Acrilamida em Alimentos: Uma Revisão Acrylamide in Foods ... · PDF fileBraz. J. Food Technol., v.9, n.2, p. 123-134, abr./jun. 2006 125 ARISSETO, A. P. & TOLEDO, M. C. F. Acrilamida

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    PALAVRAS-CHAVEKEY WORDS

    Braz. J. Food Technol., v.9, n.2, p. 123-134, abr./jun. 2006 123 Recebido / Received: 14/06/2006. Aprovado / Approved: 16/06/2006.

    Acrilamida em Alimentos: Uma Reviso

    Acrylamide in Foods: A Review

    RESUMO

    Em abril de 2002, pesquisadores suecos comunicaram a formao de altos nveis de acrilamida durante o processamento trmico de diversos alimentos como a batata frita, batata chips, cereais matinais e po. Esta descoberta motivou uma srie de aes em nvel mundial, justificadas pelo conhecimento de que a acrilamida pode provocar danos ao sistema nervoso em humanos, alm de apresentar propriedades genotxicas e carcinognicas, confirmadas em estudos experimentais com animais. De acordo com as informaes disponveis at o presente, o principal caminho para a formao da acrilamida envolve a reao de Maillard entre aminocidos e acares redutores, sendo o aminocido asparagina identificado como principal precursor. Entretanto, o mecanismo exato da formao de acrilamida em alimentos ainda no est completamente esclarecido. Muitos estudos relativos otimizao de parmetros de processo para minimizar a formao de acrilamida nos alimentos, metodologias analticas, metabolismo e efeitos biolgicos deste contaminante tm sido publicados. Embora progressos significativos j tenham sido obtidos, ainda existe a necessidade de um melhor entendimento de seu papel na sade humana. O presente artigo apresenta uma reviso de literatura sobre acrilamida, incluindo aspectos toxicolgicos, ocorrncia, mecanismos de formao, estimativas de exposio e metodologias analticas para sua determinao em alimentos.

    Adriana Pavesi ARISSETO Maria Ceclia de Figueiredo TOLEDO

    Departamento de Cincia de Alimentos Faculdade de Engenharia de Alimentos

    Universidade Estadual de Campinas Caixa Postal 6121, CEP 13083-862

    Campinas-SP, Brasil E-mail: [email protected]

    E-mail: [email protected]

    Carcingeno; Reao de Maillard; Carboidratos; Asparagina.

    Carcinogen; Maillard Reaction;

    Carbohydrates; Asparagine.

    SUMMARY

    In April 2002, Swedish researchers announced the formation of high levels of acrylamide during the thermal treatment of many foods such as French fries, potato chips, breakfast cereals and bread. The discovery motivated worldwide concern, justified by the knowledge that acrylamide can cause damage to the nervous system in humans and presents genotoxic and carcinogenic properties confirmed in experimental studies with animals. According to the information available at this moment, the main pathway for acrylamide formation is the Maillard reaction between amino acids and reducing sugars, with asparagine identified as the main precursor. However, the exact mechanism of acrylamide formation in foods is not completely understood. Many studies concerning the optimization of process parameters to minimize acrylamide formation in foods, analytical methodologies, its metabolism and biological effects have been published. Although significant progress has been obtained, a need exists for a better understanding of its role in human health. This paper presents a literature review on acrylamide including toxicological aspects, its occurrence in food, mechanisms of formation, exposure assessments and analytical methodologies for its determination in foods.

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    ARISSETO, A. P. & TOLEDO, M. C. F.

    Acrilamida em Alimentos: Uma Reviso

    1. INTRODUO

    Durante a construo de um tnel na Sucia em 1997, a utilizao de material selante contendo altos nveis do monmero acrilamida foi responsvel pela contaminao ambiental de lenis freticos localizados na regio da construo. Este acidente, que resultou na morte de peixes e paralisia de vacas, foi atribudo a uma reao de polimerizao incompleta do material, com liberao de acrilamida no ambiente. Altos nveis de adutos de acrilamida com hemoglobina foram encontrados no sangue das vacas que apresentaram paralisia, comprovando a origem da contaminao.

    Adicionalmente, trabalhadores envolvidos na construo do tnel relataram o aparecimento de sintomas como paralisia e formigamento nas mos e nos ps. Ao se avaliar quantitativamente a exposio destes trabalhadores acrilamida, atravs da medida de adutos com hemoglobina, observou-se que no somente o grupo de indivduos ocupacionalmente expostos substncia, mas tambm o grupo controle, com exceo de fumantes, apresentava nveis significativos de adutos no sangue (TRNQVIST et al., 2000).

    Os nveis de adutos de acrilamida encontrados no sangue de indivduos no expostos se tornou uma questo preocupante, j que as fontes de exposio at ento conhecidas, como a gua, cosmticos e a fumaa de cigarro, foram consideradas no significativas para explic-los, sugerindo a existncia de uma nova fonte de exposio. A ocorrncia de acrilamida na fumaa de cigarro poderia indicar que esta substncia era formada durante combusto incompleta ou aquecimento de matria orgnica (BERGMARK, 1997).

    A formao de acrilamida durante o aquecimento foi posteriormente confirmada em estudos experimentais atravs da identificao de adutos de acrilamida com a hemoglobina em animais alimentados com rao frita a 200C, sendo que a presena deste aduto no era observada no sangue de animais alimentados com rao no frita (TAREKE et al., 2000). Em abril de 2002, os mesmos pesquisadores comunicaram a descoberta de altos nveis de acrilamida em diversos alimentos submetidos a tratamento trmico a altas temperaturas (TAREKE et al., 2002).

    Devido s preocupaes sobre os possveis efeitos txicos sade humana relacionados ingesto de acrilamida atravs da dieta, a Agncia das Naes Unidas para Agricultura e Alimentao (FAO) e a Organizao Mundial da Sade (OMS) realizaram um encontro, em junho de 2002, para discutir as conseqncias sanitrias da presena deste contaminante em alimentos. Diversas recomendaes foram estabelecidas com a finalidade de se obter mais informaes e de se proceder a novos estudos para um melhor entendimento dos riscos que a ingesto de acrilamida atravs de alimentos representava para a sade humana (FAO/WHO, 2002).

    Desde ento, muitos pesquisadores tm se dedicado ao estudo da acrilamida em alimentos e significativos progressos j foram obtidos com relao ao metabolismo e efeitos biolgicos desta substncia. Diferentes metodologias analticas foram desenvolvidas e validadas, viabilizando a determinao do teor de acrilamida em vrios tipos de alimentos, em nveis

    de concentrao cada vez menores. Indstrias e institutos de pesquisa tm trabalhado juntos na otimizao de parmetros de processos para minimizar a formao de acrilamida em alimentos, sendo que diferentes estratgias potencialmente promissoras j foram identificadas e apresentadas.

    2. ASPECTOS TOXICOLGICOS DA ACRILAMIDA

    Acrilamida (C3H5NO, peso molecular 71) um slido branco cristalino, estvel temperatura ambiente, solvel em gua, etanol, metanol, dimetil ter e acetona, e insolvel no benzeno. Fazem parte de sua estrutura qumica uma funo amida polar, que confere a caracterstica de alta solubilidade em gua, e uma funo vinil, que permite a polimerizao. A acrilamida tambm conhecida como 2-propenamida (US EPA, 1994).

    CH2 CH C

    O

    NH2

    FIGURA 1. Estrutura molecular da acrilamida.

    Acrilamida tem sido produzida desde a dcada de 50 atravs da hidratao de acrilonitrila e utilizada, principalmente, para produzir poliacrilamida, que empregada, por exemplo, no tratamento de clarificao da gua e do esgoto e na produo de gis para eletroforese. Alm de produzir poliacrilamida, acrilamida utilizada em fundaes para a construo de tneis e barragens (WHO, 2002).

    Os riscos associados acrilamida no so recentes e, provavelmente, a populao tem sido exposta a esta substncia por algumas geraes. Segundo a Agncia Internacional de Pesquisa sobre o Cncer (IARC), acrilamida classificada como uma substncia provavelmente carcinognica em humanos (grupo 2A) e, alm disso, pode ser txica ao sistema nervoso e reprodutivo de homens e animais em determinadas doses (IARC, 1994).

    Devido ao potencial txico deste contaminante e, conseqentemente, aos riscos que a sua ingesto atravs de alimentos poderia representar para a sade humana, o Comit do Codex sobre Aditivos e Contaminantes em Alimentos (CCFAC), em 2004, recomendou ao Comit de Especialistas em Aditivos Alimentares da FAO/OMS (JECFA) que realizasse uma avaliao do risco da acrilamida e, eventualmente, estabelecesse limites para sua ingesto, j que esta substncia nunca tinha sido avaliada anteriormente.

    O JECFA solicitou dados relacionados a todas as reas de pesquisa sobre acrilamida e conduziu a primeira avaliao toxicolgica deste contaminante durante sua 64a Reunio, em fevereiro de 2005. Os resultados da avaliao confirmaram o potencial txico da acrilamida, tendo o Comit concludo que a substncia deveria ser reavaliada assim que os resultados de pesquisas em andamento sobre carcinogenicidade e neurotoxicidade estivessem disponveis. Foi recomendado tambm que esforos deveriam ser direcionados para a reduo

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    ARISSETO, A. P. & TOLEDO, M. C. F.

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    do teor de acrilamida formada durante o processamento e era desejvel que os pases em desenvolvimento apresentassem dados sobre a ocorrncia de acrilamida nos alimentos representativos das dietas nacionais (FAO/WHO, 2005).

    2.1 Absoro, distribuio, metabolismo e excreo

    Em animais experimentais, acrilamida rapidamente absorvida pelo trato gastrointestinal e largamente distribuda nos tecidos. metabolizada ao epxido glicidamida atravs de uma reao catalisada pela enzima citocromo P2E1. A conjugao da acrilamida com glutationa um caminho alternativo para o seu metabolismo. A biodisponibilidade absolut