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1 ACORDO E CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO Luís Carlos Cândido Martins Sotero da Silva* 1 I - BREVE ESCORÇO HISTÓRICO A melhor compreensão que se pode fazer acerca de algum fato não foge de um rápido vôo sobre sua origem histórica. Com olhos no passado, mais nítida se torna a luz que incide no presente e mais seguro se torna o futuro. No Direito Coletivo o sujeito da relação é a categoria, enquanto seu objeto é a própria satisfação dos interesses dos seus membros, não considerados na sua individualidade, mas sim como parte integrante daquela categoria. É certo que o Direito Coletivo tem assento em época liberal. As corporações de ofício não se prestam como exemplos de embriões do direito sindical, posto que o bem de vida perseguido era a monopolização da profissão. Na busca da completa liberdade, dominou a concepção de que as associações interferiam nas relações entre os indivíduos e entre estes e o Estado. A fórmula cooperativa entrou em declínio, sendo totalmente abolida com a edição da Lei Chapelier de 1791. As associações de classe constituíam-se crimes pelo Código Penal Francês de 1819. Os sindicatos foram proibidos. Posteriormente, na Inglaterra, passa-se ao reconhecimento das associações (1824), concretizado nas Trades Unions, fundadas em 1833, por Roberto Owen. Seguindo o exemplo da Inglaterra, a França, 1 O autor é Juiz Togado do TRT/15ª Reg., Diretor da Escola da Magistratura do Trabalho da 15ª Reg, e mestrando em Direito de Trabalho pela USP.

ACORDO E CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO · Territórios não Metropolitanos), n.º 87 (Liberdade Sindical e Proteção ao Direito de Organização e de Negociação Coletiva), nºs

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ACORDO E CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO

Luís Carlos Cândido Martins Sotero da Silva*1

I - BREVE ESCORÇO HISTÓRICO

A melhor compreensão que se pode fazer acerca de algum fato não foge de

um rápido vôo sobre sua origem histórica.

Com olhos no passado, mais nítida se torna a luz que incide no presente e

mais seguro se torna o futuro.

No Direito Coletivo o sujeito da relação é a categoria, enquanto seu objeto é

a própria satisfação dos interesses dos seus membros, não considerados na sua

individualidade, mas sim como parte integrante daquela categoria.

É certo que o Direito Coletivo tem assento em época liberal. As corporações

de ofício não se prestam como exemplos de embriões do direito sindical, posto que o bem

de vida perseguido era a monopolização da profissão. Na busca da completa liberdade,

dominou a concepção de que as associações interferiam nas relações entre os indivíduos e

entre estes e o Estado. A fórmula cooperativa entrou em declínio, sendo totalmente abolida

com a edição da Lei Chapelier de 1791. As associações de classe constituíam-se crimes

pelo Código Penal Francês de 1819. Os sindicatos foram proibidos. Posteriormente, na

Inglaterra, passa-se ao reconhecimento das associações (1824), concretizado nas Trades

Unions, fundadas em 1833, por Roberto Owen. Seguindo o exemplo da Inglaterra, a França,

1 O autor é Juiz Togado do TRT/15ª Reg., Diretor da Escola da Magistratura do Trabalho da 15ª Reg, e mestrando em Direito de Trabalho pela USP.

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pela Lei Waldeck Rosseau, de 21 de março de 1884, reconheceu a liberdade de associação

sindical.

A matéria alcançou nível constitucional. Como exemplo, citamos a

Constituição Mexicana de 1917 (art. 123); Constituição de Weimar de 1919 (arts. 159 e

165).

Após a Primeira Guerra Mundial, o direito de sindicalização surgiu

concretamente no art. 427, inciso II, do Tratado de Versalhes, tanto para a categoria

profissional como para a econômica.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) guarda os seguintes

dispositivos sobre direito sindical: art. XX: “Todo homem tem direito à liberdade de

reunião e associação pacíficas, ninguém poderá ser obrigado a fazer parte de uma

associação”, e o art. XXIII: “Todo homem tem direito a organizar sindicatos e neles

ingressar para proteção de seus interesses.”

Após a criação da OIT, o princípio geral da liberdade sindical foi reforçado

pela adoção de Convenções, sendo a primeira, a de n.º 11, datada de 1921, que trata do

Direito de Associação na Agricultura, seguida das de n.º 84 (Liberdade Sindical nos

Territórios não Metropolitanos), n.º 87 (Liberdade Sindical e Proteção ao Direito de

Organização e de Negociação Coletiva), nºs 98 e 154 (Direito de Organização e de

Negociação Coletiva); nº135 (Sobre Facilidades para os Representantes de Trabalhadores),

n.º 141 (Organizações de Trabalhadores Rurais); n.º 144 (Consultas Tripartites sobre

Normas Internacionais do Trabalho) e n.º 151 (Sindicalização do Funcionário Público).

Dentre essas, temos como certo que o Brasil ratificou as de n º 11, 98, 135, 141, 144 e

154. De outro modo, pertinentes ao tema, vale ressaltar a existência das seguintes

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Recomendações da OIT: n.º 91. De 1951 (Contratos Coletivos); n.º 92, de 1951

(Conciliação e Arbitragem Voluntárias); n.º 94, de 1952 (Colaboração no Âmbito da

Empresa); n.º 113, de 1960 (Consulta – Setores de Atividade Econômica e Âmbito

Nacional); n.º 130, de 1967 (Reclamações); n.º 143, de 1971 (Representantes dos

Trabalhadores); n.º 149, DE 1975 (Organizações de Trabalhadores Rurais); n.º 159, de 1978

(Relações de Trabalho na Administração Pública), e finalmente, a de n.º 163, de 1981

(Negociação Coletiva)

Uma das Convenções que merece destaque é a de n º 87, de 1948, que versa

sobre liberdade sindical e proteção ao Direito Sindical, ratificada por quase cem membros

da OIT, enquanto que a nível interno, nada obstante ter sido encaminhada em 1949 à

apreciação ao Congresso Nacional Brasileiro, por ora, somente foi aprovada em 1984 pela

Câmara dos Deputados.

Cumpre destacar que além das Convenções e Recomendações da OIT, há

outros instrumentos internacionais cuidando do instituto do direito coletivo, a saber: Carta

Internacional Americana de Garantias Sociais (1948), Convenção Européia de Direitos

Humanos (1950); a Carta Européia (1961) e a Carta Americana sobre Direitos Humanos.

No Brasil o desenvolvimento do direito sindical foi extremamente lento,

tendo em conta a predominância do trabalho servil numa economia predominantemente

agrícola. Assim, as primeiras legislações foram voltados para os trabalhadores rurais, ao

contrário do que ocorria na Europa, cujos destinatários primários eram o trabalhadores

urbanos. Evaristo de Moraes Filho (in O Problema do Sindicato Único no Brasil), nos

lembra da Liga Operária (1870) e a União Operária (1880), como associações de classe de

cunho reivindicatório.

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A Constituição do Império (1824) consagrou a liberdade de trabalho, tendo

por sua vez abolido as Corporações de Ofício (art. 179, XXV) sendo silente quanto ao

direito coletivo. A Constituição Republicana, de 1891, apenas assegurou a liberdade de

associação sem armas (art. 72, § 8º).

Para uma grande parte da doutrina, a primeira legislação eminentemente

sindical se deu a partir da edição do Decreto n.º 19.770, de 19 de março de 1931, que

consagrou a unicidade sindical, a neutralidade sindical, proibindo sindicatos de se

preocuparem com ideologias políticas ou religiosas, e a vedação de união a entidades

internacionais sem autorização do Governo.

Em vigor a Constituição de 1934, o panorama da organização sindical sofreu

substanciais alterações, com a implantação da pluralidade sindical e a completa autonomia

dos sindicatos. Criou-se a Justiça do Trabalho e a representação paritária.

Sobrevindo a Constituição de 1937, voltou a existência do sindicato único; a

investidura sindical passou a ser conferida à associação mais representativa; instituiu-se a

contribuição sindical; a greve e o lockout foram considerados recursos anti-sociais.

Em 1943, publica-se a CLT, a qual tem um capítulo destinado ao direito

sindical, que, principalmente por força da atual Carta Magna em vigor, sofreu várias

alterações.

Em 1964, com a implantação do regime militar, foi editada nova Carta da

República em 1967, assegurando liberdade de associação profissional. O voto nas eleições

sindicais passou a ser obrigatório, garantido o direito de greve exceto nos serviços públicos

e nas atividades essenciais definidas em lei. Com a regulamentação da lei de greve – Lei n.º

4330/64 – a vedação passou a existir em um expressivo número de atividades.

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A Constituição de 1988, prevê a liberdade de associação, vedada a de caráter

paramilitar, o direito de associação sindical ao servidor público civil, excluindo,

expressamente, os servidores militares. Enfatiza a liberdade sindical ao mesmo tempo em

que impõe a unicidade e a cobrança de contribuições sindicais.

Permanece a possibilidade de coexistência da associação, como sociedade

civil, ao lado do sindicato preexistente.

Prevê, ainda a participação obrigatória de entidade sindical nos dissídios,

acordos e negociações coletivas.

Inegável, portanto, que o direito sindical ganhou um status dantes nunca

visto, cujo reflexo direto ocorrerá nos contratos individuais de trabalho, como veremos.

II - CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

II. a. Da Negociação Coletiva

Era de tradição luso-brasileira a tentativa de negociação, como

diligência prévia à propositura de demanda. As Ordenações Filipinas - 1603,

expressamente, fazia menção à conveniência das partes não gastarem “suas fazendas”, pois

o vencimento da causa é sempre duvidoso. A Constituição do Império – 1824 – previa a

obrigatoriedade da diligência preliminar conciliatória (art. 161: “Sem se fazer constar que

se tem intentado o meio da reconciliação, não se começará processo algum.”). Na

República, o Decreto n.º 359/1890, extinguiu a obrigatoriedade da tentativa conciliatória,

sob o argumento de que tal prática teria se revelado onerosa. Em vários Estados foi mantida

a conciliação, em caráter facultativo. A legislação trabalhista restaurou em 1932 a tentativa

de conciliação em nosso direito positivo, em caráter obrigatório. A Consolidação das Leis

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do Trabalho, Decreto-Lei n.º 5452, de 1º de maio de 1943, publicado no D.O.U. em

09/08/43, com vigência a partir de 10/11/43, instituiu a obrigatoriedade da tentativa de

conciliação sob pena de nulidade (arts. 611, 764, 847, 850, 862).

Finalmente, a Constituição Federal de 1988, não só prestigia por demais a

negociação, como também permite a flexibilização do próprio direito, conforme se verifica

do art. 7º, incisos VI, XIII, XIV, XXVI; art. 114, §1º e § 2º. A Lei de Greve, n.º 7783/89,

faculta a cessação coletiva do trabalho desde que frustrada a negociação ou constatada a

possibilidade de se utilizar a via arbitral (art. 3º). A Lei 8984/95 estendeu a competência da

Justiça do Trabalho para o cumprimento de convenções ou acordos coletivos de trabalho.

O mestre AMAURI MASCARO NASCIMENTO, ao tratar da negociação

coletiva nos dá o seguinte ensinamento: “A negociação coletiva é compreendida como uma

forma de desenvolvimento do poder normativo dos grupos sociais seguindo uma concepção

pluralista que não reduz a formação do direito positivo à elaboração do Estado. É

destinada à formação consensual de normas e condições de trabalho que serão aplicadas a

um grupo de trabalhadores e empregadores. A negociação coletiva está na base da

formação do direito do trabalho como uma das suas fontes de produção. As normas

jurídicas trabalhistas não se esgotam com as normas jurídicas estatais. Há um direito

positivo trabalhista não estatal. A negociação coletiva é a sua principal fonte, nem sempre

foi importante no direito brasileiro, mas a partir de 1988 intensificou-se, como decorrência

da modificação do modelo altamente legislado.”

A Organização Internacional do Trabalho estimula, até com certa

intensidade, a prática da negociação coletiva, consoante os termos das Convenções n.º 98,

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151, 154, assim como por intermédio de Recomendações, particularmente as de nºs 91,

159, 163.

Frente ao nosso direito positivo, possui titularidade para manter tratativas as

entidades sindicais, representantes das categorias profissionais e econômicas.

II.b. Conceituação

Sobre o termo “convenção coletiva de trabalho”, não há unanimidade entre

os autores e doutrinadores, recebendo aquela várias denominações, a saber: contrato

coletivo de trabalho, pactos, regulamentação, contrato sindical, sendo que a expressão

inglesa colective bargaing foi usada pela primeira vez por POTTER e WEBB na obra The

cooperative movement in Great Britain, de 1891.

A própria CLT utilizou equivocadamente o termo contrato coletivo em

substituição à convenção coletiva, dando-lhe a mesma sinonímia. Posteriormente, acabou

adotando a expressão convenção coletiva, como consta no seu art. 611.

Insta esclarecer, por demais importante, que no presente estudo o contrato

coletivo de trabalho refere-se a um outro instituto.

O conceito da convenção coletiva de trabalho nos é dado pela própria lei

(Art.611 da CLT), constituindo-se num acordo intersindical de vontades, ou em outras

palavras, as partes desse instrumento são as entidades sindicais representativas da categoria

econômica de um lado, e da profissional, de outro. Os efeitos desse negócio jurídico é erga

omnes, como adiante se verificará, quando analisarmos a natureza jurídica.

Já o acordo coletivo tem como atores sociais a categoria profissional de um

lado, e de outro uma ou mais empresas (§ 1º do art. 611 da CLT). O efeito da avença será,

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portanto, inter partes, na medida em que as normas aqui pactuadas objetivam regular uma

relação jurídica localizada.

Na nossa visão, o contrato coletivo de trabalho deve ser entendido como um

ajuste de vontades entre os vários ramos de uma categoria. O próprio contrato coletivo pode

servir de parâmetro para eventual negociação, originando daí a convenção ou acordo. Deve

ser, portanto, uma verdadeira codificação harmoniosa de interesses, elaborada pelas partes

diretamente envolvidas, tendo alcance nacional, regional ou local, segundo os preceitos

contidos no próprio contrato.

Graficamente, pode ser assim representado:

II. c. natureza jurídica

Considerando as funções e os sistemas jurídicos vigentes, instalou-se na

doutrina discussão sobre a natureza jurídica do sindicato – se entidades detentoras ou não

de personalidade jurídica, e, na hipótese positiva, se de direito público ou de direito

privado. Destaque-se que a importância dessa questão reside na concepção do alcance da

convenção coletiva.

CONTRATO COLETIVO

CONVENÇÃO COLETIVA

ACORDO COLETIVO

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Entretanto, o presente estudo não comporta a explanação dos doutrinadores

sobre tal matéria, razão pela qual remetemos o leitor à bibliografia encartada no final.

Objetivamente, nos interessa que, no sistema posto pátrio, o sindicato é

pessoa jurídica de direito privado, que adquire personalidade jurídica por meio da inscrição

de seus estatutos no cartório de registro de títulos de documentos, sendo esta exigência

formal a atuação do Estado. Por outro lado, a previsão de registro junto ao órgão

competente, AESB, dá-lhe personalidade jurídica sindical, não se confundindo com

autorização para o funcionamento nem com reconhecimento da representatividade da

categoria (IN/MT, n.º 01, de 27/8/91, complementada mais recentemente, pela IN 01/99, do

Ministério do Trabalho).

As prerrogativas do sindicato não são opcionais, mas sim legais, cabendo-lhe

representar perante as autoridades administrativas e judiciárias os interesses gerais da

profissão ou da categoria, ou os interesses individuais dos associados relativos à atividade

ou profissão exercida. Ora detém a condição de representante (necessitando para sua

atuação de autorização dos representados), ora a de substituto processual (agindo em nome

próprio na defesa de direitos de terceiros, independentemente de outorga de poderes dos

substituídos).

Para ALONSO GARCIA, dois pontos configuram de forma definitiva o

desenvolvimento das convenções coletivas: representação e normatividade. A primeira é

decorrente da impossibilidade de todos os trabalhadores, ao mesmo tempo, entabularem

acordos com a empresa sobre as condições de trabalho. A segunda em função da

característica inerente ao próprio pacto que define sua própria significação e natureza,

enquanto o pacto coletivo estabelece precisamente as condições que devam fazer parte dos

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contratos individuais de trabalho celebrados pelos empresários e trabalhadores aos quais se

estenda a vigência do pacto.

Sua obrigatoriedade se faz de duas formas: representativamente, dado que se

estende a todos para os quais foi celebrada, e extensivamente, para alcançar a terceiros não-

intervenientes, ou por adesão ou por disposição legal.

A convenção coletiva não substitui o contrato individual de trabalho, ao

contrário do que ocorre com o contrato coletivo de trabalho.

Como todo instituto jurídico, a convenção é regida por princípios, nada

obstante ser em sua grande parte não-escritos. RUPRECHT os elenca na seguinte ordem:

(1º) boa-fé (diz respeito aos atos jurídicos em geral. Cada parte deve agir com lealdade);

(2º) informação (é essencial para que o sindicato possa discutir condições de trabalho e

salários, competindo a outra parte o dever de lealdade em dar as corretas informações), (3º)

razoabilidade (destina-se para ambas as partes. Nenhuma pode exigir mais do que o correto

e nem negar o justo), e, finalmente, (4º) paz social: as partes devem cumprir o pactuado,

cumprindo sua obrigação.

As convenções são vinculadas aos contratos individuais de trabalho, sejam

singulares ou plurais. Têm um caráter geral, não se destinando a pessoas individualizadas,

enquanto os contratos de trabalho são celebrados entre pessoas perfeitamente caracterizadas

e determinadas. As cláusulas constantes do instrumento normativo devem ser

necessariamente incluídas no contrato de trabalho. Pelo princípio protetivo do trabalhador,

na hipótese de haver cláusulas antagônicas – contrato individual x convenção – prevalecem

as normas que são mais benéficas ao obreiro. Entretanto, tal benefício deve ser analisado no

conjunto, não se permitindo a retaliação da convenção, com aproveitamento somente

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naquilo que seja favorável ao trabalhador. Não podemos olvidar que, ao entabular uma

convenção, as entidades sindicais estão imbuídas da qualidade de representatividade, sendo

a normatividade qualidade intrínseca desse instituto. Nesse trilhar, a teoria do

conglobamento se faz presente, a justificar a aceitação de uma ou outra norma menos

favorável, desde que o conjunto das condições acordadas sejam superiores às do contrato

individual de trabalho.

A transcendência do instituto se revela no estabelecimento das condições

dignas de trabalho e tranqüilidade para os empresários, adiantando-se à legislação positiva

ao fixar novos princípios e normas.

A natureza jurídica da convenção é matéria controvertida no seio da doutrina

pátria, e mesmo no direito comparado.

Entretanto, tal quadro não nos impede de abrir espaço para a reflexão, tendo

em conta que a importância da determinação da natureza jurídica de um instituto reside no

fato de poder estabelecer seus alcances e sua exata situação.

As classificações variam de autor para autor, sendo que a mais comum e

mais ampla permite a inclusão das seguintes teorias: civilistas, sociológicas, jurídico-

sociais, de direito público e mistas.

Para as teorias civilistas, o elemento comum está no princípio da autonomia

da vontade e o corolário indiscutível, o consentimento para o acordo. Nesse quadro, insere-

se a célebre frase carnelutiana: “a convenção tem corpo de contrato e alma de lei.”

Pelo fato das teorias contratualistas não serem suficientes, outras foram

formuladas considerando alguns fenômenos da realidade social que intervinham de forma

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incisiva na convenção. O interesse individual é substituído pelo coletivo, surgindo assim as

teorias sociológicas.

Ainda insatisfeitos com as teorias anteriores, os teóricos elaboraram uma

terceira, cujo discrimen está na consideração do fenômeno jurídico. O direito é um juízo de

valor, razão pela qual coexiste o direito positivo ao lado do direito objetivo.

Desde o princípio, as relações trabalhistas sempre pertenceram ao campo do

direito privado, sendo, inclusive, regulada no Código Civil, sob o título locação de trabalho.

Em contrapartida, a simples existência na convenção coletiva de trabalho de normas de

ordem pública, por si só, não a transforma em matéria de direito público, na medida em

que este ramo da ciência jurídica não detém a exclusividade de tal qualidade.

Finalmente, encontramos as teorias mistas, que não classificam a convenção

numa ou noutra categoria. Importante as palavras de CALDERA que a entende como um

fenômeno jurídico de natureza especial. Não é um contrato, mas participa das condições do

contrato porquanto ser um acordo de vontades entre as partes que têm interesses distintos.

Ao mesmo tempo, participa da lei enquanto significa ordenamento coletivo obrigatório que,

em algumas legislações, não pode ser renunciada por acordos individuais e tem um caráter

nítido de instituição de Direito Público, não só porque trata de matérias de grande

importância que repercutem no campo social, mas também representa um fenômeno que

regula aspectos essenciais da organização coletiva moderna. Entretanto, não é lei posto que

não deriva de ato legislativo.

ALONSO GARCIA não aceita as teorias expostas, aduzindo que a natureza

jurídica da convenção reside no fato de ser fonte de Direito do Trabalho e o Direito é

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anterior ao Estado. RUPRECHT segue a posição abraçada por HAURIOU que é a do

institucionalismo jurídico.

Conclui-se, portanto, que todas essas teorias, ao explicar de forma

satisfatória um determinado aspecto do instituto jurídico, não consegue superar as críticas

desfavoráveis.

A melhor leitura que se faz diante desse quadro é aquela ofertada por EGON

FELIX GOLTTSCHALK. Tal autor, na esteira de JACOBI, afirma que se empregado ou

empregador, por manifestação de vontade, aderem a uma associação com competência para

autorizar convenção coletiva (denominado contrato coletivo pelo autor), em decorrência

desse ato, submetem a sua vontade individual à vontade coletiva de sorte que as condições

gerais de trabalho, convencionadas pela associação, vinculam, direta e imediatamente, os

associados. Cumpre não identificar a vontade da associação com as dos indivíduos

componentes, porquanto não é a vontade da associação a soma destas vontades individuais.

Por outro lado, porém, as vontades individuais dos associados não enfrentam em campos

tão opostos a vontade da associação dentro da sua competência em relação aos indivíduos,

como a vontade de qualquer terceiro. É esse o fundamento pelo qual o Direito reconhece às

condições gerais de trabalho, estipuladas nas convenções coletivas, o efeito jurídico da

obrigatoriedade e inderrogabilidade.

E o que dizer sobre a extensão da convenção coletiva para os componentes

da categoria que não manifestaram sua vontade de adesão?

Ora, a representação sindical da categoria é, na verdade, uma delegação

legislativa, conferindo ao sindicato poder de elaborar normas jurídicas que obrigam todos

membros da categoria.

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O poder decorrente desta delegação legislativa é, sem dúvida, uma função de

direito público, derivada da própria ordem estatal.

A Carta Magna é de clareza solar. Em seu art. 7º, inciso XXVI, assegurou o

“reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho”. Por outro lado, o inciso

III do art. 8º tem a seguinte disposição: “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses

coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas.”

O inciso VI preceitua: “é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações

coletivas de trabalho.”

Esse poder de representação da categoria já era previsto na Consolidação das

Leis do Trabalho, em seu art. 513, letra "b" (São prerrogativas dos sindicatos:... b)

celebrar contratos coletivos de trabalho"), sendo assim, recepcionado pelo novo

ordenamento jurídico.

De outra parte, é verdade que o art. 611 consolidado conceitua a convenção

coletiva de trabalho como sendo “o acordo de caráter normativo pelo qual dois ou mais

sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de

trabalho, aplicáveis no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de

trabalho”, como dito alhures. É certo, porém, que o “âmbito da respectiva representação"

não coincide, porém, com a totalidade dos associados dos sindicatos estipulantes, pois, o

direito de representação compreende "os interesses gerais da respectiva categoria ou

profissão liberal" (letra "a" do art. 513), alcançando, dessa forma, os não-associados.

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FORMAS DE SOLUÇÃO DOS CONFLITOS

Um aspecto peculiar da convenção coletiva, bem como do contrato coletivo,

é que não se prestam apenas como instrumentos para solucionar um conflito instalado, mas

também para evitar sua concreção no seio social.

Os mecanismos postos para a utilização das partes são: auto-composição

mediante convenção, contrato coletivo ou acordo; conciliação; mediação e arbitragem.

Ocupar-nos-emos, tão-apenas do acordo e convenção coletiva.

III- CONTEÚDO MATERIAL E FORMAL

Pelo sistema pátrio em vigor, o conteúdo da convenção coletiva é

disciplinado pela lei – art. 613 da CLT. Faremos um breve passeio para acrescer às

disposições legais o próprio espírito da lei, captado pelos doutrinadores e aplicadores do

Direito. Assim, dividiremos o tema em conteúdo formal e material, somente para facilitar a

sintética explanação.

CONTEÚDO FORMAL

O informalismo, qualidade reinante tanto do direito do trabalho quanto do

processo do trabalho, é mitigado no quadro das convenções e acordos coletivos.

Por primeiro, trata-se de uma pactuação, necessariamente, escrita, sem

emendas e nem rasuras, e em quantas vias forem as entidades sindicais participantes

acrescida daquela que será depositada no Departamento Nacional de Trabalho, em se

tratando de instrumento de caráter nacional ou interestadual, ou nos órgãos regionais do

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Ministério do Trabalho, sendo certo que é a partir do terceiro dia após o depósito que

entrará em vigor (art. 611, § 1º).

A condição primária para se proceder à discussão das normas gerais de

trabalho, bem como a entabulação de acordo ou convenção é a convocação da assembléia

geral, especialmente convocada para esse fim, nos termos estatutários (art. 612 da CLT).

Por outro lado, o artigo 613 da CLT dispõe expressamente quais os

requisitos extrínsecos que deve conter o acordo ou convenção: designação dos sindicatos

convenentes ou dos sindicatos e empresas acordantes; prazo de vigência (que não poderá

ser superior a dois anos - § 3º do art. 614 da CLT – sendo que, via de regra, o prazo adotado

tem sido de um ano, havendo possibilidade de revisão, denúncia ou revogação, sempre de

forma justificada, adotando-se as mesmas formalidades de sua instituição); categorias ou

classes de trabalhadores abrangidas pelos respectivos dispositivos; condições ajustadas

para reger as relações individuais de trabalho durante sua vigência; normas para a

conciliação das divergências surgidas entre os convenentes por motivo de aplicação de seus

dispositivos; disposições sobre o processo de sua prorrogação e de revisão total ou parcial

de seus dispositivos; direitos e deveres dos empregados e empresas; penalidades para os

sindicatos convenentes, os empregados e as empresas em caso de violação de seus

dispositivos.

Destaca-se, mais uma vez o aspecto formal, na medida em que a

Constituição Federal impõe, necessariamente, a presença das entidades sindicais nas

tratativas, não se restringindo apenas à formalização do instrumento resultante.

Com precisão, CHIARELLI sintetiza que a partir da novel Constituição/88

ao sindicato foi outorgado o “direito constitucional” de ser parte obrigatória no

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procedimento negocial coletivo, em função da abrangência que tal sistema contratual,

estimulador de regras não individuais, enseja.

Nesse passo, no tocante ao acordo coletivo, as partes interessadas, desde

logo, devem chamar a entidade sindical respectiva para que assuma a condução das

negociações, sob pena de importar num vício constitucional insanável.

Pois bem.

O art. 617 consolidado prevê, expressamente, que os empregados que

almejarem entabular acordo com as respectivas empresas darão ciência (disposição com

força imperativa) por escrito ao sindicato da categoria profissional, a quem compete, por

óbvio, assumir a direção da negociação, fixando, para tanto, o prazo de oito dias. Do

mesmo modo, compete agir a empresa com relação à respectiva representação sindical

econômica. Com o transcurso do prazo fixado, poderão (disposição com força facultativa)

os interessados solicitar à Federação e, ao depois, à Confederação, com o mesmo propósito.

Dispõe ainda a parte final do § 1º do indigitado artigo que “esgotado esse prazo, poderão

os interessados prosseguir diretamente na negociação coletiva até final.” Nesse particular,

como já dito alhures, entendo que, dada a titularidade exclusiva da entidade sindical, tal

preceito encontra-se derrogado.

E na hipótese de haver recusa da entidade sindical em participar das

negociações? Ora, é a própria Constituição que fomenta o entendimento direto entre as

partes, de tal forma que se torne cada vez menor e dispensável a presença do Estado nas

relações de trabalho. A princípio, portanto, estaríamos diante de uma dicotomia. De um

lado, temos o princípio constitucional da livre negociação (norma-princípio) e, de outro, a

exigência da presença do órgão de classe (norma cogente). Sendo de conhecimento

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comezinho que as normas-princípios são hierarquicamente superiores às normas cogentes,

porquanto dão sustentação a todo um sistema jurídico, a toda evidência, que a vontade real

externalizada pelas partes deve receber a proteção jurídica. Para tanto, deve-se buscar

caminhos alternativos, posto que a norma que determina a presença obrigatória dos

sindicatos tem conteúdo cogente imperativo e não facultativo, razão pela qual não pode ser

ignorada. Para tanto, salvo melhor juízo, a única forma para se contornar a exigência

constitucional é buscar o suprimento de consentimento via judicial. Considerando-se que o

escopo maior perseguido pelo constituinte ao determinar a presença da entidade sindical foi

afastar o embate direto entre trabalhadores e empregador, igualando-se as forças no ato

contratual, o Judiciário, se o caso, viria para substituir a indispensável aquiescência do

órgão de classe, reunindo todas as condições para avaliar eventuais existência de vícios e

prejuízos.

Não se pode olvidar, do quanto disposto no artigo 11 da CF/88, o qual prevê

que “Na hipótese de empresa com mais de 200 empregados, é assegurada a eleição de um

representante destes, com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento direto

com os empregadores.” Pois bem, a interpretação sistemática da Carta Magna, não autoriza

o entendimento de que, na hipótese, haveria possibilidade de se celebrar acordos coletivos

de trabalho, posto que a prerrogativa é tão-somente das entidades sindicais. A autorização

daquele é exclusiva para promover o entendimento direto de assuntos internos e localizados

no âmbito da empresa.

Urge destacar, por importante, que não se confunde vigência de

acordo/convenção coletiva, com vigência de cláusula, posto que o acordo ou convenção

19

pode conter cláusula com efeito retroativo, bem como, postergar para o futuro a

implementação de outra.

A implicação da vigência da convenção coletiva traz a figura do chamado

efeito imediato ou obrigatório da convenção, qual seja, a partir desse momento, dada a sua

inderrogabilidade, se fazem substituir as cláusulas dos contratos individuais de trabalho,

desde que observada a existência de cláusulas mais favoráveis, nos exatos termos do art.

620 da CLT.

Ressalte-se, ainda, que nosso ordenamento prevê a faculdade das partes de

iniciarem as negociações coletivas, dentro de 60 dias antes do término do instrumento

normativo em vigor, de tal sorte que, tenha vigência no dia imediato ao termo final (art.

616, § 3º da CLT).

CONTEÚDO MATERIAL

Nunca é demais relembrar que o nosso direito pátrio distingue entre

convenção coletiva de trabalho e acordo coletivo de trabalho (art. 611, “caput”, e § 1º).

Segundo a lição de ORLANDO GOMES, a convenção e o acordo coletivo

de trabalho distinguem-se do contrato individual de trabalho, na medida em que este faz

nascer desde logo, e de forma direta, a relação de emprego, enquanto, os primeiros, por

evidência, não criam esse vínculo, ao revés prescrevem condições gerais de trabalho.

As convenções, os acordos coletivos, bem como as sentenças normativas

proferidas pelos tribunais nos julgamentos de dissídios coletivos de natureza econômica

disciplinam as condições amplas de trabalho e não apenas o aspecto econômico, que nos

dias atuais, com razão, tem recebido maior atenção e ênfase das entidades sindicais.

20

Matéria de suma importância diz respeito à chamada teoria da incorporação,

pela qual, as estipulações constantes das convenções e acordos coletivos aderem aos

contratos individuais de trabalho. O estudo da questão ganha relevância, na medida em que

a lei não disciplina os efeitos quanto ao término da vigência da convenção coletiva sobre o

contrato individual de trabalho, na ausência de outra que a substitua imediata e

incontinentemente.

No estudo do direito comparado, encontramos divergência entre os vários

ordenamentos jurídicos quanto à possibilidade da incorporação, referindo-se aos contratos

de trabalho que se encontravam em vigor sob a égide do acordo/convenção coletiva.

Quanto aos novos contratos de trabalhos, impera, na grande maioria, a prevalência das

condições ajustadas individualmente.

Outra questão interessante que surge diz respeito à possibilidade de haver na

convenção coletiva posterior cláusulas menos favoráveis ou que suprimem certos direitos

previstos na norma caduca. Mais uma vez, cindem-se as opiniões, sendo pertinente

anotarmos que na América Latina, a Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela integram o

grupo que veda a alteração in pejus, tendo do lado oposto Chile e Colômbia.

A jurisprudência firmada no Tribunal Superior do Trabalho também não se

revela unânime.

Doutrinariamente, prevalece no nosso meio a corrente que acolhe a

incorporação (Pontes de Miranda, Segadas Viana, Octávio Bueno Magano, Mozart Victor

Russomano, José Martins Catarino, Amauri Mascaro Nascimento, Délio Maranhão, entre

outros), contrapondo-se à tese de vigência do contrato/acordo coletivo (Wilson de Souza

Campos Batalha, Antonio Álvares da Silva).

21

É evidente que a cisão decorre da ausência de norma acerca da matéria,

como já dito alhures, bem como, pelo momento histórico vivenciado. Tempos atrás, o

enfoque principal era dar garantias individuais aos trabalhadores, ao passo que,

hodiernamente, em razão direta da globalização, considerando os aspectos sócio-político-

econômicos, a necessidade maior passou a ser a garantia do pleno emprego.

Nosso ordenamento já teve oportunidade de implantar tal teoria ao editar a

Lei n.º 8542, de 23 de dezembro de 1992, que versa sobre Política Nacional de Salários e

Depósito Recursal. O § 1º do art. 1º dispunha: “As cláusulas dos acordos, convenções ou

contratos coletivos de trabalho integram os contratos individuais de trabalho e somente

poderão ser reduzidas ou suprimidas por posterior acordo, convenção ou contrato coletivo

de trabalho.” O efeito prático e direto desse preceito foi a recusa orquestrada das entidades

sindicais representantes da categoria econômica, bem como das próprias empresas, a

entabularem convenções e acordos, preferindo trilhar o caminho da instauração dos

dissídios coletivos perante os Tribunais, conquanto a sentença normativa estivesse fora do

alcance da norma, conforme orientação jurisprudencial traçada no pelo Enunciado n.º 277

do C. TST, in verbis: “As condições de trabalho alcançadas por força de sentença

normativa vigoram no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva, os contratos.”

Posteriormente, o parágrafo em comento foi revogado pela MP 1488-15, de

5.9.96. Tal revogação foi prevista em várias outras Medidas Provisórias, sendo que a MP

n.º 1620/38, de 12/06/96, acabou sofrendo Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI n.º

1849-0, Rel. Min. Marco Aurélio), sendo concedida liminar sob o seguinte fundamento:

“Em primeiro lugar, saliente-se que a edição da medida provisória faz-se no campo da

excepcionalidade. Leitura eqüidistante do art. 062 da Carta Política da República revela a

22

necessidade de concorrerem requisitos, a saber: a relevância e a urgência do trato da

matéria de forma excepcional, ou seja, pelo próprio Presidente da República e em

detrimento da atuação dos representantes do povo e dos Estados, ou seja, das câmaras

legislativas. Pois bem, na espécie, não estão presentes estas condições, no que modifica a

lei que já se encontrava em vigor desde 1992. A par deste aspecto, tem-se, ainda, a

problemática concernente às reedições. A medida provisória é instrumento precário cujo

prazo de vigência não ultrapassa os trinta dias – parágrafo único do art. 62. Com o

preceito não se harmoniza o empréstimo de prazo indeterminado ao instrumento, isto à

mercê de reedições sucessivas a cada período de vinte e nove dias. Nota-se, ainda, que o

disposto na Lei n.º 8542/92, mais precisamente no artigo 001º, §§ 001º e 002º, dela

constantes, mostrou-se em plena harmonia com o Diploma Máximo. Ora, a revogação

ocorrida tem, a esta altura, o sabor de afastar do cenário jurídico-constitucional a

regulamentação de normas constitucionais pelo poder competente. Assim, entendo que, na

espécie, conta-se com os pressupostos indispensáveis à concessão da liminar. Defiro a

liminar pleiteada, ad referendum do Plenário, suspendendo a eficácia do art. 019 da

Medida Provisória n.º 1620, de 10 de junho de 1998, no que implicou a revogação dos §§

1º e 2º do artigo 1º da Lei n.º 8.542/92. Brasília, 2 de julho de 1998.” Em 19.08.98, houve

por bem o Exmo. Min. Relator, proceder a extensão da liminar à Medida Provisória n.º

1675-40, o mesmo ocorrendo em 25/10/98, em relação às Medidas Provisórias n.º 1675-41

e 1675-42.

Vê-se que o fundamento da decisão liminar assenta na utilização de Medida

Provisória para exclusão de matéria que já se encontrava plenamente regulada por meio do

processo legislativo próprio.

23

A se fazer uma interpretação sistemática das normas que regulam a matéria,

surge a seguinte questão: tendo a convenção coletiva duração limitada – prazo máximo de

vigência de dois anos – não estaria havendo um choque com o instituto da integração?

A princípio, as transformações sócio-político-econômicas não autorizam a

integração, porquanto as normas devem guardar a qualidade de adaptação às circunstâncias

decorrentes das modificações, fruto da própria autonomia privada. O substrato de tudo,

conforme expressamente previsto na Constituição Federal, é a negociação coletiva.

Como toda regra comporta uma exceção, cumpre-nos ressaltar a que incide

no presente estudo. Trata-se da hipótese em que o benefício concedido por força da

vigência da norma coletiva, por ter um caráter continuado, deve permanecer no patrimônio

jurídico do trabalhador. A supressão da vantagem individual adquirida importaria em grave

lesão, ferindo as regras-princípios que regem a ciência jurídica laboral.

Nesse diapasão, coube à jurisprudência traçar os indicativos tendentes a

conferir ao trabalhador a incorporação ao seu contrato individual de trabalho, nada obstante

a perda da vigência do instrumento normativo que contemplava o direito. A título de

exemplo, podemos invocar o Precedente Jurisprudencial da SDI do C. TST de nº 41, que

assim dispõe: “Estabilidade. Instrumento Normativo. Vigência. Eficácia. Preenchidos

todos os pressupostos para a aquisição da estabilidade decorrente de acidente ou doença

profissional, ainda durante a vigência do instrumento normativo, goza o empregado de

estabilidade mesmo após o término da vigência deste.”

Apenas a título de curiosidade, os países europeus que adotam o contrato

coletivo de trabalho (destaque-se, diferente da convenção coletiva), que via de regra,

contemplam a regra da incorporação, ainda nos dias atuais encontram grandes dificuldades

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para integração na Comunidade Econômica Européia, na medida em que representa um

verdadeiro engessamento das relações de trabalho, dificultando a competitividade – que

singelamente pode ser entendida como maior produção com menor custo e melhor

qualidade- mandamento fundamental da globalização econômica.

Pousemos os olhos sobre os limites das convenções que, por uma questão de

segurança jurídica da própria sociedade, não podem ser irrestritos.

O primeiro ponto diz respeito à observância dos preceitos já disciplinados no

próprio ordenamento jurídico, no direito posto. Assim, não é dado às partes o poder de

afrontar o Estado de Direito, sendo que os direitos e garantias previstos em leis no sentido

formal representam o limite mínimo. Outro parâmetro que deve ser considerado são as

decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal que declaram a ocorrência de lesão à

Carta Magna ou a inconstitucionalidade da norma, se oriunda de sentença normativa.

Ambas as situações retratam os limites inferiores. Quanto aos superiores, são os interesses

específicos das categorias profissionais e/ou econômicas que os determinam, não se

considerando genericamente os interesses de todos os trabalhadores enquanto membros de

uma comunidade, pois tal incumbência está a cargo da lei strito sensu.

Nas convenções, costumam haver diversos tipos de cláusulas que compõem

o instrumento normativo, a saber: as cláusulas econômicas, sociais e institucionais. As

econômicas versam sobre piso salarial, reajustes salariais, aumentos reais, adicionais,

prêmios/produtividade, etc.... As sociais dizem respeito aos benefícios outorgados aos

trabalhadores individualmente considerados, por exemplo, licença saúde, ajuda funerária,

seguro de vida, assistência médica, ajuda creche, estabilidade do acidentário, etc.., além

daqueles já previstos em lei. Alcançam também os trabalhadores enquanto grupo social

25

definido; como por exemplo, temos as normas que versam sobre proteção ao meio ambiente

do trabalho, medicina e segurança. As cláusulas institucionais referem-se à organização de

comissões internas de negociação, de participação nos lucros ou de gestão, destacando-se o

caráter extra-sindical.

Na hipótese das partes desrespeitarem o bem de vida maior da convenção,

qual seja, a paz social com a ruptura ou não cumprimento da avença, incumbe ao

trabalhador propor reclamatória trabalhista, ação de dissídio individual ou plúrimo; ou à

entidade sindical requerer a tutela jurisdicional por meio da ação de cumprimento, na defesa

dos interesses da classe (ação individual) ou, ainda, a instauração do dissídio coletivo de

natureza jurídica (ação coletiva).

Sendo de conhecimento comezinho que as cláusulas constantes das

convenções coletivas são meramente declaratórias-constitutivas de um direito, na hipótese

de haver inadimplimento, parcial ou total da avença, a ação de cumprimento será o

instrumento pertinente que o sindicato dispõe, para imprimir a qualidade de executoriedade

da norma violada. É por meio da condenação imposta na ação de cumprimento que se pode

exigir a rigorosa observância do pactuado, inclusive com a aplicação das sanções previstas

no próprio instrumento. Lembremo-nos ainda que por força da Lei n.º 8984, de 7 de

fevereiro de 1995, a competência da Justiça do Trabalho foi ampliada para apreciação dos

litígios decorrentes tanto da convenção, como do acordo coletivo.

Considerando ainda os reflexos da convenção coletiva sobre o contrato

individual dos trabalhadores, devemos tecer duas breves palavras sobre o dissídio coletivo

de natureza jurídica. Pode haver o descumprimento do pactuado, não por simples recusa de

uma das partes em adimplí-lo, mas sim, por interpretação divergente quanto à aplicação de

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uma norma jurídica legal ou convencional. Nesse caso, o Tribunal é chamado para,

mediante procedimento interpretativo, declarar a existência ou não de uma relação jurídica

originária do texto normativo. O primeiro aspecto a ser posto em relevo é sua natureza

coletiva, a implicar na legitimidade da entidade sindical profissional para propor a ação,

bem como a competência originária do Tribunal para apreciação da lide. O segundo refere-

se aos próprios limites da decisão, ou seja, a simples declaração.

Acresce destacar, por julgar importante, a abordagem que o Mestre

AMAURI MASCARO NASCIMENTO faz, no que diz respeito à aplicabilidade das

normas convencionais da categoria preponderante para todos os empregados da empresa,

excepcionando aqueles integrantes de categoria diferenciada. No entender do Professor, só

haveria uma hipótese na qual se daria sua extensão, qual seja, quando o próprio instrumento

normativo contiver cláusula de comunicabilidade, isto é, dispondo expressamente que as

normas previstas no instrumento normativo da categoria preponderante aplicar-se-iam,

quando mais benéficas, à categoria diferenciada.

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