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Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro A Abstrativização do Controle de Constitucionalidade: Extensão da Eficácia Vinculante e Geral às Decisões do Supremo Tribunal Federal em Controle Difuso Tassiana da Costa Cabral Rio de Janeiro 2013

Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro A ... · ... a abstrativização do controle difuso de ... adoção do instituto da repercussão geral e a tese da transcendência

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Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro

A Abstrativização do Controle de Constitucionalidade: Extensão da Eficácia Vinculante

e Geral às Decisões do Supremo Tribunal Federal em Controle Difuso

Tassiana da Costa Cabral

Rio de Janeiro

2013

TASSIANA DA COSTA CABRAL

A Abstrativização do Controle de Constitucionalidade: Extensão da Eficácia

Vinculante e Geral às Decisões do Supremo Tribunal Federal em Controle Difuso

Artigo Científico apresentado como

exigência de conclusão de Curso de Pós-

Graduação Lato Sensu da Escola de

Magistratura do Estado do Rio de

Janeiro.

Professores Orientadores:

Mônica Areal

Néli Luiza C. Fetzner

Nelson C. Tavares Junior

Rio de Janeiro

2013

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A ABSTRATIVIZAÇÃO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE:

EXTENSÃO DA EFICÁCIA GERAL E VINCULANTE ÀS DECISÕES DO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM CONTROLE DIFUSO

Tassiana da Costa Cabral

Graduada pela Universidade Federal do

Rio de Janeiro. Advogada.

Resumo: O objeto do presente artigo científico permeia o instituto denominado pela

doutrina de “abstrativização do controle de constitucionalidade difuso”. A polêmica do

tema refere-se à possibilidade de obtenção dos efeitos normativos próprios do controle

abstrato de constitucionalidade no julgamento de casos do controle concreto, sem a

intervenção do Senado Federal. Nesse sentido, discute-se a extensão do efeito

vinculante e geral às decisões de controle de constitucionalidade difuso proferidas pelo

Supremo Tribunal Federal à luz do sistema jurídico brasileiro, analisando a supremacia

da Constituição, o principio da separação dos poderes e o ativismo judicial.

Palavras-Chave: Controle Difuso de Constitucionalidade. Suspensão da lei pelo

Senado Federal. Efeito Vinculante. Mutação Constitucional

Sumário: Introdução. 1. Abstrativização do controle de constitucionalidade: extensão

da eficácia vinculante e geral às decisões do Supremo Tribunal Federal em controle

difuso. Conclusão. Referencias. 2. A ampliação do modelo concentrado de controle de

constitucionalidade. 3. Mutação Constitucional do art.52, X da CRFB. 4. A súmula

vinculante como mecanismo de extensão da eficácia geral e vinculante às decisões de

controle difuso. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

O controle de constitucionalidade é um instrumento de garantia da Constituição

que pressupõe a supremacia e a rigidez constitucional, consistindo na verificação da

adequação de uma lei ou de um ato normativo com a Constituição, analisando a

compatibilidade com seus requisitos formais e materiais.

Dentro deste tema genérico, o objeto de estudo do presente artigo científico

trata da denomina abstrativização do controle de constitucionalidade difuso, em

especial, a possibilidade de extensão da eficácia vinculante e erga omnes às decisões

emitidas em sede de controle difuso pelo Supremo Tribunal Federal.

3

No que tange as modalidades de controle de constitucionalidade, o Brasil,

desde sua primeira Constituição republicana de 18911, adotou o sistema jurisdicional de

controle difuso de constitucionalidade, por via de exceção ou incidental, que perdurou

nas constituições sucessivas até hoje. Entretanto, com a evolução do constitucionalismo

brasileiro foram introduzidos elementos do modelo concentrado, de modo que

atualmente o Brasil caracteriza-se por um sistema de constitucionalidade híbrido ou

misto, convivendo simultaneamente o controle difuso e o controle concentrado.

O controle difuso permite a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato

normativo por todos os juízes ou Tribunais na apreciação de um caso concreto posto em

julgamento, que, via de regra, produz efeitos restritos às partes do processo (inter

partes). No entanto, o artigo 52, X da CRFB/88 possibilita que essa decisão gere efeitos

gerais (erga omnes), desde que o Senado Federal suspenda a execução da lei ou ato

normativo declarado inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal

Federal em sede de controle difuso.

Assim, através do exercício da competência privativa do Senado há a conversão

da eficácia inter partes da decisão de controle difuso em eficácia erga omnes,

alcançando a todos e evitando decisões contraditórias entre os Tribunais Superiores.

Por sua vez, no controle concentrado a declaração de constitucionalidade ou

inconstitucionalidade da norma produz efeitos gerais e vinculantes automaticamente,

por força do art. 102, §2º da CRFB/88 e o art. 28, parágrafo único, da Lei n. 9.868/99.

Ocorre que, apesar da consagração desses dois modelos de controle

constitucional, observa-se uma clara tendência do Supremo Tribunal Federal em operar

uma convergência entre esses dois sistemas, de modo que se verifica um diálogo intenso

1 Constituição Federal do Brasil de 1891 - "Art. 59, § 1.° Das sentenças das justiças dos Estados em

última instância haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal (b) quando se contestar a validade de

leis ou de atos de governos dos Estados em face da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do

tribunal do Estado considerar validos esses atos, ou essa leis impugnadas."

4

entre o controle difuso-concreto e concentrado-abstrato, aplicando instrumentos

próprios de um modelo em outro.

Neste contexto, destacamos o fenômeno da abstrativização do controle difuso,

no que tange a possibilidade de extensão da eficácia geral e vinculante às decisões de

inconstitucionalidade proferidas pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito do controle

difuso, sem a intervenção do Senado Federal.

Atualmente, o debate sobre o tema gira em torno da literalidade do artigo 52, X

da CRFB/88, o qual atribui exclusivamente ao Senado Federal a suspensão da execução

de lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle

difuso, e sua possível mutação constitucional frente a nova realidade do controle de

constitucionalidade brasileiro

1. A ABSTRATIVIZAÇÃO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE:

EXTENSÃO DA EFICÁCIA GERAL E VINCULANTE ÀS DECISÕES DO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM CONTROLE DIFUSO

O termo abstração significa que o processo de fiscalização da Constituição surge

à margem de um caso judicial, ou seja, a norma constitui o objeto principal do controle

de constitucionalidade. Enquanto que concreção deriva da relação de prejudicialidade

da questão inconstitucional com o caso judicial em exame, pois a norma impugnada há

de ser aplicada à resolução do caso concreto, o que vincula a decisão do Tribunal a um

caso concreto.2

A ideia principal da abstrativização do controle de constitucionalidade difuso

compreende a possibilidade de decidir de forma abstrata a constitucionalidade do ato

normativo no julgamento de casos concretos em sede de controle difuso, ou seja, utilizar

2 MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira; TAVARES, André Ramos. Lições de

Direito Constitucional: em homenagem ao jurista Celso Bastos. São Paulo: Saraiva, 2005, p.376-377.

5

institutos próprios do controle abstrato no controle concreto de constitucionalidade, de

forma a converter um processo tipicamente subjetivo em processo de características e

elementos inegavelmente objetivos.

Nesse sentido, alguns3 preferem utilizar a denominação “objetivação do controle

concreto”, se reportando ao controle concentrado que é um processo objetivo, em

contraposição ao controle difuso, que é um processo subjetivo envolvendo interesses

litigiosos de determinadas partes.

Então, a abstrativização do controle difuso de constitucionalidade como

fenômeno compreende a utilização de mecanismos do controle abstrato em sede de

controle difuso. Todavia, no presente artigo cuidar-se-á na possibilidade de concessão

de efeitos gerais e vinculantes, que são próprios do controle abstrato, às decisões

proferidas em sede de controle difuso pelo Supremo Tribunal Federal.

A polêmica se refere à possibilidade de obtenção dos efeitos normativos

próprios do controle concentrado-abstrato de constitucionalidade nos julgamentos de

casos próprios do controle difuso-concreto, sem a intervenção do Senado Federal.

Esse tema atualmente está em discussão na Reclamação Constitucional n.

4.335/AC4, ajuizada pela Defensoria Pública da União contra decisões da Vara de

Execução Penal da Comarca de Rio Branco do Estado do Acre, sob a alegação de

descumprimento da decisão do Supremo Tribunal Federal no “Habeas Corpus” n.

82.959, no qual a Corte incidentalmente declarou inconstitucional a vedação de

3 SLAIBI FILHO, Nagib. Transição do controle de constitucionalidade incidental para os efeitos

genéricos (notas). Disponível em: <http://www.nagib.net/index.php/publicacoes/artigos/constitucional--

administrativo--teoria-do-direito/1115-transicao-do-controle-de-constitucionalidade-incidental-para-os-ef

eitos-genericos-notas>. Acesso em: 23 abr. 2013. 4 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Reclamação Constitucional n. 4.335/AC, Relator: Ministro Gilmar

Mendes. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo463.htm>.

Acesso em: 20 jan. 2013.

6

progressão de regime no cumprimento de pena prevista na Lei de Crimes Hediondos,

com efeitos ex nunc, de modo a não gerar consequências às penas já extintas.

A tese alegada pela Defensoria Pública da União é que a decisão do magistrado

violou a autoridade vinculante do julgado do Pretório Excelso em sede de controle

difuso, por não estender a outros casos o precedente firmado pela Corte no referido

“Habeas Corpus”.

Atualmente, esta reclamação ainda está em tramite, constituindo objeto de

controvérsia no próprio Supremo Tribunal Federal, onde já é possível averiguar a

formação de dois posicionamentos distintos.

O relator, Ministro Gilmar Ferreira Mendes, entendeu que devido à ampliação

do controle concentrado, bem como diante da multiplicação de decisões dotadas de

eficácia geral, ocorreu uma mutação constitucional do artigo 52, X da CRFB/88, no

sentido que a decisão definitiva de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo

proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de controle incidental, terá efeitos

gerais e vinculantes, cabendo ao Senado Federal apenas dar publicidade a referida

decisão no Diário do Congresso, uma vez que a própria decisão do Supremo teria força

normativa suficiente para suspender a execução da lei.

Dessa forma, ele julgou procedente a reclamação, no que foi acompanhado

pelo Ministro Eros Graus.

Assim, segundo a tese sustentada pelos ilustres Ministros, as decisões do

Supremo Tribunal Federal em controle difuso teriam eficácia geral e vinculante, de

forma que este efeito decorreria, automaticamente, da própria decisão de

inconstitucionalidade e não mais da resolução suspensiva do Senado Federal, o qual

caberia tão-somente dar publicidade a decisão da Corte.

7

Como resultado, as decisões em controle abstrato e difuso se equivaleriam

quanto aos efeitos, de modo que todas as decisões de inconstitucionalidade proferidas

pelo Supremo Tribunal Federal teriam eficácia geral obrigatória, o que geraria uma

profunda mudança na sistemática do controle de constitucionalidade.

Todavia, os Ministros Sepúlveda Pertence e Joaquim Barbosa, foram contrários

a tal proposta, não conhecendo a reclamação e entendendo pela constitucionalidade e

validade do art.52, X da CRFB/88, refutando a tese da mutação constitucional,

defendendo ainda, que no nosso ordenamento já existe o mecanismo da Súmula

Vinculante, instituído pela Emenda Constitucional n.45/04, para dar efeitos gerais e

vinculantes às decisões no controle de constitucionalidade difuso.

Diante desse panorama, cabe analisar alguns pontos centrais dessa nova tese

que propõe o Ministro Gilmar Mendes, acompanhando do Ministro Eros Grau.

2. A AMPLIAÇÃO DO MODELO CONCENTRADO DE CONTROLE DE

CONSTITUCIONALIDADE

Com o advento da Constituição de 1988 ocorreu uma significativa ampliação do

modelo concentrado, primeiro com o alargamento do rol dos legitimados ativos para

propositura de ação direta perante o Supremo Tribunal Federal, nos termos do art.103

da CRFB/88, depois com a criação da ação declaratória de constitucionalidade pela

Emenda Constitucional n.03/93, disciplinada na Lei n. 9.868/89, e da ação de

descumprimento de preceito fundamental, regulamentada pela Lei n. 9.882/92.

Assim, com a nova ordem constitucional ocorreu um enfraquecimento do

controle difuso-incidental, uma vez que, mediante o processo de controle concentrado-

abstrato de normas, todas as controvérsias constitucionais passaram a ser submetidas ao

8

conhecimento do Supremo Tribunal Federal, que, inclusive, dispõe de competência para

suspender liminarmente a eficácia da lei ou do ato normativo questionado.

Neste contexto de primazia do controle concentrado de constitucionalidade em

relação ao controle difuso é que surgiu a tendência, hoje em fase de discussão, de se

adotar como regra a eficácia geral e vinculante das decisões de inconstitucionalidade da

Corte Suprema.

Esta nova orientação é precedida por diversas causas, dentre as quais cumpre

apontar: as alterações legislativas introduzidas no Código de Processo Civil pela Lei n.

9.756/98 e Lei n. 9.868/10, que deram nova redação aos art. 481 e 557 do CPC, além da

adoção do instituto da repercussão geral e a tese da transcendência dos motivos

determinantes pelo Supremo Tribunal Federal.

A Lei n. 9.756/88 ao introduzir o parágrafo único no art.481 do CPC consagrou

uma exceção a regra de reserva de plenário do art.97 da CRFB/88, pois admitiu a

dispensabilidade do incidente de arguição de inconstitucionalidade ser encaminhado ao

plenário ou órgão especial do Tribunal, quando a inconstitucionalidade já tenha sido

anteriormente reconhecida pelo plenário ou órgão especial do próprio Tribunal ou do

Supremo Tribunal Federal.

Segundo a regra da reserva do plenário, consagrada no art.97 da CRFB/88, os

Tribunais somente poderão declarar a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo

impugnado pelo voto da maioria absoluta dos seus membros ou do órgão especial.

Porém, com o advento do parágrafo único do art.481 do CPC os órgãos

fracionários não estão obrigados a submeter a arguição de inconstitucionalidade ao

plenário ou órgão especial do Tribunal quando já houver pronunciamento deste ou do

plenário do Supremo Tribunal, sobre a matéria.

9

Dessa forma, verifica-se que tal dispositivo atribui significado relevante a

decisão de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal Federal proferida em sede de

controle difuso, pois permite que os órgãos fracionários de todos os Tribunais não mais

submetam a arguição de inconstitucionalidade da norma ao plenário ou órgão especial

do respectiva Tribunal, caso o Supremo já tenha se pronunciado sobre o tema.

Diante disso, Gilmar Mendes5 afirma que as decisões proferidas pelo Supremo

Tribunal Federal, em sede de controle incidental, acabam por ter eficácia que

transcendem o âmbito da decisão, uma vez que alcança todos os órgãos jurisdicionais

ordinários, de forma que o art. 481, parágrafo único do CPC, institui como regra a

eficácia vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal, equiparando os efeitos

da decisão proferida nos processos de controle concentrado e difuso.

Do mesmo modo, Gilmar Mendes6 defende que com o art.557, § 1-A do CPC,

introduzido pela Lei n. 9.756/98, o legislador assentou a possibilidade de estender de

força geral aos efeitos da decisão adotada pela Corte, tanto nos casos de decisão de

inconstitucionalidade incidental, quanto nas hipóteses de fixação de uma interpretação

constitucional pelo Tribunal, uma vez que permite ao relator dar provimento ao recurso

se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com jurisprudência dominante do

Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça.

Assim, tanto o art.481, parágrafo único, do CPC quanto o art. 557, § 1-A do

CPC acabaram conferindo uma certa força vinculante aos provimentos do Supremo

Tribunal Federal, posto que permitem que as decisões do Supremo Tribunal Federal,

seja em controle de constitucionalidade difuso ou concentrado, repercutam nas demais

instancias ordinárias.

5 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

Direito Constitucional. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p.1137. 6 Ibdem, p.1087-1088.

10

Outro instituto que atenta para uma tendência à eficácia geral das decisões em

controle difuso é a repercussão geral.

A repercussão geral foi introduzida pela Emenda Constitucional n.45/2004 no

art. 102, III, §3º da CRFB/88 e disciplinada no art.543-A do CPC, como requisito

preliminar de admissibilidade do recurso extraordinário, que consiste na demonstração

pela parte da existência de questões relevantes do ponto de vista econômico, político,

social ou jurídico, que ultrapassem os limites subjetivos das partes envolvidas no

processo.

Assim, considerando que para o recurso ser admitido perante o Supremo

Tribunal Federal deve se ultrapassar os interesses subjetivos envolvidos na lide, a

compreensão do recurso ganha contornos objetivos quanto ao exame da

constitucionalidade da norma impugnada, de modo que é possível afirmar que com a

repercussão geral ocorre a transcendência dos interesses subjetivos das partes litigante,

ocorrendo uma objetivação do recurso extraordinário.7

Dessa forma, fala-se na abstrativizacão do controle de constitucionalidade

difuso, pois o Supremo Tribunal Federal analisa de forma abstrata a constitucionalidade

da norma impugnada via recurso extraordinário, no exercício do controle difuso, não

levando em consideração os interesses subjetivos das partes.

Por fim, verifica-se uma nova orientação do Supremo Tribunal no sentido de

reconhecer eficácia vinculante não apenas à parte dispositiva do julgado, mas também

aos fundamentos determinantes da decisão, que podem ser invocada como precedente

judicial em outros situações, passando a funcionar como regra geral. 8

7 DIDIER JR., Fredie. O recurso extraordinário e a transformação do controle difuso de

constitucionalidade no Direito brasileiro. In: NOVELINO, Marcelo. Leituras Complementares em Direito

Constitucional: Controle de constitucionalidade e hermenêutica constitucional. 2 ed. Salvador:

Juspodivm, 2008, p. 274. 8 DIDIER JR. Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Teoria geral do processo e processo de

conhecimento. 9 ed. Salvador: Editora Juspodivm, v.1, 2008. p. 69-70.

11

É o que se denomina de transcendência dos motivos determinantes ou da ratio

decedendi, que compreende a possibilidade conferir força vinculante a parte dispositiva

e aos motivos determinantes do julgado, isto é, o núcleo essencial da fundamentação

jurídica que sustenta a decisão, o qual passa a ser observado pelos demais órgãos do

Poder Judiciário e pela Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal,

estadual e municipal.9

Nesta hipótese, confere-se força vinculante a parte dispositiva e aos motivos

determinantes do julgado, isto é, o núcleo essencial da fundamentação jurídica que

sustenta a decisão, o qual passa a ser observado pelos demais órgãos do Poder Judiciário

e pela Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e

municipal.10

Essa tese já foi aplicada pelo Supremo Tribunal Federal em alguns julgados11

de controle de constitucionalidade concentrado.

A controvérsia reside em saber se é possível a aplicação da teoria da

transcendência no controle difuso. No controle incidental a decisão de

inconstitucionalidade encontra-se na fundamentação da sentença, tanto que a declaração

de inconstitucionalidade não faz coisa julgada e produz efeitos apenas inter partes.

Dessa forma, ao se conferir força geral e vinculante aos fundamentos da decisão, estar-

se-ia conferindo eficácia geral e vinculante a própria decisão de controle de

constitucionalidade difuso, que passaria a ser obrigatória a todos.

9 VICENTE PAULO, Marcelo Alexandrino. Direito Constitucional Descomplicado. 7 ed. Rio de Janeiro:

Forense; São Paulo: Método, 2011, p.876-878. 10

Ibidem. 11

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação Constitucional n. 1.987/DF. Relator: Ministro

Maurício Corrêa. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.

asp?s1=%281987%2EPROC%2E%29&base=baseInformativo&url=http://tinyurl.com/as257no>. Acesso

em: 15 mar. 2013. BRASIL. Supremo Tribunal Federal Reclamação Constitucional n. 2.126, Relator:

Ministro Gilmar Mendes. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listar

Jurisprudencia.asp?s1=%282126%2EPROC%2E%29&base=baseInformativo&url=http://tinyurl.com/cjy

d4n7>. Acesso em: 10 mar. 2013.

12

Por isso, para parte da doutrina12

, quando se fala na aplicação da tese da

transcendência dos motivos determinantes no controle difuso, trata-se, na verdade, na

abstrativização do controle de constitucionalidade difuso no sentido de conferir efeitos

gerais e vinculantes as decisões de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal Federal

em controle difuso.

Neste diapasão, considerando toda a ampliação do sistema concentrado de

constitucionalidade e a multiplicação de decisões jurisprudenciais dotadas de eficácia

geral, os ilustres Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau propõem uma releitura do art.

52, X da CRFB/88, defendendo que as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal

Federal em sede de controle incidental acabam por ter eficácia que transcende o âmbito

da decisão, a indicar uma autentica mutação constitucional no sentido que a formula

relativa à suspensão de execução da lei pelo Senado Federal há de ter simples efeito de

publicidade.

3. MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL DO ART.52, X DA CRFB/88

A mutação constitucional é compreendida como um processo informal de

alteração da constituição13

, em que há uma mudança na interpretação da constituição,

com a modificação do significado e sentido da norma, sem alteração da letra do texto.

12

LENZA, Pedro. Op. cit. p.231-235. ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição

constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p.35-136. 13

“Daí a distinção que a doutrina convencionou registrar entre reforma constitucional e mutação

constitucional: a primeira consiste nas modificações constitucionais reguladas pelo próprio texto da

Constituição (acréscimos, supressões, emendas) pelos processos por ela estabelecidos para sua reforma; a

segunda consiste na alteração, não da letra ou do texto expresso, mas do significado, do sentido e do

alcance das disposições constitucionais, através ora da interpretação judicial, ora dos costumes, ora das

leis, alterações essas que, em geral, se processam lentamente, e só se tornam claramente perceptíveis

quando se compara o entendimento atribuído às cláusulas constitucionais em momento diferentes,

cronologicamente afastados um do outro, ou em épocas distintas e diante de circunstancias diversas.”

(FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Processos informais de mudança da Constituição: mutações

constitucionais e mutações inconstitucionais. São Paulo: Max Limond, 1986, p.9.)

13

Em síntese, na mutação constitucional o texto constitucional permanece o mesmo, mas

a norma que se extrai dele é outra.

Assim, parte da doutrina14

denomina mutação constitucional como poder

constituinte difuso, ou seja, como a manifestação de um poder de fato, que decorre da

evolução dos fatores sociais, políticos e econômicos, resultando na alteração do sentido

e do alcance conferido às normas constitucionais, a fim de permanecer em compasso

com a realidade social. 15

Nesse sentido, mutação constitucional está intimamente ligada ao processo de

interpretação e as regras de hermenêutica constitucional16

, pois a norma jurídica é o

resultado de um processo de interpretação do texto normativo, que significa

compreender, investigar e mediar o conteúdo semântico dos enunciados lingüísticos que

formam o texto constitucional, de modo a sempre dar preferência ao sentido da norma

que seja mais adequado aos valores e princípios fundamentais da Constituição.17

Entretanto, a questão que se coloca é saber se o fenômeno da mutação

constitucional alegado pelos Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau este em consonância

com os preceitos do próprio instituto e os limites da jurisdição constitucional.

Esses ilustres Ministros, com fundamento na mutação constitucional, propõe

uma substituição do enunciado do art.52, X da Constituição Federal, de forma a extrair

um novo texto no sentido que compete ao Senado Federal dar publicidade à suspensão

14

BULOS, Uadi Lammêgo.Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p.316. 15

LENZA, Op. cit., p.163. 16

“A hermenêutica tem por objeto investigar e coordenar por modo sistemático os princípios científicos e

leis decorrentes, que disciplinam a apuração do conteúdo, do sentido e dos fins das normas jurídicas e a

restauração do conceito orgânico do direito, para efeito de sua aplicação e interpretação; por meio de

regras e processos especiais procura realizar, praticamente, estes princípios e estas leis científicas; a

aplicação das normas jurídicas consiste na técnica de adaptação dos preceitos nelas contidos assim

interpretados, às situações de fato que se lhes subordinam.” (RAÓ, Vicente. O direito e a vida dos

direitos. São Paulo: Max Limonad, v.2, 1952, p.542. In: MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional,

Op. cit., p.9-10.) 17

CANOTILHO, Op. cit., p.1200.

14

da execução, operada pela Suprema Corte, da lei declarada inconstitucional, no todo ou

em parte, por decisão definitiva do Supremo.

Ocorre que isso seria mais do que um processo de interpretação da norma, uma

vez que haveria a alteração do próprio texto constitucional, o que se afigura totalmente

incompatível com o instituto da mutação constitucional, posto que afronta os limites de

atuação da jurisdição constitucional no que tange as regras de interpretação.

Cumpre salientar que adoção do controle judicial de constitucionalidade torna

o órgão judicial encarregado pela aferição da compatibilidade das leis com a

Constituição, no entanto, deve-se atentar aos limites desse controle para evitar que a

jurisdição constitucional não substitua os órgãos representantes da maioria, passando a

criar normas inconstitucionais.

A atividade jurisdicional não deve esquecer jamais do seu papel central na

afirmação do regime democrático, assim, o juiz constitucional não pode substituir-se ao

legislador constitucional na definição, extensão e intensidade do texto da Lei

Fundamental.18

A hermenêutica tem como limite o próprio texto constitucional, pois a

interpretação gramatical e semântica, além de elemento metodológico de concretização,

funciona como limite à formação de decisões limitativas.19

Desse modo, a mutação constitucional só será legítima quando existir um

espaço de decisão aberto a várias propostas interpretativas no texto normativo, ou seja,

quando se dá sobre preceitos constitucionais abertos e imprecisos que estabeleçam uma

margem para interpretação.

Considerando que o art.52, X da CRFB/88, dispõe de forma clara e precisa a

competência do Senado para suspender a execução de lei declarada inconstitucional

pelo Supremo Tribunal Federal, o texto não deixa aberto a interpretações diversas do

18

STRECK, Lênio Luiz. Op. cit. p.108. 19

PEIXINHO, Manoel Messias; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly: Os

Princípios da Constituição de 1988. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.152.

15

seu núcleo. Assim, fica insustentável extrair da norma a possibilidade semântica de

reduzir o Senado a mero órgão publicador das decisões do Supremo.

Ademais, a referida norma está presente na história do constitucionalismo

brasileiro desde a CRFB/3420

, o que revela uma tradição no controle difuso de

constitucionalidade atribuir ao Senado Federal a possibilidade de suspender a execução

da lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em controle difuso, no

escopo de conferir eficácia geral decisão Supremo Tribunal Federal que, originalmente,

tinha efeitos restritos as partes litigantes.21

Com efeito, observa-se no controle difuso de constitucionalidade uma divisão

de tarefas estabelecida na Constituição: ao órgão judiciário compete à declaração da

inconstitucionalidade da lei ou ato normativo e ao órgão político compete

privativamente à suspensão da execução da referida lei, operando uma integração dos

órgãos soberanos em favor da constitucionalidade das leis e da unidade e harmonia do

sistema jurídico.

Nesse sentido, não é constitucional uma interpretação contrária aos próprios

princípios estruturantes e organizatórios da Constituição, que importe a alteração da

repartição de competências estabelecidas pelo Poder Constituinte Originário. Isso fere a

lógica do principio da interpretação conforme a Constituição e do principio

hermenêutico da conformidade funcional, que assevera que a interpretação da norma

constitucional não pode chegar a um resultado que subverta o esquema organizatório-

funcional constitucionalmente estabelecido.22

20

“Compete ao Senado Federal (...) IV - suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou

ato, deliberação ou regulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário;”

(BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1934, art.91. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao34.htm>. Acesso em: 24 abr.

2013.) 21

MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. A teoria das constituições rígidas. São Paulo: Bushtasky,

1980, p.183. 22

CANOTILHO, Op. cit., p.1224 e 1229.

16

Ainda, os argumentos utilizados em favor da tese da mutação constitucional do

art.52, X da CRFB/88, a saber, a ampliação do controle de constitucionalidade e a

economia processual, não são suficientes a sustentar uma construção interpretativa que

busca a usurpação da competência do Senado Federal na sistemática do controle de

constitucionalidade difuso estabelecido pelo constituinte.

Primeiro, partir de mudanças normativas infraconstitucionais para fundamentar

uma nova interpretação do dispositivo constitucional previamente estabelecida pelo

constituinte, importaria numa interpretação da constituição conforme as leis e não das

leis conforme a constituição, de modo que ter-se-ia, assim, uma legalidade a sobrepor-se

à constitucionalidade das leis.23

Segundo, deve-se atentar que a economia processual é um meio para atender o

interesse social e não um fim em si mesma, devendo ser ponderada com os demais

princípios constitucionais basilares do Estado Democrático de Direito.

Portanto, essa mutação agride as possibilidades semânticas do texto

constitucional, resultando em uma inovação não comportada por tal enunciado, que

viola o princípio da separação dos poderes24

, que é clausula pétrea conforme o art.60,

§4º da CRFB/88, o que implica no reconhecimento de uma interpretação desconforme a

Constituição. Cuida-se, portanto, de uma mutação inconstitucional.

23

Ibidem, p.1234. 24

“O principio da separação dos poderes é um princípio fundamental de organização política que

compreende a divisão funcional dos poderes em plano horizontal, isto é, as funções soberanas do Estado

devem ser separadas e atribuídas a órgãos distintos, autônomos e independentes entre si. Por meio desta

teoria, cada Poder corresponderia a uma função principal e prevalente, e passaria a realizá-la de forma

autônoma independente, não mais se concentrando nas mãos de um soberano, consagrando a teoria dos

freios e contrapesos.” (DALLARI, Dalmo de Abreu, Elementos de teoria geral do Estado. 16 ed. São

Paulo: Saraiva, 1991, p. 184-185.)

17

4. A SÚMULA VINCULANTE COMO MECANISMO DE EXTENSÃO DA

EFICÁCIA GERAL E VINCULANTE ÀS DECISÕES DE CONTROLE DIFUSO

A súmula vinculante foi introduzida pela Emenda Constitucional n.45/2004 no

art. 103-A da CRFB/88, que confere ao Supremo Tribunal Federal o poder de, mediante

dois terços de seus membros e após reiteradas decisões sobre matéria constitucional,

aprovar súmula que a partir de sua publicação na imprensa oficial, produz efeitos

vinculantes em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração

Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

Observe que a vinculação da súmula repercute somente em relação ao Poder

Executivo e Judiciário, a exceção do Supremo Tribunal Federal, que pode revisá-la e

cancelá-la, não atingindo o Poder Legislativo.

Como consequência, da decisão judicial ou do ato administrativo que contrariar

o enunciado da súmula ou aplicá-la indevidamente caberá reclamação ao Supremo

Tribunal Federal, sem prejuízo dos demais recursos e meios de impugnação admissíveis

em direito, conforme art. 103-A, §3º da CRFB/88.

Nestes termos, considerando que o objeto da súmula vinculante pode envolver

a validade de normas constitucionais, é possível falar que o Supremo Tribunal Federal,

após proferir reiteradas decisões em controle difuso pela inconstitucionalidade da norma

objeto da controvérsia, poderá criar sumula vinculante sobre a matéria, assentando o

entendimento da Corte e vinculando todos os demais órgãos do Poder Judiciário e da

Administração Pública, em todas as esferas da federação, de modo a tornar obrigatório o

acatamento da sua decisão.

Assim, através da edição de súmula vinculante o Supremo faz com que as

reiteradas decisões de constitucionalidade em sede de controle difuso-incidental, que

possuem efeitos inter partes, passem a produzir efeitos gerais e vinculantes.

18

Nesse sentido, além do poder constituinte originário de 1988, o próprio poder

constituinte reformador acabou ratificando sua opção pela eficácia inter partes das

decisões em controle difuso ao permitir a criação de súmula vinculante pelo Supremo

Tribunal Federal para gerar efeitos vinculantes as reiteradas decisões proferidas

incidentalmente. Do contrário, não faria sentido implantar tal mecanismo se as decisões

singulares proferidas incidentalmente possuíssem efeitos vinculantes.25

Aliás, este é o principal argumento do Min. Joaquim Barbosa, pois a Emenda

Constitucional n. 45/2004 ao introduzir a súmula vinculante não revogou expressamente

o art. 52, X da CRFB/88, mantendo duas vias de possibilidade para as decisões do

Supremo Tribunal Federal em controle difuso produzirem eficácia vinculante e erga

omnes.

Então, nos casos em que existam reiteradas decisões que reconhecem a

inconstitucionalidade em concreto de uma determinada norma, tendo em vista razões de

segurança jurídica, o Supremo Tribunal Federal pode editar súmula vinculante que

concederá efeito vinculante ao entendimento da Corte, tornando descipienda a

competência do Senado Federal pela suspensão eficácia de lei declarada

inconstitucional.

Nesse caso, é possível sim afirmar que a sumula vinculante torna possível ao

Pretório Excelso estender a eficácia vinculante às suas decisões de controle incidental,

independentemente da intervenção do Senado.

Todavia, nos casos em que o Supremo Tribunal Federal simplesmente declarar

a inconstitucionalidade de uma norma no exercício do controle difuso, sem criar súmula

vinculante depois de reiteradas decisões, a competência do Senado de suspender a

execução da lei declarada inconstitucional é o único meio constitucionalmente previsto

25

LEITE, Glauco Salomão. Súmula Vinculante e Jurisdição Constitucional Brasileira. Rio de Janeiro:

Forense, 2007, p.87.

19

para que a decisão da Corte, originalmente com efeitos restritos as partes do processo,

passe a produzir efeitos gerais e vinculantes, alcançando a todos.

Dessa forma, é cediço que a súmula vinculante representa um instrumento para

atribuir eficácia vinculante e geral as decisões de inconstitucionalidade do Supremo,

quando proferidas em controle difuso, independentemente da publicação da resolução

suspensiva do Senado, sem violar os princípios balizadores da Constituição, bem como

as regras de hermenêutica constitucional.

Por fim, cumpre destacar que apesar da Reclamação Constitucional n.

4.335/AC ainda estar em tramite no Supremo Tribunal Federal, esta Corte através da

Súmula Vinculante n.2626

já firmou seu entendimento sobre a constitucionalidade da

progressão de regime prisional no cumprimento de pena por crime hediondo ou

equiparado, objeto do “Habeas Corpus” n. 82.959, que deu origem a referida

reclamação.

Portanto, apesar da questão ainda não estar pacificada no Supremo Tribunal

Federal, observa-se uma tendência do Pretório Excelso pela adoção do mecanismo da

Súmula Vinculante para conferir efeitos gerais e vinculantes as suas decisões de

controle difuso, deixando de lado a tese da mutação constitucional do artigo 52, X da

CRFB/88.

26

“Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o

juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, sem

prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do beneficio,

podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.”

(BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante n. 26. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumulaVinculante>. Acesso em:

11 jan. 2013)

20

CONCLUSÃO

Por todo o exposto, sob o argumento da ampliação do controle concentrado de

constitucionalidade frente ao modelo difuso e da enorme quantidade de processos

idênticos perante a Corte, há uma corrente que defende a extensão da eficácia geral e

vinculante às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal em sede de controle difuso, no

sentido de tornar-se regra geral no controle de constitucionalidade brasileiro a eficácia

vinculante e geral das decisões de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal Federal.

Em favor desse tema, defende-se a mutação constitucional do art. 52, X da

CRFB/88 no sentido de que a decisão do Supremo Tribunal Federal passa a ter força

normativa para suspender a execução da lei declarada inconstitucional pela Corte,

cabendo ao Senado Federal apenas dar publicidade àquela decisão no Diário do

Congresso.

Contudo, verifica-se que apesar desta tese favorecer a atual realidade forense do

controle de constitucionalidade, frente a enorme quantidade de recursos repetitivos

impetrados no âmbito do Pretório Excelso, data máxima vênia, esta não se mostra

acertada diante da ordem constitucional vigente no país, pois a alteração da

interpretação do referido dispositivo encontra obstáculos constitucionais

intransponíveis, que caracteriza uma mutação inconstitucional.

Com efeito, um processo interpretativo legítimo não pode promover uma

supressão da competência do Senado Federal no controle de constitucionalidade

brasileiro, pois isto seria tendente a modificar os princípios estruturantes da

Constituição em clara violação ao princípio da separação dos poderes.

Ademais, os princípios hermenêuticos não autorizam uma interpretação que

viole o próprio texto constitucional, pois a referida norma é precisa e tradicional na

21

história constitucional brasileira desde a CRFB/34, não admitindo uma elasticidade

semântica do texto a ponto de transferir uma competência do Senado Federal para o

Supremo Tribunal Federal.

A interpretação judicial não deve ser livre e discricionária, pois o juiz

constitucional está subordinado aos princípios e normas que regem o sistema

constitucional, até porque estes são condições estruturantes e essenciais ao bom

funcionamento do próprio regime democrático.

Nesse sentido, os contrários a tese da mutação constitucional do art. 52, X da

CRFB/88, defendem que o ordenamento já prevê a aplicação do mecanismo da Súmula

Vinculante que permite que as decisões do Supremo Tribunal Federal em sede de

controle difuso produzam efeitos erga omnes e vinculantes, sem qualquer violação a

separação dos poderes.

Cumpre destacar que é certo que diante da atual sistemática do controle de

constitucionalidade e da nova orientação jurisprudencial e doutrinária, existe uma clara

tendência de integração dos modelos de justiça constitucional e um grande apelo a tese

da força vinculante e geral das decisões do Supremo Tribunal Federal.

Todavia, não é correto embasar uma ruptura do modelo tradicional de controle

difuso frete aos impedimentos de ordem constitucional, a ponto de configurar-se uma

mutação inconstitucional.

22

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