Acordão

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Acordão turma criminal

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DECISO: Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado por Renato Gustavo Alves Coelho e outros em favor de Srgio Bernardes de Oliveira, contra acrdo formalizado pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justia, nos autos do HC n. 142.734/DF, Rel. Min. Sebastio Reis Jnior. Eis o teor da ementa desse julgado:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS . DENNCIA. RECEBIMENTO. FUNDAMENTAO. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES. SMULA 691STF. JULGAMENTO DO MRITO NA ORIGEM. MANIFESTA CONTRAPOSIO AO EXPOSTO NA IMPETRAO. PREJUDICIALIDADE AFASTADA. HABEAS CORPUS CONHECIDO COMO RECURSO ORDINRIO. 1. Afasta-se a incidncia da Smula 691STF se o Tribunal de origem, ao julgar o mrito do habeas corpus originrio, em que restou indeferida a liminar, objeto do mandamus impetrado no Superior Tribunal de Justia, adota fundamentao em manifesta contraposio ao contedo da impetrao j formulada nesta instncia Superior. 2. Segundo entendimento desta Corte e do Supremo Tribunal Federal, a deciso que recebe a denncia prescinde de fundamentao. 3. Ordem denegada.

Conforme consta dos autos, o paciente foi denunciado pela suposta prtica dos delitos tipificados no artigo 297, caput, c.c. art. 29; art. 304, c.c. art. 297, caput, e 29 (2 vezes); e art. 171, 3, c.c arts. 29 e 14, II, (2 vezes), todos do Cdigo Penal, porquanto teria "falsificado documento pblico e, depois, teria usado, em duas ocasies distintas, o documento falsificado e, ainda, teria tentado obter, para si, em duas ocasies, vantagem ilcita em prejuzo da Unio, mediante uso de meio fraudulento", contratando terceiro para fazer concurso pblico em seu lugar. A defesa, a teor do que determina o art. 396-A, do CPP, apresentou resposta acusao, requerendo a absolvio sumria, em razo da atipicidade da conduta imputada ao paciente.O Juzo Federal da 10 Vara da Seo Judiciria do Distrito Federal manteve o recebimento da denncia e designou dia para realizao de audincia, com os seguintes fundamentos:

(...) Aps anlise das respostas acusao apresentadas pelos denunciados, constato que os elementos apresentados pelos mesmos no so suficientes para afastar ou descaracterizar, in limine, os delitos lhes imputados na denncia. Ademais, in casu, inexistem causas manifestas de excludente da ilicitude do fato e da culpabilidade dos agentes, tampouco causa extintiva da punibilidade, nos termos do artigo 397 do Cdigo de Processo Penal.Assim, mantenho o recebimento da denncia e designo o dia 28/07/2009, s 15h00, para a oitiva das testemunhas de acusao e defesa residentes no Distrito Federal e determino a expedio de carta precatria para a inquirio das demais (...).

Inconformada, a defesa impetrou habeas corpus perante o Tribunal Regional Federal da 1 Regio, sustentando, em sntese, a ausncia de fundamentao da deciso que manteve o recebimento da denncia. A ordem foi indeferida.Impetrou, ento, habeas corpus perante o Superior Tribunal de Justia, cuja ordem foi denegada, consoante se depreende da ementa transcrita. Neste writ, a defesa reitera os fundamentos submetidos a exame do Tribunal Regional Federal da 1 Regio e do Superior Tribunal de Justia para requerer, liminarmente, a suspenso da audincia de instruo e julgamento previsto para o prximo dia 26 de abril do corrente ano, at que seja definitivamente julgado o presente writ . No mrito, requer a concesso da ordem para, cassando a deciso que recebeu a denncia, seja determinada a prolao de outra motivadamente, vista da resposta escrita oferecida. Passo a decidir to somente o pedido de medida liminar. A concesso de liminar em habeas corpus d-se em carter excepcional, em face da configurao do fumus boni iuris e do periculum in mora . No caso dos autos, a princpio, vislumbro a presena dos requisitos exigidos para a concesso da medida cautelar. Destaco, preliminarmente, no desconhecer precedentes desta Corte no sentido de que a deciso que recebe a denncia prescinde de fundamentao. Nesse sentido: HC 93.056, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe, 14.5.2009; RHC 97.598, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJe 28.8.2009; RHC 101.889, Rel. Min. Crmen Lcia, Primeira Turma, DJe 20.5.2011.Ocorre que a Lei n 11.719/08, ao introduzir mudanas no Cdigo de Processo Penal, referiu-se ao recebimento da denncia em duas oportunidades. Por certo, isso no implica existncia de duplo recebimento da inicial acusatria, o que seria inaceitvel. Conforme dispe o art. 395 do CPP, a denncia ou queixa ser rejeitada quando: for manifestamente inepta ; faltar pressuposto processual ou condio para o exerccio da ao penal ; ou faltar justa causa para o exerccio da ao penal. Por sua vez, o art. 397 do CPP previu as hipteses de absolvio sumria: existncia manifesta de causa excludente da ilicitude do fato ; existncia manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade ; o fato narrado evidentemente no constitua crime ; ou, ainda, estiver extinta a punibilidade do agente. A absolvio sumria consubstancia importante inovao legislativa, possibilitando o julgamento antecipado da lide penal. Trata-se de julgamento de mrito excepcional. No obstante delineados estes dois momentos de anlise da inicial acusatria, a lgica e a racionalidade jurdica que permeiam este novo modelo processual autorizam ao julgador, aps a anlise da defesa preliminar, reavaliar os pressupostos de recebimento/rejeio da denncia. Afigura-me intuitiva esta afirmao, pois, ao revs, seria admitir o aspecto meramente formal ou sectrio da defesa preliminar. E h muito vem a doutrina constitucional enfatizando que o direito de defesa no se resume a um simples direito de manifestao no processo. Efetivamente, o que o constituinte pretende assegurar como bem, anota Pontes de Miranda, uma pretenso tutela jurdica (Comentrios Constituio de 1967/69, tomo V, p. 234). No outra a avaliao do tema no direito constitucional comparado. Apreciando o chamado Anspruch auf rechtliches Gehr (pretenso tutela jurdica) no direito alemo, assinala o Bundesverfassungsgericht que essa pretenso envolve no s o direito de manifestao e o direito de informao sobre o objeto do processo, mas tambm o direito de ver os seus argumentos contemplados pelo rgo incumbido de julgar (Cf. Deciso da Corte Constitucional alem - BVerfGE 70, 288-293; sobre o assunto, ver, tambm, Pieroth e Schlink, Grundrechte - Staatsrecht II, Heidelberg, 1988, p. 281; Battis, Ulrich, Gusy, Christoph, Einfhrung in das Staatsrecht, 3a. edio, Heidelberg, 1991, p. 363-364). Sobre o direito de ver os seus argumentos contemplados pelo rgo julgador, que corresponde, obviamente, ao dever do juiz de a eles conferir ateno, pode-se afirmar que envolve no s o dever de tomar conhecimento, como tambm o de considerar, sria e detidamente, as razes apresentadas. da obrigao de considerar as razes apresentadas que tambm deriva o dever de fundamentar as decises. Postas essas premissas, considero imprescindvel, no processo penal, a fundamentao da deciso que analisa as preliminares e alegaes arguidas na defesa prvia (art. 396-A e art. 397, ambos do CPP), sob pena de violao ao art. 93, IX, da Constituio Federal.A propsito, colho lio da doutrina:

() Assim, especialmente, aps a Constituio de 1988, no possvel continuar a entender-se que o provimento judicial que recebe a denncia ou queixa seja um mero despacho de expediente, sem carga decisria, que dispensaria a motivao reclamada pelo texto constitucional; trata-se, com efeito, de uma deciso que no pode deixar de ser fundamentada, o que, alis, vem sendo ressaltado sem hesitaes pela doutrina (...). (GOMES FILHO, Antonio Magalhes. A motivao das decises penais. So Paulo: Ed. RT, 2001).

Nesse sentido, destaco o seguinte precedente desta Corte, perfilhado sob a seguinte ementa: AO PENAL. Funcionrio pblico. Defesa preliminar. Oferecimento. Denncia. Recebimento. Deciso no motivada. Nulidade. Ocorrncia. Habeas corpus concedido para anular o processo desde o recebimento da denncia. Oferecida defesa preliminar, nula a deciso que, ao receber a denncia, desconsidera as alegaes apresentadas.(HC 84919, Min. CEZAR PELUSO, DJ 26.3.2010)

Na espcie, ao menos em um juzo preliminar, observo que o juzo da origem, ao manter o recebimento da denncia ato realmente atacado pela defesa neste writ , no apreciou as teses defensivas, violando o dever constitucional de fundamentao das decises judiciais.Nesse contexto, defiro o pedido de medida liminar para que o Juzo da 10 Vara Federal da Seo Judiciria do Distrito Federal proceda anlise das preliminares e alegaes arguidas na defesa prvia e, assim, na eventualidade de no acolher as teses de defesa, delibere sobre a data de realizao da audincia de instruo e julgamento.Solicitem-se informaes ao Juzo de origem.Com a resposta, abra-se vista ao Procurador-Geral da Repblica. Publique-se.Braslia, 30 de maro de 2012.Ministro Gilmar MendesRelatorDocumento assinado digitalmente