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Tanto a fibra óptica convencional como a fibra de cristal fotônico ou microestruturada são produzidas geralmente a partir da sílica, um vidro extremamente puro capaz de transmitir muito bem o sinal luminoso com baixíssima absorção e perda óptica. A microestruturada faz parte de um grupo maior conhecido como fibras ópticas especiais. A propriedade da fibra de cristal fotônico dependerá do tamanho dos buracos, do formato e da posição geométrica deles na matriz de vidro. Material à base de cristal fotônico permite monitorar ambientes e realizar medições e avaliações Inaê Miranda DA AGÊNCIA ANHANGUERA [email protected] Apesar de ter sido desenvolvi- da no final da década de 90, só agora a tecnologia de fabri- cação da fibra de cristal fotôni- co atingiu maturidade. O de- senvolvimento de novas pes- quisas e possíveis aplicações prossegue com intensidade por especialistas de diferentes áreas. O material já se tornou objeto de estudo de biólogos, engenheiros, físicos e quími- cos, que veem no fio, quase in- visível, milhões de possibilida- des, como a medição da adul- teração de gasolina e da quan- tidade de bactérias em deter- minados meios. Recentemen- te, a Universidade Estadual de Campinas iniciou uma sé- rie de estudos para compro- var as inúmeras utilidades do cristal fotônico e sua emprega- bilidade no mundo moderno. A fibra de cristal fotônico, também chamada de fibra mi- croestruturada, tem sua cons- trução externa muito pareci- da com a fibra óptica conven- cional, mas no interior do fio existe um grande diferencial. De acordo com Cristiano Monteiro de Barros Cordeiro, professor do Instituto de Físi- ca “Gleb Wataghin” (IFGW), da Universidade Estadual de Campinas, e especialista na área, a diferença são buracos de ar que atravessam o fio de ponta a ponta e formam uma matriz. Essa dinâmica torna o produto manipulável e sensí- vel de acordo com as necessi- dades, o que não acontece com a fibra óptica convencio- nal que é totalmente preen- chida. “A fibra de cristal fotô- nico tem centenas ou deze- nas de buracos de ar com diâ- metros diminutos. A presença dos canais de ar permite o ajuste das propriedades da fi- bra de maneira mais profun- da”, explica o especialista. Além do maior domínio da estrutura, a presença dos bu- racos de ar permite o uso da fibra para aplicações que não são típicas de fibra óptica. Se- gundo o professor, a ideia pa- ra as microestruturadas é guiar a luz com baixa perda, como acontece com a fibra óptica convencional. Mas a di- ferença estrutural do cristal fo- tônico permite que as aplica- ções deixem de ser apenas no campo da comunicação ópti- ca para atingir outras áreas co- mo medições químicas e bio- lógicas. “Não estamos falan- do de substituição. A fibra óp- tica convencional cumpre muito bem sua função de co- municação, mas a de cristal fotônico vai além. Muitas pes- quisas estão sendo desenvolvi- das em laboratórios no ramo da biologia, física e mecâni- ca”, disse o professor. Segun- do Cristiano, no laboratório do Instituto de Física da Uni- camp, os alunos já trabalham com medição de bactérias e de pressão hidrostática, como a medida de alta pressão en- contrada, por exemplo, no lei- to do oceano. Um dos trabalhos mais re- centes com a fibra de cristal fotônico é que, além do nú- cleo e de toda a microestrutu- ra, dois fios metálicos estão in- tegrados dentro da fibra. Isso permite que, além do sinal lu- minoso, uma corrente elétri- ca seja transmitida concomi- tantemente. Segundo Cordei- ro, o aquecimento do fio pela corrente elétrica resulta na ex- pansão e compressão da es- trutura da fibra — característi- cas que permitem a manipula- ção da mesma. “A fibra está sujeita ao aquecimento ou não aquecimento e a com- pressão ou não-compressão do núcleo, responsável pela al- teração da propriedade da luz”, diz. Segundo ele, isso possibilita a construção de vá- rios tipos de dispositivos que podem ser controlados exter- namente. Experimental Para Cordeiro, no interior da fibra de cristal fotônico não vai passar só luz, mas tam- bém vai contar temperatura e pressão mecânica. “A intro- dução de novos graus de li- berdade na fibra, como cor- rente elétrica, temperatura e compressão mecânica está sendo feita em poucos luga- res. É uma aplicação nova e promete muitos resultados”, afirma o professor. O traba- lho envolve a parte experi- mental e a simulação numéri- ca dos vários efeitos combina- dos — este último em colabo- ração com o Instituto de Estu- dos Avançados, em São José dos Campos. As propriedades mecâni- cas da fibra de cristal fotôni- co também têm sido objetos de estudos. Colocada sob uma pressão hidrostática, co- mo se estivesse a 5 mil me- tros de profundidade do ocea- no, o que corresponde a uma pressão de 500 atmosferas, é possível observar alterações como a distribuição do estres- se na fibra e de que maneira é alterada sua propriedade óptica. “Além de permitir o ajuste das propriedades ópti- cas, a fibra microestruturada permite o ajuste das proprie- dades mecânicas”, explica o professor. Material convencional é feito para ser insensível Uma fibra óptica muito versátil SAIBA MAIS Justamente o contrário da fibra com cristais fotônicos Cenário XXI Ciência, tecnologia e inovação Fibra óptica de cristal fotônico: flexibilidade a torna versátil para medições em laboratórios, na contagem de bactérias de um determinado meio ou cultura, por exemplo Cristiano Monteiro de Barros Cordeiro: fibra fotônica não substituirá a fibra óptica convencional A12 CORREIO POPULAR Campinas, sexta-feira, 4 de junho de 2010 FIAT LUX ||| MATURIDADE Divulgação Carlos Bassan/AAN Material é capaz de detectar adulteração em combustíveis A fibra convencional é feita propositalmente para ser in- sensível ao ambiente externo. Grandes extensões de fibras ópticas subterrâneas estão instaladas sob rodovias no mundo todo e, segundo o es- pecialista Cristiano Monteiro de Barros Cordeiro, indepen- dentemente do grande movi- mento de carros e caminhões e das condições do tempo, co- mo chuvas torrenciais, elas prosseguem enviando dados. “Agora, se a ideia é utilizar a fibra para monitorar ambien- tes com gases tóxicos, condi- ções de temperatura e pres- são, até mesmo líquidos con- taminados por bactérias, é preciso tornar a fibra sensível ao ambiente externo, o opos- to da técnica convencional”, diz Cordeiro. Mas, segundo o especialis- ta, não existe a possibilidade de substituição da fibra ópti- ca convencional pela fibra de cristal fotônico. “O parque de fibra óptica instalado ao re- dor do mundo é enorme e só ia valer a pena substituir tudo isso se o ganho fosse propor- cional. Tecnologicamente fa- lando, as qualidades de trans- missão são muito semelhan- tes às já existentes, o que tam- bém não justifica a mudan- ça”, afirma. (IM/AAN) Editor: Paulo Martinelli - Sugestões e contato: [email protected]

A12 CORREIOPOPULAR Cenário XXI · 2012. 6. 10. · Apesar de ter sido desenvolvi-da no final da década de 90, só agora a tecnologia de fabri-cação da fibra de cristal fotôni-co

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Page 1: A12 CORREIOPOPULAR Cenário XXI · 2012. 6. 10. · Apesar de ter sido desenvolvi-da no final da década de 90, só agora a tecnologia de fabri-cação da fibra de cristal fotôni-co

Tanto a fibra óptica convencionalcomo a fibra de cristal fotônico oumicroestruturada são produzidasgeralmente a partir da sílica, umvidro extremamente puro capaz detransmitir muito bem o sinalluminoso com baixíssima absorçãoe perda óptica. A microestruturadafaz parte de um grupo maiorconhecido como fibras ópticasespeciais. A propriedade da fibra decristal fotônico dependerá dotamanho dos buracos, do formato eda posição geométrica deles namatriz de vidro.

Material à base de cristal fotônico permite monitorar ambientes e realizar medições e avaliações

Inaê MirandaDA AGÊNCIA ANHANGUERA

[email protected]

Apesar de ter sido desenvolvi-da no final da década de 90,só agora a tecnologia de fabri-cação da fibra de cristal fotôni-co atingiu maturidade. O de-senvolvimento de novas pes-quisas e possíveis aplicaçõesprossegue com intensidadepor especialistas de diferentesáreas. O material já se tornouobjeto de estudo de biólogos,engenheiros, físicos e quími-

cos, que veem no fio, quase in-visível, milhões de possibilida-des, como a medição da adul-teração de gasolina e da quan-tidade de bactérias em deter-minados meios. Recentemen-te, a Universidade Estadualde Campinas iniciou uma sé-rie de estudos para compro-var as inúmeras utilidades docristal fotônico e sua emprega-bilidade no mundo moderno.

A fibra de cristal fotônico,também chamada de fibra mi-croestruturada, tem sua cons-trução externa muito pareci-da com a fibra óptica conven-cional, mas no interior do fio

existe um grande diferencial.De acordo com CristianoMonteiro de Barros Cordeiro,professor do Instituto de Físi-ca “Gleb Wataghin” (IFGW),da Universidade Estadual deCampinas, e especialista naárea, a diferença são buracosde ar que atravessam o fio deponta a ponta e formam umamatriz. Essa dinâmica torna oproduto manipulável e sensí-vel de acordo com as necessi-dades, o que não acontececom a fibra óptica convencio-nal que é totalmente preen-chida. “A fibra de cristal fotô-nico tem centenas ou deze-nas de buracos de ar com diâ-metros diminutos. A presençados canais de ar permite oajuste das propriedades da fi-bra de maneira mais profun-da”, explica o especialista.

Além do maior domínio da

estrutura, a presença dos bu-racos de ar permite o uso dafibra para aplicações que nãosão típicas de fibra óptica. Se-gundo o professor, a ideia pa-ra as microestruturadas éguiar a luz com baixa perda,como acontece com a fibraóptica convencional. Mas a di-ferença estrutural do cristal fo-tônico permite que as aplica-ções deixem de ser apenas nocampo da comunicação ópti-ca para atingir outras áreas co-mo medições químicas e bio-lógicas. “Não estamos falan-do de substituição. A fibra óp-tica convencional cumpremuito bem sua função de co-municação, mas a de cristalfotônico vai além. Muitas pes-quisas estão sendo desenvolvi-das em laboratórios no ramoda biologia, física e mecâni-ca”, disse o professor. Segun-

do Cristiano, no laboratóriodo Instituto de Física da Uni-camp, os alunos já trabalhamcom medição de bactérias ede pressão hidrostática, comoa medida de alta pressão en-contrada, por exemplo, no lei-to do oceano.

Um dos trabalhos mais re-centes com a fibra de cristalfotônico é que, além do nú-cleo e de toda a microestrutu-ra, dois fios metálicos estão in-tegrados dentro da fibra. Issopermite que, além do sinal lu-minoso, uma corrente elétri-ca seja transmitida concomi-tantemente. Segundo Cordei-ro, o aquecimento do fio pelacorrente elétrica resulta na ex-pansão e compressão da es-trutura da fibra — característi-cas que permitem a manipula-ção da mesma. “A fibra estásujeita ao aquecimento ou

não aquecimento e a com-pressão ou não-compressãodo núcleo, responsável pela al-teração da propriedade daluz”, diz. Segundo ele, issopossibilita a construção de vá-rios tipos de dispositivos quepodem ser controlados exter-namente.

ExperimentalPara Cordeiro, no interior dafibra de cristal fotônico nãovai passar só luz, mas tam-bém vai contar temperaturae pressão mecânica. “A intro-dução de novos graus de li-berdade na fibra, como cor-rente elétrica, temperatura ecompressão mecânica estásendo feita em poucos luga-res. É uma aplicação nova epromete muitos resultados”,afirma o professor. O traba-lho envolve a parte experi-

mental e a simulação numéri-ca dos vários efeitos combina-dos — este último em colabo-ração com o Instituto de Estu-dos Avançados, em São Josédos Campos.

As propriedades mecâni-cas da fibra de cristal fotôni-co também têm sido objetosde estudos. Colocada sobuma pressão hidrostática, co-mo se estivesse a 5 mil me-tros de profundidade do ocea-no, o que corresponde a umapressão de 500 atmosferas, épossível observar alteraçõescomo a distribuição do estres-se na fibra e de que maneiraé alterada sua propriedadeóptica. “Além de permitir oajuste das propriedades ópti-cas, a fibra microestruturadapermite o ajuste das proprie-dades mecânicas”, explica oprofessor.

Material convencional éfeito para ser insensível

Uma fibra óptica muito versátil

SAIBA MAIS

Justamente o contrário da fibra com cristais fotônicos

Cenário XXICiência, tecnologia e inovação

Fibra óptica de cristal fotônico: flexibilidade a torna versátil para medições em laboratórios, na contagem de bactérias de um determinado meio ou cultura, por exemplo

Cristiano Monteiro de Barros Cordeiro: fibra fotônica não substituirá a fibra óptica convencional

A12 CORREIO POPULARCampinas, sexta-feira, 4 de junho de 2010

FIAT LUX ||| MATURIDADE

Divulgação

Carlos Bassan/AAN

Material é capaz dedetectar adulteraçãoem combustíveis

A fibra convencional é feitapropositalmente para ser in-sensível ao ambiente externo.Grandes extensões de fibrasópticas subterrâneas estãoinstaladas sob rodovias nomundo todo e, segundo o es-pecialista Cristiano Monteirode Barros Cordeiro, indepen-dentemente do grande movi-mento de carros e caminhõese das condições do tempo, co-mo chuvas torrenciais, elas

prosseguem enviando dados.“Agora, se a ideia é utilizar afibra para monitorar ambien-tes com gases tóxicos, condi-ções de temperatura e pres-são, até mesmo líquidos con-taminados por bactérias, épreciso tornar a fibra sensívelao ambiente externo, o opos-to da técnica convencional”,diz Cordeiro.

Mas, segundo o especialis-ta, não existe a possibilidade

de substituição da fibra ópti-ca convencional pela fibra decristal fotônico. “O parque defibra óptica instalado ao re-dor do mundo é enorme e sóia valer a pena substituir tudoisso se o ganho fosse propor-cional. Tecnologicamente fa-lando, as qualidades de trans-missão são muito semelhan-tes às já existentes, o que tam-bém não justifica a mudan-ça”, afirma. (IM/AAN)

Editor: Paulo Martinelli - Sugestões e contato: [email protected]