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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO ADOÇÃO POR HOMOSSEXUAIS NO DIREITO BRASILEIRO JÚLIA BEATRIZ BETT DE SÁ Itajaí(SC), 25 de maio de 2009.

ADOÇÃO POR HOMOSSEXUAIS NO DIREITO BRASILEIROsiaibib01.univali.br/pdf/Julia Beatriz Bett de Sa.pdf · “Eterno, é tudo aquilo que dura uma fração de segundos, mas com tamanha

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

ADOÇÃO POR HOMOSSEXUAIS NO DIREITO BRASILEIRO

JÚLIA BEATRIZ BETT DE SÁ

Itajaí(SC), 25 de maio de 2009.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

ADOÇÃO POR HOMOSSEXUAIS NO DIREITO BRASILEIRO

JÚLIA BEATRIZ BETT DE SÁ

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientadora: Professora Msc. MARIA FERNANDA DO AMARAL PEREIRA

GUGELMIN GIRARDI.

Itajaí(SC), 25 de maio de 2009.

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AGRADECIMENTO

A Deus, por ter sido amigo fiel em todas as

horas.

À Professora e Mestre Maria Fernanda, minha

orientadora, pelo auxílio prestado de forma

exemplar, na confecção deste trabalho.

Aos meus pais Júlio e Ivone pela confiança

demonstrada.

Às minhas irmãs Juliana e Juliete pelo carinho

e a todos os meus amigos que contribuíram

direta ou indiretamente para a conclusão

desta etapa.

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DEDICATÓRIA

Este trabalho dedico aos meus pais Júlio e

Ivone por me apoiarem e estarem sempre

presente em minha vida. Amo vocês.

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“Eterno, é tudo aquilo que dura uma fração

de segundos, mas com tamanha

intensidade, que se petrifica, e nenhuma

força jamais o resgata...”

[Mário Quintana]

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a

Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a

Banca Examinadora e a Orientadora de toda e qualquer responsabilidade

acerca do mesmo.

Itajaí(SC), 25 de maio de 2009.

Júlia Beatriz Bett de Sá Graduanda

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade

do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Júlia Beatriz Bett

de Sá, sob o título ADOÇÃO POR HOMOSSEXUAIS NO DIREITO BRASILEIRO,

foi submetida em 18 de junho de 2009 à banca examinadora composta

pelas seguintes professoras: Msc. Maria Fernanda do Amaral Pereira

Gugelmin Girardi (Orientadora e Presidente da Banca) e Msc. Eduardo

Erivelton Campos (Examinador) e, aprovada com a nota _______________.

Itajaí(SC), 25 de maio de 2009.

Professora Msc. Maria Fernanda do Amaral Pereira Gugelmin Girardi

Orientadora e Presidente da Banca

Professor Msc. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Ampl. Ampliada

Art. Artigo

Atual. Atualizada

CC Código Civil

CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Ed. Edição

Min. Ministro

MSc. Mestre

n. Número

p. Página

Rel. Relator

Rev. Revista

v. Volume

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias1 que a Autora considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos

operacionais2.

Adoção

“A adoção constitui um parentesco eletivo, pois decorre exclusivamente

de um ato de vontade. Trata-se da modalidade de filiação construída no

amor, [...] baseando-se, não em fator biológico, mas em fator

sociológico”. 3

Adolescente

“Adolescente, pessoa entre doze e dezoito anos de idade”.4

Adotado

“Adotado ou filho adotivo, é a pessoa que foi escolhida como filho”. 5

Adotante

“Adotante, ou pai adotivo, é a pessoa que toma alguém como filho”.6

1 “Categoria é apalavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia”. (PASSOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. 7 ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2002. p. 40). 2 “Conceito operacional (=cop) é uma definição para uma palavra e/ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos”. (PASSOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. 7 ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2002. p. 56). 3 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 426. 4 BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. Artigo 2. 5 BITTENCOURT, Edgard de Moura. Família. p. 242. 6 BITTENCOURT, Edgard de Moura. Família. p. 242.

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Criança

“Considera-se criança, [...], a pessoa até doze anos de idade incompletos

[...]”.7

Dignidade da Pessoa

“[…] a dignidade da pessoa encontra-se fundado no valor do próprio ser

humano, possuindo íntima e indissolúvel vinculação com os direitos

fundamentais”.8

Família

(...) “é o complexo de normas que regulam a celebração do casamento,

sua validade e os efeitos que dele resultam, as relações pessoais e

econômicas da sociedade conjugal, a dissolução desta, a união estável,

as relações entre pais e filhos, o vínculo de parentesco e os institutos

complementares da tutela e curatela”. 9

Homossexualidade

“As relações sexuais e afetivas entre pessoas do mesmo sexo”.10

Princípio Constitucional

“Os princípios constitucionais são os conteúdos primários diretores do

sistema jurídico-normativo fundamental de um Estado. Dotados de

originalidade e superioridade material sobre todos os conteúdos que

formam o ordenamento constitucional, os valores firmados pela

sociedade são transformados pelo Direito em princípios. São eles, assim,

colunas mestras da grande construção do Direito, cujos fundamentos se

7 BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. Artigo 2º. 8 SILVEIRA, Adriana Bina da. Conflitos de interesses na investigação da paternidade biológica: uma abordagem teórica à luz de princípios constitucionais. p. 46. 9 DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro: direito de família. 19 ed. ver., aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 07. 10 FRY, Peter; MACRAE, Edward. O que é homossexualidade? p. 07.

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afirmam no sistema constitucional”.11

Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

“Tem como núcleo essencial a idéia de que a pessoa humana é um fim

em si mesma, não podendo ser instrumentalizada ou descartada em

função das características que lhe conferem individualmente e imprimem

sua dinâmica pessoal”.12

Princípio da Igualdade

“Igualdade na própria lei , ou seja, não basta que a lei seja aplicada

igualmente para todos. É imprescindível que a lei se considere todos

igualmente [...]”.13

Relação homoafetiva

Relações afetivas entre pessoas do mesmo sexo.

11 ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceitos e princípios constitucionais. pp. 80-81. 12 RIOS, Roger Raupp. A homossexualidade no direito. p. 89. 13 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 60.

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SUMÁRIO

SUMÁRIO......................................................................................... XIII

RESUMO ........................................................................................... XII

INTRODUÇÃO .................................................................................... 1

CAPÍTULO 1........................................................................................ 5

O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E AS ESPÉCIES DE FAMÍLIAS NO DIREITO BRASILEIRO .............................................. 5 1.1 DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: CONCEITUAÇÃO GERAL.....................................................................................................................5 1.1.1 A Consituição da República Federativa do Brasil de 1988 e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana: Algumas Conceituações........................ 7 1.1.2 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana no Direito de Família: Repercussões nas Espécies de Família............................................................10 1.2 ESPÉCIES DE FAMÍLIA.....................................................................................11 1.2.1 Família Matrimonial...................................................................................12 1.2.2 Família Oriunda da União Estável............................................................14 1.2.3 Família Monoparenteal.............................................................................15 1.2.4 Família Substituta.......................................................................................17

O INSTITUTO DA ADOÇÃO NO VIGENTE DIREITO BRASILEIRO........22 2.1 ADOÇÃO: CONCEITO...................................................................................22 2.2 HISTÓRICO DA ORIGEM DO INSTITUTO DA ADOÇÃO.................................24 2.3 ADOÇÃO NA ATUALIDADE: BASES CONCEITUAIS.......................................26 2.4 PRESSUPOSTOS BÁSICOS PARA A ADOÇÃO...............................................28 2.5 PROIBIÇÃO AOS ADOTANTES…....................................................................32 2.6 ESTÁGIO DE CONVIVÊNCIA..........................................................................34 2.7 EFEITOS JURÍDICOS DA ADOÇÃO.................................................................35

HOMOSSEXUALIDADE E A ADOÇÃO NO DIREITO PÁTRIO.............37 3.1 DA HOMOSSEXUALIDADE..............................................................................37 3.1.1 Conceituação e Possíveis Causas da Homossexualidade...................37 3.1.2 O Projeto de Lei nº 1.151/95......................................................................43

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3.2 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A FAMÍLIA HOMOAFETIVA NO BRASIL..................................................................................45 3.2.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana: Conceito.........................48 3.2.2 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana: Previsão Legal no Ordenamento Juídico Brasileiro........................................................................51 3.2.3 Família Homoafetiva..................................................................................54 3.3 ADOÇÃO INFANTO-JUVENIL E O PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE........57 3.4 A ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS..................................................59 3.5 VISÃO JURISPRUDENCIAL DA ADOÇÃO POR HOMOSSEXUAIS E CASAIS HOMOAFETIVOS...................................................................................................64

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................ 66

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ................................................ 69

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RESUMO

A presente pesquisa possui como tema a adoção por homossexuais no

direito brasileiro, valendo-se de abordagem legal e doutrinária. O objetivo

geral da pesquisa é analisar, com base na legislação e doutrina brasileira,

a possibilidade jurídica da adoção de crianças e/ou adolescentes por

homossexuais. Constituem objetivos específicos: verificar os tipos de família

juridicamente reconhecidos pelo direito pátrio, à luz do princípio da

dignidade da pessoa humana; obter dados históricos e atuais sobre o

instituto da adoção, com base na doutrina e legislação brasileira; analisar

a possibilidade jurídica da adoção de crianças e/ou adolescentes por

pessoas homossexuais e por casais vivem em uniões homoafetivas,

segundo a legislação e doutrina pátria. Quanto à Metodologia

empregada, registra-se que, na Fase de Investigação foi utilizado o

Método Indutivo. Ao final, observou-se que as uniões homoafetivas,

embora existentes em nossa sociedade há muito tempo, começam a ser

reconhecidas, juridicamente, como famílias ou entidades familiares. Sendo

assim, o não deferimento da adoção, tendo como único impedimento a

opção sexual do adotante ou dos adotantes, encontra-se calçado no

preconceito. Há menos entraves legais ao deferimento da adoção de um

menor a um adotante homossexual do que a um casal homoafetivo.

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto o estudo da adoção

por homossexuais no direito brasileiro, com base nos princípios insertos na

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a Lei Ordinária

Federal n°. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, bem como as leis esparsas

referentes ao assunto abordado, doutrina e, também, de maneira

ilustrativa, entendimentos jurisprudenciais acerca da matéria.

O objetivo institucional deste trabalho é produzir a presente

Monografia para a obtenção do título de Bacharel em Direito, pela

Universidade do Vale do Itajaí.

O objetivo geral da pesquisa é analisar, com base na

legislação e doutrina brasileira, a possibilidade jurídica da adoção de

crianças e/ou adolescentes por homossexuais. Constituem objetivos

específicos: verificar os tipos de família juridicamente reconhecidos pelo

direito pátrio, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana; obter

dados históricos e atuais sobre o instituto da adoção, com base na

doutrina e legislação brasileira; analisar a possibilidade jurídica da adoção

de crianças e/ou adolescentes por pessoas homossexuais e por casais

vivem em uniões homoafetivas, segundo a legislação e doutrina pátria.

O tema é atual e instigante, pois reflete a realidade sócio-

afetiva contemporânea e, em contra-partida, conflitos de ordem moral e

religiosa, o que faz com que não exista, ainda, posicionamento

sedimentado sobre a matéria.

De uma forma sucinta, o presente trabalho pretende

apresentar um estudo a respeito do direito da criança e do adolescente à

adoção por pessoas que mantém relação homoafetiva.

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Para essa pesquisa foram levantados os seguintes problemas:

a) É juridicamente reconhecida como família aquela

formada por pessoas do mesmo sexo, ou seja, a união homoafetiva?

b) O não deferimento da adoção de crianças e/ou

adolescentes a pessoas que mantêm uma relação homoafetiva fere

algum princípio constitucional?

c) É possível, no Brasil, a adoção de crianças/adolescentes

por pessoas homossexuais ou por casais homoafetivos?

Buscando respostas para estes problemas, foram levantadas

as seguintes hipóteses:

a) As uniões homoafetivas, embora existentes em nossa

sociedade, não são reconhecidas, juridicamente, como famílias ou

entidades familiares.

b) O não deferimento da adoção, tendo como único

impedimento a opção sexual do adotante ou dos adotantes, encontra-se

calçado no preconceito. Desta forma, fere princípio da dignidade da

pessoa humana e o princípio da convivência familiar, já que impede o

adotando (criança ou adolescente) de ter uma família.

c) A adoção de menores por pessoas que tenham

orientação sexual homossexual é possível. A adoção, conjunta, por

pessoas do mesmo sexo não é permitida no Brasil.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase

de Investigação foi utilizado o Método Indutivo.14Nas diversas fases da

14 Base lógica da dinâmica da Pesquisa Científica que consiste em pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral. (PASOLD, Luiz César. Prática da pesquisa jurídica, 2005. p. 238.)

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Pesquisa, foram acionadas as Técnicas do Referente15, da Categoria16, do

Conceito Operacional17 e da Pesquisa Bibliográfica.18

O presente estudo foi dividido em três capítulos. No primeiro,

foi feito um estudo sobre o princípio da dignidade da pessoa humana e as

espécies de famílias no direito brasileiro, bem como a Constituição da

República Federativa do Brasil de 1988, o direito da família e o vínculo

destes com o princípio da dignidade da pessoa humana e, ainda, serão

abordadas as espécies de famílias, tais como: matrimonial, oriunda da

união estável, monoparental e substituta.

O instituto da adoção no direito brasileiro foi abordado, de

maneira abrangente, no segundo capítulo, destacando-se seu conceito,

o histórico, os pressupostos básicos para a adoção, a proibição aos

adotantes, o estágio de convivência e os efeitos jurídicos da adoção.

No último capítulo foi estudado, de forma específica, o objeto

da presente pesquisa, através de vários entendimentos doutrinários,

apontando-se decisões sobre o assunto, enfocando o conceito de

relação homoafetiva, o direito da criança e do adolescente à adoção,

baseado nos princípios constitucionais brasileiros, no princípio da

dignidade da pessoa humana e da igualdade.

Após a exposição dos capítulos, passa-se às considerações

finais, em que será apresentada breve síntese de cada capítulo e as

15 Explicação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa. (PASOLD, Luiz César. Prática da pesquisa jurídica, 2005. p. 241.) 16 Palavra ou expressão estratégica à elaboração e ou à expressão de uma idéia. (PASOLD, Luiz César. Prática da pesquisa jurídica, 2005. p. 229.) 17 Definição estabelecida ou proposta para uma palavra ou expressão, com o propósito de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias expostas. (PASOLD, Luiz César. Prática da pesquisa jurídica, 2005. p. 229.) 18 Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. (PASOLD, Luiz César. Prática da pesquisa jurídica, 2005. p. 239.)

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demonstrações sobre as hipóteses básicas da pesquisa, e se foram ou não

confirmadas.

O que se procura demonstrar com essa pesquisa, não tem

caráter e intuito de esclarecer o tema, é a necessidade de se obter um

maior conhecimento sobre esse assunto para poder efetivar-se a adoção,

sob um novo prisma referente ao bem estar da criança e do adolescente

e obtendo-se reais vantagens ao adotando.

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CAPÍTULO 1

O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E AS ESPÉCIES

DE FAMÍLIAS NO DIREITO BRASILEIRO

1.1 DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: CONCEITUAÇÃO

GERAL

Os direitos humanos, em sua concepção atualmente

conhecida, surgiram como produtos da fusão de várias fontes, desde

tradições arraigadas nas diversas civilizações, até a conjunção dos

pensamentos filosófico-jurídicos, das idéias surgidas com o cristianismo e

com o direito natural. 19

O princípio da dignidade da pessoa humana é uma

qualidade essencial e particular de cada ser humano que o faz digno do

mesmo respeito e apreço por parte do Estado e da comunidade,

provocando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres

fundamentais que garantem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato

de cunho humilhante e desumano, como venham a lhe garantir as

condições existenciais mínimas para uma vida saudável.

Os princípios constitucionais são os pontos mais

importantes do sistema normativo. “Eles são verdadeiras vigas mestras,

alicerces sobre os quais se constrói o sistema jurídico”.20

19 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 4º ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 19. 20 NUNES, Rizzatto. O Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 37

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Os princípios constitucionais estão no posto mais alto na

escala normativa, eles são as normas supremas do ordenamento jurídico.

Servem de critérios para a avaliação de todos os conteúdos normativos.

Os princípios “recebem como instância valorativa máxima categoria

constitucional, rodeada do prestígio e da hegemonia que se confere às

normas inseridas na Lei das Leis”21. Em outras palavras, os princípios

constitucionais são as normas das normas.

Lisboa comenta que “o Princípio da dignidade humana é

objetivo fundamental da República que deve ser observado em todas as

relações jurídicas públicas ou privadas”.22

A dignidade da pessoa humana é o meio fundamental dos

direitos fundamentais, a fonte jurídico-positiva dos direitos constitucionais,

a fonte ética, que atribui unidade de sentido, de valor e de consentimento

prático, a norma dos direitos fundamentais.

Rios23 assim enuncia a respeito do princípio da dignidade

humana:

Tem como núcleo essencial a idéia de que a pessoa humana é um

fim em si mesma, não podendo ser instrumentalizada ou descartada

em função das características que lhe conferem individualidade e

imprimem sua dinâmica pessoal.

A idéia da dignidade da pessoa humana não pode se separar

da idéia de liberdade, de que todas as pessoas são livres para

21 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 21 ed São Paulo: Malheiros Editores, 2007. p. 290. 22 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil. 2 ed. rev. e atual. Em conformidade com o novo código civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. 23 RIOS, Roger Raupp. A homossexualidade no direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado , Esmafe, 2001. p. 89.

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determinarem seus atos e, também de que são iguais entre si. “Todos os

seres humanos, no que diz a sua natureza, são iguais em dignidade.”24

A dignidade da pessoa humana é um princípio de

importância significativa, porque acaba refletindo sobre todo

ordenamento jurídico.

Para Mello25, “a proteção da dignidade da pessoa humana

por meio de um sistema de direitos fundamentais sintetiza a idéia de ‘vida

boa’ para o homem e para a comunidade em uma democracia

constitucional, idéia essa que é voltada para alcançar o máximo de

preservação da subjetividade (da pessoa humana) com o máximo da

participação nos valores comunitários”.

Defende-se, então, que a pessoa humana, enquanto valor, e

o princípio correspondente, de que aqui se trata, é absoluto, e há de

prevalecer, sempre, sobre qualquer outro valor ou princípio.

1.1.1 A Constituição da República Federativa do Brasil de 198826 e o

princípio da pessoa humana: algumas considerações

O princípio da dignidade da pessoa humana está afirmado

no primeiro artigo da Constituição Federal de 1998, é fundante do Estado

Democrático de Direito.

Assim prescreve o artigo 1º da Constituição Federal de 1988:

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união

indissolúvel dos estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-

se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento:

24SARLE, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. 5 ed. Porto alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 30 25 MELLO, Cláudio Ari. Democracia Constitucional e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004. p. 137. 26 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, doravante denominada Constituição Federal de 1988.

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I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

(...).

Para Dias27, “é um macroprincípio do qual se irradiam todos os

demais: liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade, e

solidariedade, uma coleção de princípios éticos”.

Nunes28 esclarece que o principal direito fundamental

constitucionalmente garantido, é o da dignidade da pessoa humana:

É ela, a dignidade, o primeiro fundamento de todo o sistema

constitucional posto e o último arcabouço da guarida dos direitos

individuais. A isonomia serve, é verdade, para gerar equilíbrio real,

porém visando concretizar o direito à dignidade. É a dignidade que

dá a direção, o comando a ser considerado primeiramente pelo

intérprete. (...).

Sobre a justificação desse princípio, Silveira29 aduz que “o

conceito operacional do princípio da dignidade da pessoa encontra-se

fundado no valor do próprio ser humano, possuindo íntima e indissolúvel

vinculação com os direitos fundamentais”.

A essência do princípio da dignidade da pessoa humana, diz

Dias30, é difícil de prender em palavras, mas acontece sobre uma grande

porção de circunstâncias. Talvez possa ser identificado como sendo o

princípio de manifestação primeira dos valores constitucionais.

27 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 2 edição. rev. Porto Alegre : Livraria do Advogado Editora , 2005. p.57. 28 NUNES, Rizzatto. O Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 55. 29 SILVEIRA, Adriana Bina da. Conflitos de interesse na investigação da paternidade biológica: uma abordagem teórica à luz de princípios constitucionais. Univali: 2002. p.46. 30 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4 ed. rev., atual e ampl. 3.tir São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p.59.

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Sua essência é difícil de ser capturada em palavras, mas

incide sobre uma infinidade de situações que dificilmente se podem

elencar de antemão. Talvez possa ser identificado como sendo o princípio

de manifestação primeira dos valores constitucionais, carregado de

sentimentos e emoções. É impossível uma compreensão exclusivamente

intelectual e, como todos os outros princípios, também é sentido e

experimentado no plano dos afetos.31

Ao se desrespeitar um indivíduo por causa da sua opção

sexual está se ferindo o princípio da dignidade da pessoa humana como

se depreende do comentário de Dias32:

Qualquer discriminação baseada na orientação sexual do indivíduo

configura claro desrespeito à Constituição Federal. Infundados

preceitos não podem legitimar restrições a direitos, o que acaba

por fortalecer estigmas sociais e causar sentimentos de rejeição,

sendo fonte de sofrimento a quem não teve a liberdade de

escolher nem mesmo o destino de sua vida. Ventilar-se a

possibilidade de desrespeito ou prejuízos a um ser humano, em

função da orientação sexual, significa dispensar tratamento indigno

a um ser humano. Não se pode, simplesmente, ignorar a condição

pessoal do indivíduo (na qual, sem sombra de dúvida, inclui-se a

orientação sexual), como se tal aspecto não tivesse relação com a

dignidade humana.

Se a Constituição Federal de 1988 diz que a dignidade da

pessoa humana é fundamento da República Federativa do Brasil, importa

concluir que o Estado existe em função de todas as pessoas e não estas

em função do Estado. Aliás, a Constituição Federal de 1988, para reforçar

a idéia anterior, colocou, topograficamente, o capítulo dos direitos

fundamentais antes da organização do Estado.

31 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4 ed. rev., atual e ampl. 3.tir São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p.59. 32 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2001. p. 87.

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Assim, toda e qualquer ação do Estado deve ser avaliada,

como inconstitucional se violar o princípio da dignidade da pessoa

humana.

1.1.2 O princípio da dignidade da pessoa humana no Direito de Família:

repercussões nas espécies de famílias

Pereira ressalva que houve uma grande revolução nas leis até

o ordenamento vigente, atingindo, “o novo conceito de família e

respeitados os princípios da dignidade da pessoa humana, da cidadania,

da positivação e efetivação dos direitos humanos, familiares ou

pessoais”.33

Para Dias34: “A dignidade da pessoa humana encontra na

família o solo apropriado para florescer. A ordem constitucional dá

especial proteção à família, independente de sua origem”.

A Constituição Federal de 1988 não presume em rol taxativo o

que é família, porém em rol puramente exemplificativo: casamento, união

estável e família monoparental, conforme prescreve o artigo 226, da

seguinte maneira:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do

Estado.

§ 1º. O casamento é civil e gratuita a celebração.

§ 2º. O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3º. Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união

estável entre o homem e a mulher como entidade familiar,

devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento.

33 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Afeta, ética, família e o novo código civil. Belo Horizonte: Del Rey , 2004. p. 391. 34 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4 ed. rev., atual e ampl. 3.tir São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p.60

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§ 4º. Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade

formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

(...).

A família é um acontecimento social e não deve ser nem

determinado e nem classificado em apontamento exaustivo pelo Estado,

porém reconhecida por este. A família é composta por uma junção

afetiva entre pessoas, e não pelo caráter frio de uma norma

preestabelecida.

Para Cairo35:

A admissão da família moderna no tecido normativo brasileiro

ocorreu com o advento da Constitucional Federal de 1988 que, a

partir dos artigos 226 e parágrafos, constatou normativamente e por

intermédio dos princípios constitucionais que as formas e as

organizações familiares são plurais e são consubstanciadas mais na

solidariedade e assistência mútua dos seus integrantes do que no

comando da lei. O teor do texto constitucional, no que tange ao

direito de família legitimou e reconheceu juridicamente o que a

vida cotidiana na sociedade há muito tempo já expressava:

múltiplas formas de entidade familiar, onde o lar é o lugar de abrigo

e da manifestação do afeto entre seus membros. O modelo clássico

de família, assim, vai sendo substituído pela concepção do modelo

contemporâneo de família.

Direito de Família estabelece um dos campos do Direito que

mais sofreu alterações ao longo do desenvolvimento das relações

políticas, econômicas e sociais ocorridas em todo o mundo ocidental, até

mesmo no Brasil. Isso porque, a família tem sua importância reformulada

de acordo com a mutação de cultura, e sua importância na sociedade.

1.2. ESPÉCIES DE FAMÍLIAS

35 Cairo, Maria Claudia. “A legalidade da adoção nas unidades homoafetivas.” Disponível em <http://www.fdc.br/Arquivos/Mestrado/Dissertacoes/Integra/. Acessado 24/10/2008>.

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1.2.1 Família matrimonial

Esta entidade familiar se origina do pacto de união dos

cônjuges. O casamento que nasce deste pacto de amor matrimonial, não

é uma idéia do poder público, mas uma instituição natural e oriunda que

o sucede.

Segundo o artigo 226, da Constituição Federal de 1988,

“família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. O

casamento é civil e gratuito a celebração”.

A família e a vida compõem uma adequada união que

necessita ser resguardada pela sociedade, posto que é o centro vivo do

ciclo (procriação e educação) das gerações humanas.

Ressalta-se que, de acordo com o artigo 1.511, do Código

Civil de 2002, “o casamento estabelece comunhão plena de vida, com

base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”.

O matrimônio e a família cobrem um interesse público e são

núcleos essenciais da sociedade e do Estado e, como tal, precisam ser

adotados e protegidos.

Nessa esteira, notando a modificação do entendimento de

família, a Constituição Federal de 1988, admitiu expressamente como

entidades familiares: o casamento, a união estável entre o homem e a

mulher (art. 226, § 3º, CRFB/88) e a comunidade formada por qualquer dos

pais e seus descendentes (art. 226, § 4º, CRFB/88), esta última chamada,

elos estudiosos do direito, de família monoparental. O casamento,

portanto deixa de ser a única fonte legitimadora do núcleo familiar.36

36 Cairo, Maria Claudia. “A legalidade da adoção nas unidades homoafetivas.” Disponível em <http://www.fdc.br/Arquivos/Mestrado/Dissertacoes/Integra/. Acessado 24/10/2008>.

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Segundo Dias37:

O casamento gera o que se chama de estado matrimonial, no qual

os nubentes ingressam por vontade própria, por meio da chancela

estatal. Historicamente, sempre se reconheceu que a constituição

da família nasce da lei que celebra o casamento assegura direitos e

impõe deveres no campo pessoal e patrimonial.

De acordo com as finalidades do casamento, Venosa38 assim

as define:

Quanto às múltiplas finalidades do matrimônio, situam-se mais no

plano sociológico do que no jurídico. Conforme estabelecido

tradicionalmente pelo Direito Canônico, o casamento tem por

finalidade a procriação e educação da prole, bem como a mútua

assistência e satisfação sexual, tudo se resumindo na comunhão da

vida e de interesses.

O casamento objetiva um convívio de auxílio e de relação

entre os cônjuges, uma conexão física e psíquica, além da concepção

dos filhos.

Segundo Venosa39:

Para que exista casamento válido e eficaz é necessário que se

reúnam pressupostos de fundo e forma. A diversidade de sexos é

fundamental para a sua existência, bem como o consentimento, ou

seja a manifestação da vontade. A ausência desses pressupostos

induz a inexistência, ou seja, a manifestação da vontade. A

ausência desses pressupostos induz a inexistência do ato, cujas

conseqüências são as de nulidade em nosso sistema, Os vícios de

consentimento, por aplicação em regra geral, tornam o negócio

anulável. Há outros requisitos impostos pela lei cuja desobediência

ocasionam sanções menos graves sem anular o ato.

37 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p.138. 38 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2003. 39 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. p. 42.

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No matrimônio, um homem e uma mulher formam entre si uma

união de toda vida, composta pelo seu próprio temperamento natural, ao

bem dos cônjuges e à geração e educação da prole.

1.2.2 Família oriunda da união estável

Consoante o que dispõe o artigo 226, parágrafo 3º, da

Constituição Federal de 1988, o Estado, como forma de proteção,

reconhece “a união estável entre o homem e a mulher como entidade

familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.

A União estável é a afinidade de convívio entre o homem e a

mulher com a finalidade de composição familiar. Não é imprescindível

que vivam juntos, ou seja, podem até ter outros lares, mas será

caracterizada a união estável, desde que existam dados que a

comprovam como, por exemplo, a existência de filhos.

Caracteriza-se união estável por uma situação de fato em

que um homem e uma mulher convivem como se casados fossem, de

modo público, contínuo e duradouro, com o objetivo de constituir família,

no entendimento de Fuhrer40.

Ela surge da afeição entre os companheiros, sem limite certo

para durar. Entretanto, a convivência pública não especifica a união

familiar, porém apenas leva a informação de todos, já que o casal vive

com relacionamento social, apresentando-se como esposo e esposa.

Para Lisboa41:

[...] a união estável é a relação íntima e informal, prolongada no

tempo e assemelhada ao vínculo decorrente do casamento civil,

40 FUHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Resumo de direito civil. 30 ed. Malheiros Editores, 2004. p.116. 41 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, volume 5: direito de família e das sucessões. 3.ed, ver., atual. e ampl. Da 2ª edição do livro Manual elementar de direito civil, volume 5 – Direito da família e das sucessões – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p. 213.

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entre sujeitos de sexos diversos (conviventes ou companheiros), que

não possuem qualquer impedimento matrimonial entre si.

O companheiro em união estável tem deveres e direitos gerais

iguais, como: lealdade, consideração, amparo, sustento e educação dos

filhos. Além disso, a lei garante direito à pensão alimentícia, nos moldes

dos artigos 1.694 e 1.724, do Código Civil de 2002.

O acordo de convívio formalizado entre o casal, é prova

satisfatória para a união estável, necessitando conter todos os pontos do

patrimônio do casal. Poderão finalizar suas vidas sem alguma oficialidade

à relação, caso apresentem bens contraídos na constância da união

estável, assim como, filhos, estes poderão ser definidos numa ação de

reconhecimento e dissolução da união estável.

1.2.3 Família monoparental

Família monoparental é a definida na Constituição Federal de

1988, no artigo 226, parágrafo 4º, como sendo a “comunidade formada

por qualquer dos pais e seus descendentes”.

Segundo Dias42:

Esse núcleos familiares passam a ser nominados de famílias

monoparentais, para ressaltar a presença de somente um dos pais

na titularidade do vínculo familiar. A expressão é pertinente, pois

não se pode negar caráter familiar à união de afeto que

caracteriza as entidades com somente uma parentalidade.

As famílias constituídas por um dos pais e seus descendentes

organizam-se pela vontade de assumir a maternidade ou paternidade

sem a participação do outro genitor, quanto por circunstâncias alheias à

vontade humana, entre as quais a morte, a separação, o abandono.

O marco se popularizou com o aumento de lares com apenas

um dos pais, para dar um caráter de formalidade a este novo "modelo de

família", que seria tão certo como a "família tradicional".

42 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 195.

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Lisboa43 ensina que: “A prova da constituição da relação

monoparental é bastante simples, tornando-se suficiente a juntada das

certidões de nascimento que demonstram o vínculo familiar entre os

interessados”.

De acordo com Coelho44:

Diversas razões podem levar à constituição da família

monoparental: a pessoa ter filhos, mas prefere ficar solteira a se

casar ou constituir união estável, após a separação ou divórcio, os

filhos ficam sob a guarda de um dos ex-cônjuges, tendo o outro se

afastado do convívio com eles; o celibatário adota uma criança; a

celibatária recebe em seu útero embrião fecundado in vitro; o

estado de viuvez se prolonga, contendo-se o viúvo ou viúva em

permanecer familiarmente ligado apenas aos seus descendentes; a

mulher engravida de modo acidental, mas não tem nenhuma

vontade de se vincular maritalmente ao pai do nenê etc.

A família monoparental é comandada, na maior parte, pela

mulher, e essa situação mostra mais uma face desonesta de nossa

realidade social, de modo que a discriminação do mercado de trabalho

induz as mulheres a arcar com a necessidade de sustentar os filhos e de

aceitar menores remunerações.

No entendimento do Dias45 “essas entidades familiares

necessitam de especial atenção, principalmente porque a mulher arca

sozinha com as despesas da família e é sabido que recebe salário menor

do que o homem”.

Tempos atrás, a sociedade associou a monoparentalidade

como uma frustação pessoal, entretanto, o que antigamente era vivido

como uma imposição, hoje em dia mostra-se como uma opção livre. 43 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil. 2 ed. rev. e atual. Em conformidade com o novo código civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 154 44 COELHO, Fábio Ulhoa.Curso de direito civil, volume 5. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 133. 45 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4 ed. rev., atual e ampl. 3.tir. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

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Para Dias46:

Os fatores decorrentes do fenômeno da monoparentalidade cada

vez mais se mostrem como decisão de um dos membros da família,

quer na ruptura da vida matrimonial, quer na opção por uma forma

de união livre quer na decisão de ter um filho sozinho.

Esse tipo de família tem sua estrutura mais delicada, pois

quem vive sozinho com seus filhos acaba tendo responsabilidades

redobradas, tendo que lutar pelo sustento da família. Assim, imperioso que

o Estado atenda a tais peculiaridades e dispense proteção especial a

esses núcleos familiares. É necessário privilegiá-los por meio de políticas

públicas como, por exemplo, dar-lhes preferência ao realizar

assentamentos. Também na hora de comprovar renda para a aquisição

da casa própria é preciso atentar à peculiaridade de haver somente uma

fonte de rendimento.47

1.2.4 Família substituta

Família substituta é aquela que se propõe ocasionar para

dentro da própria casa, uma criança ou um adolescente que, por algum

caso, foi carente da família natural, para que faça parte complementar

dela. Tratando-se de adoção, passará a ter todos os direitos e deveres do

filho de sangue. Até porque a Adoção é para sempre.

Rizzardo48 comenta que:

Há determinadas situações em que o menor é retirado de sua

família natural e colocado em outra família, no seu interesse ou

conveniência, a qual passa a integrar. Procede-se esta

transferência por necessidade do próprio menor. Muitos fatores

podem determinar o ingresso em nova família, como perda do

poder familiar dos pais, o abandono do menor, ou a simples entrega

pelos pais sangüíneos.

46 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 195. 47 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 195. 48 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. 3ed. Rio de Janeiro: editora Forense, 2005. p.563.

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Para Gonçalves49:

A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela

ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou

adolescente, nos termos desta Lei. §1º Sempre que possível, a

criança ou adolescente deverá ser previamente ouvido e a sua

opinião devidamente considerada. §2 Na apreciação do pedido

levar-se-á em conta o grau de parentesco e a relação de

afinidade, a fim de evitar ou minorar as conseqüências decorrentes

da medida.

Explica Sznick50 que “o que se leva em conta, desde logo, na

colocação da criança na família substituta é a necessidade da criança e

a urgência da medida a ser tomada, providenciando, a pronta

colocação e, examinando-se, ao depois, a real situação jurídica da

criança”.

A família substituta necessita garantir suficiente abrigo à

criança ou ao adolescente.

A guarda sujeita à prestação de assistência material, moral e

educacional à criança ou adolescente. Para Venosa51, “a guarda é a

modalidade mais simples de colocação em família substituta; não suprime

o poder familiar dos pais biológicos”.

Alves52 discorre que: “a guarda pode ser deferida a qualquer

pessoa maior e capaz que não revele incompatibilidade com a medida.

Excetuam-se tutores e pais – que já exercem por força de Lei – e os

estrangeiros residentes ou domiciliados fora do país”.

49 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 5. 50 SZNICK, Valdir. Adoção. 2ed. São Paulo: livraria e editora universitária de direito Ltda, 1993. p.217. 51 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 3 ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2003. p.329. v. 6 52 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da infância e da juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. p.20

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A guarda não implica na interrupção, destituição ou extinção

do poder familiar, precisando os pais proporcionar sustento e também não

remover o direito de visitas ao menor.

Comenta Sznick53:

(...) muitas vezes levadas pela necessidade, a guarda tem como

objetivo, pelo menos preliminarmente, como finalidade regularizar

situações de menores já existentes, ou seja, regularizar situações de

fato que, sem a guarda, são situações irregulares.

Rizzardo54 explica que:

A guarda envolve certa autoridade ou um poder de controle, na

pessoa e na conduta do menor. Além disso, assegura o direito de

estabelecer seu domicílio legal, de permitir que permaneça com

terceira pessoa, de orientar e impor o comportamento, de restringir

as relações sociais, de obrigar a formação escolar e profissional.

Enfim, acarreta o dever de desenvolver o espírito e as atitudes

sadias da criança e do adolescente, incutindo no espírito o sentido

do bem, do justo e de perspectivas de se tornar um elemento útil à

sociedade.

Tutela é o instituto que tende adaptar o menor em situação

de abandono decorrente da carência do poder familiar, amparo pessoal

e a administração de seus bens, por nomeação judicial de pessoa capaz,

objetivando atender o melhor do menor.

Enfatiza Venosa55: “para assistência e proteção de menores

que não estão sob autoridade dos pais, o ordenamento estrutura a tutela,

instituto pelo qual uma pessoa maior e capaz é investida dos poderes

necessários para a proteção do menor. A tutela é utilizada quando o

53 SZNICK, Valdir. Adoção. 2 ed. São Paulo: livraria e editora universitária de direito Ltda, 1993. p. 229. 54 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. 3 ed. Rio de Janeiro: editora Forense, 2005. 55 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 3 ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2003. v. 6.

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menor não tem pais conhecidos ou forem falecidos e quando os genitores

forem suspensos ou destituídos do pátrio poder”.

Tutela é a supressão da falta de capacidade de menores aos

quais tenham os pais falecido ou encontram-se ausentes ou estejam

derrubados do poder familiar.

Como explica Alves56:

(...) destina-se a tutela a conferir ao tutor a representação legal do

incapaz, nos casos de falecimento a conferir ao tutor a

representação legal do incapaz, nos casos de falecimento ou

ausência dos pais ou de falta de poder familiar. Por isso mesmo,

exige previa suspensão ou extinção do poder familiar.

Rizzardo57 menciona quais são “as três modalidades de tutela:

a testamentária, instituída por ato de última vontade; a legítima, que

decorre de lei, incumbindo-a a parentes até determinado grau; e a

dativa, que advém de sentença ou de decisão judicial”.

A curatela, por sua vez, é o instituto jurídico pelo qual o juiz

escolhe uma pessoa, chamada Curador, com a intenção de conduzir os

interesses de outrem que se acha incapaz de fazê-lo.

Segundo Lisboa58 a “curatela é instituto suplementar ao poder

familiar cujo objetivo é o exercício de atividade assecuratória dos

interesses pessoais e econômicos do incapaz, por motivos diversos da

idade cronológica”.

56 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da infância e da juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. 57 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. 3ed. Rio de Janeiro: editora Forense, 2005 58 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil. 2 ed. rev. e atual. Em conformidade com o novo código civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p.175.

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Além disso, a curatela possui a finalidade de defesa da

pessoa e do patrimônio do curatelado, porém, pode se limitar aos bens ou

a determinado negócio do pupilo, na visão de Lisboa59.

Observados os Princípios da Dignidade de Pessoa Humana e

as espécies de família, no capítulo que segue será apresentado o instituto

da adoção no atual direito pátrio.

59 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil. p. 175.

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CAPÍTULO 2

O INSTITUTO DA ADOÇÃO NO VIGENTE DIREITO BRASILEIRO

2.1 ADOÇÃO: CONCEITO

Na vida moderna ocorrem várias motivações diferentes

relativas à adoção. Segundo Pereira60, a motivação mais comum é a idéia

de “ensejar aos que não tem filhos, particularmente aos casais sem prole,

empregar num estranho a sua carga afetiva. Acresce ainda um interesse

público em propiciar à infância desvalida e infeliz a obtenção de lar e

assistência”.

O número de casais ou pessoas que querem adotar vem

aumentando e, também, daqueles que criam os filhos de outrem com

seus. Bittencourt61 ressalta que os pais de criação sofrem aflições com o

receio de perderem a criança, mais por desconhecimento do direito.

Para Matias e Salem62: “Adoção, conforme definição

amplamente aceita, é o ato jurídico por meio do qual alguém aceita,

como seu, filho de outra pessoa”.

Pereira63 complementa: “A adoção é, pois, o ato jurídico pelo

qual uma pessoa recebe outra como filho, independentemente de existir

entre elas qualquer relação de parentesco consangüíneo ou afim”.

60 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 16 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2007. p. 390. v. 5. 61 BITTENCOURT, Edgard de Moura. Família. 5 ed. rev. atual. Campina: Milleniun, 2003. p. 219. 62 MATIAS, Artur J. Jacon; SALEM, Luciano Rossignolli. Prática forense no Direito de Família. 4 ed. Campinas: Milleniun, 2004. p. 3.

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Nos dias atuais, a adoção está voltada para a pessoa do

adotado e seu bem-estar. Peres64 propugna que o Estado tem o interesse

em inserir crianças carentes ou em estado de abandono num ambiente

familiar, para sua segurança e proteção.

A adoção, segundo Freitas65, é o procedimento definitivo de

colocação do infante em uma família substituta, a qual “atribui a

condição de filho adotado, com os mesmos diretos e deveres, inclusive

sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com os pais e parentes [...]”.

Diniz66 conceitua adoção como sendo:

O ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais,

alguém estabelece, independente de qualquer relação de

parentesco consangüíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação,

trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que,

geralmente lhe é estranha. Dá origem, portanto, a uma relação

jurídica de parentesco civil entre adotante de adotado. É uma

filiação legal que possibilita que se constitua entre o adotante e

adotado um laço de parentesco de 1º grau na linha reta.

Limas67, apud Weber esclarece que:

Em todos os tempos e em todas as civilizações, existiram e sempre

existirão mães que, por inúmeras razões, abandonam ou entregam

seus filhos, a pessoas estranhas que não querem, ou não podem ter

filhos [...]. Mas, também, existem muitas crianças que ficam sem pais

biológicos ou sem alguém que fique responsável por eles. Então,

diante dessas situações, a sociedade em geral criou [...] maneiras

de implementar outros tipos de relações familiares que não são as

63 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. V.5. 16 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2007. p. 392. 64 PERES, Ana Paula Barion. Adoção por homossexuais: fronteiras da família na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 67. 65 FREITAS, Douglas Philips. Curso de Direito de Família. Florianópolis: Vox Legem, 2004. p. 238. 66 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. v. 5. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 423. 67 LIMAS, Monica Francine de. As possibilidades de adoção no ordenamento jurídico brasileiro e suas conseqüências: uma abordagem doutrinária e jurisprudencial.Brusque: Unifeb, 2006. p. 5.

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24

biológicas [...]. Relações estas visam, principalmente, proteger a

criança em torno de seu melhor interesse.

Tem-se, também, por adoção, o conceito utilizado por

Venosa68:

A adoção moderna é, portanto, um ato ou negócio jurídico que

cria relações de paternidade e filiação entre duas pessoas. O ato

da adoção faz com que uma pessoa passe a gozar do estado de

filho de outra pessoa, independentemente do vínculo biológico.

Para Dias69, “a adoção constitui um parentesco eletivo, pois

decorre exclusivamente de um ato de vontade. Trata-se da modalidade

de filiação construída no amor, [...] baseando-se, não em fator biológico,

mas em fator sociológico”.

Finalizando Diniz70 explica que a adoção é “um vínculo de

parentesco civil, em linha reta estabelecendo entre o adotante, ou

adotantes, e o adotado um liame legal de paternidade e filiação civil”.

Após breves comentários sobre o conceito de adoção,

abordar-se-á, a seguir, sobre a origem da adoção.

2.2 HISTÓRICO DA ORIGEM DO INSTITUTO DA ADOÇÃO

A adoção surgiu nos povos antigos, em virtude da

necessidade de um continuador do culto doméstico aos deuses familiares.

Criando então, para isso, situações jurídicas especiais destinadas a

assegurar esse continuador a quem não tivesse descendentes. Uma das

maneiras mais difundidas foi a adoção, que funcionava como uma fictio

68 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 315. 69 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 2 ed. rev. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004. p. 426. 70 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. v. 5. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 416.

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iuris, pela qual uma pessoa recebia na família um estranho na qualidade

de filho, segundo Pereira.71

Foi na Roma Antiga que o instituto da adoção teve sua

intensidade, assim como sua difusão, descobrindo, na adoção uma

disciplina metódica e um ordenamento maior, em todos os tempos até o

período de nossos dias.

A forma pela qual a civilização romana antiga se estruturava

religiosa e socialmente beneficiou o desenvolvimento e a plenitude dos

efeitos da adoção.

O Direito Romano Clássico distinguiu as modalidades de

adoção que são: adoção testamentária, ad-rogação e adoção

propriamente dita.

De acordo com Peres72:

O Direito Romano conheceu três modalidades de adoção: 1ª)

adoção testamentária (ad optio per testamentum), que se

destinava a produzir efeitos após a morte do testador, sendo

necessária a confirmação da cúria ; 2ª) ad-rogação (ad rogatio),

pela qual o adotado capaz se desligava de sua família de origem e

se tornava um herdeiro de culto do adotante, havendo o

consentimento de ambos ; 3ª) adoção propriamente dita (datio

adoptionem), pela qual o incapaz se desligava de sua família de

origem, sendo necessário que seu pai de sangue o emancipasse

por três vezes, na presença do adotante. O pátrio poder se

extinguia em relação ao pai biológico e passava para o adotante,

que iniciava o incapaz nas práticas religiosas.

Conforme Bandeira73:

71 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. V.5. 16 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2007. p. 387. 72 PERES, Ana Paula Ariston Barion. A adoção por homossexuais: fronteiras da família na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. 73 BANDEIRA, Marcos. A adoção na prática forence. Ilhéus :Editus, 2001.

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A ad rogatio foi utilizada como arma política, pois se trata de meio

utilizado para perpetuar-se o poder, o que fez com que as pessoas

influentes adotassem plebeus, os quais acabaram tornando-se

grandes imperadores, como é o caso de Calígula, Nero e Justiniano.

Para adotar através da ad rogatio era necessário que o

adotante tivesse mais de sessenta anos e ser, pelo menos, dezoito anos

mais velho que o adotado. Como muitas vezes o adotado era um chefe

de família, até então sui juris, que sofria uma capitis diminutio, porque se

convertia em alieni juris, a sua família inteira extinguia-se, passando ao

pátrio poder do adotante, em cuja família se integrava pela linha agnata,

com todos os seus descendentes e bens. Como se pode ver, por ser

medida de suma gravidade e importantíssimos efeitos, a ad-rogatio

somente se realizava por força de uma lei, com o concurso sucessivo da

Religião e do Estado. Para a efetivação da ad-rogatio era necessário,

ainda, a concordância das partes interessadas, ou seja, do ad-rogante e

do ad-rogado.74

2.3 ADOÇÃO NA ATUALIDADE: BASES CONCEITUAIS

Adoção é o ato jurídico solene pelo qual, ressaltados os

requisitos legais, alguma pessoa forma, independentemente de qualquer

analogia de parentesco consangüíneo ou afim, um ligamento fictício de

filiação, ocasionando para sua família, na qualidade de filho, pessoa que,

geralmente, lhe é estranha.

De acordo com Dias75:

A adoção é um ato jurídico em sentido estrito, cuja eficácia está

condicionada à chancela judicial. Cria um vinculo fictício de

paternidade-maternidade-filiação entre pessoas estranhas, análogo

ao que resulta da filiação biológica [...]. 74ALVIM,Freitas.EduardoDisponível em: http:://www.franca.unesp.br/A%20Evolucao%20historica%20do%20instituto.pdf. Acessado 24/10/2008>. 75 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 4 ed. rev., atual e ampl. 3.tir São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007

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A adoção depende de um ato de vontade, funda-se no

desejo de amar e ser amado. O ato de adoção faz com que uma pessoa

passe a gozar do estado de filho de outra pessoa, independentemente do

vínculo consanguíneo.

Pereira76 completa: “A adoção é, pois, o ato jurídico pela qual

uma pessoa recebe outra como filho, independentemente de existir entre

elas qualquer relação de parentesco consangüíneo afim.”.

No dias atuais, a adoção está voltada para a pessoa do

adotado e seu bem–estar.

Peres77, ressalta que o Estado tem interesse em inserir crianças

carentes ou em estado de abandono num ambiente familiar, para sua

segurança e proteção.

O Código Civil de 1916 chamava de simples a adoção tanto

de maiores como de menores e o vínculo de parentesco limitava-se ao

adotante e ao adotado. No entanto, hoje a justiça é uníssona em impedir

distinções.

O Código Civil de 1916 instituiu o sistema de adoção plena,

mantendo a orientação do Estatuto da Criança e do Adolescente,

sujeitando-se, em qualquer hipótese, a processo judicial.

Segundo Diniz78:

[...] a adoção plena, era a espécie de adoção pela qual o menor

passava a era, irrevogavelmente, para todos os efeitos legais, filho

dos adotantes, desligando-se de qualquer vínculo com os efeitos

76 Pereira, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. V. 5. 16ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2007. 77 Peres, Ana Paula A. Barion. Adoção por Homossexuais; Fronteiras da Família na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. 78 DINIZ, Maria Helena . Curso de direito civil brasileiro-direito de família. v.5. 17ec. São Paulo: Editora Saraiv, 2002. p. 417-418.

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legais, filho dos adotantes, desligando-se de qualquer vínculo com

os pais de sangue e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais.

Peres79 ensina:

[...], a adoção no Estatuto se faz por meio de uma sentença judicial,

de natureza constitutiva, havendo necessidade da presença do

interessado perante o juiz, por ser vedada por procuração. Prevê a

lei o desligamento do adotante da família de origem, salvo os

impedimentos matrimoniais, o que implica completa integração do

adotado com o adotante e seu entorno familiar. O adotado ocupa,

então, a mesma posição conferida à descendência biológica,

tendo os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios [...].

Verifica-se que para se poder adotar, no Brasil, necessário se

faz a vontade do(s) adotante(s), bem como o devido processo legal, visto

que a adoção cria parentesco não apenas entre o adotante e o

adotado, mas entre o adotado e os parentes do adotante.

2.4 PRESSUPOSTOS BÁSICOS PARA A ADOÇÃO

O Estatuto da Criança e do Adolescente enumera condições

indispensáveis ao Adotante, em consonância com o disposto no artigo 42

caput e seus parágrafos previstos no respectivo Estatuto.

De acordo com Matias80:

Comentam que a adoção baseada no Código civil de 1916 era

limitada: mantinha os laços de pai e filho biológicos, só transferia o

pátrio poder e era revogável. Era proibida a adoção à duas

pessoas que não fossem cônjuges. Não teve, portanto, o propósito

assistencialista de conceder àqueles desprovidos de lares a

oportunidade de crescer e educar-se no seio de uma família.

79 PERES, Ana Paula Ariston Barion. A adoção por homossexuais: fronteiras da família na pós-modernidade. Rio de Janeiro:Renovar, 2006. p. 75-76 80 MATIAS, Arthur J. Jacon; SALEM , Luciano Rossignolli. Prática forence no direito de família. 4 ed. Campinas: Millenium, 2004. p. 3-4.

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Sobre a adoção, o Código Civil de 1916 no seu artigo 368,

dispunha que “só os maiores de cinqüenta anos, sem prole legítima ou

legitimada, podem adotar”.

A idade foi estipulada em 50 (cinqüenta) anos, porque a partir

disso, os adotantes dificilmente teriam filhos consangüíneos, não tendo a

probabilidade de remorso futuro de uma adoção pela vinda de um filho

legítimo, e também pelo amadurecimento do indivíduo em relação à

idéia de uma adoção.

Venosa81 lembra que: “a adoção, no Código Civil de 1.916, de

lei eminentemente patrimonial visava proeminentemente à pessoa dos

adotantes, ficando o adotado em segundo plano aspecto que já não é

admitido na adoção moderna”.

No Brasil, a adoção começou a ter uma ampliação depois do

advento da Lei 3.133/57, essa lei atualiza o instituto da adoção prescrito no

Código Civil de 1916,

A respeito do disposto acima Venosa82 ressalta que:

[...] permitiu a adoção por pessoas de 30 anos, com ou sem prole

legítima ou ilegítima. [...] a relação de adoção não envolvia a

sucessão hereditária. Esse preceito teve vigência até a Constituição

Federal de 1988, pois o artigo 227, parágrafo 6º, equiparou os filhos

de qualquer natureza para todos os fins.

Com a vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente, a

adoção passou a focalizar o interesse da criança e adolescente, de

maneira a condicionar o seu deferimento à constatação de trazer reais

benefícios para o adotante, considerando-o sujeito de direitos.

81 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 322 82 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 322

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O Código Civil de 2002 segue a mesma diretriz traçada pelo

Estatuto da Criança e do Adolescente e não o revoga expressamente.

Todavia, deixa de existir a adoção simples, do maior de 18 anos originado

no Código Civil de 1916, pois este diploma foi ab-rogado. Nesse diapasão,

a adoção deixa de apresentar duas modalidades (plena e simples), na

visão de Peres.83

No Estatuto da Criança e do Adolescente, como mostra

Rodrigues84: “O primeiro requisito diz respeito à idade das partes envolvidas

nesse ato jurídico. O adotante há de ter pelo menos 21 anos e ser pelo

menos dezesseis anos mais velho eu o adotante”.

Segundo Monteiro85:

Anteriormente, pelo Código Civil de 1916, em sua redação original,

só os maiores de cinqüenta anos, sem prole, poderiam adotar (art.

368). Com a modificação introduzida na adoção do Código Civil,

pela Lei n. 3.133, de 8 de maio de 1657, os maiores de trinta anos

poderiam adotar, mas, se casados fossem, deveriam aguardar

cinco anos do casamento. O período de carência era estabelecido

para assegurar a firmeza de propósitos do adotante e evitar-lhe o

arrependimento, se ulteriormente lhe sobreviesse filho do

casamento. Com o advento do Estatuto da Criança e do

Adolescente – Lei n. 8.069, de 13 julho de 1990 , tendo o adotante

mais de vinte e um anos de idade, independentemente do estado

civil, passou a poder livremente adotar, tivesse ou não prole; sendo

casados ou vivendo em união estável, deixou de ser exigido prazo

de duração da relação entre os pretendentes `a adoção ,

requerendo-se somente a sua estabilidade (art. 42).

Segundo artigo 1.618 do Código Civil de 2002: “Só a pessoa

maior de dezoito anos pode adotar. Parágrafo único: A adoção por

83 PERES, Ana Paula Ariston Barion. A adoção por homossexuais: fronteiras da família na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 73 84 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. 27 ed. São Paulo: Editora saraiva, 2002. pp. 383-384. v. 6. 85 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. Direito de família. 37ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 336.

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ambos os cônjuges ou companheiros poderá se formalizada, desde que

um deles tenha completado dezoito anos de idade, comprovada a

estabilidade da família”.

Em assim sendo, entende-se que possuindo 18 (dezoito) anos

de idade, em linhas gerais, a pessoa, já está apta a se candidatar a

adotantes.

A Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990, possibilita ainda que,

divorciados e os judicialmente separados adotem em conjunto, desde

que o estágio de convivência tenha se iniciado na época em que o casal

ainda convivia, bem como prevê esta lei, a possibilidade de a Adoção ser

deferida, mesmo tendo falecido um dos cônjuges no curso do processo

respectivo, (artigo 42, parágrafo 4º do Estatuto da Criança e do

Adolescente).

Na linha de Barboza86:

O Estatuto da Criança e do Adolescente é lei especial que, ao

disciplinar a proteção integral à criança e ao adolescente, atingiu

necessariamente as relações familiares regulamentadas pelo

Código Civil, que devem se amoldar à nova doutrina.

Ainda, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo

42, parágrafo 3º, traz como requisito para a adoção, a diferença de idade

entre o adotante e o adotado que deve ser de pelo menos 16 (dezesseis)

anos.

O motivo da diferença de idade entre o adotante e o

adotado existir na legislação, dar-se-á pela própria finalidade do instituto,

ou seja, imitar a natureza, respeitando o espaço de uma geração.

86 BARBOZA, Heloisa Helena. O Estatuto da criança e do adolescente e a disciplina da filiação no código civil . In: o melhor interesse da criança: um debate interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 109.

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Por outro lado, devem os candidatos à adoção, ou seja, os

adotantes, possuírem idoneidade moral. Tal medida se mostra de grande

relevância para proteção dos maiores interesses dos adotandos. Para

tanto, no ato de inscrição ao cadastro de adoção, deverão juntar

declaração negativa de antecedentes criminais, dentre outras

providências.

2.5 PROIBIÇÕES AOS ADOTANTES

Muito se discute, nos últimos anos, acerca da probabilidade

de casamento ou união estável entre pessoas do mesmo sexo, fato que,

aos poucos, está sendo incorporado aos Tribunais de Justiça pátrios, a

exemplo de recentes decisões reconhecendo uniões homoafetivas.

No Brasil e em diferentes países do mundo, segundo Dias87,

existe uma tentativa de negar a existência dos vínculos afetivos

homossexuais, que gera um preconceito e a exclusão desses casais.

Qualquer discriminação baseada na orientação sexual é um desrespeito

ao princípio da igualdade e à dignidade da pessoa humana.

Segundo Dias88:

[...] a família possuía um perfil conservador, que era matrinonial,

patriarcal, patrimonializada, indissolúvel, hierarquizada e

heterossexual. Por isso, essa visão conservadora e preconceituosa

impede o legislador de aprovar leis em favor de minorias, tais como,

casais que mantém um relacionamento homoafetivo comprova

esse preceito. É como se as pessoas que assim vivem não pudessem

ter direitos.

Ainda, para Dias89:

A adoção não pode ser condicionada à preferência sexual ou a

realidade familiar do adotante, sob pena de infringir-se o mais

sagrado cânone do respeito à dignidade humana, que esse 87 Dias, Maria Berenice. Conversando sobre homoafetividade. Porto alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005 p. 105.

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sintetiza no princípio da igualdade e na vedação de tratamento

discriminatório de qualquer ordem.

Ainda, há que se mencionar o fato de que, as relações

homoafetivas, em muito, assemelham-se ao casamento ou união estável,

tidos por nossa sociedade como normais, devendo os nossos julgadores

atribuir às relações homoafetivas, os mesmo direitos ora concedidos às

relações heterossexuais, no que concerne o direito à adoção.

Já, os avós podem requerer a guarda ou a tutela dos seus

netos, mas não podem adotar. O mesmo serve para os irmãos. Assim

prescreve o parágrafo 1º, do artigo 42, do Estatuto da Criança e do

Adolescente: “Não podem, adotar os ascendentes e os irmãos do

adotado”.

Para Rodrigues90:

[...] a proibição de adotar um neto talvez se justifique na idéia de

que o ato poderá afetar a legítima de herdeiro necessário mais

próximo, tal como o filho. Como o neto adotado assumira a posição

de filho, para todos os efeitos, ele concorrerá com seu próprio pai,

na sucessão do avô.

Esclarece Gonçalves91:

[...] que não há impedimento, todavia, nem na lei, nem na natureza

da adoção, que impeça os tios de adotar os sobrinhos, ou os sogros

de adotar a nora ou o genro, naturalmente depois do falecimento

do filho ou da filha, uma vez que a restrição não alcança os

parentes colaterais de terceiro grau, nem parentes por afinidade.

88 Dias, Maria Berenice. Conversando sobre homoafetividade. p. 75. 89 Dias, Maria Berenice. Adoção homoafetiva.disponível em: <<HTTP:WWW.mariaberenicedias.com.br>> Acesso em 21 de maio de 2009. 90 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. p. 383 91 GOLÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 4 ed. São Paulo: saraiva, 2007 p. 337. v. VI.

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2.6 ESTÁGIO DE CONVIVÊNCIA

O estágio de convivência tem o objetivo de despertar o

vínculo afetivo entre adotante e adotado, e possibilitar ao juiz vislumbrar

se a adequação a essa família substituta será aceitável, antes de deferir a

adoção. O adotante tem que ter uma afinidade muito grande com ele.

Um ambiente familiar adequado é o ambiente acolhedor, no qual as

pessoas envolvidas revelam-se emocionalmente entrosadas entre si.

Para Rodrigues92: “Outro requisito que torna a adoção mais

completa é o estágio de convivência, que deve preceder a adoção, se o

adotando tiver mais de um ano de vida”.

O estágio é um período em que se consolida a vontade de

adotar e de ser adotado. Nesse estágio, terão o juiz e seus auxiliares

condições de avaliar a convivência da adoção, na visão de Venosa93.

Depois de um exame profundo de cada caso, em específico,

é que o magistrado terá condição de responder se o interessado em

adotar tem um ambiente familiar adequado.

É de amplo valor o estágio de convivência, porque

estabelece um período de adequação do adotando e adotantes à nova

forma de vida, previne adoções antecipadas, que provocam situações

irreversíveis e de angústia para todos os envolvidos.

De acordo com Granato94:

(...) ao estabelecer um estágio de quinze dias, no mínimo, para os

menores de dois anos e de trinta dias no mínimo, para os maiores de

dois anos, quando a adoção for pretendida por estrangeiros

92 RODRIGUES, Silvio. Direito civil – direito de família. p. 384. 93 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. p. 340 94 GRANATO, Eunice Ferreira Rodrigues. Adoção: doutrina e prática com abordagem do novo código civil. 1 ed (2003) 2. tiragem. Curitiba: Juruá editora, 2004.p. 81

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domiciliados fora do país, dá margem a larga polêmica, como alias

ocorre sempre que se fala em adoção por estrangeiros.

Finalmente, o tempo máximo do estágio de convivência não

é fixado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, precisa ser apurado

pelo juiz, de acordo com as precisões de cada caso.

2.7 EFEITOS JURÍDICOS DA ADOÇÃO

O principal efeito jurídico da adoção é que o adotante e o

adotado passam a ter os mesmos direitos e deveres que surge da

afinidade entre pais e filhos, sendo tão compreensivo que não resta

legalmente qualquer diferença entre os filhos adotivos e os naturais.

Cerqueira95 comente que:

A adoção plena dá ao adotado a mesma posição do filho natural,

com todos os direitos e deveres, sem exceção, diante do art. 227, §

6º, da Constituição Federal proíbe que sejam utilizadas designações

que discriminem os filhos, sejam eles adotivos, tenham nascido

durante o casamento ou fora dele.

Para Gabriel96:

O efeito jurídico da filiação é conseqüência natural da procriação.

Não mais acontecerá que aqueles, que biologicamente eram filhos,

não fossem juridicamente considerados como tais. À filiação civil,

que é aquela resultante da adoção, deu-se o mesmo status de filho

de sangue, inclusive para efeitos sucessórios.

Depois da sentença deferindo a adoção precisa ser remetido

mandado para ser realizada a inscrição no Registro Civil, anulando o

registro existente e fazendo novo registro que não deve conter nenhuma

menção a originar-se a filiação da adoção. Pode ser fornecida uma

certidão, dependendo da ordem do juiz. 95Cerqueira,Tarsis.Disponível em: <http://www.facs.br/revistajuridica/edicao_dezembro2001>.Acessado 24/11/2008 96GABRIEL, Sérgio.Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2822. >Acessado 24/10/2008

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Segundo artigo 1.628 do Código Civil de 2002:

Art. 1.628. Os efeitos da adoção começam a partir do trânsito em

julgado da sentença, exceto se o adotante vier a falecer no curso

do procedimento, caso em que terá força retroativa à data do

óbito. As relações de parentesco se estabelecem não só entre o

adotante e o adotado, como também entre aquele e os

descendentes deste e entre o adotado e todos os parentes do

adotante.

Por fim, ressalta-se que a adoção regida pela Constituição

Federal de 1988 e pelo Código Civil de 2002, estabelece a igualdade do

adotado com os filhos biológicos de qualquer natureza.

Observados os pressupostos legais do instituto da adoção, no

capítulo que segue será analisada a possibilidade jurídica da adoção por

pessoas homossexuais e por casais homoafetivos.

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CAPÍTULO 3

HOMOSSEXUALIDADE E ADOÇÃO NO DIREITO PÁTRIO

3.1 DA HOMOSSEXUALIDADE

3.1.1 Conceituação e possíveis causas da homossexualidade

Para Fry97 a homossexualidade vem a ser “as relações sexuais

e afetivas entre pessoas do mesmo sexo”.

Brito98 ressalta que: “Etimologicamente homossexual vem do

grego homo ou homeo, elemento de composição que exprime a idéia de

semelhança, igual, análogo, ou seja: homólogo ou semelhante ao sexo

que a pessoa figura, ou aspira ter”.

Comenta Suplicy99 que “o homossexual é um indivíduo,

homem ou mulher, que tem uma preferência erótica por membros do

mesmo sexo”.

Ainda, para Suplicy100, “a homossexualidade tem a ver com a

orientação sexual” e esta orientação, por sua vez, “significa a expressão

sexual de cada indivíduo por um membro de outro sexo, do mesmo sexo,

ou por ambos os sexos”.

97 FRY, Peter; MACRAE, Edward. O que é homossexualidade. p. 07. 98 BRITO, Fernanda de Almeida. União afetiva entre homossexuais e seus aspectos jurídicos. p. 43. 99 SUPLICY, Marta. Conversando sobre sexo. p. 268. 100 SUPLICY, Marta. Conversando sobre sexo. p. 268.

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Segundo o psicólogo Souza101:

[...] assim como a heterossexualidade, a homossexualidade é um

estado mental. Não há nenhuma doença ou desvio de

pensamento ou perversão, como se pretendeu até a algum tempo

atrás. Mas não é raro encontrar pessoas que insistam nisso mesmo

no meio dos profissionais de saúde.

Seguindo esta linha, a união homoafetiva deveria ser tratada

sem, discriminação por parte da sociedade, pois representaria uma

opção sexual, muito embora para a maioria, o padrão social seja a

heterossexualidade.

Souza102 ressalta que:

É importante lembrar que sob o ponto de vista legal, a

homossexualidade não é classificada como doença também no

Brasil. Sendo assim, os psicólogos não devem colocar em eventos e

serviços que se proponham ao tratamento e cura de homossexuais,

nem tentar encaminhá-los para outros tratamentos. Quando

procurados por homossexuais ou seus responsáveis para tratamento,

os psicólogos não devem recusar o atendimento, mas sim

aproveitar o momento para esclarecer que não se trata de

doença, muito menos de desordem mental, motivo pelo qual não

podem propor métodos de cura.

Nesta senda, menciona Kosnik103:

[...] finalmente admite-se que a homossexualidade é uma

<<questão complexa>> [...]. Reconhece-se também que às vezes

um <<homem ou mulher não deseja tornar-se homossexual>>, mas

à certa altura de sua vida <<descobre>> que é, geralmente com

<<certa dose de trauma>>.

101 SOUZA, Claudecy de. Manual do adolescente. Disponível em: http://www.adolescente.psc.br/homossexualidade.htm. Acesso em 15/04/2009. 102 SOUZA, Claudecy de. Manual do adolescente. Disponível em: http://www.adolescente.psc.br/homossexualidade.htm. Acesso em 15/04/2009. 103 KOSNIK, Anthony. A sexualidade humana. pp. 240-241.

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A clandestinidade ainda impera nos dia de hoje, pois a

heterossexualidade é o padrão predominante e socialmente aceito.

Influências culturais e religiosas aliadas a grandes expectativas familiares

levam o homossexual a se esconder, sentir culpa, vergonha, solidão e

humilhação. São levados a ter uma vida dupla, sofrendo com a

discriminação.

Para alguns, juristas, psicólogos e estudiosos, a

homoafetividade é uma opção de vida, sendo que, com a ajuda e força

de vontade, a pessoa conseguiria se tornar heterossexual, inserindo-se nos

padrões impostos pela sociedade.

Estas questões de ordem teórica e psicológica sobre a origem

e causa da homossexualidade, muito embora relevantes, não serão

abordadas com maior ênfase, pois não se trata do objeto específico

desta pesquisa. Entretanto, de forma sucinta, serão tecidos alguns

comentários a respeito do assunto.

Referente às causas da homossexualidade, Tiba104 explica

que:

Embora seja fácil identificar a homossexualidade, determinar a sua

origem não o é de modo algum, na medida em que ela pode ser

conseqüência de inúmeros fatores que interagem simultaneamente,

sem uma distinção nítida entre si, que vão desde o puramente

psicológico, individual até o da influência do meio ambiente, da

família e, por que não, também o da interferência de hormônio

ainda desconhecido.

Consoante Kosnik105, “existem atualmente três teorias

principais sobre as causas do desvio homossexual de certos indivíduos: (1)

tendências hereditárias; (2) desequilíbrio nos hormônios sexuais; (3)

influência do ambiente”.

104 TIBA, Içami. Sexo e adolescência. pp. 59-60. 105 KOSNIK, Anthony. A sexualidade humana. pp. 95-96.

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No entendimento de Fry106:

De alguma forma, a tendência é de acreditar que homossexuais

masculinos e femininos são biologicamente ou psicologicamente

tão diferentes dos assim chamados heterossexuais, que seu

comportamento pode ser compreendido em termos mais

psicológicos e biológicos que sociais. É tido como “natural” que o

homossexual masculino seja “afeminado” e a homossexual feminina

“máscula”, e assim as “bichas” e “sapatões” do folclore brasileiro

adquirem o status de uma condição que nunca é social, mas sim

natural.

Já, para Souza107, “a questão de ser a homossexualidade um

desvio ou não está mais ligada a fatores culturais, econômicos e religiosos.

[...], conforme as necessidades de uma determinada cultura, os valores

mudam”.

Nesta temática, discorre Brito108 que:

Atualmente, no campo científico, o conceito de homossexualismo

mudou, deixando de ser considerado uma patologia pela

medicina. Porém, se causar sofrimento ao indivíduo, [...] devem ser

encarados como transtornos sexuais tratados como se doença

fossem. Em 1985, quando o Código Internacional das Doenças (CID)

foi revisado, o homossexualismo “puro e simples” passou dos

distúrbios mentais para o capítulo dos Sintomas Decorrentes de

Circunstâncias Psicossociais, isto é, um desajuste social decorrente

de discriminação religiosa sexual. Em 1995, na última revisão do CID,

o termo homossexualismo deixou de constar nos diagnósticos. O

sufixo “ismo”, que significa doença, foi retirado e substituído pelo

“dade” que designa modo de ser. Os cientistas concluíram que o

homossexualismo não podia ser sustentado enquanto diagnóstico

médico. Isto porque os transtornos dos homossexuais realmente

decorrem muito mais de sua discriminação e pressão social

derivados dos preconceitos do seu desvio sexual.

106 FRY, Peter; MACRAE, Edward. O que é homossexualidade. p. 11. 107 SOUZA, Claudecy de. Manual do adolescente. Disponível em: http://www.adolescente.psc.br/homossexualidade.htm. Acesso em 15/04/2009. 108 BRITO, Fernanda de Almeida. União afetiva entre homossexuais e seus aspectos jurídicos. p. 46.

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Ainda, propugna Brito109 que “o cientista inglês George V.

Hamilton pesquisou o comportamento dos macacos e concluiu que a

homossexualidade está presente não só nos primatas, mas também em

inúmeros animais mamíferos”.

Fry110 explica que “as outras teorias sugerem que a

homossexualidade seria causada por problemas na etapa fetal do

crescimento ou que tem alguma coisa a ver com o equilíbrio hormonal”.

Suplicy111 discorre a respeito de outra teoria quando ressalta

que “a existência de mãe autoritária, sedutora, e pai hostil, ou distante, é

das teorias que prevalecem para explicar a homossexualidade”.

Freud mencionado por Suplicy112, “acreditava na existência

de uma tendência bissexual no ser humano que deveria ser ultrapassada

até a idade madura. Maturidade significa, entre outras coisas, uma

orientação homossexual.”.

Seguindo, Costa113 alude que “as teorias psicológicas são as

mais conhecidas, desde Freud, e explicam a determinação da orientação

afetivo-sexual através do relacionamento da criança com seu pois, na

resolução do complexo de Édipo ou da triangulação.”.

Acreditava-se que as mães, por serem super-protetoras,

acabariam influenciando a esta tendência sexual, já que elas poderiam

efeminar o indivíduo.

E, ainda, quando o homossexualismo era considerado uma

doença, viu-se uma opção de cura para tal problema.

109 BRITO, Fernanda de Almeida. União afetiva entre homossexuais e seus aspectos jurídicos. p. 48. 110 FRY, Peter; MACRAE, Edward. O que é homossexualidade. p. 70. 111 SUPLICY, Marta. Conversando sobre sexo. p. 271. 112 SUPLICY, Marta. Conversando sobre sexo. p. 271. 113 COSTA, Ronaldo Pamplona T. da. Amor e sexualidade. p. 98.

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Uma das formas vista para essa possibilidade de cura seria

uma cirurgia, como menciona Fry114, “era considerada válida a realização

de uma operação cirúrgica que consistia na retirada de uma parte dos

lóbulos frontais do cérebro, relacionados à produção de fantasias e do

prazer sexual”.

Após o desuso dessa cirurgia, optou-se por outra técnica: “[...]

de queimar, através de choques elétricos, uma pequena seção do

hipotálamo”115, ou ainda, nos casos de homossexuais que praticassem

crimes sexuais, a cura seria através da castração, uma forma indireta de

punição.

Alude Suplicy116 que “estas sociedades estão tendo uma visão

mudada e passam a encarar, cada vez mais, o homossexualismo como

um comportamento sexual alternativo e não como doença”.

Menciona Herkenhoff117 que:

[...] os homossexuais, no mundo inteiro, vêm tomando consciência

de sua dignidade e lutando por seus direitos. Em primeiro lugar, pelo

direito de não serem discriminados. Depois, pelo direito de serem

respeitados como pessoas, pelo direito de não serem invadidos na

sua escolha no nível da sexualidade.

Com o passar dos tempos, a homossexualidade terá um outro

lugar na sociedade, quem sabe ainda diferenciada, mas talvez sendo

respeitada, pois pode-se perceber como a sociedade evolui, mudando

seus conceitos.

114 FRY, Peter; MACRAE, Edward. O que é homossexualidade. p. 71. 115 FRY, Peter; MACRAE, Edward. O que é homossexualidade. p. 71. 116 SUPLICY, Marta. Conversando sobre sexo. p. 284. 117 HERKENHOFF, João Baptista. Direitos humanos a construção universal de uma utopia. p. 97.

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3.1.2 O Projeto de Lei nº 1.151/95

O Projeto de Lei nº 1.151 de 1995, de autoria da Deputada

Marta Suplicy, dispõe a respeito da união civil entre pessoas do mesmo

sexo.

O referido projeto possui 18 (dezoito) artigos que objetivam,

sobretudo, proteger os direitos à propriedade e à sucessão das pessoas do

mesmo sexo que tiverem reconhecida a sua união civil.

O artigo 1º, do Projeto assim enuncia: “É assegurado a

duas pessoas do mesmo sexo o reconhecimento de sua união civil,

visando a proteção dos direitos à propriedade, à sucessão e dos demais

assegurados nesta Lei.”.

Ainda os artigos 2º e 3º do Projeto tratam do registro civil,

quando enunciam que:

Art. 2º. A parceria civil registrada constitui-se mediante registro em

livro próprio, nos Cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais na

forma que segue.

§ 1º. Os interessados comparecerão perante os Oficiais de Registro

Civil, apresentando os seguintes documentos:

I – declaração de serem solteiros, viúvos, ou divorciados;

II – prova de capacidade civil absoluta, lente;

III – instrumento público do contmediante apresentação de

certidão de idade ou prova equivarato de parceria civil.

§ 2º. Após a lavratura do contrato a parceria civil deve ser

registrada em livro próprio no Registro Civil de Pessoas Naturais

§ 3º. O estado civil dos contratantes não poderá ser alterado na

vigência do contrato de parceria civil registrada.

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Art. 3º. O contrato de parceria registrada será lavrado em Ofício de

Notas, sendo livremente pactuado e versando sobre disposições

patrimoniais, deveres, impedimentos e obrigações mútuas.

§ 1º. Somente por disposição expressa no contrato, as regras nele

estabelecidas também serão aplicadas retroativamente, caso

tenha havido concorrência para formação de patrimônio comum.

§ 2º. São vedadas quaisquer disposições sobre adoção, tutela ou

guarda de crianças ou adolescentes em conjunto, mesmo que

sejam filhos de um dos parceiros.

Basicamente, o projeto propõe o direito à herança, sucessão,

benefícios previdenciários, seguro saúde conjunto, declaração conjunta

do imposto de renda e o direito à nacionalidade no caso de estrangeiros.

Necessário se faz a apresentação das principais fases deste

projeto que se encontra ainda em tramitação.

Em 26 de outubro de 1995, foi o projeto apresentado em

plenário pela autora, Deputada Marta Suplicy, sendo em seguida

encaminhado à mesa para despacho inicial, tendo ainda tramitação

pelas diversas comissões.

Em 01 de abril de 1996, foi novamente levado a plenário, o

qual após leitura e publicação da matéria encaminhou à mesa, quando

em 12 de junho de 1996, foi constituída uma comissão especial destinada

a apreciar e proferir parecer sobre o projeto.

Em 26 de novembro de 1996, a comissão especial deu

parecer favorável do relator, deputado Roberto Jefferson, o qual

apresentou um substitutivo.

No dia 10 de dezembro de 1996, foi então aprovado o

parecer do relator, opinando pela constitucionalidade, juridicidade e

técnica legislativa, bem como sendo aprovado o substitutivo.

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Atualmente, encontra-se o projeto em tramitação, tendo sido

levado a votação no último dia 09 de maio de 2001, sendo novamente

adiado, aguardando nova designação de data para discussão.

3.2 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A FAMÍLIA

HOMOAFETIVA NO BRASIL

Os princípios constitucionais são o ponto mais importante do

sistema normativo, são verdadeiras vigas, alicerces sobres os quais se

constrói o sistema jurídico.

Os princípios constitucionais dão estrutura e coesão ao edifício

jurídico. Assim, devem ser estritamente obedecidos, sob pena de todo o

ordenamento jurídico se corromper.118

O princípio jurídico constitucional influi na interpretação até

mesmo das próprias normas magnas. Funciona como um vetor para o

intérprete, e o jurista deve antes de solucionar qualquer problema jurídico,

por mais comum que este seja alcançar o nível dos grandes princípios.

A importância do respeito aos princípios constitucionais foi

anotada por Konrad Hesse, com base em lição de Burckhardt119:

[...] aquilo que é identificado como vontade da Constituição deve

ser honestamente preservado, mesmo que, para isso, tenhamos de

renunciar a alguns benefícios, ou até a algumas vantagens justas.

Quem se mostra disposto a sacrificar um interesse em favor da

preservação de um princípio constitucional fortalece o respeito à

Constituição e garante um bem da vida indispensável à essência

do Estado democrático. Aquele que, ao contrário, não se dispõe a

esse sacrifício, malbarata, pouco a pouco, um capital que significa

muito mais do que todas as vantagens angariadas, e que,

desperdiçado, não mais será recuperado.

118 NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. 1 ed. 3 tir. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 48. 119 NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. 1 ed. 3 tir. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 68.

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Assim, a partir dessas considerações, percebe-se que os

princípios cosntitucionais funcionam como verdadeiras supranormas, ou

seja, agem como regras hierarquicamente superiores às próprias normas

positivadas no conjunto das proposições escritas ou mesmo às normas

costumeiras.

A doutrina constitucional contemporânea reconhece a

importância dos princípios constitucionais, apontando, inclusive, suas

especiais e distintas funções.120

Os princípios podem ser classificados em princípios

estruturantes, princípios constitucionais gerais e princípios constitucionais

especiais.

O princípios estruturantes são, conforme o próprio nome diz, a

estrutura política fundamental constitutiva do Estado, e sobre os quais se

assenta todo o ordenamento jurídico. A exemplo tem-se o Princípio

Democrático e o do Estado de Direito.

Já acerca dos princípios constitucionais gerais, estes

densificam os princípios estruturantes, e como exemplos, tem-se o Princípio

da Legalidade dos Atos da Administração, o da Soberania Popular e o da

Independência dos Tribunais.

Os princípios gerais se concretizam mais mediante os princípios

constitucionais especiais, como no caso do Princípio da Soberania

Popular, o Princípio Constitucional Especial do Sufrágio Universal.

Os princípios possuem mera posição auxiliar na aplicação do

direito. Sob o enfoque das distinções de natureza, tem-se que os princípios

constituem expressão de valores fundamentais do ordenamento jurídico e,

do ponto de vista material, seriam superiores que às demais normas.

120 NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. 1 ed. 3 tir. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 72.

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Pode-se visualizar então, que os princípios fundamentais são

dotados de superioridade com relação aos demais princípios

constitucionais. Devem ser considerados, não só pelo aplicador do Direito,

mas por todos aqueles que de alguma forma ao sistema jurídico se

dirijam.121

Com efeito, dispõe o artigo 126 do Código de Processo Civil:

“O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou

obscuridade na lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas

legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos

princípios gerais do direito”.

Percebe-se, então, que o caso concreto apontará o caminho

a ser trilhado para que o intérprete coloque em relevo esse ou aquele

princípio. Contudo, salienta-se que há princípios mais importantes que

outros e que, por essa razão, irão merecer preferência do intérprete, que

irá declinar-se naturalmente na direção desses princípios mais

qualificados.122

Todo e qualquer ordenamento constitucional revela, implícita

e explicitamente, a existência de determinados princípios observáveis

como fundamentais, e que, em virtude deste fato, devem ser

compreendidos como fatores modelantes de uma certa concepção

valorativa do constitucionalismo.123

Por meio destes princípios, constituições escritas são

reconhecidas como uma espécie de moralidade jurídica e, além disso,

tais princípios podem ser observados como regulatórios da criação de

121 NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. 1 ed. 3 tir. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 89. 122 NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. 1 ed. 3 tir. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 89. 123 NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. 1 ed. 3 tir. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 98.

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normas legislativas e, em sentido amplo, do processo geral de criação do

direito positivo.

Estes princípios não precisariam sequer estar expressamente

relacionados ao texto constitucional, mas devem se apresentar como

ponderação moral do ordenamento jurídico, em termos de se configurar

em requisitos de eticidade básica relacionados à legitimação sócio-

política da constituição.124

Por fim, os princípios constitucionais são, precisamente, a

síntese dos valores principais da ordem jurídica. A Constituição é um

sistema de normas jurídicas. Ela não é um simples agrupamento de regras

que se justapõem ou que se superpõem.

3.2.1 Princípio da dignidade da pessoa humana: conceito

A primeira Constituição Brasileira a tratar do Princípio da

Dignidade da Pessoa Humana foi a de 1988. Esta Constituição transformou

a dignidade da pessoa humana em um valor supremo e de ordem

jurídica, declarando-o em seu artigo 1º, inciso III, como um dos

fundamentos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a

qual se constituiu em Estado Democrático de Direito.125

Dispõe o artigo acima citado: “A República Federativa do

Brasil, formada pela União indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito

Federal, constitui-se em Estados Democráticos de Direito e tem como

fundamentos [...] III – a dignidade da pessoa humana”.

Assim, conceber a dignidade da pessoa humana como

fundamento da República significa admitir que o Estado brasileiro se

constrói a partir da pessoa humana, e para servi-la, além de reconhecer

124 NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. 1 ed. 3 tir. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 98. 125 MARTINS, Flademir Gerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. Juruá, 2003. p. 27.

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que um dos fins do Estado brasileiro deve ser o de propiciar as condições

materiais mínimas para que as pessoas tenham dignidade.

A dignidade da pessoa humana não é uma criação

constitucional, mas sim um valor que a Constituição Federal decidiu

atribuir uma maior relevância jurídica.126

A dignidade nasce com a pessoa, ela é inerente a sua

essência. Mas nenhum indivíduo é isolado, ele cresce e vive num meio

social. Ele nasce com integridade física e psíquica, mas chega um

momento de seu desenvolvimento que seu pensamento tem que ser

respeitado, suas ações e seu comportamento, sua liberdade, sua imagem,

sua intimidade, sua consciência.

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é a inserção da

pessoa dentro de um Estado Democrático de Direito, que constitui o

fundamento do nosso sistema constitucional e da nossa organização

como Estado Federativo, destinado a assegurar o exercício dos direitos

sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o

desenvolvimento, a igualdade, a justiça como valores supremos de uma

sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia

social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução

pacífica das controvérsias, como se observa no preâmbulo da nossa

Constituição Federal de 1988.127

Historicamente, o conceito de Estado Democrático de Direito,

seria oriundo da Teoria do Estado do liberalismo, influenciada pelas

126 MARTINS, Flademir Gerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. Juruá, 2003. p. 27. 127 MARTINS, Flademir Gerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. Juruá, 2003. p. 55.

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concepções jus racionalistas e, fortemente, ligadas à idéia de Legalidade

e à idéia da realização da Justiça.128

Pode-se observar que o Estado Democrático de Direito traz

em seu conceito todo o ideário de justiça, igualdade e dignidade, com

um mínimo normativo capaz de fundamentar os direitos e pretensões da

sociedade e de princípios, também formais do Estado de Direito que são:

soberania, a cidadania, dignidade da pessoa humana, os valores sociais

do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político encartados no

mandamento constitucional.129

A dignidade, como valor moral e, também espiritual, seria um

mínimo indispensável e invulnerável de valores que devem ser respeitados

pela sociedade, tendo o ser humano o direito à autodeterminação e à

liberdade na condução da própria vida, devendo ser protegido pelo

Direito e suas normas, como medida de reconhecimento da própria

essência e da condição de ser humano.

É fácil perceber a importância do Princípio da Dignidade da

Pessoa Humana, já que ao observá-lo em diversos ordenamentos pátrios,

reconhece-se a sua importância e aplicabilidade no meio social, por que

está alicerçada na autodeterminação ou autonomia, cujo valor é superior

a qualquer vontade de dominação ou manipulação.

Cabe aqui fazer um breve relato sobre o princípio da

dignidade humana em alguns países, tais como: Portugal, Alemanha,

Espanha.

Já mencionado o artigo 1º da nossa Carta Magna pode-se

verificar este princípio em outros ordenamentos, como por exemplo, em

128 MARTINS, Flademir Gerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. Juruá, 2003. p. 56. 129 MARTINS, Flademir Gerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. Juruá, 2003. p. 60.

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Portugal: "Artigo 1º. Portugal é uma República soberana, baseada na

dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na

construção de uma sociedade livre, justa e solidária”.130

Na Alemanha:

Art. 1º. A dignidade do homem é sagrada e constitui dever de todas

as autoridades do Estado seu respeito e proteção.

2 - O povo alemão reconhece, conseqüentemente, os direitos

invioláveis e inalienáveis do homem como fundamento de toda a

comunidade humana, da paz e da justiça no mundo. 3- Os direitos

fundamentais que se enunciam a seguir vinculam o poder legislativo

e os tribunais a título de direito diretamente aplicável.131

Na Espanha:

Articulo 10.1. La dignidad de la persona, los derechos inviolables

que le son inherentes, el libre desarollo de la personalidad, el

respeto a la ley y a los derechos de los demás son fundamento del

ordem político y de la paz social.132

Em todos os dispositivos constitucionais observa-se a

importância do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana como valor

absoluto.

3.2.2 Princípio da dignidade da pessoa humana: previsão legal no

ordenamento jurídico brasileiro

A idéia de dignidade da pessoa humana encontra no texto

constitucional aplicação em relação ao planejamento familiar, sendo a

família a célula da sociedade, independente do tipo de formação, se

advinda da união estável ou do casamento, cabendo ao Estado

130 MARTINS, Flademir Gerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. Juruá, 2003. p. 26. 131 MARTINS, Flademir Gerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. Juruá, 2003. p. 26. 132 MARTINS, Flademir Gerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. Juruá, 2003. p. 26.

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disponibilizar recursos educacionais e científicos para o exercício desse

direito.133

O princípio da dignidade da pessoa humana apresenta duas

concepções, sendo a primeira a que prevê um direito protetivo, e a

segunda estabelece um dever de tratamento igualitário, e esse dever

funda-se no respeito do indivíduo quanto à dignidade de seu

semelhante.134

Para se compreender esse dever fundamental, pode-se

resumir três princípios do direito romano: viver honestamente, não

prejudicar ninguém e dar a cada um o que lhe é devido. Com isso vale

destacar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela

Resolução nº217135 (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas e assinada

pelo Brasil, reconhece a dignidade da pessoa como inerente a todos os

membros da família humana, e como fundamento de liberdade, justiça e

paz no mundo.

Em nossa trajetória constitucional, o reconhecimento da

dignidade da pessoa humana como fundamento de nosso Estado

democrático de Direito, está presente no artigo 1º, inciso III da

Constituição de 1988.136

Pode-se observar que a dignidade da pessoa humana foi

objeto de expressa previsão na Constituição Federal vigente, seja quando

estabeleceu que a ordem econômica tem por finalidade assegurar a

todos uma existência digna, conforme artigo 170, caput, seja na esfera de

ordem social, quando fundou o planejamento familiar nos princípios da

133 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral. Atlas S.A, 2007. p. 46. 134 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral. Atlas S.A, 2007. p. 46. 135 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral. Atlas S.A, 2007. pp. 46-47. 136 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Livraria do Advogado, 2007. p. 63.

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dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, artigo 226, §

6º, além de assegurar à criança e ao adolescente o direito à dignidade,

constante no artigo 227, caput.137

Levando-se em conta o Mercosul138, o Brasil e o Paraguai são

os únicos países a elevar o valor da dignidade para norma fundamental.

Quanto aos demais países americanos, tem-se a Constituição de Cuba,

da Venezuela e também na do Peru, sendo nesta última, reconhecido

outros direitos que derivam da dignidade humana, da soberania popular,

do Estado social e democrático de Direitos e da formação republicana de

governo.139

A Constituição da Bolívia abarca em seu artigo 6º, inciso III,

que a dignidade e a liberdade são invioláveis, assim como a do Chile,

mesmo com toda sua característica autoritária. Presente tal princípio

também na Constituição da Guatemala, onde cita a primazia da pessoa

humana. Na mesma linha, nos países da Europa Oriental, já há uma

tendência no acolhimento deste princípio.140

Quando se analisa o princípio da dignidade da pessoa

humana, já há um entendimento de considerá-la como uma norma

fundamental de um determinado ordenamento jurídico-constitucional.141

Ao classificar no título dos princípios fundamentais a dignidade

da pessoa humana como um dos fundamentos do nosso Estado

137 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Livraria do Advogado, 2007. p. 64 138 Mercado Comum do Sul. 139 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Livraria do Advogado, 2007. p. 65. 140 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Livraria do Advogado, 2007. p. 65. 141 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Livraria do Advogado, 2007. p. 67.

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Democrático de Direito, a nossa Constituição de 1988, reconheceu que o

Estado só existe em função da pessoa humana.142

3.2.3 Família homoafetiva

Quando novas famílias foram surgindo – diferentes daquelas

baseadas no casamento – e o legislador não pode mais contornar a

situação, vendo-se numa situação de injustiça com esses indivíduos que

sobrevinham de relacionamentos desfeitos, passou a regulamentar essas

uniões, criando mais uma entidade familiar denominada de união estável,

com direito e deveres praticamente idênticos aos do casamento.143

A Constituição Federal de 1988 prevê as uniões estáveis entre

homem e mulher, mas não aceita a relação existente entre indivíduos do

mesmo sexo, mesmo não diferenciando em nada da primeira forma de

entidade familiar. Uniões que tenham como base a afetividade não

podem ser excluídas do Direito a ponto de não serem merecedores da

denominação de família e de receber proteção do Estado, pois esta idéia

iria de encontro com o princípio constitucional da dignidade d pessoa

humana.

A estrutura familiar é algo complexo que precede o Direito,

bem como a tentativa de se legislar no sentido de protegê-la. O principal

elemento de constituição da família não são laços de parentescos de

natureza biológica ou civil, mas sim a afetividade. O afeto é hoje o

elemento nuclear de qualquer entidade que pretenda ser família, embora

não seja o único. O núcleo familiar é fonte de companheirismo e afeto,

com valorização de cada membro, para permitir o desenvolvimento da

personalidade de todos. É na família que se estrutura o sujeito, e sendo

assim, esta, merece proteção jurídica especial.

142 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Livraria do Advogado, 2007. p. 68. 143 DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 42.

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As relações de convivência familiar e social já não são mais as

rigidamente estabelecidas pelo CC de 1916, onde a família jurídica era

um conceito fechado, estático e perene, de caráter eminentemente

patrimonialista. Assim, sua função era manter laços e relações políticas e

perpetuar o nome e o patrimônio que se transmitia de geração a geração

e que era “a um só tempo, necessidade econômica e afirmação

simbólica”144.

O comportamento social e a vida familiar evoluíram, e as

mudanças no comportamento social, a emancipação feminina, os

avanços da engenharia genética, tudo isso, fez desabar o mito da antiga

e decantada família patriarcal, pois, se o casamento já não é perpétuo, a

família não é um fim em si mesma e sexo não se destina somente à

procriação. A concepção legal da família contemporânea não encontra

mais um modelo único para se expressar, sendo ela porosa e plural, pois

recebeu e incorporou as modificações ocorridas nos costumes de nossa

sociedade, modificações essas influenciadas por fatores de ordem social,

econômica e tecnológica. A busca da realização e da felicidade pessoal

passou a ser a tônica das relações de convivência familiar e social, e essas

tornaram-se não só mais complexas, como também, plurais.

Com a promulgação da CRFB/88, a sociedade brasileira teve

o acolhimento legal do que os fatos sociais há muito já demonstravam:

existem outras formas de organização familiar que não somente aquelas

fundadas no casamento. A CRFB/88, a partir dos artigos 226 e seguintes,

reconheceu legislativamente que as formas e os arranjos familiares são

plurais e fundamentada contemporaneamente na solidariedade dos seus

membros, não na imposição da Lei.

Reconhecendo-se assim, o papel jurídico do afeto, que irradia

um novo alcance para as normas jurídicas, permitindo o reconhecimento 144 GIRARDI, Viviane. Famílias contemporâneas, filiação e afeto: a possibilidade jurídica da adoção por homossexuais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2005. p. 28.

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da união estável e das famílias monoparentais, o que acabou por

aumentar o leque das relações familiares legitimadas, que passaram a ser

reconhecidas e tuteladas pelo Estado.

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do

Estado.

(...)

§ 3º. Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união

estável entre o homem e a mulher como entidade familiar,

devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4º. Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade

formada por qualquer dos pais ou seus descendentes.

Como se vê, o reconhecimento legal não é mais de um único

modelo de família, mas sim de variadas formas e vinculações afetivas que

podem ser entendidas juridicamente como novos conceitos de família.

Pode-se constatar que o núcleo da família se modificou, e deslocou seu

centro de constituição do patriarcalismo, da solenidade e do principio da

autoridade para o princípio da compreensão e do amor, que nos moldes

da Constituição brasileira, reflete e preenche o princípio basilar do

ordenamento jurídico brasileiro que é o atendimento à promoção da

dignidade da pessoa humana, artigo 1º, inciso II, da CRFB/88.

A CRFB/88, ao romper com o monopólio do casamento tido

como única fonte legítima de constituição da família, abriu o sistema

jurídico para recepcionar outras formas de organização familiar, porque

calcadas no afeto e na solidariedade, e não na lei, estiveram

historicamente excluídas e marginalizadas.

A CRFB/88 emprestou especial proteção às entidades

familiares formadas por um dos pais e sua prole e à união estável entre

homem e mulher, como demonstram os parágrafos 3º e 4º do já citado

artigo 226. Porém, este rol, não exaure todas as formas de convívio dignas

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de tutela. O artigo em referência deve ser entendido como uma cláusula

geral de inclusão, não podendo ser aceitável a exclusão das outras

entidades que preencham o requisito essencial para a constituição das

relações familiares, a afetividade.145

Esse tipo de formação de família, denominada homoafetiva,

que já ganha espaço no direito previdenciário, vem sendo comparada à

união estável quando necessária é a intervenção do Estado, e os conflitos

são solucionados na vara da família, assegurando-se, por exemplo,

partilha de bens, direitos sucessórios e direito real de habitação.146

3.3 ADOÇÃO INFANTO-JUVENIL E O PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE

O direito do menor, mais especificamente referente à adoção

evoluiu, Sznick147 apud Kadushin aponta três estágios na evolução da

adoção, quais sejam:

Primeiro estágio evolutivo:

1 – em comunidade onde a característica é uma economia de

subsistência, com tecnologia rudimentar (agrária), a adoção visa

satisfazer capricho ou necessidade do adotante, sem atentar para

o interesse ou conveniência do adotando. 148

Sznick149 explica que, nesse caso, “a adoção é [...] um

comportamento individual. Visa mais ao interesse do adotante e não

preenche maiores finalidades de cunho social”.

Segundo estágio evolutivo da adoção:

145 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 3ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 176. 146 DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 43. 147 Sznick, Valdir. Adoção: direito de família, guarda de menores, tutela, pátrio poder, adoção internacional. 3 ed. rev. e atual. São Paulo: Universitária de Direito, 1999. p. 331. 148 Sznick, Valdir. Adoção: direito de família, guarda de menores, tutela, pátrio poder, adoção internacional. 3 ed. rev. e atual. São Paulo: Universitária de Direito, 1999. p. 331. 149 Sznick, Valdir. Adoção: direito de família, guarda de menores, tutela, pátrio poder, adoção internacional. 3 ed. rev. e atual. São Paulo: Universitária de Direito, 1999. p. 331.

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2 – no segundo estágio, já a sociedade é mais evoluída, conquanto

agrícola, mas capaz de alimentar a todos os seus membros e de

acumular excedentes. Os filhos fazem parte de prosperidade

familiar, pois são mais braços para trabalhar quer nos campos, quer

nas indústrias familiares. 150

No entender de Sznick151 no segundo estágio “o objetivo é

utilitário, ou seja, aumentar a mão-de-obra do adotante. Nesse estágio, a

adoção é uma práxis social obviamente de cunho utilitário, destinada a

crianças de faixas etárias aptas a exercer algum mister”.

Essa é uma modalidade comum de adoção, típica do Código

Civil, a criança abandonada é adotada pelos parentes ou, até mesmo,

por vizinhos.

Terceiro estágio evolutivo da adoção:

3 – nesse estágio, próprio das sociedades urbanas, que surgiram

após a Revolução Industrial, a presença da criança na força do

trabalho, acaba cedendo, perdendo terreno mesmo, surgindo em

seu lugar a preservação à infância e o estabelecimento de um

processo de educação. 152

Ressalta Sznick153 que:

Nesse ponto, a adoção assume regras (garantidas pelas leis) com

provimento próprio, garantindo a presença de uma relação afetiva

(e não mais utilitária) entre adotante e adotado. Daí serem crianças

pequenas, quase sempre recém-nascidas.

150 Sznick, Valdir. Adoção: direito de família, guarda de menores, tutela, pátrio poder, adoção internacional. 3 ed. rev. e atual. São Paulo: Universitária de Direito, 1999. p. 331. 151 Sznick, Valdir. Adoção: direito de família, guarda de menores, tutela, pátrio poder, adoção internacional. 3 ed. rev. e atual. São Paulo: Universitária de Direito, 1999. p. 331. 152 Sznick, Valdir. Adoção: direito de família, guarda de menores, tutela, pátrio poder, adoção internacional. 3 ed. rev. e atual. São Paulo: Universitária de Direito, 1999. p. 331. 153 Sznick, Valdir. Adoção: direito de família, guarda de menores, tutela, pátrio poder, adoção internacional. 3 ed. rev. e atual. São Paulo: Universitária de Direito, 1999. p. 331.

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Cabe lembrar que, atualmente, a adoção visa,

especialmente, aos interesses do menor e não mais aos dos seus

adotantes.

A regra do artigo 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente

encontra-se em harmonia como disposto no artigo 1.625, do CC de 2002,

o qual menciona que: “Somente será admitida a adoção que conferir

efetivo benefício ao adotando”. O melhor interesse da criança e do

adolescente deve estar calçado no direito deste ter assegurado o

convívio pleno e saudável no seio familiar.

3.4 A ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS: UMA VISÃO LEGAL E

DOUTRINÁRIA

No Brasil e em vários outros países do mundo, existe uma

tentativa de negar a existência dos vínculos afetivos homossexuais, que

gera um preconceito e a exclusão desses casais.154

A família possuía e para alguns ainda possui, um perfil

conversador, que era matrimonializada, patriarcal, patrimonializada,

indissolúvel, hierarquizada e heterossexual. Por isso, essa visão

conversadora e preconceituosa impede o legislador de aprovar leis em

favor de minorias, tais como, casais que mantÊm um relacionamento

homoafetivo.155

Dias156 explica que “a falta de uma regulamentação à união

civil entre homossexuais comprova esse preconceito. É como se as

pessoas que assim vivem não pudessem ter direitos”.

Sobre casais homoafetivos e a família, Dias157 lembra que:

154 DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 105. 155 DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 75. 156 DIAS, Maria Berenice. Manual do direito das famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 75.

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Necessário é encarar essa realidade sem preconceitos, pois a

homossexualidade é considerada um distúrbio de identidade e,

sendo um determinismo psicológico inconsciente, não é uma

doença nem uma opção livre. Assim, descabe estigmatizar quem

exerce orientação sexual diferente.

[...].

Essa outra modalidade de família está a exigir da Psicologia e das

demais ciências do comportamento uma particular atenção. Não

apenas para o surgimento da união homossexual, mas em especial

às suas reivindicações de filiação, de forma que seu entendimento

minimize o preconceito e tente indicar a saída mais saudável

possível. Trata-se de uma realidade premente, que já não é dado

negar, porque, desencadeada por afeto de tudo, diz respeito

também à família.

A respeito desta temática, enuncia o artigo 226, da

Constituição Federal de 1988:

Art. 226. A família, base da sociedade tem especial proteção do

Estado.

§ 1°. [...].

§ 2°. [...].

§ 3°. Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união

estável entre o homem e a mulher como entidade familiar,

devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4°. Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade

formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

[...].

Andrade158 ao comentar o artigo citado, ressalta que:

157 DIAS, Maria Berenice. Modernas (inter) secções do afeto e da lei. 158 ANDRADE, Diogo de Calasans Melo. Adoção por casais homossexuais: adoção entre pessoas do mesmo sexo e os princípios constitucionais. p. 101.

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Mesmo para os conservadores que entendem que o rol do citado

artigo é taxativo, não podemos esquecer que tais conceitos devem

ser vistos segundo os princípios a dignidade da pessoa humana, da

igualdade, da liberdade e da afetividade jurídica.

Charini Júnior159 comenta a respeito da omissão legislativa

quanto à adoção por homossexuais e famílias homoafetivas:

Por esse ser um caso de omissão legislativa, cabe aqui a aplicação

analógica, consuetudinária do direito, além de que cabe, também,

e principalmente, uma busca dos princípios gerais do direito; sempre

atentado aos fins sociais da lei, e às exigências do bem comum. E,

todos estes caminhos levam à possibilitar tais adoções.

O artigo 4°, do Código Civil de 2002, versa sobre o papel do

juiz, tornando obrigatório o seu pronunciamento, mesmo quando a lei for

omissa, devendo o magistrado decidir conforme a analogia, os costumes

e os princípios gerais de direito. Assim, deve o juiz apreciar tudo que for

levado a tribunal; é o reconhecimento explícito da plenitude ou

completude do ordenamento jurídico, que não possui lacunas, posto que,

uma lei pode ser omissa, mas não o ordenamento jurídico.

Referente à analogia, Charini Júnior160 continua:

Pela analogia, conclui-se que é possível equiparar a adoção por

homossexual à adoção por heterossexual, posto que o único

elemento discrepante é a orientação sexual do adotante, o qual

não é elemento essencial da adoção, de forma que ambas são

exatamente iguais (o que leva a concluir que, na realidade não

existe qualquer lacuna no direito, estando devidamente legislado o

direito dos homossexuais à adoção).

Pelos costumes é, igualmente, possível o deferimento de adoção a

casais homossexuais, posto que a sociedade, de forma geral, [...],

aceita tal fato.

159 CHARINI JÚNIOR, Enéas Castilho. Da adoção por homossexuais. Disponível em: http://www.jus.uol.com.br. Acesso em: 21/03/2009. 160 CHARINI JÚNIOR, Enéas Castilho. Da adoção por homossexuais. Disponível em: http://www.jus.uol.com.br. Acesso em: 21/03/2009.

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Pelos Princípios Gerais de Direito – da isonomia, da não-

discriminação por orientação sexual e da legalidade, todos

expressas na Constituição Federal de 1988 – não é possível privar os

homossexuais do direito a adotar.

E, pelos fins sociais do Estatuto da Criança e do Adolescente, fica,

ainda, mais flagrante a possibilidade da adoção por homossexuais,

uma vez que tal Lei busca, acima de tudo assegurar a dignidade

da criança e do adolescente, procurando garantir-lhe um ar

seguro, que lhe ofereça amor e carinho, independentemente da

orientação sexual daqueles que lhe acolhem.

Figueiredo161 comenta a respeito do preconceito quanto ao

tema em estudo, dispondo que:

Entretanto, como ser ou não ser preconceituoso decorre muito mais

de uma carga cultural do que da existência de uma norma jurídica

vedando, permitindo ou estimulando determinada postura

(embora, em tese, a lei devesse acompanhar o fato social), as

análises costumam ser apaixonadas entre os contra ou a favor,

sobrepondo o coração à razão, quando no ECA todas as linhas

gerais de interpretação estão traçadas.

Ainda, para o mesmo doutrinador, “todos os questionamentos

devem ser voltados para se caracterizar se eventualmente sua opção

sexual pode ter alguma influência malévola sobre o adotando”.162

Sucintamente, Rios163 alude que: “Exposto o estágio atual do

debate científico a respeito da homossexualidade, não há como justificar

vedação, em princípio, da adoção de crianças por homossexuais”. E mais:

a orientação sexual não é uma doença ou uma anormalidade, “não

autorizando, portanto, a sustentação de uma regra geral impeditiva da

adoção”.164

161 FIGUEIREDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção para homossexuais. p. 84. 162 FIGUEIREDO, Luiz Carlos de Barros. Adoção para homossexuais. p. 84. 163 RIOS, Roger Raupp. A homossexualidade no direito. p. 139. 164 RIOS, Roger Raupp. A homossexualidade no direito. p. 139.

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Dias165 enfatiza que:

[...] a filiação sócio-afetiva sobrepõe-se a qualquer outro vínculo,

que biológico, que legal. Negar a possibilidade do reconhecimento

da filiação, quando os pais são do meso sexo, é uma forma cruel de

discriminar e de punir. Há uma legião de filhos esperando alguém

para chamar de mãe ou pai. Se forem dois pais, ou duas mães, não

importa, pois o amor irá receber.

O critério para a adoção, segundo entendimento de

Pereira166:

[...] deve ser a afetividade, elemento estruturante na filiação sócio-

afetiva. Não reconhecer a paternidade homoparental é retroagir

um século, ressuscitando a perversa classificação do Código Civil

de 1916, que, em boa hora, foi banida em 1988 pela Constituição

Federal.

Nesta senda, Andrade167 conclui:

Assim, não restam dúvidas de que um casal que possua união

homoafetiva e que deseje adotar uma criança ou um adolescente,

desde que preencha os requisitos legais e procedimentais para a

adoção, possa realizar este intuito, uma vez que o Código Civil, o

Estatuto da Criança e do Adolescente e a Constituição Federal de

1988 não proíbem a adoção para homossexuais, pelo contrário, os

princípios constitucionais da igualdade, da liberdade, da dignidade

da pessoa humana, a jurisprudência sulista e a moderna doutrina

do direito de família estão a seu favor.

O sistema legal brasileiro ainda não disciplinou o direito à

adoção por homossexuais indivíduos ou parceiros. Peres168 ressalta que, na

ausência de leis, cabe ao juiz julgar: “utilizando-se, para tanto, da

analogia, dos costumes e dos princípios gerais de direito”.

165 DIAS, Maria Berenice. Adoção homoafetiva. p. 439. 166 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Afeto, ética, família e o novo código civil. p. 396. 167 ANDRADE, Diogo de Calasans Melo. Adoção por casais homossexuais: adoção entre pessoas do mesmo sexo e os princípios constitucionais. p. 120. 168 PERES, Ana Paula A. Barion. Adoção por homossexuais: fronteiras da família na pós-modernidade. p. 90.

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Ilustrativamente, decisões de alguns Tribunais de Justiça

Brasileiros sobre a questão da adoção por casais homoafetivos serão

trazidas no próximo item.

3.5 VISÃO JURISPRUDENCIAL DA ADOÇÃO POR HOMOSSEXUAIS E CASAIS

HOMOAFETIVOS

No ano de 2008, a Bélgica se tornou o sexto país do mundo a

autorizar a adoção de crianças por casais homossexuais. Espanha, Reino

Unido, Suécia, Canadá e África do Sul são os outros países que permitem a

adoção a pessoas do mesmo sexo, sem restrições.

A Lei Nacional de Adoção, apresentada em 2003 e, ainda,

não apreciada pelo plenário da Câmara dos Deputados, não prevê a

possibilidade de adoção das crianças.169

Dias170 cita trecho de decisões judiciais referentes à adoção

por casais homoafetivos:

Inéditas em âmbito nacional as decisões do magistrado Siro Darlan

de Oliveira, da Primeira Vara da Infância e da Juventude da

Comarca do Rio de Janeiro. Em 26/03/97, deferiu a uma

homossexual feminina a adoção de um menor de um ano de

idade, que lhe havia sido entregue com poucos dias de vida com

sérios problemas de saúde, face à importância de um contexto

familiar e acolhedor para a criança, ao invés de uma existência

marcada pela impessoalidade institucional. De ofício, determinou o

acompanhamento psicoterápico à adotante seua companheira

conjugal.

[...].

Essa mesmo magistrado, sob o argumento de que a lei não

acolhe razões que tem por fundamento o preconceito e a

discriminação, portanto, o que a lei não proíbe não pode o

169 Disponível em: http://www.g1.globo.com/notícias. Acesso em 01/06/2009. 170 DIAS, Maria Berenice. Adoção homoafetiva. p. 62.

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intérprete inovar, diante do estudo social e do parecer

favorável do Ministério Público, deu em adoção a um

homossexual masculino um menino que, dos 2 aos 12 anos de

idade, esteve abandonado em uma instituição. A sentença

foi confirmada pela 9º Câmara Civil do Tribunal de Justiça do

Rio de Janeiro.

Em 2006, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, deferiu a

adoção para um casal que mantinha um relacionamento

homoafetivo.171

Blum172 defende e acrescenta às decisões acima destacadas,

ressaltando que “se a pessoa está dentro dos requisitos

exigidos para a adoção ela poderá adotar

independentemente da sua opção sexual. E isso, [...], deveria

acontecer também com casais homossexuais”.

Verifica-se que em um dos casos citados, o deferimento da

adoção se deu com enfoque no bem estar da criança e do

adolescente. A solução deverá considerar todos iguais e sem

preconceitos ou discriminação e observar o melhor interesse

para o menor.

Entende-se, assim, que o direito de ser inserido em um

ambiente familiar pertence à criança e ao adolescente,

sendo que constatada a possibilidade sócio-econômica e

psicológica dos requerentes, a adoção, independentemente

de suas opções sexuais deverá ser deferida.

171 Disponível em: http://www.tj-rs.org.br//. Acesso em 01/04/2009. 172 BLUM, Melissa de Mattos. Adoção homoafetiva.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como objetivo investigar, à luz da

legislação, da doutrina e da jurisprudência, a possibilidade de casais

homossexuais utilizarem-se do instituto da adoção.

O interesse pelo tema deu-se em razão de sua atualidade e

diversidade do modo como o tema vem sendo abordado no contexto

nacional e internacional, principalmente, pelas manifestações de

“paradas” realizadas por homossexuais, reivindicando pelos seus direitos e

mostrando que, hoje, formam uma “classe social” altamente organizada.

Para seu desenvolvimento lógico o trabalho foi dividido em

três capítulos. No primeiro, abordou-se o princípio da dignidade da pessoa

humana, conceituação geral, a CRFB/88 e o princípio, bem como o direito

de família e as repercussões nas espécies de família, quais sejam: a

matrimonial, a oriunda da união estável, a monoparental e a substituta.

Conforme disposto daquele capítulo, obteve-se

embasamento para chegar-se ao tipo de família na atualidade, bem

como, na forma de parentesco e filiação nos dias atuais, para seguir

adiante, no que se refere ao estudo apresentado no segundo capítulo.

No segundo capítulo, procurou-se explicar a adoção, origem

e sua evolução histórica, desde a fase pré-romana até a atualidade; para

encerrar o segundo capítulo, fez-se breves considerações quanto a

adoção no nosso direito brasileiro, por qual vem apresentando algumas

mudanças.

E, no terceiro e último capítulo, trabalhou-se a respeito da

possibilidade de homossexuais adotarem, através do Estatuto da Criança

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e do Adolescente, bem como através de garantias constitucionais

previstas na CRFB/88

Demonstrou-se que em consonância com a Lei, é totalmente

possível um homossexual, independentemente de seu sexo, homem ou

mulher, desde que comprovado estar em condições de exercer a

condição de pai ou mãe da criança ou adolescente, ter este sob sua

condição de filho legítimo.

Como última seção do referido capítulo, optou-se por trazer,

de forma ilustrativa, alguns julgados para contribuir e melhor ilustrar a

presente monografia e, ainda, dar maior embasamento legal no que se

refere ao assunto em pauta, demonstrando que, muito dos nossos

julgadores têm concedido adoção a homossexuais, por concluírem que,

depois defeito o acompanhamento psicossocial, estes apresentam todas

as condições necessárias para educarem um menor, ao invés de

deixarem estes em instituições para menores.

Passa-se, agora, à verificação da confirmação ou não das

hipóteses levantadas na introdução:

a) As uniões homoafetivas, embora existentes em nossa

sociedade, não são reconhecidas, juridicamente, como famílias ou

entidades familiares.

Esta hipótese restou parcialmente confirmada. Se, por um

lado, não há texto legal atinente à questão, por outro, alguns

doutrinadores e decisões judiciais, baseados, principalmente, no Princípio

da dignidade da pessoa humana, já têm entendido a união homoafetiva

como um tipo de família.

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b) O não deferimento da adoção, tendo como único

impedimento a opção sexual do adotante ou dos adotantes, encontra-se

calçado no preconceito. Desta forma, fere princípio da dignidade da

pessoa humana e o princípio da convivência familiar, já que impede o

adotando (criança ou adolescente) de ter uma família.

Por todo o exposto no texto monográfico, esta hipótese restou

totalmente confirmada.

c) A adoção de menores por pessoas que tenham

orientação sexual homossexual é possível. A adoção, conjunta, por

pessoas do mesmo sexo não é permitida no Brasil.

Esta hipótese final restou parcialmente confirmada. Há menos

entraves legais ao deferimento da adoção de um menor a um adotante

homossexual do que a um casal homoafetivo. Todavia, como não existe

proibição legal expressa de adoção por casais homoafetivos, comporta

interpretação favorável. O que se deve levar em conta, em toda e

qualquer adoção é, acima de tudo, o melhor interesse do menor.

Não foram encontrados entendimentos jurisprudenciais

atinentes à adoção por casais homoafetivos, apenas entendimento

doutrinário. Maria Berenice Dias, que aborda, em várias de suas obras

jurídicas, este assunto tão polêmico, defende que a adoção de menores

no Brasil deve ser totalmente permitida às famílias homoafetivas.

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