qualquer acúmulo com o dano moral, que deverá ser quantificado de

maneira exata.

Em outro sentido, há maior complexidade na ocorrência do dano moral

propriamente, na sua efetiva aferição e valoração adequada, aí sim, podemos

120 DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1987, p. 852.

72

concluir que o dano moral está relacionado à violação específica dos direitos da

personalidade ou personalíssimos.

No mesmo sentido, Carlos Alberto Bittar afirma:

Que os direitos da personalidade são normalmente definidos como o

direito irrenunciável e intransmissível de que todo indivíduo tem de

controlar o uso de seu corpo, nome,imagem, aparência ou quaisquer

outros aspectos constitutivos de sua identidade. Estariam, dessa forma,

os direitos da personalidade vinculados de forma indissociável ao

reconhecimento da dignidade humana, qualidade necessária para o

desenvolvimento das potencialidades físicas, psíquicas e morais de

todo ser humano.121

A noção de dano moral como lesão a direito da personalidade é

amplamente aceita pela majoritária doutrina. Para Sergio Cavalieri Filho:

O dano moral é lesão de bem integrante da personalidade, tal como a

honra, a liberdade, a saúde, a integridade psicológica, causando dor,

sofrimento, tristeza, vexame e humilhação à vítima.122

No mesmo sentido Carlos Alberto Bittar afirma que:

Qualificam-se como morais os danos em razão da esfera da

subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade em que

repercute o fato violador, havendo-se, portanto, como tais aqueles que

atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da

intimidade e da consideração pessoal), ou o da própria valoração da

pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da consideração

social).123

121 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 1995, p. 22. 122 CAVALIERI, Sérgio Filho. Programa de Responsabilidade Civil. 7. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2007, pp. 74-78. 123 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 1995, p. 41.

73

Finalizando a demonstração do conceito, aduz Yussef Said Cahali:

Parece mais razoável, assim, caracterizar o dano moral pelos seus

próprios elementos; portanto, como a privação ou diminuição daqueles

bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a

tranquilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual,

a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos.124

Evidente a identificação com o conceito de Youssef Said Cahali no

sentido de aferirem-se os danos que são trazidos como efeitos deletérios

decorrentes do crime em face da vítima.

Portanto, para a finalidade do presente trabalho, bastam os conceitos

expostos demonstrando o embasamento constitucional que se encontram no

ordenamento para a reparação lato sensu dos danos, sejam materiais, morais ou

ambos.

Da mesma índole, portanto a fundamentação trazida pelo artigo 387,

inciso IV do Código de Processo Penal.

124 CAHALI, Youssef Said. Dano Moral. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.

74

3.2. A reparação dos danos com a atuação do Juízo Criminal em face da Lei nº

11.719/2008 de 11/06/2008

A reforma introduzida pela Lei nº 11.719 de 11 de junho de 2.008,

obedecendo comando Constitucional expresso no artigo 245 da Carta Constitucional

é o pressuposto legal à obrigação de reparar os danos decorrentes do delito, ao

modificar o artigo 387, inserindo o inciso IV no Código de Processo Penal.

A presente reforma nasceu também sob a forte influência internacional no

resgate das vítimas de violência com forte movimento de revalorização da vítima,

que teve início com o término da segunda grande guerra, traduzido e expresso em

diversos tratados e diplomas internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Leandro Galluzzi dos Santos125 ainda complementa a justificação da

reforma, nos seguintes termos:

Esta Lei é fruto do projeto 4.207/2001, que foi inserido no Pacto de

Estado em favor de um Judiciário mais rápido e republicano, firmado

pelos Chefes dos Três Poderes em 12 de dezembro de 2.004. Com o

pacto, foram enviados ao Congresso Nacional 23 projetos de lei

destinados a simplificar a tramitação dos processos civil, penal e

trabalhista, aos quais se juntaram outros três projetos previamente

enviados pelo Executivo, dentre eles esta proposição. A presente

alteração legislativa representada na lei 11.719/2.008 tem como

finalidade combater a impunidade, imprimir celeridade, eficiência,

simplicidade e segurança ao processo, sem ofensa as garantias

constitucionais já estabelecidas.

Assim preceitua o novo artigo 387 do Código de Processo Penal:

Artigo 387. O Juiz, ao proferir sentença condenatória:

(...)

IV – Fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela

infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido.126 125 Santos, Leandro Galluzzi dos, As Reformas no Processo Penal: as novas Leis de 2.008 e os projetos de Reforma, sob a coordenação de Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2.008, pag. 298. Leandro Galluzzi dos Santos foi coordenador geral de Atos Normativos da Secretária de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça. Integrou o grupo de trabalho da Câmara dos Deputados, como representante do Ministério da Justiça, encarregado de analisar os projetos de Lei para reforma do Código de Processo Penal. Juiz de Direito em São Paulo.

75

Como já referido, o sistema pátrio sempre prestigiou e incentivou a

reparação dos danos decorrentes do delito, ora impondo a reparação na forma de

requisito para concessão de benefício ou ainda incentivando o réu a reparar o dano

com vistas à diminuição da pena ou até mesmo para extinção da punibilidade.

Entretanto, em legislações passadas, havia uma obrigatoriedade da reparação, além

de maiores poderes do Juízo, que retornam agora com a lei em apreço à

complementar o arcabouço legislativo de amparo à vítima, na forma deste artigo de

lei.

Os efeitos da sentença penal ou da absolvição imprópria (artigo 97 do

Código Penal) com imposição de medida de segurança são os principais efeitos da

condenação. Há, entretanto, efeitos diversos e secundários, de teor penal e

extrapenal, insitos nos artigos 91 e 92, do Código Penal e dentre estes efeitos, há

que se ressaltar o efeito secundário genérico, que torna certa a obrigação de

indenizar o dano causado pelo crime (artigo 91, inciso I, do Código Penal), que

sempre foi considerado como efeito automático, isto é, independente de qualquer

declaração expressa no decreto condenatório.

Induvidoso, portanto, que desde antes da reforma, advindo à condenação

do réu, ao final da ação penal, tornava-se certa a obrigação de arcar o réu com a

responsabilidade de reparar os prejuízos e indenizar os danos que o seu crime

tenha imposto à vítima (art. 91, inciso I, do Código Penal), porém, sem a mesma

força cogente tendo sua necessária liquidação na esfera cível.

Além do retorno da obrigatoriedade da reparação à legislação penal com

a reforma de 2.008, há o acréscimo de novos poderes ao Juízo Criminal para

alcançar este fim rompendo antiga tradição pátria que sempre prestigiou o sistema

da separação entre a Jurisdição que apura a responsabilidade penal e aquela que

apura a responsabilidade civil (explicito no artigo 935, do Código Civil).

Outrora o jurisdicionado para conseguir o ressarcimento dos danos

provocados pelo delito, deveria, fosse ele a vítima, seus representantes ou seus

sucessores, ingressar com a competente ação na esfera civil, propondo ação

indenizatória para a liquidação da sentença penal para efetiva apuração dos danos.

126 Código de Processo Penal Brasileiro, artigo 387, inciso IV com a nova redação dada pela Lei 11.719/2.008 (Publicado no Diário Oficial da União de 23/06/2.008, entrando em vigor sessenta dias após a publicação).

76

A obrigatoriedade ao ressarcimento dos danos, portanto, será fixado de

oficio na sentença penal condenatória e passa a ser um dos efeitos naturais da

sentença sem necessitar estar explicitamente requerido na inicial acusatória ou em

qualquer outro momento processual.

Neste sentido esclarece Andrey Borges de Mendonça:

Não é necessário que conste na denúncia ou na queixa tal pedido, pois

decorre da própria disposição legal o mencionado efeito. É automático,

já dissemos, ou seja, independentemente de qualquer pedido, no

âmbito penal, a sentença penal condenatória será considerada título

executivo.

O mesmo se aplica em relação ao valor mínimo da indenização.

Decorre da lei, é automático, sem que seja necessário pedido expresso

de quem quer que seja127.

Trata-se de hipótese de pedido implícito, que passa a integrar o tema

decidido, independentemente de requerimento das partes, uma vez que norma

cogente e cuja análise se fará em capítulo autônomo do decreto condenatório.

Fato semelhante existe, com o ressarcimento em sentença das custas

processuais e fixação dos honorários de sucumbência (artigo 20 do Código de

Processo Civil), pacificado pela doutrina e jurisprudência, como hipótese de pedido

implícito, a efetivamente determinar um capitulo na sentença.

Daniel Amorim Assumpção Neves define e exemplifica acerca de pedido

implícito:

Pedido implícito é qualquer tutela não pedida pelo autor que a lei

permite que o juiz conceda de ofício e ainda exemplifica para ilustrar a

definição citando o pedido de alimentos, que está implícito na demanda

de investigação de paternidade, em função do disposto no artigo 7º da

Lei Federal nº 8.560/92 (Lei de Investigação de Paternidade). O autor

ainda explicita que os termos contidos na Lei ‘sempre e fixarão’

demonstram a forma imperativa que nessa espécie de processo os

alimentos deverão ser concedidos e fixados pelo Juiz, ainda que a

127 Mendonça, Andrey Borges de, Nova Reforma do Código de Processo Penal, 1ª edição, São Paulo, Editora Método, 2.008, pag. 243

77

petição não contenha tal pedido expresso do autor, sendo

evidentemente um pedido implícito.128

Evidente a semelhança do caso citado com o inserto no artigo 387, inciso

IV do Código de Processo Penal que a toda evidencia torna-se efeito da condenação

e pedido implícito.

Portanto, a vítima, seu representante, sucessores ou mesmo o Ministério

Público não necessitam expressar de forma rigorosa o pedido de fixação da

indenização, muito embora possam fazê-lo expressamente caso queiram apurar e

detalhar o dano, pois trata-se na realidade de um pedido implícito.

Neste sentido ainda aduz Candido Rangel Dinamarco em síntese:

Trata-se de casos em que o objeto do processo inclui parcelas não

explicitadas na demanda inicial, como juros legais sobre o principal

pedido (artigo 293 do Código Civil), a correção monetária e mesmo as

parcelas representativas do custo financeiro do processo (despesas

processuais, honorários advocatícios da sucumbência: CPC, artigo 20

do Código Civil). Embora não conste do pedido, a pretensão à

condenação por essas verbas inclui-se no objeto do processo e será

julgada em capítulo autônomo.129

A jurisprudência, por sua vez, do Superior Tribunal de Justiça – STJ, no

que tange a questão dos pedidos implícitos já pacificou a questão em recente

julgado decidindo:

A Corte Especial, ao apreciar REsp submetido ao regime do artigo 543

letra C, do Código de Processo Civil reiterou o entendimento de que a

condenação nas verbas de sucumbência decorre do fato objetivo da

derrota no processo, cabendo ao juiz condenar, de ofício, a parte

vencida independentemente de provocação expressa do autor,

porquanto se trata de pedido implícito, cujo exame decorre da lei

processual civil. [...]". (REsp 886.178-RS, Relator Ministro Luiz Fux,

julgado em 2/12/2.009).

128 Neves, Daniel Amorim Assumpção, Manual de Direito Processual Civil, Editora Método, São Paulo, 4ª edição, 2.012. 129 Dinamarco, Candido Rangel, Capítulos de Sentença, 3ª edição, São Paulo, Malheiros Editores, 2008, pag, 65 e 66.

78

Especificamente, já sobre o tema do nosso estudo, a fixação da reparação dos danos pelo Juízo Criminal, em que pese à rara Jurisprudência, vem se apresentando da seguinte forma:

Apelação Criminal “Por ser norma cogente, não cabe ao juiz deixar de

examinar a aplicação da reparação de danos a título de danos

materiais, por meio das provas produzidas nos autos”. (Apelação

Criminal nº 1.0324.09.075785-1/001, Comarca de Itajubá, Relator

Desembargador Doorgal Andrada, publicado do Diário Oficial do Estado

de Minas Gerais em 08.09.2.010).

Apelação Criminal. Crime contra o patrimônio. Roubo duplamente

majorado. Emprego de arma e concurso de agentes. Manutenção do

decreto condenatório. Prova suficiente. Dosimetria da pena. 1.

Manutenção do decreto condenatório. As provas existentes no caderno

processual relativas à autoria são suficientes para o julgamento de

procedência do pedido condenatório deduzido na denúncia.

Reconhecimento pessoal pela vítima na fase inquisitorial e judicial.

Valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração.

Considerando que o fato delituoso objeto desta ação penal ocorreu em

data da posterior à entrada em vigor da Lei nº 11.719/08, a fixação de

valor mínimo de indenização à lesada, prevista no art. 387, inc. IV, do

CPP, é medida imperativa. Isso porque, sobrevindo prejuízo decorrente

da infração à vítima e estando este evidenciado nos autos, a aplicação

do aludido preceito legal é cogente, não sendo possível o seu

afastamento, sob pena de violação do Princípio da Legalidade. E, em se

tratando de parte integrante do decreto condenatório, é dever do juiz, ao

proferir a sentença, incluir o arbitramento de montante mínimo a título

de reparação, sendo despiciendo pedido da acusação. Apelo defensivo

parcialmente provido. (Apelação Criminal nº 70033033358, Oitava

Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator:

Desembargador Dálvio Leite Dias Teixeira, publicado do Diário Oficial

do Estado do Rio Grande do Sul em 30.06.2.010).

Ainda no sentido da fixação da indenização de oficio, afirma Andrey

Borges de Mendonça categórico:

É relevante notar que a possibilidade de o magistrado criminal fixar o

valor mínimo na sentença independe de pedido explícito. E não há

violação ao princípio da inércia, segundo pensamos. Isto porque é efeito

79

automático de toda e qualquer sentença penal condenatória transitada

em julgado impor ao réu o dever de indenizar o dano causado.

Não é necessário que conste na denúncia ou na queixa tal pedido, pois

decorre da própria disposição legal o mencionado efeito. É automático,

já dissemos. Ou seja, independentemente de qualquer pedido, no

âmbito penal, a sentença penal condenatória será considerada título

executivo.

O mesmo se aplica em relação ao valor mínimo da indenização: decorre

da lei, é automático, sem que seja necessário pedido expresso de quem

quer que seja. A única modificação que a reforma introduziu foi

transmudar o título executivo, que antes era ilíquido e agora passa a ser

líquido, ao menos em parte. E o fez porque há um interesse social de

que todos os efeitos do crime sejam apagados, ou ao menos mitigados,

especialmente o dano causado à vítima. Justamente neste sentido

estão as disposições quanto ao dever de indenizar o dano.130

Ainda mais contundente em seu magistério, Guilherme de Souza Nucci

afirma:

Reparação Civil dos danos: sejamos absolutamente realistas, sem nos

impressionarmos com a pretensa reforma autêntica do processo no

Brasil. Há muito aguarda-se possa o Juiz criminal decidir, de uma vez,

não somente o cenário criminal em relação ao réu, mas também a sua

divida civil, no tocante a vítima, de modo a poupar outra demanda na

esfera civil. O que se faz ?

Menciona-se que o Magistrado pode fixar um valor mínimo para a

reparação dos danos causados pela infração, levando em conta os

prejuízos sofridos pela vítima. Ora para o estabelecimento de um valor

mínimo o Juiz deverá proporcionar todos os meios de provas

admissíveis, em benefício dos envolvidos, mormente do réu. Não pode

este arcar com qualquer montante se não tiver a oportunidade de se

defender, produzir prova e demonstrar o que, realmente, seria em tese,

devido.

Pois bem. Se o acusado produziu toda prova desejada nesse campo,

por que fixar apenas um valor mínimo ? Seria o mesmo que dizer:

130 MENDONÇA, Andrey Borges de. Nova Reforma do Código de Processo Penal. 1. ed. São Paulo: Editora Método, 2008, pp. 240-241.

80

“A Justiça Criminal fixa ’X’, mas se não estiver contente pode demandar

no âmbito civil, onde poderá conseguir o que realmente merece”. Essa

situação nos soa absurda. Ou o ofendido vai diretamente ao Juízo civil,

como se dava anteriormente, ou consegue logo o que almeja – em

definitivo – no contexto criminal.

A situação do meio termo é típica de uma legislação vacilante e sem

objetivo. Desafogar a Vara Cível também precisaria ser meta do

legislador. Incentivar o ofendido a conseguir a justa indenização,

igualmente. Porém, inexiste qualquer razão para fixação de um valor

mínimo. Dá-se com uma mão; retira-se com a outra. O ofendido obtém,

na sentença condenatória criminal, um montante qualquer pelo que

sofreu, mas pode demandar maior valor na esfera cível. O óbolo dado

na Cara Criminal não lhe servirá se efetivamente, quiser ser ressarcido.

Porém, quando não lhe interessar indenização alguma, o valor mínimo

será desinteressante, igualmente. O meio termo foi a solução adotada

pelo legislador que quer mudar, mas não sabe exatamente como nem o

porque.131

Neste diapasão, podemos concluir com autorizada doutrina e

jurisprudência que com a condenação pelo Juízo criminal, obrigatoriamente deverá

ser fixada verba indenizatória que passa a ser efeito da sentença condenatória,

independente de haver sido requerida, pois, trata-se de efeito automático da

condenação.

Portanto, não há dúvida quanto à imperatividade contida no artigo 387,

IV, do Código de Processo Penal, onde determina que o juiz “fixará” valor mínimo

para reparação dos danos causados pela infração, considerando sempre os

prejuízos e danos suportados pela vítima.

Uma rigorosa interpretação literal do inciso em apreço legal permite a

conclusão de que o juiz criminal deverá fixar o valor mínimo para reparação dos

danos causados pela infração, sempre, ao proferir sentença condenatória.

A ausência de pedido expresso na peça acusatória de fixação da

indenização não ofende ao princípio da correlação entre a acusação e sentença,

posto que se trate como dissemos de efeito automático da condenação penal,

131 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 691.

81

semelhante também a estipulação da pena de multa fixada sempre com a pena de

reclusão ou não, muito embora a indenização no caso tenha um efeito extrapenal de

caráter indenizatório e não meramente punitivo como no caso da multa penal.

A reforma em questão vem gerando controvérsias também em outros

aspectos, principalmente quanto a esta relativização da autonomia da

especialização das esferas cível e criminal, pois desde a revogação do vetusto

código criminal do império, ainda no século XVIII, que o Juízo criminal não mais

ordenava a reparação expressamente, remetendo a questão para uma vara cível.

Apesar deste tradicional sistema, por ora francamente mitigado pela

reforma em questão, é importante afirmar que a Jurisdição é una, havendo apenas a

divisão da apuração das responsabilidades em separado, portanto importa dizer que

o Juízo criminal é formalmente competente para apurar e julgar o dano, seja ele

moral, material ou ambos, por força de lei.

A divisão em razão de matéria, com especialização de varas, como ocorre

nas grandes comarcas é fato de conveniência da organização judiciária, pois, os

juízes possuem formação sólida para atuarem em todas as áreas do direito que

diga-se, forma um único corpo de conhecimentos, portanto, impertinente qualquer

alegação de inabilitação para julgar.

É importante referirmos que sem qualquer falta de técnica a atribuição de

competência à esfera penal para aferir e estabelecer o dano sofrido pela vítima e

sancioná-lo visa ao atendimento ao jurisdicionado, vítima de violência, portanto,

como se sabe, nenhum princípio é absoluto e por isso optou-se por guarnecer a

vítima com maior amparo legal, tal como previsto no texto constitucional e em farta

legislação pública internacional estabelecidos em tratados já citados.

No que tange aos princípios do contraditório, ampla defesa e devido

processo legal, corolários do processo penal constitucional moderno há que se

afirmar também inexistir qualquer ofensa, pois serão exercidos em sua plenitude ao

longo do processo também em relação à fixação efetiva da indenização.

O Juízo criminal deverá instruir o feito da forma mais detalhada possível

para que se possa aquilatar ou ao menos presumir o dano e para que se possa

estabelecer a indenização mais próxima da realidade dos danos perpetrados.

82

Essa instrução evidentemente transcorrerá sob o manto do contraditório

em que o acusado poderá defender-se também no que tange aos supostos prejuízos

impostos à vítima, fazendo prova e requerendo o que achar necessário. O acusado

poderá demonstrar também o tamanho real do dano, se admiti-lo lembrando sempre

que acima de tudo o acusado defende-se dos fatos. Portanto, em face do exposto,

não há que se falar em fixação mínima da reparação, que pode e deve ser fixada em

padrão adequado, desde que precedido da devida instrução e respectivo

contraditório.

No sentido da necessidade acerca do exercício do contraditório, a

Jurisprudência já vem assentando entendimento nos seguintes termos:

Apelação criminal. Lesão corporal de natureza grave. Art. 129, § 1º,

inciso I, do CP. Dolo eventual. Reparação dos danos causados pela

infração. Art. 387, IV CPP. Necessidade de observância ao princípio da

ampla defesa e do devido processo legal. [...] A fixação do valor mínimo

para a reparação dos danos causados pela infração também deve

observar os princípios do contraditório e ampla defesa, revelando-se

imperiosa sua exclusão quando não foi oportunizado ao recorrente o

direito de produzir eventuais provas que pudessem interferir na

convicção do julgador no momento da fixação. (TJMG – Apelação

Criminal 1.0720.05.021238-3/001, Relator Desembargador Renato

Martins Jacob – publicado do Diário Oficial do Estado de Minas Gerais

em 03/08/2.009).

Frise-se ainda que ao réu assistam todos os recursos previstos no

ordenamento jurídico pátrio e a indenização só poderá ser exigida efetivamente após

o transito em julgado da condenação.

O Ministério Público, por sua vez, deverá atuar em suas funções já

estabelecidas e também esta legitimado para propor ação reparatória no âmbito civil

conforme preceito do artigo 68132 do Código de Processo Penal.

Entende-se de modo geral que tal legitimação vem sendo gradativamente

revogada com a implantação gradual do órgão da Defensoria Pública nas unidades

da federação, bem como, com a atuação das defensorias dativas com fulcro no 132 Artigo 68 do Código de Processo Penal: Quando o titular do direito à reparação do dano for pobre (artigo 32 §§ 1º e 2º) a execução da sentença condenatória (artigo 63 do CPP) ou a ação civil (artigo 64 do CPP) será promovida, a seu requerimento, pelo Ministério Público.

83

Estatuto da Advocacia, para atendimento aos carentes, entretanto, mantém integra a

legitimação se falarmos em defesa de interesse sociais relevantes a serem

discutidos e protegidos mediante a propositura de ação civil publica e também onde

não exista o órgão de Defensoria Pública implantada, nem a regular atuação dos

advogados dativos, mediante convenio da Ordem dos Advogados do Brasil com o

Estado em questão.

Nesse sentido, com supedâneo no artigo 127 e 129133 incisos III e IX,

todos da Constituição Federal de 1988, combinados com a Lei nº 7.347 de

24/07/1.985 que rege a Ação Civil Pública, pode e deve o Ministério Público

promover a reparação dos delitos causados à sociedade por crimes ambientais,

crimes contra os consumidores, enfim delitos que atinjam os direitos difusos da

sociedade, mediante ações civis públicas.134

Portanto, em conclusão ao presente capítulo, entendemos que a norma

em comento, inserta no artigo 387, inciso IV do Código de Processo Penal deve ser

interpretada de forma a garantir o acesso da vítima a integral reparação de seus

danos, sejam eles morais ou materiais, com as garantias inerentes ao moderno

processo penal constitucional, tanto no que tange à vítima demonstrar o efetivo

prejuízo, quanto ao réu defender-se e produzir as provas que julgar necessárias.

Desta forma, com esta interpretação do artigo em questão, garantindo-se

amplo contraditório, ampla defesa, bem como toda e qualquer outra garantia, além

de atender aos anseios da vítima, igualmente garantidos pela Carta Magna, com a

perfeita atuação do Juízo Criminal, será atendida determinação Constitucional de

amparo à vítima de violência, bem como se dando efetividade a nova lei e também

há inúmeros diplomas internacionais no mesmo sentido dos quais o Brasil é

signatário.

133 Artigo 127 - O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Artigo 129: São funções institucionais do Ministério Público. Inciso III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. Inciso IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas. 134 Para aprofundamento da questão, consultar: Ada Pellegrini GRINOVER. O Ministério Público na Reparação do Dano às Vítimas do Crime. JUS – Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, volume 18, 1995.

84

3.3. A apuração dos danos e a fixação do quantum indenizatório sob o crivo do

contraditório e a ampla defesa

A questão da apuração dos danos compõe também a acrescida

competência do Juízo criminal na fixação da indenização e deve ser realizada na

medida das possibilidades deste Juízo, para que se apure efetivamente o dano

ocorrido, ou ao menos se faça uma eficaz aproximação da realidade.

A fixação do quantun indenizatório nomeado no artigo em comento de

“mínimo” deve ser feito com base nas provas presentes no feito e que efetivamente

demonstrem o dano sofrido pela vítima e não como ato meramente formal.

O artigo 387, inciso IV, fala em fixar valor mínimo para indenização, mas

nada obsta que o Juízo, de posse das provas, instrua a causa para aferir o dano

material ocorrido, pois o valor mínimo fixado na sentença deve corresponder ao

efetivo dano sofrido, para evitar que a vítima retorne ao Poder Judiciário para buscar

a complementação do valor em ação de liquidação junto ao Juízo Cível, o que

contraria o espírito da lei e neutraliza a tão buscada celeridade processual.

O dano material corresponderá sempre às perdas e danos, isto é, “salvo

as previsões legais excepcionais, as perdas e danos devidas abrangem, além da

perda efetiva, o que deixou de ganhar” (artigo 402 do Código Civil de 2.002)135.

Deverá ainda, o Juiz aferir os danos emergentes, ou seja, o valor efetivamente

perdido pela vítima, além dos lucros cessantes.

Portanto, o Juiz deverá arguir a vítima expressamente sobre suas perdas,

em detalhes e ordenar a juntada de provas do alegado pela vítima, para que se

possa consubstanciar o efetivo prejuízo material.

Em casos mais complexos a vítima poderá juntar perícias e auditorias

que, por sua vez, poderão ser plenamente contraditas pelo acusado. A aferição do

dano material será o resultado desta averiguação escorreita e deverá gerar uma

indenização nos mesmos moldes, ou seja, a indenização por dano material refletirá a

perda material exatamente, sob pena de transformar a lei em letra morta.

135 Artigo 402 do Código Civil Brasileiro de 2002, salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu o que razoavelmente deixou de lucrar.

85

A sentença penal condenatória firmara a obrigação de indenizar, com a

decretação de seu transito em julgado, conforme já vimos, com fundamento no artigo

91, inciso I, do Código Penal, entretanto o Juiz se socorrerá das normas civilistas

para a exata fixação da indenização com supedâneo nos artigos 927 a 954 do

Código Civil de 2.002. O artigo 944136 do mesmo Código regula a extensão do dano,

que será aferido sempre conforme as provas existentes nos autos.

É fundamental repisar que o dano material necessita de prova insopitável

produzida nos autos, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, pois se o dano

moral pode ser presumido, ao dano material exige-se cristalina demonstração.

O dano moral, por sua vez, como já vimos nas conceituações trazidas,

compõe-se de dor da alma, a angústia, o abalo psíquico às vezes irreversível

gerando traumas que em última análise se traduz no sofrimento da vítima.

O dano moral decorre ‘in re ipsa’, ou seja, dos próprios fatos, daí a sua

forte presunção de existência, pois o Juiz ouvirá os fatos e analisará os seus efeitos

sobre o homem médio, a quem se destina lei, portanto da simples narração de um

abjeto estupro ou do terror sofrido durante um roubo, ou ainda da fala de uma mãe

ou esposa sobre a perda trágica de seu filho ou marido, enfim o Juiz fixará a sanção

pelo dano moral, dando-o por certo e de fato ocorrido.

A comprovação da ocorrência do dano moral não retardará de modo

algum a instrução criminal porque decorrerá das mesmas provas que demonstram a

materialidade e autoria para aplicação da sentença penal de constrição da liberdade,

exigindo apenas maior acuidade do julgador.

Se para a punição e recomposição do dano material se fará necessário

apenas aferir efetivamente a perda material da vítima, para a punição e suposta

recomposição do dano moral, o Juiz deverá utilizar-se do critério mais subjetivo,

porém amplamente aceito pela doutrina mediante a aplicação do binômio

compensação do sofrimento da vítima e punição para o responsável pelo dano.

Deverá ainda ser fixado um valor de indenização pelo dano moral que

busque compensar a dor sofrida, ainda que este raciocínio seja muito subjetivo, de

sorte a evitar a desencorajar a reiteração da prática da conduta delituosa e de fato

136 Artigo 944 do Código Civil Brasileiro de 2.002. A indenização mede-se pela extensão do dano.

86

compensar a vítima, não sendo tida como insignificante e desta forma atingindo seus

precípuos objetivos.

O valor a ser fixado a título de dano moral deverá ainda levar em

consideração que nosso ordenamento não permite que a indenização sirva de fonte

de enriquecimento, dessa forma o Juiz deverá ser austero na fixação, porém

comedido no que tange ao valor.

Diferentemente da esfera cível, no caso em tela, por ser a indenização

fixada, um efeito extra penal da sentença condenatória, não deverá o Juiz

preocupar-se com as condições financeiras do acusado para a fixação da

indenização, seguindo desta forma a valoração que entender por bem fixar, desde

que devidamente fundamentada.

Todos esses cuidados na fixação da indenização se justificam para que

esta cumpra seu objetivo de origem Constitucional de amparo à vítima, pois a

correta indenização evitará uma revitimização137, compreendida em nova

peregrinação da vítima pelo Judiciário em que, de forma extenuante, buscará a

liquidação da sentença na esfera cível, buscando a complementação da indenização

de seu dano.

Podemos inferir que inúmeras vítimas não se submeteriam a novo

calvário em busca desta complementação de suas indenizações. No caso, a

revitimização consistiria numa indenização fixada de forma meramente formal,

lacônica, distante do efetivo dano, transmitindo um sentimento de injustiça, de

insignificância, de valor desprezível à vítima, além do que submeteria a pessoa da

vítima, caso tivesse coragem e resistência a novos enfrentamentos perante o

Judiciário contra o réu, novamente, já condenado na esfera penal, em busca da

complementação da indenização. Essa revitimização teria evidentemente o cunho

institucional, pois adviria do Estado Juiz, portanto o Judiciário deve evitar tal evento.

137 Vitimizar é converter ou reduzir alguém na condição de vítima e a revitimização é a recondução dessa pessoa aos mesmos patamares psicoemocionais já experimentados, gerando um acréscimo de sofrimento. Fato comum em depoimentos traumáticos em que as vítimas necessitam recontar os fatos, muitas vezes, próximas de seus algozes. Conceitos extraídos da obra Vitimologia e Direito Penal, de Edmundo Oliveira.

87

Uma fixação de indenização defeituosa ou insuficiente também deporá

contra a buscada celeridade processual e efetividade da atividade Jurisdicional, bem

como contra o espírito da reforma processual em comento.

A reparação dos danos da vítima no direito estrangeiro vem sendo

unificada no Juízo Criminal, principalmente os países de tradição latina, com direito

codificado sempre fizeram a separação das esferas cíveis e criminais, entretanto, a

demanda por amparo às vítimas da criminalidade cresce. Nesse sentido a Europa,

vem modernizando suas legislações no sentido de amparo às vítimas e podemos

citar a última diretiva do Conselho da Europa que lançou as normas mínimas de

tratamento às vítimas de criminalidade: No que tange à indenização das vítimas

pelos Estados Europeus, a maioria dos Estados-Membros já dispõe de tais regimes

de indenização e alguns deles fizeram-no em cumprimento das suas obrigações

decorrentes da Convenção Europeia de 24 de Novembro de 1983 relativa à

indenização de vítimas de infrações violentas.138

A última diretiva do Conselho da Europa, no implemento da Convenção

Europeia de 24 de novembro de 1983, relativa à indenização de vítimas de infrações

violentas, recomendou novas medidas que colacionamos a seguir:

Para poderem exercer os seus direitos, as vítimas devem receber

informações suficientes, de uma forma compreensível. Devem

igualmente ter acesso a serviços de assistência psicológica e prática. A

proposta visa garantir às vítimas:

Direito de receberem informações logo no primeiro contacto com a

autoridade judiciária, nomeadamente sobre como apresentar uma

queixa, os pormenores do processo e como obter protecção se esta se

revelar necessária;

138 Convenção Europeia de 24 de Novembro de 1983 relativa à indenização de vítimas de infrações violentas afirma: Todos os Estados-Membros deverão assegurar que a sua legislação nacional preveja a existência de um regime de indemnização das vítimas de crimes dolosos violentos praticados nos respectivos territórios, que garanta uma indenização justa e adequada das vítimas. A presente directiva cria um sistema de cooperação entre as autoridades nacionais destinado a facilitar o acesso à indemnização às vítimas em situações transfronteiras. As vítimas de uma infracção cometida fora do seu Estado-Membro de residência habitual podem dirigir-se a uma autoridade do Estado-Membro onde residem (autoridade de assistência) para obter as informações de que necessitam para apresentar o seu pedido de indemnização. A autoridade do Estado-Membro de residência habitual transmite directamente esse pedido à autoridade do Estado-Membro onde a infracção foi cometida (autoridade de decisão), que é responsável pela avaliação do pedido e pelo pagamento da indenização. http://europa.eu/legislation_summaries/index_pt.htm, acessado em 25/06/2012.

88

Direito de receberem informações sobre o processo, em especial sobre

a decisão de encerrar ou prosseguir a investigação, sobre a data e o

local do julgamento e, em determinadas condições, sobre a libertação

da pessoa acusada;

Direito de compreenderem e serem compreendidas;

Direito à interpretação e tradução: se a vítima não falar a língua do

processo, deve beneficiar de um serviço de interpretação gratuito e

obter uma tradução da queixa apresentada, de qualquer decisão que

encerre o processo, bem como das informações relacionadas com os

seus direitos;

Direito de acesso a serviços de apoio às vítimas: estes serviços devem

ser gratuitos e acessíveis também a determinados familiares da vítima.

Disponibilizam uma assistência moral e psicológica, bem como um

apoio prático relativo, por exemplo, às questões financeiras e ao papel

da vítima no processo penal.139

Tais normas ainda não se encontram todas em vigor e vêm sendo

incorporadas às legislações penais dos estados membros gradativamente,

especificamente, ainda a Irlanda e o Reino Unido estudam as propostas e não as

instituíram. Entretanto todos os Estados Europeus já instituíram a indenização em

dinheiro, pagas pelo Estado, de forma solidária, no caso do criminoso nada possuir e

não poder ressarcir a vítima.

Portanto, trata-se de uma tendência entre as nações democráticas de que

o criminoso seja compelido a indenizar a vítima, bem como o Estado se torne

concorrente e solidário nesta obrigação, além de fornecer uma gama de serviços

multidisciplinares para amparo e assistência à vítima de criminalidade violenta.

139 Proposta de DIRECTIVA DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO que estabelece normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à protecção das vítimas da criminalidade. COM/2011/0275-final-2011/0129. http://europa.eu/legislation_summaries/index_pt.htm, acessado em 25/06/2012.

89

4. A QUESTÃO DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO E A FIXAÇÃO

DA INDENIZAÇÃO

4.1. A responsabilidade concorrente do Estado pelo ato criminoso

Iniciamos o presente capítulo trazendo a responsabilidade do Estado pelo

erro judiciário e também a responsabilidade de modo amplo, a fim de possibilitar

uma analogia para discutirmos a responsabilidade estatal em face das vítimas da

criminalidade.

A Constituição Federal estabelece, no artigo 5º, LXXV, que o Estado

indenizará o condenado por erro judiciário, e também o preso que for mantido

encarcerado, além do tempo fixado na sentença, conferindo a tal dever, o status

consubstanciado em garantia e direito fundamental do cidadão, entretanto silencia

quanto a vítimas da criminalidade.

Estabelece ainda, conforme preceito insculpido no artigo 37, § 6º da Carta

Constitucional que o Estado é responsável pelos atos praticados por seus agentes

que porventura causem danos a terceiro, garantindo, assim, que qualquer prejuízo

decorrente da atividade estatal, independentemente de caracterizar erro judiciário,

será reparado pelo Estado.

Portanto, podemos verificar que o Estado vem sendo responsabilizado em

face dos danos que causa e dos erros judiciários, bem como pelo excesso de prazo

de encarceramento a que submeta o preso indevidamente. Nesse sentido a doutrina

vem se manifestando positivamente já há algum tempo. Com relação a isso

podemos citar Yussef Said Cahali:

A responsabilidade civil do Estado pelo erro judiciário representa o

reforço da garantia dos direitos individuais. (...) impõe-se no Estado de

Direito o reforço da garantia dos direitos individuais dos cidadãos,

devendo ser coibida a prática de qualquer restrição injusta à liberdade

individual, decorrente de ato abusivo da autoridade judiciária, e se

90

fazendo resultar dela a responsabilidade do Estado pelos danos

causados140.

Do latim respondere141, que significa responsabilizar-se, do vocábulo

responsabilidade, que denota garantir, assegurar, responsabilizar-se ou assumir as

responsabilidades decorrentes do ato que praticou; infere-se existir uma obrigação,

ou seja, um dever a ser cumprido na satisfação do prejuízo causado a terceiros,

pendente de indenização.

Nesse sentido, será necessário ressarcir, palavra oriunda do latim

resarcire que se traduz no ato de quem se responsabiliza convolado no pagamento

do dano ou na satisfação da obrigação em dinheiro.

Nesse sentido, a visão da responsabilidade civil das pessoas jurídicas de

direito público vem se aperfeiçoando ao longo do tempo através de diversas

transformações, da construção doutrinaria e jurisprudencial, atravessando diversas

fases, sempre com inspiração no Estado Democrático de Direito e na Constituição

de 1988.

No entanto, apesar do desuso e afastamento da teoria da

irresponsabilidade do Estado, que se sustentou perante Estados ditatoriais e

absolutistas, hoje ainda existem aqueles que sustentam tal irresponsabilidade,

porém seus argumentos não tem mais qualquer embasamento científico.

A primeira fase da responsabilidade civil do Estado, conhecida como a

fase da irresponsabilidade do Estado é caracterizada pela efetiva irresponsabilidade

do ente público frente aos danos causados aos particulares no exercício das funções

típicas estatais ou na sua ausência em que deveria atuar, justificando este

comportamento com base em sua soberania e seu poder absoluto.

A fundamentação desse entendimento era de que o Estado era a única e

verdadeira expressão da Lei e do Direito, atuando com legitimidade e validade,

portanto não havia como considerá-lo violador da norma jurídica que ele, Estado,

140 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado 2. ed. ampliada revista e atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 1995, pp. 599-602. 141 CARLETTI, Amilcare. Dicionário de Latim Forense. 7. ed. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 1997, p. 464.

91

havia criado, pois, não se concebia a constituição de direitos e obrigações contra um

Estado soberano e absoluto.

O princípio desta teoria era o de que os agentes do Estado, quando

faltavam ao dever por omissão ou violavam a lei, por erros na administração seriam

pessoalmente responsáveis pelo dano, respondendo com patrimônio próprio, jamais

o ente soberano, Estado.

O particular, com este entendimento, deveria provar a culpa ou o dolo do

agente público no exercício da função e estes responderiam individualmente pelo

“dano” causado.

Com o reconhecimento dos direitos dos indivíduos perante o Estado e,

com a aceitação e difusão da ideia da efetiva necessidade de submissão do Estado

ao Direito, como qualquer outra personalidade jurídica, à teoria da irresponsabilidade

foi perdendo validade e eficácia, embora países como os Estados Unidos e a

Inglaterra ainda utilizassem esta teoria, respectivamente, até 1946 e 1947142.

A segunda fase da evolução do estabelecimento desta responsabilidade

civil do Estado, chamada de civilista, adota a teoria da responsabilidade subjetiva,

estampada no artigo 15 do Código Civil de 1916, que dispunha que:

As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por

atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a

terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever

prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do

dano.

A teoria civilista tinha como pressuposto que as ações chamadas atos de

império praticados pelo Estado não se enquadrariam na sistemática e abrangência

do direito privado, não sendo, portanto, de responsabilidade do Estado os prejuízos

causados por seus agentes ao atuarem na condição de agentes públicos; pois, os

atos de gestão, desde que praticados pelo Estado, se regeriam pelo direito comum,

pelo que haveria a responsabilidade do Poder Estatal somente as vezes se, por

culpa do funcionário, o direito de particulares fosse atingido; e somente haveria

142 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p. 398.

92

responsabilidade civil do Estado quando, ficasse demonstrada de forma inequívoca

a culpa do agente que o executou143.

Em face desse entendimento, pode-se inferir a imensa dificuldade em

demonstrar culpa ou dolo do funcionário, para somente depois responsabilizar o

Estado.

Por sua vez a Constituição Federal de 1946 iniciou a fase denominada

publicista, fundada na teoria da culpa administrativa, baseada na culpa individual do

causador do prejuízo, ou na culpa do próprio serviço, denominada culpa anônima.

Nesta fase a admissão da culpa anônima em si mesma já representou um progresso

em termos de responsabilização do Estado, pois, permite a responsabilização por

fatos naturais que deveriam ter sido previstos ou evitados. Por exemplo: O

desmoronamento de casas construídas em encostas consideradas áreas de risco

com a tolerância do Estado.

Nesta fase necessitava a vítima provar a não prestação do serviço ou seu

vicio, caracterizando a culpa lato sensu na prestação do serviço e a consequente

responsabilidade do Estado.

A Constituição Federal promulgada em 1988 adotou a teoria do risco

administrativo, que traça à responsabilidade objetiva do Estado e a partir da qual,

com este conceito, não importando mais se o serviço público foi realizado de forma

satisfatória ou não, mas valorando o dano sofrido pela vítima como consequência do

funcionamento do serviço público ou de sua inércia, exigindo apenas que se

estabeleça a relação de causalidade entre o dano moral ou material efetivamente

causado e o comportamento do agente público.

Esta teoria diferencia-se da denominada teoria do risco integral, pois,

nesta o Estado seria responsável por qualquer dano causado ao indivíduo,

independentemente até mesmo de ser a culpa exclusiva da vítima, incluindo ainda

nessa hipótese os casos fortuitos ou de força maior.

O artigo 37, § 6º da Constituição Federal,144 por sua vez, regula a matéria

determinando que as pessoas jurídicas de direito público e as pessoas jurídicas de

143 DELGADO, José Augusto. A demora na entrega da prestação jurisdicional: responsabilidade do Estado – indenização. Revista Trimestral de Direito Público, 14:256/257. São Paulo: Malheiros Editores, 1996.

93

direito privado, prestadoras de serviços públicos (concessionárias e permissionárias

de serviços públicos), responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,

causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o eventual

responsável nos casos de dolo ou culpa.

Observa-se que a responsabilidade de que trata a Constituição Federal

não se confunde com a responsabilidade civil contratual, que o poder público

contrata com o particular mediante contratos administrativos.

Neste sentido, aduz José Alfredo de Oliveira Baracho:

A responsabilidade patrimonial e extracontratual do Estado, por

comportamentos administrativos, origina-se da teoria da

responsabilidade pública, com destaque para a conduta ensejadora da

obrigação de reparabilidade, por danos causados por ação do Estado,

por via de ação ou omissão. O dever público de indenizar depende de

certas condições: a correspondência da lesão a um direito da vítima,

devendo o evento implicar prejuízo econômico e jurídico, material ou

moral145 .

Evidente, portanto, que a teoria do risco administrativo, dando os

contornos da responsabilidade objetiva do Estado onde se pressupõe a ocorrência

do dano, material ou moral ao particular em razão de uma ação ou omissão

administrativa do Estado, desde que estabelecido o nexo causal entre o dano e esta

ação ou omissão, e a inexistência de causa excludente da responsabilidade estatal.

Embora a Constituição Federal declare a responsabilidade objetiva, Celso

Antônio Bandeira de Mello146, posiciona-se a favor de que a responsabilidade será

objetiva quando os danos decorrerem de atos comissivos, ou seja, praticados

mediante uma ação. No entanto, a responsabilidade é subjetiva quando os danos

forem causados por omissão do agente, uma vez que:

144 Art. 37, §6º- “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. 145 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2002, p. 896. 146 BANDEIRA DE MELO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003.

94

Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado

(o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de

aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o

Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E, se

não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir

o dano. Isto é, só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever

legal que lhe impunha em obstar o advento lesivo.

Oswaldo Aranha Bandeira de Mello afirma:

A responsabilidade do Estado por omissão só pode ocorrer na hipótese

de culpa anônima, da organização e funcionamento do serviço, que não

funciona ou funciona mal ou com atraso, e atinge os usuários do serviço

ou os nele interessados. 147

Vejamos que até o presente momento estamos discutindo a

responsabilidade do Estado pelos danos infligidos aos cidadãos e anteriormente

citamos o caso de erro judiciário. Importa ainda salientar que inúmeras barreiras

políticas foram superadas para que tais responsabilidades fossem assim alargadas e

definidas, sendo que o nível atual de responsabilização do Estado por suas ações,

ou de seus agentes que agem em seu nome, seja de forma comissiva ou omissiva,

representa uma conquista expressiva do Estado Democrático de Direito.

No caso em tela, o Estado não deve ser eximido de responsabilidade

concorrente, em face das vítimas da violência e criminalidade, pois é evidente a sua

omissão e desídia na garantia do direito a segurança pessoal do cidadão. Diga-se

que o Estado esta obrigado a prover a segurança pública do povo, portanto deve

responder pela ausência do serviço ou por sua ineficiência.

Diante disso é importante trazer a colação o artigo 6º da Constituição

Federal de 1988, que preceitua expressamente:

Artigo 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a

moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à

147 Apud em DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 1º volume, 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 244.

95

maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma

desta Constituição.

Também a mesma Constituição Federal preceitua no capitulo III,

intitulado: Da Segurança Pública, em seu artigo 144:

Artigo 144 – A segurança pública, dever do Estado, direito e

responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem

pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos

seguintes órgãos:

I – Policia Federal;

II – Policia Rodoviária Federal;

III – Policia Ferroviária Federal;

IV – Policias Civis;

V – Policias Militares e Corpos de Bombeiro Militares;

Como podemos verificar no texto da lei, o direito à segurança pública foi

elevado em nível Constitucional, mas não é só a constituição Federal de 1988 que

elenca tais direitos sociais e trazemos breve artigo de Daniel de Resende Salgado148

que relaciona normas internacionais no mesmo sentido:

A propósito, no artigo 2º da primeira Declaração dos Direitos do Homem

e do Cidadão de 1789, estão elencados como direitos naturais e

imprescritíveis do homem, a liberdade, a propriedade, a segurança e a

resistência à opressão. Já em 1793, no momento em que a Revolução

Francesa empreende uma guinada social, mais uma vez, em nova

declaração, o direito à segurança é lembrado; 150 anos depois, a

Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU repetia em seu

artigo 3º: Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança

pessoal.

148 Daniel de Resende Salgado é procurador da República, membro do Conselho Penitenciário e coordenador criminal do Ministério Público Federal em Goiás e publicou este artigo no site jornal goiano: O Popular, estado disponível na internet em http://www.mp.go.gov.br/portalweb/hp/7/docs/ artigo_fundamental_dir_seguranca_procur._republica.pdf, acessado em 16/07/2012.

96

Como podemos verificar nos textos colacionados, há a expressa previsão

legal em nível Constitucional e de tratados internacionais estabelecendo como

direito social o direito a segurança, já anteriormente previsto desde a Declaração dos

direitos do Homem e do Cidadão de 1789, repisado pela revolução francesa e

firmemente estabelecido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU

em seu artigo terceiro, portanto, não há qualquer estranheza em afirmarmos que a

segurança pública e pessoal é um direito fundamental do homem em mesmo

patamar hierárquico que o direito à educação, à saúde, ao trabalho ou ainda à

moradia, entre outros.

Portanto, ainda que o Estado venha implementando políticas de

assistência multidisciplinar às vítimas de violência com a implantação do CRAVI,

conforme anteriormente citado, entre outras iniciativas de assistência às vítimas da

violência, o ente público deve ser responsabilizado pela violência endêmica, que era

prevista e deveria ter sido evitada e que hoje atinge o cidadão causando danos

morais e materiais.

A falta de segurança pessoal para viver que reina nas grandes metrópoles

principalmente afronta o conceito do mínimo existencial, conceito este de criação

doutrinaria com supedâneo na doutrina alemã em que se busca exigir do Estado

ações que tornem efetivas e eficazes as garantias mínimas de coexistência em

sociedade de seus cidadãos.

De acordo com Sarlet e Timm149, a garantia do mínimo existencial obriga o

Estado a ações efetivas que criem condições materiais mínimas para uma vida digna

dos seus cidadãos, essa exigência tem fundamento no princípio da dignidade

humana, pois ela não estaria garantida apenas para proteção das liberdades

individuais dos acusados, mas também a fim prover o cidadão honesto de um

mínimo de segurança social, já que sem segurança social não há possibilidade de

uma existência digna.

A própria dignidade humana fica comprometida; pois o direito à vida e à

integridade física não devem ser apenas uma proibição de sua violação, mas sim

uma postura proativa do Estado e da sociedade na sua efetiva proteção, tendo em

149 SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (orgs.). Direitos Fundamentais: Orçamento e Reserva do Possível. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 23.

97

vista que a condição intrínseca de pessoa humana digna não dispensa a garantia

absoluta das condições mínimas de existência.

Nem se argumente com base no conceito da reserva do possível,

aduzindo-se com a falta de recursos materiais, pois, a alocação de recursos é uma

questão de prioridade do Estado.

O conceito da reserva do possível foi concebido também pela doutrina

alemã e a partir dos anos 70 foi sendo implementado, principalmente na realização

do orçamento alemão, sendo, reconhecido pelo Tribunal Constitucional Federal da

Alemanha, que o entendeu e definiu como uma prestação estatal reclamada que

deve guardar relação com aquilo que o indivíduo pode razoavelmente exigir da

sociedade.150

Entretanto, conforme demonstrado, a garantia à integridade física, à vida

propriamente e à segurança, inclusive dos bens materiais, estão insculpidos na

Constituição de 1988 e não podem ser agora minimizados com eventuais alegações

de falta de verbas para tal implementação.

Assim o Estado deve prover segurança e uma vez que não consiga

garantir efetivamente esta segurança e a integridade física dos cidadãos, deve

remediar esta omissão ou, por assim dizer, a sua insuficiência enquanto Estado,

amparando os cidadãos que já se tornaram vítimas da criminalidade.

O Estado, portanto, deve ser responsabilizado de forma concorrente,

juntamente com o próprio autor criminoso, se este for identificado e preso, a

repararem o dano causado pelo ato criminoso em si e nesse sentido inúmeros

países democráticos, principalmente na Europa, vêm trabalhando nas alterações

legislativas e na formação de fundos a serem utilizados no amparo às vítimas de

violência como forma de atender esta justa demanda social, fruto da já citada

ineficiência estatal.

150 SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (orgs.). Direitos Fundamentais: Orçamento e Reserva do Possível. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 29.

98

CONCLUSÃO

1. O presente estudo examinou o papel da vítima ao longo da história da

civilização humana, concluindo que esta tivera um protagonismo

acentuado na fase da vingança.

2. A vítima, entretanto, na fase da vingança atuava em face de causas

mágicas, religiosas, bem como da obrigação de buscar reparação da

honra, com ordem do “pater família”, em busca da harmonia do clã, do

grupo, demonstrando, portanto, que já havia pressupostos de ordem

pública ainda que rudimentares.

3. Demonstrou-se também que o Estado, ainda que em forma rudimentar,

ou ainda a Igreja Apostólica Católica Romana, como instituição

unificadora e com a instituição do processo inquisitivo, foi instituindo

gradativamente o monopólio de administrar a Justiça.

4. Em consequência dessa evolução, a vítima foi sendo afastada do

acusado, tornando-a meramente um meio de prova.

5. Ficou evidente também que no aparato legislativo criminal dos séculos

XVIII e XIX havia a preocupação de indenizar e ressarcir a vítima, mas

com a separação e especialização da jurisdição alijou-se o Juízo Criminal

da fixação da reparação.

6. Desta forma, obrigo-se a vítima a nova empreitada perante o Judiciário

buscando na esfera cível a reparação completa e que efetivamente

recomponha o dano.

99

7. Em decorrência da promulgação da Constituição Federal de 1988, que

trouxe no seu bojo o artigo 245 no qual há a expressa ordem em assistir

às vítimas da criminalidade violenta, a legislação infraconstitucional

passou a refletir sobre a necessidade de revalorizar a vítima.

8. A revalorização colocou a vítima de volta ao cenário processual como

efetivo personagem do processo, participando ativamente dos atos do

processo e também como sujeito de direitos, em face do princípio da

dignidade humana e não mais meramente um meio de prova.

9. A própria Constituição Federal já trazia em seu bojo a garantia e

proteção aos direitos da personalidade determinando a reparação de todo

e qualquer dano sofrido em virtude de ato ilícito, oriundo do particular e do

Estado.

10. Com a promulgação da Lei nº 11.719/2008 eclodiu a mudança de

paradigma determinando a efetiva reparação da vítima com o amparo da

Jurisdição Penal.

11. A referida atuação da Jurisdição Penal não representa qualquer

ofensa à ordem Constitucional no que tange aos direitos e garantias do

acusado.

12. A referida mudança trouxe controvérsia no que diz respeito à

mitigação da separação entre as esferas civil e penal, bem como ofensas

ao contraditório, a ampla defesa, ao princípio de correlação e da

legalidade.

13. Demonstrou-se que não há qualquer ofensa aos princípios, pois a

reparação dos danos sofridos pela vítima em virtude do crime é mero

100

efeito da sentença penal condenatória com trânsito em julgado, o que já

ocorria na legislação anterior, porém sem tanta imperatividade e sem a

atuação do Juízo Criminal.

14. O acusado, por sua vez, poderá e deverá sempre promover sua ampla

defesa, defendendo-se também desse efeito extrapenal da sentença,

consistente na obrigação de reparar o dano, portanto o Juízo lhe dará

oportunidade de defender-se da obrigação de indenizar e tal ônus só se

convalidará com o trânsito em julgado da sentença condenatória.

15. A fixação do valor da reparação também será alvo de contraditório

para sua efetiva apuração, com todos os recursos inerentes ao moderno

processo penal constitucional.

16. Com a específica atuação do Juízo Criminal, com competência

acrescida, ficou claro também que tal atuação na reparação dos danos

trouxe alentado reconforto à vítima.

17. Buscou-se também além de amparar a vítima, desafogar a Justiça

cível e imprimir celeridade, eficiência e garantir efetividade ao direito da

vítima em ver-se ressarcida.

18. Demonstrou-se que a Jurisdição é una, portanto não há qualquer

ilegalidade na atuação do Juiz Criminal, uma vez que este também

conhece o direito.

19. A nova legislação busca acima de tudo ressarcir a vítima em seus

efetivos prejuízos e impedir a sua revitimização, que se daria com seu

retorno ao Judiciário, perante o réu novamente em busca de uma

101

indenização complementar que pode e deve ser arbitrada no próprio Juízo

Penal.

20. A referida reparação determinada em sentença deverá fixar

efetivamente o dano ocorrido, seja material ou moral, ou o mais próximo

possível, com ampla instrução sobre este aspecto buscando efetivamente

estabelecer o valor necessário, pois este é o espírito da lei, refletindo a

vontade do legislador.

21. Há ainda no presente estudo evidências de que o Estado é

solidariamente concorrente na obrigação de reparar o dano, bem como no

dever de prover a vítima da assistência necessária ao seu soerguimento e

readequação a sociedade.

22. Este entendimento vem encontrando eco nas principais democracias

do planeta e já há farta legislação em vigor neste sentido na Europa

sendo implementada.

23. Portanto é muito bem-vinda a reforma pontual do processo penal que

dá efetividade ao artigo 245 da Constituição Federal, instituindo-se a

obrigação em reparar os danos da vítima, pois, além de alinhar ainda

mais o Código de Processo Penal com a ordem Constitucional vigente,

atende também a tratados e convenções internacionais das quais o Brasil

é signatário.

24. As referidas reformas tem como fundamento o Estado Democrático de

Direito e o Princípio da Dignidade Humana.

102

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