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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PRIVADO ABSTRATIVIZAÇÃO DAS DECISÕES NO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE RIO DE JANEIRO 2013

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PRIVADO

ABSTRATIVIZAÇÃO DAS DECISÕES NO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE

RIO DE JANEIRO

2013

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PRIVADO

ABSTRATIVIZAÇÃO DAS DECISÕES NO CONTROLE

DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE

Monografia apresentada por MARCELO BOTELHO SCOBINO DE SOUZA à Universidade Cândido Mendes como requisito parcial para a conclusão do curso de pós-graduação lato sensu especialização em Direito Privado. Professor orientador: Arnaldo Magalhães

RIO DE JANEIRO

2013

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Folha de aprovação

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO PRIVADO

TÍTULO: ABSTRATIVIZAÇÃO DAS DECISÕES NO CONTROLE DIFUSO DE

CONSTITUCIONALIDADE

ALUNO: MARCELO BOTELHO SCOBINO DE SOUZA _____________________________ (assinatura)

AVALIAÇÃO

1. CONTEÚDO

Nota: _______ Conceito: _________

Avaliador: _____________________________

Arnaldo Magalhães _________________________________ (Assinatura)

2. FORMA

Nota: _______ Conceito: _________

Avaliador: Arnaldo Magalhães __________________________________ (Assinatura)

NOTA FINAL: ________ CONCEITO: __________

Rio de Janeiro, _____ de _____________ de 200 __

Coordenador: Arnaldo Magalhães __________________________________ (Assinatura)

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Referência

SCOBINO Marcelo Botelho, Abstrativização das Decisões no Controle Difuso de Constitucionalidade, 2013.

52 páginas. Monografia (pós-graduação lato sensu em Direito Privado) – Universidade Cândido Mendes, Rio de Janeiro, 2013.

Orientador: MAGALHÃES, Arnaldo

Pista para catalogação: Controle de Constitucionalidade Concreto; Abstrativização; Controle difuso; Separação dos poderes; Supremo Tribunal Federal; Senado Federal

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DEDICATÓRIA A todos que me ajudaram a superar o impossível.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus anjos da guarda humanos: Ao anjo Roberto, meu pai, que me assumiu quando nasci e novamente, quando renasci; porto seguro de toda a minha vida; estaremos juntos por toda a eternidade; Ao anjo Bianca, eterna luz da minha vida, inseparável alma gêmea; Ao anjo Luca, meu filho sagrado; agradeço por me ensinar o que é ser um guerreiro de verdade, minha razão de viver; Ao anjo Regina, que mesmo sem nenhuma obrigação tanto me ajuda nos momentos mais difíceis, sem apego, se doando sem nada pedir em troca; Ao anjo Delucia, que dedica seus dias a melhorar os meus; haja sol ou chuva, sempre presente, sempre sorrindo;

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EPÍGRAFE

Quando clamei, tu me respondeste; deste-me força e coragem. Salmo 138:3

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RESUMO

O presente trabalho objetiva mostrar a tendência da abstrativização no controle de constitucionalidade difuso que vem crescendo no Supremo Tribunal Federal. Uma tensão de fundo é revelada na medida em que a supremacia constitucional é posta à prova por abrigar como iguais o judiciário e o legislativo. A comparação e os pontos de contato entre os controles de constitucionalidade difuso e concentrado são mostrados, bem como o desenvolvimento da abstrativização no controle difuso, passando pelos princípios envolvidos na tensão, STF e Senado federal, fenômeno da mutação constitucional, incidente de inconstitucionalidade, recurso extraordinário até chegar na discussão sobre o papel do Senado Federal em contraponto ao do STF no que concerne a eficácia geral das decisões proferidas no controle difuso de constitucionalidade.

Palavras-chave: Abstrativização; Controle difuso; Separação dos poderes; Supremo

Tribunal Federal; Senado Federal

ABSTRACT

The following paper intends to demonstrate the atypical tendency in the defuse judicial review that has been growing in the Brazilian Supreme Court. A background tension is revealed according as the constitucional supremacy is put to the test for sheltering judiciary and legislative as equals. The comparison and the contact points between the defuse and concentrate forms of judicial review are shown, as well as the development of abstraction in the defuse judicial review, passing through the principles involved in the background tension, constitucional mutation phenomenon, constitucional review incident, extraordinary appeal until to reach the discussion about the Federal Senate´s role in counterpoint to the STF´s role regarding general effectiveness of given decisions in the defuse judicial review.

Key-words: Abstraction; Defuse judicial review; Separation of powers; Supreme

Court; Federal Senate

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO............................................................................................................ 10

2. CONTROLE NORMATIVO E TEORIA DA NULIDADE......................................... 11

2.1 Precedente – Caso Marbury X Madison............................................................... 12

2.2 Sistemas de Controle de Constitucionalidade no Brasil....................................... 13

2.3 A separação dos poderes....................................................................................... 15

2.4 A unidade constitucional ...................................................................................... 16

2.5 Supremacia da constituição................................................................................... 17

2.6 A rigidez constitucional........................................................................................ 17

2.7 Existência, validade e eficácia no Controle de Constitucionalidade..................... 17

2.8 Flexibilização no sistema austríaco....................................................................... 19

2.9 Flexibilização no sistema Norte-Americano......................................................... 19

2.10 Direito comparado................................................................................................. 20

3. CONTROLE E INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE............................. 21

3.1 Espécies de inconstitucionalidade......................................................................... 21

3.2 Mitigação da teoria da nulidade – controles concentrado e difuso ..................... 22

3.3 A reserva de plenário............................................................................................ 24

3.4 Controle de constitucionalidade incidental........................................................... 24

3.5 Do recurso extraordinário..................................................................................... 25

4. O CONTROLE DIFUSO E O LEGISLATIVO............................................................ 28

4.1 Abstrativização do controle difuso........................................................................ 28

4.2 Repercussão geral – propulsora da abstrativização............................................... 28

4.3 O incidente de inconstitucionalidade no CPC....................................................... 31

4.4 Novos horizontes do controle difuso..................................................................... 32

4.5 O paradigma do HC-82959................................................................................... 33

4.6 O STJ entra na nova tendência.............................................................................. 34

4.7 A barreira do art. 52, X da CRFB......................................................................... 35

5. CONCLUSÃO.............................................................................................................. 41

6. REFERÊNCIAS............................................................................................................ 42

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1 - INTRODUÇÃO

A partir da Reclamação Constitucional 4335-5/AC (ainda pendente de julgamento),

que conta com relatoria do Ministro Gilmar Mendes, o controle de constitucionalidade

brasileiro pode vir a vislumbrar uma nova concepção na tradicional visão de separação de

poderes, de poder constituinte e do sistema federativo, tudo a depender da prevalência dos

votos do Ministro Eros Grau e do próprio Ministro relator, Gilmar Mendes que rumam para

uma equiparação entre os efeitos das decisões do controle difuso e concentrado no que tange à

sua eficácia erga omnes.

A questão encontra óbice na prerrogativa do Senado Federal em atribuir o referido

efeito geral às decisões da Corte, de acordo com o princípio da separação de poderes, da

própria supremacia da constituição que dá a ambos, STF e Senado garantias de atuação que

terão que ser reinterpretadas para a adequação do controle de constitucionalidade difuso com

decisão de eficácia geral, podendo levar o art. 52, X à uma mutação constitucional

permanente, que implicaria num Senado Federal rebaixado a mero diário oficial das decisões

do Supremo Tribunal Federal.

Para a análise da abstrativização no controle difuso há que se enfrentar alguns

princípios e características constitucionais, além da necessária apresentação do sistema de

nulidades que regem o controle de constitucionalidade bem como os sistemas de controle

concentrado/abstrato e concreto/difuso/incidental com suas respectivas mitigações.

Sob a perspectiva da eficácia geral das decisões do controle difuso vislumbra-se

conflitos de fundo importantes como a possível violação da separação dos poderes, o risco à

unidade constitucional, o abalo que pode ser gerado frente à supremacia da Constituição: “não

raro, no interior de um mesmo sistema jurídico verifica-se o fenômeno do antagonismo, de

tensão ou de colisão entre princípios, cabendo ao jurista contemporâneo a tarefa de solucionar

mais esta questão.”1

O presente trabalho se dedica a análise da tendência abstrativista em sede de controle

difuso de constitucionalidade e para tanto serão apresentados os principais princípios

1 FERRARESI, Eurico – Ação Popular, Ação Civil Pública e Mandado de Segurança Coletivo – Instrumentos Processuais Coletivos – 1ª Edição – Editora Forense - 2009

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pertinentes ao tema, passando pelos fundamentos do controle de constitucionalidade, suas

espécies e modelos, recurso extraordinário, a repercussão geral, o papel do Senado Federal,

doutrina e os julgados paradigmas, para que se possa ter a compreensão do tema.

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2 - CONTROLE NORMATIVO - FUNDAMENTOS, PRINCÍPIOS E TEORIA DA NULIDADE

2.1- Os 3 fundamentos do controle de constitucionalidade (precedente - caso Marbury v. Madison)2

Palavras de John Marshall, retiradas do caso Marbury v. Madison que formam o

os ideias basilares do controle de constitucionalidade:

1 - Supremacia da constituição – “todos aqueles que elaboraram constituições

escritas, encararam-na como a Lei fundamental e suprema da nação”.

2 - Teoria da nulidade - “Um ato do poder legislativo que contrarie a constituição é

nulo”.

3 - O poder judiciário é o intérprete final da constituição - “É enfaticamente da

competência do judiciário dizer o direito, o sentido das leis. Se a Lei estiver em oposição à

constituição, a corte terá que determinar qual dessas normas conflitantes regerá a hipótese. E

se a constituição é superior a qualquer ato ordinário emanado do legislativo, a constituição e

não o ato ordinário deve reger o caso ao qual ambos se aplicam”. Por causa do caso Marbury

v. Madson, a Suprema Corte Norte Americana estabeleceu a sua competência para o controle

de constitucionalidade dos atos, leis e decisões estaduais em face da constituição e das leis

federais.

William Marbury fora nomeado juiz de paz pelo então Presidente John Adams pouco

antes do fim do seu governo. James Madison, secretário de estado do novo Presidente Thomas

Jefferson, seguindo orientações deste, negou a investidura no cargo a William Marbury que

por sua vez impetrou writ of mandamus em face de Madison para ter reconhecido seu direito

supostamente adquirido. O julgamento se deu na Suprema Corte. Duas questões eram

suscitadas: a) a lei de 1789 dava à Suprema Corte a competência originária para conhecer do

mandamus; em contra partida a Constituição não previa tal competência temática; b) poderia a

Suprema Corte declarar inválidos atos do executivo?

2 BARROSO, Luis Roberto – O controle de constitucionalidade no direito Brasileiro, 3ª Edição – Saraiva – 2008

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Em voto histórico, o Justice Marshall, concluiu que, ao contrário da regra antes

adotada de que a lei posterior revoga a anterior, “é nula qualquer lei incompatível com a

Constituição; e que os tribunais, bem como os demais departamentos, são vinculados por esse

instrumento”.3

Além das leis do poder executivo federal e do congresso, também as leis estaduais

haveriam de se compatibilizar com a Constituição. Palavras do Ministro Oliver Wendell

Holmes em trabalho doutrinário4: “Eu não creio que os Estados Unidos pereceriam se nós

perdêssemos o poder de declarar um ato do congresso nulo. Mas penso que a União estaria em

perigo se não pudéssemos declarar inconstitucionais as leis dos diversos estados”.

Foi fixado o precedente histórico da declaração de inconstitucionalidade de leis e atos

do poder público pela Suprema Corte.

2.2 - Sistemas de controle de constitucionalidade no Brasil

Pode-se ter em determinado ordenamento um ou mais sistemas de controle de

constitucionalidade, a saber: judicial, político e misto. No primeiro estão englobados, no caso

brasileiro, o controle concreto e concentrado, formas judiciais de controle com prevalência

repressiva5. No segundo estão as formas políticas, como o veto jurídico do chefe do executivo

e a análise de constitucionalidade pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), entre outros

notadamente preventivos.

O Brasil adota o sistema misto. Há controle judicial em abstrato concentrado e

concreto difuso, notadamente repressivos, além do controle político como já explanado. No

controle concentrado de constitucionalidade, há análise da lei em tese pelo STF ou pelos

Tribunais de Justiça dos Estados. Assim, pode por exemplo o governador de um estado

ajuizar Ação Direta de Inconstitucionalidade para ver declarada a nulidade de lei estadual em

3 John Marshall, Decisões constitucionais de Marshall, p22

4 HOLMES, Oliver Wendell, - Law and the Courts. In: Collected legal papers – 295-6, 1920

5 O Mandado de Segurança impetrado por parlamentar a fim de fazer cessar processo legislativo eivado de vício é considerado controle judicial preventivo..

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face da Constituição Federal, art. 102, I, a c/c 103, V da CRFB/886. No caso do STF, ao

realizar o controle concentrado de constitucionalidade profere decisões com efeitos para

todos. Por outro lado no controle difuso, se dá a análise da validade da lei aplicada ao caso

concreto, inter partes. O que significa que eventual declaração de inconstitucionalidade terá

efeito somente naquele caso específico, para aquelas partes determinadas. Por trás dos

revestimentos ou das formas jurídicas de controle difuso e abstrato está o cerne do controle de

constitucionalidade, a teoria da nulidade das leis.

Entre nós foi adotada majoritariamente a teoria Norte Americana da nulidade, que

incide na validade da lei ou ato normativo impugnados. Essa nulidade se dá por ato

declaratório com efeito ex tunc (em regra), que reconhece natimorta a lei que embora exista, é

inválida por conta de algum vício formal ou material.

Ocorre que em contraponto à teoria da nulidade se impõe a teoria da anulabilidade da

norma infraconstitucional introduzida por Hans Kelsen. Nessa linha de entendimento, de

origem austríaca, a natureza jurídica da decisão que reconhece a inconstitucionalidade de lei

ou ato normativo seria constitutiva e não declaratória. Vale dizer, a inconstitucionalidade

incide no plano da eficácia e não da validade da norma ou ato atacado.

No sistema austríaco a corte não declara a nulidade, mas ao contrário cassa, anula a lei

ou ato normativo, com efeito ex nunc, a partir de data posterior à decisão. A

inconstitucionalidade no modelo austríaco se traduz na ineficácia da norma a partir da

decisão. Até a publicação do pronunciamento da Corte a lei é considerada válida e eficaz

ainda que inconstitucional. Além disso, a Corte Austríaca tem discricionariedade para

estipular uma data para a anulação da lei (modulação dos efeitos da decisão para postergar a

eficácia constitutiva), desde que não ultrapasse um ano contado da decisão. Os efeitos de suas

decisões valem para todos.

6 Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: V o Governador de Estado ou do Distrito Federal;

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No Brasil ambas as teorias, da nulidade e da anulabilidade tem sido mitigadas em seus

rigores. A flexibilização dos dois sistemas se fez necessária a fim de se adequar o controle de

constitucionalidade à modernidade jurídica acompanhando a dinâmica contemporânea.

Os sistemas de controle difuso (Norte-Americano) e concentrado (Austríaco) com seus

sistemas de nulidades e anulabilidades funcionam ora como corretivos, ora como guardiões da

supremacia constitucional. Seu manejo desafia a observância de princípios caros ao sistema

jurídico pátrio, entre eles os que se seguem.

2.3 - A separação dos poderes

Houve um tempo em que a vontade do soberano se confundia com a vontade do

estado. As arbitrariedades eram a lei. O povo, sempre a vítima de sistemas públicos

autoritários e cruéis. Depois de Locke e Montesquieu, aqueles que faziam as leis já não eram

mais os que a aplicavam. Ao menos em tese. Estava delineada a separação entre executivo e

legislativo. Mas foram os americanos que confirmaram o desenho tripartite, com a afirmação

do poder da Suprema Corte ao julgar o caso Marbury v. Madison, no qual o poder judiciário

deliberou e definiu sobre a compatibilidade da lei e dos atos do poder público em face da

Constituição (judicial review).

Um sistema de freios e contrapesos apto a compor um sistema político-jurídico

eficiente é desde então o que se busca, o que se almeja.

Sempre que um dos poderes entra no espaço de outro há um abalo das estruturas do

estado democrático. Se o executivo ao regulamentar uma lei a extrapola inovando sobre o

tema tratado, legisla. Se o legislativo tenta administrar a máquina pública, executa. As

situações de aparente disputa entre executivo e legislativo, ao menos no Brasil, parecem bem

encaminhadas, na medida em que cada poder parece conhecer seu espaço, não havendo

grandes intrusões mútuas, até porque a Constituição de 1988 foi especialmente analítica em

sua regulação política.

Quanto ao judiciário, que além de julgar, tem a prerrogativa (dada ao Supremo

Tribunal Federal) de impor suas decisões a todos, pode ser visualizado como um invasor da

competência do legislativo, inoportuno e perigoso para o estado democrático, já que a

abstração e generalidade são as marcas do legislativo em seu mister de criar leis. Por outro

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lado há quem aprove, mesmo com ressalvas, a atuação do judiciário quando dá eficácia geral

em sede de controle concentrado de constitucionalidade, pois para tal atuação há ações

próprias (ADI, ADC, ADPF, ADO), e além disso, a Supremacia da Constituição garante ao

órgão máximo do judiciário, o STF, o papel de intérprete máximo e guardião da Constituição.

Desde que limitada ao controle concentrado essa tensão entre judiciário e legislativo é

perfeitamente administrável porque as atuações do STF estão expressas na Constituição. O

problema está na abstrativização do controle difuso, tendência que para alguns ameaça o

equilíbrio dos poderes, pois para haver a eficácia geral ditada pelo STF no controle difuso de

constitucionalidade, o Senado Federal resta inoperante por perda ou reinterpretação da razão

de ser do art. 52, X da Constituição de 1988 que hoje lhe assegura o papel de “abstrativizador

oficial” das decisões do STF em controle difuso. Ou seja, uma decisão de nulidade em sede de

controle difuso emanada pelo STF só terá alcance geral se o Senado editar uma resolução que

suspenda a execução lei. A unidade constitucional, a supremacia da constituição e a rigidez

constitucional, princípios caros ao sistema jurídico do país são postos à prova diante da

tendência abstrativista no controle difuso.

2.4 - A unidade constitucional

A unidade e harmonia são pilares do sistema jurídico de um país. A quebra dessa

harmonia deve ser investigada e ferramentas de correção do prumo constitucional devem

existir a fim de afinar valores e normas tanto em concreto (nas lides intersubjetivas) quanto

em abstrato (discussão da lei em tese).

O controle de constitucionalidade é um instrumento vital à verificação da validade e

compatibilidade das normas e dos atos normativos frente à Constituição, Lei maior do país.

A quebra da unidade harmônica do sistema jurídico encontra no controle de

constitucionalidade a solução reparadora do contraste detectado entre normas

infraconstitucionais e atos normativos que violem o texto maior.

A aplicação de uma norma inconstitucional significa deixar de aplicar a própria

Constituição.7

7 BARROSO, Luis Roberto – O controle de constitucionalidade no direito Brasileiro, 3ª Edição – Saraiva – 2008

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A existência do controle de constitucionalidade se funda em dois pilares: a supremacia

da constituição e a sua rigidez.

2.5 - Supremacia da Constituição

Trata-se de princípio constitucional que revela a posição hierárquica da Constituição: a

mais elevada no sistema jurídico. Todas as normas devem observância às normas

constitucionais sob pena de sua invalidação. O mesmo se aplica a qualquer ato normativo. Na

verdade, o alcance do princípio em exposição abarca qualquer ato jurídico. Tanto as condutas

públicas, destinatárias originárias da teoria da inconstitucionalidade, como as privadas podem

ser sancionadas em sede de controle de constitucionalidade. As condutas privadas sofrem tais

sanções por instrumentos diversos dos aplicados às condutas públicas. Os instrumentos de

controle de constitucionalidade serão vistos adiante.

2.6 - A rigidez constitucional

As normas constitucionais são submetidas a um processo legislativo mais árduo do

que as normas infraconstitucionais. Daí a distinção formal entre as espécies normativas

infraconstitucionais em relação às constitucionais, razão de ser do sistema de controle que

afere a constitucionalidade das primeiras em relação às segundas. O maior cuidado na

elaboração de emendas constitucionais se justifica na medida em que irão compor o corpo da

lei suprema da nação. Duas votações em cada casa do Congresso Nacional com aprovação de

3/5 dos seus integrantes em cada uma dessas sessões denota de fato uma rigidez

constitucional que inibe o risco de banalização de mudanças no texto, além de dificultar a

influência dos grupos ligados ao poder diretamente sobre a norma constitucional. Ao menos

em tese. Crítica justa seja feita ao fato de ter sido negado ao povo pelo constituinte originário

o direito de iniciativa popular para propor emenda constitucional.

As normas são afinadas sob o norte dos referidos princípios pelo sistema de nulidade e

de anulabilidade que operam nos planos de validade e eficácia da norma geral.

2.7 - Existência, validade e eficácia no controle de constitucionalidade

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Fatos jurídicos advindos da manifestação de vontade são denominados atos jurídicos.

Estes por sua vez abrigam as normas jurídicas externalizadas pelos órgãos competentes. Atos

e normas jurídicas encontram-se irremediavelmente submetidos a três planos distintos a serem

considerados: existência, validade e eficácia.

O exame dos fatos jurídicos deve ser considerado a princípio quanto a análise dos

elementos formadores do fato (agente, objeto e forma), que se presentes autorizam o aplicador

a admitir que o mesmo existe (plano da existência); suposta a existência procede-se à

verificação de sua potência em produzir efeitos (plano da eficácia).8 O elo que permite a

ligação entre a existência do ato e sua eficácia é a validade, requisito essencial para que não

seja nulo, digno de sanção, que termine por lhe impor a inconstitucionalidade.

Um exemplo de inexistência é o de lei promulgada sem aprovação parlamentar

conforme previsto no processo legislativo constitucional. Não há que se cogitar sobre sua

validade e efeitos já que inexiste tal ato normativo para o mundo jurídico.

A apreciação da validade do ato existente implica na verificação dos seus elementos,

que devem atender às expectativas da lei no que concerne aos atributos ou requisitos para que

seja ato perfeito. Como exemplo pode-se destacar o ato administrativo. Sua instituição deve

contar não só com o elemento agente público, mas também com seu atributo, agente público

competente. Assim, exteriorizado o ato, haverá uma forma prescrita ou não defesa em lei,

tudo em prol de um objeto, mas não de um objeto qualquer, somente aquele que for lícito e

possível.

Para que o ato exista, presentes estarão seus elementos: agente, forma e objeto; para

ser válido, há de ser o agente capaz e/ou competente, a forma prescrita ou não defesa em lei e

o objeto lícito e possível. Nesse contexto, vale assinalar que uma norma que contrarie a

Constituição por vício formal ou material existe e pode inclusive ter gerado efeitos,

embasando relações jurídicas, que eventualmente deverão ser especialmente reguladas caso

haja a decretação da inconstitucionalidade dessa norma.

A eficácia de uma norma se refere a sua aplicabilidade, exigibilidade ou

executoriedade. Note-se que a inconstitucionalidade é sanção por vício de validade da norma.

Há que existir a norma para ser declarada inconstitucional, sendo irrelevante num primeiro 8 AZEVEDO, Antonio Junqueira de – Negócio Jurídico, existência, validade e eficácia – 4ª Edição, Ed. Saraiva, 2010

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momento se era ou não eficaz ao tempo da sanção. A eficácia não desejada que resulta da

norma inválida deverá se objeto de análise quando do julgamento de uma ação direta ou

incidente de inconstitucionalidade. A eficácia pode ser modulada no tempo de modo que é

possível se declarar inconstitucional certa lei declarando-a nula com efeito ex tunc ou, não

obstante declarada a inconstitucionalidade permitir-se sobrevida (eficácia) por certo tempo em

nome da segurança jurídica.

A dureza da teoria da nulidade é mitigada exatamente para viabilizar o manejo

temporal da eficácia das normas.

2.8 - Flexibilização no sistema austríaco

A decisão constitutiva tem como verdadeira vocação a produção de um estado jurídico

diverso do preexistente à sua decretação. O efeito ex nunc não é da natureza desse tipo de

decisão, mas tão somente uma decorrência modulável não obrigatória. Isso significa que a

flexibilização no sistema austríaco gera a possibilidade da retroatividade dos efeitos da

decisão que constitui inconstitucional a norma em todo seu percurso no mundo jurídico.

2.9 - Flexibilização no sistema Norte Americano

As falhas da teoria da nulidade ab origine desse sistema de controle são evidentes. Os

atos praticados na vigência de lei declarada inconstitucional são inválidos, já que os efeitos ex

tunc da declaração de inconstitucionalidade lhes alcançam em sua nascente. Se configura

repudiável a situação de relações jurídicas desintegradas em total dissonância com o mínimo

exigível de segurança jurídica a garantir o indivíduo contra surpresas normativas que venham

a nulificar seus contratos e direitos adquiridos.

Com o caso Likletter v. Walker em precedente fixado em Mapp v. Ohio restou

mitigado o alcance da retroatividade dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Isso

se deu como solução para se evitar sérios problemas à administração da justiça, porque os

casos citados envolvem a inconstitucionalidade de lei que enquanto vigente embasou a

colheita de provas, que acabaram sendo admitidas no processo penal sem que as decisões a

seu respeito fossem alcançadas pela referida inconstitucionalidade. Ou seja, a lei que admitiu

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o modus operandi de aquisição de provas foi declarada inconstitucional sem efeito retroativo

e as provas levantadas em sua vigência subsistiram no processo assim como as decisões que

as admitiram. Caso fosse mantida a rigidez da teoria da nulidade, todas as provas e atos

judiciais pertinentes teriam que ser nulificados. Assim nasceu no bojo do sistema americano

de controle de constitucionalidade difuso a chamada modulação dos efeitos da declaração de

inconstitucionalidade capaz de declarar uma lei inconstitucional observando a segurança

jurídica e a administração da justiça em clara amostra precursora de razoabilidade e

proporcionalidade temperando a dureza da implacável teoria da nulidade.

Em outros países a teoria da nulidade encontra variações.

2.10 - Direito comparado

Espanha – possibilidade de declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de

nulidade e com efeitos ex nunc.

Portugal – Nulidade como regra geral, mas com expressa autorização constitucional

permitindo a modulação dos efeitos da decisão.

Alemanha – Nulidade como regra geral. Há, contudo técnicas de flexibilização e a

declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade.

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3 - CONTROLE E INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE

3.1- Espécies de inconstitucionalidade

Inconstitucionalidade por ação: a inconstitucionalidade pode resultar de uma ação,

quando a afronta constitucional advém de conduta comissiva, positiva praticada por um órgão

estatal. Como exemplo toma-se uma lei elaborada em desacordo com o processo legislativo

ou de conteúdo incompatível com a Constituição.

Inconstitucionalidade por omissão: trata-se de omissão legislativa. O legislador deixou

de regulamentar preceito constitucional que ordena expressamente a elaboração de lei que

ponha em prática sua disposições.

Inconstitucionalidade material: ocorre sempre que o conteúdo da Lei contrarie a

Constituição.

Inconstitucionalidade formal: trata-se de vício no processo legislativo da norma que

transcorreu em desconformidade com a regência constitucional.

Inconstitucionalidade total: não é a regra no controle de constitucionalidade, mas pode

ocorrer de todo o texto normativo ser declarado inconstitucional. Caso por exemplo de Lei

com vício de iniciativa que foi apresentada por parlamentar quando cabia privativamente ao

Presidente da República, ou ainda, uma Lei de conteúdo materialmente complementar

aprovada por maioria simples. São nulas de pleno direito em sua integralidade, por violação

ao processo legislativo constitucional, não cabendo se aproveitar partes da Lei.

Inconstitucionalidade parcial: é a regra, pois a análise da norma é feita dispositivo por

dispositivo, podendo ser declarada uma palavra ou fração de artigo, inciso, parágrafo ou

alíneas inconstitucionais por ter um conteúdo incompatível com a Constituição, casos em que

se deflagra a inconstitucionalidade material. Há, no entanto restrição em sede de controle

preventivo de constitucionalidade no que tange ao veto jurídico do Presidente da República

que deve respeitar os limites do art. 66, §2º da CF/88, verbis: “O veto parcial somente

abrangerá texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea”.

Inconstitucionalidade direta: se dá entre leis ou atos normativos e a Constituição. São

os casos de vícios formais e materiais que afrontam diretamente a Carta Maior.

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Inconstitucionalidade indireta: ocorre quando ato normativo secundário extrapola a

norma que deveria regulamentar se chocando com a norma Constitucional. Toma-se como

exemplo decreto regulamentar expedido para fiel execução da Lei que a extrapola. Conflitos

entre normas reguladoras secundárias e primárias (regulamentadas) ainda que infringentes de

normas constitucionais não constituem ofensa direta à Constituição.

Inconstitucionalidade originária: aquela que macula o ato no momento da sua

produção em razão do desrespeito aos princípios e regras da Constituição então vigente. Ex. a

inconstitucionalidade de uma Lei de 1985 foi declarada por violação à Constituição de 1969,

em vigor quando da edição da referida norma.

Inconstitucionalidade superveniente: trata-se de incompatibilidade com texto

constitucional futuro. Assim, uma norma editada em 1989 poderia ser declarada

inconstitucional por afrontar uma emenda constitucional de 19939.

3.2 - Mitigação da rigidez da teoria da nulidade - concentrado e difuso

Forças principiológicas, fruto do natural amadurecimento sócio-jurídico, passaram a se

contrapor aos rigores da teoria da nulidade, retirando-lhe parte da dureza original. O princípio

da supremacia da constituição, o da segurança jurídica e o da boa fé são as principais forças

de contraponto da nulidade absoluta. Não se pode ignorar os efeitos produzidos pela norma

inconstitucional enquanto vigente. Não se pode desconsiderar as relações jurídicas firmadas

sob a égide da norma supervenientemente declarada inconstitucional.

A teoria da nulidade encontra flexibilização expressa no art. 27 da Lei 9868 de 1999,

in verbis:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista

razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal

Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração

ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro

momento que venha a ser fixado. (grifos nossos)

9 PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo – Direito Constitucional Descomplicado – 7ª Edição – Editora Método - 2011

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A regra do art. 27 da referida Lei, feita para regular o controle concentrado, também

tem sido aplicada por analogia no controle difuso. Cite-se o caso da ação civil pública

ajuizada pelo Ministério Público em face do Município de Miraestrela visando reduzir o

número de vereadores por serem dois a mais que o mínimo constitucional, já que o Município

tinha 2.651 habitantes e contava com onze vereadores, quando deveriam somar nove no

máximo, segundo as regras do art. 29, IV da CF/88.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO.10 MUNICÍPIOS. CÂMARA DE VEREADORES. COMPOSIÇÃO. AUTONOMIA MUNICIPAL. LIMITES CONSTITUCIONAIS. NÚMERO DE VEREADORES PROPORCIONAL À POPULAÇÃO. CF, ARTIGO 29, IV. APLICAÇÃO DE CRITÉRIO ARITMÉTICO RÍGIDO. INVOCAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA RAZOABILIDADE. INCOMPATIBILIDADE ENTRE A POPULAÇÃO E O NÚMERO DE VEREADORES. INCONSTITUCIONALIDADE, INCIDENTER TANTUM, DA NORMA MUNICIPAL. EFEITOS PARA O FUTURO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. 1. O artigo 29, inciso IV da Constituição Federal, exige que o número de Vereadores seja proporcional à população dos Municípios, observados os limites mínimos e máximos fixados pelas alíneas a, b e c. 2. Deixar a critério do legislador municipal o estabelecimento da composição das Câmaras Municipais, com observância apenas dos limites máximos e mínimos do preceito (CF, artigo 29) é tornar sem sentido a previsão constitucional expressa da proporcionalidade. 3. Situação real e contemporânea em que Municípios menos populosos têm mais Vereadores do que outros com um número de habitantes várias vezes maior. Casos em que a falta de um parâmetro matemático rígido que delimite a ação dos legislativos Municipais implica evidente afronta ao postulado da isonomia. 4. Princípio da razoabilidade. Restrição legislativa. A aprovação de norma municipal que estabelece a composição da Câmara de Vereadores sem observância da relação cogente de proporção com a respectiva população configura excesso do poder de legislar, não encontrando eco no sistema constitucional vigente. 5. Parâmetro aritmético que atende ao comando expresso na Constituição Federal, sem que a proporcionalidade reclamada traduza qualquer afronta aos demais princípios constitucionais e nem resulte formas estranhas e distantes da realidade dos Municípios brasileiros. Atendimento aos postulados da moralidade, impessoalidade e economicidade dos atos administrativos (CF, artigo 37). 6. Fronteiras da autonomia municipal impostas pela própria Carta da República, que admite a proporcionalidade da representação política em face do número de habitantes. Orientação que se confirma e se reitera segundo o modelo de composição da Câmara dos Deputados e das Assembléias Legislativas (CF, artigos 27 e 45, § 1º). 7. Inconstitucionalidade, incidenter tantun, da lei local que fixou em 11 (onze) o número de Vereadores, dado que sua população de pouco mais de 2600 habitantes somente comporta 09 representantes. 8. Efeitos. Princípio da segurança jurídica. Situação excepcional em que a declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente. Prevalência do interesse público para assegurar, em caráter de exceção, efeitos pro futuro à declaração incidental de inconstitucionalidade. Recurso extraordinário conhecido e em parte provido.

10 RE 197917 SP – Relator - Min. MAURÍCIO CORRÊA – Julgamento: 04/06/2003 – publicação: DJ 10/09/2003 PP-00031

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3.3 - A reserva de plenário

O Art. 97 da CF/88, comando legal impositor da chamada cláusula de reserva de

plenário, assevera que somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos

membros do respectivo órgão especial poderão os Tribunais declarar a inconstitucionalidade

de lei ou ato normativo do Poder Público.11

Porém, a observância da regra imposta pela cláusula de reserva de jurisdição comporta

exceções. A declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo infraconstitucional

não dependerá do voto da maioria absoluta dos membros quando houver pronunciamento do

plenário do STF (no controle difuso) ou quando houver declaração do próprio Tribunal.

Processado o pedido incidental da declaração de inconstitucionalidade, este será

julgado. A decisão que declara a inconstitucionalidade produzirá efeitos inter partes e ex tunc.

Porém, como foi visto no caso do RE 197917 SP, de forma excepcional, o STF modulou os

efeitos de decisão declaratória de inconstitucionalidade no controle difuso (sistema

americano), concedendo efeito pro futuro à decisão. Situação idêntica a que acontece no

controle concentrado (sistema austríaco), prevista no citado art. 27 da Lei 9868 de 1999. A

modulação dos efeitos da decisão é, portanto um ponto comum entre os controles difuso e

concentrado. É no controle difuso que ocorre o incidente de inconstitucionalidade.

3.4 - Controle de constitucionalidade incidental

Presente no direito pátrio desde a Constituição de 1891, é também chamado de

incidenter tamtum ou sistema americano. Se traduz em instrumento para a defesa dos direitos

constitucionais.

Sempre que um juiz, ao decidir uma lide inter partes, reconhecer que há uma

incompatibilidade entre a lei aplicada a um caso concreto e a constituição, deve declarar a

inconstitucionalidade da norma deixando de aplicá-la.

11 Ainda, segundo a jurisprudência do STF, é importante observar que a cláusula de reserva de plenário não se aplica às Turmas Recursais dos Juizados Especiais.

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Tanto o autor quanto o réu podem se valer da postulação da declaração de

inconstitucionalidade ab initio (no caso do autor) ou no decorrer de um processo judicial.

Podem questionar a constitucionalidade de uma lei o Ministério Público (seja como parte, seja

como custus legis) e os terceiros legítimos que ingressaram na demanda como assistente,

opoente e litisconsorte. O Juiz ou tribunal pode declarar a inconstitucionalidade de ofício

enquanto o processo se encontrar em primeiro e segundo graus de jurisdição. Porém em sede

de recurso extraordinário, há ressalvas quanto à declaração de ofício da inconstitucionalidade

da lei impugnada, conforme se extrai do julgado abaixo:

RE 117.805-PR12 “Recurso extraordinário e controle incidente de constitucionalidade das leis. Na instância extraordinária, é de ser recebida com temperamentos a máxima de que, no sistema de controle incidente, o juiz de qualquer grau deve declarar de oficio a inconstitucionalidade de lei aplicável ao caso. Assim, quando nem a decisão objeto do recurso extraordinário, nem o recorrente hajam questionado a validade, em face da Constituição, da lei aplicada, mas se hajam limitado a discutir a sua interpretação e consequênte aplicabilidade ou não ao caso concreto, a limitação do juízo do RE, de um lado, ao âmbito das questões constitucionais enfrentadas pelo acórdão recorrido e, de outro a fundamentação do recurso, impede a declaração de oficio de inconstitucionalidade da lei aplicada, jamais arguida pelas partes nem cogitada pela decisão impugnada”.

A ideia de controle difuso se assenta na possibilidade de ser a norma averiguada em

sua validade em qualquer órgão jurisdicional, mas a máxima de que qualquer juiz ou tribunal

pode de ofício declarar a inconstitucionalidade da norma se esvazia quando do recebimento de

recurso extraordinário, que hospedando lei notoriamente inconstitucional, não a vê declarada

de ofício pelo Supremo se não foi arguida pela parte.

3.5 - Do Recurso Extraordinário

Hipóteses de cabimento: Caberá recurso extraordinário da decisão que seja contrária a

dispositivo da Constituição, art. 102, III, a: significa que deve existir decisão expressamente

contrária à norma Constitucional, não sendo suficiente a referência genérica da ofensa ao

texto maior. Da decisão que declara a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, art. 102,

III, b: nesse caso a decisão recorrida nega a aplicação ou vigência do tratado ou lei por conta

12 RE 117805 / PR - PARANA - Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - Julgamento: 04/05/1993 - Órgão Julgador: Primeira Turma – Publicação - DJ 27-08-1993 PP-17022

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de sua suposta inconstitucionalidade. Decisão que julga válida lei ou ato de governo local

contestado em face da Constituição Federal, art. 102, III, c: nesse caso a decisão acolhe lei ou

ato de governo local em contrariedade com a Constituição Federal. Decisão que julga válida

lei local em fade de lei federal, art. 102, III, d13: visa combater a ofensa reflexa à Constituição

Federal. Quanto a essa última hipótese de cabimento cumpre destacar que: “anteriormente a

EC 45/2004, o recurso cabível nesse caso era o recurso especial. A modificação teve por

objetivo permitir o cabimento do RE em virtude de afronta reflexa à norma constitucional,

que é o que ocorre em regra quando lei local confronta com lei federal, hipótese na qual se

trata de questão federal e não constitucional (STF, Pleno, RE 117.809, Relator: Min.

Sepúlveda Pertence – DJ 04/08/89, p.12612)”.14

O RE é recurso de fundamentação vinculada que visa tratar de matéria de direito e não

de fato; não se admite RE para tratar da análise de provas, embora seja instrumento idôneo a

sanar violações ao direito probatório.

Exige-se ainda o esgotamento de todos os recursos da via ordinária para interposição

de RE.

O prequestionamento é outro requisito do RE e se traduz na necessidade de ter sido a

questão constitucional suscitada na instância inferior. Sobre esse requisito e em total sintonia

com esta monografia:

“A Ministra Ellen Gracie Northfleet dispensou o preenchimento do requisito do prequestionamento de um recurso extraordinário, sob o fundamento de dar efetividade a posicionamento do STF sobre questão constitucional, adotado em julgamento de outro recurso extraordinário (...) a Ministra manifestou-se expressamente sobre a transformação do recurso extraordinário em remédio de controle abstrato de constitucionalidade, e sob esse fundamento dispensou o prequestionamento para prestigiar o posicionamento do STF em matéria de controle de constitucionalidade (AI 375.011 – Informativo 365, STF)”.15

13 Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição; d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

14 DONIZETTI, Elpídio – Curso Didático de Direito Processual Civil – 12ª Edição – Editora Lumen Juris – 2009 – Rio de Janeiro

15 DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da – Curso de direito processual civil, Vol 3 – 7ª Edição – 2009 - Editora Podium

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Palavras da Eminente Ministra:

“Já manifestei, em ocasiões anteriores, minha preocupação com requisitos processuais que acabam por obstaculizar, no âmbito da própria Corte, a aplicação aos casos concretos dos precedentes que declaram a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de normas.”

Outro requisito do RE é a repercussão geral sobre o qual se abre tópico específico.

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4 - O CONTROLE DIFUSO E O LEGISLATIVO

4.1 - Abstrativização do controle difuso

Algumas mudanças importantes tem ocorrido no sistema de controle de

constitucionalidade brasileiro. Duas das mais importantes se traduzem na criação da súmula

vinculante pela EC 45 de 2004 que inseriu o art. 103-A na Constituição Federal e a orientação

expressa contida no art. 102, §2º de se conferir efeito vinculante às decisões proferidas pelo

STF em sede de controle concentrado. Note-se o expressivo incremento dado no peso

decisório do STF. No bojo dessas mudanças se encontra a gradual transformação do recurso

extraordinário, instrumento típico do controle difuso, que passou a servir também ao controle

abstrato.

No controle difuso a norma é avaliada em tese ainda que no caso concreto e acaba por

vincular o tribunal que em outras ocasiões adotará o mesmo posicionamento. É sem dúvida

uma forma indireta de se abstrativizar a decisão. Ou seja, a inconstitucionalidade no controle

difuso se aplica inter partes, mas é na fundamentação da decisão que é resolvida já que

prejudicial ao mérito. Poderia se falar em transcendência dos motivos determinantes16 na

medida em que “ajudam os motivos o esclarecimento do decisum, podem mesmo determinar

o entendimento e o alcance deste, isto é, do dispositivo da sentença, mas não fazem coisa

julgada”.17Através do recurso extraordinário, tal incidente pode alcançar o STF18.

4.2 - Repercussão geral como requisito propulsor da abstrativização no controle difuso

16 A transcendência dos motivos determinantes é abordada com mais detalhes adiante

17 SANTOS, Moacyr Amaral dos – Primeiras Linhas de Direito Processual Civil V.3 – 2ª Edição – Editora Saraiva - 2008

18 Nota – cabe RE contra decisão em sede de TJ em ação de RI, que tenha como norma de parâmetro dispositivo da CE que seja de reprodução obrigatória no controle concentrado estadual a fim de dar ao STF a última palavra sobre o tema. A decisão do julgado do RE terá efeito erga omnes por ser recurso interposto dentro no âmbito do controle de constitucionalidade concentrado.

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A previsão constitucional do instituto está no art. 102, §3º, da CF/88: “No recurso

extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões

constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a

admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus

membros.”

Admitir um recurso extraordinário significa atestar sua validade como instrumento de

discussão temática de alcance coletivo. O art. 543-A do CPC dita a exigência: “O Supremo

Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a

questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo”.

E explica o parágrafo 1º do artigo em comento: “Para efeito da repercussão geral, será

considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico,

político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa”.

Fredie Didier Jr e Leonardo José Carneiro da Cunha explicam o conceito de

repercussão geral:

“questões constitucionais que sirvam de fundamento a demandas múltiplas, como aquelas relacionadas a questões previdenciárias ou tributárias, em que diversos demandantes fazem pedidos semelhantes baseados na mesma tese jurídica (…) aquelas que dizem respeito à correta interpretação/aplicação dos direitos fundamentais (…) que servem de esteio a toda ordem jurídica – dimensão objetiva dos direitos fundamentais”19.

Já o Professor Paulo Hamilton Siqueira Jr com razão alerta que a exigência

constitucional destaca a superioridade do Supremo Tribunal Federal dada pela supremacia da

Constituição que o dota com o status de guardião dos seus preceitos, reservando aos onze

Ministros da corte maior, os temas de abrangência nacional20.

Reconhecida a repercussão geral da questão constitucional e observados os demais

requisitos inerentes ao conhecimento do recurso extraordinário, tem o Supremo Tribunal

Federal que julgar a controvérsia, aplicando o direito à espécie21 (Súmula 456 do STF)22.

19 DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da – Curso de direito processual civil, Vol 3 – 7ª Edição – 2009 - Editora Podium

20 JR, Paulo Hamilton Siqueira – Direito Processual Constitucional – 5ª Edição – Editora Saraiva - 2011

21 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel – Código de processo Civil – comnetado artigo por artigo – 2º Edição – Editora RT - 2010

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Em havendo um tópico na petição do recurso extraordinário a tratar da repercussão

geral, presume-se verdadeira tal assertiva; somente o STF poderá negar o recurso por não

considerar existente a repercussão geral, mas só o fará por maioria absoluta de 2/3 dos

Ministros que não entenderem se tratar de questão geral. Não cabe, portanto ao Presidente ou

Vice-Presidente do tribunal a quo a análise da repercussão geral em seu conteúdo, mas sim a

admissão ou não do recurso a depender do recorrente ter suscitado em tópico próprio da

referida repercussão geral. A admissibilidade no tribunal a quo é formal, mas no STF é

também material, já que leva em conta o conteúdo do referido tópico cuja substância deve

convencer a Corte do seu alcance nacional. Havendo quatro votos a favor da repercussão geral

fica dispensada a remessa dos autos a plenário, art. 543-A, §4.º23

Por outro lado, a presunção absoluta de existência de repercussão geral no tema

suscitado se dará sempre que a decisão recorrida tiver violado súmula ou jurisprudência

dominante do tribunal, art. 543-A, §3º, do CPC.24

Somando-se a enérgica proteção dada às súmulas vinculantes pela reclamação

constitucional à presunção absoluta de repercussão geral nos recursos que ataquem decisões

contrárias aos entendimentos dominantes da Corte, obtém-se verdadeira blindagem à

jurisprudência do STF. Mais uma amostra do poder vinculante da Corte no controle difuso.

Todo exposto para se mostrar que a repercussão geral se traduz em verdadeira

sinalizadora da eficácia geral pelo simples fato de ter sido reconhecido o caráter difuso de seu

conteúdo material. Ou seja, o Supremo decide o RE inter partes, mas já ciente de estar diante

de tema que pode interessar a grupos distintos ou até mesmo a toda coletividade.

Admitido pela presunção absoluta do art. 543-A, §3º do CPC ou após análise de

admissibilidade material da repercussão geral favorável ao recorrente, art. 543-A, §4º também

22 Súmula 456, STF: O Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa, aplicando o direito à espécie.

23 Art. 543-A, §4º Se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário.

24 § 3o Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal.

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do CPC, o recurso extraordinário passa a assumir sem dúvida um papel de relevância geral,

constituindo-se em ferramenta de proteção à unidade, rigidez e supremacia constitucionais.25

Do glossário do site do STF: “Repercussão Geral - Descrição do Verbete: A Repercussão Geral é um instrumento processual inserido na Constituição Federal de 1988, por meio da Emenda Constitucional 45, conhecida como a “Reforma do Judiciário”. O objetivo desta ferramenta é possibilitar que o Supremo Tribunal Federal selecione os Recursos Extraordinários que irá analisar, de acordo com critérios de relevância jurídica, política, social ou econômica. O uso desse filtro recursal resulta numa diminuição do número de processos encaminhados à Suprema Corte. Uma vez constatada a existência de repercussão geral, o STF analisa o mérito da questão e a decisão proveniente dessa análise será aplicada posteriormente pelas instâncias inferiores, em casos idênticos. A preliminar de Repercussão Geral é analisada pelo Plenário do STF, através de um sistema informatizado, com votação eletrônica, ou seja, sem necessidade de reunião física dos membros do Tribunal. Para recusar a análise de um RE são necessários pelo menos 8 votos, caso contrário, o tema deverá ser julgado pela Corte. Após o relator do recurso lançar no sistema sua manifestação sobre a relevância do tema, os demais ministros têm 20 dias para votar. As abstenções nessa votação são consideradas como favoráveis à ocorrência de repercussão geral na matéria.” (grifos nossos)

4.3 - O incidente de inconstitucionalidade no CPC: marcas da abstração

A exigência da cláusula de reserva de plenário, prevista no art. 97 da CF/8826, faz com

que a declaração de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos do poder público passe

pelo crivo da maioria absoluta do pleno ou órgão especial traduzindo-se no chamado incidente

de inconstitucionalidade vazado no art. 480 e seguintes do CPC, observado o “comando legal”

da súmula vinculante nº 1027. Tal incidente assiste a cisão da causa, de modo que suscitada a

inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, essa análise é feita pelo órgão especial ou pelo

pleno do tribunal restando em suspenso o processo em aguardo ao retorno do decisum que

exatamente por ser incidental prejudica a tomada da derradeira decisão da causa. Assim, o que

se tem é declaração de inconstitucionalidade pela maioria do pleno ou órgão especial que

vincula o órgão fracionário (turma ou câmara) na resolução do caso específico.

25 Tais princípios inauguram este trabalho

26 Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.

27 Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte

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São claras as semelhanças deste instrumento com o controle concentrado. Nesse

sentido, basta ter em vista que o exame levado a cabo pelo plenário em nada se diferencia do

exame procedido em sede de ADIn ou ADC; em ambos o controle é de caráter objetivo, sem

importar as circunstâncias do caso concreto. Até mesmo a admissão do amicus curiae pelo

comando legal do art. 482, §1º e 2º do CPC faz assemelhar ainda mais os institutos dos

controles difuso e concentrado. Ocorre, no entanto que a finalidade do controle concentrado

continua sendo a de resolver se há ou não inconstitucionalidade na lei atacada

incidentalmente, sempre visando retornar o resultado do julgamento ao caso concreto do qual

partiu a arguição.

Aqui cabe uma reflexão acerca da abstrativização mencionada. O que se persegue não

é exatamente o entendimento de como se dá a análise da constitucionalidade da norma feita

no caso concreto, mas a possibilidade de se vir a ter de fato decisões erga omnes no controle

difuso na esfera do STF. A importância do tema se dá pela possibilidade ou não de

propagação a todos de decisões advindas de lides intersubjetivas.

4.4 - Novos horizontes do controle difuso

Adotamos como ponto de partida dessa trilha cinzenta algumas linhas do voto do

Ministro Eros Grau na reclamação 4335/AC, verbis:

“passamos em verdade de um texto [pelo qual] compete privativamente ao Senado

Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por

decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, a outro texto: “compete privativamente

ao Senado Federal dar publicidade à suspensão da execução, operada pelo Supremo

Tribunal Federal, de lei declarada inconstitucional, no todo ou em parte, por decisão

definitiva do Supremo”.

Embora não seja o tema central do trabalho monográfico em desenvolvimento, a

mutação constitucional deve ser entendida para se clarear o voto em análise. Trata-se de um

mecanismo informal de modificação da Constituição no qual os Ministros do STF

reinterpretam a letra da Lei Maior dando-lhe outro significado, como ocorre no voto acima

mostrado. O Ministro reinterpretou a norma de modo a reservar ao Senado papel de mero

publicador da decisão proferida pela Corte. E ratificando tal entendimento se manifesta o

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33

Ministro Gilmar Mendes asseverando que “a não aplicação geral da lei depende

exclusivamente da vontade de um órgão eminentemente político e não dos órgãos judiciais

incumbidos da aplicação cotidiana do direito”.28

O contra argumento doutrinário29 ao entendimento proposto na mutação em análise é o

de que o STF em sede de recurso extraordinário, funciona como corte de apelação e não corte

de cassação cabendo-lhe julgar tanto o error in procedendo quanto o error in judicando. Por

isso o resultado de suas análises no controle difuso jamais seriam advindas do julgamento de

uma tese, mas sempre de um caso concreto que requer decisão inter partes, sendo cabível no

entanto que o Senado ratifique o entendimento da Corte e de eficácia geral por entender

necessária tal medida.

Desviando-se do entendimento padrão em franca provocação à ordem estática das

coisas, os votos dos Ilustres Ministros parecem apontar para um norte ainda nebuloso.

Contra o argumento que alega possíveis arbitrariedades nas decisões do controle

difuso, o Ministro Gilmar Mendes seria decisões amparadas pelo princípio da

proporcionalidade.

4.5 - O paradigma do HC-82959

Informativo 372

Título

Lei 8.072/90: Art. 2º, § 1º - 3

Artigo

O Tribunal retomou julgamento de habeas corpus no qual se discute a constitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, que veda a possibilidade de progressão do regime de cumprimento da pena nos crimes hediondos definidos no art. 1º da mesma Lei, em face dos princípios da individualização da pena e da isonomia, bem como se os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, dos quais não resulta lesão corporal grave ou morte, caracterizam-se como hediondos - v.

28 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet – Curso de Direito Constitucional – 4ª Edição – Editara Saraiva – 2009; pag. 1135

29 STRECK, Lenio Luiz; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de; LIMA, Martonio Mon´t Alverne Barreto Lima – A nova perspectiva do Supremo Tribunal Federal sobre o controle difuso: Mutação constitucional e limites da legitimidade da jurisdição constitucional – artigo publicado em ww1.anamatra.org/sites/1200/1223/00001115.doc

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34

Informativos 315 e 334. O Min. Gilmar Mendes, em voto-vista, declarou a inconstitucionalidade do §1º do art. 2º da Lei 8.072/90, com eficácia ex nunc, e deferiu a ordem para que se devolva ao juízo de origem o exame sobre o preenchimento pelo paciente das condições para a progressão de regime. Entendeu que a vedação de progressão de regime prevista na Lei 8.072/90 afronta o direito fundamental à individualização da pena (CF, art. 5º, LXVI), já que, ao não permitir que se considerem as particularidades de cada pessoa, a sua capacidade de reintegração social e os esforços aplicados com vistas à ressocialização, acaba por afetar o núcleo essencial desse direito - limite ao qual a atuação do legislador estaria submetida -, tornando inócua a garantia constitucional. Afirmou que o dispositivo impugnado também ofende o princípio da proporcionalidade, em face da desnecessidade da medida como instrumento de combate à criminalidade, haja vista a existência de outros meios eficazes menos lesivos aos direitos fundamentais, e, ainda,apresenta incoerência, porquanto impede a progressividade, mas admite o livramento condicional após o cumprimento de dois terços da pena (CP, art. 83, V). Salientou, ainda, a incidência do disposto no art. 27 da Lei 9.868/99 também no controle incidental, e, considerando o reiterado posicionamento do Tribunal quanto ao reconhecimento da constitucionalidade da vedação da progressão de regime nos crimes hediondos e as possíveis conseqüências decorrentes da referida declaração nos âmbitos civil, processual e penal, ressaltou que o efeito ex nunc conferido deve ser entendido como aplicável às condenações que envolvam situações passíveis de serem submetidas ao regime de progressão. Quanto às demais questões levantadas, manteve a orientação da Corte no sentido de que o atentado violento ao pudor, tanto na forma simples quanto qualificada, é considerado crime hediondo, e de que incide a causa de aumento prevista no inciso III do art. 226 do CP. O julgamento foi suspenso com o pedido de vista da Min. Ellen Gracie. HC 82959/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 2.12.2004.

4.6 - O Superior Tribunal de Justiça entra na nova tendência

Também no Superior Tribunal de Justiça começa a se dissipar a neblina, parecendo

que a abstrativização é uma tendência na medida em que acompanha o entendimento do

Supremo em decisões como a referida progressão de regime prisional, no Resp 763.812/RS30:

“CRIMINAL. RESP. LATROCÍNIO. OFENSA AO ART. 619 DO CPP. NÃO VERIFICAÇÃO. MANIFESTAÇÃO DO STF SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2º, § 1º, DA LEI N.º 8.072/90. DESNECESSIDADE DE DELIBERAÇÃO PELO ÓRGÃO ESPECIAL DO TRIBUNAL A QUO ACERCA DE SUA INCONSTITUCIONALIDADE. REGIME INTEGRALMENTE FECHADO. CONSTITUCIONALIDADE. LEI N.º 9.455/97. EXCLUSIVIDADE DOS CRIMES DE TORTURA. RECURSO PROVIDO.”

Também no Resp 828.106/SP31, de relatoria do Ministro Teori Albino Zavascki fica

clara a tendência abstrativicionista:

30 REsp 763812 / RS – Relator: Ministro GILSON DIPP – Turma: T5 - QUINTA TURMA – Data do julgamento: 06/10/2005 – Publicação: DJ 24/10/2005 p. 378

31 Resp 828.106/SP – Relator: Ministro Teori Albino Zavascki – 1ª Turma – Julgamento: 06/10/2005 – DJ 24/10/2005- p. 378

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35

“A inconstitucionalidade é vício que acarreta vício ex tunc do ato normativo, que, por isso mesmo, é desprovido de aptidão para incidir eficazmente sobre os fatos jurídicos desde então verificados, situação que não pode deixar de ser considerada. também não pode ser desconsiderada a decisão do STF que reconheceu a inconstitucionalidade. embora tomada em controle difuso, é decisão de incontestável e natural vocação expansiva, com eficácia imediatamente vinculante para os demais tribunais, inclusive o STJ. (CPC, art. 481, § único: ‘os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do supremo tribunal federal sobre a questão’), e com força de inibir a execução de sentenças judiciais contrárias, que se tornam inexigíveis (...). sob esse enfoque, há idêntica força de autoridade mas decisões do STF em ação direta quanto nas proferidas em via recursal. merece aplausos essa aproximação, cada vez mais evidente, do sistema do controle difuso de constitucionalidade ao do concentrado, que se generaliza também em outros países (...). no atual estágio de nossa legislação ... é inevitável que se passe a atribuir efeito de publicidade às resoluções do senado previstas no art. 52, x, da constituição. é o que defende em doutrina o ministro Gilmar Ferreira Mendes...”

As justificativas para esse novo entendimento a respeito da eficácia para todos no

controle difuso repousariam na força normativa da Constituição, no princípio da supremacia

da Constituição e a sua aplicação uniforme a todos os destinatários, o STF enquanto guardião

da Constituição e seu intérprete máximo32 e na dimensão política das decisões do STF.

4.7 - A barreira do art. 52, X da CRFB

O Supremo Tribunal Federal detém a competência para julgar tanto as ações do

controle concentrado quanto as do controle difuso que lhe chegam por meio dos recursos

extraordinários.

A eficácia erga omnes das decisões é marca do controle concentrado, vinculando

juízes, tribunais e órgãos da administração pública independentemente de manifestação do

Senado Federal.

Ocorre, no entanto que ao se falar em eficácia erga omnes no controle difuso um

impeditivo constitucional se faz presente na forma do art. 52, X da Constituição Federal, que

32 Ponto nevrálgico da discussão. Onze pessoas (Ministros) tomando decisões que vão reger milhares de relações jurídicas. Embora isso seja uma realidade no controle concentrado, no controle difuso os interesses subjetivos suscitam uma universalidade imprevisível de temas que poderiam ser apreciados pela Corte. Para alguns parece que o STF está a concentrar poder em demasia. Para outros, a ineficácia e a indolência legislativa do Senado seriam as causas dessa concentração de poder do STF que acabaria legislando diretamente ao vincular a todos com suas decisões também no controle difuso.

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prevê a competência privativa do Senado Federal para suspender no todo ou em parte a

execução de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal

Federal. Assim, mesmo que a declaração de inconstitucionalidade da lei pudesse aproveitar a

um número indeterminado de interessados, repousa estaticamente nas mãos do Senado a

possibilidade de sua suspensão.

Procedimento para se chegar à aplicação do art. 52, X, da CF/88: Declarada a

inconstitucionalidade em controle difuso de forma incidental, em sede de recurso

extraordinário, desde que a decisão seja definitiva e deliberada por maioria absoluta do pleno

(cláusula de reserva de plenário, art. 97 da CF/88), o art. 178 do RISTF (regimento interno da

Corte), determina que será feita a comunicação à autoridade ou órgão interessado e depois do

trânsito em julgado ao Senado Federal para os efeitos do art. 52, X da CF/88. Este por sua vez

estabelece a competência privativa do Senado para através do instrumento da resolução

suspender a execução no todo ou em parte da lei declarada inconstitucional por decisão

definitiva do STF. O art. 386 do RISF (regimento interno do Senado), estabelece que o

Senado conhecerá da declaração, proferida em decisão definitiva pelo STF, de

inconstitucionalidade, total ou parcial de lei mediante: a) comunicação do Presidente do

Tribunal; b) representação do Procurador Geral da República; c) projeto de resolução de

iniciativa da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania; o art. 387 do RISF prevê a

juntada de todos esses documentos, projetos e pareceres e o art. 388 estabelece leitura em

plenário da casa legislativa e encaminhamento à CCJ que formulará o projeto de resolução

suspendendo a execução da lei no todo ou em parte, conforme a previsão do art. 52, X da

CF/88.

Como exemplo da atuação do Senado na suspensão de leis temos a RSF 12/2006

retirada da tela do Senado federal no seu formato original:

Senado Federal Subsecretaria de Informações

Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial.

Faço saber que o Senado Federal aprovou, e eu, Renan Calheiros, Presidente, nos termos dos arts. 48, inciso XXVIII, e 91, inciso II, do Regimento Interno, promulgo a seguinte

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RESOLUÇÃO Nº 13, DE 2006

Suspende a execução do art. 7º, I e II, e art. 27 da Lei Municipal nº 6.989, de 29 de dezembro de 1966, com a redação dada, respectivamente, pela Lei Municipal n º 10.921, de 30 de dezembro de 1990, e Lei Municipal nº 10.805, de 27 de dezembro de 1989, todas do Municíp io de São Paulo, no Estado de São Paulo.

O Senado Federal resolve:

Art . 1º É suspensa a execução do art. 7º, I e II, e art. 27 da Lei Municipal nº 6.989, de 29 de dezembro de 1966, com a redação dada, respectivamente, pela Lei Municipal nº 10.921, de 30 de dezembro de 1990, e Lei Municipal nº 10.805, de 27 de dezembro de 1989, todas do Município de São Paulo, em virtude de declaração de inconstitucionalidade em decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, nos autos do Recurso Extraordinário nº 210.586-4 - São Paulo.

Art . 2º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação. Senado Federal, em 7 de março de 2006.

Trata-se do resultado do julgamento do STF em controle difuso por via incidental que

declarou inconstitucional a norma municipal no julgado do recurso extraordinário 210.586-

4/SP.

Vendo como se dá na prática e como afeta as vidas de milhares de pessoas o intérprete

do direito deve refletir levando em conta a vontade do legislador (art. 52, X da CF/88) que

deveria, ao menos em tese, ser o reflexo da vontade do povo. O procedimento estabelecido

pelo regimento interno do Senado Federal para atender o comando constitucional estabelece

confecção e reapreciação obrigatória do projeto pela CCJ, comissão da mais alta relevância

para o estado democrático de direito, que se traduz na voz do cidadão dentro do Senado. O

desgaste das casas legislativas, com destaque para o Senado Federal põe em risco estruturas

importantes como a que foi mostrada, já que a sua não atuação reiterada parece alimentar as

tendências abstrativistas no controle difuso.

O fato é que há um movimento de ampliação da jurisdição constitucional no STF que

sinaliza para uma possível objetivização do controle difuso nas decisões que julgam os

recursos extraordinários.

Na lição do Professor e Ministro Gilmar Ferreira Mendes: O recurso extraordinário

"deixa de ter caráter marcadamente subjetivo ou de defesa de interesses das partes, para assumir, de forma decisiva, a função de defesa da ordem constitucional objetiva (…) a função do Supremo nos recursos extraordinários – ao menos de modo imediato – não é a de resolver litígios de fulano ou beltrano, nem a de revisar todos os pronunciamentos das Cortes inferiores. O processo entre as partes, trazido à Corte

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via recurso extraordinário deve ser visto apenas como pressuposto para uma atividade jurisdicional que transcende os interesses subjetivos."

Há que se reconhecer também a transcendência dos interesses subjetivos já aferida na

admissibilidade do próprio recurso extraordinário quando da análise de sua repercussão geral,

requisito sem o qual não é recebido.

A Constituição de 1934 introduziu no ordenamento pátrio a prerrogativa ao Senado

Federal de dar eficácia geral à decisão do Supremo Tribunal Federal que declarar a

inconstitucionalidade de lei em sede de controle difuso. Na Constituição de 1988 tal

precedente veio vazado no art. 52, inciso X, verbis:Art. 52. Compete privativamente ao

Senado Federal: X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada

inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.

Na doutrina, há sintomas de negação a tal assertiva constitucional. Ultrapassada é a

palavra utilizada pelo Ministro Gilmar Mendes quando expõe: “A amplitude conferida ao

controle abstrato de normas e a possibilidade de que se suspenda, liminarmente, a eficácia de

leis ou atos normativos, com eficácia geral, contribuíram, certamente, para que se mitigasse a

crença na própria justificativa desse instituto, que se inspirava diretamente numa concepção

de separação de poderes – hoje necessária e inevitavelmente ultrapassada” 33

O Ilustre Ministro se refere à suspensão cautelar da norma no controle concentrado de

constitucionalidade, que realmente demonstra o poder conferido ao Supremo Tribunal Federal

de manipular a eficácia de normas tidas como incompatíveis com a Lei maior, como se dá no

mencionado art. 52, inciso X da Constituição. Reserva essa tida com exclusividade e total

discricionariedade ao Senado Federal em se tratando de decisão advinda do controle concreto

de normas. Seria obsoleto, segundo o Eminente Ministro, e atribuído à razões meramente

históricas a existência do referido instituto da suspensão da Lei pelo Senado Federal do qual

trata o art. 52, inciso X da Constituição.

Há ainda o relevante argumento que expõe a aparente fragilidade hodierna do preceito

constitucional em comento, quando se constata a indolência do Senado em qualquer

participação nos processos em sede de STF que importem mutação constitucional,

33 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet – Curso de

Direito Constitucional – 4ª Edição – Editara Saraiva - 2008

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interpretação conforme à Constituição, declaração parcial de inconstitucionalidade sem

redução de texto, rejeição de arguição de inconstitucionalidade, recepção e não recepção de

normas pré-constitucionais, além da já citada autonomia do STF em se tratando de controle

concentrado, incluindo a suspensão liminar de normas, restando ao Senado o único e isolado

papel de controlador final da amplitude das decisões do controle difuso, que ao seu alvedrio

podem ou não ser abstrativizadas.

Transcendência dos motivos determinantes: gerador indireto de eficácia erga omnes

Ao se declarar a inconstitucionalidade de uma norma no controle difuso, a via

utilizada para tal é a incidental. Ocorre declaração prejudicial ao mérito no curso do processo

através de incidente de inconstitucionalidade instaurado pelas partes ou em se tratando de 1º e

2º graus de instância ordinária de ofício pelo juiz ou tribunal (arts. 480, 481 do CPC e art. 97

da CF). Tal decisão declaratória constará da fundamentação da sentença que terá em seu

dispositivo a solução da matéria de fundo que aguardava a resolução do incidente de

inconstitucionalidade, ou seja, o julgamento do mérito afetado pelo ação declaratória

incidental à demanda. É nos fundamentos da sentença que se encontra o foco da questão da

transcendência, porque é na fundamentação que repousam os motivos que levaram o julgador

a decidir. Esses motivos podem ser perfeitamente aplicáveis, vale dizer, podem alicerçar

decisões de demandas similares a que fora antes decidida fazendo com que não se necessite

julgar novamente incidentes de inconstitucionalidade idênticos ao que já fora cristalizado. O

parágrafo único do art. 481, do CPC trata exatamente dessa questão, verbis: “Os órgãos

fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de

inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo

Tribunal Federal sobre a questão.” O comando em análise esta a dizer que os motivos que

embasaram a declaração de inconstitucionalidade ou da constitucionalidade da norma

impugnada, em incidente anterior se torna paradigma para demandas que venham a conter em

seu bojo incidentes idênticos. A esse paradigma dá-se o nome de transcendência dos motivos

determinantes. O sempre esclarecedor Ministro Celso de Mello, no julgado do RE 197.917

(Redução do número de vereadores – Miraestrela) manifesta seu pensamento, quando diz que

o Ministro Gilmar Mendes:

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“...ressaltou a aplicabilidade, ao E. Tribunal Superior Eleitoral, do efeito vinculante

emergente da própria ratio decidendi que motivou o julgamento do precedente mencionado

(...) torna-se relevante salientar, na linha do que destacou o Eminente Ministro Gilmar

Mendes, que esta Suprema Corte deu efeito transcendente aos próprios motivos determinantes

que deram suporte ao julgamento plenário do RE 197.917/SP. Esse aspecto assume relevo

indiscutível, pois permite examinar a presente controvérsia constitucional em face do

denominado efeito transcendente dos motivos determinantes subjacentes à decisão

declaratória de inconstitucionalidade proferida no julgamento plenário do RE 197.917/SP.”

De acordo com o exposto, o intérprete nota o alcance vinculante da transcendência das

fundamentações das sentenças, e inevitavelmente acaba por se questionar sobre a necessidade

de se conceder ao STF o poder de cristalizar entendimento erga omnes no âmbito subjetivo do

controle difuso se o sistema jurídico prevê o já poderoso instituto da transcendência dos

motivos determinantes a vincular novos julgados. A prova disso é que outras demandas

idênticas à do Município de Miraflores foram julgadas na sequência com total aproveitamento

dos motivos que embasaram o RE 197.917/SP.

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5 - CONCLUSÃO

A supremacia constitucional dá ao STF e ao Senado Federal papéis vitais no sistema

jurídico-político do país. A abstração natural do controle concentrado é garantida pela

constituição e presume-se a vontade do povo, o que autoriza as decisões que cuidam das ações

de caráter eminentemente público. Ocorre que é igualmente presumida a vontade do titular do

poder quando autoriza no texto constitucional o filtro do Senado pelo qual devem passar as

decisões do STF em controle difuso. Para evitar o crivo senatorial uma mutação

constitucional questionável foi levada a cabo, reduzindo o Senado à condição de órgão

publicador das decisões do STF no controle difuso. A ineficiência do Senado que tanto

desgaste lhe causou pode ser a causa da tendência abstracionista no STF. As resoluções do

Senado que conferem eficácia geral às decisões da Corte são escassas em relação à frequência

com que estas se dão. Muitos dos milhares de processos que abarrotam os tribunais do país se

aproveitariam da eficácia geral das decisões não fosse a indolência do Senado. Essa pode ser a

explicação mais lógica do fenômeno. Outra explicação, menos refinada e nada jurídica

repousa no significativo aumento da extensão do poder que parece atrair alguns Ministros do

STF que passariam, de acordo com o entendimento dado pela mutação constitucional do art.

52, X da CF/88, a legislar de fato no mundo privado das lides inter subjetivas.

Ocorre, no entanto que tal poder subjugaria massivamente o livre convencimento do

juiz com especial prejuízo no âmbito do 1º grau de jurisdição, que atualmente já sofre com a

inevitável ineficácia de suas sentenças haja vista que somente os acórdãos proferidos em

segundo grau fazem algum juízo de certeza para os contendores.

Amarrar todo o judiciário brasileiro construído predominantemente sobre os

fundamentos da civil law ao sistema de precedentes advindos da abtrativização do controle

difuso, desfigura o sistema, tornando-o em modelo híbrido de common law e civil law, onde

concorreriam leis positivadas com precedentes igualmente positivados.

O Brasil não está pronto, seja culturalmente, seja tecnicamente para a common law.

Somente o tempo e a maturidade de um povo pode livrá-lo das amarras restritas das regras em

prol da confiabilidade advinda de mentes técnicas que operam o direito mais do que aplicam

regras e que interpretam seu próprio passado com respeito pelos precedentes com a devida

habilidade de adaptá-los ao mundo hodierno.

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6 - REFERÊNCIAS

______, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,

DF, Senado, 1988.

_______, Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil

_______, Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre o processo e

julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de

constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.

REsp 763812 / RS – Relator: Ministro GILSON DIPP – Turma: T5 - QUINTA TURMA – Data do julgamento: 06/10/2005 – Publicação: DJ 24/10/2005 p. 378

Resp 828.106/SP – Relator: Ministro Teori Albino Zavascki – 1ª Turma – Julgamento: 06/10/2005 – DJ 24/10/2005- p. 378

RE 197917 SP – Relator - Min. MAURÍCIO CORRÊA – Julgamento: 04/06/2003 – publicação: DJ 10/09/2003 PP-00031

RE 117805 / PR - PARANA - Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - Julgamento: 04/05/1993 - Órgão Julgador: Primeira Turma – Publicação - DJ 27-08-1993 PP-17022

LENZA, Pedro – Direito Constitucional Esquematizado – 15ª Edição – Editora Saraiva - 2011

FERRARESI, Eurico – Ação Popular, Ação Civil Pública e Mandado de

Segurança Coletivo – Instrumentos Processuais Coletivos – 1ª Edição – Editora Forense – 2009

BARROSO, Luis Roberto – O controle de constitucionalidade no direito Brasileiro, 3ª Edição – Saraiva – 2008 MARSHALL, John - Decisões constitucionaios de Marshall, p22

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43

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AZEVEDO, Antonio Junqueira de – Negócio Jurídico, existência, validade e eficácia – 4ª Edição, Ed. Saraiva, 2010

PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo – Direito Constitucional Descomplicado – 7ª Edição – Editora Método - 2011

SANTOS, Moacyr Amaral dos – Primeiras Linhas de Direito Processual Civil V.3 – 2ª Edição – Editora Saraiva – 2008

DONIZETTI, Elpídio – Curso Didático de Direito Processual Civil – 12ª Edição – Editora Lumen Juris – 2009 – Rio de Janeiro

DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da – Curso de direito processual civil, Vol 3 – 7ª Edição – 2009 - Editora Podium

JR, Paulo Hamilton Siqueira – Direito Processual Constitucional – 5ª Edição – Editora Saraiva – 2011

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http://www.stf.jus.br