16
o ROSTO FEMININO DA EXPANSÃO PORTUGUESA CONGRESSO I TER ACIONAL CADERNOS CONDiÇÃO FEMININA 21-25 NOVEMBRO 1994 lIS80A • PORrUGAl FUNOAÇÁO CALOUSTE GUleeNKIAN ACTAS-I COMISSAO ~ARA A IGUALDADE E ~ARA OS DI~mO~ D~ lH RES PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS

ACTAS-I · 2019. 12. 4. · maria i Ês macias de mello magalhÃes - maria: um cor-po de duas faces . carme m. radulet - d. leo or tomÁsia, marquesa de tÁvora e d. a a ludovlna,

  • Upload
    others

  • View
    3

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: ACTAS-I · 2019. 12. 4. · maria i Ês macias de mello magalhÃes - maria: um cor-po de duas faces . carme m. radulet - d. leo or tomÁsia, marquesa de tÁvora e d. a a ludovlna,

o ROSTO FEMININO DA EXPANSÃO PORTUGUESACONGRESSO I TER ACIONAL

CADERNOS CONDiÇÃO FEMININA

21-25NOVEMBRO 1994

lIS80A • PORrUGAlFUNOAÇÁOCALOUSTE GUleeNKIAN

ACTAS-I

COMISSAO ~ARAA IGUALDADEE ~ARA OS DI~mO~ D ~ lH RES

PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS

Page 2: ACTAS-I · 2019. 12. 4. · maria i Ês macias de mello magalhÃes - maria: um cor-po de duas faces . carme m. radulet - d. leo or tomÁsia, marquesa de tÁvora e d. a a ludovlna,

COMISSÃO PARA A IGUALDADE E PARA OS DIREITOS DAS MULHERESPRESIDÊ ClA DO CO SELHO DE MINISTROS

o ROSTO FEMININO,..,DA EXPANSAO PORTUGUESA

CO GRESSO INTERNACIO ALREALIZADO EM LISBOA, PORTUGAL

21 - 25 DE OVEMBRO DE 1994

ACTAS· I

CADER os CONDIÇÃO FEMININA .°43

Edição daComi ão para a Igualdade e para os Direito da Mulhere

Av. República, 32 - 1.0 - 1093 Lisboa CodexPORTUGAL

1995

Page 3: ACTAS-I · 2019. 12. 4. · maria i Ês macias de mello magalhÃes - maria: um cor-po de duas faces . carme m. radulet - d. leo or tomÁsia, marquesa de tÁvora e d. a a ludovlna,

EDiÇÃOComi ão para a Igualdade e para os Direito da MulheresAv. da República, 32 - 1."- 1093 Lisboa Codex. Portugal

Prepararam e ta edição:Maria Reynolds de Souza, Teresa Joaquim, Dina Canço. Pedro Pire e Isabel de Castro.

Capa e hors-texte:Maria Gabriel

O conteúdo deste Caderno pode ser reproduzido em parte ou no seu todo se for citada a fonte. ãoexprime nece ariarnente a opinião da Cornissã para a Igualdade e para os Direitos da Mulheres.

ISBN Vol. I - 972-597-114-0Vol. II - 972-597-115-9Obra completa: 972-597-109-4

Execução gráfica: NEGÓCIOS - Artes Gráfica, Lda., Li boa, Portugal

Depósito legal n.· 97219n6

N." de exemplare : 2000

EDiÇÃO SUBSIDIADA POR:

UMA AVENTURA DE SÉCULOSPARA INVENTAR O FUTURO

COMISSÃO NAClO AL PARA AS COMEMORAÇÕESDOS DESCOBRIMENTOS PORTUGUESE

CAIXA GERALDE DEPOSITOS

FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBE KIA

FUNDAÇÃOO~IENTE

GRUPO DE TRABALHO DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃOPARA AS COMEMORAÇÕES

DOS DESCOBRIMENTOS PORTUGUESES

Page 4: ACTAS-I · 2019. 12. 4. · maria i Ês macias de mello magalhÃes - maria: um cor-po de duas faces . carme m. radulet - d. leo or tomÁsia, marquesa de tÁvora e d. a a ludovlna,

ÍNDICE

Pág.

OTA PRÉVIA e AGRADECIME TOS 15

ABSTRACT 17

OTA BREVÍSSlMA DO PROF. CHARLES R. BOXER 21

SESSÃO DE ABERTURA

Palavras da Pre idente da Comi ão para a Igualdade e para os Direitosda Mulheres DRA. A A VICENTE 25

Palavras do Comi ário-Geral para a Comemoraçõe do De cobrimen-to Portugue e , DR. VASCO GRAÇA MOURA 29

Palavra de ua Excelência o Ministro do Emprego e da egurança Social,E G.o FALCÃO E CU HA 33

Conferência Inaugural pelo PROF. DOUTOR JOSÉ GE TIL DA ILVA 37

PERCURSO DE VIAGEM: FICAR

A TÓNIO MA UEL HE PA HA - O ESTATUTO JURÍDICO DA M LHERÉPOCA DA EXPA SÃO 53

ELVIRA AZEVEDO MEA - MULHERES A TEI S DA EXPA ÃO 65

MARIA LUÍS A DE ALARCÃO E SrLVA -A M LHER EAALlMENT çÃOÀ ÉPOCA DO DESCOBRIMENTO -IMAGE S DO Q OTIDIA O 77

A AST ÁSIA MESTRI HO SALGADO - MULHERE A MEDICI APORTUGUESA DA ÉPO A DOS DE COBR1MENTOS 89

MARIA PAULA MARÇAL LOURENÇO - A DAS RAINHA E AEXPA SÃO PORTUGUESA (1747-1770): BE • RENDAS E PODER E HORIAL .. 95

ANA PAULA FERREIRA - MA LIÇÃO DE ECONOMIA DOMÉSTICA EMTEMPOS DE I CO STÂ CIA 105

Page 5: ACTAS-I · 2019. 12. 4. · maria i Ês macias de mello magalhÃes - maria: um cor-po de duas faces . carme m. radulet - d. leo or tomÁsia, marquesa de tÁvora e d. a a ludovlna,

MARIA DO AMP ARO TA VARES MALEV AL - A MULHER NO IMA-Gl ÁRIO DO TEMPO DAS CARA VELAS: GIL VICENTE 113

LAURENCE KEATES - A IMAGEM VICENTI A DAS MULHERES 121

MARIA ISABEL RODRIGUES FERREIRA - TIPOS FEMI I OS EMGIL VICE TE: UM OLHAR PELA SOCIEDADE DAS DESCOBERTAS .

ISABEL CARIT A - A MULHER QUE FICA - DOIS EXEMPLOS VICENTINOS ..

MARIA MARGARIDA CAEIRO - ESTEREOTIPOS FEMINl OS QUlNHE -TIST AS: O TESTEMUNHO DE ANTÓ 10 RmETRO CHlADO .

ALICE BERKELEY - PHILlPPA OF LANCASTER, MOTHER OF PORTU-GUESE EXPANSION .

HELE A MARIA DE RESENDE - D. ISABEL. UMA INFANTA PORTU-GUESA NO DUCADO DA BORGO HA .

MARIA DE LOURDES AMORIM - DO A LEONOR DE LA CASTRE,GRANDE SENHORA DO RE ASCIME TO .

PERCURSOS DE VIAGEM: PARTIR

AMÉLlA P. HUTCHINSO - DEA OU DEABUS? - O DECLÍ 10 DAS RELA-ÇÕES MASCULI O-FEMI I O COMO REFLEXO DO DECLf 10 DO IMPÉRIO ....

PAULO MICELI - "O ZELO DA VIRT DE CONTRA A PEÇO HA DO DIA-BO" - SOSPEITOSAS. VIRTUOSAS E IMPUDENTES: A VISmTLDADE FEMINI A

AS VIAGE PORTUGUESAS À ÉPO A DOS DESCOBRlME TO .

FI A D'ARMADA - A MULHERES A AUS DA f DIA (SÉCULO XVI) .... 197

ATÁLIA BAETA OGUEIRA - PARTIR E/OU FICAR - DUAS FACESDA MULHER PORTUGUESA A EXPANSÃO 231

ISABEL BOA VIDA CARV ALHO - VIAGE SE AUFRÁGIO O FEMI-I O: DA MULHER INVOCADA À MULHER (QUASE) I VISÍVEL .

ANA TONNIES - O SILÊNCIO DAS PERSONAGENS FEMININAS EM RELA-TOS DE NAUFRÁGIOS DO SÉCULOS XVI e XVII .

JANINA Z. KLA WE - O PAPEL DA MULHERES OS DESCOBRIME TO EA EXPA SÃO PORTUGUESA .

Pág.

127

131

137

145

153

163

181

187

235

245

253

Pág.

MODELOS E IMAGE S

MARIA HELE A VILAS-BOAS E ALVIM - A MULHER E A EXPA SÃOA PERSPECTIVA DE ALG S CRO ISTA E HISTORIADORE EUS COEVOS 261

MARIA REGI ATA VARES DA SILVA - DEPO DO A FRAQUEZA DOEXO. REVESTIRAM-SE DE' IMO VARO IL . 269

MARIA DE LOURDES CRISPlM - O ESPELHO DE CRISTI A - UM "ESPE-LHO" DA EDUCAÇÃO DAS M LHERES O TEMPO DA EXPA ÃO . 275

A A MADURO DA COSTA E SILV A - A MAGIA DO FEMI I O OHUMA ISMO PORTUGUÊS . 281

MARIA TERESA ASCIME TO - uns» SIGEIA: O DIÁLOGO O FEMI-I O ·· .. ··.·· . 287

FERNANDO CALAPEZ CORRÊA - A IMAGEM DA MULHER PORTU-GUESA EM FLORES DE ESPANA. EXCELÊNCIAS DE PORTUGAL. DE ANTÓNIODE OUSA DE MACEDO . 295

RIT A MARNOTO - LAURA BÁRBARA . 305

PATRICIA D. ZECEVIC - WOMA AS MEA S A DE DI CAMÕES' OSLusíADAS...................................................................................................... 319

ISABEL DOS GUIMARÃES SÁ - E TRE MARIA E MADALE A: A MU-LHER COMO SUJEITO E OBJECTO DE CARIDADE EM PORTUGAL E NASCOLÓ IAS (SÉCULOS XVl- XVlIl) . 329

MARIA CLARA DE ALMEIDA LUCAS - A IMAGEM FEMI I A AHAGIOGRAFIA PORTUGUESA . 339

O EIXO ATLÂ TICO: E TRATÉGIAS E INTE ÇÕES

PAINEL MULHERES E MODERNIDADE EM ÁFRICA

ISABEL CA TRO HENRIQUES - INTRODUÇÃO AO PAI EL .

ALFREDO MARGARIDO - A MULHERES OUTRAS AS ILHA ATLÂN-TI A E NA COSTA OCIDENTAL AFRICA A NOS SÉCULOS XV A XVII .

353

357

BERNARD ROSENBERGER - RELATIO SE TRE PORTUGAIS ET MU-SULMANES AU MAROC AU XVI' SIE LE . 375

Page 6: ACTAS-I · 2019. 12. 4. · maria i Ês macias de mello magalhÃes - maria: um cor-po de duas faces . carme m. radulet - d. leo or tomÁsia, marquesa de tÁvora e d. a a ludovlna,

P:lg.

ANA PAULA TA V ARES - COMENTÁRIO AO PAI EL 387

COMUNICAÇÕES:

JOSÉ MANUEL AZEVEDO E SILVA - EVA GOMES E O ESTADO AS-CENTE DE UM NOVO PARAÍso TERREAL O MEIO DO ATLÂNTICO:A MADEIRA 391

JOÃO ADRIA O RIBEIRO - A MULHER A MADEIRA OS SÉCULOSXV-XVI 407A A MARIA S. A. RODRIGUES E MARIA DE FÁTIMA MOURAFERREIRA - MULHERES PORTUGUE AS EM MARROCOS - LMAGE S DOQUOTIDIA O FEMININO OS SÉCULOS XV E XV!........................................... 417

PAULO DRUMO D BRAGA - D. MARIA DE EÇA, CAPITOA DE CEUTAOS MEADOS DO SÉCULO XVi........ 433

ISABEL M. R. MENDES DRUMO O BRAGA - MULHERESCATTVAS EMULHERES DE CATIVOS EM MARRO OS NO SÉCULO XVIJ . 439ANA ROQUE - CO SIDERAÇÕES SOBRE A MULHER O CONTEXTO DAEXPA SÃO PORTUGUESA O ORTE DE ÁFRICA (AS PRAÇAS DO UL DEMARROCOS) . 449JOSÉ ALBERTO RODRIGUES DA SILVA TA VIM - SER JUDIA OCUL-TA, EM TÂ GER. O SÉCULO XVI. O EXEMPLO DA FAMÍLIA ME DES-FER-

A DES . 467ANTO IOLINAGECONDE-ALGU AS MUJERESREPRESE TATTVASDELA HISTORIA DE CEUTA . 481ARLINDO MANUEL CALDEIRA - AS MULHERES O QUOTIDIA O DAILHA DE ÃO TOMÉ O SÉCULOS XV E XVI 491MARIA FILOME A RODRIGUES COELHO ALMEIDA DE SOUSA- A MULHER A CO STRUÇÃO DA HISTÓRIA DE S. TOMÉ E PRf ClPE (1770--1807) 507ISABEL ALLEGRO DE MAGALHÃES - A "BOA-SELVAGEM" N'ACARTA, DE PERO VAZ DE CAMI HA: UM OLHAR EUROPEU, MASCULI O, DEQUINHENTOS 523COLETTE CALLIER-BOISVERT - LES FEMMES AU BRESIL AU DEBUTDE LA COLONISATION, A TRAVERS LA CORRESPONDANCE DES MISSIONNAI-RES JESUITES 531

Pág.

Luís A DE PAIVA BOLÉO - A A PIMENTEL, A PRIMEIRA MULHER ÀFRENTE DE UMA CAPITA lA O BRASIL .

A IT A OVI SKY - O PAPEL DA MULHER O CRIPTO-JUDAÍSMO POR-TUGUÊS .

541

549

MARIA DO ROSÁRIO PIME TEL - A ESCRAVA EGRA UMA SOClE-DADE DE SE HORES BRA COS . 557

JOÃO ABEL DA FO SECA - A VOZ DAS MULHERES OS PEDIDOS DEFAVOR. DOIS CASOS BRASILEIROS A AMAZÓNIA POMBALINA - 1756 . 573

o EIXO ÍNDICO: ESTRATÉGIAS E INTE ÇÕES

PAINEL O ORIENTE NO FEMININO

ROSA MARIA PEREZ - I TRODUÇÃO AO PAINEL .

PRA TIMA P. KAMAT - IN SEARCH OF HER STORY: WOMA AND THECOLONIAL STATE IN THE ESTADO DA fNDIA WITH REFERE CE TO GOA .

583

585

TAKIKO OKAMURA - AS MULHERES JAPONESAS NA ÉPO A DA EXPAN-SÃO PORTUGUESA . 613

QI WE YI G - CHI ESE WOME WHO LiVED AT THE TIME OF THEARRlVAL OF THE FTRSTPORTUG ESE: CHL ESE WOMEN I THE MIDDLE OFMI GDY ASTY . 617

JEAN-CLAUDE GALEY - COME TÁRIO AO PAINEL. EXERCISING COM-PARATTVESCALES . 621

COMUNICAÇÕES:

FRA CISCO BETHE COURT - OS co VE TOS FEMINI OS O IMPÉ-RIO PORTUGUÊS - O CASO DO CONVE TO DE SA TA MÓ ICA EM GOA . 631

MARIA DE JESUS DOS MÁRTIRES LOPES - AS RECOLHfDAS DE GOAEM SETECENTOS . 653

ANA ISABEL MARQUES GUEDES - TE TATIVA D CONTROLE DAREPRODUÇÃO DA POPULAÇÃO COLONIAL: AS ÓRFÃS D'EL-REI .

MARIA FILOMENA V ALENTE BELO - OS RECOLHIMENTOS FEMINI-OS E A EXPANSÃO (SÉCULOS XVI - XVII) .

665

675

Page 7: ACTAS-I · 2019. 12. 4. · maria i Ês macias de mello magalhÃes - maria: um cor-po de duas faces . carme m. radulet - d. leo or tomÁsia, marquesa de tÁvora e d. a a ludovlna,

ISABEL CID - PRESENÇA FEMININAS AS FORTALEZAS PORTUGUESAS DAÍ DIA O SÉCULO XVII 687

ALICE CORREIA GODINHO RODRIGUES - ALGU S SUB ÍDIOS PARAO ESTUDO DA MULHER, ATRA VÉS DA OBRA DE DIOGO DO COUTO 695

MARIA DE DEUS BEITES MA SO - A MULHER INDIA A A CARTASDO JESUÍTA ...............................................................................................

MARIA I ÊS MACIAS DE MELLO MAGALHÃES - MARIA: UM COR-PO DE DUAS FACES .

CARME M. RADULET - D. LEO OR TOMÁSIA, MARQUESA DE TÁVORAE D. A A LUDOVlNA, CO DESSA DA EGA: DOIS EXEMPLOS DE MULHERESDE VICE-REIS .

A A P~ULA LABORI HO - VOZES DE M LHERES A PEREGRINAÇÃODE FER AO ME DES PI TO .

ANTÓNIO MANUEL DE ANDRADE MONIZ - PROTAGO ISMO FEMI-I O A PEREGRINAÇÃO E A HISTÓRIA TRÁGICO.MARíTlMA .

ISABEL FIGUEIRA - PAI EL DE MULHERES EM PEREGRINAÇÃO: IMAOE SDE UM E CO TRO .

ELISA MARIA LOPES DA COSTA - FREI JOÃO DOS A TOS E A PRE-SENÇA FEMI I A A COSTA ORIENTAL AFRICA A (15 6-1597) .

FERNANDA ANGIUS - A PRE E ÇA DA MULHER A LEGISLAÇÃO DA EX-PA SÃO .

LUÍS FREDERICO DIAS A TUNES - D. 10 EZ ORACIA CARDOZO: UMAMULHER DE ARMAS .

A TÓ 10 PEDRO PIRES - LÓTUS DE O RO - A MULHER CHI ESA Q EO PORTUOUE ES E CONTRARAM .

BEATRIZBASTO DA SILVA - D.JULIA A DIAS DA COSTA- UMA CRISTÃNA CORTE MOOUL - SÉCULO XVlII .

COMU ICAÇÕ DO VOL M 11

PROGRAMA DO CO ORES O

APOIOS AO CO ORES O

Pág.

701

705

725

731

741

747

759

775

789

799

807

NOTA PRÉVIA

George Duby interroga-se na ua obra autobiográfica L'histoire continue:«comment pui -je prétendre porter un jugement global et sérieux ur une population [... ]si je néglige d'en ob erver de prê une moitié? 11est même étrange que j aie tant tardé àm'inquiéter de l'histoire des femme ».

Absurdo eria, pois, que, ao comemorarem- e o descobrimentos e a expansão por-tuguese , pas a e de percebida a pre ença das mulheres ne a época da história e nadafos e feito que pu es e em foco o eu papel multifacetado de con trutora do mundo doeu tempo.

Decidiu, por is o, a Comi ão para a Igualdade e para o Direito da Mulhereconvocar especialista e estudio o para que, perscrutando o documentos, «fize emfalar a hi tória» e no comunicas em o resultado da ua pe qui a e reflexõe . E foias im que há largo ano atrá meteu ombro à realização de um congre o internacional- não em deparar com uma certa incredulidade inicial por parte de algun membro dacomunidade científica - que veio a revelar uma face qua e de conhecida da expan ãoportugue a: a do eu ro to feminino.

E tabelecerarn- e como objectivos dinamizar o E tudo obre a Mulhere nocontexto da Expan ão Portugue a, pondo em evidência as relaçõe interculturais; tomarvi fvel a participação da mulhere no desabrochar e de envolvimento do humani mouni ver alizante, na per pectiva da ideologias, das legi laçõe , das formas de organizaçãoeconómica e social e do quotidiano, do séc. XV aos no so dia; e contribuir para are pon abilização olidária da mulhere e dos homen na con trução do futuro.

O Congre o veio a reunir em Li boa de 21 a 25 de ovembro de 1994. aFundação Calou te Gulbenkian, que amavelmente lhe abriu a suas portas, realizaram- eas e õe de trabalho no trê primeiro dia e e teve patente a Expo ição Fotográfica«O Trabalho e o Dia - Mulhere Portugue a no Séc. XX»; os dois último foramre ervado a vi ita de e tudo à Biblioteca acional - onde e podia admirar umaExpo ição Bibliográfica de Fontes Portugue as para a Hi tória da Mulhere -, ao Mu eu

acional de Arte Antiga, ao Mo teiro do Jerónimo , ao Mu eu acional de Arqueologia- que fez coincidir a Expo ição «A Mulher Rebelde», do Ministério da Cultura Grego,com a data do Congresso -, ao Mu eu do Azulejo e ao Mu eu do Traje cuja ilu Iresdirectora e directore e qui eram a ociar a e te acontecimento cultural que foi, comfelicidade, integrado na comemorações de Lisboa 94 Capital Europeia da Cultura.

e ta reunião cientffica in creverarn- e rnai de 200 autore de comunicaçõe e, nototal, cerca de 900 pes oa , na sua maioria inve tigadores e docente de vário grau deensino e nacionalidades, ultrapa ando em muito a expectativa da entidade organizadorae comprovando o cre cente intere e pelo e tudo de género.

A qualidade do trabalho apre entado tomou nece ária a publicação das Actas, oque agora e faz. Ordenada. em doi volume, o primeiro reúne o temas rnai relacio-

15

Page 8: ACTAS-I · 2019. 12. 4. · maria i Ês macias de mello magalhÃes - maria: um cor-po de duas faces . carme m. radulet - d. leo or tomÁsia, marquesa de tÁvora e d. a a ludovlna,

nados com a época dos descobrimento e a expansão; o segundo congrega os texto quese prendem sobretudo com a difu ão da língua e cultura portuguesas, nomeadamenteatravés da emigração. Esta divisão, se bem que di cutível, pareceu a que melhor secoadunava com as muitas condicionante a que foi nece ário atender.

A comunicaçõe ão dada a lume na ua língua e ortografia originai , depois derevi ta a provas tipográfica pelo re pectivo Autores. Muita re triçõe de naturezafinanceira con tra igeram e ta publicação, pelo que e agradece ao que, a no so pedido,reduziram o número de gravura que ilu tram o eu trabalho. A CTDM lamenta quenem todo o Autore tenham enviado o eu texto definitivo para publicação, aindaque in istentemerue instado a fazê-lo.

Resta-no e perar que o ro to feminino da expan ão portugue a continue a serde vendado e que a ua pre ença fique para sempre visível na Hi tória, depoi de dobradoe te Cabo da Boa-E perança.

AGRADECIMENTOS

A Comi ãc para a Igualdade e para o Direito da Mulheremanife ta o eu e pecial agradecimento à Prof. Doutora Maria Augu ta Lima Cruz

que aceitou er a coordenadora científica do Congre o e que com amável e prontaeficácia re olveu os inúmero problemas que e foram deparando, acedeu a fazer abrilhante íntese do trabalho de ta reunião, e orientou com precio a indicaçõe aorganização de ·ta publicação;

e agradeceao ilu tre membro da Comissão Científica, com de taque para a Prof. Doutora

Maria Beatriz Rocha-Trindade, Ro a Maria Perez e I abel Ca tro Henrique queinteligente e laborio amente organizaram e moderaram o painéi do Congre o;

à pintora Maria Gabriel, que concebeu o cartaz e O logotipo do Congre o. ofereceuo hors-texte incluido ne ta edição e realizou o arranjo gráfico da capa, demon trandoempre grande compreen ão pela no. as muita limitaçõe;

à eminentes per onalidades da vida portugue a que anuíram a integrar a Comi ãode Honra;

à entidade apoiantes que tomaram po ível o Congre o, quer pelo seu impre -cindível apoio financeiro, quer pela recep õe oferecidas ao participante ;

ao inve tigadore que deram a partilhar a uas reflexõe e o re ultado do eutrabalho, o que constituiu, afinal, a ub tância e o intere e de ta reunião;

à Dra. Ivone Felman, de Lisboa 94 Capital Europeia da Cultura, que muitoincentivou a concretização de te Congres o;

e a todas e todos o que deram o eu e forço, empenho e entu ia mo para pôr de pée te Congre o, desde a Dra. Maria Regina Tavare da Silva que amparou o eus longín-quo primeiro pa so à Dra. Ivone Leal que nele trabalhou até à sua apo entação , àDra . Maria Reynolds de Souza, Dina Canço, Tere a Joaquim, Dr. Pedro Pire , e àenhora D. Fátima Barbosa, D. Luísa ou a, D. Luísa Silva e D. Dulcínea Fonseca, não

esquecendo outras funcionária e funcionário da Comi ão, sem os quai o Congre odifi ilmente se teria realizado.

Comi ão para a Igualdade e para o Direitos da Mulhereovembro de 1995

16

Page 9: ACTAS-I · 2019. 12. 4. · maria i Ês macias de mello magalhÃes - maria: um cor-po de duas faces . carme m. radulet - d. leo or tomÁsia, marquesa de tÁvora e d. a a ludovlna,

COMISSÃO PARA A IGU LDADE E PARA OS DIREITOS DAS M LHERES

O RO TO FEMI !NO DA EXPA SÃO PORTUGUESACongresso Internacional - Lisboa - 1994

LAURA BÁRBARA

R1TA MARNOTO·

1. Proponho-me analisar um momento muito e pecífico do lirismo portuguêquinhenti la, no âmbito da de crição da figura feminina, que diz re peito ao contrapontoque e e tabelece entre o cânone petrarqui la e o modelo literário que e lhe opõe, i to é,o de uma mulher que, por er morena, ou até preta. não perde encanto.

2. O antecedentes da mitificação do protótipo feminino repre entado pela mulherde cabelos claro e de tez nívea perdem- e na origem do tempo. Ma . a partir doperíodo do Renascimento, esse padrão a ume uma posição dominante, no quadro dapoesia italianizante cultivada na vária Literaturas da Europa.

o cerne des e êxito, o génio do poeta de Arezzo. Com a figura de Laura - cabelode ouro, olho como e trela, face que ão ro a obre neve, lábio de coral, dentes queparecem marfim -, Petrarca criou um modelo de incidência ecular. A marca e pecíficaque concede a conteúdo emântico e a e tilema retórico colhido na tradição literáriaque o precedeu, é a chave da incomen urabilidade do vertigino o alcance da projecçãoliterária desse modelo.

a verdade, a figura de Laura muito terá de literário. O seu cantor decalcoualgumas das rnai bela imagens através da quai a mulher havia sido cantada, querpelo poeta da latinidade, quer pelo poeta em vulgar que o antecederam, para as per -pectivar à luz de uma ensibilidade requintada. O atributos feminino exaltados peloOvídio da Metamorfoses, ou pelo Virgílio da Bucâlicas e da Eneida, ão fundido comreminiscências provençai , bem como com múltipla referências textuais do Iiri moitaliano em vulgar, entre a poesia iciliana, a poe ia ículo-to cana, a poesia stilnovi ta eo Dante pétreo.

ão teria ido por aca o que o próprio vate e palhou, por tantas das página da uaobra, uma e pécie de « inalética», u ceptível de ugerir pi ta de leitura ba tanteprofícua, para uma interpretação imbólica da ua imagem. As im o pa so do Secretumem que a personagem Augu tinu acusa o eu interlocutor, Franci cu ,de a pirar à láureapoética e de cantar a planta de Apoio por ser e e o nome da amada ('). ou o longoexcerto da carta Familiare 2. 9., dirigida a Giacomo Colonna, em que e defende dasupo ta acu ação de ter inventado a figura de Laura para que, por ua vez. fala em dele- «Un interlocutore di cornodo», comenta Marco Santagata, invocando o de conheci-mento de qualquer carta sobre esse a unto, dirigida pelo Si po de Lombez a Petrarca e).

·Profe sora da Faculdade de Letra da niversidade de Coimbra.

305

Page 10: ACTAS-I · 2019. 12. 4. · maria i Ês macias de mello magalhÃes - maria: um cor-po de duas faces . carme m. radulet - d. leo or tomÁsia, marquesa de tÁvora e d. a a ludovlna,

A crítica petrarqui ta não tem deixado de pôr em evidência, poi ,a implicaçõe doe iatuto de ficção que é próprio da figura de Laura, ao nível epistemológico. AdeliaNoferi evo a. a e te propó ito, o atieniloquium: falar sobre um objecto, Laura, que é aome mo tempo objecto de palavra e de louvor por parte do outro: «[ ... ] discorso del--l'Altro, o l'Altro Discorso, l'Altro Linguaggio (il linguaggio poetico) che, dentro lostatuto dei linguaggio, ne opera costantemente la contestatione e la destrutturazione» (').Enquanto di curso. obre o di cur o, criação de realidade atravé do di cur o, o Rerumuulgarium fragmenta encontram no próprio poeta o eu verdadeiro centro. Laura é tão óo centro declarado e aparente de uma exi tência cujo verdadeiro centro é o amante. Comotal, Petrarca «elabora» es a au ência através da palavra que e faz inal da sua pre ença,na medida em que a poe ia brota do espaço de não coincidência entre o poeta e o eude. dobramento narcí ico, repre entado por Laura e pelo ver os que a dizem.

O amor nunca poderáer, poi . uma experiência plenamente gratificante. e. teâmbito, entre o fundamentos epi temológico do e tatuto de Laura, e a forma comoPetrarca maneja as sua fontes literária, estabelecem-se relações de perfeita coerência.

O sentimento amoro o encontra-se inevitavelmente ligado, de de a sua géne e, auma érie de irre oluçõe ,que trazem o enamorado num e tado de inquietude permanente- entre determinante supra-humana e vontade própria, entre adoração à distância ede ejo de po e, entre an eio terreno e con ciência pecamino a. Daí que, do váriotropo: trabalhado pelo poeta de Arezzo, a antíte e eja um do mai célebre (').

3. 1. A incidência, no liri mo português quinhenti ta, do protótipo femininorepre entado por Laura, foi muito mai va ta do que por veze e pen a. Para documentara ua abrangência, tomámo como e emplo a érie de imitaçõe que foram in piradaspelo oneto canónico de Pietro Bembo:

Crin d'oro crespo e d'ambra tersa e pura,ch 'a l'aura su la neve ondeggi e vale,occhi soavi e piü chiari che'l sole,da far giomo eren la notte oscura,

ri. o, ch 'acqueta ogni aspra pena e dura,rubini e perle, ond'e cano parolesi dotei, ch 'altro ben I 'alma non võle,man d'avorio, che il cor distringe e fura,

cantar, che sembra d'armonia divina,senno maturo a la piú verde etade,leggiadria non veduta unqua fra noi,

giunta a somma beltà . omma onestade,[ur l'esca dei mio foco, e 'alio in vaigrazie, ch 'a poche il ciel largo destina. (')

Tenha- e pre ente, a e te propó ito, que, de entre o petrarqui ta italiano. deQuinhento , Pietro Bembo teria ido um do que mai firmemente contribuiu para adefinitiva afirmação do petrarqui mo como « i tema expre . ivo da repetição», para u ara palavras de Amadeo Quondam. que é dizer como código (6). A importância queBembo concede ao pensamento neoplatónico, tem por sucedâneo. ao nível lingui tico--literãrio, uma teorização ba eada em critério de eleição electiva. A sim e compreendea operação de depuração etilí tica teorizada na Prose della volgar lingua, publicadaem 1525. E te tratado foi um ponto de referência capital para toda a produção lírica italia-

306

na dos ano ub equente - e não ó: lembre- e que o próprio Guicciardini, f1orentino denascimento e criação, conferiu a linguagem da ua Storia d'Italia, palavra por palavra,pelas Prose do Cardeal veneziano.

ó neste contexto podemo compreender o alcance do proce o dehipercodificação a que este poeta ujeitou o retrato feminino petrarqui ta. «donna»enaltecida ne tes ver. os é de cri ta com uma limpidez e uma exa tidão repre entativainaudita ..

Em «Crin doro cre po e d'arnbra ter a e pura». o dotes femininos são apre en-tado. com uma preci. ão qua e geométrica, em perfeita concordância com a ordem daeffictio - preceito teórico con ignado pelas poéticas medievais, de acordo com o qual aenumer~ção do atributo deve eguir a ordem de cendente ('). Es a cadeia de imagenmetafórica e de comparaçõe tem por matriz a repre entação literária de Laura, tal comofora levada a cabo na página do Rerum uulgarium fragmenta. Todavia, a figura femi-nina é despojada de toda a carga de conflitualidade que, em Petrarca, lhe andava a 0-

ciada, orno o mo tra o contexto em que é citado o incipit do soneto CCXIIl doCanzaniere, «Gratie ch'a pochi il ciel largo de tina», chave do oneto de Bembo. Su ten-táculo de uma tal vi ão gratificante é a teoria do amor neoplatónico. que, ne. te oneto, éapre entada em íntima associação com o. modelos de comportamento próprio doambiente corte ão, «[ ... ] a mezza ia fra il Il e il III libro degli Asolani», egundoDioni ouí (').

O impacto de ta composição, nas Letra Italiana, foi imenso. Limito-me arecordar o incipit de alguns onero que a eguem de modo ba tante próximo, tai como«Crini d'oro, amor, i co ed inganno» e «Cre po dorato crin, che ad amoro e», deLudovico Paterno ("), ou «D'oro firuo non già, ma tersa e pura», de Camillo Pellegrino diCapua ("'). Valerá a pena recordar uma outra imitação do Capuano - extremamenteartificiosa, por. inal - em inude do impacto que teve, igualmente, entre nó. :

Occhi che di splendor vincono iLsoledai cui lume gentiL I 'alma s 'accende,perle e rubini 01' 'Amor I 'arco tendee scocca ai dolce SUOIl de le parole;

crespe chiome e d'or fino, ond'Amor soleordirla rete in cui m 'annoda e prende,candida man che dolcemente offendee stringe 'I cor, che gioia altra 1/011 vole;

cantar che fura l'alme e ai ciel le'nvia,grazia ch 'ancide altrui, ceies/e risoche copre primavera a mezzo 'I vemo;

onestà che piu ch 'altri m' lia conquiso,son le doti, che fan la donna miasola nel mondo, e' I mio bel foco eterno. (")

O soneto de Bembo foi tão apreciado, que a imitações que in pirou extravasam ocampo re trito do lirismo amoroso de tema profano. Também o célebre pregad r

eneziano Gabriel Fiamma decalca o seu texto com ba tante exactidão, ao colocar naboca de anta Maria Madalena contri tada palavra" em «Chiorne, di mille cor reli ecatene- C'). O irrcverente France co Berni, por ua vez, serve- e do te to dea famosacomposição, para, a partir dele, elaborar urna divertida paródia antipetrarqui ta, em«Chiorne d' argento fino. irte e auone- (").

307

Page 11: ACTAS-I · 2019. 12. 4. · maria i Ês macias de mello magalhÃes - maria: um cor-po de duas faces . carme m. radulet - d. leo or tomÁsia, marquesa de tÁvora e d. a a ludovlna,

3. 2. Se, do âmbito da Letra Italianas, pa armo para o do lirismo portug~êquinhenti ta, logo verificamos que o centão de Bembo foi, da me ma forma. multoapreciado.

Em de taque, o príncipe dos poetasportugueses:

Ondados fios d' ouro reluzente.que agora da mão bela recolhidos,agora sobre as rosas estendidos,fazeis que sua beleza s' acrecente;

olhos, que vos moveis tão docemente,em mil divinos raios encendidos,se de cá me levais alma e sentidos,que fora, se de vós não fora ausente?

Honesto riso, que entre a mar fine-ade perlas e corais nasce e parece,se n' alma em doces ecos não o ouvisse!

S' imaginando só tanta belezade si, em nova glória. a alma s' esquece,que fará quando a vir? Ah! quem a visse! (")

E te oneto decalca com muita exactidão e com grande elegância formal a effictiobembe .ca, à emelhança do que acontece, aliás, numa série de compos~ções querecolhemo na tradição manu crita. As im, no Cancioneiro de Fernandes Tomas, o one-to de Antônio Lope da Veiga,

Crespo cabelo de ouro, que a aura leveondeia, e I/wve, sobre frescas rosas;chamas, que amor acende, e mais forçosasfaz, por milagre seu, na pura neve,

imen a luz, que num espaço breve,deixa as celestes luzes invejosas:finos rubis, e pérolas preciosas,em que amor seus tesouros nos descreve,

suave riso, donde sempre a Auroranascendo está, graciosa honestidade,que igualmente, de amor fere, e defende.

Estes laços sam, com que a vontade,tanto me prende amor, quanto namora:tanto mais liberal, quanto mais prende. ('5),

além de dois outro oneto de Fernão Rodrigue Soropita, onde já e lêem alguns sinaido desenganopróprio da co movi ão maneiri ta, obretudo no egundo dele:

Cabelo em ricos laços ordenadode outro ouro de mais preço que amor cria,olho que em vós trazeis o claro diaque gasta a sombra vã de meu cuidado,

boca a cujos rubis amor tem dadooutra graça, outro ser, outra valia,mãos de branco marfim que as almas liapor quem o coração me foi roubado,

estranho padecer, doce perigo,

30

brando enleio que amor no mundo pôspor comunicar mais seus bens COIllWSCO.

Vós estais lá sem mi, eu cá sem vós,mas nem vós deixais cá de estar comigo,I/em eu deixarei lá de estar convosco. ('6)

Esses cabelos louros escolhidosque o ser ao puro sol estão tirandoesse ar tão perigrino, em que cuidandoestão continuamente meus sentidos,

esses furtado olhos tão fingidosque minha morte e vida estão causando,essa divina graça que em falandotodos os corações deixa rendidos,

esse certo concerto, essa medida,quefa; dobrar no corpo a gentilezaa devindade inteira tam subida,

que mera crueldade, e que cruezasão laços em que amor cá nesta vidacau a em I/Ii sofrimento, em vós dureza. (")

Pêro de Andrade Caminha, por ua vez, leva a cabo uma imitação muito livre dosoneto de Bembo, com alteração da ordem da effictio:

Rosto que a branca rosa tem vencida,e ante quem a vermelha é descorada,olhos, claras estrelas, que espantadatêm a alma, aceso o peito, presa a vida;

cabelos, puros raios, que abatidadeixam da manhã clara a luz dourada,divina fermosura, acompanhadad' uma virtude a poucas concedida;

palavras cheas d' alto entendimento,raro riso, alto assento, casto peito,santos costumes, vivo e grave esprito;

divino e repousado movimento,e muito mais, qu' está em minh' alma escrito,me tem num puro amor todo desfeito. ('")

Todavia, quando a imitação incide sobre referência que correspondem, já por i aum decalque de «Crin d'oro cre po e d'ambra ter a e pura», in titui- e uma cadeiae pecular cujo pendor "literaturizante" é ainda mais acentuado.

A sim, António Ferreira, numa compo ição que egue o oneto de CamilloPellegrino di Capua, "Occhi che di plendor vincono il sole",

Uns olhos, que ao Sol claro, à Lua, ao Norte,seu lume tiram, e onde resplandeceuma divina luz; que aos qu' aparece,faz 110 perigo não temer a morte;

un cre po laços de ouro, que o mais forteatam, e prendem, de que se enriqueceamor, e foge, porque não empeceneles, temendo alguma dura sorte;

309

Page 12: ACTAS-I · 2019. 12. 4. · maria i Ês macias de mello magalhÃes - maria: um cor-po de duas faces . carme m. radulet - d. leo or tomÁsia, marquesa de tÁvora e d. a a ludovlna,

riso, que em ri o converte meu pranto,esprito, que em mim todo o bem inspira[ermo 'lira no Mundo nunca achada,

são a sâ cau a. porque assi suspiraminha alma em I'ão, e porque em doce camaames será de feita, que cansada. ( '),

ou o autor do oneto, e crito num tom muito galante, que anda anónimo no Cancioneiroof lhe Hispanic Society of América:

Esses olhos, Senhora, onde descansao minino que as flechas d' ouro atira,esse cabelo donde o sol inspiramil raios em que a vista cega e can a.

essas faces que a pura semelhançadas belas rosas tem, antes lh' a lira,essa boca que graças mil re pira,e onde LIInbem está que não se alcança,

e 'a te ta que o er tem de ser vos a,e donde Amor ordena cada horaI'il'a e morra o de ejo mas que presta.

Não há quem tanto bem merecer possa.Eu me contento só com ver Senhoraolhos, cabelos. faces, boca, testa. (211)

Ma o inai do impacto da hipercodificação petrarqui ta não e ficam por aqui. Oformulário do Capuano é também adaptado a ituaçõe que ficam para além do âmbitore trito do liri mo amoro o, como ne te soneto, que anda na. Várias rimas ao Bom Jesus,

Os olhos, ond' o casto amor ardialedo de se ver neles abra ado;o rosto, onde CO/1/termo desusadovermelha ro a sobre neve abria;

o abelo, que enveja ao sol fazia,porque fazia o seu menos dourado;a branca mão, o corpo bem formado,tudo se toma aqui em terra fria:

perfeita fennosura em tenra idadeCOIIIOflor. que sem tempo foi colhida.aqui se fechou li morte, surda, e dura.

Como não morre amor de piedade.1/(70 dela, que passou a milhor vida,de si, pois o deixou em noite escura? ('I),

e tem a função de epitáfio de tema fúnebre.Como vemo, o impacto literário do r trato feminino petrarqui ta. filtrado pela

hipercodificação bembesca, foi en rme. As ua imitaçõe não. e limitaram, na maiorparte dos Calo., a um mero decalque formal. Nela. aflora ora o gosto «Iiteraturizante»,ora o 'entido de de engano, próprio de uma época. O que, quando a sociad à adaptaçãoda letra do texto do Cardeal eneziano a circuntância que transcendem o domínioestrito do liri mo arnoro o, e faz inaJ da permeabilidade da poesia poriugue a deQuinhento à li ão peirarqui ta. no âmbito da rnodelização da figura feminina.

310

4.1. o éculo XVI, com o auge da voga petrarquista, a poe ia do vate de Arezzoconverte-se, poi , numa e pécie de self- ervice emocional, di ponível para a expressão detodas as rnodulaçõe .entlmentai de uma alma requintada e ensível. E a im era nagrande corte de toda a Europa. Ao explicar as razões do uce o comercial da edição «aaccoccia >, em formato reduzido, do Rerum uulgariuni fragmenta, publicada no ano de1547, na cidade de Veneza, por Gabriel Giolito de'Ferrari. Salvatore Bongi conta que olivrinho «[... ] talvolta si leggeva furtivamente nelle chie e. ome fo·. e un libro di ore» (22).

o univer o cultural do Portugal quinhenti ta, a recepção não ó do padrõesliterário, como também do padrõe de comportamento, ditado pela moda petrarquista,implicou, porém, uma operação de adaptação a circun tância muito particulare .

É delicio o aquele pa . o das Década de Diogo do Couro. em que o viajante porterras do oriente conta como pas ava o tempo, em companhia do chefe indígena. lendoDante, Petrarca e Bembo no original:

[... ] e ficaram correndo em tanta amizade. que nascendo um filho aoChinguican. foi o Caracem festejá-lo a Baroche, onde o eu visitei, por meachar então naquela cidade, e por ser muito seu amigo, por lermo o italiano,e lhe eu mostrar Dante, Petrarca, Bembo, e outros poetas, que ele folgou dever. (-')

Corno oariam o ver 'o de Petrarca ao ouvido do Caracern, não o sabemo dizer.Ma é pertinente perguntarmo-no o que teria resultado de um tal encontro de culturas.

Camõe , esse, não e conde a dificuldade que tinha em entender- e com aindígena, quando o a unto era Bo cán ou Petrarca, a crer no que e. creve numa da uascarta da Índia:

Além de serem de rala. fazei-me mercê que lhes faleis alguns amores dePetrarca ou de Boscão; respondem-vos lima linguagem meada de ervilhaca,que trava na garganta do entendimento. a qual vos lança água na feri 'lira damor quentura do mundo (").

É num conte to cultural marcado pelo diálogo entre povo, continente e raça, quemelhor poderemo compreender a nitidez com que e vai de enhando a contraface dofilão irnitativo de incidência petrarqui ta, que toma forma, na Literatura Portugue a, naegunda metade do éculo XVI, no período de afirmação da e tética maneiri ta. As imoa

exaltação de um tipo de figura feminina que não desmerece, por não ser loura, e ocânone petrarqui na encontra a sua expre ão preferencial em forma' vazadas em ver oitaliano, já e te tema e confina ao âmbito da tradição penin ular. É na 'redondilha'. pois,que encontramos o. inai prfstino: da relativiza ão do valor do protótipo repre entadopor Laura,

4.2. Pêro de Andrade Caminha não poupa louvore a uma cena morena, que nãoparece muito sati feita com o eu dote naturai :

No tengais passion, seiiora,en ser morena.que morena es la calorque a mi da pena.

No ay por que descontentarde la color que se ve,que hermosura es /10 sé quêque 110 e abe nombrar.Quien o upiere mirar

311

Page 13: ACTAS-I · 2019. 12. 4. · maria i Ês macias de mello magalhÃes - maria: um cor-po de duas faces . carme m. radulet - d. leo or tomÁsia, marquesa de tÁvora e d. a a ludovlna,

aunque morena,debaxo d' es a colarsacará pena.

Mas la causa por que creoqu' es o eri vos 110 os satisfa;e,e por quanto a mi me plazequanto en vos, seiiora, veo.Yo COf! dolor y desseo,y vos sin penad' este desseo y dolorque me condena. (l.l)

Na verdade, não é ó a opinião da de tinatária desta cantiga a ser posta em causa -é também um juízo de valor, de raízes ancestrais, e sedimentado, nos período doRenascimento e do Maneirismo, sobre a autoridade literária de Petrarca que considera amulher loura como exemplo supremo de formo ura, a ser implicitamente contestado.

Caminha, que é mestre de «agudeza », tira partido, aliás, desta diversidade depareceres, para explicar a ua infelicidade nos amore : a beldade que louva não gosta deser morena, porque abe que o poeta tem uma predilecção pela morenas, e ela é esquiva.

Ma e a fi ionomia de ta morena não é explicitamente relacionada com a deLaura, já com Diogo Bernardes e com Camões os dois protótipos feminino. i to é, o damulher loura e o da mulher morena, ão apresentado na ua interdependência, quandonão em de pique.

Diogo Bernardes, no vi lancete,

Escapei de cem mil Mouros,e nesta terra Somatauma .1'6 moura me mala.

Vede quem dará certezaa sucessos da ventura,pois faz em mim a brandurao que não fez a crueza:é tal sua gentileza,que nesta terra Somataela é a que .1'6 mata.

Quem haverá que não mourapor esta Moura que mouro, .se nos seu cabelos d' ouroo Sol se prende, e se doura?É rosada, alva, e louranão sei se lhe chame ingrata,pois um seu cativo mata. ("'),

intersecta a imagem petrarqui ta da mulher de cabelos louros e esvoaçantes, em cujolaço o próprio sol ficou pre o, e que é alva e rosada, com a da moura omata. Elementosintegrantes de um retrato petrarquista convencional fundem-se harmoniosamente com areferência a uma mulher que, embora eja moura, não deixa de ser alva. branda eelegante.

E, por fim, lembre-se Camõe·. Com O Camõe da 'redondilhas', o confronto entreo doi padrõe de beleza dá lugar a uma constante tensão. determinada pelo polémicointuito de avaliar qual dos modelos leva a melhor sobre o outro.

312

a cantiga dedicada ao "olho verde '', engendra uma série de juízos de valor,muitas vezes de índole contraditória, acerca do mérito de certo dote femininos, comrelevo para os olhos de cor verde. O modelo petrarqui ta não fica, naturalmente, impune.

Na segunda e última volta ao mote «Vós, Senhora, tudo tendes, I enão que tendesos olho verde », conclui pela uperioridade dos olhos verdes em relação à combinaçãoentre cabelos louros e olho azuis ("'):

Ouro e azul é a milharcor por que a gente se perde;mas, a graça desse verdetira a graça a toda a cor.Fica agora sendo a flora cor que nos olhos tendes,porque são vossos ... e verdes! (")

Nas volta que e creve ao cantar velho «Sois fermosa e tudo tendes, I senão quetendes os olho verdes», é o coral do lábios, a par com a neve dos dentes - atributocanónico do retrato petrarquista - o .enão:

Nunca e viu, nem se escreveboca nem graça igual,se não fora de corale os dentes de cor de neve.Dou-me a Deus, que me leve!Sofrerei quanto tiverdes,não me tenhais os olhos verdes. ("')

Quando, porém, a formo ura fora do comum de «uma cativa com quem andavad' amore na Índia, chamada Bárbora» o cativa - conforme se lê no incipit da trova à«Bárbora e crava» -, não lhe resta qualquer e pécie de dúvida. A upremacia da belezada sua «pretidão» eU) é ublime, quando comparada com a alvura da fi ionomia dopovos bárbaro, vindo do norte - que é também a da fi ionomia de Laura:

Rosto singular,olhos sossegados,pretos e cansados,mas não de matar.

Uma graça viva,que neles lhe mora,para ser senhorade quem é cativa.Pretos os cabelos,onde O povo vãoperde opiniãoque os louros são belos.

Pretidão de Amor,tão doce afigura,que a neve lhe juraque trocara a cor.Leda mansidãoque o siso acompanha;bem parece estranha,mas bárbora não. (")

313

Page 14: ACTAS-I · 2019. 12. 4. · maria i Ês macias de mello magalhÃes - maria: um cor-po de duas faces . carme m. radulet - d. leo or tomÁsia, marquesa de tÁvora e d. a a ludovlna,

A ua «pretidão» é inconciliável com o padrõe e tético ditado por Petrarca epelo poeta peirarqui ta ; mas o fa cínio que exerce obre o poeta é de tal ordem, quenão lhe re ta enão conte tar o modelo de retrato feminino ditado pela voga italianizante,e, mai do que i o, invertê-lo: e, por um lado, a opinião de acordo com a qual ocabelos louro ão tido por uperiores é errónea - é O que pen a o «povo vão» -, poroutro, a cor preta da «Bárbora e crava» é tão bela, que faz inveja à alvura da neve. Logo,pelo que diz re peito ao atributo fí ico feminino, O cânone petrarqui ta é chamado àribalta para ser po to em causa.

Todavia, e, do plano fí ico, pa armo ao plano do atributo anímico, logoverificamo que e ta «Bárbora e crava» é enhora de uma érie de dote que poderiam ero da Laura de Petrarca: a brandura (e trofe li), a «graça viva» (10), a «leda man idãr»(IV), a «pre ença erena» (V). Di e que e te. dote poderiam er o da Laura dePetrarca, porque nele e conden a o ideal daquele amor gratificante a que o poeta tantoa pirou, mas que nunca viveu' nem poderia ter vivido, na medida em que Laura é oeterno vazio feito de palavras, é o centro declarado e aparente de uma exi tência cujoverdadeiro centro é o amante - que é dizer, uma pre ença feita de ausência.

De ta feita, e, para o ate de Arezzo, a experiência amoro a e erige em motivo deuma inquietude constante, além di so, ela não pode deixar de er con iderada comoímpeto alienante; o que o leva, no Triumphus cupidinis, a retomar o topo neoplatónicoda identificação do amante na amada à luz da condenação de que fora alvo, por parte doPadre da Igreja:

so come sta tra 'fiar ascoso l'angue,come empre Ira due i vegghia e dorme;come senza languir si more e langue;

o de la mia nemica cercar l'orme,e temer di trovarla, e so in qual guisal'amante ne l'amato si trasforme: C')

Na composição de Camõe ,a figura de retórica da antíte e não e faz expre . ão daensaçõe contraditórias, de índole corro iva, experimentada pelo amante, como

acontecia no Rerum uulgarium fragmenta; o eu u o encontra-se intimamentecorrelacionado com O jogo de «agudeza » que é típico da poe ia penin ular. O amorin pirado pela «Bãrbora e crava» é vivido sem obre alto. Podemo identificar ne tepoema, aliá, algun laivo da teoria neoplatónica do amor, cuja formulação é adaptada,naturalmente, ao contexto cultural da forma poética em cau a, a trova à maneirapenin sular.

A sim, o topos da tran formação do amante na amada que no Triumphus cupidinié apre entado como experiência alienante, é per pectivado, no final da trova da«Bãrbora e crava», como fonte de felicidade, e, mai do que is o, como gérmen doímpeto vital que anima o enamorado:

Esta é a cativaque me tem cativo,e, pois nela vivo,éforça que viva. (")

Além di o a precedência e a uperioridade da beleza feminina em relação à daro a, do campo florido, ou da e trela ceie te , decorre de um outro tema de fundoneoplatónico, de implicaçõe petrarqui tas, que diz re peito à po ição de centraJidadeocupada pela mulher, no eio do uni er o:

314

Eu nunca vi rosaem suaves molhos,que para meus olhosfosse mais fermosa.

Nem 110 campo flores,nem 110 céu estrelas,me parecem belascomo meus amores.[...]

Presença serena,que a tormenta amansa;nela enfim descansatoda a minha pena. C')

A Petrarca, apenas é dado contemplar Laura di tância, e, e a de .eja, ao ímpetoda passio logo e vem juntar uma con ciência pecamino a. O ub trato neoplatónico queu térn a repre entação da «Bárbora e crava», pelo contrário, afa ta qualquer ideia de

pecado. Ape ar de seguir o caminho do ne platoni. mo, como o Bembo de «Crin d'orocre po e d'ambra ter a e pura», Camões não e cinge ao parâmetro ditado pelahipercodificação petrarqui ta, que desembocam no relevo conferido à relaçõe entreuerba e uerba. O eu neoplatoni mo não é firmado a partir de um e pirituali mo rarefeito,porquanto tendente à conciliação entre o plano material e o plano da ideia (pelo que dizrespeito a e te ca o e pecffico), à maneira de Leão Hebreu.

É que entre o oneto «Ondado fio d' ouro reluzente» e a tro a à «Bárborae crava» interpõe- e «uma cativa com quem andava d' amores na Índia, chamadaBárbora». A ua «pretidão» nada tem a ver com a cor do bárbaro do norte, e a .uadoçura também nada tem de bárbaro, ma de exótico - «bem parece e tranha, mabárbara, não».

5, Podemos, poi ,concluir que:

a) a Letra Portugue a de Quinhento , o modelo do retrato femininopetrarqui ta. filtrado atravé da hipercodificação bembe ca e recriado à luz da teoria daimitatio, as ume um impa to notório. E ta tendência tem por contraponto a valorizaçãoda mulher preta.

b) Se o louvor do protótipo da mulher loura tende a er expres o atravé de formasitalianizante , o da mulher morena tem por veículo expres .ivo preferencial a poe iavazada em forma penin ulares, que goza de uma certa aut nomia em relação ao ditadopetrarqui ta.

c) valorização da mulher preta proce a-se ao longo de um percur o e olutivodotado de coerência conceptual (no termo em que aqui foi apre entado), formal (dadoe tarem em cau a formas penin ulare ), cron lógica (vi lO que o texto que o ilu tram eintegram na produção corte ane ca da egunda metade do século XVI) e periodológica(na medida em que as composiçõe em cau a dizem respeito ao período maneirista).

d) São muito prementes o factore de índole hi tórica, cultural e antropológica queubjazem a e te proce o de interferência ígnica. Não é fácil encontrar, noutra

Literatura da época, texto onde e ta ten ão dialéctica aflore com tanta nitidez. Emtermo lotmaniano, poderíamo afirmar que, num paí lançado de coberta de outro.mares e de outro povo, a premência do plano do «fabulí tico» dei a menor espaço à

315

Page 15: ACTAS-I · 2019. 12. 4. · maria i Ês macias de mello magalhÃes - maria: um cor-po de duas faces . carme m. radulet - d. leo or tomÁsia, marquesa de tÁvora e d. a a ludovlna,

projecção «mitológica» C'). Desta feita, de centro declarado de uma exi tência cujoverdadeiro centro é o poeta, a mulher define-se mai claramente cOJno pre ença dealteridade. O alieniloquium, discur o obre o di cur o. deixa lugar ao discurso com odiscurso e ao discurso com o outro. Fruto da cosmovisão lÍpica do perfodo maneirista. arelação entre uerba e uerba vê-se afectada por quanto nela há de artificioso e aimpo ibilidade de dizer o outro através do mesmo ganha premência; eMe irnpas ~. aorasgar a via do diálogo com o diver o, fundamenta, imultaneamente, uma atitudecrftica, por parte do poeta, em relação ao código literário que maneja.

E o fa cfnio pelo exoti mo. de relativi mo que e con ub tancia na valorização dooutro, como diz Todorov, transrnuta- e em idealização real do outro C") -Laura Bárbara.

OTAS

(I) Em Prose, a cura di G. Martelloui e di P. G. Ri ci, E. Carrara e E. Bianchi. Milano,apoli, Riccardo Ricciardi, 1955, p. 158.

(2) I frammenti dell'anima. Storia e racconto 1/1'1 Canzoniere di Petrarca. Milano, 11Mulino.1992, p. 98.

(3) /I Canzoniere deI Petrarca: scrittura deI desiderio e desiderio della scriltura. em /I giocodelle tracce. Studi su Dante. Petrarca. Bruno, il neo-classicismo, Leopardi, {'inforll/ale. Firenze. La

uova Itália, 1979. p. 45.(4) eja-rne permitido remeter para o meu trabalho, O petrarquismn português do

Renascimento e do Maneirismo, Universidade de Coimbra, 1994. em cujo primeiro capítulodesenvolvo a inforrnaçõe sintetizada ne te ponto 2.

(5) Prose e rime di Pietro Bernbo, a cura di Carlo Dioni otti. Torino, UTET, 1978, pp. 510--511.

(6) Dali' «abstinendum uerbis» alia «locuzione artificiosa». /I petrarciliSlllo come sistematinguistico della ripetizione, em 11naso di Loura. Lingua e poesia lirica nella tradizione deiCla sicismo. Istituto di Srudi Rinascimentali di Ferrara. Modena, Panini, 1991.

(7) Cf. G. Poole, Il tâpos dell'effictio e un sonetto del Petrarca, «Leuere italianc» XXXII I19 O; e G. Pozzi, /I ritratto della donna nella poesia d'inizio Cinquecento e la pittllra d;' Giorgione,«Lettere italiane», XXXI, I, 1979.

(8) Prose e rime di Pietro Bembo, p. 510.(9) G. Ferroni e A. Quondarn, Lo «locurione artificiosa». Teoria ed esperien:a a Napoli

nell'età dei manierismo. Roma, Bulzoni, 1973, pp. 343 e 346.(10) Ib .. p. 396.(11) Ib., p. 394.(12) Poesia italiana. /I Cinquecento, a ura di Giulio Ferroni. Milano, Garzamj 1978, p. 36.(13) lb., p. 272.(14) Luí de Camões, Rimas, texto e. tabelecido c prefaciado por Álvaro Júlio da Costa

Pimpão. oimbra, Atlântida. 1973, p. 164.(15) Cancioneiro Fernandes Tomás, fac- ímile d exemplar único, com preâmbulo de D.

Femando de A1meida. Li boa, Mu eu acional de Arqueologia e Etnografia, 1971. n. 75.(16) Ib., 11.15 v ..(17) Ib., 11.5 v ..(I ) Poesias inéditas, publicada por J. Prieb ch. Halle, Max iemeyer, I 98. reimpr.

anastaricarnerue em Lisboa, Imprensa acional, Casa da Moeda, 19 9, p. 36.(19) Poemas lu itanos, com prefácio e notas de Marques Braga. Lisboa, á da Costa, 1939,

vol, I, p. 21.(20) The hispano-panuguese Cancioneiro of the Hispanic Society of America edition and

note by Arthur Lee-Franci A kins. hapel Hill, U. . C. Depanernent of Rorna-, ~ Languages,1974, p. 37.

(21) Diogo Bernardes, Obras completas. Várias rimas ao Bom Jesus, com prefácio e n las deMarques Braga. Lisboa, Sá da Co la, 1946, p. 144.

316

(22) Annali di Gabriel Giolito de'Ferrari da Trino di Monferrato, stampatore in venezia.descritti ed illu trati da S. B.. Roma. Principali Librai, I 90, vol. r. p. 138.

(23) Década sétima. Parte segunda. Li boa, Livraria Sam Carlos, 1974, 17° vol., p. 416 (Iac-símile da edição de Lisboa, 1783).

(24) Obras completas. 111.Autos e cartas. com prefácio e notas de Hernâni Cidade. Lisboa.S,\ da Costa, '1956, p. 247.

(25) Poesias inéditas. pp. 396-397.(26) Obras completas. Rimas várias. Flores do Lima, com prefácio e notas de Marques

Braga. Lisboa, Sá da Costa, 1945. p. 169.(27) Apesar do valor estético que geralmente é conferido à combinação «ouro obre azul»,

tenha-se presente que Petrarca se refere ao olho de Laura como scndo negros; assim, na cançãoXXIX do Rerum uulgarium fragmenta. vv . 22-23: «Ma rara e'l giorno ch 'io le luci apersi 1111'1 belnero et nel bianco I che /IIi scacciãr di lã dove Amor corse» (Call:olliere, te to critico e introduzionedi Gianfranco Contini, annorazioni di Daniele Ponchiroli. Torino, Einaudi, 10 1985, p. 41). r. opa so dos Ritratti, de Gian Giorgio Tris ino: «lo aviso, che cifia mestieri di persone, che tLII/eposteinsieme [le belle parti] ce le cotorisca: {... ] ma noi it nobitíssimo di IIIl/i e 'pittori Messer FrancescoPetrarca chiameremo. e questa impresa a fare li daremo; il quale primieramente colorirà le chiome.come [ece quelle de la sua Loura, [acendole di oro fino, e sopra or terso bionde; { ... j e il bel, dolce.suave. bianco. e nero degli occhi a due lucidissime stelle assembrando» (apud Giacinto Spagnoleui.1/petrarchismo. Milano, Garzanti. 1959, p. 110).

(28) Rimas, p. 13.(29) Ib .. p. 14.(30) A contaminatio entre o campo ernântico relativo à «pretidão», com toda a carga cultural

que lhe anda associada, e o modelo petrarquista ocorre também. de outro 1110do, no âmbito daexploração do e tado sentimental do amante. A sim no romance peninsular que anda no CancioneroManuel de Faria, «L1orando estava de dichas», atribuído a Fernando Correia de Lacerda (TireCancionero «Manuel de Faria», a critical edition with introdution and note by Edward Gla er.Münster We tfaIJen. Aschendorffsche, 196 , pp. 169-171; este texto tem apenas uma outra fontetextual, onde é tran crito sem variantes, o manu crito 4152 da Biblioteca acional de 1adrid; cf. ib.,p. 262), é o próprio amante a tran f rrnar- e em «negro». O poema conta a hi tória de um pa ror que,numa situação de de go to arnoro o, glo a o «mote ageno»:

Negra tengo la caranegro el coraçonqu]e] el amor qu]e] es fuegobolviome carbon,

O fogo amoroso que o consome fá-lo «negro» como as cinzas e o carvão, ou como osescravos:

EI amor que fuego ati:ay emraiias bivas abrazadespues de bolverme brazam' Ira convertido 1'11 ceniza.Con negra color matisaa mi cara, )' coraçonqu' el amor qu]e] es fuegobolviome carbon.[ ... 1

Hizome 1'1 amor su negrocomo negro soy cautivoqu]e] 1'1 amor qu]e] esfuego bivoquanto abraza buelve negroCOIInegra color me alegropues es negro 1'1 coraçon.que el amor que es [uegobolviome carbon.

317

Page 16: ACTAS-I · 2019. 12. 4. · maria i Ês macias de mello magalhÃes - maria: um cor-po de duas faces . carme m. radulet - d. leo or tomÁsia, marquesa de tÁvora e d. a a ludovlna,

A tran formação do amante em negro funde a imbologia cultural do negro, enquanto cor daraça do e cravo, com a imbologia cortesã, de acordo com a qual amor é fogo que queima, eenhor que domina totalmente quem cai em eu poder (que foram, aliá. topoi retomados por

Petrarca e pelos poetas petrarquistas),ão deixe de se recordar também a contaminatio entre elemento integrante do retrato

feminino petrarquista e a «pretidão». patente numa elegia atribufda a Fernão Rodrigues Soropita, queanda no Cancioneiro Fernandes Tomás (fl. 96-96r.), intitulada De WII negro namorado para suanegra. Todavia, dessa inter ecção re ulta uma paródia que, pelo tom das ua implicaçõesanlipetrarqui tas, prenuncia o Barroco.

(31) Rimas, pp. 89-90.(32) Triumphi, a cura di Marco Ariani. Milano, Mur ia, 1988, pp. 157-158, TrC m, vv. 157-

-162.(33) Rimas, p. 90.(34) Ib., pp. 9 e 90.(35) Jurij M. Lotman, La struttura de/festa poetico, a cura di E. Bazzarelli. Milano, Mursia, '

1976.(36) Naus et les autres. La réflexion française sur /0 diversité humaine, Paris, Seuil, 19 9.

318