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Rev Port Cardiol. 2014;33(1):11---13
Revista Portuguesa de
CardiologiaPortuguese Journal of Cardiology
www.revportcardiol.org
COMENTÁRIO EDITORIAL
Ablacão septal alcoólica no tratamento damiocardiopatia hipertrófica obstrutiva: uma opcãoexigente
Alcohol septal ablation for the treatment of obstructive hypertrophiccardiomyopathy: A demanding option
Dulce Brito
Hospital de Santa Maria, Centro Académico de Medicina de Lisboa, Servico de Cardiologia I, CCUL, Lisboa, Portugal
Disponível na Internet a 25 de dezembro de 2013
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O manejo terapêutico das formas obstrutivas sintomáticasna miocardiopatia hipertrófica (MH) tem sido, ao longo dosanos, um dos aspetos da doenca com maior relevância etambém fonte de controvérsia.
A presenca de um gradiente subaórtico (em repouso ouprovocado pelo esforco) --- caracterizando a presenca deobstrucão --- ocorre num número significativo de doentes,é frequentemente responsável por sintomas e está associa-da a prognóstico adverso, incluindo um risco acrescido deinsuficiência cardíaca, de fibrilhacão auricular e de mortecardiovascular1. Não havendo evidência atual de que aabolicão do gradiente, nos doentes sem sintomas, se tra-duza numa melhoria prognóstica, já no doente com sintomasdecorrentes da obstrucão, a diminuicão do gradiente (querbasal quer particularmente durante o esforco) associa-se,em muitos casos, a melhoria sintomática.
Nas recomendacões atuais, fármacos depressores doinotropismo (bloqueador adrenérgico-�, verapamil e disopi-ramida) estão indicados no manejo terapêutico inicial destassituacões2. No entanto, em caso de persistência de sintomassignificativos ou se o uso da terapêutica farmacológica for
intolerante para o doente, o alívio mecânico da obstrucãodeve ser considerado. As opcões atuais contemplam a miec-tomia septal cirúrgica (resseccão da porcão basal do septoCorreio eletrónico: [email protected]
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0870-2551/$ – see front matter © 2013 Sociedade Portuguesa de Cardiologhttp://dx.doi.org/10.1016/j.repc.2013.11.001
nterventricular) e a ablacão septal por álcool (ASA), cau-ando necrose de parte do septo proximal.
A miectomia septal, desenvolvida a partir dos anos0 e considerada ainda no presente o gold standard emelacão ao qual outras técnicas são avaliadas3, em cen-ros experientes é eficaz na maior parte dos doentes, comeducão ou abolicão do gradiente e melhoria sintomáticauradoura2,4---6, associando-se o procedimento (quando efe-uado isoladamente) a mortalidade operatória baixa (1-2%).
A técnica da ablacão septal por álcool desenvolveu-seapidamente após a sua introducão em 19957, surgindo comoma alternativa apelativa em relacão à cirurgia, quer peloeu caracter pouco invasivo, quer pela eficácia na reducãoo gradiente, quer ainda pela aparente simplicidade daua execucão. As controvérsias que rodearam esta alterna-iva terapêutica relacionaram-se fundamentalmente com aeguranca do procedimento, com o receio do uso inapro-riado da técnica (risco potencial de se tornar uma opcãoerapêutica «fácil» em situacões nas quais os sintomas não austificassem) e no desconhecimento das suas consequências
impacto pronóstico a longo prazo.Em relacão à seguranca do procedimento, no doente já
propriadamente selecionado, a utilizacão de menor quanti-
ade de álcool e o uso de ecocardiografia de contraste foramois avancos importantes havidos, diminuindo não só a possi-ilidade de lesão do tecido de conducão aurículo-ventricularminorando a necessidade de implantacão de pacemakeria. Publicado por Elsevier España, S.L. Todos os direitos reservados.
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ermanente), mas também o risco de extensão de necroseiocárdica a áreas remotas em relacão à zona-alvo, com asotenciais consequências a curto e a longo prazo.
O receio do uso inapropriado da técnica tem vindo aer ultrapassado pela experiência (e decorrente maturi-ade) dos centros a que a ela se dedicam. O aspeto inicialeterminante é a caracterizacão do doente potencial-andidato, quer em termos de clarificacão do mecanismoa obstrucão, quer da relacão do mesmo com os sintomas.
O mecanismo subjacente à obstrucão não é idêntico emodos os doentes. Na maior parte dos casos, alteracões geo-étricas derivadas da hipertrofia septal assimétrica e doeslocamento anterior dos músculos papilares permitem oontacto entre o(s) folheto(s) mitral(ais) e o septo durante
ejecão ventricular, causando o gradiente subaórtico. Masnomalias da válvula mitral e/ou da insercão dos músculosapilares podem ser, em alguns doentes, o mecanismo domi-ante e a melhor escolha pode ser a cirurgia. Em doentesais idosos, hipertensos, a existência de gradiente subaór-
ico não é rara, mesmo na presenca de escassa hipertrofiaeptal. Também a caracterizacão do grau e extensão daipertrofia é importante na decisão da opcão terapêutica
na sua técnica de execucão. Com efeito, pode coexistirbstrucão meso-cavitária em situacões de hipertrofia septalxtensa e serem os sintomas daí particularmente derivadose não predominantemente pela obstrucão subaórtica) e apcão ideal poderá ser a cirurgia ou até eventualmente ASA,as optando pela injecão de álcool em artérias que irriguem
egmentos miocárdicos mais distais8.O receio do desconhecimento das consequências da ASA
do seu impacto pronóstico a longo prazo está atualmenteinorado. Embora na ausência de um estudo aleatorizado
omparando diretamente os dois procedimentos (miectomiaeptal versus ASA), as meta-análises e os estudos compara-ivos publicados não encontraram diferencas significativasm termos de sobrevida entre as duas técnicas4---6,9, ape-ar da ASA se associar a gradientes subaórticos residuaisós-procedimento mais elevados do que a miectomia exigir mais frequentemente a necessidade de implantacãoe pacemaker permanente4,9. A ablacão septal por álcoolarece pois ter motivos suficientes para ser consideradauma forma segura como uma terapêutica alternativa eficaz
miectomia cirúrgica, em doentes criteriosamente selecio-ados e caracterizados.
Fiarresga et al. publicam neste número da revista a expe-iência do seu centro na realizacão de ASA ao longo de quatronos10, aliás, os primeiros resultados referentes a esta téc-ica em Portugal. Associadamente à apresentacão dos seusados descrevem em detalhe o protocolo utilizado, quera selecão dos doentes, quer relacionado com o procedi-ento per se, focando os riscos da técnica, as suas possíveis
omplicacões (e as formas de as evitar ou minorar).A sua casuística incluiu 40 doentes com MH, obstrucão
mportante (gradiente > 50 mmHg em repouso ou provocadoelo esforco) e sintomas refratários à terapêutica farma-ológica (bloqueador adrenérgico-ß e/ou antagonista dosanais do cálcio).
A selecão dos doentes candidatos à técnica é fundamen-al --- aliás aspeto frisado pelos autores --- e foi, nesta série,
uito cuidadosa. À semelhanca do observado em outraséries de doentes submetidos a esta terapêutica9, há pre-ominância do sexo feminino, a idade média ronda os 60
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D. Brito
nos --- embora 15 doentes (37,5%) na casuística apresen-ada tivessem ≥ 75 anos --- e a maioria tem antecedentes deipertensão arterial. Dois aspetos merecem um comentá-io particular: o primeiro é o facto de doentes com MH maisdosos --- e com tendência natural para terem comorbilidadesssociadas --- poderem atualmente beneficiar duma terapêu-ica deste tipo (sem correrem os riscos associados à cirurgiau mesmo até após esta ter sido recusada); o segundo aspeto
o facto da hipertensão arterial, possivelmente pela suarevalência, ter deixado de ser atualmente um critério parabstar ao diagnóstico de MH. Também na série publicadaor Sorajja et al.9, comparando os efeitos da terapêuticaom ASA versus miectomia cirúrgica (177 doentes tratadosm cada grupo), se verificou que a prevalência de hiperten-ão arterial era significativamente mais elevada nos doentesubmetidos a ASA (51 versus 15%), apesar da idade daopulacão em ambos os grupos ser idêntica (63 ± 13 versus2 ± 12 anos). Nessa casuística, quer a existência de históriaamiliar de MH, quer a ocorrência de morte súbita familiarssociada a MH tinham prevalência similar nos dois grupos deoentes.
A taxa de complicacões major relacionada com o proce-imento foi pequena (2 doentes). Dois doentes necessitarame pacemaker definitivo por bloqueio aurículo-ventricular eão ocorreu mortalidade intra-hospitalar. Estes resultadosspelham os cuidados havidos em termos de seguranca norocedimento, incluindo a identificacão correta da artéria-lvo --- tendo havido modificacão da mesma em 10% dos casos
-- e a atuacão em termos de decisão para implantacão deacemaker definitivo, baseada na aplicacão de scorese risco. Embora o objetivo imediato de reducão do gradi-nte tenha sido preterido para segundo plano --- favorecendo
avaliacão dos resultados após cicatrizacão do septo, crité-io mais lógico e mais seguro, evitando injecões repetidas delcool --- teria sido também interessante saber os resultadoso gradiente pós-intervencão, pois este parece ser um fatorreditor quer de mortalidade quer de necessidade posteriore reintervencão9.
Durante um período de seguimento clínico de 22 ±4 meses, a taxa de sucesso foi de 84% (melhoria da classeuncional --- dispneia de esforco ou angina --- associada aeducão superior a 50% no gradiente em repouso ou pro-ocado), ocorreu reducão do gradiente em 33 doentes (85%)
não ocorreram complicacões derivadas (ou relacionadas)om a ASA.
Na avaliacão crítica dos resultados da ASA --- não apenas aurto mas a longo prazo --- e à sua associacão a um prognós-ico mais favorável (para além da reducão do gradiente e daelhoria sintomática) será importante uma caracterizacão
ão completa quanto possível da populacão submetida aorocedimento. Tal implicará em primeiro lugar a necessi-ade de excluir a presenca de fenocópias que, tal como
MH sarcomérica, poderão eventualmente beneficiar doesmo tipo de tratamento invasivo, mas cujo prognóstico
médio prazo pode ser bem diferente. Implicará também caracterizacão e descricão do tipo de hipertrofia (se ape-as confinada ao septo ou mais extensa, envolvendo outrasaredes), saber da existência/ausência de história familiara doenca e de morte súbita familiar com ela relacionada e
té mesmo considerar os resultados do estudo genético (sepositivo» ou «negativo») nos doentes em que este é reali-ado. Com efeito, numa doenca tão complexa como a MH eipert
Ablacão septal alcoólica no tratamento da miocardiopatia hna qual tantos fatores podem contribuir para o prognóstico,tais descricões poderão ajudar a compreender melhor a suaevolucão após terapêutica invasiva (nomeadamente ASA)bem-sucedida.
É consensual que nem todos os doentes com MH,obstrucão subaórtica e sintomas importantes dela decor-rentes serão candidatos (ou beneficiarão) da ablacão septalpor álcool e a intervencão deverá ser decidida após umaavaliacão criteriosa do possível candidato, efetuada por clí-nicos com experiência no diagnóstico e manejo da doenca.Adicionalmente, o tratamento por ASA exige treino e experi-ência apropriados e, embora em termos de consequências ebenefício a longo prazo ainda nem tudo esteja esclarecido,os excelentes resultados da experiência inicial de um centronacional são uma promessa em termos de opcão terapêu-tica para muitos doentes portugueses com miocardiopatiahipertrófica.
Conflito de interesses
Os autores declaram não haver conflito de interesses.
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