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Acidentes de trabalho na agroindústria canavieira ... · Aos trabalhadores que a cada dia ... foram realizadas entrevistas semiestruturadas com 14 ... Afastamento do trabalho em

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    FFCLRP - DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PSICOLOGIA

    Acidentes de trabalho na agroindstria canavieira: circunstncias de

    ocorrncia e suas consequncias para os trabalhadores

    Dathi de Mello Franco-Benatti

    Tese apresentada Faculdade de Filosofia, Cincias e

    Letras de Ribeiro Preto da USP, como parte das exigncias

    para a obteno do ttulo de Doutor em Cincias, rea:

    Psicologia.

    RIBEIRO PRETO - SP

    2016

  • DATHI DE MELLO FRANCO-BENATTI

    Acidentes de trabalho na agroindstria canavieira: circunstncias de

    ocorrncia e suas consequncias para os trabalhadores

    Tese apresentada Faculdade de Filosofia, Cincias e

    Letras de Ribeiro Preto da USP, como parte das exigncias

    para a obteno do ttulo de Doutor em Cincias, rea:

    Psicologia.

    Orientadora: Profa. Dra. Vera Lucia Navarro

    RIBEIRO PRETO - SP

    2016

  • Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio

    convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

    Franco-Benatti, Dathi de Mello

    Acidentes de trabalho na agroindstria canavieira: circunstncias de ocorrncia e

    suas consequncias para os trabalhadores.

    Ribeiro Preto, 2016.

    405p.: il. ; 30 cm

    Tese de Doutorado, apresentada Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de

    Ribeiro Preto/USP. rea de concentrao: Psicologia.

    Orientadora: Navarro, Vera Lucia.

    1. Acidentes de trabalho. 2. Agroindstria canavieira. 3. Sade do trabalhador. 4.

    Trabalhadores rurais. 5. Trabalho e Sade.

  • Nome: Franco-Benatti, Dathi de Mello

    Ttulo: Acidentes de trabalho na agroindstria canavieira: circunstncias de ocorrncia e suas

    consequncias para os trabalhadores

    Tese apresentada Faculdade de Filosofia, Cincias e

    Letras de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo para

    obteno do ttulo de Doutora em Psicologia

    Aprovado em:

    Banca Examinadora

    Prof. Dra. Vera Lucia Navarro Instituio: Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de Ribeiro Preto FFCLRP/USP

    Assinatura: _____________________

    Prof. Dra. Dulce Consuelo Andreatta Withaker Instituio: Faculdade de Cincias e Letras de Araraquara FCLAR/UNESP

    Assinatura: _____________________

    Prof. Dr. Luiz Gonzaga Chiavegato Filho Instituio: Universidade Federal de So Joo Del Rei UFSJ

    Assinatura: _____________________

    Prof. Dr. Francisco Jos da Costa Alves Instituio: Universidade Federal de So Carlos UFSCar

    Assinatura: _____________________

    Prof. Dra. Lucieneida Dovo Praun Instituio: Universidade Metodista de So Paulo

    Assinatura: ____________________

  • Dedico este trabalho minha querida famlia que

    sempre me apoiou e me ajudou a chegar at aqui.

    Aos trabalhadores que a cada dia enfrentam o rduo

    trabalho rural.

  • Agradecimentos

    Durante todo o percurso para a elaborao deste trabalho, no poderia deixar de agradecer

    pessoas que contriburam grandemente para a concretizao deste estudo. So muitas pessoas

    que s vezes me sinto incapaz de nomear todas aqui, mas gostaria de deixar a minha enorme

    gratido.

    Primeiramente a Deus, pelas bnos derramadas em minha vida. Porque dele, e por meio

    dele, e para ele so todas as cousas. A ele, pois, a glria eternamente. Amm (Rm. 11:36).

    Profa. Dra. Vera Lucia Navarro, minha querida orientadora, que desde 2008 me aceitou como

    aluna e me ajudou a trilhar o caminho para mais esta realizao profissional. Obrigada pelos

    ensinamentos de grande valor e por acreditar em mim ao longo desses anos.

    Ao Departamento de Psicologia pelo meu ingresso no Doutorado.

    toda equipe do Centro de Referncia em Sade do Trabalhador de Araraquara pelo apoio na

    execuo da primeira etapa deste estudo. Obrigada a todos da equipe que abriram as portas e se

    dispuseram em me ajudar para que este estudo se tornasse realidade.

    Aos trabalhadores que entrevistei, que tiveram um papel indescritvel neste estudo. Sem vocs,

    este trabalho no teria sido escrito da forma que hoje se encontra. Obrigada pela colaborao!

    Banca de Qualificao, Prof. Dr. Francisco Alves e Prof. Dr. Luiz Gonzaga Chiavegato Filho

    pelas observaes valiosas para que eu pudesse melhorar o meu trabalho. Obrigada pelas

    consideraes que contriburam muito para o desenvolvimento desta Tese.

    Banca Examinadora pelo aceite em participar da composio da banca.

    Aos meus pais pelo eterno amor e incentivo para trilhar essa trajetria de estudos. Obrigada

    pelos valores que me passaram, de respeito e humildade e pelos conselhos sempre valiosos. A

    minha eterna gratido a vocs!

    Aos meus irmos que sempre tiveram ao meu lado. E aos meus queridos sobrinhos, alegria da

    nossa famlia.

    Ao meu marido, que ao longo de todos esses anos, sempre se disps a me acompanhar e me

    incentivar a seguir esse caminho.

    minha filha, que desde o ventre j me acompanhava na finalizao deste trabalho.

    Aos amigos que sempre tiveram presentes na minha caminhada profissional e aqueles novos

    que formei durante o curso de Doutorado. Obrigada pelos momentos de divertimento e pelas

    trocas de experincias!

    A todos os meus familiares, pelos momentos felizes em famlia.

    Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES) pelo apoio

    fundamental durante o curso e realizao de todo este estudo.

    A todos que fizeram parte dessa caminhada, deixo aqui o meu carinho e gratido. Muito

    Obrigada!

  • Ao desenvolver-se no campo, a usina incute no verde

    dos canaviais uma vibrao e uma aspereza que nada

    tm a ver com a doura da cana madura.

    Octavio Ianni

  • Resumo

    Franco-Benatti, D. M. (2016). Acidentes de trabalho na agroindstria canavieira:

    circunstncias de ocorrncia e suas consequncias para os trabalhadores. Tese de

    Doutorado, Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de Ribeiro Preto, Universidade de

    So Paulo, Ribeiro Preto.

    Os acidentes de trabalho constituem-se em um grave problema de sade pblica. O Brasil j foi

    considerado campeo mundial em acidentes de trabalho e sua incidncia ainda muito elevada

    no pas, acarretando profundos impactos fsicos e psicolgicos na vida dos trabalhadores. Em

    decorrncia da modernizao tecnolgica, intensificada nas ltimas dcadas, o processo de

    trabalho no meio rural brasileiro passou por profundas transformaes que afetaram as

    condies de trabalho e deixaram os trabalhadores mais suscetveis ocorrncia de acidentes e

    a diferentes agravos sade. A exposio a agrotxicos, as novas prticas de queima da cana e

    o manuseio de mquinas e instrumentos de trabalho em um contexto de intensificao do

    trabalho exemplificam esta situao. O objetivo deste estudo foi o de conhecer em que

    circunstncias ocorreram os acidentes de trabalho envolvendo trabalhadores da agroindstria

    canavieira da regio de Araraquara (SP) e suas consequncias para os trabalhadores. A pesquisa

    foi realizada em duas etapas: na primeira, levantaram-se os acidentes ocorridos com

    trabalhadores rurais no perodo de 2010 a 2012. Nesta etapa, os dados foram levantados nos

    Relatrios de Atendimento ao Acidentado do Trabalho (RAAT), disponveis no Centro de

    Referncia em Sade do Trabalhador (CEREST) de Araraquara, e teve por finalidade traar um

    perfil dos acidentes e dos acidentados e selecionar, dentre as vtimas, as que seriam

    entrevistadas. Na segunda etapa, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com 14

    trabalhadores acidentados e com a gestora do CEREST. O cruzamento dos dados obtidos nos

    documentos consultados e nas entrevistas com os trabalhadores apontam para uma srie de

    fatores que contribuem para a ocorrncia dos acidentes, tais como o ritmo intenso de trabalho,

    as jornadas de trabalho prolongadas, os instrumentos de trabalho inadequados, a falta de

    equipamentos de proteo, a exposio a agrotxicos, ao rudo, ao sol, a chuva e presena de

    animais peonhentos, fatores estes que esto relacionados s condies e organizao do

    trabalho. Alm de o trabalho rural provocar danos fsicos, tambm pode deixar marcas por meio

    do sofrimento psquico, atravs das exigncias da organizao do trabalho.

    Palavras-Chave: Acidentes de trabalho. Agroindstria canavieira. Sade do trabalhador.

    Trabalhadores rurais. Trabalho e Sade.

  • Abstract

    Franco-Benatti, D. M. (2016). Labor accidents in the sugar plant agribusiness: circumstances

    of their occurrences and their consequences to laborers. Tese de Doutorado, Faculdade de

    Filosofia, Cincias e Letras de Ribeiro Preto, Universidade de So Paulo, Ribeiro Preto.

    Labor accidents are a serious public health problem. Brazil was once considered the worlds

    worst country regarding labor accidents and the countrys situation hasnt improved much since

    then, resulting in severe physical and psychological impacts on the laborers lives. As a result

    of the technological modernization which took place on the last decades, the work process in

    Brazils rural area has suffered deep transformations. These transformations have affected

    working conditions and have left laborers more exposed to accidents and dangers to their health.

    Exposure to agro-toxic material, the new sugar cane burning practices, and operation of

    machines and working tools under intense working hours are just some examples of the current

    situation. The purpose of this research was to understand the circumstances which lead to

    accidents with employees of the sugar cane agroindustry of Araraquara, a countryside

    municipality in So Paulo State, and the physical and psychological consequences of such

    occurrences. The purpose of this study was to understand the circumstances under which the

    accidents involving laborers of the sugar plant agribusiness in Araraquaras region occurred

    and the consequences these accidents inflicted upon laborers. The research was conducted

    through two phases. First, accidents which took place in this area between 2010 and 2012 were

    surveyed through the Occupational Accident Attendance Report, available on the Center of

    Reference on Workers Health (CEREST) in Araraquara. The purpose of this first phase was to

    establish the kinds of accidents occurred and their severity, and also come up with a profile of

    the laborers involved in these accidents in order to select 14 of them for the interviews which

    would be conducted during the following phase. On the second phase, the selected 14 injured

    workers were interviewed and also an interview was conducted with the manager of the Center

    of Reference on Workers Health (CEREST). Data crossing the information acquired from the

    Occupational Accident Attendance Reports and the insight obtained through the interviewshave

    indicated a series of contributing factors generating these labor accidents. Among these factors

    are intensification of work pace; increased labor hours; the use of inadequate working tools;

    lack of personal protective equipment; exposure to agro-toxic materials; exposure to solar

    radiation, noise and rain and the presence of venomous animals in their labor locations. All

    these factors are intertwined to their labor conditions and organization. Despite the physical

    damages caused by these accidents they also incur psychological suffering through the demands

    of labor organization.

    Key words: Labor accidents. Sugar plant agribusiness. Laborers health. Rural laborers. Labor

    and health.

  • Lista de Quadros

    Quadro 1. Quantidade mensal de benefcios urbanos concedidos, segundo os

    grupos de espcie, 2013........................................................................

    122

    Quadro 2. Quantidade mensal de benefcios rurais concedidos, segundo os grupos de espcies, 2013......................................................................

    123

    Quadro 3. Auxlios-doena acidentrios segundo os cdigos da Classificao Internacional de Doenas - CID-10......................................................

    125

    Quadro 4. Quantidade e valor de auxlios-doena urbanos acidentrios concedidos, por sexo do segurado, segundo os captulos da CID, 2011/2013.............................................................................................

    126

    Quadro 5. Quantidade e valor de auxlios-doena rurais acidentrios concedidos, por sexo do segurado, segundo os captulos da CID, 2011/2013.............................................................................................

    127

    Quadro 6. Lavoura Permanente (Laranja) dos anos de 2008-2012 no municpio de Araraquara (SP)...............................................................................

    186

    Quadro 7. Lavoura Temporria (Cana-de-acar) dos anos de 2008-2012 no municpio de Araraquara (SP)..............................................................

    187

    Quadro 8. Quantidade de acidentes de trabalho rural registrado no Centro de Referncia em Sade do Trabalhador de Araraquara............................

    194

    Quadro 9. Acidentes de Trabalho Rural notificados no SINAN-NET em 2011, no Centro de Referncia em Sade do Trabalhador de Araraquara.......

    195

    Quadro 10. Acidentes de Trabalho Rural notificados no SINAN-NET em 2012, no Centro de Referncia em Sade do Trabalhador de Araraquara.......

    196

    Quadro 11. Quantidade de registros de Acidentes de Trabalho nos anos 2010, 2011 e 2012..........................................................................................

    197

    Quadro 12. Faixa etria dos trabalhadores rurais acidentados nos anos 2010, 2011 e 2012...................................................................................................

    198

    Quadro 13. Ramo de Atividade dos trabalhadores rurais acidentados nos anos 2010, 2011 e 2012.................................................................................

    199

    Quadro 14. Regime de Trabalho dos trabalhadores rurais acidentados nos anos 2010, 2011 e 2012.................................................................................

    200

    Quadro 15. Tipo de acidente de trabalho nos anos 2010, 2011 e 2012.....................

    200

    Quadro 16. Classificao Inicial do Acidente de Trabalho Rural nos anos de 2010, 2011 e 2012.................................................................................

    202

    Quadro 17. Afastamento do trabalho em decorrncia do acidente de trabalho nos anos 2010, 2011 e 2012.........................................................................

    203

  • Lista de Tabelas

    Tabela 1. Principais indicadores da mecanizao na colheita da cana-de-acar,

    Estado de So Paulo, 2012/2013..........................................................

    82

    Tabela 2. Evoluo no nmero de acidentes do trabalho no Brasil (1968-1982).. 113

    Tabela 3. Estatstica de Acidentes de Trabalho (1988-2010)............................... 115

    Tabela 4. Estatstica de Acidentes de Trabalho (2011-2013)............................... 128

    Tabela 5. Quantidade de acidentes do trabalho, por situao do registro,

    segundo a Classificao Nacional de Atividades Econmicas.............

    146

  • Lista de Grficos

    Grfico 1. Registro de Acidente de Trabalho rural no ano de 2010, por ocupao. 204

    Grfico 2. Registro de Acidente de Trabalho rural no ano de 2011, por ocupao. 206

    Grfico 3. Registro de Acidente de Trabalho rural no ano de 2012, por ocupao. 208

    Grfico 4. Registro de acidente de trabalho rural no ano de 2010, por parte do

    corpo....................................................................................................

    209

    Grfico 5. Registro de acidente de trabalho rural no ano de 2011, por parte do

    corpo....................................................................................................

    211

    Grfico 6. Registro de acidente de trabalho rural no ano de 2012, por parte do

    corpo....................................................................................................

    212

    Grfico 7. Registro de acidentes de trabalho rural no ano de 2010, por

    diagnstico...........................................................................................

    213

    Grfico 8. Registro de acidentes de trabalho rural no ano de 2011, por

    diagnstico...........................................................................................

    214

    Grfico 9. Registro de acidentes de trabalho rural no ano de 2012, por

    diagnstico...........................................................................................

    215

  • Lista de Figuras

    Figura 1. Mapa de localizao da cidade de Araraquara no estado de So Paulo. 185

    Figura 2. Abrangncia dos municpios da Diviso Regional de Sade DRS III,

    cobertura CEREST regional Araraquara..............................................

    188

  • Sumrio

    Apresentao.............................................................................................................. 15

    Introduo.................................................................................................................. 21

    1 Transformaes no mundo do Trabalho............................................................... 27

    1.1 O Trabalho no Capitalismo................................................................................. 34

    1.1.1 Processo de desenvolvimento da Indstria no Capitalismo....................... 37

    1.2 O Capitalismo e o desenvolvimento da Agricultura no Brasil a herana

    histrica....................................................................................................................

    64

    1.2.1 A Hegemonia do Caf............................................................................... 68

    1.2.2 A expanso da agroindstria aucareira no Brasil breve histrico.......... 71

    1.2.3 O interior do estado de So Paulo: a agroindstria da cana-de-acar....... 78

    1.2.4 O trabalho no canavial e os trabalhadores................................................. 83

    2 Os Acidentes de Trabalho...................................................................................... 91

    2.1 Acidentes de trabalho no Brasil........................................................................... 101

    2.2 Estatstica de Acidentes de Trabalho................................................................... 112

    3 A Sade do Trabalhador........................................................................................ 153

    4 Procedimentos Metodolgicos............................................................................... 177

    4.1 Procedimentos metodolgicos Primeira etapa.................................................. 178

    4.2 Procedimentos metodolgicos Segunda etapa.................................................. 180

    5 Universo emprico da pesquisa - O municpio de Araraquara (SP).................... 185

    5.1 O Centro de Referncia em Sade do Trabalhador (CEREST) regional

    Araraquara................................................................................................................

    187

    5.2 Acidentes de trabalho rural em Araraquara (SP)................................................ 189

    6 Acidentes de Trabalho com trabalhadores rurais da regio de Araraquara: o

    que os nmeros revelam............................................................................................

    193

    6.1 Descrio dos acidentes de trabalho rural da regio de Araraquara..................... 197

    7 O processo de trabalho e sade do trabalhador.................................................... 217

    7.1 Os sujeitos da pesquisa: um breve histrico........................................................ 217

    7.2 Trabalho e Migrao........................................................................................... 221

    7.3 O emprego na lavoura canavieira........................................................................ 229

    7.4 Organizao, processo e condies de trabalho na cultura canavieira................. 235

    7.4.1 A organizao da atividade....................................................................... 237

  • 7.4.2 O cotidiano de trabalho............................................................................. 247

    7.4.3 Na lavoura: os tipo de cana-de-acar....................................................... 261

    7.4.4 Macetes um jeitinho para trabalhar......................................................... 274

    7.4.5 Ritmo de trabalho...................................................................................... 277

    7.4.6 As condies de trabalho........................................................................... 288

    7.4.7 Pausas na jornada de trabalho.................................................................... 297

    7.4.8 A queima da cana-de-acar e o uso de agrotxicos.................................. 301

    7.4.9 O trabalho na lavoura canavieira e o desgaste da sade fsica e psquica... 312

    8 Os acidentes de trabalho na lavoura da cana-de-acar...................................... 321

    8.1 Reflexos dos acidentes de trabalho na vida dos trabalhadores............................. 345

    9 Prazer e sofrimento no trabalho............................................................................ 361

    9.1 Perspectivas do futuro e sonhos........................................................................... 366

    Consideraes Finais................................................................................................. 369

    Referncias................................................................................................................. 375

    APNDICE A Produo imagtica......................................................................... 397

    APNDICE B - Roteiro de entrevistas....................................................................... 398

    APNDICE C Roteiro de entrevista para a equipe do Centro de Referncia em

    Sade do Trabalhador de Araraquara...........................................................................

    400

    APNDICE D Termo de Consentimento Livre e Esclarecido................................. 401

    ANEXO A Aprovao Comit de tica.................................................................... 403

    ANEXO B Modelo do Relatrio de Atendimento ao Acidentado............................. 404

    ANEXO C Termo de Autorizao para realizao da pesquisa no Centro de

    Referncia em Sade do Trabalhador de Araraquara...................................................

    405

  • 15

    Apresentao

    Esta Tese tem como foco os acidentes de trabalho na agroindstria canavieira da regio

    de Araraquara, interior de So Paulo. Para chegar at essa temtica foi preciso trilhar um longo

    caminho que destaco ser importante, para voc, leitor, compreender como se deu toda essa

    trajetria.

    Primeiramente, coloco-me diante de uma apresentao que retoma o caminho

    percorrido, por mim, desde a minha entrada na graduao. E foi nos idos da graduao que me

    despertou o interesse pelo mundo do trabalho e suas diversas formas de adoecimento pelo ser

    humano.

    Assim, o meu interesse pela temtica Trabalho e Sade foi despertado durante a

    graduao em Psicologia, quando ainda realizava estgios na Faculdade de Cincias e Letras

    de Assis da Universidade Estadual Paulista (UNESP/Assis).

    Por dois anos participei do estgio do Ncleo de Pesquisa e Interveno em Sade do

    Trabalhador, junto ao Departamento de Psicologia Experimental e do Trabalho da UNESP, sob

    orientao da Profa. Dra. Maria Luiza Gava Schmidt, que me despertou o olhar para o mundo

    do trabalho e para os trabalhadores. As atividades de estgios, realizadas neste Ncleo,

    permitiram reflexes sobre o mundo do trabalho, em constante transformao, e os impactos

    sade dos trabalhadores.

    No ano de 2007, tive a oportunidade de iniciar o meu primeiro contato com a rea da

    Sade do Trabalhador, quando realizei um estgio na Santa Casa de Misericrdia de Assis (SP),

    junto ao Setor de Ortopedia e Traumatologia, onde entrei em contato com trabalhadores que

    haviam sofrido acidentes no ambiente de trabalho.

    Durante a realizao desse estgio, um paciente, que aguardava na fila do Setor de

    Ortopedia e Traumatologia para ser atendido pelo mdico da unidade do hospital, chamou-me

    muito a ateno. Fiquei observando-o at que tivemos nosso primeiro contato.

    Este paciente estava afastado j h alguns meses de sua atividade ocupacional, no ramo

    da metalurgia, devido a um acidente grave, em que fraturou a coluna. Tambm tive a

    oportunidade de entrevist-lo, depois de um ano, em seu local de trabalho, num segundo estgio

    em que desenvolvi um diagnstico dos acidentes de trabalho em uma empresa do ramo da

    metalurgia, onde estagiei por dois anos, ainda nos idos da graduao.

    No dia da primeira entrevista, observei este jovem de 30 anos que estava acompanhado

    de sua esposa e seu filho de trs anos. Percebi logo o impacto que a situao do acidente estava

    lhe causando e afetando seu modo de caminhar e agir com o seu filho que insistia em correr

  • 16

    pelo corredor do hospital, sem que ao menos seu pai pudesse segur-lo no colo ou mesmo de

    acompanh-lo a caminhar.

    Este fato, de certo modo, trouxe-me preocupao quanto ao impacto que este acidente

    de trabalho estava proporcionando na vida deste jovem, acarretando-lhe uma imensa

    insatisfao com o trabalho e com a sua vida permeada pelo sofrimento fsico, com fortes dores

    que sentia na coluna e pelo sofrimento psquico que essa ocorrncia o trouxera, conforme me

    foi relatado.

    A partir de ento, as minhas indagaes sobre o mundo do trabalho e as diversas formas

    de adoecimento do ser humano tornaram-se alvo de minhas pesquisas, voltando-me ento para

    o campo da Sade do Trabalhador.

    Estes primeiros estgios na rea da Sade do Trabalhador me deram motivao para

    continuar com pesquisas relacionadas temtica dos acidentes de trabalho e as repercusses

    fsicas e psquicas de tais ocorrncias.

    A necessidade de aprofundar ainda mais tais questionamentos, acerca do Trabalho e da

    Sade, levou-me a ingressar no Mestrado, no Programa de Ps Graduao do Departamento de

    Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto, da Universidade de So Paulo

    (FMRP/USP), em que pude compreender melhor o mundo do trabalho e as diversas formas

    como as pessoas adoecem.

    Uma nova experincia surgia! O contato com os trabalhadores do calado.

    A pesquisa, de mestrado, na indstria de calados de Franca (SP) possibilitou a

    compreenso acerca do mundo do trabalho e suas transformaes. O processo de reestruturao

    produtiva, vivenciado pelas indstrias de calados, provocou consequncias malficas na sade

    dos trabalhadores. E essas mudanas puderam ser vistas em diversos setores da economia,

    quanto ao processo de trabalho, marcado por uma intensificao da jornada laboral e pelas

    precrias condies dos ambientes e das relaes de trabalho. Essas transformaes no trabalho

    contriburam para o aumento da incidncia de acidentes de trabalho e de doenas ocupacionais,

    causadores de incapacidade temporria, permanente e de mortes de trabalhadores.

    Questes importantes foram discutidas nesta pesquisa, o que permitiu relacionar os

    acidentes e as doenas ocupacionais aos aspectos das condies e organizao do trabalho na

    indstria de calados.

    Percebia-se, pelo discurso do trabalhador, o sofrimento que os acidentes de trabalho

    causava em suas vidas. Alm de o acidente deixar marcas visveis no corpo do trabalhador,

    principalmente, nos membros superiores, como mos, dedos, braos, antebraos e ombros,

    havia tambm o sofrimento psquico que toda essa situao provocara. No apenas pelas

  • 17

    insatisfaes no trabalho, mas os longos afastamentos e a trajetria percorrida para estabelecer

    o nexo entre acidente/doena e o seu trabalho, deixavam os trabalhadores com um sentimento

    de incapacidade para o trabalho e para a realizao de outras atividades, expresso que foi usada

    pelos prprios entrevistados, se sentir invlido. Alm da desvalorizao sentida por aqueles

    trabalhadores.

    Os questionamentos ainda no se esgotaram quanto aos acidentes de trabalho e as

    repercusses fsicas e psquicas que esses eventos podem causar na vida do trabalhador.

    O caminho continuava a ser percorrido com o ingresso no Doutorado. As questes sobre

    a Sade do Trabalhador ainda precisavam ser discutidas e era preciso buscar uma maior

    compreenso acerca do mundo do trabalho e dos adoecimentos provocados pelo exerccio da

    atividade laboral.

    A questo dos acidentes de trabalho tem sido um foco em minhas pesquisas, devido a

    sua gravidade e complexidade. Trata-se, sobretudo, de uma questo de sade pblica. O Brasil

    j foi considerado campeo em acidentes de trabalho no mundo, na dcada de 1970. Para

    compreender a questo dos acidentes de trabalho no pas necessrio resgatar a prpria histria

    do Brasil, ou seja, as transformaes que ocorreram em nossa sociedade, no mundo social e no

    mundo do trabalho.

    A escolha pelo trabalho rural nesta pesquisa se d pelo prprio desafio de pesquisadores

    com relao temtica. Os estudos e as publicaes sobre os acidentes de trabalho so, em sua

    maioria, com trabalhadores urbanos, porm muito pouco se publica e estuda sobre os acidentes

    na lavoura e os impactos sobre a sade dos trabalhadores.

    Compreender os acidentes de trabalho rural tambm entender o contexto histrico das

    transformaes da agroindstria no Brasil. Eleger os acidentes de trabalho na agroindstria

    canavieira da regio de Araraquara justifica-se pelo fato de o interior do estado de So Paulo,

    regio central, possuir um importante centro agropecurio com relao ao conjunto nacional. A

    regio de Araraquara se destaca com o cultivo de cana-de-acar e de laranja, com grande

    impacto sobre a economia nacional.

    Esta pesquisa intitulada Acidentes de trabalho na agroindstria canavieira:

    circunstncias de ocorrncia e suas consequncias para os trabalhadores buscou conhecer em

    que circunstncias ocorreram os acidentes de trabalho envolvendo trabalhadores da

    agroindstria canavieira da regio de Araraquara (SP), com o intuito de identificar as

    consequncias dessas ocorrncias na vida dos trabalhadores rurais.

    Especificamente buscou-se: Conhecer o processo de trabalho dos trabalhadores rurais;

    Verificar as ocorrncias e as caractersticas dos acidentes de trabalho; Conhecer a histria do

  • 18

    acidente de trabalho, a partir dos relatos dos trabalhadores; Analisar a percepo dos

    trabalhadores frente situao de risco no trabalho; Identificar as estratgias de defesa

    utilizadas pelos trabalhadores perante a organizao do trabalho; Identificar os impactos fsicos

    e psquicos do acidente de trabalho na vida do trabalhador rural.

    Para compreender a questo dos acidentes de trabalho na lavoura da cana-de-acar foi

    preciso retratar o mundo do trabalho na agroindstria canavieira.

    A agroindstria canavieira tambm vivencia profundas transformaes no processo de

    trabalho, marcadas pela mecanizao com a utilizao de modernas mquinas agrcolas, pelo

    fim do corte manual da cana-de-acar e das queimadas de cana. Essas transformaes

    provocam tambm um aumento da produtividade, um aumento da precarizao das relaes e

    condies de trabalho e um aumento da intensificao laboral, acarretando o desgaste fsico e

    psquico dos trabalhadores em funo da fadiga e do cansao do trabalho na lavoura.

    Esta intensificao do trabalho tem ocasionado o aumento das doenas relacionadas ao

    trabalho e criado condies que conduzem ao incremento da probabilidade de acidentes que,

    por sua vez, acarretam profundos impactos fsicos e psquicos na vida dos trabalhadores.

    A compreenso dos acidentes e dos diferentes agravos sade dos trabalhadores

    perpassa pelo entendimento do processo e da organizao do trabalho, como enfatiza Loureno

    (2009, p. 24) que o entendimento que os agravos sade expressam os conflitos e as

    contradies do trabalho no sistema capitalista.

    A tese aqui defendida que os acidentes de trabalho devem ser visto sob o prisma da

    organizao do trabalho. A premissa que a forma como o trabalho est sendo organizado,

    somado a intensificao da atividade laboral e as precrias condies do ambiente, deixam os

    trabalhadores, cada vez mais, vulnerveis aos acidentes e aos adoecimentos provocados pelo

    trabalho, trazendo consequncias fsicas e psquicas para o indivduo acidentado.

    Para discutir sobre esse assunto algumas questes foram norteadoras para desenvolver

    essa pesquisa, tais como: de que forma a Organizao do Trabalho contribui para as ocorrncias

    de acidentes de trabalho? E como estes acidentes iro repercutir tanto do ponto de vista fsico

    quanto psquico na vida do trabalhador acidentado?

    No primeiro captulo discutem-se as transformaes que ocorreram no mundo do

    trabalho. Tratamos primeiro acerca da categoria Trabalho como um processo scio-histrico e

    a seguir abordamos, brevemente, a histrica do trabalho no capitalismo desde a revoluo

    industrial at a reestruturao produtiva. Tambm, neste captulo, resgatamos a histria da

    agroindstria brasileira, principalmente, no estado de So Paulo.

  • 19

    No segundo captulo, aborda-se a questo dos acidentes de trabalho, trazendo um pouco

    da histria em que este assunto comea a aparecer na mdia e nos jornais no Brasil. Este captulo

    tambm contempla as estatsticas, elaboradas pelo Ministrio da Previdncia Social, do nmero

    de ocorrncias de acidentes de trabalho, dos benefcios concedidos em virtude dos acidentes

    para trabalhadores urbanos e rurais, alm de abordar tambm, de forma breve, as diversas

    concepes sobre os acidentes de trabalho e sobre os direitos dos trabalhadores rurais.

    O terceiro captulo aborda a temtica do campo Sade do Trabalhador. Neste captulo,

    resgatou-se a construo histrica da sade do trabalhador no pas e evidencia aspectos da

    Poltica Nacional de Sade do Trabalhador e da Trabalhadora, do Ministrio da Sade, que se

    encontra em vigncia no pas.

    No quarto captulo detalha-se o percurso metodolgico deste trabalho. Aqui se descreve

    todo o percurso estabelecido para a realizao do estudo.

    O quinto captulo busca retratar um pouco do universo emprico da pesquisa, destacando

    o local onde a pesquisa foi realizada, no municpio de Araraquara (SP) e um breve histrico do

    Centro de Referncia em Sade do Trabalhador dessa cidade. Neste captulo tambm so

    abordadas duas questes, uma, acerca da produo agrcola, com destaque para as lavouras de

    laranja e cana-de-acar e, outra sobre os acidentes de trabalho rural em Araraquara.

    No sexto captulo destaca-se a apresentao e anlise dos dados da primeira parte da

    pesquisa. Nesta seo apresenta-se a descrio dos acidentes de trabalho.

    O stimo captulo dedicado apresentao e anlise dos principais depoimentos

    obtidos no trabalho de campo. Atravs dos relatos obtidos e da bibliografia especializada sobre

    a temtica, foi-se reconstituindo fases do processo de trabalho e, concomitantemente,

    demonstrando como as formas de organizao e as condies de trabalho so nocivas sade

    dos trabalhadores rurais.

    No oitavo captulo destaca-se a apresentao e anlise dos depoimentos acerca dos

    acidentes de trabalho e das doenas relacionadas ao trabalho. Este captulo dedicado a abordar

    as questes dos acidentes e das repercusses fsicas e psquicas do acidentes na vida dos

    trabalhadores. So abordadas questes que giram em torno da dificuldade do reconhecimento

    da doena como relacionada ao trabalho na lavoura, o sentimento de desvalorizao profissional

    e pessoal que o trabalhador rural vivencia no trabalho e na sociedade, as limitaes fsicas

    advindas dos acidentes e o medo do desemprego.

    No nono captulo aborda-se a questo do prazer e sofrimento no trabalho e a perspectiva

    de futuro que o trabalhador acidentado almeja.

  • 20

    Por ltimo, so apresentadas as consideraes finais. Este captulo dedicado a pontuar

    as nossas observaes sobre os objetivos propostos e tambm nossa reflexo acerca do tema

    investigado.

    Uma boa leitura!

  • 21

    Introduo

    A indstria sucroalcooleira no Brasil vem crescendo ao longo das ltimas dcadas, com

    destaque para o Estado de So Paulo, com forte potencial na lavoura da cana-de-acar. Esse

    crescimento, por sua vez, despertou o interesse de estudiosos com relao a problemtica que

    gira em torno das condies de trabalho e de sade dos trabalhadores que exercem as suas

    atividades nas lavouras canavieiras.

    A rea da sade do trabalhador, que envolve os acidentes de trabalho e as doenas

    relacionadas ao trabalho, vem se tornando uma preocupao de muitos pesquisadores que

    buscam respostas para entender os impactos do trabalho na vida e na sade do trabalhador.

    As transformaes que vm ocorrendo no mundo do trabalho repercutem na vida dos

    trabalhadores sob formas de adoecimento e do aumento da probabilidade de ocorrncias de

    acidentes de trabalho. Nos ltimos anos vem crescendo o interesse de estudiosos sobre a sade

    do trabalhador. De acordo com Minayo-Gomez e Lacaz (2005), a produo cientfica que

    aborda a sade do trabalhador apresenta uma [...] tendncia continuada de crescimento nas

    ltimas dcadas, universalizando-se por muitas instituies universitrias, abrangendo diversas

    reas do conhecimento [...] (p. 801).

    No entanto, mesmo observando esta tendncia de crescimento da produo cientfica

    referente temtica Sade e Trabalho, nossa produo muito baixa relacionada a produo

    mundial. De acordo com Wnsch Filho (2004, p. 113) [...] estima-se que anualmente so

    publicados cerca de 1 milho e 150 mil artigos cientficos com enfoques nas relaes entre

    trabalho e sade. A produo brasileira representa menos que 1% desse total. De acordo com

    esse autor, o nmero de pesquisas na rea de sade do trabalhador tem aumentado no pas,

    mostrando crescente preocupao em organizar e sistematizar dados para subsidiar as aes,

    porm ainda [...] h muito a fazer e muitos tpicos ainda esto espera de um tratamento

    epidemiolgico mais adequado (Wnsch Filho, 2004, p. 113).

    De acordo com M. G. Jacques e C. C. Jacques (2009, p. 147), as anlises sobre os

    acidentes de trabalho tm pouca visibilidade social e, quando se fazem, priorizam uma anlise

    simplista de aes seguras e inseguras, sem considerar a complexidade do fenmeno. Para

    essas autoras, os acidentes e a morte no trabalho no so episdios isolados, pois existe uma

    inter-relao entre os fatos, condies e consequncias acerca dos acidentes. Entre as

    consequncias, alm do comprometimento da integridade fsica, podem ocorrer alteraes

  • 22

    psicolgicas e sintomas psiquitricos que repercutem no relacionamento interpessoal familiar,

    social e laboral do trabalhador.

    A maioria dos dados que est disponvel se refere sade dos trabalhadores urbanos.

    Com relao sade dos trabalhadores rurais, as informaes so pouco precisas,

    principalmente, no que tange aos agravos relacionados ao trabalho.

    De acordo com Alessi e Navarro (1997), as repercusses do trabalho na sade do

    trabalhador rural apontam para a necessidade de se aprofundar os estudos sobre Sade e

    Trabalho Rural. O debate sobre a temtica do acidente do trabalho no meio rural fundamental,

    pois no meio rural tambm se sucederam intensas transformaes tecnolgicas que

    modificaram a vida dos trabalhadores, porm so precrios os estudos e a disponibilidade de

    dados sobre o tema (Teixeira & Freitas, 2003).

    Nos ltimos anos, o setor sucroalcooleiro nacional passou por um momento expressivo

    em relao expanso1 da produo devido ao crescente interesse pelo lcool. As empresas

    nacionais e internacionais investem cada vez mais na produo do etanol (lcool), o que coloca

    o Brasil2 como um dos pases mais competitivos do mundo (M.A.M. Silva, 2008).

    De acordo com Ianni (1984), a produo aucareira do Brasil e, em especial do Estado

    de So Paulo, vinha crescendo desde o trmino da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Neste

    perodo foi restabelecido e dinamizado o comrcio de gneros alimentcios e outros como as

    matrias-primas e manufaturados e o acar se estabeleceu como um importante comrcio

    internacional de gneros alimentcios.

    O mundo do trabalho tem passado por grandes transformaes que repercutiram na

    sade dos trabalhadores. A agroindstria da cana-de-acar tambm sofreu imensas

    transformaes, principalmente, com a introduo de tecnologias no campo.

    De acordo com Arajo, Schuh, Barros, Shirota e Nicolella (2003), o sucesso da

    agricultura brasileira tem provocado grande interesse em todo o mundo. O aumento

    significativo da produtividade tem motivado a presena de estrangeiros para verificar a razo

    desse sucesso. Um dos motivos desse sucesso seriam as transformaes que ocorreram ao longo

    dos ltimos anos.

    1 Nos anos de 1950, a cana-de-acar no Brasil se concentrava no Nordeste, mas com a valorizao do acar no mercado internacional, a expanso da produo chegou a So Paulo (F. Alves, 2007; Novaes, Conde, Maiane, & Zeitune, 2007). Na dcada de 1960, o Brasil implantou um rigoroso processo de modernizao das usinas. A partir da dcada de 1980, a produo de cana teve um aumento em decorrncia da incorporao de novas tcnicas de cultivo e da mecanizao da lavoura. 2 O Brasil lder mundial na produo de cana-de-acar, tendo processado cerca de 569 milhes de toneladas na safra 2008/2009, cerca de 90% do total na principal regio produtora do pas, a Centro-Sul e 10% no Nordeste (Unio da Indstria de Cana-de-Acar, http://www.unica.com.br).

  • 23

    Modernizao diz respeito adoo de tecnologia para elevar a produtividade na agricultura. Essa tecnologia pode ser representada por inovaes biolgicas (melhores variedades, por exemplo) acompanhadas pela adoo de insumos modernos: fertilizantes, defensivos e novas prticas de cultivo. As inovaes mecnicas na agricultura so outra maneira de materializar a tecnologia, o que significa intensificar o uso de mquinas e implementos agrcolas (Arajo et al., 2003, p. 5). Estas transformaes, no mundo do trabalho rural, intensificaram-se na dcada de 1990

    e resultaram em pioras nas condies de trabalho com consequncia para a sade dos

    trabalhadores.

    As profundas transformaes advindas com o processo de reestruturao produtiva, que

    se intensificaram a partir dos anos de 1990, como a integrao mundial dos mercados

    financeiros, da internacionalizao das economias, da desregulamentao e abertura dos

    mercados, com a quebra de barreiras protecionistas, vm atingindo diversos setores da

    populao trabalhadora (Minayo-Gomez & Thedim-Costa, 1999).

    Essas mudanas, segundo Minayo-Gomez e Thedim-Costa (1999) geram permanentes

    incertezas, novas tenses, aprofundamento das desigualdades sociais e da excluso social. No

    caso brasileiro, observa-se um processo de pauperizao, inclusive entre os trabalhadores

    integrados ao mercado de trabalho, como resultado de uma trajetria marcada pela insegurana,

    instabilidade e precariedade nos vnculos laborais (Minayo-Gomez & Thedim-Costa, 1999, p.

    412).

    No Brasil, h situaes em que o trabalho realizado em ambientes apropriados e

    tambm, o que bem comum, em situaes em que o trabalho realizado em ambientes

    inadequados e insalubres, com diversos agentes de riscos ocupacionais que favorecem a

    ocorrncia de agravos sade dos trabalhadores (Silveira, Robazzi, Marziale, & Dalri, 2005).

    De acordo com Szmrecsnyi (1994) diante da consolidao do processo tcnico-

    cientfico ocorreram vrias mudanas na agricultura: uso intensivo de agrotxicos, a

    implantao de novas variedades de cana-de-acar e a expanso de mquinas colhedeiras de

    cana. Segundo Alessi e Navarro (1997), F. Alves (2006, 2009), Faria, Facchini, Fassa e Tomasi

    (2000) e Novaes (2009) essas transformaes provocaram, alm de aumento na produtividade,

    mudanas ambientais, nas condies de trabalho, no aumento da precarizao das relaes de

    trabalho, na intensificao laboral, acarretando o desgaste fsico e psquico dos trabalhadores

    em funo da fadiga e do cansao.

    Tais transformaes no mundo do trabalho rural provocaram mudanas na organizao

    e nas condies de trabalho. A intensificao do trabalho tem ocasionado o aumento das

    doenas relacionadas ao trabalho e criado condies que conduzem ao incremento da

  • 24

    probabilidade de acidentes que, por sua vez, acarretam profundos impactos fsicos e psquicos

    na vida dos trabalhadores.

    De acordo com Drebes, Scherer, Gonalves e Drr (2014), ao analisar a evoluo do

    trabalho no meio rural brasileiro, possvel perceber que os riscos ocupacionais sempre

    existiram, e que foram intensificados e agravados a partir da dcada de 1940 em virtude de

    diversas transformaes que afetaram o ambiente do trabalho rural, provocando o aumento de

    ocorrncias de acidentes de trabalho.

    Silveira et al. (2005) destacam que os trabalhadores rurais executam variadas atividades

    em ambiente propiciador de diversificados fatores de riscos ocupacionais. Entre eles, destacam-

    se os riscos fsicos, pois o trabalho realizado em locais sem abrigo; os qumicos, em virtude

    dos produtos agrcolas e tambm da poeira do solo; os ergonmicos, devido os pesos que os

    trabalhadores carregam ao longo do dia de trabalho; os biolgicos, pela presena de animais

    que lhes podem causar certos ferimentos, entre outros.

    Os acidentes de trabalho so um grave problema de sade pblica, no Brasil. Apesar das

    estatsticas oficiais mostrarem a diminuio do nmero de acidentes, a sua ocorrncia ainda

    muito elevada, sem contar que na dcada de 1970, o Brasil recebeu o ttulo de campeo mundial

    de acidentes de trabalho.

    Os acidentes de trabalho no so apenas destaques nas atividades consideradas urbanas,

    como indstria e comrcio, mas tambm so destaques no meio rural e, entre as atividades

    rurais, podemos salientar os acidentes que ocorrem na lavoura canavieira.

    Embora muito tempo tenha se passado desde o perodo da modernizao da agricultura e mudanas tenham sido institudas, ainda nos dias atuais os acidentes do trabalho no meio rural representam um problema social de relevncia, que agravado em virtude das subnotificaes e da escassez de informaes, as quais tendem a menosprez-lo (Drebes et al., 2014, p. 3468). Em uma reportagem, no ano de 2010, realizada por Talamone, sobre as condies de

    trabalho nas plantaes de cana-de-acar3, realizada com pesquisadores que trabalham com

    pesquisas voltadas a essa temtica, destacam que ainda as condies no meio rural so

    extremamente precrias. De acordo com os pesquisadores entrevistados, Navarro, Galiano e

    Rosa, a forma de contratao, o salrio por produo, as condies de moradias e de trabalho

    so fontes de desgaste para esses trabalhadores que chegam de diversas regies do pas,

    3 Texto elaborado por Rosemeire Soares Talamone, do Servio de Comunicao Social da Coordenadoria do Campus de Ribeiro Preto/USP. Os pesquisadores entrevistados, nessa reportagem, foram Vera Navarro, Andr Galiano e Leandro Amorim Rosa.

  • 25

    inclusive do nordeste e representam ainda formas de trabalho precrio. Rosa ainda salienta que

    manter o trabalho precrio torna-se ainda mais produtivo para as usinas.

    Nessa mesma reportagem, Navarro considera que a conjuntura muito diferente da

    dcada de 1980, pois os sindicatos eram mais atuantes e os movimentos sociais cobravam mais.

    Para a pesquisadora, a mudana na forma de produo, de plantao e de colheita da cana que

    intensificaram o aumento do trabalho e isto seria o grave n da questo. O trabalho por

    produo aumenta esse tipo de explorao e o desgaste do trabalhador.

    A queimada da cana-de-acar tambm outro fator de destaque, mesmo hoje havendo

    uma lei que probe a queima da cana, em alguns lugares ainda essa prtica comum, o que

    refora, ainda mais, que o trabalho no corte da cana continua bastante desumano. A Lei Estadual

    No. 11.241, de 2002, do Estado de So Paulo, estabelece que at o ano de 2031 seja

    completamente cessada a queima da palha da cana na fase de pr-colheita.

    Nos ltimos anos, as usinas esto passando por um processo de modernizao na

    colheita da cana, com a insero de mquinas no campo, como por exemplo as colheitadeiras.

    Algumas usinas j chegam a utilizar 90% da colheita de cana mecanizada, porm isso torna a

    situao ainda mais grave. De acordo com a pesquisadora Navarro, nessa conjuntura de corte

    mecanizado e corte manual, o trabalhador fica com a pior rea, onde a mquina no consegue

    entrar para realizar a colheita e nem d para queimar a cana, como afirma uma fala da

    pesquisadora, alta tecnologia para a produo e, para o trabalhador, relaes arcaicas e

    precrias.

    No corte manual da cana, os trabalhadores alm de ficarem expostos a diferentes

    condies climticas, como o sol e a chuva, lembrando que no perodo da colheita, que se inicia

    por volta de abril ou maio e vai at o ms de novembro, as temperaturas so extremamente

    quentes, chegando a variar de 23 a 400C, ainda h riscos de intoxicao com o uso de defensivos

    agrcolas nas plantaes.

    Como afirma Penteado, Sanches, Castelane, Valderrama e Magagnini (2013, p. 52),

    Os trabalhadores do corte manual da cana se mantm expostos a diferentes condies climticas. No perodo da colheita o clima quente e o trabalho do corte realizado sob temperaturas elevadas que variam de 23 a 360C. Alm de enfrentarem diferentes fenmenos climticos como a chuva, o vento, a umidade e poeira advindas do corte e fuligem, ainda h riscos de intoxicao com agrotxicos e acidentes com animais peonhentos.

  • 26

    Penteado et al. (2013) ainda destacam que de acordo com a Organizao Internacional

    do Trabalho (OIT), o trabalho rural significativamente mais perigoso que outras atividades e

    estima que muitos trabalhadores sofram graves problemas de sade.

    Em pesquisas realizadas no noroeste do Estado de So Paulo, por Penteado et al. (2013),

    os autores destacam que o cortador de cana convive tanto com a alta tecnologia na lavoura como

    com condies mais simples de plantio e corte. Os autores salientam que o nmero de acidentes

    do trabalho muito elevado, em virtude das queimadas de cana, da postura fsica exigida para

    o trabalho braal no corte e pela utilizao das ferramentas de trabalho, como o afiado faco ou

    podo.

    Deve-se destacar que os acidentes de trabalho na lavoura canavieira ocorrem tanto com

    os trabalhadores braais quanto aqueles que exercem atividades com as mquinas agrcolas.

    D.A. Rodrigues (2014) ainda destaca que as mquinas colhedoras de cana tm destaque

    nas ocorrncias de acidentes e so consideradas agentes envolvidos nestes infortnios, pois

    assumem um papel de destaque no estudo dos acidentes com mquinas agrcolas, em virtude

    de seu potencial de gerar situaes de acidentes e, muitas vezes, fatais, ou deixar sequelas nas

    vtimas, como amputaes, mutilaes que as acompanham pelo resto da vida.

    A problemtica dos acidentes de trabalho no meio rural torna-se, ento, relevante nas

    pesquisas sociais, pois h a necessidade de se obter informaes sobre a gravidade dessas

    ocorrncias, de forma a contribuir para a preveno de acidentes de trabalho e de melhorias nas

    condies laborais.

    Por este fato, como j foi revelado, este trabalho teve como objetivo conhecer em que

    circunstncias ocorreram os acidentes de trabalho envolvendo os trabalhadores da agroindstria

    canavieira da regio de Araraquara (SP) e suas conseqncias para os trabalhadores.

  • 27

    1 Transformaes no mundo do Trabalho

    [...] foi mediante o trabalho que os membros dessa espcie se tornaram seres que, a partir de uma base natural (seu corpo, suas pulses, seu metabolismo etc.), desenvolveram caractersticas e traos que os distinguem da natureza. Trata-se do processo no qual, mediante o trabalho, os homens produziram-se a si mesmo (isto , se autoproduziram como resultado de sua prpria atividade), tornando-se para alm de seres naturais seres sociais (Netto & Braz, 2007).

    As transformaes que ocorrem no mundo do trabalho atingem diversos setores da

    economia mundial. Essas transformaes acarretam mudanas no processo de produo e na

    organizao do trabalho com srias implicaes para o trabalhador que, de certo modo, sofre as

    consequncias dessa onda de mudanas em sua atividade laboral.

    Essas mudanas no mundo do trabalho podem ser observadas por meio do aumento da

    jornada laboral; da introduo de tecnologias no processo de trabalho; da precarizao das

    condies dos ambientes onde as atividades laborais so realizadas; da intensificao do

    trabalho; do contrato precrio ou subcontratao da fora de trabalho; do trabalho terceirizado

    e at mesmo daquelas atividades que so realizadas no domiclio dos trabalhadores.

    A organizao do trabalho e as condies laborais, onde a atividade realizada,

    repercutem negativamente na sade do trabalhador que sofre graves doenas relacionadas ao

    trabalho e vivencia, diariamente, diversos tipos de acidentes durante o exerccio da atividade

    laboral. De um lado, temos aspectos negativos do trabalho que so refletidos por meio do

    aumento dos adoecimentos provocados pelo trabalho, e por outro, aspectos positivos com

    relao ao prprio significado do trabalho para o indivduo e a sociedade, ou seja, a importncia

    dessa categoria nas nossas relaes humanas. Por isso, muitas vezes o trabalho visto em seu

    duplo sentido, ora pelo prazer, em virtude da importncia e do significado que a atividade tem

    para o homem, ora pelo sofrimento provocado pelas precrias condies laborais que afetam a

    sade do sujeito.

    Por este fato, para compreender tais mudanas, no mundo do trabalho, preciso resgatar

    a histria do trabalho para chegarmos ao capitalismo atual. preciso resgatar fatos histricos

    que ocorreram na nossa sociedade e toda a transformao advinda do sistema capitalista para

    compreendermos as repercusses na sade do trabalhador.

    Discutir as transformaes que ocorreram e ocorrem no mundo do trabalho, torna-se

    importante, primeiramente, destacar a categoria Trabalho do ponto de visto histrico. Essa

  • 28

    categoria tem sido o foco de muitos estudiosos, devido a centralidade que o trabalho ocupa na

    vida dos seres humanos.

    A questo da histria do trabalho pode ser compreendida por meio dos modos de

    produo existentes na sociedade.

    O trabalho est inserido em nossa sociedade muito antes do surgimento do capitalismo.

    O trabalho surgiu em virtude da necessidade do ser humano em buscar alimentos para a sua

    sobrevivncia. Por meio dessa necessidade humana, o homem se apropriou de elementos da

    natureza para construir suas ferramentas em busca de alimentao.

    A categoria trabalho central na teoria de Marx. Para o autor,

    [...] o trabalho um processo entre o homem e a Natureza, um processo em que o homem, por sua prpria ao, media, regula e controla seu metabolismo com a Natureza. Ele mesmo se defronta com a matria natural como uma fora natural. Ele pe em movimento as foras naturais pertencentes a sua corporalidade, braos e pernas, cabea e mo, a fim de apropriar-se da matria natural numa forma til para sua prpria vida. Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a Natureza externa a ele e ao modific-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua prpria natureza. Ele desenvolve as potncias nela adormecidas e sujeita o jogo de suas foras a seu prprio domnio. No se trata aqui das primeiras formas instintivas, animais, de trabalho. O estado em que o trabalhador se apresenta no mercado como vendedor de sua prpria fora de trabalho deixou para o fundo dos tempos primitivos o estado em que o trabalho humano no se desfez ainda de sua primeira forma instintiva. Pressupomos o trabalho numa forma em que pertence exclusivamente ao homem (Marx, 1996a, pp. 297-298).

    A Psicologia Scio-Histrica, associada ao nome de L. Vygostky, sob a influncia do

    pensamento marxista, estuda o ser humano como construes histricas e sociais da

    humanidade. Segundo esta teoria, o trabalho seria uma atividade instrumental de transformao

    do mundo para obter sobrevivncia. E no s o trabalho como uso de instrumentos para a

    transformao, mas o fato de se dar em um coletivo de humanos. Instrumentos, trabalho,

    coletivo de humanos... eis a a origem de tudo (Bock, Furtado & Teixeira, 2008, p.73).

    Para Netto e Braz (2007, p. 29), na base da atividade econmica est o trabalho,

    [...] ele que torna possvel a produo de qualquer bem, criando os valores que constituem a riqueza social. [...] trata-se de uma categoria que, alm de indispensvel para a compreenso da atividade econmica, faz referncia ao prprio modo de ser dos homens e da sociedade.

    Impossvel compreender o trabalho sem compreender a sociedade, pois o homem vive

    em contato com outros homens. De acordo com Tomazi (1986), a natureza humana social.

  • 29

    [...] no podemos pensar a vida social como um conjunto de relaes abstratas, desligadas de

    um contexto concreto (Tomazi, 1986, p. 12).

    Os homens se relacionam uns com os outros por meio do trabalho, ou seja, o trabalho

    s se torna possvel em sociedade. um processo pelo qual o ser humano estabelece, ao

    mesmo tempo, relao com a natureza e com os outros indivduos relaes que se determinam

    reciprocamente. Portanto, o trabalho s pode ser entendido dentro das relaes sociais

    determinadas (Bock et al., 2008, p. 78).

    As pessoas se relacionam sempre atravs do trabalho. Todas as sociedades apresentam uma diviso de trabalho, que regula as relaes dos homens entre si no processo de produo de vida. E, nesse processo de produo de vida, as relaes que se estabelecem so de trabalho, de transformao da natureza. Isto , a sociedade sempre um conjunto de relaes dos homens entre si e com a natureza por intermdio do processo de trabalho, para a produo de vida (Tomazi, 1986, p. 12).

    O trabalho no transforma apenas a matria, pela ao dos seus sujeitos, numa interao

    que pode ser caracterizada como o metabolismo entre sociedade e natureza. Segundo Netto e

    Braz (2007), o trabalho implica mais que a relao sociedade e natureza, implica, contudo, uma

    interao no marco da prpria sociedade, afetando inclusive os seus sujeitos e a sua

    organizao.

    Para a Psicologia Scio-Histrica no podemos compreender o homem sem conhecer o

    mundo em que ele vive. Sujeito e Mundo so, portanto, mbitos distintos, mas criado no mesmo

    processo. Ao interferir de modo transformador sobre o mundo material, o ser humano estar

    se constituindo e construindo o mundo que tem sua volta (Bock et al., 2008, p. 76).

    E nessa perspectiva dialtica que o homem torna-se um ser ativo, pois ao agir na

    natureza, por meio da atividade, o homem a transforma, mas tambm transformado por ela.

    Por isso, essa abordagem destaca, portanto, que o ser humano um ser ativo, social e histrico.

    De acordo com Marx e Engels (2007), o homem se torna diferente dos outros animais

    em virtude de muitas caractersticas, porm, uma em destaque a capacidade para o trabalho.

    Para os autores, os animais apenas recolhem o que encontram na natureza, o homem a

    transforma, na medida que produz as condies da sua sobrevivncia. Essa capacidade do

    trabalho faz com que o homem seja um ser histrico.

    O primeiro ato histrico , pois, a produo dos meios para a satisfao dessas necessidades, a produo da prpria vida material, e este , sem dvida, um ato histrico, uma condio fundamental de toda a histria, que ainda hoje, assim como h milnios,

  • 30

    tem de ser cumprida diariamente, a cada hora, simplesmente para manter os homens vivos (Marx & Engels, 2007, p. 33).

    Outro ponto importante para os autores, que a satisfao dessa primeira necessidade,

    ou seja, a ao de satisfaz-la e o instrumento de satisfao j adquirido conduzem a novas

    necessidades.

    Outra concepo, segundo Marx e Engels (2007), que intervm no desenvolvimento

    histrico, a famlia. No incio, a famlia se constitui a nica relao social, porm mais tarde,

    quando as necessidades aumentam, criam novas relaes sociais e o crescimento da populao

    engendra novas necessidades4.

    A produo da vida, tanto da prpria, no trabalho, quanto da alheia, na procriao, aparece desde j como uma relao dupla de um lado, como relao natural, de outro como relao social , social no sentido de que por ela se entende a cooperao de vrios indivduos, sejam quais forem as condies, o modo e a finalidade. Segue-se da que um determinado modo de produo ou uma determinada fase industrial esto sempre ligados a um determinado modo de cooperao ou a uma determinada fase social modo de cooperao que , ele prprio, uma fora produtiva , que a soma das foras produtivas acessveis ao homem condiciona o estado social e que, portanto, a histria da humanidade deve ser estudada e elaborada sempre em conexo com a histria da indstria e das trocas (Marx & Engels, 2007, p. 34).

    Para a abordagem Scio-Histrica, a atividade que cada ser humano exerce

    determinada pela forma como a sociedade se organiza para o trabalho. Dessa forma, o trabalho

    s possvel em sociedade.

    Segundo Tomazi (1986), a produo da vida implica no s a produo dos bens

    materiais, mas tambm dos culturais, ideolgicos como um todo. E a sociedade sempre esse

    conjunto de relaes sociais entre os homens e a natureza no processo de trabalho. O trabalho

    deve, ento, ser entendido como a atividade fundamental para o estabelecimento das relaes

    sociais entre os homens (Tomazi, 1986, p. 13).

    De acordo com Marx (2004), o trabalho fundamental para a reproduo social. O

    trabalho torna-se um elemento mediador entre o homem e a natureza e, dessa interao, surge

    o processo de formao humana.

    4 Um exemplo: a tcnica de navegao com embarcaes simples, mas que possvel atingir o centro do rio, onde os peixes so maiores. Consequentemente, haver uma alterao tanto econmica quanto social, pois o domnio da nova tcnica implicar na necessidade de novos instrumentos de pesca e, provavelmente, de uma nova diviso de trabalho em relao a essa atividade e, isto mudar o conjunto da organizao social do grupo para a produo de vida (Tomazi, 1986).

  • 31

    Portanto, o trabalho tem importncia fundamental ao longo da histria da humanidade.

    Lukcs (1972) destaca que para Marx o trabalho uma categoria central. Na medida em que

    Marx faz da produo e da reproduo da vida humana um problema central, surge relaes e

    vnculos entre o homem e os objetos que por ele foram criados.

    No momento em que Marx faz da produo e da reproduo da vida humana o problema central, surge tanto no prprio homem como em todos os seus objetos, relaes, vnculos, etc. - a dupla determinao de uma insupervel base natural e de uma ininterrupta transformao social dessa base (Lukcs, 1972, p. 16).

    Por meio do trabalho h uma dupla transformao. De um lado, o prprio homem que

    trabalha transformado pela sua prpria atividade, o trabalho, pois ele atua sobre a natureza

    exterior, modificando-a, mas ao mesmo tempo, tambm modifica a sua prpria natureza; [...]

    desenvolve as potncias nela ocultas e subordina as foras da natureza ao seu prprio poder

    (Lukcs, 1972, p.16). Por outro lado, os objetos so transformados em meios, em matrias-

    primas. O homem que trabalha utiliza as propriedades mecnicas, fsicas e qumicas das

    coisas, a fim de faz-las atuar como meios para poder exercer seu poder sobre outras coisas, de

    acordo com sua finalidade (Lukcs, 1972, p. 16).

    O trabalho passa a ser considerado como uma objetivao primria e ineliminvel do

    ser social. Com o desenvolvimento, suas objetivaes se diversificam, ou seja, surgem novas

    objetivaes, entre as quais podemos classificar a cincia, a religio, a filosofia, a arte (Netto

    & Braz, 2007).

    Para Marx (2004), o trabalho ser sempre um elemento cujo papel mediador

    ineliminvel da sociedade, ou seja, da sociabilidade humana. O conjunto das esferas da

    existncia humana, seja a arte, a religio, a filosofia, a liberdade, at as formas concretas e

    imediatas de realizao do trabalho aparece como dependente da produo. Assim, o trabalho

    mediao entre o homem e a natureza e dessa interao deriva todo o processo de formao

    humana.

    A produo aparece como forma de o homem se manter, alm de configurar a forma de ele definir e orientar suas necessidades. Necessidades que, uma vez satisfeitas, repem, ao infinito, novas necessidades; inclusive, na medida em que a produo se enriquece, a produtividade aumenta, e, portanto, o trabalho se sofistica. Repem e renovam necessidades no propriamente materiais, mas abstratas, espirituais, que aparecem, tambm elas, como resultado da atividade produtiva, tendo em vista o fato de que o

  • 32

    marco inicial desse movimento a relao estabelecida entre o ser humano e o meio natural (Marx, 2004, p. 14)5.

    Ranieri (2000) destaca, baseado nas obras de Marx, que [...] somente pela

    compreenso do objeto do trabalho enquanto objeto que, ao mesmo tempo, supre e cria

    necessidades que repousa, por um lado, o sentido da sociabilidade e, por outro, a chave de seu

    coroamento numa sociedade emancipada (p. 32).

    O movimento indissocivel entre objetivao e subjetivao, pressupondo-se que o

    trabalho a base na qual se solidifica a prpria realizao da atividade do homem, para Marx o

    objeto, produto dessa atividade, extenso objetiva de uma existncia subjetiva, isto ,

    externao da capacidade humana para alcance dessa mesma atividade.

    O produto aquela forma cuja apropriao natural apropriao humana, objetivao

    da atividade do sujeito, isto , objeto do trabalho enquanto objetivao genrica. Ao mesmo

    tempo em que aparece como uma relao histrica entre o homem e a natureza, o trabalho acaba

    por determinar o conjunto da vida humana, isto , o trabalho como mediador satisfaz

    necessidades [...] tornando o gnero humano, na sua apropriao da natureza, cada vez mais

    um gnero para-si mesmo (Ranieri, 2000, p. 34).

    Segundo Ranieri (2000), em seus estudos sobre a obra de Marx, atravs do trabalho

    que Marx revela o pressuposto da economia poltica, que toma o trabalhador como um

    instrumento de trabalho e o distancia de sua condio humana. tambm atravs do trabalho

    que Marx chega a concluses acerca do estranhamento em sociedades de formao pr-

    capitalista. O processo de alienao e exteriorizao, enquanto atividade humana se d por

    intermdio das formas de organizao do trabalho, destacando tambm a diviso do trabalho.

    Uma das preocupaes de Marx no somente o objeto, mas o prprio trabalho

    enquanto mediador responsvel pela satisfao de necessidades, mas tambm pela sua criao.

    A se encontra a interao entre objeto e sujeito. Assim, a preocupao de Marx com relao ao

    sujeito e objeto no somente metodolgica, por isso supera a oposio sujeito e objeto.

    [...] sabe ele que o carter intrnseco do estranhamento humano que comea no trabalho e termina no dinheiro (forma complexa e mais atual do estranhamento enquanto sociabilidade do capital) s tem sentido e explicao se o prprio trabalho for compreendido no contexto da realizao histrica do homem: o autodesenvolvimento ontolgico do prprio trabalho (Ranieri, 2000, p. 35).

    5 Citao da Introduo do livro Manuscritos econmicos-filosficos, escrito por Jesus Ranieri.

  • 33

    muito propagado o fenmeno do estranhamento e alienao segundo Marx. A noo

    de estranhamento para o autor um ato em que o homem se torna um estranho aos resultados

    de sua prpria atividade6. Para Marx (2004, p. 80),

    [...] o objeto que o trabalho produz, o seu produto, se lhe defronta como um ser estranho, como um poder independente do produto. O produto do trabalho o trabalho que se fixou num objeto, fez-se coisal, a objetivao do trabalho. A efetivao do trabalho a sua objetivao. Essa efetivao do trabalho aparece ao estado nacional-econmico como desefetivao do trabalhador, a objetivao como perda do objeto e servido ao objeto, a apropriao como estranhamento, como alienao.

    Marx (2004) se refere alienao como o trabalho externo ao trabalhador, ou seja, no

    pertence ao seu ser, no se sente feliz.

    O trabalhador s se sente, por conseguinte e em primeiro lugar, junto a si [quando] fora do trabalho e fora de si [quando] no trabalho. Est em casa quando no trabalha e, quando trabalha, no est em casa. O seu trabalho no portanto voluntrio, mas forado, trabalho obrigatrio. O trabalho no , por isso, a satisfao de uma carncia, mas somente um meio para satisfazer necessidades fora dele [...]. O trabalho externo, o trabalho no qual o homem se exterioriza, um trabalho de auto-sacrifcio, de mortificao. Finalmente, a externalidade do trabalho aparece para o trabalhador como se [o trabalho] no fosse seu prprio, mas de um outro, como se [o trabalho] no lhe pertencesse, como se ele no trabalho no pertencesse a si mesmo, mas a um outro (Marx, 2004, p. 83).

    A cada momento do desenvolvimento da nossa sociedade, o trabalho passou por

    modificaes que possibilitaram novas relaes entre o homem e o objeto de trabalho, ou seja,

    a cada momento histrico, o trabalho passou por diferentes momentos que possibilitaram

    distintas formas de organizao da atividade laboral.

    Por isso, faz-se necessrio resgatar a histria do capitalismo na nossa sociedade, pois de

    acordo com Tomazi (1986) o trabalho como forma de luta pela sobrevivncia do homem em

    conjunto com outros homens assume formas distintas em momentos e em sociedades diferentes,

    como por exemplo, a diferena entre o trabalho da caa e da pesca, onde os homens, a partir de

    uma atividade coletiva, dividiam o produto entre os membros do grupo e o trabalho baseado na

    pequena agricultura e no artesanato, tal como sucedia na sociedade feudal.

    6 Ranieri (2000) destaca que para Marx o processo de humanizao depende do alcance histrico do desenvolvimento efetivo da atividade, no qual, s pode ser compreendido a partir da considerao da maneira como o trabalho, a partir das formas de apropriao, expropriao e desenvolvimento das foras produtivas, perpassa a histria at atingir a sua forma mxima de substancialidade estranhada e genrica sob o domnio do capital.

  • 34

    1.1 O Trabalho no Capitalismo

    At aqui fizemos um esboo acerca da categoria trabalho e j adentramos, sucintamente,

    a questo do trabalho no capitalismo. O conceito de estranhamento e alienao no trabalho

    passa a adquirir uma ateno especial, por parte dos estudiosos, como Marx. Na sociedade

    capitalista, muito propagado o fenmeno da alienao, quando o homem j no se reconhece

    mais como produtor de suas objetivaes.

    Segundo Marx (2004), o trabalho e sempre ser um mediador entre o homem e a

    natureza, ou seja, seu papel como mediador ineliminvel da sociedade, porm o trabalho sob

    os auspcios do capitalismo traz consigo uma subordinao do trabalho ao capital, j que o seu

    controle determinado pela sociedade da reproduo privada da apropriao do trabalho alheio.

    O trabalho como mediador universal tem continuidade, mas se submete s exigncias da troca

    capitalista, da propriedade privada e da diviso do trabalho.

    Marx destaca que a riqueza das sociedades em que domina o modo de produo

    capitalista aparece como imensa mercadoria7. O valor de um produto determinado segundo a

    qualidade e a quantidade e o trabalho o nico responsvel pela produo de valor.

    De acordo com Marx (1996a), a utilidade de uma coisa faz dela um valor de uso8. Um

    exemplo que o autor destaca o casaco como um valor de uso.

    [...] tanto faz ser usado pelo alfaiate ou pelo fregus do alfaiate. Em ambos os casos ele funciona como valor de uso. Tampouco a relao entre o casaco e o trabalho que o produz muda, em si e para si, pelo fato de a alfaiataria tornar-se uma profisso especfica, um elo autnomo da diviso social do trabalho. Onde a necessidade de vestir o obrigou, o homem costurou durante milnios, antes de um homem tornar- se um alfaiate. Mas a existncia do casaco, do linho, de cada elemento da riqueza material no existente na natureza, sempre teve de ser mediada por uma atividade especial produtiva, adequada a seu fim, que assimila elementos especficos da natureza a necessidades humanas especficas (Marx, 1996a, p. 172).

    Por isso Marx (1996a) afirma que o trabalho, como criador de valores de uso, como

    trabalho til, uma condio de existncia do homem, independente de todas as formas de

    sociedade, uma eterna necessidade natural de mediao do metabolismo entre homem e

    7 A mercadoria , antes de tudo, um objeto externo, uma coisa, a qual pelas suas propriedades satisfaz necessidades humanas de qualquer espcie (Marx, 1996a, p. 165). 8 Segundo Marx (1996a), cada coisa til, seja o ferro ou o papel deve ser encarada sob dois pontos de vistas: a qualidade e a quantidade. Cada uma dessas coisas um todo de muitas propriedades e pode ser til sob vrios aspectos. Descobrir os diversos modos de usar as coisas tambm um ato histrico.

  • 35

    natureza. O valor de uma mercadoria determinado pela quantidade de trabalho despendido

    para a sua produo.

    O trabalho, entretanto, o qual constitui a substncia dos valores, trabalho humano igual, dispndio da mesma fora de trabalho do homem. A fora conjunta de trabalho da sociedade, que se apresenta nos valores do mundo das mercadorias, vale aqui como uma nica e a mesma fora de trabalho do homem, no obstante ela ser composta de inmeras foras de trabalho individuais (Marx, 1996a, p. 168).

    A fora de trabalho , no capitalismo, uma mercadoria, que se colocada no mercado

    comprada pelos capitalistas. Segundo Tomazi (1986), a fora de trabalho no se iguala

    simplesmente com as outras mercadorias, pois ela uma mercadoria especial. Somente ela pode

    criar outras mercadorias.

    Foi a partir dos sculos XVI e XVII que os trabalhadores artesos e camponeses foram

    submetidos a um processo de expropriao dos instrumentos de trabalho e da terra, em virtude

    do avano do desenvolvimento da manufatura e da poltica de concentrao de terras. Tomazi

    (1986) destaca que os trabalhadores, expropriados dos seus meios de produo, se viram

    obrigados a vender sua fora de trabalho a uma outra classe social, a burguesia, dona dos meios

    de produo. Desta forma, o capitalista compra a fora de trabalho, que o conjunto das

    capacidades fsicas e intelectuais do trabalhador.

    No sistema capitalista existe uma cooperao dos trabalhadores entre si no processo de

    elaborao das mercadorias, no qual transforma o trabalho individual em trabalho social.

    Tomazi (1986) destaca que todos os trabalhadores se igualam porque todos se desgastam, se

    consomem, despendem energias no processo de trabalho de transformao da natureza, ou seja,

    em mercadorias.

    O advento do capitalismo transforma radicalmente a relao do homem com a natureza e dos homens entre si, possibilitando a apropriao privada dos meios de produo apenas por uma parte da sociedade, a explorao do trabalho de segmentos significativos da populao, e, conseqentemente, a apropriao por parte dos proprietrios dos meios de produo do trabalho excedente realizado pelos trabalhadores (Cohn & Marsiglia, 1993, p. 59).

    Como mercadoria, a fora de trabalho deve ser constantemente produzida e reproduzida.

    Tomazi (1986) destaca que o processo de desenvolvimento do capital implica o processo de

    ampliao do quadro de trabalhadores. Isso requer criao de novos operrios, novos meios

    de realizao da dominao de camadas, como por exemplo, as mulheres e as crianas.

  • 36

    Num primeiro momento, o processo de trabalho puramente individual, ou seja, o

    mesmo trabalhador rene todas as funes que, mais tarde, sero separadas. Na apropriao

    individual de objetos naturais para seus fins de vida, ele controla a si mesmo. Mais tarde ele

    ser controlado (Marx, 1996b, p. 137). O que Marx destaca que, num segundo momento, o

    homem ser controlado pelo trabalho de carter cooperativo. Marx ainda salienta que o homem

    isolado no pode atuar sobre a natureza sem a atuao de seus msculos, sob o controle de seu

    prprio crebro. Assim como no sistema natural cabea e mo esto interligados, Marx faz uma

    analogia de que o processo de trabalho une o trabalho intelectual com o trabalho manual. E

    mais tarde se separam.

    Desta forma, o produto se transforma de um produtor individual para um trabalhador

    coletivo, ou seja, o carter do processo de trabalho torna-se coletivo. E assim, o conceito de

    trabalho produtivo se estreita.

    A produo capitalista no apenas produo de mercadoria, essencialmente produo de mais-valia. O trabalhador produz no mais para si, mas para o capital. No basta, portanto, que produza em geral. Ele tem de produzir mais-valia. Apenas produtivo o trabalhador que produz mais-valia para o capitalista ou serve autovalorizao do capital (Marx, 1996b, p. 138).

    A mais-valia absoluta constitui a base geral do sistema capitalista e o ponto de partida

    para a produo da mais-valia relativa. De acordo com Marx (1996b) a produo da mais-valia

    absoluta gira em torno da durao da jornada de trabalho e a produo da mais-valia relativa

    revoluciona de alto a baixo os processos tcnicos do trabalho e os agrupamentos sociais.

    Dessa forma, no modo de produo capitalista surge a subordinao do trabalho ao

    capital. O objetivo final desse sistema capitalista o lucro, ou seja, a acumulao de capital.

    O processo de trabalho no capitalismo passou por profundas transformaes que

    expressaram a necessidade de ampliar a produtividade visando a acumulao do capital. Cohn

    e Marsiglia (1993) destacam que a acumulao de capital demanda o controle do processo de

    trabalho para que o trabalhador produza por meio da diviso do trabalho. Essa diviso feita

    separando as tarefas de concepo das tarefas de execuo do trabalho, isto , desqualificando

    o trabalhador ao expropri-lo de seu saber-fazer; o incremento da produtividade no qual so

    desenvolvidos os instrumentos de trabalho.

  • 37

    1.1.1 Processo de desenvolvimento da Indstria no Capitalismo

    O processo de consolidao do capitalismo compreendeu diversos ciclos, isto , foi

    marcado por importantes mudanas repletas de inovaes tecnolgicas, de qualificao do

    trabalhador, de modos de organizao do trabalho e da produo, de estratgias empresariais e

    formas de controle dos trabalhadores. De acordo com Merlo e Lapis (2007) essas

    transformaes marcaram as etapas histricas do capitalismo, nas quais se pode resgat-las

    desde a Revoluo Industrial.

    A transio do feudalismo para o capitalismo marcada pela Revoluo Industrial. Esta

    fase proporcionou o nascimento do capitalismo que superou a fase de acumulao primitiva do

    capital (Arruda, 1984).

    Merlo e Lapis (2007) destacam que na Primeira Revoluo Industrial j se iniciou o uso

    intensivo de mo-de-obra assalariada. Essa fase associada ao trabalho pesado e insalubre nas

    indstrias txtil, tendo como referncia tecnolgica o uso da mquina a vapor.

    A Revoluo Industrial marcou o surgimento de novas classes sociais, a burguesia e o

    proletariado, alm da passagem da sociedade agrria para a industrial. Segundo Kantorski

    (1997), isso resultou em profundas mudanas polticas e sociais e significou uma enorme

    mudana no processo de trabalho [...] no s pela introduo de uma base tcnica, como pela

    funo do trabalho assalariado (p. 8).

    No livro O Capital, Marx aponta trs momentos caractersticos do processo de

    trabalho na histria do modo de produo capitalista, denominadas de cooperao simples,

    manufatura, maquinaria.

    A fase da cooperao simples, destacadas por Marx, baseia-se no ofcio, sendo a diviso

    do trabalho ainda incipiente, pois o trabalhador executa vrias tarefas que correspondem s do

    arteso9. Nesta etapa, ainda se mantm a unidade entre a concepo e a execuo do trabalho,

    pois o controle do capitalista sobre o processo de trabalho se d pela relao de propriedade e

    no pela apropriao do saber do trabalhador. O controle sobre o processo de trabalho

    substitudo pelo controle desptico direto sobre o trabalhador para que se possa produzir mais,

    prolongando a jornada de trabalho e pressionando a queda do salrio. Este ponto em que

    predomina a mais-valia absoluta (Cohn & Marsiglia, 1993).

    9 A manufatura, nessa etapa, no se distingue, no seu princpio, da indstria artesanal das corporaes. A nica diferena o maior nmero de trabalhadores ocupados pelo mesmo capital. A oficina do mestre-arteso apenas ampliada (Marx, 1996a).

  • 38

    Segundo Marx (1996a), a produo capitalista se inicia, de fato, quando um mesmo

    capital individual ocupa simultaneamente um nmero maior de trabalhadores e o processo de

    trabalho amplia sua extenso e fornece produtos em quantidades maiores que antes.

    A atividade de um nmero maior de trabalhadores, ao mesmo tempo, no mesmo lugar (ou, se se quiser, no mesmo campo de trabalho), para produzir a mesma espcie de mercadoria, sob o comando do mesmo capitalista, constitui histrica e conceitualmente o ponto de partida da produo capitalista (Marx, 1996a, p. 439).

    A cooperao baseada na diviso do trabalho adquire sua forma clssica na manufatura.

    Esse segundo momento, que permeou os sculos XVI at o sculo XVIII, foi conhecido como

    o perodo manufatureiro.

    A manufatura apresenta pontos semelhantes com a cooperao, mas se distingue desta

    por causa da diviso do trabalho. O ofcio dos antigos artesos decomposto em vrias

    atividades, assim, cada trabalhador realiza tarefas parcializadas.

    A parcializao, por outro lado, possibilita o aumento da intensidade do trabalho, e por conseqncia sua produtividade, j que a decomposio, hierarquizao e reorganizao das atividades permitem diminuir os chamados tempos mortos, isto , tempos em que o trabalhador abandona uma tarefa para fazer outra. O trabalho parcializado combina os trabalhos individualizados para compor um trabalho coletivo, que consome menos tempo que o trabalho completo realizado por cada trabalhador individualmente (Cohn & Marsiglia, 1993, pp. 60-62). De acordo com Braverman (1981), o mais antigo e inovador princpio do modo

    capitalismo de produo foi a diviso manufatureira do trabalho. O autor destaca que a diviso

    do trabalho na indstria capitalista no nada igual ao fenmeno da distribuio de tarefas,

    ofcios ou especialidades da produo atravs da sociedade, embora todas as sociedades

    conhecidas tenham tambm dividido seu trabalho em especialidades produtivas, nenhuma

    delas, antes do capitalismo, subdividiu sistematicamente o trabalho de cada especialidade

    produtiva em operaes limitadas. Esta forma de diviso do trabalho torna-se generalizada

    apenas com o capitalismo (Braverman, 1981, p. 70).

    nesse momento tambm que surge a separao entre concepo e a execuo do

    trabalho, ou seja, alguns trabalhadores devero organizar o trabalho coletivo e faz-lo ser

    executado por outros trabalhadores. Cohn e Marsiglia (1993) destacam que isso possibilita um

    aumento do controle do capital sobre o processo de trabalho. Alguns trabalhadores se

  • 39

    sobrequalificam, na medida em que tm o conhecimento de todo o processo de trabalho, outros

    se desqualificam por concentrar a sua ao no desempenho de atividades que so parcializadas.

    Para Marx (1996a) o carter capitalista da manufatura o controle dos trabalhadores

    sob o comando de um mesmo capital. A diviso manufatureira desenvolve o crescimento do

    nmero de trabalhadores empregados, ou seja, o mnimo de trabalhadores que o capitalista tem

    de empregar prescrito pela diviso do trabalho.

    Esse controle do capital sobre os trabalhadores possibilita o aumento da produtividade,

    ou seja, cada trabalhador passa a produzir mais na mesma unidade de tempo. De acordo com

    Cohn e Marsiglia (1993), nesta subsuno real do trabalho ao capital, a forma de explorao

    a mais-valia relativa.

    Com a parte varivel tem de crescer tambm a parte constante do capital, alm do volume das condies comuns de produo, como construes, fornos etc., nomeadamente tambm e com muito mais rapidez que o nmero de trabalhadores, a matria-prima (Marx, 1996a, p. 474).

    Neste perodo da manufatura, como afirma G. Alves (2013), foi o revolucionamento da

    fora de trabalho que caracterizou o desenvolvimento dessa forma social capitalista. O capital

    criou, por meio da expropriao dos camponeses, a massa de fora de trabalho em favor das

    manufaturas em crescimento no sculo XVIII. O autor continua ressaltando que a manufatura,

    ao incorporar a diviso do trabalho no processo de produo, degradou as habilidades artesanais

    da fora de trabalho, ou seja, sua relao com o instrumento de trabalho que fora herdado no

    perodo anterior.

    O trabalhador, no entanto, passa a no intervir em todas as etapas da produo, mas

    apenas numa parte de todo esse processo, pois o seu trabalho se tornou parcelar.

    O trabalhador parcelar alienado do seu ofcio e, por conseguinte, do seu espao domiciliar de produo. Na medida em que concentrou no territrio da manufatura a fora de trabalho alienada de seus meios de produo, a manufatura reordenou o espao da produo como espao de