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Santa Maria – Aracaju - Belo Horizonte – Brasília – Campo Grande - Cuiabá – Curitiba – Florianópolis – Goiânia – João Pessoa – Macapá – Maceió – Manaus – Pelotas – Porto Alegre – Porto Velho – Recife – Rio de Janeiro – Salvador – Vitória Santa Maria, RS: Rua Alberto Pasqualini, 70, 13º andar, Fone/fax (55) 3026-3206 www.wagner.adv.br e-mail: [email protected] 1 EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - CONFEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NO SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL - CONDSEF, entidade sindical inscrita no CNPJ sob n. 26474510/0001- 94, com sede no Setor Comercial Sul, Quadra 2, Bloco C, nº 164, Edifício Wady Cecílio II, Brasília/DF, CEP 70302-915, neste ato representada por seu Secretário- Geral, Josemilton Maurício da Costa, brasileiro, servidor público federal, inscrito no CPF sob nº 368.581.536-91, Carteira de Identidade nº 05303867-5, IFPRJ, por seus advogados constituídos, que recebem intimações na cidade de Brasília/DF, no SBS, Quadra 1, Bloco K, Edifício Seguradoras, conjuntos 908/913; - CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES EM SEGURIDADE SOCIAL CNTSS/CUT, inscrita no CNPJ sob o n. 04.981.307/0001-71, com sede em São Paulo, na Rua Caetano Pinto, n. 575, e sub-sede na SCS – Edifício Márcia, Bloco L, sala 408, CEP 70300-500, em Brasília/DF, neste ato representada por sua Presidente, Maria Aparecida do Amaral Godói de Faria, por seu advogado constituído, que recebe intimações na cidade de Brasília/DF, no SHIS QI 26, Conjunto 02, Casa 02, Lago Sul; - CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES - CUT, entidade de grau máximo de representação sindical, regularmente inscrita no CNPJ sob o n° 60.563.731/0001- 77, com sede na Rua Caetano Pinto, nº 575, Brás, São Paulo/SP, CEP: 03041-000, neste ato representada por seu Presidente, Vagner Freitas de Morais, brasileiro, bancário, casado, Carteira de Identidade nº 167251831, SSP/DF, inscrito no CPF sob nº 115.763.858-92, residente e domiciliado na Avenida Nossa Senhora Assunção, nº 647, apto. 22-B, Butantã, São Paulo/SP, por seus advogados constituídos, que recebem intimações na cidade de Brasília/DF, no SBS, Quadra 1, Bloco K, Edifício Seguradoras, conjuntos 908/913; - SINDICATO NACIONAL DOS FISCAIS FEDERAIS AGROPECUÁRIOS – ANFFA SINDICAL, entidade sindical representativa dos integrantes da Carreira de Fiscal Federal Agropecuários do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, ativos, aposentados e seus pensionistas, constituído regularmente inscrito no CNPJ sob o nº 08.510.461/0001-16, com sede no Setor Comercial Sul, Quadra 2, Lotes 5 a 7, Edifício Jockey Club, 4º Andar, Brasília/DF, CEP 70.302- 902, representado por seu Presidente Wilson Roberto de Sá, brasileiro, divorciado, servidor público federal, inscrito no CPF sob nº 494.388.837-20, Carteira de

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

- CONFEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NO SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL - CONDSEF , entidade sindical inscrita no CNPJ sob n. 26474510/0001-94, com sede no Setor Comercial Sul, Quadra 2, Bloco C, nº 164, Edifício Wady Cecílio II, Brasília/DF, CEP 70302-915, neste ato representada por seu Secretário-Geral, Josemilton Maurício da Costa, brasileiro, servidor público federal, inscrito no CPF sob nº 368.581.536-91, Carteira de Identidade nº 05303867-5, IFPRJ, por seus advogados constituídos, que recebem intimações na cidade de Brasília/DF, no SBS, Quadra 1, Bloco K, Edifício Seguradoras, conjuntos 908/913;

- CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES EM SEGURIDA DE SOCIAL – CNTSS/CUT , inscrita no CNPJ sob o n. 04.981.307/0001-71, com sede em São Paulo, na Rua Caetano Pinto, n. 575, e sub-sede na SCS – Edifício Márcia, Bloco L, sala 408, CEP 70300-500, em Brasília/DF, neste ato representada por sua Presidente, Maria Aparecida do Amaral Godói de Faria, por seu advogado constituído, que recebe intimações na cidade de Brasília/DF, no SHIS QI 26, Conjunto 02, Casa 02, Lago Sul;

- CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES - CUT , entidade de grau máximo de representação sindical, regularmente inscrita no CNPJ sob o n° 60.563.731/0001-77, com sede na Rua Caetano Pinto, nº 575, Brás, São Paulo/SP, CEP: 03041-000, neste ato representada por seu Presidente, Vagner Freitas de Morais, brasileiro, bancário, casado, Carteira de Identidade nº 167251831, SSP/DF, inscrito no CPF sob nº 115.763.858-92, residente e domiciliado na Avenida Nossa Senhora Assunção, nº 647, apto. 22-B, Butantã, São Paulo/SP, por seus advogados constituídos, que recebem intimações na cidade de Brasília/DF, no SBS, Quadra 1, Bloco K, Edifício Seguradoras, conjuntos 908/913;

- SINDICATO NACIONAL DOS FISCAIS FEDERAIS AGROPECUÁ RIOS – ANFFA SINDICAL , entidade sindical representativa dos integrantes da Carreira de Fiscal Federal Agropecuários do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, ativos, aposentados e seus pensionistas, constituído regularmente inscrito no CNPJ sob o nº 08.510.461/0001-16, com sede no Setor Comercial Sul, Quadra 2, Lotes 5 a 7, Edifício Jockey Club, 4º Andar, Brasília/DF, CEP 70.302-902, representado por seu Presidente Wilson Roberto de Sá, brasileiro, divorciado, servidor público federal, inscrito no CPF sob nº 494.388.837-20, Carteira de

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Identidade nº 1334140, IPFRJ, residente e domiciliado nesta cidade, por seus advogados constituídos, que recebem intimações na cidade de Brasília/DF, no SBS, Quadra 1, Bloco K, Edifício Seguradoras, conjuntos 908/913, por seus advogados constituídos, que recebem intimações na cidade de Brasília/DF, no SBS, Quadra 1, Bloco K, Edifício Seguradoras, conjuntos 908/913, vêm, nos termos do art. 102, inciso I, alínea “a”, e art. 103, inciso IX, da Constituição Federal, propor AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do Decreto n. 7.777, de 24 de julho de 2012 , da Presidente da República, conforme fundamentos abaixo expostos.

Preliminarmente: legitimação da parte autora O art. 103, inciso IX, da Constituição Federal (assim também o art. 2º, inciso IX, da Lei n. 9.868/99) confere às entidades associativas de amplitude nacional legitimidade para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade. As entidades autoras caracterizam-se como associações cuja abrangência se estende a todo o território nacional , o que lhes confere, nos exatos termos da disposição constitucional, legitimidade para mover esta ação. No que se refere à CONDSEF, é importante salientar que este Supremo Tribunal Federal promoveu uma revisão de seu entendimento jurisprudencial anterior, no sentido de alargar a via de acesso ao controle concentrado de constitucionalidade para as entidades estruturadas por meio de associações estaduais, bastando a tanto que a parte autora tenha conotação de entidade de classe e representatividade nacional.

Este foi o entendimento definido no Agravo Regimental na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.153 , Relator para o acórdão Ministro Sepúlveda Pertence, julgado em 12 de agosto de 2004:

“Ação direta de inconstitucionalidade: legitimação ativa: "entidade de classe de âmbito nacional": compreensão da "associação de associações" de classe: revisão da jurisprudência do Supremo Tribunal. 1. O conceito de entidade de classe é dado pelo objetivo institucional classista, pouco importando que a eles diretamente se filiem os membros da respectiva categoria social ou agremiações que os congreguem, com a mesma finalidade, em âmbito territorial mais restrito. 2. É entidade de classe de âmbito nacional - como tal legitimada à propositura da ação direta de inconstitucionalidade (CF, art 103, IX) - aquela na qual

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se congregam associações regionais correspondentes a cada unidade da Federação, a fim de perseguirem, em todo o País, o mesmo objetivo institucional de defesa dos interesses de uma determinada classe. 3. Nesse sentido, altera o Supremo Tribunal sua jurisprudência, de modo a admitir a legitimação das "associações de associações de classe", de âmbito nacional, para a ação direta de inconstitucionalida de” (o original não contém os grifos)1.

Na dicção do art. 1º do seu Estatuto, a CONDSEF representa os interesses das entidades que congregam os trabalhadores públicos vinculados à administração direta, indireta, fundacional e autárquica dos poderes da União e das empresas públicas federais, tenham eles vínculo estatutário ou contratual, ativos, aposentados e pensionistas, o que lhe autoriza, nos termos da normatização constitucional e do atual posicionamento deste Tribunal, o ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade.

Note-se que não obstante a CONDSEF ter a nomenclatura estatutária de confederação, na verdade, sua estrutura se aproxima de uma associação de associações de classe que lhe são filiadas (no caso, as entidades sindicais estaduais que fazem parte de sua base representativa), nos exatos termos da decisão transcrita supra. Ademais, a atuação sindical das entidades autoras, considerados seus fins estatutários de defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores federais civis, revela a pertinência temática entre o ato normativo impugnado (direcionado a regular os efeitos da greve dos servidores no âmbito da administração federal e com infringência direta no exercício desse direito constitucional) e seus objetivos institucionais.

Breve contextualização fática As entidades autoras protagonizaram nos últimos meses

inúmeras tentativas de negociação com o Governo Federal, objetivando, dentre outras postulações, a recomposição da remuneração recebida pelos servidores federais civis (que, por força de norma constitucional, deve ser anual e refletir o real índice inflacionário), o pagamento de valores reconhecidos há anos como devidos pela Administração e relegados à sistemática temporalmente indefinida de “exercícios anteriores”, assim como a falta de cumprimento de acordos firmados.

1 No mesmo sentido, confiram-se as decisões nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade ns. 2.797 e 2.860, ambas relatadas pelo Ministro Sepúlveda Pertence, julgadas em 15 de setembro de 2005.

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Em 12 de junho de 2012, cumprindo os requisitos

previstos na Lei n. 7.783/89, fixada por esta Corte Suprema como matriz normativa do exercício do direito de greve no serviço público, conforme decidido nos Mandados de Injunção ns. 670, 708 e 712, a CONDSEF enviou ofício (cópia em anexo) ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão nos seguintes termos:

“A CONFEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NO SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL - CONDSEF, entidade sindical legalmente constituída, inscrita sob CNPJ nº 26.474.510/0001-94, sediada no SCS, Quadra 2, Bloco C, nº 164, Ed. Wady Cecílio II, em Brasília DF, neste ato representada por seu Secretário Geral, vem, respeitosamente, perante V. Excelência informar o que segue: Inicialmente cumpre destacar que a CONDSEF é entidade sindical de grau superior e representa os interesses das Entidades de Classes que congregam todos os servidores públicos, empregados e trabalhadores vinculados à Administração direta, indireta, fundacional e autárquica dos poderes da União e das empresas públicas federais, sejam eles regidos pelo RJU, pela CLT ou por qualquer outro vínculo jurídico que venha a ser criado no âmbito da Administração Pública Federal, ativos, aposentados e pensionistas, inclusive aqueles provenientes de convênios que têm o objetivo de implementar ações da Administração e do Serviço Público e prestadores de serviço que percebam remuneração de forma direta ou indireta da União Federal. Ocorre que na Plenária Nacional da CONDSEF no último dia 04 de junho deste ano foi deliberado pela deflagração de greve geral por tempo indeterminado, no âmbito do serviço público federal, a ser realizada a partir do dia 18 de junho de 2012 , tendo em vista a negativa do Governo Federal em atender as justas reivindicações salariais que constam da Pauta de Reivindicações da Campanha Salarial Unificada de 2012, não cumprimento de Termos de Acordo, tudo conforme demonstra a documentação anexa que segue. Além disso, não cumprimento da revisão geral e anual prevista no artigo 37, inciso X, da Constituição Federal, bem como não pagamento de valores de exercícios anteriores de natureza vencimental, reconhecidos administrativamente, que são considerados salários atrasados.

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A presente comunicação visa o cumprimento dos requisitos formais que regem o movimento paredista, na forma da lei. Ainda, informa que serão mantidos os serviços essenciais em 30% ” (sem grifos no original).

As demais entidades envolvidas no movimento grevista agiram de forma semelhante, cumprindo também as formalidades legais.

Não obstante o esforço para alcançar uma solução através do processo negocial, mediante um justo equacionamento das postulações dos servidores, não houve avanço concreto, em vista do completo descaso com que a Administração Pública Federal vem tratando as reivindicações da categoria. Frustrada a negociação, a única alternativa que restou aos servidores foi a paralisação de suas atividades, com a cautela de manter um contingente de trabalhadores para atender as demandas essenciais da população, tal como antes comunicado ao mencionado do órgão ministerial.

No entanto, desde o início da greve, a Administração

Federal vem tentando fragilizar e até mesmo inviabilizar o exercício desse direito pelos trabalhadores.

Nesse sentido, a Secretaria de Relações de Trabalho no

Serviço Público, pelas Mensagens 552047, 552048 e 552416, emitiu orientação aos dirigentes locais dos entes federais, para que seja feito o “lançamento dos descontos remuneratórios referentes aos dias de par alisação e/ou greve ” dos servidores grevistas, antes da homologação da folha de pagamento do mês de julho de 2012, deduções essas que terão o efeito de falta injustificada ao serviço.

Além disso, nesse contexto de retaliação à greve dos

servidores, a Presidência da República expediu o Decreto n. 7.777, de 24 de julho de 2012, que dispõe sobre as medidas que devem ser adotadas, durante a paralisação dos trabalhadores, para a continuidade de atividades e serviços públicos dos órgãos e entidades da administração pública federal.

E é na inconstitucionalidade desse decreto presidencial

que se situa a fundamentação jurídica desta ação de controle concentrado de constitucionalidade, conforme considerações que abaixo seguem.

Conceitualização e evolução histórica do direito de greve

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É de superior valia, na oportunidade, exortar o histórico de conquistas e lutas da classe trabalhadora a fim de que se trace, como efeito, o perfil cerceador do direito de greve provocado pelo Decreto 7.777/12, seu caráter mitigador e como, de maneira implícita, se traduz num instrumento jurídico capaz de desnaturar dispositivo constitucional que legitima a organização dos trabalhadores para reivindicar seus direitos.

No Brasil, houve uma inversão da ordem de evolução

acerca do direito de greve em relação ao resto do mundo, haja vista que não houve a transição cronológica de delito para liberdade e, posteriormente, para direito. O direito de greve aqui foi visto, inicialmente, como liberdade, passando, posteriormente, a ser interpretado como delito por um longo período de tempo, até ser encarado como um direito pelo ordenamento jurídico pátrio. A Constituição de 1937 repudiava a greve e o lockout, considerando-os institutos nocivos aos interesses da nação, principalmente por prejudicar o desenvolvimento social e produtivo do Brasil.

A partir daí foram editadas inúmeras normas restritivas

ao direito de greve, prevendo punições das mais variadas aos trabalhadores que se associassem a fim de pressionar os empregadores por meio de paralisação da produção. A própria Consolidação das Leis do Trabalho, editada em 1943, previa diversas penalizações aos obreiros que paralisassem os serviços sem autorização dos tribunais trabalhistas.

A referida fase restritiva ao direito de greve durou até a

promulgação da Constituição de 1946, momento em que tal instituto foi reconhecido como lícito e legítimo, sendo prevista a necessidade de posterior regulamentação por meio da edição de legislação ordinária.

A Constituição Federal de 1988 insere a greve no elenco

dos direitos sociais fundamentais dos trabalhadores . Prevê que a lei definirá os serviços e atividades essenciais e disporá sobre o atendimento às necessidades inadiáveis da comunidade. A Constituição reconhece, ainda, no art. 37, inciso VII, o direito de greve dos servidores públicos.

Certo se torna, portanto, que a conquista do direito

social fundamental de greve pelos trabalhadores travou-se a partir de uma árdua e espinhosa batalha ao longo de décadas. O que não pode se admitir é que hodiernamente uma norma de patamar hierárquico inferior (na forma de decreto) venha à lume, com propósitos desbaratados, e desmantele a honradez da histórica conquista dos trabalhadores.

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É cediço que a greve utiliza-se de seus mecanismos para a defesa de interesses profissionais econômicos e sociais comuns aos trabalhadores, sendo relevante para tal mister a interrupção do trabalho, sua paralisação parcial para que os efeitos possam pressionar o Estado a discutir os anseios dos trabalhadores.

Ao tentar suplantar o trabalho paralisado, com ônus

orçamentário, a Administração Federal desvirtua o direito adquirido de patamar constitucional, de modo enviesado e essencialmente político.

A greve é um direito de coerção que visa à solução de

um conflito coletivo. Pode ser, sem dúvida alguma, considerada um direito potestativo dos empregados. Assim, a parte contrária deve submeter-se à situação. A greve, em sua essência, tem um único objetivo: fazer a parte contrária ceder sob um determinado ponto da negociação .

Nesse sentido, cabe, por fim, ressaltar a necessidade de

se resguardar, frente à problemática aqui em discussão, o princípio da vedação ao retrocesso social .

O constitucionalista português José Joaquim Gomes

Canotilho2 assim define o referido princípio: “O princípio da democracia econômica e social aponta para a proibição de retrocesso social. A ideia aqui expressa também tem sido designada como proibição de ‘contra-revolução social’ ou da ‘evolução reaccionária’. Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos (ex.: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjectivo. A ‘proibição de retrocesso social’ nada pode fazer contra as recessões e crises econômicas (reversibilidade fáctica), mas o principio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex.: segurança social, subsídio de desemprego, prestações de saúde), em clara violação do princípio da protecção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural, e do núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana. O reconhecimento desta proteção de direitos prestacionais de propriedade, subjetivamente adquiridos, constitui um limite jurídico do legislador e, ao mesmo

2 Direito Constitucional e Teoria da Constituição . Coimbra: Almedina, 1998, p. 320-321.

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tempo, uma obrigação de prossecução de uma política congruente com os direitos concretos e as expectativas subjectivamente alicerçadas. A violação no núcleo essencial efectivado justificará a sanção de inconstitucionalidade relativamente aniquiladora da chamada justiça social”.

Qualquer medida normativa que venha obstaculizar ou restringir, direta ou indiretamente, o pleno exercício de greve, direito historicamente conquistado pelos trabalhadores, caracteriza um recuo no processo de evolução social, uma injustificável volta a um cenário jurídico ultrapassado, ao recompor um estado histórico que se considerava definitivamente superado pela atual ordem constitucional.

O Decreto n. 7.777/12: finalidade e autonomia norma tiva O Decreto n. 7.777/12, como mencionado, dispõe sobre

as medidas para a continuidade das atividades e dos serviços dos órgãos e entidades da administração pública federal durante a greve protagonizada pelos servidores públicos federais.

Este o inteiro teor das disposições que integram o ato

normativo presidencial: Art. 1o Compete aos Ministros de Estado supervisores dos órgãos ou entidades em que ocorrer greve, paralisação ou retardamento de atividades e serviços públicos: I - promover, mediante convênio, o compartilhamento da execução da atividade ou serviço com Estados, Distrito Federal ou Municípios; e II - adotar, mediante ato próprio, procedimentos simplificados necessários à manutenção ou realização da atividade ou serviço. §1o As atividades de liberação de veículos e cargas no comércio exterior serão executadas em prazo máximo a ser definido pelo respectivo Ministro de Estado supervisor dos órgãos ou entidades intervenientes. §2o Compete à chefia de cada unidade a observância do prazo máximo estabelecido no § 1o. §3o A responsabilidade funcional pelo descumprimento do disposto nos §§ 1o e 2o será apurada em procedimento disciplinar específico. Art. 2o O Ministro de Estado competente aprovará o convênio e determinará os procedimentos necessários que garantam o funcionamento regular das atividades ou

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serviços públicos durante a greve, paralisação ou operação de retardamento. Art. 3o As medidas adotadas nos termos deste Decreto serão encerradas com o término da greve, paralisação ou operação de retardamento e a regularização das atividades ou serviços públicos. Art. 4o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Pelo que se depreende de seus termos, tendo em vista disposição legal específica, a intenção aparente do decreto seria fazer as adequações necessárias às peculiaridades do serviço público federal, considerando o disposto no parágrafo único do art. 9º da Lei n. 7.783/89:

Art. 9º. Durante a greve, o sindicato ou a comissão de negociação, mediante acordo com a entidade patronal ou diretamente com o empregador, manterá em atividade equipes de empregados com o propósito de assegurar os serviços cuja paralisação resultem em prejuízo irreparável, pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos, bem como a manutenção daqueles essenciais à retomada das atividades da empresa quando da cessação do movimento. Parágrafo único. Não havendo acordo, é assegurado ao empregador, enquanto perdurar a greve, o direito de contratar diretamente os serviços necessários a que se refere este artigo. É importante considerar, no entanto, que o decreto não

se restringe a regulamentar a Lei n. 7.783/89, mas produz inovação no campo normativo, situando-se no mesmo nível das leis (em sentido estrito), o que lhe confere, via de consequência, autonomia normativa. O Decreto n. 7.777/12 extrapola os limites de sua configuração jurídica, porque estabelece comandos gerais, autônomos e abstratos , regulamentando diretamente o art. 37, inciso VII, da Constituição Federal, no que se refere aos atos administrativos a serem praticados no curso da atual greve dos servidores federais civis.

Os atributos da generalidade e da abstração do

Decreto n. 7.777/12 ressaltam da extensão de seus efeitos, que alcançarão toda a comunidade de administrados, não se dirigindo a normatizar um fato concreto e específico. A autonomia se revela pela sua desvinculação da lei que, em tese, objetiva regulamentar, pois essa lei permite ao empregador contratar diretamente os serviços necessários à manutenção de atividades essenciais ou cuja paralisação possa resultar prejuízo, ao passo que o decreto presidencial autoriza, de forma ampla e muito além da literalidade da Lei n. 7.783/89, a efetivação de convênios e

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procedimentos administrativos simplificados como forma de garantir o funcionamento das atividades ou serviços públicos durante a greve, sejam estes essenciais ou não, e estejam ou não sendo atendidos, pelos próprios grevistas, os considerados essenciais.

No âmbito das greves dos trabalhadores da iniciativa

privada, a Lei n. 7.783/89 não exige qualquer regulamentação, pois caracteriza-se como um diploma normativo suficiente a regrar as relações entre as partes e os demais interesses no curso da paralisação. Na esfera pública, de igual forma, a referida lei também não requer regulamentação, mas apenas algumas adaptações, já devidamente fixadas por este Tribunal quando julgou os Mandados de Injunção ns. 670, 708 e 712.

Os aspectos da greve no serviço público já se

encontram, portanto, regulamentados – ainda que temporariamente, até o momento em que o Poder Legislativo produzir a lei específica prevista no texto da Constituição. O Decreto n. 7.777/12, à vista disso, promove verdadeira inovação na ordem jurídica, mas sob o alto custo de uma série de inconstitucionalidades, como adiante será demonstrado.

Decisões recentes deste Supremo Tribunal Federal

admitem que decretos sejam submetidos a controle concentrado de constitucionalidade quando revestidos de autonomia normativa, e não meramente regulamentar. Nesse sentido, o seguinte julgado, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.664 , Relator Ministro Cezar Peluso, de 1º de junho de 2011:

“1. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Objeto. Admissibilidade. Impugnação de decreto autônomo, que institui benefícios fiscais. Caráter não meramente regulamentar. Introdução de novidade normativa. Preliminar repelida. Precedentes. Decreto que, não se limitando a regulamentar lei, institua benefício fi scal ou introduza outra novidade normativa, reputa-se autônomo e, como tal, é suscetível de controle concentrado de constitucionalidade . 2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Decreto nº 27.427/00, do Estado do Rio de Janeiro. Tributo. Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS. Benefícios fiscais. Redução de alíquota e concessão de crédito presumido, por Estado-membro, mediante decreto. Inexistência de suporte em convênio celebrado no âmbito do CONFAZ, nos termos da LC 24/75. Expressão da chamada “guerra fiscal”. Inadmissibilidade. Ofensa aos arts. 150, § 6º, 152 e 155, § 2º, inc. XII, letra “g”, da CF. Ação julgada procedente. Precedentes. Não pode o Estado-membro conceder isenção, incentivo ou

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benefício fiscal, relativos ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, de modo unilateral, mediante decreto ou outro ato normativo, sem prévia celebração de convênio intergovernamental no âmbito do CONFAZ”3 (os grifos não são originais).

Fundamentos jurídicos: inconstitucionalidade do Dec reto n. 7.777/12

Contrariedade ao art. 61, §1º, inciso II, alíneas “ a” e “c”, e ao art. 48, inciso X, da Constituição Federal

A contrariedade do Decreto n. 7.777/12 ao texto da Constituição Federal, neste tópico, situa-se no vício de competência que dele resulta, porque cabe somente ao Poder Legislativo, após iniciativa do Presidente da República, deliberar sobre emissão de lei que institua cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou promova aumento de sua remuneração e, ainda, dispor sobre servidores públicos da União, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria, na exata dicção do art. 61, §1º, inciso II, alíneas “a” e “c”, e do art. 48, inciso X, da Constituição Federal .

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.232 , Relator Ministro Cezar Peluso, julgada em 14 de agosto de 2008, o Supremo Tribunal Federal decidiu nos seguintes termos:

"Ação direta de inconstitucionalidade. Condição. Objeto. Decreto que cria cargos públicos remunerados e estabelece as respectivas denominações, competências e remunerações. Execução de lei inconstitucional. Caráter residual de decreto autônomo. Possibilidade jurídica do pedido. Precedentes. É admissível controle concentrado de constitucionalidade de decreto que, dando execução à lei inconstitucional, crie cargos públicos remunerados e estabeleça as respectivas denominações, competências, atribuições e remunerações . Inconstitucionalidade. Ação direta. Art. 5° da Lei 1.124/2000, do Estado do Tocantins. Administração pública. Criação de cargos e funções. Fixação de atribuições e remuneração dos servidores. Efeitos jurídicos delegados a decretos do chefe do Executivo. Aumento de despesas. Inadmissibilidade. Necessidade de lei em sentido formal, de iniciativa privativa daquele. Ofensa aos arts. 61, § 1°, II, a , e 84,

3 No mesmo sentido: Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.152 , Relator Ministro Cezar Peluso, julgada em 1º de junho de 2011; Agravo Regimental na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.950 , Relator Ministro Eros Grau, julgado em 06 de outubro de 2004.

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VI, a, da CF. Precedentes. Ações julgadas procedentes. São inconstitucionais a lei que autorize o chefe do Poder Executivo a dispor, mediante decreto, sobre criação de cargos públicos remunerados, bem como os decretos que lhe dêem execução" (sem os grifos no original). Na dinâmica prevista na Constituição, no que se refere à

temática incluída no decreto, cumpre ao Chefe do Poder Executivo federal apenas o ato de iniciar o processo legislativo, desenvolvendo-se os atos seguintes no âmbito do Congresso Nacional, para fins de deliberar sobre a emissão de ato normativo acerca do assunto.

Repare-se bem: o Decreto n. 7.777/12 não dispõe expressa e especificamente a respeito de criação ou provimento de cargos, funções ou empregos públicos federais. Nesse sentido, aparentemente não haveria configuração de ofensa ao texto constitucional. Entretanto, ao autorizar que a execução do serviço, no curso da greve dos trabalhadores federais, seja mantida por convênios com outras entidades públicas e por prestadores de serviço selecionados através de “procedimentos simplificados”, o decreto, através de seu art. 1º, incisos I e II - e os demais dispositivos que lhe são consectários -, estabelece um artifício prático apto a contornar a rigidez normativa das disposições constitucionais acima mencionadas.

Ainda que efetivamente não configure instituição e provimento formal de cargos e funções públicas, é inegável, por outro lado, que, na realidade dos fatos, o decreto presidencial permite que pessoas sejam “investidas” temporariamente no exercício das atividades inerentes aos cargos e funções dos trabalhadores em greve.

O Decreto n. 7.777/12, à vista do exposto, invade competência atribuída pela Constituição Federal ao Poder Legislativo, órgão ao qual incumbe a produção de lei, em sentido estrito, sobre a matéria versada no decreto presidencial.

Contrariedade ao art. 84, inciso VI, alínea “a”, e ao art. 167, incisos I, II, V e VI, da Constituição Federal

O art. 84, inciso VI, alínea “a”, da Constituição Federal faculta à Presidência da República expedir decreto regulamentando a organização e o funcionamento da administração federal, desde que o ato normativo não implique aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos.

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Para bem entender a ressalva: o Poder Executivo Federal não pode expedir decreto do qual resulte acréscimo nas despesas públicas.

A vedação prevista no texto constitucional representa um

maior acautelamento do legislador constituinte no que diz respeito ao trato das verbas públicas. A exceção sobre a qual não pode o Chefe do Executivo Federal expedir decreto exige que a hipótese seja submetida ao processo deliberativo do Poder Legislativo, órgão ao qual incumbe a prévia fixação das despesas públicas, como está a indicar o art. 48, inciso II, da Constituição Federal, e onde a proposta receberá o exame ponderado dos seus integrantes.

A ofensa do Decreto n. 7.777/12 à norma constitucional

acima indicada se dá especificamente porque a “promoção de convênio” e a adoção de “procedimentos simplificados necessários à manutenção ou realização da atividade ou serviço” público, como já referido, induz à possibilidade de contratação de serviços de terceiros, alheios à função pública federal, com a necessária contraprestação financeira e a consequente oneração do orçamento público , expressamente vedada pela Constituição.

Além do mais, a realização de despesas, em caráter

excepcional, abrangendo situações não contempladas nos créditos orçamentários - é o que se supõe no caso concreto, pois o decreto tem por finalidade fazer frente a uma situação fática excepcional, não prevista quando foi aprovada a lei orçamentária anual, e que exigirá dispêndio financeiro - implica, por outro lado, afronta ao disposto no art. 167 da Constituição Federal , que veda a consecução de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual (inciso I) , obsta a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais (inciso II) , impede a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos respectivos recursos (inciso V) e, por fim, não permite o redirecionamento de verbas orçamentárias de uma categoria para outra sem previsão legal (inciso VI) .

Na Medida Cautelar na Ação Direta de

Inconstitucionalidade n. 352 , Relator Ministro Celso de Mello, julgada em 29 de agosto de 1990, este Tribunal suspendeu o ato impugnado, porque a potencialidade danosa e a irreparabilidade dos prejuízos não podem ser causados por normas emitidas por agentes políticos que desatendam as diretrizes orçamentárias:

“[...] Reveste-se de plausibilidade jurídica, no entanto, a tese, sustentada em ação direta, de que o legislador estadual, condicionado em sua ação normativa por

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princípios superiores enunciados na CF, não pode, ao fixar a despesa pública, autorizar gastos que excedam os créditos orçamentários ou adicionais, ou omitir-lhes a correspondente fonte de custeio, com a necessária indicação dos recursos existentes [...]”.

Contrariedade ao art. 241 da Constituição Federal

O Decreto n. 7.777/12 confere poderes aos Ministros de Estado supervisores dos órgãos e entidades, no âmbito das quais ocorre a greve dos trabalhadores federais, para firmar convênios de colaboração com Estados, Distrito Federal e Municípios para execução de atividades e serviços federais atingidos pela paralisação, podendo inclusive adotar procedimentos simplificados que considerarem necessários de modo a alcançar tal finalidade.

Neste aspecto, a normatização veiculada pelo decreto

presidencial, notadamente seus arts. 1º, incisos I e II, 2º e 3º, afronta o art. 241 da Constituição Federal , redigido nestes termos:

Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos. Como ressalta do texto constitucional, aqui também o

Decreto n. 7.777/12 invade campo temático que cabe somente à lei disciplinar. Repare-se bem na evidência da inconstitucionalidade a

merecer a intervenção deste Supremo Tribunal. Nos termos do art. 241 a lei é o instrumento pelo qual os entes federados devem firm ar convênios de gestão associada ou transferência total ou parcial de serv iços públicos . O decreto presidencial, contudo, literalmente desconsidera o comando constitucional, e, como se fosse lei, autoriza, no curso da greve dos servidores federais, a formalização e efetivação de convênios de compartilhamento de serviços públicos federais.

Convênios de cooperação (os quais a Constituição

Federal reserva o respectivo disciplinamento à lei) e convênios de compartilhamento (objeto do Decreto n. 7.777/12) de serviços públicos são expressões semanticamente idênticas, que levam o intérprete de sua literalidade ao mesmo resultado significativo.

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Igualmente sob este fundamento, portanto, cumpre que seja restabelecida a ordem constitucional. Contrariedade ao art. 37, caput e inciso II, da Constituição Federal

O Decreto n. 7.777/12 igualmente não se ajusta ao art.

37, caput , da Constituição Federal , especificamente porque a administração pública deve obedecer, entre outros, aos princípios da legalidade e da eficiência e também viola o inciso II do mesmo dispositivo constitucional, visto que permite o exercício de atribuições inerentes a cargos públicos sem prévio concurso.

Como a norma presidencial autoriza o compartilhamento

da execução das atividades e serviços federais com as demais entidades federativas (Estados, Distrito Federal e Municípios), bem como admite a adoção de procedimentos simplificados voltados à contratação de serviços privados, é evidente que haverá infringência aos princípios constitucionais acima nominados, porque a função pública não pode ser submetida a medidas e soluções apressadas, sujeitas a designações de pessoal sem o devido preparo e qualificação exigida na lei e sem anterior processo seletivo .

É importante considerar, neste ponto, um aspecto fático

relevante para bem avaliar a contextualização em que foi emitido o Decreto n. 7.777/12.

Como antes mencionado, os trabalhadores em greve,

organizados pelos seus sindicatos de base e pela sua entidade confederativa, não paralisaram completamente suas atividades funcionais, pois mantêm um quantitativo razoável no atendimento das atividades essenciais, e o ofício enviado pela Confederação dos Trabalhadores no serviço Público Federal (acima transcrito) ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão bem comprova tal afirmação. Esse fato revela a desnecessidade do decreto presidencial, que assume, por isso, uma clara intenção de apenas fragilizar a legítima paralisação dos trabalhadores.

À vista da legalidade e da eficiência, que compõem a

pauta axiológica que orienta e ordena todos os atos do Poder Público, os serviços que a Constituição reserva à administração, fiscalização e execução da União Federal não podem ser delegados, ainda que diante de situação transitória e excepcional, a outras entidades federativas e a particulares.

O art. 23 da Constituição Federal arrola as atividades submetidas à competência comum entre as entidades federativas:

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Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público; II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência; III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural; V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência; VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII - preservar as florestas, a fauna e a flora; VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar; IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico; X - combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos; XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios; XII - estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito. Somente no que se refere a tais atividades poderia haver

um “compartilhamento”, conforme expressão utilizada na redação do art. 1º, inciso I, do Decreto n. 7.777/12. No entanto, o decreto deliberadamente sequer elenca quais atividades serão submetidas aos atos sobre os quais dispõe, o que impede a verificação, nesse aspecto, da sua consonância com o art. 23 da Constituição.

Ademais, como antes assinalado, o decreto permite, por

uma via absolutamente desvirtuada da previsão constitucional, que pessoas alheias ao quadro funcional federal e terceirizadas sejam “investidas” de fato no exercício de atribuições correspondentes aos cargos e funções dos servidores que aderiram à paralisação.

Contrariedade ao art. 37, inciso VII, ao art. 9º e ao art. 5º, §2º, da Constituição Federal

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O decreto presidencial impugnado, como se depreende de sua oculta motivação, revela uma clara intenção do Executivo Federal de fragilizar o exercício de um direito constitucionalmente assegurado aos trabalhadores do serviço público, previsto no art. 37, inciso VII , da Constituição Federal (que, aliás, mantém simetria com o art. 9º do texto constitucional).

No Mandado de Injunção n. 712 , Relator Ministro Eros Grau, julgado em 25 de outubro de 2007, esta Corte deixou assentada a importância que a ordem jurídica constitucional confere ao direito de greve :

“[...] 3. O preceito veiculado pelo artigo 37, inciso VII, da CB/88 exige a edição de ato normativo que integre sua eficácia. Reclama-se, para fins de plena incidência do preceito, atuação legislativa que dê concreção ao comando positivado no texto da Constituição. 4. Reconhecimento, por esta Corte, em diversas oportunidades, de omissão do Congresso Nacional no que respeita ao dever, que lhe incumbe, de dar concreção ao preceito constitucional. Precedentes. 5. Diante de mora legislativa, cumpre ao Supremo Tribunal Federal decidir no sentido de suprir omissão dessa ordem. Esta Corte não se presta, quando se trate da apreciação de mandados de injunção, a emitir decisões desnutridas de eficácia. 6. A greve, poder de fato, é a arma mais eficaz de que dispõem os trabalhadores visando à conquista de melhores condições de vida . Sua auto-aplicabilidade é inquestionável; trata-se de direito fundamental de caráter instrumental. 7. A Constituição, ao dispor sobre os trabalhadores em geral, não prevê limitação do direito de greve: a e les compete decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dela defender. Por isso a lei não pode restringi-lo, sen ão protegê-lo, sendo constitucionalmente admissíveis todos os tipos de greve [...]” (os grifos não são originais).

No contexto dos fatos antes descrito, foi mencionado

que, em 12 de junho de 2012, a Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal, cumprindo requisitos previstos na legislação e manifestando preocupação com a manutenção das atividades essenciais do serviço público, enviou ofício ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Na ocasião, convém reiterar, assegurou que trinta por cento dos trabalhadores respectivos continuariam a exercer suas atividades nos serviços essenciais à população.

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Portanto, consideradas essas premissas fáticas para bem avaliar a questão, antes de resguardar a continuidade do serviço público, constata-se que o decreto presidencial, em oposição ao dispositivo constitucional, revela-se como um instrumento formal de pressão aos trabalhadores em greve, pois não há paralisação total das atividades essenciais, hipótese que exigiria medidas excepcionais por parte dos gestores administrativos.

Ressalte-se, ainda, considerando a definição, por esta

Corte Suprema, de aplicação da Lei n. 7.783/89 como diploma normativo apto regrar, observadas as devidas adequações, as greves no âmbito do serviço público, que a paralisação dos servidores federais civis, que deu ensejo à expedição do Decreto n. 7.777/12, em nenhum momento foi considerada fora dos parâmetros legais. Não há, até este momento, decisão judicial que tenh a declarado a ilegalidade da greve movida pelos trabalhadores . Não pode o Poder Executivo Federal, à vista disso, adotar meios orientados, mesmo que indiretamente, a impedir ou a constranger o pleno exercício de greve pelos servidores.

Note-se que o parágrafo único do art. 9º da Lei n.

7.783/89 prevê que é assegurado ao empregador, no curso da greve, o direito de contratar diretamente os serviços inadiáveis e essenciais, mas o decreto não observa esta restrição , visto que autoriza a prática de atos administrativos necessários à manutenção e realização de qualquer serviço público federal .

Como decorrência lógica desses fatos, por outro lado, o ato normativo presidencial também mostra-se em colisão com o art. 5º, §2º, da Constituição Federal , que dispõe o seguinte:

Art. 5º [...] §2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Embora o direito à negociação coletiva, no âmbito do serviço público, não esteja expresso no texto constitucional, está indissociavelmente relacionado com o direito de greve, preceituado no art. 37, inciso VII. Greve e negociação coletiva são instrumentos essencialmente inerentes às relações de trabalho coletivizadas. Na contemporaneidade, é indispensável considerar a paralisação dos trabalhadores como um fenômeno social reivindicatório que requer, na busca de seu equilibrado equacionamento, um amplo processo negocial entre os atores sociais envolvidos. E esse processo, em qualquer momento do seu desenvolvimento, deve ser pautado no diálogo

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exaustivo, na verdadeira e sincera colaboração e na boa-fé recíproca entre as partes que protagonizam as tentativas de entendimento. Esses preceitos morais que orientam a tensão decorrente dos dissídios de natureza coletiva impedem a legitimidade de procedimentos que atentam contra os direitos e interesses em colisão. Nesse sentido, às partes representativas não é permitido promover atos ou condutas contrárias ao dever de diálogo negocial. Apenas ilustrativamente, tendo em vista a experiência de casos concretos, aos trabalhadores não é dado utilizar meios violentos ou constrangedores para convencer os demais a aderirem à greve, ao passo que as autoridades administrativas devem se abster de cometerem as chamadas condutas anti-sindicais , caracterizadas por iniciativas tendentes a dificultar ou a impedir o livre fluxo da organização coletivizada dos trabalhadores. Portanto, é forçoso reconhecer que o direito à negociação coletiva está contemplado, embora não expressamente, no dispositivo constitucional que assegura aos trabalhadores o direito à greve, forma legítima de expressão de seu programa reivindicatório, porque aquele direito decorre do regime e de princípios adotados pela normatização constitucional (art. 5º, §2º). Como a greve, na contextualização dos fatos, é um instrumento voltado a induzir o empregador (no caso, a Administração Federal) a negociar, o Decreto n. 7.777/12 embaraça a sua plena eficácia, na medida em que permite que a problemática dela decorrente, que é a não prestação de serviço (fato que concretiza a força reivindicatória dos trabalhadores), seja, em tese, solucionada. Não há dúvida, à vista dessa afirmativa, que o decreto presidencial caracteriza-se como conduta anti-sindical , pois inviabiliza não apenas a plena fruição de um direito literalmente resguardado pela normatização constitucional, mas também o que nela integra o seu núcleo essencial, que é o necessário processo de negociação coletiva. É importante enfatizar, nessa temática, a vigência da Convenção n. 151, da Organização Internacional do T rabalho , aprovada pelo Decreto Legislativo n. 206, de 17 de abril de 2010 e ratificada pelo Brasil no dia 15 de junho do mesmo ano. Nos termos do item 3 do art. 11 da Convenção, suas disposições já se encontram em vigor no Brasil, cujo prazo iniciou doze meses após a data do registro da respectiva ratificação. A Convenção n. 151, ao dispor sobre a proteção do direito de sindicalização no seu art. 4º , refere, na fórmula de uma cláusula genérica (portanto, com ampla extensão interpretativa e com abrangente aplicabilidade), que os trabalhadores públicos devem gozar de adequada proteção contra atos de discriminação anti-sindical que tenham referência com seu trabalho (item 1 ),

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especificando, ademais, que a proteção alcança os atos destinados a prejudicar de qualquer outro modo o trabalhador público por sua participação nas atividades normais da organização que representa sua categoria (item 2, alínea ‘b’ ). Por “atividades normais” entenda-se, sem dúvida, entre outras, a participação em greves e em paralisações, que se incluem entre os atos essenciais das organizações sindicais.

Esta a íntegra redacional do referido dispositivo4: Artigo 4º 1. Os empregados públicos gozarão de proteção adequada contra todo ato de discriminação sindical em relação com seu emprego. 2. A referida proteção será exercida especialmente contra todo ato que tenha por objetivo: a) subordinar o emprego de funcionário público à condição de que não se filie a uma organização de empregados públicos ou a que deixe de ser membro dela; b) despedir um empregado público, ou prejudicá-lo de qualquer outra forma, devido a sua filiação a uma organização de empregados públicos ou de sua participação nas atividades normais de tal organização.

É no título destinado à solução dos conflitos coletivos de trabalho que a Convenção n. 151, pelo seu art. 8º , é inequívoca no que diz respeito à necessidade de se priorizar, sob qualquer condição, uma equação dialógica entre as partes:

Artigo 8º A solução dos conflitos que se apresentem por motivo da determinação das condições de emprego tratar-se-á de conseguir, de maneira apropriada às condições nacionais, por meio da negociação entre as partes ou mediante procedimentos independentes e imparciais, tais como a mediação, a conciliação e a arbitragem, estabelecidos de modo que inspirem a confiança dos interessados.

A Convenção n. 151, pela sua própria natureza de documento jurídico internacional, possui alta densidade normativa. Em vista disso, em razão de sua plena vigência no âmbito da ordem jurídica nacional e considerando, acima de tudo, a disposição contida no art. 5º, §2º, da Constituição Federal, independentemente da falta de sua regulamentação no Brasil, impõe-se

4 Disponível em http://www.oit.org.br/node/501. Acesso em 08 de agosto de 2012.

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sua imediata aplicação no contexto da aferição das inconstitucionalidades que anulam a legitimidade do Decreto n. 7.777/12.

Inexistindo os pressupostos fático-jurídicos para a expedição do Decreto n. 7.777/12, a conclusão que se impõe, no ponto aqui considerado, é pela sua integral inconstitucionalidade.

Contrariedade ao art. 37, inciso IX, da Constituiçã o Federal A Constituição Federal, tal como expressa a norma contida no dispositivo acima destacado, autoriza as autoridades administrativas a promoverem a contratação, por tempo determinado, de prestadores de serviço para atendimento de necessidades temporárias nos casos em que houver excepcional interesse público.

As hipóteses em que essa contratação é permitida, na dicção literal do art. 37, inciso IX , devem ser fixadas somente por lei em sentido estrito (e essa lei já existe, conforme logo abaixo será mencionado), não por decreto, como está a fazer o ato presidencial impugnado.

Foi nesse sentido a decisão na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.430 , Relator Ministro Ricardo Lewandowski, em julgamento realizado no dia 12 de agosto de 2009, ocasião em que este Supremo Tribunal deixou expresso o entendimento de que a contratação por prazo determinado exige lei específica do ente federativo:

“CONSTITUCIONAL. LEI ESTADUAL CAPIXABA QUE DISCIPLINOU A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE SERVIDORES PÚBLICOS DA ÁREA DE SAÚDE. POSSÍVEL EXCEÇÃO PREVISTA NO INCISO IX DO ART. 37 DA LEI MAIOR. INCONSTITUCIONALIDADE. ADI JULGADA PROCEDENTE. I - A contratação temporária de servidores sem concurso público é exceção, e não regra na Administração Pública, e há de ser regulamentada por lei do ente federativo que assim disponha . II - Para que se efetue a contratação temporária, é necessário que não apenas seja estipulado o prazo de contratação em lei, mas, principalmente, que o serviço a ser prestado revista-se do caráter da temporariedade. III - O serviço público de saúde é essencial, jamais pode-se caracterizar como temporário, razão pela qual não assiste razão à Administração estadual capixaba ao contratar temporariamente servidores para exercer tais funções. IV - Prazo de contratação prorrogado por nova lei complementar: inconstitucionalidade. V - É pacífica a jurisprudência

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desta Corte no sentido de não permitir contratação temporária de servidores para a execução de serviços meramente burocráticos. Ausência de relevância e interesse social nesses casos. VI - Ação que se julga procedente” (os grifos não são originais)5.

A propósito, a violação que o Decreto n. 7.777/12, pelos seus arts. 1º, inciso II, 2º e 3º, promove ao texto da Constituição, no sentido aqui exposto, reforça a sua autonomia normativa, porque se nivela à lei e regula matéria destinada especificamente à deliberação do Poder Legislativo.

E é a Lei n. 8.745/93 o diploma juridicamente legítimo

que estabelece os casos de contratação temporária, e o seu art. 2º não elenca a greve dos trabalhadores públicos entre as hipóteses que autorizam a contratação por tempo determinado; exige-se, ainda, de qualquer forma, que as contratações somente poderão ser feitas com observância de dotação orçamentária específica (art. 5º), o que igualmente não se confirma no que se refere ao decreto impugnado.

São inconstitucionais, portanto, as disposições do decreto presidencial, pois estão direcionadas a regrar matéria que a Constituição Federal reserva tão-somente à lei disciplinar.

Interpretação conforme à Constituição Na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.274 , julgada em 23 de novembro de 2011, o voto do Ministro Ayres Britto bem esclarece a finalidade e as balizas da interpretação conforme a Constituição :

“Cuida-se, pois, de técnica de fiscalização de constitucionalidade que se marca por um mais reduzido teor de interferência judicial no dispositivo-objeto, pois sua real serventia não está na possibilidade de recusar eficácia a tal dispositivo-alvo, nem mesmo em sede cautelar; ou seja, a ‘interpretação conforme’ nem se destina a suspender, nem a cassar a eficácia do texto-normativo sobre que se debruça. Ela serve tão-somente para descartar a incidência de uma dada compreensão – ou mais de uma - que se possa

5 Na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.987 , Relator Ministro Sepúlveda Pertence, julgada em 19 de fevereiro de 2004, também restou delineado o campo restrito da contratação temporária para o exercício da função pública: “Servidor público: contratação temporária excepcional (CF, art. 37, IX): inconstitucionalidade de sua aplicação para a admissão de servidores para funções burocráticas ordinárias e permanentes”.

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extrair do dispositivo infraconstitucional tido por insurgente à Constituição. Que significação? Aquela – ou aquelas – em demonstrada rota de colisão com a Magna Carta ” (grifos originais).

A interpretação conforme, como se nota, caracteriza-se como uma técnica interpretativa do texto legal, que se perfectibiliza na adaptação do significado de uma disposição normativa ao significado de outra disposição situada em nível hierárquico superior. A conformidade de uma determinada linha interpretativa de uma norma também pode ser declarada em relação a um princípio jurídico geral. A compatibilidade do texto legal com as diretrizes constitucionais é uma exigência impositiva frente ao princípio da máxima hierarquia das normas constitucionais. Cabe ao intérprete, dentro dos limites plurissignificativos da norma, deduzir o sentido textual mais consentâneo com a Constituição Federal, desde que essa opção seja possível e razoável.

Acerca da multiplicidade de significados possíveis de certas normas, pressuposto da interpretação conforme, o Ministro Ayres Britto, em outra ocasião, assim pronunciou-se:

“E o fato é que tal plurissignificatividade ou polissemia desse ou daquele texto normativo é pressuposto do emprego dessa técnica especial de controle de constitucionalidade que atende pelo nome, justamente, de “interpretação conforme à Constituição”, quando uma das vertentes hermenêuticas se põe em rota de colisão com o Texto Magno Federal”6. À vista dessas considerações, alternativamente, tendo

em vista a hipótese deste Supremo Tribunal Federal entender possível compatibilizar o Decreto n. 7.777/12 com o texto da Constituição, cumpre, então, que a intelecção das disposições do ato normativo presidencial seja fixada no sentido de que sua incidência não pode resultar em qualquer aumento de despesas públicas , assim como sua aplicação seja condicionada à declaração de ilegalidade da greve dos servidores f ederais, por decisão judicial .

Como antes salientado, o Decreto n. 7.777/12 determina

aos gestores federais a promoção de convênios e a adoção de procedimentos necessários à manutenção do serviço público, no curso da greve dos servidores, o

6 Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 132, julgada em 05 de maio de

2011.

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que possibilita a interpretação de que está autorizada a oneração do orçamento público, vedada, contudo, pela Constituição Federal.

Além do mais, através do Decreto n. 7.777/12 o Poder

Executivo Federal intenciona, direta ou indiretamente, impedir ou constranger o pleno exercício de grave pelos servidores federais civis, muito embora inexistente, até este momento, decisão judicial que tenha declarado que a greve movida pelos trabalhadores contraria as disposições da Lei n. 7.783/89, diploma legal que regra as greves no âmbito do serviço público, nos termos definidos por este Supremo Tribunal.

Essa via interpretativa, com a exclusão de outras

possibilidades de compreensão em sentido contrário, admissíveis frente à significação variada dos termos e expressões contidas nos dispositivos do Decreto n. 7.777/12, é a única alternativa para se admitir que tais disposições, sem redução textual, tenham consonância com os art. 84, inciso VI, alínea “a”, ao art. 167, incisos I, II, V e VI, e ao art. 37, inciso VII, e da Constituição Federal .

Necessidade de concessão de medida cautelar

O provimento jurisdicional acautelatório, na via estreita do controle concentrado de constitucionalidade, está direcionado a evitar, em caráter antecipatório e provisório, que se concretize dano decorrente dos efeitos jurídicos de normas que, em cognição sumária, se mostrem contrárias ao texto da Constituição Federal.

Nesse sentido, a concessão de medida liminar

pressupõe a plausibilidade da alegação de inconstitucionalidade e o fundado receio de prejuízo resultante do ato normativo impugnado, caso não afastados imediatamente seus efeitos jurídicos.

É o que sucede com o Decreto n. 7.777/12.

Desde o início da vigência do decreto impugnado os gestores federais têm a incumbência de promover os atos necessários aos fins nele especificados, mediante realização de convênios com demais entidades federativas e adoção de procedimentos administrativos simplificados, não obstante o ato normativo presidencial revele, como acima explicitado, múltiplas incompatibilidades com o texto da Constituição Federal.

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Em vista disso, cumpre a este Supremo Tribunal Federal a suspensão, liminarmente, com eficácia ex tunc (art. 11, §1º, in fine, da Lei n. 9.868/99), dos efeitos jurídicos do Decreto n. 7.777/12. Alternativamente, pela técnica da interpretação conforme, em sede cautelar, que a intelecção das disposições do ato normativo presidencial, com exclusão de qualquer outra possibilidade interpretativa em sentido contrário, seja fixada no sentido de que sua incidência não pode resultar em qualquer aumento de despesas públicas, assim como sua aplicação seja condicionada à declaração de ilegalidade da greve dos servidores federais, por decisão judicial.

Pedido e suas especificações

Em face do exposto, requer a parte autora: a) a concessão de medida cautelar , para que sejam

suspensos liminarmente os efeitos jurídicos do Decreto n. 7.777, de 24 de julho de 2012, com eficácia retroativa a partir de sua vigência, em razão da manifesta inconstitucionalidade de suas disposições; ou, pela técnica da interpretação conforme, que a intelecção das disposições do ato normativo presidencial, seja fixada no sentido de que sua incidência, não pode resultar em qualquer aumento de despesas públicas, assim como sua aplicação seja condicionada à declaração, por decisão judicial, de ilegalidade da greve dos servidores federais;

b) que seja ouvida a Presidente da República, para que

preste as informações que entender necessárias acerca do ato normativo impugnado;

c) que sejam ouvidos o Advogado-Geral da União e o

Procurador-Geral da República; d) ao final, que seja julgada procedente a presente ação

e seja declarada a inconstitucionalidade integral do Decreto n. 7.777, de 24 de julho de 2012, com eficácia retroativa desde o início de sua vigência, por violar o art. 61, §1º, inciso II, alíneas “a” e “c”; art. 48 , inciso X; art. 84, inciso VI, alínea “a”; art. 167, incisos I, II, V e VI; art. 37, caput e inciso II; art. 37, inciso VII; art. 9º; art. 5º, §2º; art. 37, inciso IX; e art. 241, todos da Constituição Federal 7;

7 Dispositivos elencados na ordem sequencial da fundamentação.

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e) alternativamente, pela técnica da interpretação conforme , que a intelecção das disposições do ato normativo presidencial, com exclusão de qualquer outra possibilidade interpretativa adversa, seja fixada no sentido de que sua incidência não pode resultar em qualquer aumento de despesas públicas, assim como sua aplicação seja condicionada à declaração de ilegalidade da greve dos servidores federais, por decisão judicial.

Valor da causa: R$ 5.000,00 Brasília, 09 de agosto de 2012.

José Luis Wagner Antonio Rodrigo Machado OAB/DF n. 17.183 OAB/DF n. 34.921 Marcelo Garcia da Cunha Valmir Flo riano Vieira de Andrade OAB/RS 43.016 OA B/DF 26.778