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A CONTRA-REFORMA UNIVERSITÁRIA DO GOVERNO LULA Editorial Um fino verniz democrático para encobrir os interesses privados O prazo estabelecido pelo governo federal, através do Ministério da Educação, para o envio de propostas da socieda- de ao seu projeto de Reforma Universitária esgotou-se em fins de março. Poderíamos assinalar o tempo exíguo para o debate como indicativo claro da intenção governamental de impor suas propostas praticamente sem discussão. Este é um ponto importante, mas não o mais revelador. Ocorre que, enquanto o governo diz estar elaborando a versão final do anteprojeto a ser enviado ao Congresso Nacional, itens importantes da Re- forma já foram transformados em lei. É o caso do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), da Lei de Incentivos à Inovação Científica e Tecnológica, do Progra- ma Universidade para Todos (ProUni) e da Lei das Parcerias Público-Privadas (PPP’s). Tornadas leis sem nenhum debate significativo com a sociedade, estas medidas trazem conseqüências diretas para a continua na pág. 2 Os principais pontos do anteprojeto do MEC Págs. 3 a 5 As medidas que já se tornaram lei Págs. 5 e 6 O que há por trás da grita do empresariado Págs. 7 a 9 A reforma nas estaduais paulistas Pág. 10 A mobilização dos estudantes da Unesp Pág 11 Um debate sobre as cotas Págs. 12 a 16 ADUNESP FORMA in Jornal da Associação dos Docentes da Unesp - Seção Sindical do Andes Edição Especial - Abril 2005 Seção Sindical do Andes - Sindicato Nacional

ADUNESP FORMA in · 2019. 6. 28. · Leher, Roberto - “O setor privado critica o anteprojeto, ... Jornal da Campanha Contra essa Reforma Universitária do Governo Lula Jornais:

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  • A CONTRA-REFORMAUNIVERSITÁRIA DO GOVERNO LULA

    Editorial

    Um fino vernizdemocrático para encobriros interesses privados

    O prazo estabelecido pelo governo federal, através doMinistério da Educação, para o envio de propostas da socieda-de ao seu projeto de Reforma Universitária esgotou-se em finsde março. Poderíamos assinalar o tempo exíguo para o debatecomo indicativo claro da intenção governamental de imporsuas propostas praticamente sem discussão. Este é um pontoimportante, mas não o mais revelador. Ocorre que, enquanto ogoverno diz estar elaborando a versão final do anteprojeto aser enviado ao Congresso Nacional, itens importantes da Re-forma já foram transformados em lei. É o caso do SistemaNacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), da Leide Incentivos à Inovação Científica e Tecnológica, do Progra-ma Universidade para Todos (ProUni) e da Lei das ParceriasPúblico-Privadas (PPP’s).

    Tornadas leis sem nenhum debate significativo com asociedade, estas medidas trazem conseqüências diretas para a

    continua na pág. 2

    Os principais pontos doanteprojeto do MEC

    Págs. 3 a 5

    As medidas que já setornaram lei

    Págs. 5 e 6

    O que há por trás da grita doempresariado

    Págs. 7 a 9

    A reforma nas estaduaispaulistas

    Pág. 10

    A mobilização dos estudantesda Unesp

    Pág 11

    Um debate sobre as cotasPágs. 12 a 16

    ADUNESP FORMAinJornal da Associação dos Docentes da Unesp - Seção Sindical do Andes

    Edição Especial - Abril 2005

    Seção Sindical do Andes - SindicatoNacional

  • Página 2 Adunesp Informa Especial

    universidade pública e, em larga medida, beneficiam de imediato a inici-ativa privada. Somente isso já seria suficiente para desmascarar o pre-tenso caráter democrático que o governo procura mostrar.

    Nesta publicação especial da Adunesp, dedicada integral-mente à “Reforma Universitá-ria”, procuraremos avaliar oimpacto destas leis e desvendaro que significam os principaistópicos presentes no anteprojetoque seguirá ao Congresso. Nos-so Sindicato, assim como a enti-dade nacional da categoria (oAndes), recusou-se a participarda elaboração de tal proposta.Não porque lhe faltem subsídiosou propostas. Longe disso! AAdunesp defende, há tempos,princípios claros para a educa-ção, entendendo-a como umbem público e universal, umdireito de todos e um dever doEstado. Esta Reforma, no entan-to, caminha em sentido oposto aestes princípios e faz parte da agenda de organismos internacionaisdo grande capital (FMI, Banco Mundial etc), como procuraremosmostrar nesta edição. A Reforma não traz avanços sociais para o con-junto da população, mas sim procura redefinir o papel do Estado naperspectiva neoliberal, exatamente como ocorreu com a Reforma daPrevidência e acontece com a Sindical/Trabalhista.

    Sob a capa da socialização de direitos e fim de privilégios, taisreformas estão cumprindo um papel de contra-reformas, usurpandoconquistas históricas da população.

    No caso da Reforma Universitária, não é diferente. Emnome de uma virtual democratização do acesso à educação superior,promovem-se novos capítulos de uma já conhecida novela: o favo-

    recimento aos mercadores do ensino. A propalada expansão devagas e de universidades públicas deve acontecer sem a correspon-dente garantia de financiamento e, para agravar, promete vincular aliberação de recursos aos resultados do Plano de DesenvolvimentoInstitucional (PDI), o que tende a ampliar o fosso entre as institui-ções fragilizadas e os chamados “centros de excelência”. Tampoucoa assistência estudantil está garantida no projeto do governo, embo-

    ra seja essencial para a permanênciade estudantes carentes nos bancosescolares.

    Nesta edição, também vamosavaliar a grita dos empresários daeducação, procurando mostrar queconcordam com o governo no essen-cial e buscam “avançar” naquilo queconsideram prejudicial aos seus negó-cios. Sua reação, inclusive, vem sendousada pelo governo na tentativa decriar um cinturão protetor em tornoda Reforma. Infelizmente, váriossetores do movimento social embar-cam no apoio a medidas que repre-sentam a maior investida privada jádesferida contra a educação brasileiraem toda a sua história. É o caso daCNTE (Confederação Nacional dosTrabalhadores em Educação), Fasu-

    bra (Federação dos Sindicatos de Trabalhadores das UniversidadesBrasileiras), Contee (Confederação Nacional dos Trabalhadores emEstabelecimentos de Ensino), UNE (União Nacional dos Estudan-tes), UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) etc.

    O Andes, o nosso sindicato nacional, tem assumido papeldecisivo na luta contra a Reforma Universitária, ao lado do movimentoestudantil combativo. A Adunesp soma-se ao contingente dos queseguem defendendo a educação pública, gratuita e de qualidade. Aslutas dos estudantes da Unesp, nesse sentido, que entraram abril comatos e paralisações em vários campi, como mostra matéria na página 11,apontam o caminho a seguir.

    Marcha em Brasília (25/11/2004)

    Fontes utilizadas para a elaboração desta publicação

    Leher, Roberto - “O setor privado critica o anteprojeto, logo o anteprojeto é bom. Um mau silogismo para defender a contra-reforma”.

    Jacob Chaves, Vera Lúcia – “Análise do anteprojeto de Lei sobre a Reforma da Educação Superior”.

    Andes – “Agenda para a Educação Superior – Uma proposta do Andes – SN para o Brasil de hoje”.

    Andes – “Carta de Curitiba” (24º Congresso do Sindicato Nacional).

    Fórum Nacional da Livre Iniciativa da Educação – “Considerações e Recomendações sobre a Versão Preliminar do Anteprojeto de Lei da Reforma daEducação Superior”.

    GT Campineiro contra a Reforma - Jornal da Campanha Contra essa Reforma Universitária do Governo Lula

    Jornais: Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, Gazeta Mercantil, O Globo, Valor Econômico e Tribuna de Imprensa.

    Site do MEC

  • Adunesp Informa Especial Página 3

    A recém-lançada versão preliminardo anteprojeto da Lei de Educação Superi-or, longe de começar o debate, representa acontinuidade de um processo que teve iní-cio antes mesmo da posse do presidenteLula. A exemplo da pioneira delas, a Previ-denciária, e das que estão em andamento(como a Sindical/Trabalhista), a ReformaUniversitária é parte do compromisso assu-mido pelo PT com o FMI e organismosimportantes do capital estrangeiro, como oBanco Mundial, ainda durante a campanhaeleitoral.

    Em seu documento “Agenda para aEducação Superior: uma proposta do Andes-SNpara o Brasil de hoje”, o Sindicato Nacionalavalia que “a reforma está centrada emmudanças gerenciais, na redução do finan-ciamento público, no estabelecimento deparcerias público-privadas e em políticas depseudo-garantias de acesso dos pobres àuniversidade”. Para o Andes, o eixo centralé o aligeiramento dos estudos, visando aoafastamento cada vez maior dos conteúdoscurriculares das atuais fronteiras da ciênciae da tecnologia, para assegurar nossa inser-ção no mundo capitalista globa-lizado permanentemente comonação periférica, exportadora derecursos naturais, produtos agrí-colas e mão-de-obra barata, eeternamente dependente daimportação de tecnologia. Nessaótica, avalia o Sindicato Nacio-nal, as universidades devem seassociar às empresas e aos seto-res empresariais, e os docentesdevem ser meros empreendedo-res, configurando a mercantiliza-ção do conhecimento. “Comoos países periféricos e semiperi-féricos são capitalistas depen-dentes e marcados pela heteronomia cultu-ral, a venda de serviços afasta a universida-de do rigor teórico e da vigilância epistemo-lógica e, sobretudo, dos grandes problemasnacionais”, prossegue a análise.

    O anteprojeto da Lei de Educa-ção Superior é o terceiro documentoelaborado pelo MEC: o primeiro deles

    experiência mostra que tais preocupaçõesnão são infundadas. De 1996 a 2002, o nú-mero de matrículas nestas universidadescresceu 46%, passando de 364 mil para 532mil. Ao mesmo tempo, os recursos caminha-ram em sentido inverso, sendo drasticamentediminuídos, enquanto os concursos parareposição de vagas rarearam. “Isso significaque o crescimento se deu por meio de umaintensificação extraordinária do trabalho dosdocentes, da precarização e pela sobreutiliza-ção dos equipamentos e da infra-estrutura,como bibliotecas e laboratórios etc”, apontao Andes, concluindo que não há como cres-cer mais sem comprometer a qualidade doensino e da pesquisa.

    2) Financiamento

    O Andes também lembra que umrequisito indispensável para o êxitode qualquer agenda ou plano de edu-cação no país passa pela derrubadados vetos em vigor sobre o PlanoNacional de Educação-PNE (Lei n°10.172/2001). O PNE previa a apli-cação de recursos financeiros equiva-lentes a 7% do PIB para a educaçãopública em todos os níveis de ensino(graduação, pós-graduação, pesquisae extensão), mas isso foi vetado porFHC. “Esse seria o passo inicial vi-sando a alcançar a meta do PNE:

    Proposta da Sociedade Brasileira, de 10%do PIB até o final da década”, diz o Sindi-cato Nacional. Tendo por referência osvalores de 2004, 7% do PIB correspondema, aproximadamente, R$ 128 bilhões.

    Atualmente, os recursos da União vin-culados à educação referem-se a 18% dos

    Reforma Universitária

    A tradução prática das premissasdo Banco Mundial paraa educação

    foi feito por uma comissão interministe-rial, em 2003; o segundo, intitulado “Re-afirmando Princípios e Consolidando Diretri-zes da Reforma da Educação Superior”, foidivulgado em dezembro passado. Entreos 100 artigos deste terceiro documento,alguns aspectos chamam a atenção:

    1) Expansão

    O anteprojeto do MEC apresentaa meta de expandir o total de vagas na redesuperior pública em 40% até 2011. Aqui,cabe um parêntese importante: por contado boom vivido pelo ensino superior privadonos últimos anos, o montante de vagaspúblicas em 2003 era de apenas 14% dototal (em São Paulo, 4%). Chegar a 40%,portanto, traduziria um salto gigantesco,

    que seria muito bem-vindo, não fosse apreocupação com os formatos que issopode assumir: ensino à distância, centrosuniversitários estaduais/municipais comcobrança de mensalidades, inchaço dasatuais universidades públicas sem a devidacontrapartida de recursos...

    Nas instituições públicas federais, a

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    Marcha em Brasília (25/11/2004)

  • Página 4 Adunesp Informa Especial

    A expansão de Lula ea realidade dos núme-

    rosA intenção do governo Lula, deacordo com o anteprojeto de Leisobre a Reforma do Ensino An-terior, apresentado pelo MEC, échegar a 40% até 2011. Segundoestudos elaborados pelo profes-

    sor Otaviano Helene, da USP e ex-presidente do INEP em 2003, seri-

    am necessários R$ 27 bilhões parachegar a esse índice, valores muito su-

    periores aos recursos atualmente desti-nados ao ensino superior público do país.E aí entra o “jeitinho” palaciano: a saídaencontrada é utilizar nesta conta as vagascriadas pelo ProUni (considerando-ascomo “públicas-não estatais”), os cursosrápidos de dois anos e o ensino à distân-cia.

    Segundo cálculos do próprio gover-no, seria necessário contratar 25.785 profes-sores até 2007 na rede federal de ensino supe-rior. Até o momento, o MEC anunciou a con-tratação de apenas seis mil professores até2006.

    Como é ofinanciamento atual

    Atualmente, a educação recebe daUnião recursos equivalentes a 18% dos im-postos arrecadados (que correspondem aapenas 44% das suas receitas totais). Dareceita de impostos, 20% já ficam retidosantes do repasse, a título de Desvincula-ção das Receitas da União (DRU), uma ma-racutaia criada pelo governo FHC e man-tida por Lula, que significou um confiscoglobal de R$ 29 bilhões em 2004.

    Do total que vai para a educação, 75%ficam para o ensino superior.

    O Plano Nacional da Educação(PNE), votado pelo Congresso em 2001, pre-via a aplicação de 7% do PIB em educaçãopública em todos os níveis, mas este tópico foivetado por FHC. Embora tenha se compro-metido, durante a campanha eleitoral, a derru-bar estes vetos, Lula nada fez até o momento.Atualmente, o governo aplica 4% do PIB.

    impostos, que, por sua vez, corres-pondem a apenas 44% das receitas daUnião. Além disso, do total de impos-tos arrecadados pela União, 20% fi-cam retidos a título da Desvinculaçãodas Receitas da União (DRU), prejudi-cando diretamente a educação pública.

    3) Critérios de mercado

    No anteprojeto apresentado peloMEC, aparece a obrigatoriedade, paratodas as instituições de ensino superi-or, de apresentação de um Plano deDesenvolvimento Institucional (PDI)de cinco em cinco anos. O PDI deve-rá trazer os seguintes tópicos: as pers-pectivas de evolução; o projeto peda-gógico; o projeto de desenvolvimentoregional e local, conforme o artigo 3ºda lei do Sistema Nacional de Avalia-ção da Educação Superior (Sinaes); osinstrumentos de integração com asociedade em geral, em especial comas populações de seu entorno ou áreade influência.

    Uma das possíveis implicaçõesdo PDI é a diferenciação no financia-mento das instituições públicas. Oanteprojeto prevê a existência de umaverba destacada exclusivamente paraprojetos de qualidade e de expansãoda universidade pública. “A partir daaprovação da proposta, teremos umpouco mais de recursos, separandoaqueles de repasse automático e umaparte para a apresentação de planosde extensão e de qualidade”, explicouo ministro Tarso Genro (Folha de S.Paulo, 31/3/2005). Como a definiçãodo que seria “qualidade” estaria acargo do próprio MEC, a partir daavaliação do PDI, fica no ar a des-confiança de que ganharão “incenti-vos” os projetos mais afinados comos interesses do mercado e das gran-des empresas.

    O anteprojeto também apon-ta a possibilidade de extinguir cargo edemitir de acordo com a capacidadedo orçamento da instituição.

    4) Quebra da isonomia salarial

    Além de diferenciar umainstituição pública da outra, a propos-ta do MEC também cria a possibilida-

    de da quebra da isonomia salarial en-tre os docentes e entre os técnico-administrativos. No inciso VI, legali-za-se a complementação salarial pormeio da remuneração adicional pelarealização de atividades especiais (ouseja, por meio dos convênios e contra-tos com empresas privadas). “Os maisprodutivos, que captarem mais recur-sos no mercado, receberão remunera-ção extra por meio de complementa-ção salarial por atividade/tarefa”, criti-ca a professora Vera Lúcia Jacob Cha-ves, da Universidade Federal do Pará.

    5) Uma pinceladade autonomia

    O anteprojeto do MEC procuraestabelecer a regulamentação do artigo207 da Constituição de 1988, que garanteàs universidades públicas o gozo de auto-nomia quanto aos fins (didático-científi-ca) e quanto aos meios (administrativa ede gestão financeira e patrimonial), asse-gurando, entretanto, essa prerrogativa àsinstituições que praticam a indissociabili-dade entre ensino, pesquisa e extensão.“Todo o anteprojeto é marcado pelaimplementação da autonomia neoliberalpor meio de uma hiper-concentração depoder nos órgãos do governo e da libera-ção para que as IES possam gerar recur-sos financeiros captados no mercado,desobrigando o Estado do financiamen-to do ensino superior pú-

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  • Adunesp Informa Especial Página 5

    blico”, avalia a professora Vera. Para ela, sãoartigos desnecessários, pois legislam sobre aConstituição, sendo, portanto, inconstitucio-nais. “Para a efetivação da autonomia, basta aremoção de todos os entulhos autoritáriosque impedem que seja exercida em sua pleni-tude”, diz ela, enumerando a própria LDB(Lei 9.394/96) em diversos dispositivos, aLei 9.192/95, que regulamenta as fundaçõesprivadas e a Lei do Sinaes.

    No tópico em que trata dos estatutos dasuniversidades públicas, o anteprojeto do MEComite-se quanto à sua elaboração de formademocrática pela comunidade universitária, apartir de congressos estatuintes e paritários,como defende o Andes e o PNE: Proposta daSociedade Brasileira. Por outro lado, o estatutoestará submetido ao crivo do Conselho Nacio-nal de Educação (CNE) e ao poder de veto doministro da Educação (no caso das federais).No caso das particulares, o documento doMEC apenas menciona a necessidade de regis-tro em órgãos “pertinentes”.

    A gestão democrática é limitada àorganização colegiada da universidade, oque não garante a plena participação dacomunidade nas decisões, na implementa-ção das ações, no acompanhamento e naavaliação de todo o processo que se passano interior da instituição. A professora Veralembra que, para o movimento docente, a

    gestão democrática implica que os mecanis-mos de decisão, controle e gestão devamser estruturados de tal forma que permitama participação colegiada, paritária, dos trêssegmentos na definição da política instituci-onal, o que deverá ser feito de forma trans-parente. “A descentralização das ações e aprestação de contas públicas deverão serprincípios inerentes aos gestores, de todosos níveis, que têm um compromisso com acomunidade interna e com a sociedade emgeral”, diz ela.

    6) Os centros universitários

    Os centros universitários são umcapítulo à parte no anteprojeto do MEC.Criados por decreto durante o governoFHC, eles agora poderão ser legalizados.“Serão destinados à oferta de ensino e pro-gramas institucionais de extensão, para quepossam criar mais cursos pagos, não sendoexigido o desenvolvimento de pesquisa”,comenta a professora Vera (leia mais sobre oscentros universitários na pág. 7).

    O futuro da universidade pública

    depende de nossa luta!

    Não à Reforma Universitária do

    governo Lula!!

    7) Assistência estudantil

    Ao mesmo tempo em que fala deinclusão social – propondo a instituição decotas para alunos da escola pública, afrodes-cendentes e indígenas – o anteprojeto doMEC omite-se num ponto decisivo: a assis-tência estudantil. “Uma agenda democráticatem de partir do princípio de que o acesso ea permanência são direitos inalienáveis edever do Estado”, assinala o Andes.

    A única referência do anteprojeto aoassunto está no artigo 52, que autoriza a realiza-ção de um concurso anual especial das loterias,cuja renda seria destinada à assistência a estudan-tes de baixa renda. “O padrão de financiamentoatual é mantido e a loteria apresenta-se comopaliativo para preencher lacunas orçamentárias.Precisamos de recursos orçamentários do Te-souro para fazer frente às demandas dos estu-dantes por bons alojamentos, bons restaurantesuniversitários, boas bibliotecas, assistência médi-ca, hospitalar, bolsas de estudos, entre outras”,arremata a professora Vera.

    de 13/1/2005, e garante um socorro finan-ceiro às instituições particulares. Em trocade uma ampla isenção fiscal (estimada emcerca de R$ 2,5 bilhões por ano), elas terãoque conceder uma contrapartida em bolsasde estudo. A princípio, o governo falou em20% das vagas (400 mil bolsas integrais),reduzindo essa meta, posteriormente, para10%. No Congresso, a base governista fe-chou um acordo

    1) ProUni, o filantrópicoremédio para as privadas

    O Programa Universidade paraTodos (ProUni) foi criado pela Lei 11.096,

    Reforma fatiadaMedidas como ProUni, PPP’s, regulamentação

    das Fundações de Apoio, Sinaes e InovaçãoTecnológica já estão em vigor

    Enquanto elaborava oanteprojeto (que deve seguir ao Con-gresso Nacional após os devidos “ajus-tes”, como aqueles sugeridos pelo setorprivado) e falava de “debate democráti-co”, o governo tratou de transformar emleis medidas importantes. São elas:

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  • Página 6 Adunesp Informa Especial

    Andes defendeestatizaçãoprogressiva

    Na contramão da onda priva-tista que permeia a Reforma Uni-versitária do governo Lula, o Sindi-cato Nacional dos Docentes doEnsino Superior (Andes) defende aprogressiva estatização das institui-ções privadas, como forma, entreoutras, de ampliar as vagas no ensi-no superior, na via da universaliza-ção da oferta nesse nível de ensino.A proposta consta no documento“Agenda para a Educação Superior: umaproposta do Andes-SN para o Brasil dehoje” e sugere a sustação de todosos mecanismos de canalização dasverbas públicas para o setor priva-do (como o ProUni), o congelamen-to, com vistas à redução das mensa-lidades, o respeito à liberdade deorganização e atuação sindicais, aimplantação da carreira docente nocurso da qual se garanta a elevaçãoprogressiva dos salários e a adoçãodo contrato por regime de trabalhoem substituição à contratação porhora/aula.

    Pela revogação

    imediata das medidas

    já aprovadas!

    com os empresários e derrubou o índicepara 4,25% (120 mil bolsas).

    O Andes estima que, com essesrecursos, teríamos ensino noturno em todasas universidades federais, criando, de imedi-ato, 400 mil novas vagas. Em três ou quatroanos, poderíamos chegar a um milhão denovas matrículas reais, sem o embuste pre-visto no ProUni, que permite que as vagasfornecidas sejam nos famigerados cursosseqüenciais.

    2) As PPP’s na educação

    Criadas pela Lei 11.079, de 30/12/2004, as Parcerias Público-Privadas (PPP’s)são novas modalidades de investimentos.As PPP’s estabelecem normas a serem se-guidas nos investimentos feitos em parceriaentre o poder público (União, estados emunicípios) e a iniciativa privada. Na con-cessão patrocinada, há o ressarcimento depossíveis prejuízos do setor privado, emparcelas pagas pelo governo periodicamen-te ao longo do contrato, além da tarifa quepoderá ser cobrada dos usuários dos servi-ços. Inicialmente deixada de fora das PPP’s,a educação encontrou sua via de acesso aelas por meio do ProUni.

    3) A criação do Sinaes

    O sistema de avaliação criado pelogoverno Lula pouco difere do anterior. Emvez do Exame Nacional de Cursos (Provão)de FHC, entra em cena o Exame Nacionalde Desempenho dos Estudantes/Enade deLula. O Enade – que reproduz o caráterranqueador, produtivista e punitivo do Pro-vão – é parte do Sistema Nacional de Ava-liação da Educação Superior (Sinaes), cria-do em abril de 2004, por meio da Lei10.861.

    O Sinaes é composto do seguintetripé: avaliação interna e externa das insti-tuições de ensino superior; dos cursos degraduação e do desempenho acadêmico dosestudantes (através do Enade). O planeja-mento e a operacionalização das ações fi-

    cam por conta da Comissão Nacional deAvaliação da Educação Superior (Conaes),cuja composição está longe de ser democrá-tica: INEP (1), Capes (1), MEC (3), mais 5membros indicados pelo ministro da Edu-cação, representante dos docentes (1), dostécnicos-administrativos (1) e dos estudan-tes (1).

    A bandeira histórica do movimen-to docente é que a avaliação do ensino su-perior seja participativa, emancipatória edemocrática. É claro que, com tanta con-centração de poder no Sinaes/Conaes, istoestá longe de acontecer. Na verdade, valeaqui a lógica neoliberal para a educação: aomesmo tempo em que se desresponsabili-zam com a educação superior pública, osúltimos governos brasileiros vêm concen-trando sua atuação na avaliação das institui-ções de ensino.

    4) Fundações privadas, o ca-minho da mercantilização

    O Decreto Federal 5.205/04, edita-do pelo MEC e MCT, regulamentou a lei8.958/94, que trata das relações entre asinstituições federais de ensino superior e asfundações. Ou seja, as chamadas fundaçõesde “apoio” passam a ser legalizadas, poden-do ocupar papel de destaque na captação derecursos junto à iniciativa privada e isentan-do ainda mais o Estado de financiar o ensinosuperior público.

    5) Lei de InovaçãoTecnológica

    A Lei de Incentivos à Inovação Científi-ca e Tecnológica, aprovada em 11/11/2004,permite que as universidades possam captarrecursos no mercado, oferecendo em trocaserviços de inovação tecnológica. O docentepassa a ser visto como “empreendedor”,sendo remunerado conforme sua capacidade

    empreendedora. Como nem todas as áreasinteressam ao mercado, na prática, isso levariaà quebra da isonomia salarial no interior dauniversidade.

    De acordo com seus interesses, asempresas definiriam o que será desenvolvi-do pela universidade pública, em termos deserviços, produtos etc.

    Em resumo, trata-se de um conjunto deregras que subordinam a produção do co-nhecimento às demandas operacionais docapital. Para o Andes, trata-se de uma “ruade mão única”: beneficia a empresa e o em-preendedor, mas não a sociedade e a univer-sidade.

  • Adunesp Informa Especial Página 7

    Às vezes, é preciso ler além dasletras para entender o significado de algumaspalavras. No caso da Reforma Universitária,não é diferente. Os empresários da educaçãotêm se esforçado para emplacar na grandeimprensa argumentos contrários à Reforma,às vezes de forma bem contundente. Em suaanálise do anteprojeto do MEC, o Fórum daLivre Iniciativa da Educação, que reúne 25entidades do setor particular, denuncia que o“objetivo latente é promover uma maior

    As aparências enganam

    Setor privado é contra...pero no mucho!Governo procura utilizar as críticas dosempresários da educação para forçar umconsenso a favor da Reforma

    Um mercado deR$ 16 bilhões

    A pressão dos empresários da

    educação superior tem razões muito pal-páveis. No ano passado, as universida-des privadas movimentaram cerca de R$16 bilhões. Segundo a Organização paraCooperação e Desenvolvimento Econô-mico (OCDE), o Brasil está entre os cin-co países em que a educação superior émais privatizada (Gazeta Mercantil, 21/3/2005).

    De acordo com o Censo daEducação, 88% de todas as escolas su-periores do país são privadas. Elas ofe-recem 72% de todas as vagas, contra 28%das universidades públicas. De 1975 a2003, o número de matrículas cresceu282% nas escolas privadas, enquanto naspúblicas esse acréscimo ficou em apenas53%.

    Toda essa expansão privadanão significa, no entanto, que o Brasilesteja entre os países com maior núme-ro de universitários. Ao contrário. Sãocerca de 3,5 milhões de alunos matricu-lados em cursos superiores, o que re-presenta apenas 1,9% da população. NaArgentina, esse índice é de 4,6% da po-pulação.

    intervenção no processo de gestão, especial-mente no setor privado”. O texto cita comoexemplo a criação de conselhos sociais e aobrigatoriedade de eleições diretas paramembros da reitoria.

    Não se trata de negar que hajacríticas por parte das entidades empresariais.Ocorre que elas não são determinantes nestadiscussão. No essencial, há acordo com ogoverno, como é o caso do ProUni, da Ino-vação Tecnológica, do Sinaes, entre outros.No entanto, os empresários consideram quetais medidas são insuficientes e pleiteiammais vantagens e desregulamentação.

    Nesse sentido, a força do empre-sariado não é qualquer coisa. O exemplodo ProUni é bastante revelador. A princí-pio, o governo sinalizou que exigiria 20%das vagas em troca da isenção completa detributos (algo em torno de R$ 2,5 bilhõespor ano). Os donos de faculdades chiaram,fizeram lobby no Congresso Nacional econseguiram uma significativa redução. As400 mil bolsas anunciadas pelo MEC redu-ziram-se, com isso, a cerca de 100 mil.Detalhe: a redução foi aprovada por “acor-do” entre todos os partidos.

    Aqui, vale a conclusão tirada porRoberto Leher, docente da UFRJ e ex-presidente do Andes: “Os empresários daeducação criticam o anteprojeto. Os em-presários são contra o controle estatal.Logo, o governo irá liberalizar e desregu-lamentar ainda mais o setor” (in “O setorprivado critica o anteprojeto, logo o ante-projeto é bom. Um mau silogismo paradefender a contra-reforma”).

    Bem público Em sua análise, o Fórum Nacionalda Livre Iniciativa em Educação destaca ospontos do anteprojeto com os quais con-corda. A tese de que a educação é um “bempúblico” é uma delas. Ou seja, as verbasestatais podem ser distribuídas a todas as

    instituições que oferecem esse “bem públi-co, independente de serem públicas ouprivadas. Este ponto dá margem não só aoProUni, mas também à possibilidade deconversão de filantrópicas em empresariais,permitindo a transferência de patrimôniosem pagamento de impostos e contribui-ções. Em seu artigo, Leher cita como exem-plo o caso do reitor e proprietário da Uni-versidade de Marília (Unimar), Márcio Mes-quita Serva, recentemente condenado pela1ª Vara Federal Criminal de São Paulo a 10anos de prisão e multa por crime de sone-gação fiscal (ele pode apelar em liberdade).Em nome da instituição, que era filantrópi-ca na época, Serva e família utilizaram aimunidade tributária para aumentar o patri-mônio pessoal, desviando recursos para acompra de prédios de apartamentos e atéum avião (Folha de S. Paulo, 2/4/2005). Se aReforma for aprovada como pretende ogoverno, esse crime deixaria de existir.

    Centros UniversitáriosOutra concordância dos empresári-

    os é em relação à institucionalização dosCentros Universitários. Esta modalidade, quenão está prevista na LDB, foi criada peloDecreto 2.306/97, ainda no governo FHC, erecebeu muitas críticas. Os Centros Universi-tários têm prerrogativas de universidades(criar cursos, por exemplo), mas estão libera-dos de fazer pesquisa e extensão.

    De acordo com o anteprojeto, parauma instituição ser considerada universidade,precisa oferecer 12 cursos de graduação emtrês campos do saber, três mestrados e umdoutorado. As universidades “especializadas”(vale lembrar que a maioria delas é especializa-da na área de Humanas) precisam ter apenasoito cursos de graduação e um mestrado oudoutorado. Para os Centros Universitários, aexigência é de seis cursos de graduação em

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  • Página 8 Adunesp Informa Especial

    dois campos do saber (se forem“especializados”, a exigência caipara quatro cursos em um únicocampo do saber).

    Capital estrangeiroUma das críticas freqüen-

    tes dos empresários diz respeito àpresença de investimentos estran-geiros na educação. Longe de signi-ficar uma interferência, a inclusãodeste tópico no anteprojeto daReforma Universitária atende auma antiga reivindicação do em-presariado da educação. O que estáem debate é apenas o índice (fixa-do, a princípio, em 30%).

    Suscetível às pressões, oMEC admite – com todas asletras – alterar este limite. “Ovalor, de 30%, 40% ou 50%, nãoé o essencial. O que é fundamen-tal é existirem regras para contro-lar o setor”, afirmou RonaldoMota, secretário-executivo doConselho Nacional de Educação(O Estado de S. Paulo, 2/3/2005).Mota lembra, ainda, que o teto de30% de participação estrangeira édeterminado apenas para as em-presas com fins lucrativos. “Osoutros setores podem formarparcerias sem restrição”, diz.

    Este é um ponto impor-tante da Reforma Universitária, queatende diretamente ao capital inter-nacional, ávido por viabilizar novosmecanismos de lucros em paísescomo o Brasil, e aos seus eventuaissócios na burguesia nacional. Umdestes sócios, aliás, está bem próxi-mo do MEC. Trata-se do ministrodo Turismo do governo Lula, Wal-frido Mares Guia, proprietário dogrupo Pitágoras, em sociedade(meio a meio) com o grupo ameri-cano Apollo (dono de universida-des importantes nos EUA, como ade Phoenix, no Arizona).

    Mensalidades em altaUm dos principais pro-

    blemas para os estudantes dasuniversidades privadas são asaltas mensalidades cobradas e afalta de controle do governo.Esse ponto sequer é citado no

    anteprojeto de Reforma Univer-sitária do MEC.

    O “consenso”do MEC

    Ao mesmo tempoem que busca o apoio dasentidades ligadas aos traba-lhadores e aos estudantes, ogoverno deixa claro que ten-tará viabilizar um acordoainda mais flexível com oempresariado. “Estamos embusca de um consenso” disseo ministro Tarso Genro, emreunião com os empresáriosda educação na ConfederaçãoNacional da Indústria/CNI(Valor Econômico, 1º/3/2005).

    “As medidas empre-endidas pelo governo e asprevistas pelo anteprojetodefinem um grande marconormativo que fortalece osetor privado por meio deisenções fiscais, pelo aprofun-damento da diferenciação dasIES, pelo baixo perfil para a clas-sificação das instituições comouniversidades e centros universi-tários e pela abertura do mercadoao investimento estrangeiro”,conclui Roberto Leher. Para ele,a oportunidade de uma “refor-ma” da educação superior é vistapelos empresários como umapreciosa oportunidade de melho-rar as condições para os negócioseducacionais, liberalizando eflexibilizando ainda mais o setor.Ele frisa, ainda, que muitas rei-vindicações são específicas desetores (universidades empresari-ais, confessionais etc.) e nãoatendem a todo o setor privado.

    Leher considera que osconflitos entre essas frações sãoagudos e o fato de todas as enti-dades empresariais terem acorda-do um documento unitário, pormeio do Fórum Nacional da LivreIniciativa em Educação, não auto-riza a avaliação de que a competi-ção entre elas será atenuada.

    “Não é preciso fazerfuturologia para saber que as frá-geis regulamentações das condi-ções de funcionamento do setorprivado serão derrubadas, muitoprovavelmente já na Casa Civil”,finaliza.

    “Bird quer mais cursosuniversitários curtos”

    Com esta manchete, o jornal carioca Tribuna daImprensa (22/3/2005) expôs a opinião de um dos maisimportantes organismos do grande capital – o Banco In-ternacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento/Bird, que integra o Banco Mundial. Citando a opinião deCláudio de Moura e Castro, ex-diretor da área de políti-cas educacionais do Banco Mundial, a matéria defende aexpansão dos cursos universitários de curta duração, dedois ou três anos, como sendo um dos caminhos paraampliar o acesso dos jovens à universidade.

    De acordo com Castro, que é presidente do gru-po consultivo do grupo Pitágoras, alunos de baixa ren-da, sem condições de arcar com os custos de um cursotradicional, poderiam se formar em menos tempo. “Oaluno mais pobre consegue se endividar por dois anos,mas por quatro é muito mais difícil”, argumentou. Elelembra que vários países já adotam tais cursos em largaescala, como é o caso da Argentina, Venezuela e Chile,onde os cursos mais curtos atraem um terço das matrí-culas nas universidades, em áreas como manutenção deequipamentos e secretariado. No Brasil, para desalentodo Banco Mundial, os números ainda são modestos: cer-ca de 10% dos quase quatro milhões de universitáriosfazem estes cursos.

    A expectativa do Banco Mundial, segundo Cas-tro, é que o anteprojeto da Reforma Universitária dê maisatenção ao assunto, estimulando o crescimento dos cursosrápidos. Em outras palavras: é preciso abrir uma brecha paraescoar o descontentamento da população com a elitizaçãodo acesso ao ensino superior. Como? Oferecendo, para amaioria, ensino aligeirado e dirigido aos postos de “segundalinha” no mercado de trabalho; para a minoria, cursos tradi-cionais e voltados para áreas mais “nobres”. E mais: é pre-ciso facilitar o caminho para a iniciativa privada, que vê noscursos rápidos uma via mais lucrativa do que a graduaçãotradicional.

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    Onde os empresáriosquerem “avançar”

    1) Processo de gestão democrática.O que prevê o anteprojeto- Eleição direta pela comunidade para a escolha de um pró-reitor com critérios elaborados pelo Conselho Superior, emgeral constituído pela direção da instituição.- Criação de Conselho Comunitário Social, de caráter consulti-vo.

    . O que querem os empresários- Eles dizem que isso fere a Constituição (art. 209, I e II),que diz ser o ensino livre à iniciativa privada, desde que ob-servadas as normas gerais da educação nacional, a autoriza-ção e a avaliação de qualidade pelo poder público.- Eles criticam o Conselho, alegando que “torna possível asubstituição do mérito acadêmico e da competência adminis-trativa por ações de cunho sindical, corporativista ou vincu-ladas a forças estranhas ao meio acadêmico”.

    2) Avaliação.O que prevê o anteprojetoCria o Sinaes e o Enade (veja detalhes na página 6).

    . O que querem os empresáriosEles questionam o que vem a ser “padrão de qualidade” parafins de avaliação, pois seus indicadores e/ou valores não sãodefinidos. Eles defendem que o credenciamento e a classifi-cação não podem adotar, ainda, o Sinaes e o Enade. Tam-bém pedem a revisão do papel institucional do MEC, com acriação de uma agência reguladora independente, especializa-da em avaliação e certificação de qualidade de cursos e insti-tuições. Ou seja, querem levar ainda mais longe a descentra-lização da avaliação e do credenciamento já prevista noanteprojeto.

    3) Educação à distância.O que prevê o anteprojetoO governo diz estar aberto às sugestões da iniciativa privada.

    . O que querem os empresáriosEles reclamam maior apoio à educação à distância e uma“gestão articulada entre o ensino presencial e o não-presenci-al, educação continuada e à distância, certificações intermedi-árias e finais, registro de certificações e fiscalização das pro-fissões etc”. Para eles, “qualquer reforma que se preze deveinvestir na direção do futuro em termos de formação, educa-ção continuada e à distância, inovações didáticas e metodoló-gicas e diminuição de controles em favor de avaliações deaprendizagem.”

    4) Capital estrangeiro.O que prevê o anteprojetoLimita a 30% a participação do capital estrangeiro em institui-ções com fins lucrativos.

    . O que querem os empresáriosAmpliar este limite.

    5) Pesquisa. O que querem os empresáriosReivindicam maior apoio do fundo público para o financia-mento da pesquisa, para favorecer a interação entre a pesquisauniversitária e as empresas públicas e privadas e, também, parao apoio à qualificação dos docentes das privadas, por meio debolsas. Para isso, pedem mudanças no sistema de avaliação dapós-graduação realizado pela CAPES (credenciamento e con-ceitos).

    A grita dos empresários tem um rumocerto: forçar o governo a negociar os pontos emque se consideram prejudicados. Como mostra o

    exemplo do ProUni (diminuição drástica do total debolsas concedidas em troca de isenção fiscal), não é

    difícil que consigam. Os principais pontos são:

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  • Página 10 Adunesp Informa Especial

    A exemplo do que ocorreu naReforma Previdenciária, tudo indica que ogoverno Alckmin pretende sair na frente dogoverno federal na Universitária. Por inicia-tiva da Secretaria de Ciência e Tecnologia,cinco grupos de trabalho já estão atuandodesde janeiro/2005, com o objetivo depropor uma considerável expansão no ensi-no superior público paulista. O Plano Dire-tor, como vem sendo chamado, deve sersubmetido ao governador até 1º/6/2005.Se valer a experiência recente da Unesp edo Centro Paula Souza, é de se prever quetal expansão não virá acompanhada dosrecursos necessários.

    Na realidade, o governo Alckminnão opõe discordância à reforma pretendidapor Lula, mas não quer simplesmente repetirem nível estadual as medidas que venham aser aprovadas futuramente. A intenção é dei-xar uma marca própria, ainda que copiando oessencial, de forma a angariar dividendoseleitorais. Alckmin, aliás, acumula boa experi-ência nisso, como ficou claro nas eleições agovernador de 2002 (quando usou a expansãonas ETE’s e FATEC’s) e as municipais de2004 (quando usou a expansão na Unesp).

    Unesp foi balão de ensaioA expansão de vagas e cursos na

    Unesp, iniciada em 2002, antecipou em SãoPaulo os princípios da Reforma Universitá-ria do governo Lula. Sem garantia de recur-sos, foram criadas oito Unidades Dife-renciadas (UD’s) na Universidade e di-versos cursos novos em campi já existen-tes. O relatório apresentado pela Comis-são de Averiguação sobre as finanças daUniversidade (criada pelo CO), mostrouum dado alarmante: embora o númerode alunos formados na graduação tenhaaumentado 76,3%, comparando-se o anode 2003 a 1992, por exemplo, temos umaqueda de 8,7% no total de docentes dainstituição. O número de docentes emregime de dedicação exclusiva (RDIDP),requisito essencial para a manutenção dotripé ensino/pesquisa/expansão, caiu16,3% neste mesmo período. Os regimesparciais (RTC e RTP), ao contrário, cres-ceram 80,7% entre 2001 e 2003.

    A reforma em São Paulo

    Primeiros passos daforam dados na Unesp

    Os frutos da irresponsabilidade e dasubmissão da administração da nossa Univer-sidade aos interesses eleitorais do PSDB hojesão indiscutíveis, como bem o provam asgreves estudantis que sacodem a instituiçãoneste início de 2005 (veja na página seguinte).

    Antes da criação das UD’s e dosnovos cursos, a comunidade universitária jáhavia sido surpreendida com a assinatura doconvênio PEC-Formação Universitária com aSecretaria de Estado da Educação, que levouà criação de cursos virtuais para a formaçãode professores do ensino fundamental. Poste-riormente, viria o Pedagogia Cidadã, curso emvigor em dezenas de cidades do estado, emmuitos casos sendo cobrado dos alunos. Am-bos os programas – PEC-Formação Univer-sitária e Pedagogia Cidadã – colocaram aUnesp na vanguarda de um novo modelo deeducação no país, aligeirada, majoritariamenteà distância e de duvidosa qualidade.

    Cotas em SPNos mesmos padrões do projeto

    que tramita no Congresso Nacional, tam-bém está em discussão, na Assembléia Le-gislativa de SP, uma proposta de criação de

    cotas para oriundos de escolas públicas,afrodescendentes e indígenas. Trata-se doPL 530, proposto por deputados do PT, PCdo B, PP, PL, PSB e PPS. Pelo projeto, 50%do total de vagas da USP, Unesp e Unicampficariam destinadas aos estudantes proveni-entes da rede pública de ensino. Destas,30% ficariam com estudantes auto-declara-dos afrodescendentes.

    Assim como o projeto do governofederal, o paulista omite-se no essencial: nãoprevê aumento de vagas com o devido aumentode recursos, mas apenas a reserva de parte doque já existe. Outro problema decisivo: nada seventila sobre assistência estudantil, ou seja, me-canismos de manter na universidade esses estu-dantes (moradia, alimentação, transporte etc).

    FundaçõesTambém tramita na Assembléia

    Legislativa de São Paulo um projeto que visa alegalização dos cursos pagos nas universida-des públicas de SP, autoriza a participação deservidores estaduais nas fundações, permite àsfundações o uso dos bens materiais e imateri-ais das universidades públicas, além de elimi-nar os repasses financeiros destas fundaçõesàs universidades às quais se vinculam.

    A Adunespacompanhou edenunciou asmazelas daexpansão naUnesp. Ao lado,duas das publica-ções sobre oassunto: à esquer-da, sobre osprogramas deformação aligeiradade professores (fev/2002); à direita, oinício da expansãodurante a gestãoTrindade (ago/2002)

    Manifestaçãodurante a greve

    de 2004

  • Adunesp Informa Especial Página 11

    Os problemas da Unesp, particu-larmente nas Unidades Diferenciadas (UD’s)– que convivem com a falta de professores ede infra-estrutura decente para os cursos,além da insuficiente assistência estudantil –levaram a uma grande mobilização neste iní-cio de 2005, com atos públicos, ocupações eparalisações.

    Em mar-ço, houve várias parali-sações em UD’s e cur-sos novos, contra afalta de professores, deassistência estudantil,infra-estrutura etc. Amobilização culminoucom um grande ato emMarília, que contou coma presença de alunos deAssis, Rosana, Ourinhosetc.

    No Conse-lho de Entidades Estu-dantis da Unesp/Fatec,realizado em março, 7de abril ficou definidocomo Dia de Luta pelaAssistência Estudantil eContra a Reforma Uni-versitária. “Foi um diahistórico em Franca”,avalia Joyce Akemy,coordenadora de Assis-tência Estudantil doDCE Helenira Rezende.Ela conta que os por-tões do campus foramtrancados e, à tarde,houve um debate sobremodelos de universida-de. O dia terminou com uma passeatapelas ruas centrais da cidade, com a pre-sença de cerca de 300 pessoas.

    Em Bauru, uma grande passea-ta atraiu estudantes de outras instituições ejuntou perto de seis mil pessoas. Em Marí-lia, onde já acontecia uma ocupação dopessoal de Biblioteconomia e Arquivolo-gia, o dia 7 foi marcado por uma ocupaçãogeral e uma assembléia. “O problema dainfra-estrutura aqui é muito grave e até

    A reforma em São Paulo

    Estudantes da Unesp reagemnas UD’s e nos campi

    salas de projeção de vídeoestão sendo usadas comosalas de aula”, relata RafaelDel’Omo, da Coordenaçãode Mobilização do DCE,lembrando que também égrave a falta de professores.

    Os estudantes dePrudente fizeram uma ma-nifestação com, aproxima-damente, 100 pessoas. EmAraraquara, o campus foiocupado pelos alunos, quereivindicam a construçãode quatro blocos de mora-dia, a volta do xerox públi-co e contra o Banespa/Santander (que patrocinoua implantação de uma ca-traca no Restaurante Uni-versitário). Em Rio Claro,também houve paralisação,debates e encenações tea-trais sobre a crise naUnesp. Os estudantes deAssis tomaram iniciativasemelhante e também para-lisaram as aulas. Em RioPreto, os alunos entregaramuma pauta de reivindica-

    ções ao reitor Marcos Macari, que passoupelo campus.

    As UD’s também foram à luta nodia 7. Em Rosana, houve paralisação, comdebate sobre as reivindicações e panelaço nacidade. Eles pedem a contratação de professo-re em RDIDP, verbas para assistência estudan-til, laboratórios de Língua e Cartografia, refor-ma estatutária na Unesp (para incluir as UD’scomo campi) e aumento da verba do ICMS paraas universidades estaduais paulistas.

    Trecho da cartadistribuída pelos

    estudantes em Franca

    (...) “Entendemos que os pro-blemas encontrados em Franca não sãoespecíficos do campus, mas sim cor-respondem a uma política conscientepor parte dos governos estadual e fe-deral que, cada vez mais, colocam emxeque a própria existência do ensinopúblico. Por isso, o 7/04 foi organiza-do como um grande dia de mobiliza-ção geral em todos os campi da Unespespalhados pelo estado de São Paulo, afim de demonstrar a situação encontra-da nas universidades e dar os primeirospassos para uma luta conjunta e orga-nizada por uma universidade pública egratuita, que atenda à maioria esmaga-dora da população, que hoje não se en-contra na universidade.

    Luta que é, em parte, conti-nuidade da greve que varreu as uni-versidades públicas do estado de SãoPaulo e algumas federais no ano de2004. As greves e mobilizações, quese iniciaram pelas precárias condi-ções de ensino, tiveram que se en-frentar diretamente contra o gover-no e a implementação paulatina desua Reforma Universitária. O pro-jeto, que hoje o governo Lula apre-senta com orgulho, já vem se pro-vando na prática através de cortesde verbas, arrocho salarial de pro-fessores e funcionários, falta de as-sistência estudantil e direcionamen-to da autonomia das universidadesno sentido de buscar recursos atra-vés de convênios e parcerias.”

    Estudantes tiveramparticipação ativa na greve de

    2004

  • Página 12 Adunesp Informa Especial

    As cotas em debate

    Marília foi palco demesa-redonda

    No dia 15/3/2005, o campusde Marília sediou a mesa-redonda “Po-líticas de Ações Afirmativas - Cotas naUniversidade”. A atividade foi uma rea-lização conjunta da Adunesp com a Fa-culdade de Filosofia e Ciências de Ma-rília e as Comissões Permanentes deEnsino e Pesquisa do campus. Na pági-na da Adunesp (www.adunesp.org.br),veja documento produzido a partir dodebate.

    O debate emMarília

    Para estimular o debate sobre as propostas de cotas na universidade, a Adunesp apresenta, a seguir, duasentrevistas. Na primeira, o professor Francisco Carlos Vitória, da Universidade Federal de Pelotas, mostraseus argumentos contrários às cotas. Na segunda, o professor Kabengele Munanga, da USP, explica as ra-zões que o levam a defendê-las. Ambos os entrevistados tiveram liberdade de espaço para expor suas posi-

    ções. Confira a seguir:

    C O N T R A

    Com Francisco Carlos Vitória, professorde História do Conjunto AgrotécnicoVisconde da Graça - Universidade

    Federal de Pelotas.

    “Mudanças que deixam tudocomo está”

    Adunesp - Quais são as origens dareivindicação de ‘cotas para negros enegras’, tanto no ensino superiorquanto no mercado de trabalho?Francisco Carlos Vitória - Setores domovimento e intelectuais negros come-çam a reivindicar reservas de vagas paranegros e negras no ensino superior e nomercado de trabalho de maneira maisforte pelo meio da década de 90 do sé-culo passado. Neste momento, estáemergindo o que se pode identificarcomo “novos movimentos sociais”, quesão basicamente movimentos que bus-cam o atendimento de suas particularida-des, abrindo mão da luta unificada inicia-da no final da década de 70.

    Como sabemos, os anos 70foram marcados como o período deaprofundamento da repressão do regimemilitar, que se instalou no Brasil com ogolpe de 1964, e que manteve sob censu-ra os movimentos populares, sindicais eda juventude. Estes movimentos retor-nam abertamente à cena política brasilei-ra no final da década de 70, buscando,com uma ação unificada, resistir e bata-lhar para derrotar o “regime” e dar comoencerrado o dito “período de exceção”.Nesta luta geral, as particularidadesconstam das diferentes pautas e o pró-

    prio movimento negro está fazendo adenúncia da situação da população ne-gra, que se encontra em um profundoprocesso de desigualdade econômica,tendo de enfrentar o preconceito social ea discriminação racial no interior dasociedade brasileira.

    Nos anos 80, dado o fim aditadura militar, nas discussões que seseguiram no chamado processo de rede-mocratização, os movimentos popularesconstroem a consciência do direito deter direito, que se reflete na Constituiçãode 1988, onde, por exemplo, educação,saúde, entre outros são colocados comodireitos universais, dever do Estado.Neste momento, o racismo surge comocrime inafiançável, sujeito a penas quepodem chegar a cinco anos de prisão, oque foi uma conquista do movimentonegro.

    Os anos 90 trazem ao Brasilos ventos da globalização, do neolibera-lismo como algo inevitável. Os diferen-tes governos que se sucedem à frentedo Estado brasileiro escolhem comoforma de inserção do Brasil na novaordem a aplicação do receituário ditado

  • Adunesp Informa Especial Página 13

    pelos organismos econômicos internacionais,tendo início o ataque ao patrimônio públicoe aos direitos sociais, a um só tempo buscan-do privilegiar o capital e desresponsabilizar oEstado do atendimento da demanda social.Neste sentido, os direitos universais acabampor se tornar privilégios que serão estendi-dos a alguns, dentre os muitos grupos excluí-dos, na forma de políticas focalistas e oucompensatórias.

    É neste contexto que, no início dosanos 2000, ganha intensidade a reivindicaçãode reservas de vagas no mercado de trabalhoe, principalmente, no ingresso de negros enegras ao ensino superior.

    Adunesp - Como é o processo de açõesafirmativas em vigor nos EUA? Quais sãoseus resultados?Vitória – A implantação das cotas raciais, oupolíticas afirmativas, nos Estados Unidosremonta à década de 60 do século passado.Precisamos destacar que elas acontecem emum cenário onde o movimento negro norte-americano passava por um momento de in-tensa mobilização, reivindicando direitossociais e humanos. Elas surgem, portanto,como resposta a isso, como forma de desarti-cular a mobilização das organizações de ne-gros e negras. Lá, as políticas afirmativasacabaram por atingir uma minoria da popula-ção negra, aos restantes sobraram a criminali-zação dos movimentos, um volume cada vezmaior de drogas jogadas nos guetos e umcrescimento sem freios da população negranas prisões. Nestes mais de 40 anos de im-plantação das políticas afirmativas, o racismocontinua fazendo parte das relações étnicasnorte-americanas. Dentre a chamada classemédia, apenas 3% é de origem afro e, nos diasatuais, a reação conservadora de Bush estádiscutindo no Congresso o fim desta política.Na prática, tal política já quase não existe, namedida em que, na maior parte das universi-dades, as cotas estão sendo direcionadas aosdesportistas. Ou seja, o negro entra não porser negro, mas por praticar algum tipo deesporte.

    Adunesp - Sua posição pública tem sidocontrária à implantação das cotas nasuniversidades. Por que?Vitória - Como oposição à implantação dosistema de cotas existem dois tipos de argu-mentações. Uma é absolutamente elitista econservadora, que constrói seu discursosobre a lógica perversa da igualdade de opor-tunidades e de direitos, que serão acessadospor todos de acordo com o mérito de cadaum; diz ainda que o ingresso de estudantes

    negros a partir do sistema de cotas irá fazercom que o ensino superior se desqualifique.Outra argumentação, com a qual me identifi-co e me alinho, concorda com o que é ditosobre a existência de uma divida histórica doEstado brasileiro com a população negra, emfunção da forma como nossos ancestraisforam caçados, capturados e, à força, trazi-dos para cá, para trabalharem como escravosna construção da riqueza da burguesia nativae metropolitana. Mas é aqui que surge a dis-cordância, entendendo que esta dívida foicontraída com o segmento da populaçãonegra no seu todo; não aceitamos que a repa-ração se faça na forma de compensação, de

    privilégios que focalizarão alguns em detri-mento de muitos.

    E mais: não consideramospossível tornar concreto conceitos comodemocracia, igualdade e cidadania em umcontexto onde a nova ordem estabelecida fazcom que a desigualdade econômica chegue àsua radicalidade através da exclusão social.Neste sentido, qualquer tipo de política quecoloque como proposta a inclusão social sópoderá fazê-lo, objetivamente, se a inclusão seder nos limites da desigualdade. Daí, afirma-mos que não basta lutar pelo ingresso doaluno e da aluna no ensino superior; é precisoque se criem condições para sua permanência;é preciso que se atue sobre os currículos uni-versitários para que alunos negros e negraspossam se sentir identificados com ele; é pre-ciso que sejam criadas condições para queestes alunos possam chegar até as salas deaulas, com material necessário para acompa-nhá-las e delas participar.

    Apontamos um equívoco na frag-mentação da luta. Educação deve ser um ins-trumento de emancipação humana. Por isso,devemos buscar o resgate do caráter de uni-versalidade com o qual este direito – a educa-ção – foi consagrado na Constituição de1988. Seja para o mínimo que aqui colocamosou para o máximo que desejamos, acredita-mos que o fim do vestibular permitirá o aces-so a todos os que desejarem cursar o ensinosuperior. Assim, a possibilidade de alcançar-mos êxito terá o tamanho exato da articulaçãoque formos capazes de construir com os de-mais movimentos populares, aqui incluídos osda classe.

    Adunesp - Nos inúmeros debates que vêmse realizando sobre o assunto, um aspectolevantado é que a política de cotas, narealidade, procura colocar na universida-de aqueles estudantes negros que estavam“quase lá”, ou seja, um estrato minoritáriodo conjunto da juventude negra. Vocêconcorda com isso?Vitória - Vamos falar sobre meritocracia. Paraos conservadores, este é o elemento essencialpara determinar o ingresso do aluno ao ensi-no superior. Tendo este elemento como norte,apresenta-se aos candidatos uma prova, igualpara todos, e, ao final, aqueles de melhoresnotas terão direito de tornarem concreto oseu projeto de realização de um curso superi-or. No todo deste processo, não são levadasem conta as diferenças socioeconômicas eculturais existente entre os candidatos. Aosconservadores, qualquer outra forma de in-gresso, que seja por cotas, por exemplo, colo-ca à universidade o risco de ver cair a qualida-de do ensino que oferece.

    Pois bem, em resposta a isso tenholido e escutado o que escrevem e dizem osdefensores da implantação do sistema decotas e estes têm defendido a meritocracia,aquela mesma tão criticada e apresentadacomo elemento de exclusão. Argumentam queos alunos negros e negras, para ingressaremna universidade, terão também que se subme-ter a uma prova, a mesma dos demais alunos,e após estarão aptos ao ingresso aqueles demelhores notas.

    Não concordo com os conservado-res e, pelo mesmo princípio, não concordocom os defensores das reservas de vagas.Reconheço a diferença entre alunos negros enão negros. Estes últimos teoricamente vêmdas melhores escolas, possuem uma situaçãoeconômica melhor e, por isso, podem serconsiderados mais preparados para o proces-so de vestibular. Mas devo reconhecer, tam-bém, que existem diferenças na relação entrealunos negros, diferenças estas que são socio

    “Na busca do específico,os defensores das cotastêm negligenciado o

    geral. Desta forma, têmpermitido que as

    reivindicações dosmovimentos sirvampara que o governo

    possa atingir seu intentode direcionar recursospúblicos ao mercado,

    deixando o setor públicoà mercê de possíveis

    parcerias com empresasprivadas.”

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    econômicas e culturais e que estabelecem quealguns destes alunos cheguem ao processovindos das melhores escolas públicas e atémesmo particulares, que tragam consigo umabagagem de informação muito maior na me-dida em que pertencem ao segmento econo-micamente dito médio da população. E aquivale um parêntese: o número de negros nachamada classe média não deve ser desconsi-derado; basta ver a revista Raça Brasil do mêsde novembro/2004, ou de qualquer mês, paraver o poder aquisitivo do público ao qual elase destina. Estes alunos têm acesso a compu-tadores em suas casas, a revistas semanais,com a possibilidade de estarem sendo acom-panhados em seus estudos por país mestresou doutores. Portanto, estas diferenças aca-bam por dar vantagem a alguns e a colocarmuitos outros em situação de desvantagem. Oresultado disso será a exclusão de alunos ne-gros por outros alunos negros. Quer dizer,aos alunos que, teoricamente, não necessitari-am do sistema de cotas para ingressar na uni-versidade, estarão reservadas as vagas noschamados cursos de profissões nobres, aque-las de maior remuneração no mercado. Aosoutros, restarão vagas em cursos onde hoje jáse encontra a maioria de estudantes negros enegras.

    Adunesp - Outro elemento que surge nosdebates é que a política de cotas – por serassunto apaixonante e polêmico – tende adesviar a atenção daquilo que é essencialna Reforma Universitária em curso, ouseja, o favorecimento aos empresários daeducação e as medidas privatizantes emrelação à universidade pública. O quevocê acha desta questão?Vitória - Como disse anteriormente, as reivin-dicações por reservas de vagas ganham inten-sidade quase que ao mesmo tempo em que éimplantado no Brasil o ideário neoliberal, quereceita a minimização do Estado, o que fazcom que os grupos que chegam ao governopossam optar por transformar, através dasreformas, serviços públicos em artigos demercado. Foi assim com a saúde, com a Previ-dência Social e está sendo assim, agora, com areforma do ensino superior. Esta reformavisa, entre outros fatores, a permitir que ogoverno possa se desresponsabilizar com ofinanciamento do ensino superior público.Para isso, o governo propõe um sistema deavaliação das instituições, com critérios iguaisaplicados sobre as diferenças, onde pontuaçãobaixa significa diminuição no repasse de ver-bas. Antes mesmo de aprovada a contra-refor-ma, o governo nos apresenta e põe em execu-ção o ProUni, que consiste na compra de

    vagas em instituições particulares para seremoferecidas como “benefiício” a alunos caren-tes do ensino público, entre eles negros eíndios. Na verdade, o governo descobriu nasreivindicações das camadas desfavorecidas dasociedade a boa desculpa para legitimar aoperação de salvamento econômico de insti-tuições que, pela baixa qualidade do ensinoque oferecem e/ou pelo custo alto que co-bram por este “serviço”, acabam por ter mui-tas vagas ociosas, o que lhes acarreta perda delucratividade e necessidade de compensação.Penso que os defensores das cotas não têmestado atentos a esta situação; na busca doespecífico, têm negligenciado o geral, e, destaforma, permitido que as reivindicações dosmovimentos sirvam para que o governo possaatingir seu intento de direcionar recursos públi-cos ao mercado, deixando o setor público àmercê de possíveis parcerias com empresasprivadas.

    Adunesp - Alguns setores favoráveis àscotas argumentam que, embora sejamcorretas as críticas de que, paralelo àscotas, seria preciso discutir a qualidade doensino fundamental e médio, a inexistên-cia de uma política de assistência estu-dantil que garanta a permanência etc,ainda assim elas seriam um avanço emrelação à situação atual. Argumentamque, ao garantir a presença de uma parce-la dos negros (ainda que pequena) nasuniversidades, forçosamente brotarão ascontradições e isso poderá levar a umamobilização pela cobrança destes direitos.Qual é a sua opinião sobre isso?Vitória - Penso que antes de apontarmos asdificuldades de ingresso ao ensino superior,deveríamos estar discutindo as dificuldades depermanência do estudante no nível básico deensino. Os gráficos nos mostram a grandedistância que precisa ser percorrida até atingir-mos a sonhada universalização do ensinoneste nível. Ainda são grandes os índices dereprovação e repetência, e é possível lermosdisso que os alunos mais atingidos são exata-mente os estudantes negros e negras. Nestesentido, é preciso estarmos atentos à qualida-de do ensino básico, entendendo que o prejuí-zo é causado tanto ao aluno que, sendo váriasvezes reprovado, acaba por abandonar a esco-la, quanto ao aluno que, permanecendo naescola, acaba por ser aprovado sem que tenhaapreendido neste processo as informaçõesnecessárias para poder fazer uma leitura maisadequada da vida e por esta poder atingir osobjetivos a que se propõe. No aspecto deassistência estudantil, temos que trazer à tela ofato de que esta é uma discussão antiga napauta das conversas que o governo tem oufinge ter com os movimentos estudantil edocente. Nestas negociações, não se tem che-

    gado a um bom termo, na medida em que ogoverno, mesmo não conseguindo privatizarde vez o ensino, tem diminuído o máximopossível o montante de verba colocada à dis-posição de cada rubrica que sustenta as uni-versidades, fazendo com que hoje a assistênciaestudantil praticamente inexista. Por este ca-minho, percebemos que pouco ou quase nadamudará na realidade das universidades com apresença dos alunos cotistas. A contradição jáé reconhecida e o máximo que se tem alcança-do são mudanças com caráter de não mexerna estrutura das universidades. Os própriosalunos que nela ingressam, cotistas ou não,trazem consigo o espírito de transformação,estando muito mais preocupados em concluireste rito de passagem e saírem com o diplomadebaixo do braço para buscar seu espaço nocompetitivo mercado de trabalho. Não serápela adoção das cotas que construiremos ademocracia e a igualdade que buscamos.

    Adunesp - Um outro argumento favorávelàs cotas é aquele que procura traçar umparalelo da situação dos negros com asituação da mulher. O que se diz é que, defato, a discriminação da mulher só poderáser eliminada no marco de uma nova soci-edade, com o fim do capitalismo. No en-tanto, é preciso lutar pelo atendimento dassuas reivindicações democráticas agora(acesso ao mercado de trabalho, salários edireitos iguais aos do homem, participaçãopolítica e sindical etc etc), sem perder ohorizonte da luta contra o capitalismo.Caso contrário – alegam estes setores,fazendo a analogia com a situação dosnegros – estaríamos fadados ao imobilis-mo. Qual é a sua opinião?Vitória - Sempre parti do princípio de, naunidade, não esquecer a diversidade. Tendoisso presente, vejo como positivas as reivindi-cações que fazem os diferentes movimentos,seja de gênero, étnico, por orientação sexual,enfim... .O que me preocupa é a possibilidadedestes movimentos se fecharem em suas parti-cularidades e passarem a disputar espaço comaqueles que são tão excluídos quanto eles. Ocaminho para a emancipação humana não estána disputa dentro da classe, mas sim na buscada superação da sociedade de classes. O cami-nho da adaptação à nova ordem não nos levaa acabar com a desigualdade econômica nemcom a exclusão social. Neste sentido, devemoslevar nossas lutas buscando combinar o geralcom o particular, fazendo com que a luta denegros, de mulheres, de homossexuais sejamlutas que busquem superar o sistema capitalis-ta, em última instância o responsável pormanter este imobilismo e por nos levar a bus-carmos mudanças que deixam tudo comoagora está.

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    A FAV O R

    Com Kabengele Munanga, professor titular do Departamen-to de Antropologia da USP e vice-diretor do Centro de Estu-

    dos Africanos (CEA/USP).

    Adunesp - Em quais países foram im-plantadas as primeiras experiênciasdas chamadas políticas de ação afir-mativa? Como avalia os resultados láobtidos?Kabengele Munanga – Os primeirospaíses foram a Índia, a Malásia e os Esta-dos Unidos. Considero o resultado satis-fatório, pois houve diminuição da desi-gualdade no ensino superior entre asvítimas da discriminação e as classesprivilegiadas.

    Adunesp - Entre os argumentos levan-tados pelos críticos das cotas, está o deque seria preciso garantir a qualidadeno ensino fundamental e médio,como requisito para que os negrostivessem mais oportunidades de aces-so ao ensino superior. Qual é a suaopinião a este respeito?Munanga - Uma coisa não exclui aoutra. Enquanto se espera a mudançado nível da escola pública fundamentale média, o que fazer dos que, às duraspenas, terminam o ensino médio? Dei-xá-los fora do ensino superior e esperarque melhore o nível do ensino públicomédio e fundamental ou encontrar suaintegração através de uma política deação afirmativa? Lembrar-se-á que, nopassado, as escolas públicas médias efundamentais já foram muito boas e osnegros não tiveram acesso a elas. Se asiniciativas tivessem sido tomadas desdeos tempos remotos, não teríamos a de-fasagem que existe hoje entre a popula-ção negra e branca em matéria de edu-cação. Além das políticas ditas universa-listas (que nunca foram) é preciso incre-mentar políticas específicas. Mesmomelhorando o nível da escola públicafundamental e média (quando?), as cotaspoderão ainda ser necessárias para com-pensar as perdas acumuladas duranteséculos pela população negra. É por isso

    que as políticas de cotas são chamadastambém de políticas compensatórias.

    Adunesp - Outro argumento contrárioé de que o problema chave é socioeco-nômico, ou seja, seria necessário darcondições dignas de vida a toda a po-pulação (emprego, saúde, educaçãoetc). Para os que levantam esta ques-tão, as cotas não podem, portanto,resolver o problema dos negros. O queacha disso?Munanga - Atrás da questão socioeco-nômica, existe a discriminação racialque impede ao negro de melhorar cole-tivamente sua condição econômica. Os

    que somente levantam essa questão, doponto de vista socioeconômico, sãoracistas ainda presos ao mito da demo-cracia racial ou acreditam que se trata

    apenas de uma luta de classe. Essaspessoas são ou surdas e cegas para nãoescutar e ver os verdadeiros problemasdo negro no Brasil, ou são racistas querecorrem a este tipo de argumento paramanter o status quo.

    Adunesp - Nos inúmeros debates quevêm se realizando sobre o assunto, umaspecto levantado é que a política decotas, na realidade, procura colocarna universidade aqueles estudantesnegros que estavam “quase lá”, ouseja, um estrato minoritário do con-junto da juventude negra. Concordacom isso?Munanga - Discordo, porque as estatísti-cas comprovam que as universidades queaderiram às políticas de cotas têm maisnegros em suas faculdades do que antes etêm hoje mais negros até nas áreas ondenão era possível encontrá-los antes (porexemplo, Medicina, Direito, Biologiaetc.). Os que entravam antes eram osraros negros que estudaram em escolasparticulares. O quadro mudou significati-vamente; qualitativa e quantitativamente.

    Adunesp - Outro elemento que surgenos debates é que a política de cotas –por ser assunto apaixonante e polêmi-co – tende a desviar a atenção daquiloque é essencial na Reforma Universi-tária em curso, ou seja, o favorecimen-to aos empresários da educação e asmedidas privatizantes em relação àuniversidade pública. O que achadesta questão?Munanga - A paixão não é totalmenteum obstáculo e não impede que haja no

    “Enquanto se espera amudança do nível da

    escola públicafundamental e média, o

    que fazer dos que, àsduras penas, terminamo ensino médio? Deixá-

    los fora do ensinosuperior e esperar que

    melhore o nível doensino público médio e

    fundamental ouencontrar sua

    integração através deuma política de ação

    afirmativa?”

    “Atrás da questão socioeconômica,existe a discriminação racial”

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    meio de tudo isso argumentos sérios eobjetivos. Qualificar os debates de apai-xonantes pode ser uma maneira sutil dedesqualificar a demanda de uma popula-ção e uma armadilha ideológica. Isto éum ponto de vista de quem está contracotas na medida em que a reforma incluicotas para alunos oriundos das escolaspúblicas com uma porcentagem especialpara negros e índios. O programa ProUninão impede a extensão das universidadespúblicas. O governo quer apenas queessas universidades e faculdades privadasque recebem isenção fiscal possam utili-zar suas vagas ociosas e dar algumas bol-sas aos estudantes que se dirigem a esseensino, tendo em vista que o projeto deexpansão da universidade pública não

    dará resultados imediatos e esses alunosnão podem, de imediato, serem absorvi-dos pelas universidades públicas. Mesmocom a expansão das vagas nas universida-des públicas, a necessidade das políticasde cota não deverá ser descartada.

    Adunesp - A falta de financiamento auma política de assistência estudantilque garanta a permanência do estu-dante pobre na universidade pode serum entrave para que as cotas atinjambons resultados no Brasil?Munanga - Precisamos de duas coisas:ingresso e permanência. A permanênciasó pode ser garantida através de políticassociais de bolsas de estudo e de emprésti-mo. Algumas faculdades (caso das Ciênci-as Biológicas e outras) exigem materiaisdidáticos e livros tão caros que, sem bol-sas, não daria para permanecer.

    Adunesp - Como vê as experiênciasque já vêm sendo realizadas no Brasil(Bahia e RJ)?Munanga – As experiências que vêmsendo realizadas na Universidade do Es-tado do Rio de Janeiro, na Universidadedo Estado da Bahia e na UniversidadeFederal da Bahia deixam claro que a ques-tão da excelência não foi sacrificadacomo pensavam os detratores das cotas,pois o rendimento médio dos alunoscotistas foi igual, até levemente superior,ao rendimento médio dos não cotistas. Épor isso que começam a mudar o registrodo discurso, produzindo outras estatísti-cas que mostram que negros e mestiçosdas escolas públicas são demografica-mente bem representados no ensino pú-blico universitário e, conseqüentemente,não é preciso implementar políticas decotas no país.

    Diretoria: Milton Vieira do Prado Jr. (presidente), Sueli Guadelupe de Lima Mendonça (vice-presidente), Rubens P. dosSantos (secretário-geral), Maria Ap. Segatto Muranaka (vice-secretária), Osvaldo Gradella Jr. (tesoureiro-geral), Marcelo

    Batista Hott (vice-tesoureiro). Praça da Sé, 108, 3º andar, SP. Fone (11) 3242-7080.Site: www.adunesp.org.br E-mail: [email protected]

    Jorn. resp.: Bahiji Haje

    Associação dos Docentes da Unesp Adunesp Seção Sindical