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345 Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 15(2):345-353, abr-jun, 1999 ARTIGO ARTICLE O acolhimento e os processos de trabalho em saúde: o caso de Betim, Minas Gerais, Brasil “User embracement” and the working process in health: Betim’s case, Minas Gerais, Brazil 1 Departamento de Medicina Preventiva e Social, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas. Cidade Universitária Zeferino Vaz, Campinas, SP 13083-970 Brasil. * Falecido Túlio Batista Franco 1 Wanderlei Silva Bueno* 1 Emerson Elias Merhy 1 Abstract The subject of this paper is changes in health care when “user embracement” is used as a strategic aim. According to the “user embracement” concept, health care clients are the cen- ter of the health services’ organization, including the following: 1) care for everyone seeking it, thus guaranteeing universal accessibility; 2) reorganization of the work process, such that its central thrust is shifted from the physician to the multiprofessional staff, or “user embracement team”, in charge of “hearing” users and becoming involved in solving their health problems; and 3) solidarity, humanity, and citizenship as parameters for the relationship between health care users and providers. The research showed improvement of non-medical health care productivity and greater accessibility by users. After nine months, the “user embracement team” solved 50% of the health problems themselves. The above-mentioned effects were also linked to workers’ moti- vation, leading to greater creativity in the work process. Key words Program Evaluation; Medical Care; Ambulatory Care; Community Health Services Resumo Este trabalho relata experiência de inversão do modelo tecno-assistencial para a saú- de, tendo como base a diretriz operacional do acolhimento. O acolhimento propõe que o serviço de saúde seja organizado, de forma usuário-centrada, partindo dos seguintes princípios: 1) aten- der a todas as pessoas que procuram os serviços de saúde, garantindo a acessibilidade universal; 2) reorganizar o processo de trabalho, a fim de que este desloque seu eixo central do médico para uma equipe multiprofissional – equipe de acolhimento –, que se encarrega da escuta do usuário, comprometendo-se a resolver seu problema de saúde; e 3) qualificar a relação trabalhador-usuá- rio, que deve dar-se por parâmetros humanitários, de solidariedade e cidadania. Por meio da in- vestigação realizada, foi possível observar um aumento significativo do rendimento profissio- nal, dos servidores não-médicos, que passaram a atuar na assistência; esse elevado rendimento profissional determinou, por conseqüência, maior oferta e aumento extraordinário da acessibi- lidade aos serviços de saúde. Palavras-chave Avaliação de Programas; Assistência Médica; Assistência Ambulatorial; Ser- viços de Saúde Comunitários

Acolhimento Em Betim

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    Cad. Sade Pblica, Rio de Janeiro, 15(2):345-353, abr-jun, 1999

    ARTIGO ARTICLE

    O acolhimento e os processos de trabalho em sade: o caso de Betim, Minas Gerais, Brasil

    User embracement and the working process in health: Betims case, Minas Gerais, Brazil

    1 Departamento de MedicinaPreventiva e Social,Faculdade de CinciasMdicas, UniversidadeEstadual de Campinas.Cidade UniversitriaZeferino Vaz, Campinas, SP13083-970 Brasil.* Falecido

    Tlio Batista Franco 1

    Wanderlei Silva Bueno* 1

    Emerson Elias Merhy 1

    Abstract The subject of this paper is changes in health care when user embracement is usedas a strategic aim. According to the user embracement concept, health care clients are the cen-ter of the health services organization, including the following: 1) care for everyone seeking it,thus guaranteeing universal accessibility; 2) reorganization of the work process, such that itscentral thrust is shifted from the physician to the multiprofessional staff, or user embracementteam, in charge of hearing users and becoming involved in solving their health problems; and3) solidarity, humanity, and citizenship as parameters for the relationship between health careusers and providers. The research showed improvement of non-medical health care productivityand greater accessibility by users. After nine months, the user embracement team solved 50% ofthe health problems themselves. The above-mentioned effects were also linked to workers moti-vation, leading to greater creativity in the work process.Key words Program Evaluation; Medical Care; Ambulatory Care; Community Health Services

    Resumo Este trabalho relata experincia de inverso do modelo tecno-assistencial para a sa-de, tendo como base a diretriz operacional do acolhimento. O acolhimento prope que o serviode sade seja organizado, de forma usurio-centrada, partindo dos seguintes princpios: 1) aten-der a todas as pessoas que procuram os servios de sade, garantindo a acessibilidade universal;2) reorganizar o processo de trabalho, a fim de que este desloque seu eixo central do mdico parauma equipe multiprofissional equipe de acolhimento , que se encarrega da escuta do usurio,comprometendo-se a resolver seu problema de sade; e 3) qualificar a relao trabalhador-usu-rio, que deve dar-se por parmetros humanitrios, de solidariedade e cidadania. Por meio da in-vestigao realizada, foi possvel observar um aumento significativo do rendimento profissio-nal, dos servidores no-mdicos, que passaram a atuar na assistncia; esse elevado rendimentoprofissional determinou, por conseqncia, maior oferta e aumento extraordinrio da acessibi-lidade aos servios de sade.Palavras-chave Avaliao de Programas; Assistncia Mdica; Assistncia Ambulatorial; Ser-vios de Sade Comunitrios

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    Cad. Sade Pblica, Rio de Janeiro, 15(2):345-353, abr-jun, 1999

    Introduo

    medida que nos aproximamos dos momen-tos de relaes dos usurios com os servios desade e com os seus trabalhadores, para verifi-carmos o seu funcionamento, vamo-nos sur-preendendo com a descoberta de que, sempreque houver um processo relacional de umusurio com um trabalhador, haver uma di-menso individual do trabalho em sade, reali-zado por qualquer trabalhador, que comportaum conjunto de aes clnicas. Aes clnicasa significam o encontro entre necessidades eprocessos de interveno tecnologicamenteorientados, os quais visam operar sobre o cam-po das necessidades que se fazem presente nes-se encontro, na busca de fins implicados coma manuteno e/ou recuperao de um certomodo de viver a vida.

    Esses encontros, que se do entre dois indi-vduos, so produzidos em um espao inter-cessor (Merhy, 1997a) no qual uma dimensotecnolgica do trabalho em sade, clinicamen-te evidente, sustenta-se: a da tecnologia das re-laes, territrio prprio das tecnologias leves(Merhy, 1997b).

    Olhando esses momentos pelo lado dotrabalho tanto do mdico, quanto do de umporteiro de um servio de sade so-nos re-veladas questes-chave sobre os processos deproduo em sade, nos quais o acolhimentoadquire uma expresso significativa. Isto , emtodo lugar em que ocorre um encontro en-quanto trabalho de sade entre um trabalha-dor e um usurio, operam-se processos tecno-lgicos (trabalho vivo em ato) que visam pro-duo de relaes de escutas e responsabiliza-es, as quais se articulam com a constituiodos vnculos e dos compromissos em projetosde interveno. Estes, por sua vez, objetivamatuar sobre necessidades em busca da produ-o de algo que possa representar a conquistade controle do sofrimento (enquanto doena)e/ou a produo da sade.

    Esses processos intercessores como oacolhimento so atributos de uma prtica cl-nica realizada por qualquer trabalhador emsade, e foc-los analiticamente criar a pos-sibilidade de pensar a micropoltica do proces-so de trabalho e suas implicaes no desenhode determinados modelos de ateno, ao per-mitir pensar sobre os processos institucionaispor onde circula o trabalho vivo em sade, ex-pondo o seu modo privado de agir um debatepblico no interior do coletivo dos trabalhado-res, com base em uma tica usurio-centrada.

    No entanto, o tema do acolhimento apre-senta-nos um outra possibilidade: a de argir

    sobre o processo de produo da relao usu-rio-servio sob o olhar especfico da acessibili-dade, no momento das aes receptoras dosclientes de um certo estabelecimento de sade.

    Olhando assim, como uma etapa deste pro-cesso de produo, o acolhimento funciona co-mo um dispositivo a provocar rudos sobre osmomentos nos quais o servio constitui seusmecanismos de recepo aos usurios, en-quanto certas modalidades de trabalho em sa-de que se centram na produo de um mtuoreconhecimento de direitos e responsabilida-des, institucionalizados pelos servios de acor-do com determinados modelos de ateno sade.

    Como etapa do conjunto do processo detrabalho que o servio desencadeia na sua re-lao com o usurio, o acolhimento pode, ana-liticamente, evidenciar as dinmicas e os crit-rios de acessibilidades a que os usurios (por-tadores das necessidades centrais e finais deum servio) esto submetidos, nas suas rela-es com o que os modelos de ateno consti-tuem como verdadeiros campos de necessida-des de sade, para si.

    Os encontros e desencontros nessa etapapodem, ao gerar rudos e estranhamentos paraum olhar analisador (em produo no interiorda equipe de trabalhadores), revelar uma din-mica instituidora que se abre a novas linhas depossibilidades, no desenho do modo de se tra-balhar em sade, permitindo a introduo demodificaes no cotidiano do servio em tornode um processo usurio-centrado, mais com-prometido com a defesa da vida individual ecoletiva.

    Em sntese, o que propomos pr em pr-tica o acolhimento como um dispositivo queinterroga processos intercessores que cons-troem relaes clnicas das prticas de sade eque permite escutar rudos do modo como otrabalho vivo capturado, conforme certosmodelos de assistncia, em todo lugar em queh relaes clnicas em sade. Alm disso, devetambm expor a rede de petio e compromis-so que h entre etapas de certas linhas de pro-duo constitudas em certos estabelecimen-tos de sade, interrogando centralmente as re-laes de acessibilidade.

    Qual a vantagem de atuar sobre esses ru-dos e processos?

    Na medida em que, nas prticas de sade,individual e coletiva, o que buscamos a pro-duo da responsabilizao clnica e sanitriae da interveno resolutiva, tendo em vista aspessoas, como caminho para defender a vida,reconhecemos que, sem acolher e vincular, noh produo desta responsabilizao e nem

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    otimizao tecnolgica das resolutividades queefetivamente impactam os processos sociais deproduo da sade e da doena.

    Tendo como base essas premissas, vejamosadiante, com a descrio de um processo ini-ciado junto a uma rede de servios de sade,no mbito municipal, as possibilidades de in-troduzir esses percursos, na busca de impactaros mecanismos de acesso e de explorar as pos-sibilidades de novos desenhos micropolticosno modo cotidiano de realizao de certos mo-delos de ateno sade.

    O caso de Betim: relato de uma experincia

    Em Betim, vivia-se, no ano de 1996, intensamobilizao na rede bsica assistencial para aimplantao do acolhimento, diretriz do mo-delo tecno-assistencial, orientado nos princ-pios do Sistema nico de Sade (SUS). O aco-lhimento prope, principalmente, reorganizaro servio, no sentido da garantia do acesso uni-versal, resolubilidade e atendimento humani-zado. Oferecer sempre uma resposta positivaao problema de sade apresentado pelo usu-rio a traduo da idia bsica do acolhimen-to, que se construiu como diretriz operacional.

    Pelo lugar estratgico ocupado por essaproposta, achamos que o acolhimento deveriaser estudado, para se verificar a sua eficcia eassim oferecer subsdios sua consolidaonas Unidades de Sade, procurando, ao mes-mo tempo, viabilizar seu aperfeioamento, en-quanto tecnologia de organizao de serviosde sade.

    Este estudo devedor de uma investigaorealizada pela Rede de Investigao em Siste-mas e Servios de Sade no Cone Sul. Preten-de-se, a partir desta investigao, manter inter-locuo com as entidades formadoras de re-cursos humanos e os diversos servios de sa-de, como exerccio por excelncia da prxis co-mo mtodo de construo de novas propostas,substantivas o suficiente para dar respostas altura dos desafios na organizao de sistemase servios de sade.

    Para este estudo, foi eleita a Unidade Bsicade Sade (UBS) Rosa Capuche, situada no bair-ro Jardim Petrpolis, com populao de 10.256pessoas na sua rea de abrangncia, para o anode 1996, de acordo com o IBGE.

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    Antes do acolhimento

    No ano de 1995 (considerando-se de maro de1995 a fevereiro de 1996 antes da implanta-o do acolhimento), a Unidade fez 1.342 aten-dimentos em mdia por ms, com 1.456 horastrabalhadas, entre todos os profissionais da as-sistncia. O processo de trabalho era o tradi-cionalmente conhecido, centrado na figura eno saber do mdico para o atendimento aosusurios. Em vista da baixa oferta de consultasmdicas, para o acesso s mesmas utilizava-seo velho sistema de fichas. Esta era a nica for-ma de administrar o servio oferecido em vistada demanda da populao. Os que procura-vam consulta e no conseguiam ficha sequerentravam na Unidade de Sade, era do portopra casa ou para a peregrinao em outrosservios.

    Em meados de 1995, contando com a asses-soria do Laboratrio de Planejamento e Admi-nistrao de Sistemas de Sade Lapa/Uni-camp, o grupo dirigente da Secretaria de Sadede Betim (incluindo a o corpo gerencial) dis-cutiu a proposta de inverso do modelo tecno-assistencial, baseado nas diretrizes do acesso,acolhimento, vnculo e resolubilidade. Foi apartir da que a Secretaria Municipal de Sadetomou a deciso de implantar o acolhimentoem toda a rede de servios.

    Em que consiste o acolhimento enquanto diretriz operacional

    O acolhimento prope inverter a lgica de or-ganizao e funcionamento do servio de sa-de, partindo dos seguintes princpios:

    1) Atender a todas as pessoas que procuramos servios de sade, garantindo a acessibili-dade universal. Assim, o servio de sade assu-me sua funo precpua, a de acolher, escutar edar uma resposta positiva, capaz de resolver osproblemas de sade da populao.

    2) Reorganizar o processo de trabalho, a fimde que este desloque seu eixo central do mdi-co para uma equipe multiprofissional equipede acolhimento , que se encarrega da escutado usurio, comprometendo-se a resolver seuproblema de sade.

    3) Qualificar a relao trabalhador-usurio,que deve dar-se por parmetros humanitrios,de solidariedade e cidadania.

    Implantao do acolhimento

    O ponto de partida para a implantao do aco-lhimento foi a deciso do grupo dirigente daSesa, tomada atravs dos rgos colegiados de

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    direo, quais sejam, o Grupo de Direo Es-tratgica GDE (que reunia a Secretria deSade e os gerentes dos projetos estratgicos)e o Colegiado Gestor (formado pelo GDE e to-dos os gerentes de Unidades de Sade). Essadeciso partia de alguns pressupostos bsicos,como:

    1) A maioria das pessoas que necessitavamde atendimento em sade estavam excludasdos servios, da a grande desconfiana e, atmesmo, opinio negativa que os usurios tmdos servios de sade.

    2) As pessoas que procuravam a Unidade deSade faziam-no, majoritariamente, em buscada consulta mdica, estrangulando completa-mente este servio. Por outro lado, um grandenmero dessas mesmas pessoas no necessita-va da consulta, mesmo que essa fosse sua de-manda individual.

    3) O trabalho na Unidade de Sade era cen-trado na pessoa e no saber mdico, ficando osoutros profissionais subestimados no processode trabalho, tendo o seu potencial para a assis-tncia enormemente oprimido, reduzindo aoferta de servios.

    4) A relao trabalhador-usurio sofria decrnica degenerao, causada pela alienaodos trabalhadores do seu processo de trabalho,ou seja, este se realizava compartimentado,com os procedimentos sem a necessria inte-grao multidisciplinar. O objeto de trabalhoproblema de sade recebia, dessa forma, umtratamento sumrio e burocrtico, numa rela-o impessoal com o usurio. O mais comummesmo era a sua excluso. No entanto, os tra-balhadores, embora conscientes dos proble-mas, sentiam-se impotentes para mudar aque-la situao existente, lamentada por eles pr-prios. O contexto sugeria, ento, aparente con-tradio de interesses entre trabalhadores eusurios dos servios de sade.

    A partir da deciso de implantar o acolhi-mento, e sob a permanente coordenao dagerente da UBS, definiu-se pela organizao deuma equipe de acolhimento, composta pelosprofissionais de nvel superior, por uma tcni-ca e auxiliares de enfermagem, para oferecer aescuta dos usurios. Os mdicos ficaram na re-taguarda, ou seja, atendendo nos consultriosos usurios encaminhados pela equipe de aco-lhimento. Eliminaram-se a ficha e a fila de ma-drugada, abrindo-se as portas da Unidade deSade, com atendimento a todos os usuriosque a procurassem. Organizou-se a sala de es-pera, substituindo a recepo.

    O Conselho Local de Sade teve um papelimportante para a implantao do acolhimen-to. Isso se deu, principalmente, no perodo da

    semana anterior data prevista, quando o Con-selho procurou avisar comunidade o novofuncionamento da Unidade de Sade.

    O processo de trabalho no acolhimento

    O acolhimento modifica radicalmente o pro-cesso de trabalho. O impacto da reorganizaodo trabalho na Unidade se d principalmentesobre os profissionais no-mdicos que fazema assistncia. No caso da UBS Rosa Capuche,consideram-se a enfermeira, a assistente so-cial, a tcnica e a auxiliar de enfermagem. Naatual situao, a equipe de acolhimento passaa ser o centro da atividade no atendimento aosusurios. Os profissionais no-mdicos pas-sam a usar todo seu arsenal tecnolgico, o co-nhecimento para a assistncia, na escuta e so-luo de problemas de sade trazidos pela po-pulao usuria dos servios da Unidade.

    A enfermeira, alm de acolher, garante a re-taguarda do atendimento realizado pelas auxi-liares de enfermagem. Contribuem nesse pro-cesso os protocolos, que orientam sobre osprocedimentos a serem adotados pela equipede acolhimento. Na UBS Rosa Capuche, porexemplo, os protocolos orientam o enfermeirona prescrio de vrios exames e medicamen-tos, o que aumenta em grande medida a reso-lubilidade deste profissional na assistncia, fa-vorecendo enormemente o fluxo dos usurios.No modelo anterior, por a assistncia estarcentrada no mdico, o enfermeiro no realiza-va todo o seu potencial tcnico, reduzindo suacapacidade de interveno. Em estudo compa-rando este novo modelo com o do perodo an-terior ao acolhimento, os dados de rendimentomostram que seu rendimento agora aumen-tado em 600%.

    Esse novo papel da enfermagem na Unida-de de Sade, com acolhimento, no se deu semtenses. Subjacente a este processo est a dis-puta pela supremacia do saber e do poder noservio de sade, at ento, monoplio mdi-co. Como parte desse polmico processo, regis-tram-se presses da Cmara de Vereadores con-tra o atendimento realizado pela enfermeira.Foi importante tambm um concorrido debatesobre o acolhimento, promovido pelo Sindica-to dos Mdicos de Minas Gerais, que contoucom o relato de diferentes experincias de suaimplantao.

    importante registrar que, alm de utili-zar todo seu arsenal tcnico, a enfermeira, coma reorganizao do processo de trabalho, v-sedotada de maior autonomia na funo queexerce. Essa autonomia deve ser entendida dia-leticamente como a condio que o profissio-

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    nal tem de decidir sobre seu trabalho, como oexerccio pleno do saber-fazer no momentodo procedimento assistencial.

    Em relao auxiliar de enfermagem, seutrabalho anterior implantao do acolhimen-to resumia-se s atividades prprias da suafuno (curativo, injeo, vacina, distribuiode medicamentos) e ao apoio aos mdicos. Ho-je, a relao da auxiliar com os mdicos doacolhimento para a retaguarda, aps realizar aescuta do problema de sade do usurio; ouseja, uma relao circunscrita ao exercciomultiprofissional.

    A assistente social participa do acolhimen-to e coordena os grupos programticos. Osprogramas, considerados atividade fundamen-tal para garantir a integralidade da assistncia,so fatores importantes na garantia do sucessodo acolhimento. Isto porque resolvem grandeparte da demanda, com aes dirigidas paragrupos prioritrios de ateno sade.

    No caso dos mdicos, nota-se que seu pro-cesso de trabalho no foi modificado tantoquanto seria necessrio para causar impactona assistncia, a partir da sua atividade espec-fica. O trabalho destes profissionais foi organi-zado de tal forma que eles ficaram, s vezes, naretaguarda (consultas aos usurios encami-nhados pela equipe de acolhimento) e, outrasvezes, na equipe de acolhimento. Houve inclu-sive reduo do agendamento, porm sem gran-de sucesso na sua insero no novo modelo. Otrabalho mdico permanecia inclume velhalgica da consulta/agenda, determinante nesteprocesso. Voltaremos a esse tema mais frente.

    Os nmeros do acolhimento

    A seguir, relacionamos o resultado da aplica-o de diversos indicadores que dizem respeitoa medidas de avaliao da Unidade de Sade edo acolhimento.

    a) Acessibilidade aos servios da Unidadede Sade.

    Os dados comparados de acessibilidade aosservios demonstram o aumento extraordin-rio do atendimento geral da Unidade, com aimplantao do acolhimento e a reorganizaodo processo de trabalho (Tabela 1). O rendi-mento ser detalhado a seguir, com indicadorespecfico.

    b) Rendimento profissional.Constata-se, pelos dados de produo/ho-

    ras trabalhadas, o aumento extraordinrio dorendimento da enfermeira e da assistente so-cial (Figura 1), confirmando a tese de que estasprofissionais, com a reorganizao do proces-so de trabalho, utilizam todo o seu potencial

    para a assistncia. Este rendimento, associadoao das auxiliares de enfermagem, garante im-pacto extraordinrio no acesso aos usurios.

    c) Indicador de resolubilidade da equipe deacolhimento.

    Como resolubilidade, neste caso, conside-ra-se a soluo encontrada pela equipe de aco-lhimento para as queixas, sem outro tipo deencaminhamento. Como equipe de acolhimen-to, considera-se a equipe multiprofissional, or-ganizada na Unidade, para fazer a escuta dosproblemas de sade trazidos pelos usurios.Na UBS Rosa Capuche, essa equipe foi organi-zada contando com a enfermeira, a assistentesocial e as auxiliares de enfermagem.

    Corroboram para a resolubilidade da equi-pe de acolhimento (Figura 2) fatores que atuamjuntos e simultaneamente, quais sejam:

    1) Discusses permanentes entre a equipeda Unidade de Sade, para avaliar e reproces-sar o acolhimento.

    2) Capacitao da equipe, adquirida com aprpria experincia no atendimento. A expe-rincia adquirida proporciona segurana paradecidir, para efetivamente fazer com base emdeterminado saber, adquirido na vivncia daassistncia ao usurio.

    3) Utilizao de protocolos, elaborados pelaequipe tcnica da UBS, os quais indicam a con-duta a ser adotada diante dos problemas desade que mais se apresentam no acolhimento.

    4) Interao da equipe, com enfermeiras emdicos fazendo a retaguarda do acolhimentoe a capacitao em servio. A indicao de de-terminada conduta pressupe uma deciso doprofissional, o que, no modelo tradicional, apre-senta-se como um ato isolado, solitrio.

    5) Funcionamento dos grupos programti-cos, que haviam deixado de funcionar no in-cio da implantao do acolhimento, em razoda prioridade dada ao trabalho exclusivamenteassistencial naquele momento especfico.

    Tabela 1

    Mdia mensal de atendimentos realizados pelos servidores da Unidade Bsica

    de Sade Rosa Capuche, nos anos de 1995 e 1996. Mdia mensal de horas

    trabalhadas e rendimento dos servidores.

    Perodo Mdia de atendimentos por ms Horas trabalhadas

    Maro/95 a fevereiro/96 1.342 1.456/ms

    Maro/96 a fevereiro/97 4.455 1.665,7/ms

    Acrscimo (+ 332%) (+ 14,4%)

    Fonte: Franco, 1997.

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    Figura 1

    Rendimento dos profissionais de nvel superior, da Unidade Bsica de Sade Rosa Capuche, por perodo de um ano,

    antes e aps o Acolhimento.

    0

    0,5

    1

    1,5

    2

    2,5

    3rendimento 95

    rendimento 96

    assistncia social especialidadesconsulta de enfermagem

    ginecologia/obstetrciapediatriaclnica mdica

    rend

    imen

    to

    Fonte: Franco, 1997.

    Figura 2

    Distribuio dos problemas de sade que se apresentaram equipe de acolhimento da Unidade Bsica de Sade

    Rosa Capuche, segundo a resolubilidade e encaminhamentos adotados, apresentados em freqncia relativa,

    por perodos mensais.

    0reso

    lub

    ilid

    ade

    da

    equi

    pe

    de

    acol

    him

    ento

    (%)

    10

    20

    30

    40

    50

    60

    70

    80resolvido pela equipe de acolhimento

    marcado atendimento para outro setor da unidade

    referenciado para rede SUS

    no anotado

    fev/97jan/97dez/96nov/96out/96set/96ago/96jul/96jun/96mai/96abr/96mar/96

    Fonte: Franco, 1997.

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    A gesto da Unidade com acolhimento

    O processo de gesto da Unidade de Sade compatvel com o modelo tecno-assistencial.Assim, o acolhimento s possvel se a gestofor participativa, baseada em princpios demo-crticos e de interao entre a equipe. Isto sed porque a inverso do modelo tecno-assis-tencial, com mudanas estruturais no processode trabalho, pressupe a adeso dos trabalha-dores nova diretriz. Este compromisso com amudana, com a construo do devir, s pos-svel quando os profissionais discutem e efeti-vamente podem decidir sobre a organizaodos servios na Unidade de Sade.

    A gesto democrtica e participativa criouoportunidade para que se experimentasse naUnidade de Sade um processo pedaggico,auto-conduzido, de extrema riqueza. Os traba-lhadores passaram a conhecer o usurio, a par-tir do momento em que este adentrou a Unida-de. Por outro lado, o permanente contato coma assistncia, as inmeras reunies dos fruns,discusses tcnicas de grupos programticos,o debate sobre a poltica de sade, levaram ostrabalhadores a assimilar um conhecimentoimportante acerca da sua realidade e da reali-dade institucional. Podemos dizer que eles ad-quiriram capacidade de auto-anlise, o quelhes deu possibilidade de autogesto na orga-nizao do processo de trabalho e, por conse-qncia, dos servios. O Colegiado Gestor e oFrum Sade se tornaram assim, por exceln-cia, dispositivos auto-analticos e autogestores,que protagonizaram um processo instituidor eorganizador no interior da Unidade de Sade(Baremblit, 1992).

    Associa-se a esse modelo de gesto o plane-jamento estratgico situacional, incorporadono instrumental de trabalho da Unidade deSade mediante a colaborao do Lapa-Uni-camp e com a interferncia do Grupo de Apoio Gesto GAG.

    Concluindo

    O acolhimento como fator de mudana

    O que transparece de forma enftica em todo otrabalho de investigao sobre o acolhimento sua contemporaneidade, ou seja, a capacidadede se colocar no nosso tempo, mobilizar ener-gias adormecidas, reacender a esperana e colo-car em movimento segmentos importantes dosservios de sade, como grupos sujeito que sepropem construo do novo, a fazer no tem-po presente aquilo que o objetivo no futuro.

    No imaginrio coletivo, ele a realizao dautopia construda com o advento do SUS e per-dida no momento seguinte, com a constituiode uma hegemonia neoliberal nos servios desade.

    O acolhimento associa na forma exata odiscurso da incluso social, da defesa do SUS,a um arsenal tcnico extremamente potente,que vai desde a reorganizao dos servios desade, a partir do processo de trabalho, at constituio de dispositivos auto-analticos eautogestoress, passando por um processo demudanas estruturais na forma de gesto daUnidade.

    Problemas de primeira hora

    O primeiro problema enfrentado para a im-plantao do acolhimento diz respeito ao te-mor, prprio da condio humana, de encararo novo, por excelncia o desconhecido.

    Vencida esta primeira dificuldade, o acolhi-mento chegou e encontrou uma Unidade deSade que vinha h muitos anos funcionandocom reduzida oferta de servios, baixa presen-a dos usurios por causa da inacessibilidade Unidade, tendo, por conseqncia, incalcul-vel demanda reprimida, no apenas para osservios prprios da UBS, como tambm paraos procedimentos especializados. Implantan-do o acolhimento, aqueles problemas anterior-mente existentes no servio apareceram de for-ma enftica, muito mais evidentes.

    Olhando um pouco sobre alguns medos re-lacionados ao acolhimento, vale destacar aque-le que se refere falsa noo de que o mesmofaz com que a UBS torne-se um grande pronto-atendimento (PA). Em Belo Horizonte, onde oacolhimento j uma realidade mais ampla eexperimentada, o acolhimento permite, de fato,tornar a UBS em um verdadeiro estabelecimen-to de sade onde se faa sade pblica, poisuma coisa o uso do pronto-atendimento co-mo um recurso a mais para abordar o usurio, eoutra coisa reduzir a UBS a um lugar exclusi-vo onde s se faz PA. Temos visto que o acolhi-mento tem levado a Unidade a receber e incor-porar os grupos de riscos como uma realidadesua, qual deve dar uma resposta individual ecoletiva e pela qual tem que se responsabilizar.

    Limites do acolhimento

    Aps um ano de implantao do acolhimentona Unidade, permanecem trs questes que seimpem como limites nova diretriz, sobre osquais devemos nos debruar para encontrar asalternativas tcnicas para sua consolidao.

  • FRANCO, T. B.; BUENO, W. S. & MERHY, E. E.352

    Cad. Sade Pblica, Rio de Janeiro, 15(2):345-353, abr-jun, 1999

    1) A pequena insero dos profissionaismdicos no acolhimento.

    2) O agendamento de consultas mdicaspermanece como uma questo crtica no servi-o. A diretriz do acolhimento pressupe agen-da aberta para os casos que necessitem.

    3) Um terceiro desafio a conciliao dotrabalho da assistncia dentro da Unidade deSade com o trabalho externo.

    Desafios para a consolidao da inverso do modelo assistencial

    Podemos comear por refletir sobre os limitesdo acolhimento, relacionados acima. Uma pri-meira questo que fica evidente a seguinte:Por que no se conseguiu incorporar o profis-sional mdico a esse processo, a ponto de a suaparticipao especfica causar impacto na so-luo dos problemas de sade da populaousuria?

    A primeira questo a ser pensada a se-guinte: o trabalho nos estabelecimentos desade e, entre eles, na Unidade Bsica orga-nizado, tradicionalmente, de forma extrema-mente parcelado. Em eixo verticalizado, orga-niza-se o trabalho do mdico e, entre estes, decada especialidade mdica. Assim, sucessiva-mente, em colunas verticais, vai se organizan-do o trabalho de outros profissionais. Essa di-viso do trabalho se d, de um lado, pela con-solidao nos servios de sade das corpora-es profissionais; por outro, no caso dos m-dicos, pela especializao do saber e, conse-qentemente, do trabalho em sade.

    A organizao parcelar do trabalho fixa ostrabalhadores em uma determinada etapa doprojeto teraputico. A superespecializao, otrabalho fracionado, fazem com que o profis-sional de sade se aliene do prprio objeto detrabalho. Desta forma, ficam os trabalhadoressem interao com o produto final da sua ativi-dade laboral, mesmo que tenham dele partici-pado, pontualmente. Como no h interao,no haver compromisso com resultado do seutrabalho.

    O acolhimento, ao reprocessar o trabalhona Unidade de Sade, com base na formaode uma equipe multiprofissional, a equipe deacolhimento, conseguiu quebrar a verticalida-de da organizao do trabalho na Unidade, me-xendo radicalmente no processo de trabalhodos profissionais no-mdicos. Contudo, nofoi possvel romper com a lgica do trabalhomdico, que se d em torno da agenda/consul-ta. Assim, enquanto os outros profissionais in-teragem em equipe, de forma extremamentedinmica, acompanhando o resultado do seu

    trabalho, os mdicos permanecem fechadosnum crculo vicioso, visualizando parcialmen-te a realidade.

    E como poderia ser resolvida essa questofinalmente?

    Nossas reflexes a partir de ento seguemem sintonia e cumplicidade com as formula-es recentes do Laboratrio de Planejamentoe Administrao de Sistemas de Sade Lapa(Departamento de Medicina Preventiva e So-cial-Unicamp). Estes consideram o vnculocomo a diretriz que, acoplada ao acolhimen-to, capaz de garantir o real reordenamentodo processo de trabalho na Unidade de Sade,resolvendo definitivamente a diviso de traba-lho compartimentada e saindo da lgica agen-da/consulta para uma outra da responsabili-zao de uma equipe multiprofissional, com oresultado do trabalho em sade. Isto o queGasto Wagner de Sousa Campos chama de AObra. Assim, ...em relao ao trabalho clnico,no haveria como valorizar-se A Obra sem umprocesso de trabalho que garantisse os maiorescoeficientes de Vnculo entre profissional e pa-ciente (Campos, 1997:235). Considera-se vn-culo a responsabilizao pelo problema de sa-de do usurio, individual e coletivo.

    O atendimento em sade seria feito pormeio da adscrio da clientela a determinadaequipe da Unidade de Sade, formada, no m-nimo, pelo mdico, enfermeiro, pediatra, gine-co-obstetra e auxiliares de enfermagem. Estaequipe passaria a se responsabilizar pelas pes-soas inscritas, devendo, para isto, mobilizartodos os recursos dentro e fora da Unidadeque pudessem favorecer este objetivo, tais co-mo exames, consultas especializadas, interna-o etc.

    A equipe deve ter autonomia para agir, mo-bilizar os recursos necessrios para fazer sa-de. importante a avaliao permanente doseu trabalho, agora facilitado, na medida emque este resultado produto do labor de ummesmo grupo multiprofissional, ou seja, foramas mesmas pessoas que desenvolveram todo oprocesso vivido pelo usurio, individual ou co-letivo, no seu processo sade-doena.

    O trabalho externo pode ser feito de duasformas. Na primeira, ele deve ser realizado pelasequipes multiprofissionais da Unidade de Sa-de, que, ao responsabilizarem-se pela sua clien-tela, podem mobilizar recursos at mesmo devisitas e internaes domiciliares, ou outros re-cursos, que se encontram juntos comunidade.

    A segunda forma diz respeito vigilncia sade. Esta deve estar combinada com o pla-nejamento e gesto dos servios de sade e emperfeita sintonia com a realidade social, eco-

  • O ACOLHIMENTO E OS PROCESSOS DE TRABALHO EM SADE 353

    Cad. Sade Pblica, Rio de Janeiro, 15(2):345-353, abr-jun, 1999

    nmica, epidemiolgica local, bem como comas necessidades dos usurios da regio. Estetrabalho deve ser executado por uma equipe,auto-intitulada Equipe de Sade Pblica, for-mada especificamente com esse objetivo, po-dendo atuar vinculada a uma ou a vrias uni-dades de uma mesma regio da cidade.

    Referncias

    BAREMBLIT, G., 1992. Compndio de Anlise Institu-cional e Outras Correntes. Rio de Janeiro: EditoraRosa dos Tempos.

    CAMPOS, G. W. S., 1997. Subjetividade e adminis-trao de pessoal. In: Agir em Sade. Um Desafiopara o Pblico (E. E. Merhy & R. Onocko, org.),pp. 229-266, So Paulo: Editora Hucitec.

    FRANCO, T. B., 1997. Acolhimento: Diretriz do ModeloTecno-Assistencial em Defesa da Vida. Trabalhoapresentado Rede de Investigao em Sistemase Servios de Sade do Cone Sul, Fundao Os-waldo Cruz. (mimeo.)

    Essas diretrizes gerais fazem parte da maisrecente experincia de organizao de serviosde sade, alinhados perspectiva de efetivaconstruo de um sistema de sade com baseno acesso para todos, eqidade, integralidadedas aes, eficcia, com atendimento de quali-dade e humanizado e sob controle social.

    MERHY, E. E., 1997a. Em busca do tempo perdido: amicropoltica do trabalho vivo em sade. In: Agirem Sade. Um Desafio para o Pblico (E. E. Merhy& R. Onocko, org.), pp. 71-112, So Paulo: EditoraHucitec.

    MERHY, E. E., 1997b. A rede bsica como uma cons-truo da sade pblica e seus dilemas. In: Agirem Sade. Um Desafio para o Pblico (E. E. Merhy& R. Onocko, org.), pp. 197-228, So Paulo: Edito-ra Hucitec.