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Advocacia
Trajetória de 150 Anos
na Caixa Econômica Federal
A Associação Nacional dos Advogados da
Caixa Econômica Federal (Advocef), fundada
em 1992, congrega os advogados integrantes
do corpo jurídico de uma empresa pública
sesquicentenária.
Dentre os seus objetivos estatutários, a
entidade defende a expansão do conhecimen-
to, incentivando o estudo e o aprimoramento
técnico e profissional de seus associados.
Em cumprimento a tais premissas, publica
semestralmente, desde 2005, a Revista de
Direito da Advoce, contendo artigos produzi-
dos pelos advogados da Caixa e convidados.
Buscando a permanente valorização da
advocacia e dos advogados públicos, a
Advocef tem conquistado o crescente reconhe-
cimento dos meios acadêmicos, dos órgãos de
classe e também das entidades representativas
da profissão.
Consciente da importância do conheci-
mento da sua própria história como fator de
elevação do espírito coletivo, apresenta esta
publicação, fruto também do idealismo que
move os grandes e definitivos projetos.
Diretoria de Comunicação - Advocef
Trajetória de 150 anos
Advocaciana Caixa Econômica Federal
Elizabeth Rochadel Torresini
Associação Nacional dos Advogados da Caixa Econômica FederalAdvocef
2011
Trajetória de 150 anos
Advocaciana Caixa Econômica Federal
Projeto, pesquisa e textoElizabeth Rochadel Torresini
CoordenaçãoRoberto Maia
Projeto GráficoEduardo Furasté
EditoraçãoJosé Roberto Vazquez Elmo
EntrevistasMário Goulart
Assistência de pesquisaMarisa Schneider Nonnenmacher
Pesquisa de ImagensAnna Paula Boneberg N. dos Santos
Lourenço JR Torresini
Tratamento de ImagensEduardo Furasté
José Roberto Vazquez Elmo
RevisãoRosana Maron
Impressão e AcabamentoGráfica Pallotti
Editora MedianizRua Felipe Neri, 366, s. 303
Porto Alegre (RS)Fone: 51 3085 8422
www.medianiz.com.br
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
T693a Torresini, Elizabeth RochadelAdvocacia na Caixa Econômica Federal: trajetória de 150 anos /
Elizabeth Rochadel Torresini. Brasília: Advocef, 2011.
184 p.: 21 cm. il.
1. Associação dos Advogados da Caixa Econômica Federal. 2. CaixaEconômica Federal. 3. Brasil - História. 4. Brasil - Advocacia. 5. Brasil -Direito. 6. Direito - História. 7. Direito Financeiro - História. 8. Institui-ções Financeiras - Brasil. II. Título.
C.D.D. 341.415C.D.U. 347.73=81(091)
Rosária Maria Lúcia Prenna Geremia Bibliotecária CRB 10/196
Aos advogadosdessa história
9 Palavra do Presidente
11 Apresentação
13 Prefácio
15 I. Caixas Econômicas e Montes de Socorro no Brasil Imperial
15 Panorama das primeiras décadas do Império18 Florescimento da cultura jurídica no Império27 Caixas Econômicas e Mútuos Socorros na Europa29 Surgem as Caixas Econômicas do Império brasileiro33 Caixa Econômica e Monte de Socorro no Rio de Janeiro39 Panorama brasileiro na segunda metade do século XIX43 Caixas e Montes de Socorro nas províncias
51 II. As Caixas Econômicas da República
51 Panorama do Brasil republicano58 Caixas Econômicas dos Estados Unidos do Brasil61 Caixas Econômicas da União (1915)67 O Brasil entre 1915 e 1930
73 III. Caixas Econômicas Federais (1934)
76 Estatuto de 1934: ampliação e criação do Conselho Superior93 Consolidação do Jurídico das Caixas Econômicas Federais99 Criação do Sasse102 JK: Plano de Metas104 Cem anos das Caixas Econômicas106 Brasil e Caixas Econômicas na década de 1960
SumárioSumário
111 IV. Nasce a Caixa Econômica Federal (1969)
114 O Jurídico da Caixa Econômica Federal117 Caixa Econômica Federal nos programas e serviços do governo federal128 Investimentos, planos econômicos, inflação e crise130 A Caixa Econômica Federal no cenário de crise
135 V. 1992: Associação Nacional dos Advogados da Caixa Econômica Federal (Advocef)
136 Nasce a Advocef138 A adesão à Advocef141 Implementação do Plano Real144 Plano de Racionalização e Competitividade (PRC)146 Advocef fortalece o Jurídico da Caixa154 A Caixa na passagem para o século XXI159 Consolidação da Advocef161 A Advocef na nova defesa do advogado da Caixa170 2008, o ano da greve172 A conquista da nova sede em Brasília174 História do Jurídico da Caixa
177 Fontes
181 Anexo
Palavra do PresidentePalavra do Presidente
No aniversário de 150 anos da Caixa Econômica Federal, podemos comemorar, alémda consolidação como instituição, sua maturidade como um instrumento do Brasil na estraté-gia de superação das adversidades econômicas e no direcionamento do seu crescimento.
Fica reforçado neste livro da Advocef que o protagonismo da Caixa na construção donosso país sempre esteve presente. E o cenário atual projeta uma participação ainda maior daCaixa.
O PAC, o Programa Minha Casa Minha Vida, as ações de Erradicação da ExtremaPobreza, dentre outras áreas de atuação, são exemplos de como a Caixa está constantementepresente na construção do Brasil.
A delegação de cada vez mais responsabilidades e ações, por parte do governo fede-ral, seu controlador, e da sociedade demonstra o reconhecimento da capacidade de realizaçãoda Caixa.
Novos desafios exigem novas habilidades, conhecimentos, tecnologias e coragem detransformar isso tudo em ações e produtos inovadores, e os seus empregados são os agentesque levarão a empresa para muito além do século XXI.
Podemos dizer, sem dúvida, que a Caixa, em diversos setores, atua no "Estado daArte" e citamos as áreas de loterias, de habitação de interesse social, dos pagamentos dasbolsas sociais, entre outras.
Esta história nos mostra que o melhor dos advogados na construção desta trajetória éa ousadia de criar novas soluções jurídicas que nos permitam operar sempre na vanguardapara atender às demandas que a sociedade nos apresenta.
Jorge Fontes HeredaCaixa Econômica Federal
ApresentaçãoApresentação
Um século e meio de uma bela história
Irmanando-se às comemorações pelos 150 anos de criação da Caixa EconômicaFederal, a Advocef oferece a homenagem de seus advogados a esta grande e sábia insti-tuição.
Grande porque teve a capacidade de sobreviver a um século e meio de muitasreviravoltas e mudanças, enfrentadas pelo Brasil e pelos brasileiros.
Sábia pelo somatório do idealismo que iluminou seus dirigentes e pelo trabalhoobstinado com que seus integrantes construíram os rumos da instituição. Pela capacidadede transformá-la no maior e mais importante banco mundial voltado à realização do bemcomum e por sua atuação na infraestrutura urbana, saneamento básico, habitação popu-lar, turismo e em outros importantes serviços.
Nas páginas do livro Advocacia na Caixa Econômica Federal - Trajetória de 150 Anos,apresentamos uma história que se desdobra em muitas outras histórias. Para melhor com-preensão da obra merecem atenta observação as referências aos diferentes atores queprotagonizam os seus capítulos.
Dentre os diversos participantes da resenha, são apontadas com precisão e deli-cada honraria uma série de pessoas que marcaram profundamente a história da Caixa.
Durante boa parcela dessa trajetória, ganham dimensão especial as muitas figu-ras expoentes do pensamento acadêmico, cultural e econômico das diversas épocas, emespecial os advogados.
Advogados e advogadas que viveram e construíram as várias histórias da Caixa,aconselhando, formulando as bases para sua constituição e existência longeva, dirigindo eadministrando a instituição em suas diversas fases.
O livro traz, ainda, uma pequena mas profunda análise da criação e desenvolvi-mento dos cursos de Direito no Brasil, e das pioneiras instituições de classe dos advoga-dos, sua influência nos destinos do país e, mais precisamente, nos destinos da instituiçãoora homenageada.
Advocacia na Caixa Econômica Federal - Trajetória de 150 Anos busca resgatar, demodo imparcial e com um viés histórico, a linha do tempo vivida pela Caixa nessas mui-tas décadas, apresentando a instituição pelo olhar de uma construção coletiva. Demons-trando a importância da cultura jurídica e de seus estudiosos para o desenvolvimento daCaixa, o livro revela as evoluções experimentadas no curso de sua existência.
De profissão elitizada e formadora de opinião do início do século XIX, a advoca-cia é retratada até os dias de hoje, com sua faceta proletarizada e amplificada pelasuperveniência de um novo conceito de corporação. Concepção agora voltada para umexercício por vezes massivo, porém igualmente digno e essencial aos destinos da Caixa.
Por fim, a obra faz um pequeno mas essencial resgate da criação e da jovem histó-ria da Advocef, entidade que congrega os quadros jurídicos da Caixa. Empresa públicabrasileira que muito deve aos advogados que ajudaram a escrever as páginas de uma bela,profícua e festejada história.
Com a revelação das histórias vividas, contadas e protagonizadas por represen-tantes da advocacia, a Advocef presta uma sincera homenagem a todos aqueles que, con-creta ou anonimamente, utilizaram e usam cotidianamente seu conhecimento e técnicapara construir um país melhor aos brasileiros - e um mundo melhor para todos os quenesta terra chegarem.
Diretoria Executiva da AdvocefBrasília, junho de 2011
PrefácioPrefácio
Ao longo dos seus 150 anos de vida, a Caixa Econômica Federal imprimiu sua marcana história do Brasil. Foi mais que um banco. Participou a cada dia de momentos que sãovistos como os mais relevantes na vida dos brasileiros. A aquisição da casa própria, a realiza-ção do curso superior, a inauguração de uma microempresa, a viagem com a família e tantosoutros sonhos.
Sim, porque esta é a grande marca da Caixa. Participar dos sonhos dos brasileiros,especialmente os mais necessitados. E estar ao lado deles também nos momentos em quemais precisam, no recebimento do PIS, do FGTS, do seguro-desemprego, do bolsa-família ede muitos outros benefícios sociais. Atuação que se concretiza a partir do empenho pessoal decada um nós, os economiários da Caixa.
Essa relação vem agora espelhada no aprofundado estudo realizado pela historiado-ra Elizabeth Rochadel Torresini, baseado em pesquisas efetuadas em documentos internos daCaixa, bem como em publicações históricas, mostrando como o seu corpo funcional construiuuma das maiores empresas deste país.
A autora destaca a atuação dos advogados da Caixa, desde os primórdios da suacriação, identificando, em cada período, a relevante participação do seu quadro jurídico naedificação da empresa. Esse é o grande destaque da obra. Contar a história incluindo a pers-pectiva e a participação dos seus empregados, no caso, destacando seus advogados.
Um grande orgulho para todos nós, advogados da Caixa!A historiadora Elizabeth Torresini está de parabéns pela belíssima obra.Como de parabéns está a Associação Nacional dos Advogados da CEF - Advocef,
por tão relevante iniciativa.
Jailton Zanon da SilveiraDiretor Jurídico
Caixa Econômica Federal
Quando a primeira Caixa Econômica abre as suas portas à popula-
ção do Rio de Janeiro, em 1861, o Brasil vive um momento de inten-
sas transformações. Depois de decretada a maioridade de dom Pedro II,
em 1842, superada a instabilidade que acompanhara as décadas de 1830 e 1840,
com as insurreições e guerras regionais – Cabanagem (PA), Balaiada (MA),
Farroupilha (RS), Sabinada (BA) e Praieira (PE) –, diminuídas as despesas com as
guerras e preservada a unidade nacional, abre-se a possibilidade de aprimoramen-
to das instituições e de desenvolvimento econômico. O que se tem é um rudimentar
sistema administrativo e algumas iniciativas de criação das instituições governa-
mentais.
Panorama das primeiras décadas do Império
Na década de 1850, os reflexos das transformações da Revolução Industrial
atingem o Brasil, mesmo com sua economia dependente da exportação de produ-
tos primários e matérias-primas. Em linhas gerais, novas técnicas e máquinas de-
senvolvidas na Europa penetram no país, quase sempre sob a forma de bens e ser-
viços. Não alteram, porém, a base do sistema produtivo, que se fortalece com o
desenvolvimento acelerado da produção do café, primeiro no Rio de Janeiro e de-
pois em São Paulo.
Contudo, escreve Celso Furtado, o problema nacional básico, a expansão da força
de trabalho, encontra-se em verdadeiro impasse: estancara-se a tradicional fonte africanaDom Pedro II (Rio deJaneiro,1825; Paris, 1891)
I Caixas Econômicase Montes de Socorro
no Brasil Imperial
16
[com a Lei Eusébio de Queirós, de 1850] sem que se vislumbrasse uma solução alternativa.1
Com o desenvolvimento da produção do café, o problema da falta de mão de obra
torna-se urgente, levando os produtores às primeiras tentativas de trazer trabalha-
dores europeus para as fazendas de café. Nessa conjuntura, os estoques regionais
de escravos são transportados e negociados nos principais centros produtores – Rio
de Janeiro e São Paulo –, formando o tráfico de escravos interprovincial.
A vida urbana brasileira, ativada pela exportação do café, sofre os efeitos da
modernização. Entre 1850 e 1860, fundam-se aproximadamente 62 empresas indus-
triais, 14 bancos, 20 companhias de navegação a vapor, três de transportes urbanos,
quatro carris urbanos de tração animal, oito de estradas de ferro, dois de rodagem;
duas companhias de gás, 23 de seguros, quatro de colonização, oito de mineração e três
Caixas Econômicas. O pioneirismo de Irineu Evangelista de Souza, o barão de Mauá, é
responsável por boa parte dos empreendimentos empresariais desse período.2
Sobre as primeiras experiências com telégrafo, sabe-se que Eusébio de Queirós
precisava de comunicação rápida com o litoral, para avisar as patrulhas que impediriam o
desembarque de negros – extinto que fora o tráfico. Pediu aos professores de Física Paula
Cândido e Guilherme Schuch de Capanema que estudassem o telégrafo elétrico. Este último
deu-se inteiramente ao empreendimento, registra Pedro Calmon. Em razão desse esfor-
ço, em maio de 1854, inaugura-se a primeira linha de telégrafo entre o Paço de São
Cristóvão, o Ministério da Guerra, no Rio de Janeiro, e as povoações marítimas
mais próximas. Os fios desdobram-se, alcançando Petrópolis, em 1855; Vitória, em
1875; Natal, em 1878; Fortaleza, em 1881; Belém, em 1886; e, ao sul, em 1883, a
fronteira com o Uruguai, somando, em 1889, por volta de 18 mil km de linhas tele-
gráficas no Brasil.3
A iluminação a gás inunda as ruas centrais do Rio de Janeiro a partir de
1853. As cidades ganham as primeiras linhas de transportes coletivos, os bondes de
burro. A abertura da estrada de rodagem que liga Petrópolis a Juiz de Fora antecipa
a inauguração da primeira ferrovia brasileira, em 1854, ligando o porto de Mauá,
1 FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil, 14a ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional,1976, p.110.
2 PRADO JÚNIOR, Caio. História Econômica do Brasil, 26ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1981, p. 194.Esses dados apresentados por Caio Prado Júnior são os mesmos que aparecem em ROCHA POM-BO, História do Brasil. Rio de Janeiro: Anuário do Brasil, 1922, vol. IV, p.142.
3 CALMON, Pedro. História do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1961, p.1697-1699.
D. Teresa Cristina Maria(Nápoles, 1822; Porto, 1889)Fonte: Galeria dos BrasileirosIlustres Litogravura de S. A. Sisson(1871)
17
na Baía da Guanabara, à raiz da serra, em direção a Petrópolis. Em
1858, a Estrada de Ferro de dom Pedro II, iniciativa do governo impe-
rial, também é inaugurada. Na ponta dos trilhos da D. Pedro II, a civiliza-
ção entrou nos campos de São Paulo. Abateram-se os dois grandes embaraços
opostos à circulação: a barreira fluminense das serras entre o [rio] Paraíba e os
contrafortes da Guanabara; e a muralha da costa meridional. O progresso
neutralizara a geografia hostil e protetora. Deixava o interior de ser o mistério
inviolável, para receber o alento do século, na metódica invasão da máquina.
A ramificação da D. Pedro II para Minas Gerais, as estradas de Cantagalo, as
de Campos a São Sebastião, de Macaé a Campos, de Porto Alegre a Novo
Hamburgo, a Leopoldina, se seguiram a esse surto de prosperidade.4 Em 1866,
a cidade de São Paulo é ligada ao porto de Santos e, no ano seguinte,
os trilhos chegam a Jundiaí, no interior paulista.
Há um importante crescimento populacional. Em 1800, ha-
via no Brasil aproximadamente 3 milhões de habitantes, dos quais
1 milhão de escravos, evoluindo conforme quadro abaixo:
População do Brasil (1823-1850)
População Crescimento Livres Crescimento Escravos Crescimentototal anual anual anual
1823* 3.960.866 1,4% 2.813.351 1,5% 1.147.515 0,65%
1850* 8.020.000 1,85% 5.520. 000 1,82% 2.500.000 2%
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)* População estimada
O crescimento da nação brasileira é acompanhado pela cria-
ção de instituições e das necessárias leis correspondentes. Leis rela-
tivas à terra, à imigração, à organização do Exército, da Marinha, do
serviço diplomático e do serviço público, do serviço sanitário, do
ensino primário, secundário, técnico e superior são obras do Impé-
rio e de seus legisladores, responsáveis pela legislação que dá ori-
gem ao Estado nacional brasileiro.
Estrada de Ferro de Paranaguá a Curitiba,viaduto do Conselheiro Sinimbu (1879).Fotografia de Marc Ferrez
4 CALMON, Pedro, op. cit., p. 1701-4.
18
Florescimento da cultura jurídica no Império
Os dois primeiros cursos jurídicos do Brasil datam de 11 de agosto de
1827. Instalados nas cidades de Olinda e São Paulo, resultam de longos debates
jurídicos, iniciados na Constituinte de 1823. A Independência trouxera a necessi-
dade de formar os quadros de brasileiros destinados às tarefas da administração
pública, do aparelho burocrático, do judiciário e do legislativo. Eles são criados
pela Lei Geral de Ensino (1827), que estabelece as primeiras diretrizes para o ensi-
no público no Brasil 5.
A partir de 1827, os cursos de Olinda e de São Paulo, duas instituições
fundamentais para a construção e estruturação do Estado brasileiro, acolhem can-
didatos à formação jurídica, grupos de estudantes que se preparam para a atua-
5 MARCÍLIO, Maria Luiza. História da Escola em São Paulo e no Brasil. São Paulo: Imprensa Oficialdo Estado de São Paulo: Instituto Fernand Braudel, 2005. p. 47.
Lançamento da pedra fundamental da Estrada de Ferro Mauá, em 29 de agosto de 1852
19
ção no governo e na administração pública, na magistratura e nos partidos do
Império. Para a admissão, exige-se a idade de 15 anos completos e a aprovação
em exame da língua francesa, gramática latina, retórica, filosofia racional e
moral e geometria. Esses conhecimentos são adquiridos nos cursos preparató-
rios ou Colégios de Artes.6
Advogados e empreendedores famosos também são oriundos dos dois
cursos, locais de formação dos quadros superiores da monarquia. Com a
diplomação das primeiras turmas, no início dos anos 1830, os bacharéis de São
Paulo e Olinda notabilizam-se pela atuação em todos os níveis da vida pública
nacional, tanto nos quadros judiciários e legislativos quanto nos executivos.
A Academia de Direito de São Paulo instala-se no Largo São Francisco, num
convento franciscano, datado do século XVI. Mais tarde, na década de 1930, cons-
6 Ibid., p.48.
Antigo prédio da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e, à direita, a Igreja da Ordem Terceira
20
trói-se, no mesmo local do convento franciscano, um amplo edifício para a
Faculdade de Direito, primeira a integrar a Universidade de São Paulo (USP), em
1934. Formando o núcleo da nova universidade, a Faculdade de Direito, ou a Escola
do Largo São Francisco, torna-se, nos primeiros tempos, a sede da Reitoria. Nessa
época, contratam-se grandes figuras das ciências, das artes e da literatura mundi-
ais, como Lévi-Strauss, o criador da antropologia estruturalista, o historiador
Fernando Braudel e os sociólogos Roger Bastide e Jacques Lambert.
Faculdade de Direito doLargo de São Francisco,atual USP (década de1950)
Antigo prédio daFaculdade de Direito doRecife (século XIX)
21
A Academia de Direito de Olinda, instalada em 1828, funciona inicialmen-
te nas dependências do Mosteiro de São Bento. Importante setor de formação dos
jovens do nordeste brasileiro, a escola é transferida, em 1852, para o palácio dos
antigos governadores, ainda em Olinda, e para Recife, em 1854. Transformada em
Faculdade de Direito do Recife, muda-se, em 1912, para o prédio da praça Adolfo
Cirne, onde se encontra até hoje.
Passada uma década, funda-se o Instituto Histórico e Geográfico Brasilei-
ro no Rio de Janeiro, em 1838, com a tarefa principal de fazer o registro e a análise
dos fatos importantes da história, da terra e do povo brasileiros. É necessário que
os intelectuais também contribuam para a formação da jovem nação, registrando
suas pesquisas sobre a história e sobre os fatores da identidade nacional. Dom
Pedro II, em razão dos seus estudos e interesses, é assíduo das reuniões do insti-
tuto. Em 1839, começam a circular os volumes impressos da Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, uma das publicações ininterruptas mais longevas
do mundo ocidental7, assim como os Anais da Academia Imperial de Medicina
(1829), hoje Academia Brasileira de Medicina, publicados desde 1848.
Da agremiação do Instituto Histórico saem os fundadores do Instituto dos
Advogados do Brasil (IAB). Criado em agosto de 1843, o IAB integra-se às discus-
sões sobre a formação do Brasil, sugerindo a adoção de providências para a orga-
nização, afirmação, funcionamento e consolidação do nascente Estado imperial.
7 www.ihgb.org.br (acessado em 7 de abril de 2011).
Faculdade de Direito do Recife: prédio em estilo neoclássico, inaugurado em 1912
22
Seus integrantes asseguram que podem trazer importante contribuição na formula-
ção do ordenamento jurídico brasileiro, fazendo com que os passos iniciais do IAB,
seus objetivos e propostas, tenham íntima articulação com as especificidades e
necessidades do Brasil. Assim, do instituto participa a nova geração da elite polí-
tica brasileira, quase toda oriunda das primeiras turmas dos cursos de Direito de
Olinda e de São Paulo. Incumbindo-se da missão específica de auxiliar o governo na
organização legislativa e judiciária do país, colocando-se como órgão de estudos e debates da
jurisprudência, o IAB ganha autoridade e competência em assuntos jurídicos, em
razão das constantes consultas que lhe são feitas pelo governo imperial.8
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1879 e 1913)
8 História dos 150 Anos do Instituto dos Advogados do Brasil (1843-1993). Rio de Janeiro: Destaque,1995, p.19.
23
No Império, o desenvolvimento da cultura jurídica produz um caminho
para as discussões dos rumos econômicos do Brasil. Celso Furtado lembra que a
ciência econômica também penetra nas escolas de Direito, apesar da tendência
de transformar-se em corpo de doutrina, que se aceitava independentemente de qual-
quer tentativa de confronto com a realidade 9. Assim, os bacharéis de Direito são os
primeiros intelectuais brasileiros a tratar conceitualmente os aspectos da admi-
nistração, da economia e das finanças. Daí o seu papel destacado nos ministé-
rios e nas demais instituições do Império. Em vista dessa combinação, pode-se
afirmar que as discussões financeiras e as propostas de administração pública
e de alguns empreendimentos – como as ações de Irineu Evangelista de Souza,
o barão de Mauá – são exem-
plos da aplicação prática das
teorias econômicas e financei-
ras que circulam no Brasil,
aliadas ao conhecimento jurí-
dico dos advogados.
Algumas grandes in-
teligências destacam-se no
cenário dos debates jurídicos:
José Antonio Pimenta Bueno,
o marquês de São Vicente,
com as obras Direito Público
Brasileiro e Análise da Consti-
tuição do Império (1857), pri-
meira publicação do gênero, e Direito Internacional Privado (1863); Paulino José
Soares de Souza, o visconde do Uruguai, com Ensaio sobre o Direito Administra-
tivo (1862)10; Augusto Teixeira de Freitas, chamado de Jurisconsulto do Império,
com Consolidação das Leis Civis (1858) e Esboço do Código Civil (1865), estudo enco-
mendado por dom Pedro II (obra que inspira Clóvis Bevilaqua na elaboração do
Código Civil de 1916).
Medalha Teixeira de FreitasInstituto dos Advogados do Brasil
9 FURTADO, Celso, op.cit., p.160.10 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder, 5ª ed. Porto Alegre: Globo, 1979, p. 351.
24
Em 1865, a publicação de O Esboço, de Teixeira de
Freitas, afirma Pedro Calmon, marca a fase áurea da criação
jurídica, a que pertencem o Código Filipino, de Cândido Mendes
(1870), os Comentários à Constituição, de Joaquim Rodrigues de
Souza (1878) e Godofredo Autran (1881), o Código Mercantil, de
Orlando de Araújo Costa, o Criminal, de Tomás Alves, esse límpido
Direito das Cousas, de Lafayette (1877). Aí a pureza da lingua-
gem (desleixada e rude em Freitas) concilia a jurisprudência com os
primeiros vernáculos, tão exigentes na lavratura do Código Civil
(1904) – quando legistas e filólogos se encontram no mais rigoroso
prélio gramatical de que há notícia. A sua ante-sala, desde 1843, foi
o Instituto dos Advogados do Brasil (fundado a esforços de
Montezuma) e o seu órgão, O Direito (1877), em que advogados e
juízes documentaram a justiça corrente.11
Paulino José Soares de SouzaVisconde do Uruguai (1807-1866)
Augusto Teixeira de Freitas,jurista (1816-1883)
11 CALMON, op. cit., p.1869.
Clóvis Bevilaqua(1859-1944)Faculdade de Direitodo RecifeFonte: Domínio Público
25
Em vista da necessidade de ordenação do universo financeiro brasileiro,
em 10 de janeiro de 1849, dom Pedro II assina o Decreto 575, juntamente com
Joaquim José Rodrigues Torres, futuro presidente do Conselho Fiscal da Caixa
Econômica do Rio de Janeiro. O decreto estabelece normas e regras para incor-
poração e funcionamento das sociedades anônimas, em cujo artigo primeiro
encontra-se a seguinte determinação: Nenhuma sociedade anônima poderá ser incor-
porada sem autorização do governo, e sem que seja por ele aprova-
do o contrato que a constituir. Além de autorizar o funciona-
mento das casas bancárias, o governo limita e regula o po-
der dos bancos particulares emissores de papel-moeda, bi-
lhetes e títulos.
No ano seguinte, é promulgado o Código Comer-
cial para regularizar também a atuação das casas bancári-
as. Em decorrência das constantes crises e valendo-se do
poder adquirido com o Decreto 575, o governo suspende,
em 1853, as permissões de alguns bancos particulares para
emissão de papel-moeda, restringindo-a apenas ao segun-
do Banco do Brasil, instituição que reaparece por ação de
Irineu Evangelista de Souza e de um grupo de comercian-
tes brasileiros. É importante lembrar que o primeiro Banco
do Brasil nasce em 1808, por sugestão de Rodrigo de Souza
Coutinho, o conde de Linhares, admirador das ideias de
Adam Smith e do papel modernizador das instituições bancárias. Instalado no
Rio de Janeiro e em pequenas agências noutras capitais, sofre liquidação em
1829, sendo responsabilizado pela circulação descontrolada de papel-moeda
decorrente dos enormes gastos do Império e da inflação consequente à abun-
dância do meio circulante.
A respeito dessa conjuntura, o historiador Caio Prado Júnior afirma que
boa parte dos empreendimentos realizados depois da década de 1850 não representam
mais que especulação estimulada pela súbita libertação dos capitais dantes invertidos no
tráfico africano [efeito da Lei Eusébio de Queirós, de 1850], bem como pela inflação
Joaquim José RodriguesTorresVisconde de Itaboraí(1802-1872)Fonte: Galeria dos BrasileirosIlustres. Litogravura de S. A.Sisson (1871)
12 PRADO JÚNIOR, Caio, op. cit., p.194.
26
de crédito e emissões de papel-moeda que então se verificam.12 De fato, se
a manutenção da cultura de emissão de valores monetários, desde
o primeiro Banco do Brasil (1808), gera movimentação no merca-
do financeiro nacional, também produz crises e inflação. Em 1857,
o governo autoriza novamente o funcionamento de seis bancos
emissores, além do segundo Banco do Brasil13. Este detinha um
elevado montante de capital, mantendo-se emissor até 1866, quan-
do o Tesouro monopoliza a emissão de papel-moeda.14
A promulgação da Lei 1.083, de 22 de agosto de 1860, tam-
bém conhecida como a Lei dos Entraves, revela a tendência políti-
ca de intervenção do Império nos negócios bancários. Aprovada
pela Assembleia Legislativa, promulgada por dom Pedro II e assi-
nada por Ângelo Muniz da Silva Ferraz, Carlos Augusto de Sá e
João Lustosa da Cunha Paranaguá, a lei contém as providências
sobre os bancos de emissão, o meio circulante e as diversas com-
panhias e sociedades. Trata-se de uma norma de caráter geral, cujo
principal objetivo é disciplinar o sistema bancário brasileiro, com
a preocupação de evitar a emissão de títulos superiores à capaci-
dade de pagamento dos bancos autorizados.
A lei de 1849, o Código Comercial de 1850, a Lei 1.083 (1860)
e a Lei das Hipotecas (1864) marcam o início da consolidação for-
mal do sistema de crédito no Brasil e a formulação das bases jurí-
dicas do sistema bancário brasileiro. Além disso, com a Lei 1.083,
o Brasil ganha a primeira referência à criação das Caixas Econô-
micas nos moldes das instituições europeias similares, comuns no
século XIX.
Ângelo Muniz da Silva Ferraz(1812-1867)Fonte: Galeria dos Brasileiros IlustresLitogravura de S. A. Sisson (1871)
13 Em linhas gerais, nessa segunda fase, o Banco do Brasil nasce da sua fusão com oBanco Comercial do Rio de Janeiro. Somente em 1906 sofre uma modificação,passando a ser o atual Banco do Brasil.
14 AVELAR, Helio de Alcântara. História Administrativa e Econômica do Brasil. Riode Janeiro: MEC/Fename, 1970, p.257.
27
Caixas Econômicas e Mútuos Socorros na Europa
A difusão das Caixas Econômicas acontece na Europa, na passagem do
século XVIII para o XIX, quando as transformações técnicas e o uso de novas
fontes de energia, sobretudo a do vapor, aumentam a produção industrial, provo-
cando o crescimento do número de trabalhadores residentes nas cidades e no
entorno das fábricas. A baixa remuneração do trabalho e as péssimas condições
de moradia criam novas exigências ao poder público, gerando a necessidade de
políticas para a melhoria da vida dos trabalhadores.
É ainda no século XIX que as ações para a
diminuição da pobreza deixam de ser responsabili-
dade exclusiva das igrejas, tradicionais prestadoras
da caridade, passando a ser também tema dos tra-
balhadores e dos debates governamentais. O am-
paro aos necessitados e a regulação dos movimen-
tos associativos são discutidos pelos legisladores.
Desenvolve-se uma cultura jurídica que trata da
ação do Estado na área social, combinando o Direi-
to, as noções cristãs de caridade, as teorias
iluministas e as práticas socialistas do século XIX.
Iniciativas de proteção social vindas de as-
sociações cooperativas e de mútuo socorro, forma-
das por operários e trabalhadores rurais, surgem
nesse período. Convivem com ações caritativas das
ordens monásticas e conventuais católicas e de ou-
tras associações cristãs, com suas instituições pias
(asilos, hospitais, santas casas, beneficências, orfa-
natos e escolas), desde a Idade Média ocidental.
Nasce, então, o cooperativismo, resultado
das propostas teóricas e da ação de trabalhadores
em busca de soluções efetivas para as adversidades
econômicas decorrentes da expansão do capita- Cédula de 500 réis, emitida em 1874, com a efígie dedom Pedro II e o Brasão do Império.
Frente e verso da primeira cédula brasileira de 100 réis,do Império
28
lismo. Em 1844, um grupo de 28 tecelões ingleses funda, em Rochdale, a primeira
cooperativa de trabalhadores, inaugurando o cooperativismo moderno. Com
uma poupança de 28 libras, os tecelões compram um conjunto de bens necessá-
rios ao seu sustento, eliminando a figura do intermediário e barateando os pre-
ços dos produtos.15
Fazem parte desse movimento, que defende a proteção dos menos favo-
recidos, as primeiras iniciativas de fixação de pensões para viúvas, seguros, jor-
nadas de trabalhos limitadas e, mais tarde, aposentadorias, bem como a criação
de instituições de poupança e de crédito para proteger e ativar a economia po-
pular. Alemanha, Suíça, Itália, França, Bélgica, Inglaterra e demais países da
Europa registram em suas histórias o fenômeno do aparecimento das Caixas
Econômicas, na mesma época em que florescem as cooperativas e outras associ-
ações de ajuda mútua. O objetivo principal dessas sociedades de ajuda e prote-
ção contribui para a criação de mecanismos de apoio ao desenvolvimento da
economia popular.
Considerando que a difusão da industrialização europeia para outros
continentes leva consigo as instituições que lhes correspondem, a abertura de
Caixas Econômicas segue tendência semelhante. Conforme De Plácido e Silva,
coube à Inglaterra o mérito de firmar as bases de êxito da incipiente instituição, com a
organização da Associação de Interesse Público, entidade destinada à promo-
ção do bem-estar do povo inglês. As mesmas bases que nos Estados Unidos da
América permitem o funcionamento de caixas já em 1818.16
Divulgam-se nos demais países da América as notícias dos bons resulta-
dos das iniciativas europeias de proteção social. Os clientes das Caixas Econô-
micas depositam as suas economias, recebendo remuneração através de juros
colocados semestral ou anualmente nas suas contas. Na Argentina, em 1826,
aparece a primeira Caixa Econômica, fortemente apoiada pelo presidente
Bernardino Rivadávia. As notícias não tardam a chegar ao Brasil, estimulando a
abertura de entidades semelhantes.
15 TORRESINI, Elizabeth Rochadel. Unicred Porto Alegre: 15 Anos de Vivência Cooperativa. PortoAlegre: Literalis, 2005, p.28-29.
16 DE PLÁCIDO E SILVA. As Caixas Econômicas Federais. Curitiba: Empresa Gráfica Paranaense,1937, p.5.
29
Surgem as Caixas Econômicas do Império brasileiro
A primeira Caixa Econômica brasileira que se tem notícia é de 1831. Aberta
na cidade do Rio de Janeiro, por iniciativa de João Florindo de Figueiredo Rocha,
mantém-se atuante até o final da década de 1850. Mesmo não havendo uma legisla-
ção apropriada para essas instituições, a Caixa Econômica de João Florindo acaba
incentivando a abertura de outras caixas provinciais. Bahia, Alagoas, Minas Gerais,
Pernambuco, Rio Grande do Sul e São Paulo, além de outra caixa no Rio de Janeiro,
em Campos, formam o conjunto das províncias que conhecem essa forma de pou-
pança popular. Das caixas livres, a Caixa Econômica da Bahia sobrevive durante
décadas, tendo-se notícias dela em 1880, quando os proprietários solicitam a pror-
rogação do prazo de funcionamento por mais dez anos.17
A primeira medida do governo sobre a atividade bancária do Império apa-
rece com o Decreto 575, de 1849, já mencionado. Porém, somente com a Lei 1.083,
de 22 de agosto de 1860, Contendo Providências sobre os Bancos de Emissão, Meio Circulante
e Diversas Companhias e Sociedades, são determinadas as condições de funcionamen-
to das Caixas Econômicas brasileiras. No artigo 2o, lê-se:
§ 14 – As Caixas Econômicas, como estabelecimentos de beneficência, serãodirigidas e administradas gratuitamente por diretores nomeados pelo gover-no; e os bons serviços por esses prestados serão reputados relevantes em qual-quer ocasião e para qualquer fim;§15 – As Caixas Econômicas não poderão fazer outra operação que não seja ade receber a prêmio semanalmente valores não excedentes a 50$000 [réis] porcada depositante. As quantias depositadas na mesma ou em diferente Caixapor um mesmo indivíduo, e por acumulação ou por qualquer outro motivoexcederem ao cômputo de 4:000$000 [contos], não vencerão juros;§ 16 – Os dinheiros recebidos pelas Caixas Econômicas serão entregues, noprazo máximo de oito dias, à Estação da Fazenda que o Governo designar emcada Província ou Município, e vencerão o juro de 6% desde o dia de suaentrada18. Os juros serão acumulados semestralmente, e a retirada dos depó-
17 SIMCH, Carlos Alfredo. A Caixa Econômica do Rio Grande do Sul: Jubileu de Diamante (1875-1950). Porto Alegre: Caixa Econômica Federal do Rio Grande do Sul, 1950,p. 62-64.
18 Nildo Luzio lembra que o percentual de 6% para a remuneração do capital é conhecido das pessoas que hojeem dia fazem aplicações em cadernetas de poupança. A legislação atual no Brasil sobre o assunto determinaque a remuneração dos depósitos em poupança seja de 6%, acrescidos da correção monetária, que é umainvenção recente no Brasil. Portanto, a diferença entre a poupança nos primórdios da Caixa Econômica oficiale a atualmente é a correção monetária, inexistente até o início da década de sessenta do século XX. LUZIO,Nildo Wilson. História da Caixa Econômica Federal. Porto Velho, 2001 (texto datilografado), p.22.
30
sitos só pode ter lugar com prévio aviso do depositante, feito com antecedênciade oito dias, pelo menos;§ 17 – As Caixas Econômicas que atualmente funcionam com autorização doGoverno continuarão as operações conforme seus estatutos, podendo os fundosque não estiverem empregados em títulos da dívida pública fundada ou flu-tuante ter o destino determinado no parágrafo antecedente;§18 – A disposição do §16 deste artigo fica extensiva aos capitais e contribui-ções dos Monte-Pios e das Sociedades de Socorro Mútuo que o requererem;§ 19 – Os Montes de Socorro não poderão fazer outras operações senão as deempréstimo de dinheiro sobre penhor, pela taxa de juro que o Governo anualmentefixar, e a prazo nunca maior de nove meses. Os fundos destes estabelecimentospara tal fim poderão consistir no produto de subscrições, doações e legados departiculares, ou poderão ser fornecidos por empréstimos do Governo, quando esteo julgar conveniente, pela importância depositada nos cofres públicos na formados §§ 16, 17 e 19 deste Artigo, ou por particulares a título benéfico ou oneroso;§ 20 – Os lucros realizados pelos Montes de Socorro criados em virtude dapresente Lei, deduzidos os juros dos fundos fornecidos por empréstimos naforma do parágrafo antecedente, farão parte do seu capital; e logo que este sejasuficiente para suas operações, poderão ser aplicados anualmente às despesasdos estabelecimentos pios que o governo designar;§ 21 – Os dinheiros recebidos em virtude dos §§ 16, 17 e 18 deste artigo, quenão tiverem a aplicação autorizada pelo § 19, serão empregados nas operaçõesde amortização da dívida pública fundada, ou nas despesas ordinárias doEstado, sendo escriturados como depósito;§ 22 – As Caixas Econômicas, os Monte-Pios ou de Socorro e as Sociedades deSocorro Mútuo, criadas em virtude da presente Lei, ficam isentos do impostodo selo, e terão a faculdade de aceitar doações e legados;§ 23 – As Sociedades de qualquer espécie, e os indivíduos que estabeleceremcasas de empréstimos sobre penhores, sem autorização ou que tendo-a obtido,tiverem escrituração regular na forma que estabelecem os regulamentos doGoverno, ficam sujeitos, além das penas cominadas no § 1 deste Artigo, e dasque incorrem em virtude do Código Criminal, a de prisão simples de dois aseis meses que será imposta pela autoridade policial.
Redigida e assinada pelo ministro da Fazenda, bacharel Ângelo Muniz da
Silva Ferraz, diplomado pela Escola de Olinda, em 1834, a Lei 1.083 traz a primeira
menção oficial à criação da Caixa Econômica no Brasil. Promotor, juiz e deputado
conservador, provincial e geral, além de senador, Muniz Ferraz vem de uma carreira
que começa na inspetoria da Fazenda, no Rio de Janeiro, em 1848. Conservador esco-
lhido para a presidência da Província do Rio Grande do Sul, em 1857, nela permanece
até 1859, quando se torna primeiro-ministro e ministro da Fazenda até 1861.19
19 Entre 1865 e 1866, ele exerce a função de ministro da Guerra, sendo ajudante de ordens de domPedro II durante a rendição do general paraguaio Estigarribia, razão pela qual recebe o título debarão de Uruguaiana.
31
Defensor intransigente do fortalecimento do papel do Estado, político de
sólida formação jurídica, Ferraz resolve baixar regras para retirar do mercado o
excedente de moeda, estipulando na Lei 1.083 um prazo para que os bancos redu-
zam as emissões e comprem o ouro correspondente com o objetivo de formar
lastro em metal. Ciente de que a economia brasileira funciona na base do papel-
moeda, o ministro espera que essa cultura seja substituída pela valorização do
padrão ouro.
Ferraz acrescenta à Lei 1.083 os regulamentos sobre o pagamento de dividendos
e movimentação de fundos de bancos, regras para a venda de ações das sociedades anôni-
Caixa Econômica de PedroPalet, Rio Grande do SulO Mercantil. Porto Alegre,5 de abril de 1887
32
mas, limites para o valor dos títulos bancários e até para cunhagem de moedas por parti-
culares. Por suas características de impor limites à iniciativa privada, a Lei 1.083
entra para a história com o nome de Lei dos Entraves. A partir da sua promulga-
ção, os investimentos de Mauá, na ocasião o maior empresário do Império, so-
frem um profundo revés.20
A Lei dos Entraves também determina as regras de administração para
as Caixas Econômicas e Montes de Socorro. Ao colocar limites às possibilidades
de exploração da economia dos humildes, oferece a garantia do governo, a se-
gurança que falta às primeiras caixas particulares criadas no Império, e antecipa
problemas futuros. Com essa medida, são criadas as Caixas Econômicas e os
Montes de Socorro oficiais (casas de penhor), os únicos permitidos no Brasil,
naquele momento.
O Monte de Socorro – também denominado montepio, casa de penhor, casa
de prego, casa do macaco – representa instituição antiga, já descrita na China, na
Grécia e em Roma. Adotada na Europa medieval, aparece como organização carita-
tiva, sob a proteção papal. Destinada a fornecer recursos às populações mais caren-
tes, é também explorada por particulares. Os governos municipais e depois os nacio-
nais, cientes dos perigos de explo-
ração da população, começam
por vigiar esse tipo de estabeleci-
mento para submetê-lo à vigilân-
cia do Estado. No Brasil, as casas
de penhores, depois da Lei 1.083,
dependem da chancela oficial e
do seu funcionamento junto às
Caixas Econômicas, ocasionando
o desaparecimento de penhores
particulares e das inúmeras situa-
ções de exploração da população
sem recursos e em dificuldades
financeiras.
20 CALDEIRA, Jorge. Mauá: Empresário do Império. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.368-369.
O Mercantil. Porto Alegre, 17 de dezembro de 1883
33
A Lei 1.083 determina a ausência de remuneração do Conselho e a delimita-
ção do teto máximo dos depósitos, além das orientações para o funcionamento dos
Montes de Socorro, com favorecimento das classes mais despossuídas da popula-
ção, o que caracteriza a tendência de intervenção do governo na solução e no
apadrinhamento de alguns problemas sociais. Por ser um fato novo, é preciso regu-
lar adequadamente a ação do Estado e os efeitos que se deseja alcançar.
O caráter beneficente dessas instituições está realçado na Lei 1.083, que lan-
ça os fundamentos das instituições brasileiras na defesa da economia popular. Sob
a supervisão dos poderes públicos, as Caixas Econômicas, os Montes de Socorro e
outras instituições congêneres estão isentos do imposto do selo por serem entida-
des de caráter filantrópico. Contudo, afirma De Plácido e Silva, essa lei não poderia
reservar às Caixas Econômicas já uma organização minuciosa e perfeita. Sua materialização
legal e as bases de suas funções viriam, a seguir, em Regulamento próprio. Mas a vontade do
Poder Público já ali se expressava imperiosa quanto ao seu caráter de benemerência e de
interesse público e já apontava a responsabilidade oficial e regalias outorgadas às novas orga-
nizações.21
Mesmo que submetidos à Lei 1.083, ao futuro Regulamento Geral e ao con-
trole do Tesouro do Império, as Caixas Econômicas e os Montes de Socorro são
autônomos e independentes. Administrados pelo Conselho Fiscal, nomeado e
superintendido pelo governo imperial, não estão submetidos a uma administração
centralizada e tampouco sofrem qualquer forma de submissão hierárquica. A auto-
nomia administrativa e financeira dessas instituições, que se estenderá ao século
XX, opõe-se, em parte, à tendência centralizadora do Império.
Caixa Econômica e Monte de Socorro no Rio de Janeiro
Em 12 de janeiro de 1861, o ministro Ferraz assina o Decreto 2.723, que
autoriza a criação de uma Caixa Econômica e de um Monte de Socorro no Rio de
Janeiro. Além das funções previstas pela Lei 1.083, são retomadas e acrescidas algu-
mas instruções para a administração dessas entidades oficiais garantidas pelo go-
verno imperial.
21 DE PLÁCIDO E SILVA, op. cit., p. 8-10.
34
O regulamento estipula que o Conselho Superior Fiscal, órgão máximo da
administração, será composto por um presidente, um vice-presidente e oito conse-
lheiros, todos de livre escolha do governo, a quem cabe a nomeação do tesoureiro,
do guarda-livros, do porteiro, do contínuo e dos serventes, sendo os últimos pro-
postos pelo tesoureiro. São responsabilidades do Conselho: além de nomear os
empregados da Caixa Econômica, propor salários, elaborar semestralmente o orça-
mento, fiscalizar os serviços, a escrituração e o cofre, e demitir os empregados de
sua nomeação. A administração do Monte de Socorro será a mesma da Caixa Eco-
nômica, mas os funcionários poderão ser ou não os mesmos. Em 16 de novembro
de 1861, o Decreto 2.847 modifica algumas disposições do regulamento anterior,
suprimindo alguns dos seus artigos.
Sediados no andar térreo do edifício da Câmara dos Deputados, no prédio
da Cadeia Velha, na Rua da Misericórdia, a Caixa Econômica e o Monte de Socorro
da Corte, subordinados a uma única administração, abrem as portas em 4 de no-
vembro de 1861 para receber os primeiros depositantes e iniciar os serviços de pe-
nhora. Sob a garantia do governo, as economias populares que não excedessem o
valor de 4 contos de réis teriam um lugar seguro na Caixa Econômica, recebendo
pagamento de juros de 6%, aplicado sobre o valor do depósito acumulado no ano.
No mesmo prédio, o Monte de Socorro está preparado para fazer empréstimos e
socorrer financeiramente as camadas mais pobres da população brasileira, median-
te a penhora de joias e pedras preciosas e a cobrança de juros abaixo dos praticados
pelos agiotas, conforme define a lei.
Joaquim José Rodrigues Torres, o visconde de Itaboraí, que assinara em 1849
o Decreto 575, inaugura a Caixa da Corte, na condição de primeiro presidente do
Conselho Fiscal. Em pouco tempo, quando dom Pedro II destitui o gabinete do
conservador Ferraz, substituindo-o por Caxias, a presidência do Conselho Fiscal da
Caixa Econômica passa ao senador Manuel Felizardo de Souza e Mello e ao vice-
presidente José Antonio Pimenta Bueno, o famoso jurista. Porém, o início das ope-
rações acontece com o terceiro presidente do Conselho, Antonio Francisco de Paula
Holanda Cavalcanti, visconde de Albuquerque.
O depósito inaugural da Caixa Econômica é do professor Antonio Alves
Pereira Coruja (1806-1889). Nascido em Porto Alegre (RS), o professor Coruja assina
pioneiras obras didáticas brasileiras, com sucessivas edições, depois dessas primei-
35
ras: Compêndio de Gramática da Língua Nacional (1835) e Manual dos Estudantes de Latim
(1838); Compêndio de Ortografia da Língua Nacional (1848); Aritmética para Meninos (1850);
Manual de Ortografia da Língua Portuguesa (1852); Compêndio e Gramática Latina do Padre
Antonio Vieira (1852); Lições de História do Brasil (1855), entre outras.22
O Professor Coruja abre uma caderneta para a pequena quantia de 10 mil réis (10$000),
no mesmo dia em que os depósitos somam 190 mil réis. Dois dias após, Emiliana Maria
da Conceição, a primeira mulher depositante, leva sua poupança de 20 mil réis à Caixa.
Ao correr os olhos pela listagem dos 50 primeiros depositantes, afirma Eduardo
Bueno, repleta de Antônios, Josés, Joões e Joaquins, além de certa Maria Benedita, de Carlota,
Emiliana e Adelaide, é como se o observador vislumbrasse, num instante, uma amostragem
do universo brasileiro de então, muito além da frieza dos números e do anonimato silencioso
e poeirento que insiste em depositar-se sobre aquelas letras e quantias, como se fosse possível
desvinculá-la de vidas reais, de aflições cotidianas, de anseios genuínos. De sonhos e de espe-
ranças raramente concretizados.23
Os depósitos e os empréstimos sucessivos tornam evidente a adesão da po-
pulação às ofertas de garantia da Caixa e aos empréstimos sob penhor do Monte de
Socorro. Funcionando exclusivamente no Rio de Janeiro, as entidades são assim
apresentadas no Diário Oficial do Império do Brasil 24:
Caixa Econômica do Monte de SocorroEstes Estabelecimentos, garantidos pelo Governo Imperial, funcionam noedifício da Rua da Misericórdia, fronteiro à da Assembleia, das 9 às 2 ho-ras dos dias úteis.A Caixa recebe dinheiro a juros de 6% capitalizado no fim de cada semes-tre. Não recebe de cada indivíduo mais de 50$000 por semana.O Monte empresta dinheiro de 5$000 para cima sobre penhor de ouro, prata,diamantes, ao prazo de 9 meses, que pode ser renovado por mais 6.É permitido o resgate do penhor antes de vencidos estes prazos, e depois deles atéo dia da arrematação do mesmo penhor. O juro dos empréstimos ficou reduzidodo 1o de novembro em diante a 10% ao ano, pago depois de vencido.Rio de Janeiro em 15 de janeiro de 1863. – O Tesoureiro, J. A. da Rocha.
22 VILLAS-BÔAS, Pedro Leite. Dicionário Bibliográfico Gaúcho. Porto Alegre: Est/Edigal, 1991.Nesta obra, encontram-se as publicações de Coruja, bem como um levantamento das ediçõesposteriores.
23 BUENO, Eduardo. Caixa: uma História Brasileira. Porto Alegre: Buenas Ideias; São Paulo:Metalivros, 2002, p. 24.
24 Diário Oficial do Império, 15 de fevereiro de 1865, no 34, p. 4. Acervo do Museu de ComunicaçãoSocial Hipólito José da Costa (Porto Alegre, RS).
36
A diferença básica entre Caixa Econômica e Monte Socorro encontra-se nas
suas atribuições definidas na lei. A Caixa recebe os depósitos a título de poupança e
o Monte de Socorro, conforme está no art. 1, não poderá fazer outras operações senão as
de receber dinheiro a prêmio e emprestar sob penhor por módico juro, que será regulado
semestralmente pelo Conselho Fiscal. O Conselho Inspetor e Fiscal tem a importante
função de fixar a taxa de juros aplicada a cada empréstimo sob penhor. No entanto,
os legisladores do Império tiveram o cuidado de estabelecer no próprio texto do regulamento
os parâmetros dos patamares de juros, preocupação que certamente pretendia impedir que os
membros do conselho aplicassem taxas exorbitantes.25
De acordo com a Lei dos Entraves, reforçada no Decreto 2.723, os valores
depositados deveriam ser repassados, depois de uma semana, ao Tesouro Nacional.
Uma vez lá, poderia ser utilizado pelo governo do modo que bem lhe aprouvesse. Tal situação,
frequentemente criticada por aqueles que defendiam a maior autonomia da Caixa, manteve-
se desafortunadamente inalterada até 1934. E não restam dúvidas que foi isso que, por 73
longos anos, travou o desenvolvimento da instituição.26
Em 1872, o ministro da Fazenda José Maria da Silva Paranhos, visconde
do Rio Branco, em relatório à Assembleia Geral, traça o panorama da Caixa
Econômica e do Monte de Socorro: A circunstância que me parece mais notável, em
todo este movimento monetário e para o qual devo chamar a atenção, é o grande número
de entradas máximas de 50$000, que revelam quais sejam as condições pecuniárias da
25 LUZIO, op. cit., p.3026 BUENO, Eduardo, op. cit., p.32.
Cédula de 1.000 réis com efígie de dom Pedro II (1879)
37
generalidade dos contribuintes (...) pequenos capitalistas que têm convertido este estabe-
lecimento em banco de depósitos, onde vêm colocar o seu dinheiro com melhor juro e
maiores garantias do que em outra qualquer parte. Os dados revelam que, em 1871,
mais de 22 mil cadernetas são postas em circulação, com aberturas diárias de 30
a 40 cadernetas novas, criando uma circunstância em que as horas de expedien-
te e o número de funcionários tornam-se insuficientes.
O ministro Rio Branco enfatiza que a utilidade das Caixas Econômicas está
provada pela confiança que têm inspirado, sugerindo a sua ampliação: Os serviços
das Caixas Econômicas são de grande influência sobre os costumes e a sorte das classes mais
laboriosas, e, pois, convém generalizá-las o mais possível, como se pratica entre as nações que
nos podem servir de modelo. A lei o autoriza, e o governo, chamando esses estabelecimentos à
sua iniciativa e guarda, obrigou-se a estender os seus benefícios a todo o Império.27
José Maria da Silva Paranhos,visconde de Rio Branco
José Maria da Silva ParanhosVisconde do Rio Branco (1819-1880)Fonte: Galeria dos Brasileiros IlustresLitogravura de S. A. Sisson (1871)
27 Diário Oficial do Império, 25 de maio de 1872, ano XI, no 117, p. 3. Acervo do Museu de Comuni-cação Social Hipólito José da Costa (Porto Alegre, RS).
38
Em 1872, o Decreto 5.153 permite que os escravos de ganho – trabalha-
dores urbanos remunerados por tarefas – depositem suas economias na Caixa
Econômica. Como os demais depositantes, os escravos de ganho recebem uma
caderneta de controle das movimentações, na qual consta o seu nome e o do seu
proprietário, pessoa responsável pela autorização da abertura da poupança.28
Mantendo-se como únicos e garantidos pelo governo do Império até 1875,
a Caixa Econômica e o Monte de Socorro do Rio de Janeiro transferem-se da Rua
da Misericórdia para a Marechal Bitencourt, antiga Rua D. Manuel, 27. O prédio
é construído em terreno que dom Pedro II doou à instituição, em 1887, cuja
pedra fundamental e inauguração dependeram da atuação de Antonio Nicolau
Tolentino, presidente do Conselho Fiscal.
Entre 1875 e 1888, a presidência do Conselho Fiscal da Caixa da Corte
passa às mãos do conselheiro Antonio Nicolau Tolentino (1810-1888), uma das
principais figuras da definição, funcionamento e expansão das Caixas Econômi-
cas nas províncias do Império. Em 1881, Tolentino revela os princípios apre-
goados pela instituição, ao elaborar um parecer minucioso, baseado no estudo,
junto a uma comissão nomeada, sobre os meios de melhorar e aumentar a atua-
ção das Caixas. Parecer este assim comentado por Antonio Candido: A introdu-
ção de corte doutrinário, como era de seu feitio, repousa sobre uma antinomia, à luz da
qual procura caracterizar o brasileiro. De um lado está a poupança, que é o fundamento
das Caixas e exerce papel “regenerador sobre certas classes sociais”, pois onde elas pros-
peram diminuem os crimes e os vícios. De outro lado está a miragem da “riqueza espon-
tânea”, representada pelo amor ao jogo e concretizada na “cancerosa enfermidade das
loterias, que vai fundamentalmente gangrenando o corpo social”.29
A prática de guardar as economias em um lugar seguro e garantido pelo
Império – tornada popular no período do presidente Nicolau Tolentino – permi-
te que se aumentem as possibilidades de reproduzir a experiência da Corte nas
províncias brasileiras, principalmente naquelas cujo nível de renda da popula-
ção requer a adoção de modos de poupança.
28 www.caixa.com.br (acessado em março de 2011).29 CANDIDO, Antonio. Um Funcionário da Monarquia, Ensaio sobre o Segundo Escalão, 2ª ed. Rio
de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2007, p.111-116.
39
Panorama brasileiro na segunda metade do século XIX
Os primeiros anos de funcionamento da instituição coincidem com uma
crise comercial no Rio de Janeiro, em 1864, e com a grave seca no nordeste, que
dizima, em 1877, por volta de 100 mil pessoas e incrementa um fluxo migratório
nordestino para outras regiões brasileiras. Além de coincidir, também, com a Guer-
ra do Paraguai (1865-1870), cujo alto custo material soma-se à perda da vida de
33 mil brasileiros. Passado o conflito da guerra, o Brasil está endividado. Essas cir-
cunstâncias todas exigem esforços de superação do governo brasileiro.
A expansão da lavoura do café e as crescentes exportações desse produ-
to geram recursos para uma nova rodada de melhoramentos urbanos, além de
promover a imigração europeia e o consequente aumento da população livre. Con-
forme dados apresentados por Emilia Viotti da Costa, o número de indústrias pas-
sou de 175, em 1874, para mais de 600 em pouco mais de dez anos. Localizadas nos
principais núcleos urbanos do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande
do Sul, onde há mão de obra, capitais, mercado e infraestrutura de transportes,
caracterizam-se por especializarem-se na substituição de importações. Porém a in-
dústria ainda não altera a estrutura socioeconômica do Brasil, que se mantém agrá-
ria. A própria urbanização que se verifica é fruto da expansão comercial derivada
da produção de café, sujeita a oscilações, e da relação do país com o mercado inter-
nacional. Mas, em 1880, já há 181 mil pessoas registradas como operários.30
Desenvolvendo-se o mercado interno, as condições de vida da população
das cidades tendem a alterar-se com a oferta de trabalho nos setores públicos e
privados urbanos. A diversificação da oferta de trabalho, mesmo que ainda muito
limitada, torna mais complexa a estrutura social brasileira. Depois da Lei do Ventre
Livre (1871), são necessários novos setores de ocupação da população livre. Em
1872, 13% da população vive da prestação de serviços, 7% da indústria, restando
aos 80% da população as atividades agrícolas. Observemos que na categoria “serviços”
mais da metade se refere a empregados domésticos. Vê-se como era ainda incipiente a indús-
tria, tanto mais que nesse item está incluída a mineração 31.
30 VIOTTI DA COSTA, Emília. Da Monarquia à República: Momentos Difíceis. 2a ed. São Paulo:Livraria Editora Ciências Humanas, 1979, p.199-205.
31 FAUSTO, Boris. História do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo;Fundação de Desenvolvimento da Educação, 1995, p.237.
40
Nas cidades, cresce o interesse pelas diversões públicas, pela construção de
hotéis, jardins e passeios públicos, iluminação e abastecimento de água. Aperfei-
çoam-se os transportes, as redes de tráfego e os serviços telefônicos em São Paulo,
Salvador, Rio de Janeiro e Campinas. Os serviços de telégrafo ligam vários centros
do Brasil, além da Europa. Em 1876, com a intenção de se uniformizar os padrões
de pesos e medidas, o Brasil adota o uso do sistema métrico francês.
O primeiro censo brasileiro, realizado em 1872, revela que a população bra-
sileira é formada por aproximadamente 10 milhões de habitantes, sendo cerca de 8
milhões livres e 1,5 milhão de escravos. 32 Mulatos constituem por volta de 42% da
população; os brancos, 38%; e os negros, 20%. Minas Gerais é a província mais
povoada, vindo a seguir a Bahia, Pernambuco, São Paulo e Rio de Janeiro.33
Plantação de café em São PauloFonte: www.memória-história.com.br
32 De acordo com dados registrados no IBGE, esses são os números integrais do censo de 1872:população total: 10.112.061 habitantes, sendo 8.601.255 livres e 1.510.806 escravos.
33 FAUSTO, Boris, op. cit., p. 236-237.
41
Em 1875, existem no Brasil perto de 6
mil escolas primárias, frequentadas por qua-
se 200 mil alunos, a julgar por uma estatística
muito deficiente, afirma Rocha Pombo. Nesse
cálculo não se incluem as aulas que funcionam nas
fábricas e manufaturas, nos engenhos, nas fazen-
das, nos estabelecimentos rurais e às expensas dos
respectivos proprietários, nem as que são criadas e
mantidas por associações filantrópicas34, práticas
recorrentes em todo o território nacional.
A distribuição da população em idade
escolar na zona rural, onde vive a maior parte
dos brasileiros, dificulta a universalização do
ensino primário. Há 12 mil alunos matricula-
dos em escolas secundárias e calcula-se que
chegue a 8 mil o número de pessoas com edu-
cação superior. Mas, talvez, somente 16,8% da
população em idade escolar fre-
quente a escola. Há um alto
percentual de analfabetismo,
principalmente entre a popula-
ção escrava. Para que haja ele-
vação do nível escolar, aumen-
to da renda, diversificação da
economia e das oportunidades
de trabalho, é necessário deter-
minar o fim da escravidão, pro-
movendo o assalariamento da
população brasileira.
Imigrantes trabalhando em um cafezal em São PauloFonte: Café História/Acervo fotos
34 ROCHA POMBO, op. cit., p. 149.
Café (1925), óleo de Candido Portinari
42
Nos centros urbanos, nas últimas décadas do Império, acontece um movi-
mento de formação de associações artísticas e musicais; de livrarias, bibliotecas e
gabinetes de leitura. É um período de circulação diária de jornais e de notícias,
rompendo com o isolamento em que vivem as cidades do interior do Brasil. O de-
senvolvimento da tipografia e da imprensa permite a atuação de editoras nos cen-
tros maiores e em várias cidades brasileiras.35
A abertura de livrarias, de gabinetes de leitura e bibliotecas é um estímulo à
difusão do hábito da leitura, coincidindo, no final do século XIX, com o aumento do
número de escolas, públicas e particulares, e com a entrada das congregações religiosas
da Europa dedicadas à formação escolar. No Rio de Janeiro, desde os anos 1860, a
editora de Baptiste Louis Garnier publica obras de autores brasileiros, com destaque
para os romances de José de Alencar e Machado de Assis. A editora dos irmãos Laemmert,
Estação Central da AntigaEstrada de Ferro Dom Pedro II,Rio de Janeiro (1899)Fonte: Domínio Público
35 BRAGANÇA, Aníbal; ABREU, Márcia. Impresso no Brasil: Dois Séculos de Livros Brasileiros. SãoPaulo: Editora Unesp, 2010.
43
em 1874, possui um acervo de quase 500 títulos editados, alcançando 1.140 obras de
autores brasileiros e mais de 400 traduções, em 1909, quando encerra as atividades.
Nesse ambiente que mistura prosperidade, aumento da população, manu-
tenção da escravidão, imigração e difusão de uma cultura literária, acontece a pri-
meira ampliação da Caixa Econômica e do Monte de Socorro do Império.
Caixas e Montes de Socorro nas províncias
Com a assinatura do Decreto 5.594, de 18 de abril de 1874, pelo ministro Rio
Branco, abre-se o processo de difusão das Caixas Econômicas nas províncias brasi-
leiras. Provavelmente elaborado pelo conselheiro Antonio Nicolau Tolentino, esse
decreto cumpre os anseios das populações regionais, interessadas em contar com
os mesmos benefícios da capital do Império.
Depois da assinatura do Decreto 5.594, Rio Branco envia aos presidentes das
províncias as determinações necessárias para a instalação das Caixas Econômicas,
acrescidas da sugestão de que o empréstimo de 25 contos de réis, obrigatórios para as
primeiras operações, pode ser solicitado às Assembleias Provinciais ou a particula-
res. Rio Branco pede empenho das presidências ao pronto estabelecimento das cai-
xas, sobretudo na busca de uma casa apropriada ao estabelecimento e à indicação de
pessoas para o Conselho Fiscal (quatro diretores e um presidente, nomeados pelo
governo): Saídos de qualquer classe e especialmente dentre os capitalistas e negociantes concei-
tuados do lugar, que tenham algum tempo disponível para o dito encargo. (...) Acrescenta que
o presidente do Conselho Fiscal seja pessoa de prestígio e dedicada ao bem público, porque é
dele principalmente que dependerá a boa ou má organização do estabelecimento e o seu futuro.36
Ainda que seja do presidente da Província a responsabilidade de promover
a instalação da Caixa Econômica e de indicar os nomes dos candidatos à sua admi-
nistração, ele não terá ingerência nos negócios de poupança e crédito da instituição.
Uma vez instaladas, as Caixas tornam-se autônomas, sendo administradas pelo
Conselho Fiscal, nomeado pelo Império. Com essas características, elas são funda-
das em diversas capitais, sempre sob a chancela do governo central e imediata dire-
ção dos Conselhos Fiscais. O sucessor do ministro Rio Branco, João Maurício
36 DE PLÁCIDO E SILVA, op. cit., p.30-37.
44
Wanderley, barão de Cotegipe e advogado formado por Olinda, mantém a proposta
de levar as Caixas Econômicas às províncias do Império. Dessa maneira, consolida-
se a política de difusão das caixas imperiais.
No Rio Grande do Sul, o Conselho Fiscal da Caixa Econômica é nomeado
por Decreto Imperial, em 18 de novembro de 1874, tomando posse em 8 de janeiro
do ano seguinte. A abertura do estabelecimento, situado no centro de Porto Alegre,
acontece em 3 de maio de 1875, sob a presidência de Francisco Ferreira Porto, barão
de Caí, momento em que começam as operações específicas dos seus dois setores:
depósitos populares e penhores. Segundo Carlos Alfredo Simch, a soma dos depósitos
efetuados no primeiro dia eleva-se à quantia de 280 mil réis, importância maior do que a
realizada no primeiro dia de operações na Caixa da Corte (...).37 Depois da instalação ofi-
cial da primeira Caixa Econômica, no Rio Grande do Sul, inicia-se o processo de
abertura das Caixas Econômicas provinciais e oficiais do Império.
A Caixa Econômica de São Paulo, autorizada em 25 de janeiro de 1875, co-
meça as suas operações somente em setembro, em razão das dificuldades de capta-
ção de recursos. Resolvida essa situação com o empréstimo do fundo necessário
pelo barão de Itapetininga, a Caixa de São Paulo abre as suas portas, sob a presidên-
cia de Clemente Falcão de Souza Filho, brilhante advogado de São Paulo, um dos
fundadores da Companhia Paulista de Vias Férreas. Mesmo adotando os procedi-
mentos da Caixa da Corte, o estabelecimento de São Paulo inova ao abrir caderne-
tas de poupança para todos os escravos.38
Nos anos posteriores, diversas províncias promovem a abertura de Caixas
e Montes de Socorro: Paraíba, Minas Gerais e Espírito Santo (1875), Pará e Paraná
(1876), Pernambuco (1877), Bahia (1878) e Ceará (1879). Em decorrência da insta-
lação e do funcionamento das caixas provinciais, o governo decide intensificar a
sua ação, permitindo o estabelecimento de Agências e Filiais, pelas cidades e vilas provin-
ciais, onde fosse conveniente estabelecê-las, preferentemente anexas às Mesas de Rendas,
Coletorias e Agências do Correio, mediante proposta do Conselho Fiscal e aprovação do
ministro da Fazenda ou dos presidentes das Províncias.39 Assim, abrem-se as agências
37 SIMCH, Carlos Alfredo, op. cit., p. 82-83.38 RIBEIRO, Paulo César. História da Caixa Econômica Federal de São Paulo (1875-1970). São Paulo:
Editora Memória, 1997, p. 5-9.39 DE PLÁCIDO E SILVA, op. cit., p. 43-44.
45
do Rio de Janeiro: Campos, Valença, São Fidelis, Cantagalo, Angra dos Reis, Vas-
souras, Paraíba do Sul, Petrópolis e Rezende, marcando o aparecimento das Cai-
xas anexadas ou obrigadas, que funcionam paralelamente às Caixas autônomas.
Em 1883, são 17 estabelecimentos espalhados pelo Brasil. Por ordem das
movimentações dos depósitos e empréstimos, o Rio de Janeiro aparece em primei-
ro lugar, seguido de Bahia, Pará, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Maranhão, São
Paulo, Mato Grosso, Paraná, agências inauguradas na província do Rio de Janeiro,
Ceará, Goiás, Espírito Santo, Santa Catarina, Alagoas, Amazonas e Minas Gerais.40
A condição de autonomia das Caixas das capitais provinciais é abalada
pelo Decreto 9.738, de 2 de abril de 1887, assinado pelo ministro da Fazenda,
Francisco Belisário Soares de Souza, que anexa às Tesourarias da Fazenda as
Caixas Econômicas que não tiverem Montes de Socorro. Surge um novo regula-
mento para a instituição, são extintos os Montes de Socorro criados nas provín-
cias, com exceção de Recife (PE) e Salvador (BA), e as Caixas Econômicas que
não têm esses setores de penhor são anexadas às Tesourarias da Fazenda.
Com essa decisão, a maioria dos estabelecimentos das capitais provinciais
perde a autonomia. Revelando-se imediatamente uma medida impopular, provoca
descontentamento entre os poupadores e forte oposição de alguns setores. A impren-
sa opositora ao Império, marcadamente republicana, dedica-se ao acalorado debate
sobre as medidas do ministro Francisco Belisário Soares de Souza. Em 23 de abril,
A Federação, jornal do Partido Republicano Rio-Grandense, publica ampla matéria
sobre o tema, intitulada “Iniquidade do Centro”:
Estamos dispensados de prever as más conseqüências da desastrada medidagovernamental relativa à anexação da nossa Caixa Econômica à tesouraria dafazenda. Logo que foi conhecida aqui a decretação da medida, cessaram asentradas do numerário na Caixa Econômica. Conhecido na sua íntegra o de-creto, de que foi portadora a mala chegada no dia 20, afluíram imediatamenteàquela repartição os depositantes, a fim de levantarem as importâncias dosdepósitos. Essa transformação, tão inesperada e imprevista quanto injustificável,gerou imediata desconfiança no ânimo popular, provocando de pronto a retira-da geral dos depósitos.41
40 A Reforma, 7 de julho de 1884, ano XVI, nº 130, p.2. Acervo do Museu de Comunicação SocialHipólito José da Costa (Porto Alegre, RS).
41 A Federação, 23 de abril de 1887, ano IV, nº 91, p.1. Acervo do Museu de Comunicação SocialHipólito José da Costa (Porto Alegre, RS).
46
Sob o título “Faminto, mas Inepto”, a Federação, em 25 de abril, continua
demonstrando a sua inconformidade com a perda da autonomia da Caixa Econô-
mica do Rio Grande do Sul, fazendo críticas ao centralismo do governo imperial:
O centro está ávido por dinheiro. Ele tem de atender à urgência dos seuscompromissos e acha-se exausto, porque a soma dos empréstimos já se es-coou. Para munir-se de meios facilita a aplicação dos recursos que lhe ofe-rece a economia popular por meio dos depósitos das Caixas Econômicas.Mas, devorado por essa fome insaciável, não percebe que, por efeito dassuas providências, indicadas pelo recente decreto, gera-se a desconfiançapopular e priva-se de contribuintes o banco que ele institui para facilitar oescoadouro.Isso bem denota que se o centro está faminto, é também inepto, porqueinutiliza e anula, nesta província como em outras, uma fonte de recursos –a Caixa Econômica. A retirada geral dos dinheiros atesta a desconfiança, esem esta não pode subsistir a instituição de crédito criada e dirigida pelocentro. Mas ainda se manifesta por outras faces, que atraem o nosso exa-me, o caráter odioso e funesto do decreto imperial.42
Transcorridos alguns dias, em 6 de maio de 1887, O Mercantil publica maté-
ria mencionando a situação de São Paulo, onde a Caixa Econômica também perde a
autonomia:
O decreto do ministro da Fazenda, extinguindo o Monte de Socorro e man-dando anexar a Caixa Econômica à Tesouraria, impressionou sensivelmente opúblico, que em massa reclama diariamente seus capitais entregues à guardado governo. A cifra das quantias reclamadas já atingiu a mais de uma centenade contos de réis! Fato esse que tem sido como que a lenha com que osaventadores do separatismo procuram acender o fogo do entusiasmo paulista.Ainda agora corre impresso opúsculo – São Paulo Independente –, coleção deartigos, dados estatísticos, etc., sobre esta próspera província.43
A decisão de anexar a Caixa Econômica do Rio Grande do Sul à Tesouraria
da Fazenda é revogada em 7 de maio de 1887. Conforme notícia veiculada no jornal
A Federação, o ministro Francisco Belisário declara que o regulamento para as Cai-
xas Econômicas deixa de vigorar em relação ao Rio Grande, na parte relativa à anexa-
42 A Federação, 25 de abril de 1887, ano IV, nº 92, p.1. Acervo do Museu de Comunicação SocialHipólito José da Costa (Porto Alegre, RS).
43 O Mercantil, 6 de maio de 1887, ano XIV, nº 95, p.1. Acervo do Museu de Comunicação SocialHipólito José da Costa (Porto Alegre, RS).
47
ção à Tesouraria de Fazenda e à mudança de administração, continuando de pé todas as
outras disposições do mesmo regulamento.44
Também é do Regulamento de 1887 a determinação de que a administração
superior da Caixa Econômica do Rio de Janeiro deva ser exercida por um presiden-
te e seis diretores, enquanto as Caixas Econômicas e os Montes de Socorro das pro-
víncias terão um presidente e quatro diretores. O aumento de mais dois diretores
para o conselho fiscal da Caixa Econômica da Corte revela o cuidado em dar-lhe
maior amplitude.45 Para as autoridades, significa que o desenvolvimento da Caixa
da capital do Império aponta a sua supremacia e as possibilidades de indicar o
caminho às demais Caixas das províncias.
Embora a ampliação do número de Caixas Econômicas e dos Montes de
Socorro revele o êxito do empreendimento iniciado em 1861, verifica-se um
descompasso entre as suas ações e as necessidades da população brasileira nos últi-
mos anos do Império. Getúlio Borges da Silva afirma que a omissão da função social
44 A Federação, 7 de maio de 1887, ano IV, nº 103, p.2. Acervo do Museu de Comunicação SocialHipólito José da Costa (Porto Alegre, RS).
45 MARTINS, Paulo. Caixas Econômicas do Brasil; comentários. Rio de Janeiro: Mendonça Machado,1926, p. 29-30.
Modelo de caderneta de poupança do século XIX
48
é a grande falha da Lei 1.083. O estatuto limita-se, em seu artigo primeiro, a afirmar
que a instituição destinava-se a receber pequenas economias das classes menos
abastadas, retribuindo com o abono de juros de 6% ao ano a garantia do Governo Imperial.
Faltou o objetivo mais sublime e mais importante: a busca de solução para o flagelo da pobreza.
(...) A falta de uma política de governo para o desenvolvimento da poupança e do crédito popular
– agravada do repasse dos depósitos ao Tesouro Nacional – resultou no fracasso das Caixas Econô-
micas imperiais como instrumentos de superação da pobreza endêmica da nação brasileira.46
O crescimento populacional e a ampliação do processo de industrialização,
em decorrência da expansão do café e da integração do Brasil às correntes de expor-
tação do comércio mundial, transformam o cenário econômico nacional. Celso Fur-
tado afirma que, concluída essa etapa de gestação, a economia cafeeira encontra-se
em condições de autofinanciar sua extraordinária expansão subseqüente; estavam formados
os quadros da nova classe dirigente que lideraria a grande expansão cafeeira do século XX.47
46 SILVA, Getúlio Borges da. Caixas Econômicas: a Questão da Função Social. Rio de Janeiro: Foren-se, 2004, p.87.
47 FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. 14.ed. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1976,p. 116.
Telégrafo de Pelotas (RS),inaugurado em 1857
49
Nos seus últimos anos, o
Império brasileiro enfrenta uma
série de questões políticas, sociais
e econômicas que se arrastam e
se revelam de difícil solução.
Medidas impopulares, como a
anexação das Caixas Econômi-
cas às Tesourarias da Fazenda,
convivem com os amplos
questionamentos sobre a eficiên-
cia do governo imperial. Isso se
revela nos conflitos ocorridos
por ocasião das campanhas
abolicionistas, na insatisfação do
Exército brasileiro – que desde a
Guerra do Paraguai se afirmara
uma instituição com fisionomia
e objetivos próprios – e nos de-
bates com a Igreja Católica so-
bre a influência do Estado na es-
fera da competência eclesiástica.
Os partidos republica-
nos, existentes em muitas provín-
cias desde a década de 1870,
opõem-se ao governo imperial
parlamentarista, aproximando-se
da população urbana e das cate-
gorias sociais descontentes. Em
linhas gerais, o republicanismo
crescente contribui para aumen-
tar a fragilidade do Império e re-
forçar os novos grupos que pro-
Imperador Pedro II e aImperatriz Tereza Cristina(ao centro), na inauguraçãodo Túnel da Mantiqueira,na estrada de ferro que ligao Rio de Janeiro a MinasGerais (junho de 1882)Foto: Marc FerrezFonte: Domínio Público
50
clamam a República, em 1889, quando o poder de dom Pedro II – e da parcela da
elite que o apoiara desde a decretação da sua maioridade – é apropriado por uma
nova classe dirigente.
Dom Pedro II e família. Última fotografia antes do final do ImpérioFonte: 100 anos de República. São Paulo: Nova Cultural, 1998
Depois de proclamada a República, os vários grupos envolvidos na con-
quista do poder central, tendo divergências quanto à maneira de orga-
nizar a Constituição republicana, optam pela formação de uma comis-
são mista para elaborar o projeto da nova Constituição. Pronta a proposta, e
submetida à revisão de Rui Barbosa, em 24 de fevereiro de 1891 aprova-se a primei-
ra Constituição republicana. Na definição dos pressupostos da nova ordem, a for-
ma republicana presidencial e a divisão do Estado em poder Executivo, Legislativo
e Judiciário – além da elegibilidade dos governantes – produzem um ambiente de
novidades e práticas políticas desconhecidas dos brasileiros.
Panorama do Brasil republicano
A Constituição de 1891 inspira-se no modelo federalista norte-americano,
prevendo assim a autonomia das unidades estaduais, antigas províncias, o que lhes
permite contrair empréstimos no exterior e formar as forças públicas estaduais.
Para a manutenção do poder central, o governo federal, também chamado contra-
ditoriamente de União, fica com atribuições fundamentais: recebimento dos im-
postos de importação; direito de criar bancos emissores de moedas; organização
das forças armadas nacionais; e prerrogativa de intervenção nos estados da federa-
ção para manter a ordem e a forma republicana, operação que logo ocorre com as
ações militares no Rio de Janeiro (Revolta da Armada, 1891-1894), Rio Grande do
Sul (Revolução Federalista, 1893-1895) e Bahia (Canudos, 1897).
IIAs Caixas Econômicasda República
52
Com o aumento da produção de café, as condições da economia e da so-
ciedade se modificam. O eixo econômico tende a deslocar-se para São Paulo e à sua
área de influência. O volume de 3,7 milhões de sacas registradas em 1880-1881 au-
menta para 5,5 milhões, em 1890-1891, e prossegue em crescimento, fazendo do Bra-
sil o detentor de aproximadamente 75% da oferta mundial de café. Nesse ritmo, no
começo do século XX, os produtores convivem com a primeira crise de superprodu-
ção.1 Os preços do café caem, levando a um declínio do crescimento interno.
Estação da Luz, São Paulo, em 1905Foto: Guilherme Gaensly
1 AVELAR, Helio de Alcântara. História Administrativa e Econômica do Brasil. Rio de Janeiro: MEC/Fename, 1970, cit., p. 268.
53
Estação Ferroviária de Piraju (SP), em 1908
Hospedaria dos Imigrantes no Brás, em São Paulo (1913)
54
O número de 146 mil imigrantes que ingressam no país, entre 1884 e 1887,
dos quais 53 mil ficam em São Paulo, aumenta para cerca de 300 mil entre 1888 e
1890. Destes, pouco mais da metade também se destina a São Paulo, afirma Lúcio
Kowarick. De 1890 a 1920, São Paulo recebe 1,6 milhão de estrangeiros, ao passo que
para outras áreas do país dirigem-se pouco mais de 1 milhão.2 Este número de
imigrantes serve para abastecer, em parte, as necessidades de mão de obra das
fazendas de café, da indústria nascente e das diversas atividades que se desenvol-
vem nas cidades. O conjunto populacional brasileiro continua sofrendo alterações,
conforme dados apresentados no quadro abaixo:
População recenseada do Brasil (1890-1920)
População total Crescimento anual
1890 14.333.915 2,32%
1900 17.318.554 2,08%1920 30.635.605 3,67%
Fonte: Instituto Brasileiro de Estatística (IBGE)
Desembarque deimigrantes europeus naHospedaria do Imigrante,São Paulo (1907)Fonte: Café História/AcervoMemorial do Imigrante
2 KOWARICK, Lúcio. Trabalho e Vadiagem no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 86.
55
Um recenseamento de 1907 registra por volta de 3 mil estabelecimentos in-
dustriais e uma população de 149 mil pessoas dedicadas a essas atividades. Em
1914, os estabelecimentos já totalizam 7,4 mil, ocupados por 153 mil trabalhadores
aproximadamente.3 Conforme Emilia Viotti da Costa, não obstante a tendência à
concentração urbana em algumas regiões, o Brasil permanece essencialmente rural.
Em 1900, apenas quatro cidades possuem mais de 100 mil habitantes: Rio de Janei-
ro, por volta de 800 mil; São Paulo, 240 mil; Salvador, 200 mil; Recife, 110 mil.4
A rede ferroviária brasileira está constituída por cerca de 9 mil km acabados. O
plano econômico adotado pelo governo Rodrigues Alves (1902-1906) inclui o au-
mento de milhares de quilômetros de estradas de ferro, a melhoria dos portos bra-
sileiros, a compra de navios de guerra e uma série de obras suntuosas. Além disso,
abrange também o saneamento, a urbanização e o embelezamento da capital fede-
ral, que sofre verdadeira remodelação.
Avenida Paulista,São Paulo,década de 1920
3 CARONE, Edgard. A República Velha: Instituições e Classes Sociais. São Paulo: Difel, 1978, vol. 1,p.76. Os números exatos apresentados por Carone são: 1907: 3.120 estabelecimentos e 149.018operários; 1914: 7.430 estabelecimentos e 153.163 operários.
4 VIOTTI DA COSTA, Emília. Da Monarquia à República: Momentos Difíceis, 2ª ed. São Paulo:Livraria Editora Ciências Humanas, 1979, p. 199- 204.
56
No plano internacional, com o desenvolvimento das indústrias química,
elétrica e de construção de máquinas, nascem as grandes plantas industriais
europeias do início do século XX. Progridem as empresas detentoras da produção
exclusiva em larga escala de alguns bens, o que lhes permite a adoção de práticas
monopolistas de mercado. Esses processos de centralização e de concentração de
poderes econômicos vêm acompanhados da fusão do capital bancário com o in-
dustrial, originando o capital financeiro.
Rio de Janeiro Avenida Central (1906)Foto: Marc Ferrez
57
Rio de Janeiro, Avenida Central (1910)Foto: Marc Ferrez
Rio de Janeiro: Exposição Nacional de 1908
58
O forte desenvolvimento industrial de algumas nações propicia-lhes mais e
mais a atividade de exportação de produtos industrializados, de serviços e emprés-
timos aos países chamados periféricos, ou países historicamente exportadores de
matérias-primas e produtos primários. Com isso, verifica-se uma tendência acen-
tuada à repartição colonialista do mundo entre as grandes potências. Os conflitos
decorrentes da divisão das áreas de influência não tardam a chegar. A eclosão da
Primeira Guerra Mundial (1914-1918) atesta a gravidade dessas disputas europeias.
O Brasil, encontrando-se na condição de país importador de produtos in-
dustrializados e fornecedor de produtos primários, depende da importação de
máquinas para o desenvolvimento do seu parque fabril, um segmento produtivo
inicialmente limitado à fabricação de artigos que não sofriam a concorrência da
produção estrangeira e que se beneficiavam de um mercado consumidor local. Com
isso, cresce o número de trabalhadores que vivem nas cidades e dependem de salá-
rios, escolas, moradia e segurança pública.
Caixas Econômicas dos Estados Unidos do Brasil
A República não traz mudanças importantes para o funcionamento das
Caixas Econômicas e dos Montes de Socorro. Segue mantendo-os como instituições
de recolhimento da poupança popular – garantida agora pelo governo federal e
cujos valores depositados seguem recolhidos ao Tesouro – e de empréstimos me-
diante penhora. Conforme o regulamento vigente desde 1887, a administração
Bondes elétricos em Recife (1916)Fonte: Café História
59
superior das Caixas Econômicas continua sob a responsabilidade de um Conselho
Fiscal, de um presidente e seis diretores. Ariovisto de Almeida Rego afirma que eles
são escolhidos pelo chefe do Estado, entre os mais notáveis homens de saber jurídico e de
posição saliente no comércio e indústria, aos quais confia a guarda, administrativa e fiscali-
zação, de enormes quantias que representam a economia e fortunas particulares.5
Na nova ordem, algumas instituições permanecem com as mesmas carac-
terísticas até que seja chegado o momento de sua transformação. Em 1892, o go-
verno republicano de Floriano Peixoto decreta a extinção das Tesourarias da Fa-
zenda, substituindo-as pelas Delegacias Fiscais e Alfândegas. Com isso, revogam-
se algumas medidas de 1887, permitindo a retomada da autonomia das Caixas
Econômicas do Pará, Maranhão, Paraná, Ceará, Amazonas, Goiás, Mato Grosso,
Alagoas, Paraíba, Sergipe, Espírito Santo, Santa Catarina, Piauí, Rio Grande do
Norte e Minas Gerais.
Entretanto, afirma Paulo Martins, não se prepara o campo em que elas deveriam
operar; não se lhes alarga o campo de operações; não se lhes dão fundos para acionar o seu
mecanismo. Assim, em 1898, o governo federal constata a impossibilidade de conti-
nuarem autônomas e independentes as Caixas Econômicas. Resolve, pelo Decreto
2.882, que todas deveriam ficar anexas às Delegacias Fiscais, com exceção das do
Pará, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. O decreto 2.882, com
seus sete artigos regulamentares, revigorou, por assim dizer, todo o regulamento de 1887.
Podemos, por isso, afirmar que até a regulamentação de 1915 vigorou a de 1887.6
A manutenção da autonomia de algumas Caixas Econômicas não é fator de
transformação na vida dessa instituição durante os primeiros anos da República,
verificando-se uma situação de marasmo e mesmo uma estagnação das Caixas. De
acordo com Wilson Luzio, prevalece o espírito que norteou a criação da instituição, a
saber: coletar depósitos populares, sob forma de cadernetas de poupança, remunerando-as
com juros determinados. A única forma de movimentação dos recursos nelas depositados era
o empréstimo sob penhor, efetivado pelos Montes de Socorro.7
5 REGO, Ariovisto de Almeida. Resumo Histórico da Caixa Econômica e Monte de Socorro. Rio deJaneiro, Imprensa Nacional, 1914, p. 5.
6 MARTINS, Paulo. Caixas Econômicas do Brasil; comentários. Rio de Janeiro: Mendonça Machado,1926, p. 31.
7 LUZIO, Nildo Wilson. História da Caixa Econômica Federal. Porto Velho, 2001 (texto datilografa-do), p. 34-37.
60
Em 1904, o advogado José Leopoldo de Bulhões Jardim, ministro da Fazen-
da do governo Campos Salles, político e financista brasileiro, luta sem sucesso para
que seja adotada a concessão de empréstimos com garantias hipotecárias, prática
consolidada pelas Caixas Econômicas da Europa desde o século XIX. Antes, em
1885, Bulhões entregara à Câmara um relatório minucioso no qual, servindo-se amplamente
de sugestões dadas pelo visconde de Ouro Preto e por Lafayette Rodrigues Pereira, propusera
uma completa reformulação das Caixas. Também naquela ocasião seu projeto “não foi in-
cluído nas ordens do dia, razão pela qual jamais chegou a ser
discutido”, conforme revela, desapontado, o economiário
Ariovisto de Almeida Rego em seu Resumo Histórico da Cai-
xa Econômica e Monte de Socorro, publicado em 1914.8
Mesmo na condição de ministro da Fazenda da
República, Leopoldo de Bulhões não consegue romper
com as ideias que serviram para a fase inicial de
oficialização e de formação de uma cultura de poupan-
ça popular no Brasil, em 1860. De Plácido e Silva afirma que, se as reformas aventa-
das (caso das sugestões de Ouro Preto e Lafayette, defendidas por Leopoldo Bulhões)
não conseguiram aprovação, certamente serviram como semente milagrosa para que as
sugestões aproveitáveis, mais tarde, já germinadas e já fruto que se ia amadurecer, servissem
de plano aos pensamentos futuros.9
A respeito da manutenção das práticas vindas do passado, tanto no aspecto
do funcionamento quanto nos objetivos e funções, é interessante observar que na
República os próprios presidentes dos Conselhos Fiscais da Caixa Econômica do
Rio de Janeiro são homens do Império:
1888-1892: Francisco José Pacheco Júnior, visconde de São Francisco
1892-1897: Militão Máximo de Souza Júnior, 2º barão de Andaraí
1897-1898: Domingos Teodoro de Azevedo Júnior, comendador da Ordem da Rosa
1898-1903: Antonio Tomas Quartin, barão de Quartin
José Leopoldo de BulhõesJardim (1856-1928),diplomado pela Faculdadede Direito de São Paulo,publica, em 1913, a obraOs Financistas do Brasil
8 BUENO, Eduardo. Caixa: uma História Brasileira. Porto Alegre: Buenas Ideias; São Paulo:Metalivros, 2002, p. 75.
9 DE PLÁCIDO E SILVA. As Caixas Econômicas Federais. Curitiba: Empresa Gráfica Paranaense,1937, p. 64.
Conselheiro LafayetteRodrigues Pereira(1834-1917)
Afonso Celso de AssisFigueiredo, visconde deOuro Preto (1836-1912)
61
Quando João Franklin de Alencar Lima, investidor financeiro, torna-se
o quinto presidente do Conselho Fiscal da Caixa Econômica do Rio de Janeiro,
no início do século XX, a instituição continua operando nos moldes do
Império, sem que haja qualquer modificação na sua atuação nacional. Essa
situação se mantém durante os governos de Rodrigues Alves, Afonso Pena,
Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca.
A importância das reformas defendidas por Leopoldo Bulhões pode
ser mais bem compreendida quando se analisa o descompasso entre o papel
da Caixa Econômica e as mudanças ocorridas na sociedade brasileira, na vira-
da do século. O aumento da população é um dado revelador, sobretudo se for
considerada a que vive nos centros urbanos.
Caixas Econômicas da União (1915)
Depois da posse do presidente Wenceslau Brás, em 1914, o Conselho
Fiscal da Caixa Econômica do Rio de Janeiro recebe uma solicitação do minis-
tro da Agricultura, Comércio e Indústria, João Pandiá Calógeras, em 6 de julho
de 1915, sobre a necessidade de reformas urgentes nas Caixas Econômicas.
Respondendo à solicitação do ministro, o Conselho reúne-se para as ativida-
des de reformulação do regulamento da instituição. Nos estudos de revisão
dos seus 102 artigos, tomam parte os membros do Conselho: o advogado Her-
culano Marcos Inglez de Souza, presidente; os advogados Pires Brandão e James
Darci; o comendador Ramalho Ortigão; o coronel Oliveira Castro; e o barão de
Santa Margarida.
Aprovado na sessão de 29 de novembro, o projeto do novo regulamen-
to tem por base o que já está em vigência (1887), as informações colhidas dos
funcionários mais competentes e antigos, assim como as sugestões dos Conse-
lhos Fiscais das Caixas Econômicas de São Paulo e do Rio Grande do Sul. Her-
culano Marcos Inglez de Souza encaminha o projeto ao ministro João Pandiá
Calógeras, com as seguintes palavras:
O projeto que ora tenho a honra de enviar a V. Exa. obedece às contingên-cias do momento econômico e financeiro que o país atravessa: está muitolonge de constituir uma reforma completa das Caixas Econômicas, nos
João Pandiá Calógeras,engenheiro, ministro daFazenda em 1916, é autordas obras A PolíticaMonetária do Brasil (1910)e a Formação Histórica doBrasil (1930).
Herculano Marcos Inglezde Souza (1853-1918),bacharel em Direito,diplomado pela Faculdadede São Paulo,é autor dos livrosA Anarquia Monetária eSuas Conseqüências (1924)e Restauração da Moeda noBrasil (1926)
62
largos fundamentos em que seria de desejar assentasse; e visa apenas melhoraro serviço atual, habilitando ao mesmo tempo esses institutos a se irem pro-gressivamente desenvolvendo e preparando para uma remodelação futura, nosentido de sua emancipação e melhor aproveitamento dos recursos fornecidospela economia popular sem prejuízo da função de assistência social, visadapelo legislador de 1860.Como se trata de regular o serviço de todas as Caixas Econômicas da União,entende-se de bom conselho limitar as disposições do regulamento ao que fossemais geral e orgânico, deixando os pormenores ao regimento interno de cadaestabelecimento (...) procurou-se deixar maior autonomia aos ConselhosAdministrativos, suficientemente habilitados para conhecer as necessidadespráticas do assunto.Tendo em vista que toda a reforma regulamentar das Caixas Econômicas deveprocurar atenuar gradativamente o encargo do Tesouro, nos pagamentos dosjuros dos depósitos, o projeto sugere a formação de um capital ou patrimôniodesses institutos e cria ou desenvolve as operações de pequeno crédito, desti-nadas à dupla função de favorecer as classes menos abastadas que não podemnegociar com os Bancos ou só podem obter crédito em condições onerosas, e deaproveitar o capital formado por uma parte da receita, para obter novas rendasque venham permitir num futuro não muito remoto a diminuição dos jurospagos pelo Tesouro (...).A alta inteligência e ilustração de V. Exa. e o seu conhecimento especial quetem do assunto dispensam-me de indicar os pontos mais importantes em queo projeto altera a organização atual das Caixas Econômicas, parecendo satisfa-zer as necessidades práticas de preencher as lacunas que uma já longa experi-ência tem notado existir no regulamento que baixou com o decreto nº 9.738, de2 de abril de 1887, e não podiam ser atendidas por modificações parciais que sefizeram. (...)10
Na ocasião, o Jornal do Comércio do Rio de Janeiro transcreve o voto do
comendador Ramalho Ortigão, em que são apresentadas as razões da não adoção
de medidas para mudanças mais radicais e no qual consta a afirmação de que não é
uma reforma que se vai decretar; é apenas a consolidação de disposições regulamentares,
acrescida de algumas funções mais liberais e evolutivas para uma organização melhor, nos
seguintes termos:
Em período regular de boas finanças e sob um regime monetário equilibrado,eu não daria o meu assentimento a projeto de novo regulamento das caixaseconômicas que não tivessem por base a liberdade destes estabelecimentos,permitindo que os depósitos, em vez de serem absorvidos pelo erário e consu-
Antonio de BarrosRamalho Ortigão,diplomado em CiênciasJurídico-Comerciais peloInstituto Superior deComércio da Antuérpia,escreveu A MoedaCirculante no Brasil (1914)
10 “Caixa Econômica e Monte de Socorro”. Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, 19 de dezembro de1915, ano 89, no 452, p. 4.
63
midos nas despesas públicas, revertam, por meio de operações de crédito, àsfontes de trabalho e de produção, onde se originaram. (...)Reconheço, porém, que no momento atual não seria possível, nem oportuno,pretender-se alterar radicalmente esse regime, quando as rendas públicas seacham consideravelmente diminuídas, o desequilíbrio orçamentário é comple-to, o Tesouro não pode prescindir da conveniência de continuar a receber taisdepósitos, e ainda menos se poderia restituir a enorme soma a que já atinge ototal desses saldos acumulados em anos e anos sucessivos.Prefiro, nestes termos, ver adiada a realização de uma reforma completa,salutar, necessária, das caixas econômicas, para que não se promova malmaior, qual seria a contingência de, mais uma vez, recorrer ao expedientefunestíssimo das emissões de papel-moeda para solver encargos públicos esuperar o déficit orçamentário. Voto, portanto, pela adoção do projeto orapresente ao Conselho, como medida conciliatória dos interesses do Tesourocom os da Instituição que dirigimos, como início de transição do regime deinterferência e restrição, em que temos vivido, para o da liberdade e larguezaa que devemos aspirar.11
A publicação do parecer do conselheiro Ramalho Ortigão revela o co-
nhecimento do Conselho Fiscal sobre a necessidade de reverter à sociedade – às
fontes de trabalho e de produção e de origem dos recursos – os depósitos feitos nas
Caixas Econômicas, por meio de operações de crédito. Trata-se de relembrar o
papel social da instituição, adiado mais uma vez em razão das urgências do
Tesouro Nacional e das difíceis circunstâncias geradas pela Primeira Guerra
Mundial.
Aprovado pelo Decreto 11.820, em 15 de dezembro de 1915, o novo regu-
lamento determina a divisão das Caixas Econômicas da União, conforme são de-
nominadas no texto, em dois grupos: caixas autônomas e caixas anexas às De-
legacias Fiscais. A organização das caixas autônomas ocorre em três classes: pri-
meira, são aquelas cujos depósitos somem 40 mil contos ou mais; segunda, as
que tiverem pelo menos 25 mil contos de depósitos; e terceiras, são as que têm
depósitos inferiores a 25 mil contos, mas excedentes de 8 mil contos. Abaixo
desse valor de depósito, as Caixas Econômicas permanecem anexadas às Dele-
gacias Fiscais.
As Caixas Econômicas autônomas de primeira classe serão dirigidas por
um Conselho Administrativo, no lugar do Conselho Fiscal, composto de cinco mem-
11 “Caixas Econômicas”. Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, 1o de dezembro de 1915, ano 89, no 334, p. 3.
64
bros, um presidente e quatro diretores; as de segunda e terceira classe terão um
presidente e três diretores, todos nomeados pelo presidente da República. Exercen-
do atividade sem remuneração, os conselhos serão conservados enquanto bem servi-
rem, dita o regulamento. A Caixa Econômica do Rio de Janeiro torna-se cada vez
mais uma referência para todo o Brasil, sobretudo sendo, agora, a instituição res-
ponsável pela elaboração do regulamento de 1915.
A decisão sobre o valor dos juros pagos pelos depósitos passa a ser atribui-
ção do governo central, que os calcula de acordo com as circunstâncias estaduais,
retirando do Conselho Fiscal o poder de estabelecer essa remuneração. Amplia-se o
universo dos depositantes, com a inclusão da mulher casada no rol dos indivíduos
aptos a abrir uma caderneta de poupança. Para facilitar os depósitos, cujo limite
máximo eleva-se a 10 contos, propõe-se o uso de cartões auxiliares das cadernetas,
do selo de economia e de pequenos cofres, medida de grande vantagem nas fábri-
cas. Em geral, nas corporações numerosas e coletivas, esse procedimento serve de
estímulo ao hábito de economia das sobras dos salários.
Faculta-se também o uso de cheques a juízo dos conselhos e a concessão de
empréstimos sobre caução de apólices e letras do Tesouro, até o limite máximo de
10 contos. Uma operação de crédito simples e corrente que pretende evitar os em-
baraços e delongas dos processos oficiais, burocráticos, buscando a semelhança do
regime comum das operações bancárias. Essa é uma função das Caixas Econômicas
que representa um bom passo para o regime de liberdade a que devem aspirar as instituições
deste gênero, até agora adstritas aos empréstimos sobre penhor de ouro, prata, joias
e pedras preciosas, afirma o Jornal do Comércio, por ocasião dos debates em torno do
novo regulamento.12
De Plácido e Silva lembra que o Estatuto de 1915 amplia os empréstimos,
permitindo a circulação dos valores depositados, sob as modalidades de empréstimos de
caução de títulos da dívida pública, até a importância de dez contos de réis para cada opera-
ção de penhor (ouro, prata, platina, pérolas, diamantes, rubis, esmeraldas e safiras), até o
valor de cinco contos de réis, para as Caixas de primeira classe e de três contos para as Caixas
de outras classes.13
12 “Caixas Econômicas”. Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, 1o de dezembro de 1915, ano 89, no 334,p. 3.
13 DE PLÁCIDO E SILVA, op. cit., p. 80-87
65
Em síntese, o regulamento de 1915 mantém a garantia oficial para os depó-
sitos e a subordinação das Caixas ao Ministério da Fazenda. Prevê a abertura de
estabelecimentos autônomos nas capitais dos principais estados brasileiros, com a
possibilidade de criação de filiais e agências. Além da ampliação das operações,
aparece a novidade da movimentação da conta por meio de cheques, recurso per-
mitido no Brasil, desde 1912. Mesmo assim, a Caixa Econômica conserva-se no seu
papel de captação de poupança e de empréstimos sob penhor. Sem autorização
para fazer operações de crédito, as caixas não geram receita, justificando a anexa-
ção de muitas às Delegacias Fiscais. Esse desvio, acrescenta Getúlio Silva, impede a
expansão das Caixas, assim como causa um prejuízo ao desenvolvimento do Brasil,
país historicamente carente de linhas de crédito para os setores produtivos.14
Contudo, as leis persistem em não dar maior amplitude às funções das Cai-
xas. A sua feição de entidade beneficente pode conviver com concessão de crédito e
assistência. Sob sua garantia e fiscalização, o governo poderia fomentar a poupança
e levar os benefícios do crédito às diversas atividades produtivas, melhorando as
condições econômicas do próprio meio em que o dinheiro foi colhido. Prestando assistência
financeira à população, necessária à prosperidade do Brasil, poderia, ao mesmo
tempo, descarregar o erário público dos encargos dos juros a que está obrigado. De
Plácido conclui que, não obstante as considerações expendidas pelos defensores
dos métodos mais promissores, a situação assim se manteve até a década de 1930.15
Paulo Martins publica um livro, em 1926, contendo uma avaliação do papel
das Caixas Econômicas brasileiras. Considerando que elas se transformaram em
índices seguros dos hábitos de poupança e de abrigo das vicissitudes dos dias in-
certos da população, Martins tece uma série de considerações sobre a prosperidade
das Caixas e o aumento do número de depósitos. Chama a atenção, porém, para a
inadequação de regulamentos que não evoluíram de acordo com as necessidades
do mundo atual. O regulamento de 1915, afirma, não altera substancialmente o de
1887. Mesmo sendo bem organizado, abrangente e de redação clara e concisa, não
modifica a trajetória das Caixas Estaduais, deixando-as impedidas de maiores reali-
zações. Num país pobre como o nosso, onde as grandes fortunas são contadas a dedo, e as
14 SILVA, Getúlio Borges da. Caixas Econômicas: a Questão da Função Social. Rio de Janeiro: Foren-se, 2004, p. 113.
15 Ibid., p. 87-88.
66
iniciativas mais inteligentes esbarram sempre com a indefectível escassez de numerário; onde
uma vasta classe de funcionários, de todas as categorias, servidores da União, dos Estados e
dos municípios, vive em eterna penúria, às garras da usura de estabelecimentos mais ou
menos oficiais (...) chega a ser incrível, incompreensível mesmo, se veja atingir a quantia
formidável o montante de depósitos feitos nas Caixas Econômicas, sem que os poderes públi-
cos, pelos órgãos mais competentes, não se sintam na obrigação de animar, com o dinheiro
desse mesmo povo, junto às migalhas, uma série de problemas nacionais, que vivem a recla-
mar pronta solução.16
Martins transcreve artigo publicado no Correio da Manhã, onde se encontra a
afirmação de que o movimento das Caixas Econômicas, conforme estatística
publicada, acusa um saldo de quase 400 mil contos, recolhidos diariamente ao Te-
souro nos últimos 35 anos. Que se tem feito, proveitosamente, de tão avultada soma, num
país onde não existe crédito agrícola e outras importantes instituições de grande prestígio
social e econômico, por falta ou escassez de numerário? O que se discute, diante dos saldos
consideráveis das caixas, é a necessidade de empregar melhor o dinheiro que entra para o
erário nacional. Essas quantias remetidas ao Tesouro são consumidas nas despesas
Em 1929, o primeiro arranha-céu de São Paulo, o Edifício Martinelli, ainda estava em construção e já sedestacava na paisagem
16 MARTINS, Paulo. Caixas Econômicas do Brasil; comentários. Rio de Janeiro: Mendonça Machado,1926. p. 33-35.
67
públicas, auxiliando a cobrir os déficits orçamentários.
Há então, acrescenta Martins, aparelho de economia popu-
lar que reclame reforma mais urgente do que esse? Não é cla-
ra, não é imperiosa essa reformulação?17
Com raras exceções, o papel social das Caixas
Econômicas é pouco considerado por muitos presiden-
tes e ministros da Fazenda que atuam na República
Velha. Contudo, para se ter uma ideia da adesão da
população às Caixas Econômicas, pode-se tomar São
Paulo como exemplo. Entre 1875 e 1925, são abertas
331.220 cadernetas de poupança na Caixa Econômica
da capital, de acordo com o registro dos seus relatórios.
Em 1928, o presidente do Conselho Fiscal, Rodolfo
Miranda, bacharel em Direito pela Sorbonne, França,
adquire dois novos prédios em São Paulo. De acordo
com Paulo César Ribeiro, Miranda cobra sistematica-
mente do governo federal uma nova estrutura de fun-
cionamento, de forma a deixar as agências mais dinâ-
micas e atrativas, ao mesmo tempo em que procura
criar melhores oportunidades profissionais e pessoais
aos funcionários da instituição.18
O Brasil entre 1915 e 1930
São Paulo, Distrito Federal, Rio Grande do Sul e
Minas Gerais formam os mais importantes polos indus-
triais do Brasil. Os principais ramos são: têxtil e alimen-
tação (incluindo bebidas) e vestuário. Várias tecelagens
chegam a mais de mil trabalhadores, e 80% dos tecidos
Greve geral, em São Paulo (1917)
17 Ibid., p. 34.18 RIBEIRO, Paulo César. História da Caixa Econômica Federal de São Paulo (1875-1970). São Paulo:
Editora Memória, 1997, p. 48-51.
Fábrica sob controle do governo, em Porto Alegre (1917)
Grevistas em passeata, São Paulo (1917)
68
comercializados no Brasil são nacionais. A Primeira Guerra Mundial, escreve
Edgard Carone, obriga o Brasil a intensificar a produção industrial para atender
às necessidades internas. Esse crescimento não leva à superação dos entraves pas-
sados. Os depoimentos da década de 1920 falam ainda nos constantes salários baixos, no
entrave às vendas causado pelos impostos interestaduais, na queixa dos industriais por
falta de legislação protetora, na inexistência de sistema de crédito, na injusta acusação à
indústria de ser causadora da alta do custo de vida, nos altos preços da matéria-prima,
acrescenta Carone.19
A profunda carência de uma indústria de base, atributo principal das na-
ções mais desenvolvidas, mantém o Brasil por longo tempo na necessidade de
importação de cimento, ferro, aço, máquinas e equipamentos. Com incentivo do
governo, promovem-se as primeiras tentativas de superar os limites da expansão
industrial com o surgimento da Siderúrgica Belgo-Mineira (1924), além de outras
empresas menores, e da Companhia de Cimento Portland (1926), ao mesmo tem-
po em que pequenas oficinas de consertos transformam-se em indústrias de má-
quinas e equipamentos. Contudo, na pauta dos principais produtos exportados
continuam o café, o açúcar, o fumo, o algodão, a borracha, as peles e couros, entre
outros.
Em 1920, conforme Carone, existem por volta de 13,4 mil estabelecimentos
e 280 mil operários, indicando um crescimento significativo desde 1914. Entre 1917
e 1920, há um ciclo de greves que atingem as principais cidades do Brasil. Elas são
frequentes e regulares desde o início do século XIX, intensificando-se nos anos 1910.
Boris Fausto afirma que na sua raiz estão dois fatores: primeiro, o agravamento da
carestia, em consequência das perturbações causadas pela Primeira Guerra Mundial e pela
especulação dos gêneros alimentícios; segundo, a existência de uma vaga revolucionária na
Europa, aberta com a revolução de fevereiro de 1917, seguida da Revolução de Outubro, do
mesmo ano, na Rússia czarista. Os grevistas, em sua maioria, reivindicam melhores
salários, proibição do trabalho dos menores de 14 anos, jornada de oito horas, ga-
rantia de emprego, fim da jornada nos sábados à tarde. Também propõem medidas
para conter a carestia e a redução de 50% dos aluguéis.20
19 CARONE, op. cit.,p. 74.20 FAUSTO, Boris. História do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Fun-
dação de Desenvolvimento da Educação, 1995, p. 297-300.
69
Em 1919, a Conferência da Paz estabelece alguns pontos de legislação fun-
damental para o universo do trabalho: oito horas por dia e 48 por semana; auxílio
às operárias gestantes; proibição do trabalho de menores de 14 anos; proibição do
trabalho noturno das mulheres; proibição do trabalho de mulheres e crianças na
indústria metalúrgica e serviço de saúde para os trabalhadores.
O movimento grevista diminui seu ímpeto nos anos seguintes. Apesar
de não atender às solicitações do movimento, alguns projetos sobre as condi-
ções dos operários e sobre a adoção de medidas para regular as relações de
trabalho, pensões e aposentadoria no Brasil são apresentados, e muitos aprova-
dos, aos governos estaduais e federal. Exemplo disso é a aprovação, em São
Paulo, da lei que proíbe o trabalho dos tipógrafos aos domingos (1921) e da lei
que cria a caixa de pensões e aposentadorias dos ferroviários de todo o país
(1923), lei ampliada, em 1926, para todos os trabalhadores das empresas por-
tuárias e marítimas. Henrique Dodsworth, advogado, médico e futuro presi-
dente da Caixa Econômica, entre 1950 e 1952, apresenta projeto e sanciona a Lei
17.496, em 30 de outubro de 1926, que concede 15 dias de férias anuais para os
bancários e funcionários de estabelecimentos comerciais.
Os mais efetivos e duradouros movimentos das classes médias brasilei-
ras são as reivindicações de moradia e os protestos contra a alta do custo de
vida, muitas vezes compartilhados pelo movimento operário. Edgard Carone
lembra que cabe à classe média o mérito de persistir nesses pontos e de considerá-
los vitais: imposto predial, concessão de pontos de água, estímulo para associa-
ções ou indivíduos dispostos a construir casas populares com isenção de im-
postos, e cobranças junto aos governos para a solução do problema de moradia.
Estes são temas de discussões constantemente veiculados pelos jornais.
Depois de 1920, verificam-se lutas sistemáticas contra o abuso na co-
brança de aluguéis e ausência de projetos para a construção de casas populares.
Em 1921, a aprovação da primeira lei (provisória) que trata do inquilinato, regu-
lando as relações entre locadores e locatários, gera uma onda de milhares de
notificações judiciais para despejos de inquilinos. Em 1928, a lei é revogada pela
Câmara e pelo Senado, desaparecendo a proteção legal aos locatários.21
Marcha contra a carestiana avenida Central, no Riode Janeiro, em 1913
21 CARONE, op. cit., p.179-185.
70
Além de ser pauta das greves, o problema do alto custo de vida e os movi-
mentos contra a carestia, constantes até o final da década de 1920, produzem inú-
meros protestos, revoltas e ondas de violência nas cidades brasileiras. As insatisfa-
ções maiores prendem-se à falta de moradia, aos preços dos gêneros de primeira
necessidade e aos monopólios de alimentos; às tarifas do bonde, trens e outros trans-
portes; aos maus serviços das estradas de ferro; e à inflação e ausência de atendi-
mento à população.
É interessante registrar que os problemas urgentes e mal resolvidos das ci-
dades dizem respeito à parcela menor da população brasileira, considerando que o
setor agrícola ocupa ainda 66,7% da população economicamente ativa em 1920.22
Esse quadro se manterá por muitos anos, até que a industrialização acentuada da
região sudeste promova a fantástica transferência da população do campo para a
cidade, principalmente do nordeste.
Na condição de país importador de bens industrializados, de serviços e
empréstimos, o Brasil chega à década de 1930 com uma população superior a 30
milhões de habitantes e muitas barreiras ao desenvolvimento. A direção dada ao
país pelos grupos líderes da política republicana, as oligarquias da República Ve-
lha, não correspondem mais aos anseios das classes médias, dos militares, dos téc-
nicos diplomados, dos jovens políticos e dos industriais que apoiam Getúlio Vargas
e seus aliados.
Com a subida de Getúlio Vargas ao poder, depois de novembro de 1930,
formula-se uma prática política tendente à centralização, mas favorável aos diver-
sos interesses em jogo, em substituição aos jogos de poder baseados na força dos
Estados e nos favorecimentos aos grupos de mando locais. Boris Fausto lembra que
surge um novo tipo de Estado, não apenas pela centralização e pelo maior grau de
autonomia, mas acrescido de outros elementos: a atuação econômica voltada à pro-
moção da industrialização; a atuação social, tendente à proteção aos trabalhadores
urbanos; e o papel central atribuído às Forças Armadas – em especial ao Exército –
como suporte de criação da indústria de base e fator de garantia da ordem interna.
Assim, o Estado getulista promove o capitalismo nacional, tendo dois suportes:
22 FRAGOSO, João Luís. O Império Escravista e a República dos Plantadores. In: LINHARES, Ma-ria Yedda (org.) História Geral do Brasil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 1990, p.185.
71
no aparelho de Estado, as Forças Armadas; na sociedade, uma aliança entre a burguesia
industrial e setores da classe trabalhadora urbana. O projeto industrializante, diz Fausto,
é muito mais dos quadros técnicos governamentais do que dos empresários, com
exceção de nomes como o de Roberto Simonsen.23
Nesse cenário de baixa legislação social, de inexistência de recursos de fi-
nanciamentos disponíveis à população; de ausência de políticas públicas para mo-
radias, escolas e hospitais; de recepção de imigrantes vindos de diversas partes do
mundo, as Caixas Econômicas brasileiras funcionam quase à maneira do Império.
Entidade receptora de depósitos, doadora de empréstimos sob penhor e sob caução
de apólices e letras do Tesouro, tendo um estabelecimento principal no Distrito
Federal, que não coordena os demais, e algumas unidades estaduais autônomas,
cujos recursos em depósito não lhes são disponíveis. Este é o perfil da Caixa Econô-
mica no início dos anos 1930. Os estudos jurídicos e as sugestões dos Conselhos
Fiscais e Administrativos do passado, sobre a necessidade de promover a indispen-
sável reversão dos depósitos à sociedade, não foram ouvidos pelos governos.
Basta lembrar que, em 1904, José Leopoldo de Bulhões Jardim é derrotado
na defesa da proposta de concessão de empréstimos com garantias hipotecárias, já
advogadas no Império, em 1885, pelo visconde de Ouro Preto e por Lafayette
Rodrigues Pereira. Depois, em 1915, ideias semelhantes defendidas por Ramalho
Ortigão, durante sessão do Conselho presidido por Herculano Inglez de Souza, têm
o mesmo destino.
Com o governo de Getúlio Vargas, um novo tempo inaugura-se para as
Caixas Econômicas. Amplos poderes são conferidos ao bacharel Francisco Solano
Carneiro da Cunha, diplomado pela Faculdade de Direito de Recife e nomeado
presidente do Conselho Administrativo da Caixa Econômica do Rio de Janeiro,
em 1931. Cabe-lhe, juntamente com a sua equipe, a tarefa de transformar as Cai-
xas em instituições de economia popular, destinadas ao crédito e às necessidades
da sociedade.
23 FAUSTO, op. cit., p. 327.
A ascensão de Getúlio Vargas à Presidência da República, em no-
vembro de 1930, significa uma mudança importante na direção
política do Brasil. Formado pela Faculdade de Direito de São
Paulo, promotor público, deputado estadual, ministro da Fazenda de
Washington Luís, Vargas participa da política gaúcha desde a juventude, sem-
pre atuando no Partido Republicano Rio-Grandense. Em 1928, torna-se pre-
sidente do Estado do Rio Grande do Sul, eleito por uma frente que congrega
as diferentes tendências políticas partidárias regionais.
Ao assumir o poder, Vargas dissolve o Congresso Nacional e os
legislativos estaduais e municipais. Nomeia os interventores para os esta-
dos, subordinando as suas esferas de atuação ao poder central. Entre outras
ações, cria o Ministério da Educação e Saúde (1930), com o propósito de
centralizar a atuação dessa área. Desenvolve as condições para a organiza-
ção das primeiras universidades no Brasil, com o Estatuto das Universida-
des Brasileiras (1931). Implanta o ensino secundário, praticamente inexistente
no Brasil, e amplia o ensino primário.
Vargas trata de concentrar as políticas econômicas e sociais em suas
mãos, criando o Conselho Nacional do Café (1931), logo transformado em
Departamento Nacional do Café (1933), fato que federaliza a política cafeeira,
e o Instituto do Açúcar e do Álcool (1933), além do Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio (1931) e das Juntas de Conciliação e Julgamento, para
arbitrar conflitos entre empregadores e empregados. Getúlio Vargas, em São Paulo (1930)
Getúlio Vargas na década de 1930
IIICaixas EconômicasFederais (1934)
74
As mudanças produzidas pelo governo de Getúlio Vargas afetam também
as Caixas Econômicas. Solano Carneiro da Cunha é protagonista das reformas que
alteram a fisionomia da instituição. Diretor da Caixa Econômica do Rio de Janeiro,
desde 1918, deputado em 1924, reeleito em 1927, Solano Carneiro recebe a missão
de pensar as reformas da instituição. Arrojado, ele concede, em 1930, o primeiro
empréstimo sob hipoteca, que permite a compra de um terreno pela Real Sociedade
Clube Ginástico Português, inaugurando o sistema de crédito hipotecário das
Caixas Econômicas Federais.
Além de gerar receita e de promover o crescimento da instituição, resultado
preconizado por antigos administradores, o crédito hipotecário produz a possibili-
dade inédita de aquisição de imóveis pela importante parcela da população brasi-
leira que reivindica essa ajuda dos governos há algumas décadas. Ao instituir o
crédito hipotecário no Rio de Janeiro, as demais Caixas ficam autorizadas a adotar
a mesma medida, inaugurando a concretização do sonho histórico de milhões de
brasileiros.
Selo comemorativo dos77 anos da criação doMinistério do Trabalho,Indústria e Comércio,em 1931
75
Acresce a esse fato, a iniciativa do ministro da Fazenda José Maria Whitaker
(1878-1970), banqueiro e bacharel pela Faculdade de Direito de São Paulo, de sus-
pender a obrigação das Caixas de repassar os depósitos ao Tesouro Nacional, per-
mitindo o planejamento da aplicação dos recursos em obras e empreendimentos
em todo o Brasil. Em 1931, inauguram-se as operações da Carteira de Consignações
da Caixa Econômica do Rio de Janeiro, que permite a contratação de empréstimos
com desconto das prestações na folha de pagamento. Essa decisão favorece princi-
palmente os funcionários públicos. Conforme Bueno, o novo setor, aberto oficial-
mente em 7 de outubro de 1931, é organizado e liderado por João Lyra Filho, consi-
derado um dos maiores servidores da Caixa Econômica e futuro ministro do Tribunal de
Contas. No mesmo ano, a importância máxima estipulada para os depósitos passa
de 10 contos para 20 contos de réis, alterando-se o valor que vigorava desde 1915.
Com as medidas adotadas no Rio de Janeiro, as Caixas Econômicas iniciam
a sua longa jornada de instituições de crédito popular. Mas é preciso modificar com
urgência o regulamento de 1915. O Conselho Administrativo da Caixa do Rio de
Janeiro, responsável por esses estudos e alterações, dedica-se às mudanças necessá-
rias à efetivação das operações de crédito. De acordo com Getúlio Borges da Silva, o
Joaquim de Arruda Falcão,Solano Carneiro daCunha, presidente daCaixa Econômica Federal(centro), e OsvaldoAranha (década de 1930)
76
Conselho Administrativo, presidido por Solano Carneiro da Cunha, mesmo respal-
dado pelo presidente Getúlio Vargas, preocupa-se com a fundamentação jurídica
das suas decisões. Assim, são chamados juristas para encontrar saídas nas entreli-
nhas da lei vigente. Os administradores queriam se sentir seguros contra as investidas de
inimigos políticos, por isso, precisavam estar seguros da validade jurídica e da efetividade
política dos atos que praticavam.1
Estatuto de 1934: ampliação e criação do Conselho Superior
A mudança que se esperava acontece com o Decreto 24.427, de 19 de junho
de 1934, de autoria do jurisconsulto Justo de Morais, que baixa o novo regulamento.
Assinado por Getúlio Vargas e Osvaldo Aranha, três dias após a promulgação da
Constituição de 1934, que, nas Disposições Transitórias, elege Vargas como presi-
Constituintes de 1934
Reunião Plenária dosConstituintes de 1934
1 SILVA, Getúlio Borges da. Caixas Econômicas: a Questão da Função Social. Rio de Janeiro: Foren-se, 2004, p.116.
77
dente, o novo regulamento das Caixas Econômicas Federais traça dois objetivos
para a instituição: um de assistência, com os empréstimos, e outro econômico, com
o recebimento dos juros.
O regulamento de 1934 define que as Caixas Econômicas Federais desti-
nam-se a receber em depósito – sob a responsabilidade do governo federal e em
todo o território brasileiro – as economias populares e as reservas de capitais, para
movimentá-las e incentivar os hábitos de poupança, ao mesmo tempo em que de-
senvolvem e facilitam a circulação de riqueza. Sendo instituições de utilidade pú-
blica, as Caixas gozam de privilégios inerentes a essa condição. Assim, seu
patrimônio, serviços e negócios estão isentos de impostos, taxas e emolumentos ou
outros quaisquer tributos federais.
As Caixas Econômicas são classificadas em especiais, de primeira, segunda e
de terceira classes, sempre de acordo com o volume de seus depósitos. Mantém-se a
classificação existente desde 1915, com o acréscimo da categoria caixas especiais, ou seja,
aquelas que tiverem depósitos superiores ao valor de 100 mil contos de réis. As Caixas
podem ser autônomas (autarquias administrativas diretamente ligadas ao Ministério
da Fazenda) ou anexas (sob o domínio direto da chefia das Delegacias Fiscais).
O estatuto de 1934 cria o Conselho Superior para as Caixas Econômicas
Federais, órgão instituído para orientar o desenvolvimento destas e fiscalizar a exe-
cução das leis e atos regulamentares a elas pertinentes. Encarregado das diretrizes
da instituição, o Conselho Superior é formado por cinco membros: o presidente do
Conselho Administrativo da Caixa Econômica do Rio de Janeiro e quatro escolhi-
dos pelo governo federal. Solano Carneiro, agora conselheiro da Caixa Econômica
do Rio de Janeiro, é escolhido o primeiro presidente do Conselho Superior. Não
tendo atribuições propriamente administrativas, o Conselho Superior coordena as
iniciativas e fiscaliza as normas jurídicas estabelecidas. Esses dois papéis exigem
conhecimento das leis e observância das políticas públicas do governo federal, além
da atenção minuciosa ao Regimento do Conselho Superior das Caixas Econômicas
Federais, aprovado pela primeira vez em 1937.
O Conselho Superior e os Conselhos Administrativos regionais são órgãos
autônomos da administração das Caixas Econômicas Federais. Conforme o artigo
14, eles têm autoridade e competência para organizarem os serviços dos estabelecimentos,
resolverem sobre o patrimônio, a formação e a aplicação dos fundos de reserva, sobre os
78
negócios, e adotarem todas as providências de defesa e de interesse dessas Caixas, tendo em
vista a sua finalidade social e econômica, com a cooperação e assistência do Governo Federal.
De acordo com o estatuto, o Conselho Superior organizará os seus serviços,
quadro, investidura, retribuição, disciplina, dispensa do pessoal e forma de funcio-
namento, inclusive das reuniões congressuais anuais. Também fiscalizará as Caixas
Econômicas Federais, seus serviços e os atos regulamentares a elas pertinentes, além
de trabalhar para a promoção da desanexação das Caixas que ainda funcionam nas
Delegacias Fiscais. A grande novidade é a remuneração dos membros dos conse-
lhos, considerada relativa às suas participações nas sessões, cabendo a determina-
ção do valor da remuneração ao ministro da Fazenda.
Os Conselhos Administrativos, órgãos diretivos das Caixas Econômicas
Estaduais, têm seus regimentos internos aprovados pelo Conselho Superior e publi-
cados no Diário Oficial. Cabe-lhes resolver sobre as aplicações, patrimônio e outros
negócios autorizados por lei, bem como tratar dos assuntos ligados aos funcioná-
rios, criação de agências, filiais e sucursais, aprovação de orçamentos das suas ren-
das e despesas anuais, doações, representações, regimentos internos e determina-
ção de abertura de concursos para ingresso nas Caixas.
Para discutir assuntos pertinentes à instituição, analisar e votar propostas
relativas às melhorias dos serviços e à promoção do seu desenvolvimento, o Regu-
lamento de 1934 prevê a organização de congressos anuais, reunindo os membros
do Conselho Superior e os presidentes dos Conselhos Administrativos. Os congres-
sos devem ser presididos pelo ministro da Fazenda ou por um membro indicado
do Conselho Superior. Em meados de 1935, acontece a Primeira Reunião Congressual
das Caixas Econômicas Federais, para a qual estão convocados:
• Francisco Solano Carneiro da Cunha, advogado (presidente)
• Justo Rangel Mendes de Moraes, advogado (Conselho Superior)
• Targino Ribeiro, advogado (Conselho Superior)
• Horacio Gomes Leite de Carvalho (Conselho Superior)
• Ricardo Xavier da Silveira, advogado (Conselho Superior e presidente da
Caixa do Rio de Janeiro)
• Samuel Ribeiro, engenheiro (presidente da Caixa de São Paulo)
• Bráulio Vermont Lima, capitão da aviação (presidente da Caixa de Minas
Gerais)
79
• Manuel Pinto de Aguiar, advogado (presidente da Caixa da Bahia)
• Agnello Correa da Silva, engenheiro (diretor da Caixa do Rio Grande do Sul)
• Floriano Nunes Dias, empresário (presidente da Caixa do Rio Grande
do Sul)
Ao assumir o Conselho Superior, Solano Carneiro afasta-se da presidência da
Caixa Econômica do Rio de Janeiro. O escolhido para substituí-lo é o advogado Ricardo
Xavier da Silveira, que participara da redação do regulamento de 1934, juntamente
com o advogado Justo de Moraes, os economiários Jeronymo de Castilho e a advogada
Maria Werneck de Moraes Castro. Solano Carneiro também assume o Instituto do
Açúcar e do Álcool e se torna deputado constituinte, participando da elaboração do
anteprojeto da Constituição de 1934. Mantém-se na presidência do Conselho Superi-
or até o final de 1946, ocasião em que Luiz Rodolfo Miranda, conselheiro desde 1939,
passa à presidência. Bacharel em Direito, diplomado pelo King’s College (Londres),
Miranda mantém-se no cargo até 1948, quando o conselheiro Edmundo Miranda
Jordão torna-se o presidente do Conselho Superior.
Conforme afirma Wilson Luzio, a atuação do Conselho Superior das Caixas
Econômicas Federais é responsável por um expressivo desenvolvimento da insti-
tuição, acentuando-se a sua atuação no desenvolvimento urbano do Brasil, sobretu-
do no fomento à infraestrutura e ao saneamento por meio de empréstimos aos esta-
dos e municípios. O princípio beneficente que norteara os criadores em 1861, afir-
ma Luzio, já não é mais a marca das Caixas Econômicas Federais depois dos anos
1930. Começava, ainda que embrionariamente, a surgir o princípio de um banco social, vol-
tado para a promoção do desenvolvimento da coletividade.2
São indiscutíveis os novos ares trazidos pelo regulamento de 1934. Embora
as Caixas Econômicas Federais continuem recebendo depósitos com garantia do
governo federal e incentivando os hábitos de poupança, elas ganham o papel ino-
vador de desenvolver e facilitar a circulação de riqueza, através da movimentação
de depósitos e da concessão de empréstimos. O crédito hipotecário, praticado des-
de 1930, tornando-se letra do regulamento de 1934, no artigo 57, permite que as
Caixas autorizadas promovam os empréstimos sob hipoteca, mediante o recebi-
2 LUZIO, Nildo Wilson. História da Caixa Econômica Federal. Porto Velho, 2001 (texto datilografa-do), p. 38.
80
mento de imóvel, desde que este não seja de natureza agrícola. Além da carteira
hipotecária, da caução de títulos, consignações e contas garantidas, a Caixa pode
explorar a Loteria Federal. Na imprensa, essas mudanças que favorecem a popula-
ção são assim divulgadas:
As Caixas Econômicas Federais, que, há mais de dois anos, vêm prestandoexcelentes serviços ao funcionalismo da União, com as suas Carteiras deEmpréstimo e de Crédito Hipotecário, para a aquisição de propriedades, fo-ram novamente reorganizadas, pelo decreto no 24.427, publicado no DiárioOficial. Até agora, as Caixas Econômicas só podiam fazer empréstimos emdinheiro, mediante consignações em folhas, e adquirir casas, sob garantiashipotecárias, para os funcionários federais e os militares do Exército. Taisvantagens passaram a ser extensivas também aos funcionários dos Estados edos municípios, nas mesmas condições estabelecidas para os serventuáriosda União, e aos particulares, oferecendo como garantias títulos ou proprie-dades. Essas e outras vantagens constituem a recente reforma que o governofez nos serviços das Caixas Econômicas, para torná-las mais lucrativas e aoalcance de todos.3
3 “Os serviços das Caixas Econômicas Federais foram ampliados”. Correio do Povo, 17 de julho de1934, ano XL, no 165, p.5.
Sede da CaixaEconômica do RioGrande do Sulconstruída em 1908Fonte: Caixa EconômicaFederal do Rio Grande doSul em seu Jubileu deDiamante (1875-1950)
81
O decreto referido determina que nenhum estabelecimento de crédito po-
derá usar o título de Caixa Econômica, economia do lar ou expressões equivalentes.
As Caixas Econômicas Federais ficam livres para operações financeiras diversas,
desde que aprovadas pelos conselhos. As mudanças trazidas pelo regulamento de
1934 não afetam todas as Caixas Econômicas da mesma maneira. Mesmo com um
estímulo para o aumento do volume de depósito e diversificação das operações,
muitas Caixas têm baixo crescimento, mantendo-se anexadas às Delegacias Fiscais
por um bom tempo. O importante é que elas se transformam de quase simples cole-
toras de depósitos em instituição de economia popular, no sentido dinâmico e de crédito, no
aspecto econômico e social, enfatiza João Henrique.4
4 JOÃO HENRIQUE. As Caixas Econômicas sob o Impacto da Legislação Fragmentária. Rio de Janeiro,1956 [s.e.], p.15.
Anúncio na revista A Economia, órgãooficial de ensino financeiro e fomentoeconômico da Caixa Federal doParaná (setembro de 1936, ano 1)
Página de rosto do livro de Plácido e Silva,publicado em 1937
82
Em novembro de 1937, Getúlio Vargas anuncia através de transmissão
radiofônica o fim da democracia de partidos e a outorga de uma nova Constituição
que institui um Estado fortemente centralizado. Atribuindo plenos poderes ao
Executivo, a Constituição de 1937 reduz os governos estaduais à condição de
prepostos do governo federal e atribui ao Estado a responsabilidade de definir os
rumos da política econômica nacional. Desenvolver a indústria de base (transfor-
mação de minérios e produção de fontes de energia) e acionar o desenvolvimento
dos meios de transporte, das estradas e de outras vias de comunicação capazes de
auxiliar na integração do país são as metas favoritas do Estado Novo.
Os rumos propostos pelo estatuto de 1934 e o advento do Estado Novo exi-
gem preparo dos funcionários das Caixas Econômicas. Em razão disso, em 1938,
cria-se o Curso de Aperfeiçoamento. Sob a coordenação do general João Simplício
Alves de Carvalho, tem a finalidade de proporcionar oportunidade aos servidores
da Caixa para que aumentem os seus conhecimentos culturais. Aos economiários
que concluem o curso são conferidos diplomas cujo registro nos respectivos assen-
tamentos conta pontos para as promoções por merecimento. Mais tarde, esse curso
transforma-se no Serviço de Aperfeiçoamento da Caixa.5
Inauguração da primeiraagência da CaixaEconômica Federal deVitória da Conquista,Bahia (1936)
5 CASTILHO, Jeronymo de. Coisas da Velha Caixa. Rio de Janeiro, 1983, p. 67.
83
Em 1941, o presidente da Caixa Econômica da São Paulo, o advogado João
Batista Pereira – com a intenção de melhorar o conhecimento dos seus subordina-
dos sobre economia – contrata o professor francês Paul Hugon, da Universidade de
São Paulo, para ministrar um curso de Economia Política. As concorridas aulas do
professor Hugon inspiram a publicação da obra Elementos de História das Doutrinas
Econômicas (1942), livro consultado por gerações de brasileiros estudiosos da histó-
ria econômica. No Rio Grande do Sul, Carlos Alfredo Simch promove a publicação
de A Economia, de M. François Laurent, em 1950.
Obras publicadas pela Caixa Econômica Federal de São Paulo e do Rio Grande do Sul
84
A preocupação dos administradores da Caixa de São Paulo em promover o
Curso de Economia Política, além de adequada às necessidades da instituição, pode
servir de indicador da carência de oportunidades de estudos e de formação superior no
Brasil. De acordo com o historiador Boris Fausto, entre 1920 e 1940 verifica-se importan-
te declínio do índice de analfabetos no Brasil, mesmo que esse índice continue muito
elevado. Considerando-se a população de quinze anos ou mais, o índice de analfabetos caiu de
69,9%, em 1920, para 56,2%, em 1940. Os números são indicativos de que o esforço pela expan-
são do sistema escolar produziu resultados, a partir dos índices muito baixos de frequência à escola
em 1920. Estima-se que naquela época o índice de escolarização de meninos e meninas entre cinco
a dezenove anos, que frequentavam a escola primária ou média, era de cerca de 9%. Em 1940, o
índice chegou a mais de 21%. No que diz respeito ao ensino superior, houve incremento de 60% do
número total de alunos entre 1929 e 1939, passando de 13.239 para 21.235.6
Sobre a criação das universidades no Brasil, sabe-se que a primeira delas
surge no Paraná em 1912. Nessa época, as lideranças políticas também se mobiliza-
ram em prol da criação da universidade, ocasião em que o Paraná havia perdido a
Região do Contestado para Santa Catarina.
No dia 19 de dezembro de 1912, Victor Ferreira do Amaral e Silva liderou a
criação efetiva da Universidade do Paraná. Era uma época próspera da economia
paranaense, devido à abundante produção e ao bom comércio da erva-mate. “O dia
19 de dezembro representava a emancipação política do Estado e deveria também
representar sua emancipação intelectual”, afirma Victor Ferreira do Amaral.
Em 1913, a universidade começou a funcionar – no início, como instituição
particular. Os primeiros cursos ofertados foram Ciências Jurídicas e Sociais,
Engenharia, Medicina e Cirurgia, Comércio, Odontologia, Farmácia e Obstetrícia.
Após ter fundado a Universidade do Paraná, Victor Ferreira do Amaral – que foi
seu primeiro reitor – fez empréstimos e iniciou a construção do Prédio Central, na
Praça Santos Andrade, em terreno doado pela Prefeitura. Assim, a mais antiga insti-
tuição com o status de universidade é a Universidade Federal do Paraná. Outras
instituições de ensino superior brasileiras são mais antigas, porém não gozavam do
status de universidade antes de 1912.
6 FAUSTO, Boris. História do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Fun-dação de Desenvolvimento da Educação, 1995, p.393-394.
A Faculdade Livre deDireito da Bahia,fundada em 1891, éum dos cursos maisantigos do Brasil.Integrada à Faculdadede Medicina (1808), dáorigem, na década de1950, à UniversidadeFederal da Bahia
A Faculdade Livre doDireito de MinasGerais, fundada emOuro Preto (1892), étransferida para BeloHorizonte, em 1898,integrando, em 1927, aUniversidade Federalde Minas Gerais
A Faculdade Livre deDireito de PortoAlegre, fundada em1900, passa a fazerparte, depois de 1934,da UniversidadeFederal do Rio Grandedo Sul
85
O Brasil tem um frágil sistema universitá-
rio. Fundada a Universidade do Paraná, seu cur-
so de Direito começa a funcionar no ano seguin-
te. No Rio de Janeiro, em 1920, há uma tentativa
sem êxito de fundar uma instituição universitá-
ria. Depois da elaboração do Estatuto das Univer-
sidades Brasileiras, em 1931, ela é reorganizada
como Universidade do Rio de Janeiro. A funda-
ção da Universidade de São Paulo (USP), em 1934,
fora da esfera federal, é contemporânea da Uni-
versidade do Distrito Federal (1935), depois in-
corporada pela Universidade do Brasil (1937), for-
mada a partir da primeira Universidade do Rio
de Janeiro. Instituições similares são implantadas
nos estados brasileiros, sobretudo naqueles que
já possuem escolas superiores. A USP torna-se
modelo para as universidades brasileiras, pelo
cuidado com a formação de professores destina-
dos às escolas e instituições de nível secundário e
superior. Com a criação da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da USP, voltada essencialmente
para a pesquisa e a especulação teórica, são contrata-
dos jovens professores europeus que impul-
sionam a pesquisa científica nos vários campos
do conhecimento. Alguns se tornaram grandes figu-
ras das ciências, das artes e da literatura mundiais, como
Lévi-Strauss, o criador da antropologia estruturalista,
e o historiador Fernand Braudel, afirma o uspiano
Boris Fausto, além do professor Paul Hugon, con-
tratado depois pela Caixa Econômica.7
Faculdade de Educação da USP. Centro de preparação deprofessores para os vários níveis de atuação
Universidade do Paraná, a primeira instituição universitária doBrasil (1912), funda o Curso de Direito em 1913
7 FAUSTO, op. cit., p. 339.
Faculdade de Direito do Ceará inaugura a primeira instituiçãode ensino superior do estado (1903)
86
Em 1940, a população do Brasil é de aproximadamente 41 milhões de habi-
tantes, dos quais cerca de 31% vivem na cidade, restando grande contingente de brasileiros
vivendo no campo. Os depósitos feitos nas Caixas Econômicas das cidades crescem ano
a ano. Considerando o movimento de todos os estabelecimentos brasileiros, entre
1930 e 1945, o crescimento dos empréstimos atinge 2.000%.8 Em 1945, o Decreto 8.455
determina o revigoramento do sistema de organização e funcionamento das Caixas
Econômicas Federais e o aumento dos limites de depósitos. Em razão disso, são reali-
zados, no ano anterior, concursos públicos para ingresso na instituição.
O problema da habitação continua grave no Brasil. Nas capitais, onde há ca-
rência absoluta de crédito para moradia, as Caixas Econômicas Federais dedicam-se
aos projetos de financiamento da casa própria, com investimentos em infraestrutura,
que atendem aos interesses urgentes dos depositantes e criam postos de trabalho na
construção civil. O aprimoramento da Carteira Hipotecária, importante atividade
social, é uma meta. Em São Paulo, a Caixa Econômica cria e implanta o sistema de
financiamento Carteira da Casa Própria. Em 1941, o seu presidente, João Batista Pe-
reira, autor do projeto, recebe aprovação irrestrita do presidente Vargas.
Faculdade de Direito do Pará, fundada em 1902
8 LUZIO, op. cit., p. 38 e 128.
87
No Rio Grande do Sul, o Projeto Lar Próprio está em
pleno vigor há alguns anos. Em 1946, apesar da carência de
material e dos preços elevados – em razão da Segunda Guer-
ra Mundial –, desenvolve o Plano Especial de Petrópolis. Com
a abertura de um bairro inteiro, em Porto Alegre, milhões de
cruzeiros são empregados na sua urbanização e construção
de casas, já adquiridas por professores, militares, comerciários,
profissionais liberais e operários, totalizando, em 1946, 156
famílias.
É justamente no bairro Petrópolis que o escritor Erico
Verissimo encontra a sua primeira e única casa conquistada
em Porto Alegre, fazendo do momento de descoberta do
imóvel um belo registro no livro Solo de Clarineta:
Foi em 1941 que a Dra. Stella Budiansky, nossa querida e dedicada amiga, emédica de nossos filhos (mais tarde uma intervenção oportuna sua salvaria avida de Clarissa), anunciou-nos que tinha visto no alto duma das colinas dePetrópolis, o mais novo bairro residencial da cidade, uma casa recém-construídaque estava à venda. Mafalda e eu, que andávamos, então, numa espécie de“sionismo de goyin”, em busca do lar definitivo, fomos vê-la e... foi amor àprimeira vista. Era uma combinação de falso colonial espanhol com falso colo-nial português, mas tinha uma fisionomia simpática e serena. Chegamos adescobrir nela um ar de casa já habitada por nós. Mas quando? Com o auxíliodum empréstimo da Caixa Econômica Federal, compramos a vivenda e nosmudamos para lá. Essa mudança marcou o princípio duma nova etapa emnossas vidas.9
A respeito do Projeto Lar Próprio, o presidente da Caixa Econômica do Rio
Grande do Sul, Odon Cavalcanti Carneiro Monteiro, revela durante palestra no
Rotary Club, em Porto Alegre: O problema da “casa própria” vem preocupando a atenção
do governo da União, dos Estados e das Prefeituras dos grandes centros. Em Porto Alegre,
esse magno assunto vem merecendo acurado estudo dos técnicos e dos institutos financiadores,
sob a presidência do edil. Mas, na realidade, embora o problema tenha se tornado mais agudo
com a paralisação das construções durante a guerra, temos já, entre nós, uma longa e vito-
riosa experiência neste setor. Realizou-a a Caixa Econômica Federal do Rio Grande do Sul.
Getúlio VargasFonte: A Caixa Econômica Federal do Rio Grande do Sul (1940)
9 VERISSIMO, Erico. Solo de Clarineta, 16ª ed. Porto Alegre: Globo, 1982, p. 278.
88
Página de rosto dapublicação
Jurídico da Caixa EconômicaFederal de São PauloFonte: Caixa Econômica Federal,São Paulo, 1940
89
Aspectos da CaixaEconômica Federal ,em Porto Alegre (1940)Fonte: A Caixa EconômicaFederal do Rio Grande do Sul(1940)
Jurídico da CaixaEconômica Federal doRio Grande do Sul, emPorto AlegreFonte: A Caixa EconômicaFederal do Rio Grande do Sul(1940)
90
O segredo da Caixa, que constrói casas e mais casas há tantos anos, ao tempo dos
preços bárbaros dos anos de guerra, continua Odon Cavalcanti, pode ser assim explica-
do: 1) a Caixa conta com a iniciativa particular, estimulando-a, nunca a cerceando em
concorrência estioladora, 2) financia a casa de que cada um vai ser o dono, pagando-a du-
rante muitos anos, como se fosse um aluguel e 3) tem o apoio, assistência e orientação
constante do Governo Federal, através do Conselho Superior, órgão supremo das Caixas,
constituído de figuras exponenciais da cultura brasileira.10
As mudanças ocorridas durante o governo de Getúlio Vargas, nas Caixas
Econômicas Federais, permitem a ampliação da sua área de atuação e solidificam a
confiança da população nos seus serviços. Depois do fim do Estado Novo, em 1945,
e da eleição do presidente Eurico Gaspar Dutra, as agências, filiais e sucursais das
Caixas Econômicas Federais atingem todo o território nacional. Getúlio Borges da
10 “A Caixa Econômica Federal do Rio Grande do Sul coopera na solução do problema da CasaPopular”. Diário de Notícias, 12 de maio de 1946, ano XXII, no 59, p. 9.
Prédio da Caixa Econômica Federal doRio Grande do Sul, em Porto Alegre(década de 1940)Fonte: Caixa Econômica Federal do Rio Grandedo Sul em seu Jubileu de Diamante (1875-1950)
91
Silva considera que as mudanças trazidas pelo governo Vargas têm duas moti-
vações: a primeira atendia aos reclamos dos reformistas que por mais de 50 anos luta-
ram para dar às caixas econômicas brasileiras uma função social; a segunda viabilizava
uma fonte de recursos para levar adiante o Plano de Ação do governo revolucionário.11
As atividades das Caixas ganham complexidade e cresce o número de
brasileiros que se beneficiam com seus programas. Nos anos 1940, com ênfase
na poupança e na autonomia, as Caixas Econômicas continuam facilitando a
aquisição da casa própria e a concessão de empréstimos em longo prazo. Na
tentativa de aumentar seu contingente de depositantes, as cadernetas de pou-
pança são ofertadas a estudantes e, em muitas cidades, aos filhos de operários.
Setores de atividades produtivas desenvolvem-se sob o influxo do crédito po-
pular, com a reversão das pequenas economias recolhidas sob poupança.
11 SILVA, Getúlio Borges da. Caixas Econômicas: a Questão da Função Social. Rio de Janeiro: Foren-se, 2004, p. 114.
92
Em 1945, funcionam de maneira autô-
noma apenas oito Caixas. A partir dessa data,
novos decretos do Conselho Superior criam uni-
dades autônomas e anexas nos seguintes esta-
dos: Amazonas, Pará, Maranhão, Ceará, Espíri-
to Santo, Santa Catarina e Mato Grosso (1945);
Alagoas, Goiás, Paraíba, Piauí, Rio Grande do
Norte e Sergipe. As Caixas Econômicas brasi-
leiras tornam-se, em 1948, a maior instituição
de crédito popular da América Latina, com suas
agências, filiais, agências postais e sucursais.
Entre 1934 a 1959, por sugestão do Conselho
Superior, 18 Caixas Econômicas Federais são
colocadas em funcionamento nos estados.12
Nos anos 1950, quando a população bra-
sileira se aproxima dos 52 milhões de habitan-
tes, o velho adágio das Caixas Econômicas da
época do Império, “Vintém poupado, vintém
ganho”, é substituído pelo lema “Mão que eco-
nomiza é mão que não pede”. O novo lema traz
a noção de poupança associada à conquista da
autonomia necessária ao desenvolvimento. Nes-
se momento, aproximadamente 50% dos brasi-
leiros são analfabetos e um alto percentual não
possui casa própria, situação que revela a ne-
cessidade de promover conquistas sociais na
área da Educação e da promoção da renda na-
cional.
12 JOÃO HENRIQUE, Estrutura e Conjuntura das Caixas Econômicas Federais: Relatório. Rio de Janei-ro: CEF, 1960, p. 16-22.
Modelo das cadernetas de depósito populares (década de 1950)
Fonte: Caixa Econômica do Rio Grande do Sul em seu Jubileu deDiamante (1875-1950)
93
Consolidação do Jurídico das Caixas Econômicas Federais
Até 1948, as Caixas Econômicas Federais prosperam dentro da observância
de sua lei orgânica. Depois dessa data, elas são cada vez mais atingidas por múlti-
plas leis e decretos de ordem geral, as leis fragmentárias, que comprometem o equi-
líbrio da situação econômico-financeira e a autonomia da instituição. O Congresso
Nacional legisla sobre matéria pertinente às autarquias, de modo genérico, sem dar
atenção às peculiaridades das Caixas Econômicas Federais. O presidente do Conse-
lho Superior Edmundo de Miranda Jordão, tomando por base um relatório sobre o
tema, assinado por Luiz Rodolfo Miranda, em 1947, leva o problema ao presidente
Eurico Gaspar Dutra.
Posteriormente, outros presidentes do Conselho Superior – Henrique
Dodsworth (1950-1952), Dario Crespo (1952-1953), Bia Fortes (1953-1955) e João
Henrique Sampaio Vieira da Silva (1955-1956) – também se manifestam sobre o
efeito das leis fragmentárias na administração da instituição e ao modo como o
Congresso Nacional vem legislando sobre matérias pertinentes à autarquia, de modo genéri-
co, sem ater-se às particularidades das Caixas Econômicas Federais.13
Getúlio Vargas e o generalAguinaldo Caiado deCastro são recepcionadospor Juscelino Kubitschek,governador de MinasGerais, em 1954Fonte: Fundação GetúlioVargas (CPDOC, ArquivoGetúlio Vargas)
13 JOÃO HENRIQUE. As Caixas Econômicas sob o Impacto da Legislação Fragmentária. Rio de Janeiro,1956 [s.e.], p. 5-7.
94
A Procuradoria Jurídica do Conselho Superior pas-
sa a exercer função relevante nos trabalhos de orientação,
fiscalização e apreciação de todos os processos e papéis que
tramitam pelo Conselho Superior, com a atribuição de pro-
ceder ao exame da legitimidade e da legalidade dos atos
administrativos, relativos às seguintes questões:
a) empréstimos municipais;
b) empréstimos hipotecários;
c) empréstimos sob penhor;
d) empréstimos sob caução de títulos;
e) regimentos internos;
f) concorrências públicas;
g) recursos dos funcionários.
A elaboração, a ordenação e a divulgação sistemá-
tica dos trabalhos de legislação e jurisprudência tornam-se
um encargo da Procuradoria Jurídica do Conselho Supe-
rior, a partir de 1948. Conforme registra o futuro presidente
do Conselho Superior João Henrique Sampaio Vieira da
Silva, na obra Estrutura e Conjuntura das Caixas Econômicas
Federais, publicada em 1960, a Procuradoria organiza:
1.jurisprudência firmada pelo Conselho Superior, com
índice remissivo;
2 legislação sobre as Caixas Econômicas Federais, de
1848 a 1958, com índice remissivo;
3.decisões firmadas pelas reuniões congressuais das
Caixas Econômicas Federais;
4.jurisprudência judicial sobre questões relativas às
Caixas Econômicas Federais e problemas conexos;
5.circulares da Presidência da República e portarias
ministeriais sobre empréstimos hipotecários;
6.relação de todos os decretos de nomeação dos Direto-
res das Caixas Econômicas Federais.
Fonte: Caixa Econômica do RioGrande do Sul em seu Jubileu deDiamante (1875-1950)
95
A produção da Consultoria Jurídica é de grande valia para os trabalhos
técnicos e administrativos das Caixas Econômicas Federais. O Conselho Superior
conta com uma Consultoria Técnica, com atribuições especializadas, no campo da
fiscalização e da orientação técnica, no que se refere aos serviços, à estrutura dos
quadros de pessoal e das ações da sua seção de Estudos Econômicos, Financeiros e
Estatísticos.14 Também encarrega-se das orientações e fiscalizações que se proces-
sam no setor jurídico-legal e no setor contábil.
Em julho de 1949, inicia-se a circulação da Revista das Caixas Econômicas Fe-
derais, órgão oficial, sob a direção do Conselho Superior, criada por decisão da VI
Reunião Congressual, como sugestão do conselheiro Francisco Solano Carneiro da
Cunha. Circulando ininterruptamente, por 13 anos, a revista é o órgão oficial de
imprensa das 21 Caixas Econômicas Federais e de seu Conselho Superior. Confor-
me Jeronymo de Castilho, a publicação está sob a responsabilidade do espírito inte-
ligente e culto do dr. C. A.Dunshee de Abranches, jurista e jornalista de consagração nacio-
nal, e sua secretaria a outro jornalista de larga experiência – o nosso colega José Ayrton Lopes
– , cuja capacidade de colaboração e organização está demonstrada em obras impressas na sua
14 JOÃO HENRIQUE, Estrutura e Conjuntura das Caixas Econômicas Federais, op.cit., p. 31-48.
Coleção Revista das CaixasEconômicas FederaisAcervo dos Núcleos Bibliotecae Memória Institucional daCaixa
96
vida de economiário. A Revista teve o maior e mais brilhante êxito, correspondendo a seus
objetivos e finalidades, inclusive junto ao Instituto Internacional de Economia, que usava as
informações e dados estatísticos das nossas Caixas Econômicas, ali publicados.15
Também João Henrique faz uma avaliação do valor inestimável da Revista
das Caixas Econômicas Federais, ao afirmar: Os artigos de doutrina, dado o valor cultural
dos seus autores; os comentários e as críticas sobre fatos e atos relativos aos estabelecimentos
de crédito; os pareceres jurídicos e técnicos, sobre questões da atualidade; as notícias sobre
providências nacionais e internacionais, no campo da economia popular, os projetos de lei, os
atos legislativos e do Poder Executivo, bem como as decisões dos nossos Tribunais; dados e
elementos estatísticos nacionais e internacionais, em suma, tudo o que pode ser de interesse
para os que estudam os problemas das Caixas Econômicas Federais, é publicado nessa Revis-
ta, de modo sistemático e metódico.16
Construção de casas, edifícios escolares e hospitais; estradas de rodagem,
reaparelhamento da Viação Férrea, plano de eletrificação e saneamento das cidades
são empreendimentos que recebem a eficiente colaboração financeira das Caixas
Econômicas Federais. Mantidas autônomas em muitos estados, sob a supervisão
dos Conselhos Administrativos e do Conselho Fiscal, também possuem setores de-
nominados Serviços Jurídicos e Consultoria Jurídica, que atuam com a Procurado-
ria Jurídica do Conselho Superior.17
Sobre as rotinas e as atividades do Conselho Superior, João Henrique lem-
bra que as suas sessões se realizam em silêncio e suas decisões não buscam publicidade. Mas
a verdade é que, desde 1934, o Conselho Superior das Caixas Econômicas Federais vem de-
sempenhando uma função meritória, dentro de sua competência legal, não só a favor do
desenvolvimento das Caixas Econômicas Federais, como no sentido da integração destas no
plano da política econômico-financeira do governo federal. Encaminhando os serviços e os
negócios das Caixas Econômicas Federais, guiando os Conselhos Administrativos sem lhes
ferir a autonomia; dirigindo o rumo das atividades dessas instituições, num sentido de uni-
dade, e fiscalizando a execução das leis e atos regulamentares a elas pertinentes, o Conselho
15 CASTILHO, Jeronymo de. Coisas da Velha Caixa. Rio de Janeiro, 1983, p. 87-88.16 JOÃO HENRIQUE. Estrutura e Conjuntura das Caixas Econômicas Federais, op.cit., p. 51.17 A respeito do Serviço Jurídico e da Consultoria Jurídica da Caixa Econômica do Rio de Janeiro,
Ariosto Pinto, presidente do Conselho Administrativo, apresenta em publicação de 1951 deta-lhes das atividades desse setor (A Caixa Econômica Federal do Rio de Janeiro: Relatório. Rio deJaneiro: Caixa Econômica Federal, 1951, p.108-111).
97
Superior, há mais de um quarto de século, exerce um poder de vigilância e um poder de
revisão, tudo de modo a cumprir, fielmente, as suas atribuições.18
Em julho de 1951, organiza-se, no Rio de Janeiro, a Comissão Pró-Unificação
das Caixas Econômicas Federais, liderada pelo economiário Djalma Nunes, que
defende essa mudança desde 1946. Transformada no Projeto de Lei 518/51, a tenta-
tiva de unificação gera um movimento na própria instituição. Uma análise mais
apurada dos projetos feita pela Assessoria Jurídica de várias Caixas Econômicas
revela falhas de embasamento legal e colocações que geravam dupla interpretação ou se mos-
travam vagas e sem sentido.19 O tema da unificação que reaparece depois de 1964 vem
de longa data. Já em 1934, o advogado Ricardo Xavier da Silveira, defendendo a
unificação da instituição, dizia que a criação de um Conselho Superior não resolve-
ria as questões administrativas das Caixas.
18 JOÃO HENRIQUE. Estrutura e Conjuntura das Caixas Econômicas Federais, op.cit., p. 16.19 RIBEIRO, op. cit., p. 105.
Acervo dos NúcleosBiblioteca e MemóriaInstitucional da Caixa
98
As Caixas Econômicas crescem em todo o Brasil. Em 1952, existem 397 ma-
trizes, agências, sucursais e agências postais, subindo esse número para 466 em
1954. Constata-se o crescimento das agências e filiais, que formam, em 1953, a
maior rede bancária do Brasil, com 418 estabelecimentos em 21 estados e no Distrito
Federal. Em razão dessa expansão e da complexidade e multiplicidade das leis e
decretos que atingem o funcionamento da instituição, a Procuradoria Jurídica de-
senvolve gradativamente maior soma de trabalhos, totalizando, conforme quadro
abaixo, o número de pareceres entre 1946 e 1959:
Pareceres da Produradoria Jurídica da Caixa
1946 79 1953 1.230
1947 228 1954 1.402
1948 251 1955 1.428
1949 570 1956 1.570
1950 748 1957 1.271
1951 854 1958 1.503
1952 902 1959 1.836
Fonte: JOÃO HENRIQUE. Estrutura e Conjuntura das CaixasEconômicas Federais, op.cit., p. 218.
Além dos pareceres, a Procuradoria Jurídica presta 320 informações em
processos, sobre questões jurídicas e legais. No ano de 1959, a Seção de Legisla-
ção e Jurisprudência continua mantendo o serviço de fichamento de leis, decre-
tos e atos regulamentares, elaborando ainda um trabalho sobre jurisprudência
judicial. O Departamento Judicial, atuando no foro do Distrito Federal e no de Niterói,
na salvaguarda dos interesses e direitos do Conselho Superior das Caixas Econômicas
Federais e dos servidores deste Alto Órgão, e de suas solicitações de assistência jurídica,
desempenha a sua missão. Por essa razão, o procurador-geral e consultor jurídico,
Evandro M. C. Menezes, e os funcionários da Procuradoria Jurídica tiveram um
voto de louvor consignado em ata de sessão do Conselho Superior de 1959.20
Em 1958, é criado o Serviço de Documentação e Divulgação do Conselho
Superior. As atividades dessa área já são desenvolvidas pela Procuradoria Jurídica,
20 JOÃO HENRIQUE. Estrutura e Conjuntura das Caixas Econômicas Federais, op.cit., p. 218-219.
99
que realiza o levantamento das leis,
decretos, regulamentos e regimen-
tos relativos à organização e ao fun-
cionamento das Caixas Econômicas
Federais, reunidos em volume, com
índice alfabético remissivo, e reme-
tido aos Conselhos Administrativos.
Também passam pelo mesmo pro-
cesso as circulares e os atos admi-
nistrativos, os decretos de nomea-
ções, as datas de posse e afastamen-
tos dos dirigentes, coligidos, orde-
nados, publicados e transmitidos à
Presidência da República, aos mi-
nistros e aos presidentes dos Con-
selhos Administrativos, em cópias
mimeografadas, entre outros.21
Criação do Sasse
Em 1947, na VI Reunião
Congressual das Caixas Econômicas
Federais, Antonio Cornélio Pompéia,
advogado da Caixa Econômica de São
Paulo, apresenta a tese para a
criação da Caixa de Aposentadoria e
Pensões dos Economiários, na mesma
ocasião em que o advogado Carlos
Dunshee de Abranches apresenta tra-
balho sobre o tema. Luiz RodolfoJoão Henrique, As CaixasEconômicas sob o Impactoda Legislação Fragmentária(1956)21 JOÃO HENRIQUE. Estrutura e Conjuntura das Caixas Econômicas Federais, op.cit., p. 49-50.
100
Miranda, presidente do Conselho Superior, determina a elaboração de um antepro-
jeto de lei sobre a matéria, com base na tese de Pompéia, encarregando também o
advogado Carlos José de Assis Ribeiro, consultor do Conselho Superior, para a exe-
cução da tarefa.
Contando com o auxílio dos colegas Fábio Vasconcelos, Heitor Nunes
Soares, Carlos Amálio da Silva Filho, José Ayrton Lopes, João Gomes Netto, Arthur
da Silva Araújo, Corrêa de Menezes, Maria Aparecida Olinto, Lúcia Amalio da
Silva, Abílio Cunha Santa Rosa, o advogado Antônio Cornélio Pompéia organiza
um verdadeiro escritório em sua casa, destinado a pesquisar e elaborar o projeto
solicitado, sob o comando do professor Assis Ribeiro.22 Até aquele momento, havia
no Rio de Janeiro a Associação do Pessoal da Caixa Econômica Federal.
Entregue no prazo estipulado, em agosto de 1947, o trabalho torna-se tema
central do I Congresso dos Empregados das Caixas Federais, ocorrido entre setem-
bro e outubro, no Rio de Janeiro. Ao término do encontro, o projeto é encaminhado
ao poder Legislativo Federal. Em razão da falta de resposta da autoridade legislativa,
inicia-se um verdadeiro trabalho de apostolado junto aos economiários e suas famílias,
conclamando-os a retomar a luta, escreve Paulo César Ribeiro, ao mesmo tempo em
que se faz uma ampla articulação em todos os escalões dos governos federal, esta-
dual e municipal. Nessa primeira tentativa, os múltiplos esforços não produzem o
resultado desejado.
Nesse período, diversos acontecimentos retardam a criação da Caixa de
Aposentadoria e Pensões dos Economiários. Quando Henrique Dodsworth é o pre-
sidente do Conselho Superior da Caixa Econômica Federal, Getúlio Vargas retorna
à presidência da República, depois da vitoriosa campanha eleitoral de 1950. O pe-
ríodo de instabilidade política que culmina com o falecimento de Vargas, em 1954,
é superado com a eleição e posse de Juscelino Kubistchek em 1956.
Nesse ano, renova-se a proposta de criação da Caixa de Aposentadoria,
passando-se para um instituto denominado Serviço de Assistência e Seguro
Social dos Economiários (Sasse). Pompéia leva novamente o projeto ao
22 Os dados sobre a criação do Sasse, aqui resumidos, encontram-se em: RIBEIRO, Paulo César.História da Caixa Econômica Federal de São Paulo (1875-1970). São Paulo: Editora Memória, 1997,p.122-131.
101
Legislativo, tendo o apoio do deputado Ulisses Guimarães, presidente da Câmara
dos Deputados. Recebendo o número 1.532/56, o projeto da criação do Sasse é apro-
vado, faltando a apreciação posterior do presidente Juscelino Kubitscheck, para
sanção ou veto.
Carlos Dunshee de Abranches, em entrevista ao Jornal do Brasil, afirma: É a
segunda vez que o Poder Legislativo se manifesta pela criação dessa entidade (...). Ao projeto
anterior o presidente Café Filho apôs veto, que logrou a aprovação do Congresso. Todavia, os
motivos que prevaleceram eram mais de natureza política do que técnica. Desta vez, porém,
é de se esperar que o atual presidente da República sancione o projeto e transforme em lei a
resolução legislativa que atende primacialmente às conveniências da nossa grande institui-
ção de economia popular (...).23
Para alegria de todos, no dia 22 de maio de 1957, Juscelino sanciona a Lei
3.149, criando o Sasse. A partir de então, o 22 de maio, Dia de Santa Rita de Cássia,
passa a ser comemorado pelos empregados das Caixas como o Dia do Economiário,
ao mesmo tempo em que Santa Rita torna-se a padroeira do Sasse e das Caixas
Econômicas Federais.24 Com sede no Rio de Janeiro, o Sasse evolui rapidamente,
desde a sua criação, com a instalação de delegacias regionais em todos os estados.
Integrando os empregados federais e estaduais das Caixas, concede assistência
médica e odontológica aos associados, facultando, através de benefícios e auxílios,
critérios de suplementação de salários ou salários indiretos.
No início da década de 1960, o Sasse começa a atuar no ramo de seguro
simples, originando, em 1970, a Companhia Nacional de Seguros, entidade sob seu
controle acionário. Além disso, apresenta aspectos pioneiros de administração
previdenciária, reconhecidos e elogiados inclusive por autoridades estrangeiras, conforme
fazia questão de relatar o professor Assis Ribeiro.25 Entre 1958 e 1977, a entidade presta
relevantes serviços à comunidade economiária. Entretanto, é extinto em julho de
1977, no governo do presidente Ernesto Geisel, dando lugar à Funcef. Nesse mo-
mento, os funcionários das Caixas Econômicas passam a ser beneficiários do Insti-
tuto Nacional de Previdência Social, uma etapa conclusiva da unificação da previ-
dência do Brasil, iniciada em 1966.
23 Citado por RIBEIRO, op. cit., p. 127.24 RIBEIRO, op. cit., p. 129.25 Ibid., p.131.
102
JK: Plano de Metas
Ao assumir a Presidência da República, Juscelino
Kubistchek lança o ambicioso Programa de Metas, com 31 ob-
jetivos, distribuídos em seis grupos: energia, transporte, ali-
mentação, indústria de base, educação e construção da nova
capital. O Brasil de JK entra na fase da política econômica de-
nominada de nacional-desenvolvimentismo, síntese que com-
bina o Estado, a empresa privada nacional e o capital estran-
geiro, em um esforço de desenvolvimento e industrialização.
O Programa de Metas consegue aumentar o valor da
produção industrial. Desenvolve-se o setor industrial automo-
bilístico e edifica-se Brasília. O produto interno bruto (PIB) bra-
sileiro cresce 7%, entre 1957 e 1961, o que corresponde a um
crescimento aproximadamente três vezes maior do que o do
resto da América Latina.26 O projeto nacional de desenvolvi-
mento depende do fortalecimento do Estado e do estímulo à
substituição de importações, privilegiando as empresas
multinacionais e as nacionais, públicas e privadas.
Em 1960, com uma população aproximada de 70 mi-
lhões de brasileiros, verifica-se o progressivo aumento da con-
centração populacional nos maiores centros urbanos brasilei-
ros, consequência direta do êxodo rural das regiões onde há a
dissolução das economias de subsistência, bem como das ne-
cessidades de mão de obra para os setores econômicos emer-
gentes. A euforia do crescimento vem acompanhada de pro-
blemas sociais de difícil solução. Aos históricos problemas da
falta de moradia, de escolas e de atendimento na área da saú-
de, somam-se a inflação, a elevação do custo de vida e a perda
do poder aquisitivo que castigam o Brasil há duas décadas.
Henrique Teixeira Lott, Israel Pinheiro, JuscelinoKubitschek e Antonio Balbino analisam a plantade Brasília (2 de outubro de 1956)Fonte: Fundação Getúlio Vargas (CPDOC)
26 FAUSTO, Boris, op. cit., p. 422-430.
Presidente Juscelino Kubitschek (1956-1960)
103
O progresso convive com o empobreci-
mento da população. Além disso, o endividamento
do país e o primeiro rompimento com o Fundo
Monetário Internacional (1959) geram um am-
biente político complexo, que se reflete no cotidia-
no dos brasileiros e nas suas instituições. Nessa con-
juntura, as esferas de mando e o sistema de poder
não estão mais adequados às mudanças econômi-
cas, à produção e ao consumo, além de serem in-
capazes de proceder a incorporação do proletaria-
do à sociedade moderna.27
É compreensível a profunda crise política
dos primeiros anos da década de 1960. Acresce o
fato de que a capacidade produtora da nação bra-
sileira é limitada pelos baixos índices de investi-
mentos em instrução e educação. De acordo com
os números oficiais, apenas quatro entre cada dez
crianças com idades entre 7 e 11 anos estão ma-
triculadas nas escolas. O Brasil tem o pior índice
de alfabetização de toda a América Latina, supe-
rando até o seu vizinho mais pobre, a Bolívia.
Calcula-se que em 1962, afirma a revista Veja, o país
abrigue um exército de 5,8 milhões de iletrados. Pior: a
metade desse contingente está cursando apenas a pri-
meira série do ensino primário. Entre todos os alunos
que iniciam a sua formação no país, só 21,4% chegam
à segunda série (19,3% avançam à terceira e 14,1% à
quarta). No ensino secundário, a situação é de arrepi-
ar. Apenas nove entre cada 100 jovens brasileiros con-
seguem alcançar esse nível. Por fim, há o desastre doConstrução e planta de Brasília
27 MÜLLER, Geraldo. A Economia Política Gaúcha dos Anos 30 aos 60. In: CESAR, Guilhermino eoutros. RS: Economia e Política. Porto alegre: Mercado Aberto, 1979, p. 364.
104
analfabetismo.28 Os dados da escolaridade ainda revelam que, em 1962, há apenas
107 mil estudantes brasileiros em cursos de ensino superior. Nos anos seguintes, a
situação se mantém inalterada com o oferecimento de 110 mil vagas nos exames
vestibulares.29
Cem anos das Caixas Econômicas
Em 1960, no ano em que as Caixas Econômicas se preparam para comemo-
rar o seu centenário, o presidente do Conselho Superior, João Henrique Sampaio
Vieira da Silva, escreve sobre os seus antecessores e a sua maneira de agir na condu-
ção da instituição. Ressalta a força das suas proposições, providências e medidas
administrativas – econômicas, financeiras, jurídicas
e legais –, sempre destinadas ao melhor funcionamen-
to das Caixas Econômicas Federais.
Na presidência do Conselho Superior, antecedera-me, para honra minha, jurisconsultos de nomeada,como Targino Ribeiro, Justo de Morais e Edmundode Miranda Jordão, que exerceram não só a Presi-dência do Instituto da Ordem dos Advogados doBrasil, como os mais relevantes postos no mundojurídico internacional; economistas e financistas deprojeção, como Mário de Andrade Ramos e SolanoCarneiro da Cunha, que ocuparam altos cargos edesempenharam elevadas funções específicas noCongresso Nacional e junto ao Poder Executivo;estadistas e parlamentares de expressão nacional,como Luiz Rodolfo Miranda, que foi senador daRepública e presidente do Banco do Estado de SãoPaulo, Henrique Dodsworth, ex-deputado federal,em várias legislaturas, ex-prefeito do distrito fede-ral, Dario Crespo, ex-deputado federal e ex-procu-rador-geral do Estado do Rio Grande do Sul, e JoséFrancisco Bias Fortes, que exerceu as funções dedeputado estadual, federal, de secretário do Estado
28 Veja na História. Edição Especial: A Crise dos Mísseis, outubro de 1962. (http://veja.abril.com.br/historia/crise-dos-misseis/capa.html, acessado em janeiro de 2011)
29 Almanaque do Correio do Povo, 1972, p. 273.
Brasília (DF)
105
de Minas Gerais, de Ministro da Justiça, no governo do marechal Eurico GasparDutra, e que, atualmente, é o governador daquele Estado.Foram homens dessa envergadura moral, de largo tirocínio na vida pública e denotório saber, que, à frente do conselho Superior, desde 1934, tendo como inte-grantes deste órgão colegiado, cidadãos dotados dos mais altos conhecimentostécnicos, administrativos, econômicos, financeiros e jurídicos, apresentaram re-latórios ao senhor ministro da Fazenda, todos circunstanciados, propondo pro-vidências para que as Caixas Econômicas Federais tivessem a mais perfeitaorganização e funcionamento.30
Acrescenta que as Caixas Econô-
micas Federais sempre estiveram na van-
guarda dos movimentos que interessa-
vam à economia nacional. A partir de 1930,
elas se projetaram magnificamente, como fez
ver o eminente Horácio Láfer, no seu livro O
Crédito e o Sistema Bancário no Brasil. No
terreno urbanístico, levantando ou reconstru-
indo cidades, edificando milhares e milhares
de unidades residenciais, de hospitais, de ho-
téis e colégios, ação social delas tem sido lou-
vada de modo sistemático, principalmente pelo
que fez no setor da higienização, facultando
notáveis trabalhos de engenharia sanitária,
pelo interior do país.31
Em 4 de novembro de 1961, a
Caixa Econômica comemora o seu cente-
nário. Cabe a Jeronymo Pinheiro de
Castilho, presidente da Caixa Econômica
do Rio de Janeiro, a condução da cerimô-
nia de celebração dos 100 anos. Realizada
no local destinado à construção do futuro
prédio da Avenida Rio Branco, conta comCaixa Econômica Federal,Rio de Janeiro30 JOÃO HENRIQUE, Estrutura e Conjuntura das Caixas Econômicas Federais, p. 62-64.
31 Ibid., p. 187.
106
a presença dos membros do Conselho Superior, diretores, economiários, autorida-
des e arquitetos responsáveis pelo projeto da futura sede do Rio de Janeiro. Para a
ocasião, são cunhados medalhões de bronze, com as efígies de dom Pedro II, do
visconde de Albuquerque, primeiro presidente da Caixa da Corte, de João Goulart,
presidente da República e de Jeronymo de Castilho.
Brasil e Caixas Econômicas na década de 1960
Em 1960, Jânio Quadros elege-se presidente da República, tendo como vice-
presidente reeleito João Belchior Goulart. Os meses que se seguiram à posse de
Jânio, em 1961, entram para a história por suas controvertidas medidas administra-
tivas, marcadas pela ausência de um plano de metas de governo, e por sua renúncia
em agosto do mesmo ano. Merece registro o fato de que as loterias federais passam
a ser administradas pelas Caixas Econômicas Federais na sua administração. Cria-
se a Administração do Serviço de Loteria Federal (ASLF) e os fundos especiais para
os investidores sociais: a) 30% para assistência médica; b) 30% para o desenvolvi-
mento das operações das Caixas Econômicas; c) 30% para os serviços públicos
municipais (água e esgoto); d) 10% para a expansão e aperfeiçoamento dos serviços
de loteria.
Com a renúncia do presidente Jânio Quadros, a posse do vice-presidente
João Belchior Goulart, em viagem à China, sofre a resistência dos militares. Leonel
de Moura Brizola, eleito governador do Rio Grande do Sul para o quadriênio de
1959-1962, comanda a Campanha da Legalidade, mobiliza as forças políticas favo-
ráveis à posse de João Goulart e obtém o apoio do III Exército. Conquistada a vitó-
ria, nova dificuldade: parlamentarismo ou presidencialismo? Em 1963, através de
plebiscito, a nação brasileira escolhe o presidencialismo. Segue-se, contudo, um
período de questionamentos em torno do futuro do Brasil. Há greves, mobilizações
populares e muita tensão.
O conhecido desfecho desse processo ocorre em 1964, no dia 31 de março,
quando os militares brasileiros assumem o comando do país e definem os rumos
da nação brasileira. Depois dessa data, na esteira das fortes decisões políticas,
programa-se novo salto de crescimento para a indústria nacional. No governo de
Humberto de Alencar Castelo Branco é lançado o Programa de Ação Econômica
107
do Governo (Paeg), tentativa de reduzir o déficit do setor público, contrair o cré-
dito privado e reduzir os salários. O regime militar rompe claramente com a prá-
tica política do governo de João Goulart, baseada no esquema populista e na ten-
tativa fracassada de promover o desenvolvimento autônomo a partir da burgue-
sia nacional. Desse modo, o modelo antes esboçado no governo Juscelino toma
ampla e nova dimensão. Os empréstimos externos e o estímulo ao ingresso do capital
estrangeiro tornam-se elementos essenciais para financiar e promover o desenvolvimento
econômico.32
Apesar das restrições, as notícias veiculadas sobre o mercado interno re-
velam um estímulo ao consumo. Ainda em 1964, as Caixas Econômicas Federais
iniciam a entrega de automóveis da marca Gordini, financiados pela Carteira de
Empréstimos Populares. Contratos dos primeiros 40 carros Volkswagen são assi-
nados e liberados. O Diário de Notícias informa que a Caixa Econômica Federal, está
com o serviço desse setor inteiramente em dia, o que possibilita um atendimento eficiente e
criterioso de todos os 1.808 inscritos, sem haver acúmulo de serviços.33 As necessidades
de remuneração e de consumo da classe média começam a ser atendidas. Há pre-
visão de expansão da rede rodoviária e da construção de inúmeras obras de
infraestrutura.
De acordo com Boris Fausto, o Paeg alcança seus objetivos. A combinação do
corte de despesas com o aumento da arrecadação reduziu o déficit público anual de 4,2% do
PIB em 1963 para 3,2% em 1964 e 1,6% em 1965. A forte inflação de 1964 tendeu a ceder
gradativamente, e o PIB voltou a crescer, a partir de 1966. Com os governos militares, as
ações dos ministros ficam facilitadas. Quando são consideradas as condições do
Brasil e a falta de visão dos atores políticos, o êxito de um plano econômico depen-
de da adoção de medidas autoritárias que resultam em sacrifícios forçados, espe-
cialmente para a classe trabalhadora.34
Os governos militares criam o Sistema Financeiro de Habitação e o Sistema
Financeiro Nacional (1964) para modernizar as operações bancárias. A publicação
da Lei dos Condomínios e Incorporações traz as desejadas condições jurídicas para
32 FAUSTO, op. cit., p. 514.33 “Caixa vai entregar mais setenta carros Gordini”. Diário de Notícias, 25 de setembro de 1964,
ano XL, nº 172, p. 6.34 FAUSTO, op. cit., p. 472-473.
108
construção e venda antecipada de grandes conjuntos habitacionais. Em 1966, as
Caixas Econômicas Federais efetuam as primeiras operações de crédito com recur-
sos do governo federal, exercendo o papel de instituição bancária integrante do
Sistema Financeiro Nacional.
Ainda nesse ano, com a adoção da correção monetária para a caderneta de
poupança e a criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), deposi-
tados na rede bancária existente, são formadas duas fontes de recursos consistentes
para financiar projetos habitacionais. Uma engenhosa criação do governo militar para
estimular a formação da poupança interna, na afirmação de Getúlio Borges da Silva, que
não consegue, porém, atender a toda a demanda por financiamentos nacionais.
O governo federal também edita o decreto-lei que cria o Sistema Brasileiro de
Poupança e Empréstimos, uma tentativa de estimular o associativismo e desenvol-
ver no Brasil um tipo de caixa econômica particular.35 Em 1966, acontece a unifica-
ção dos institutos de aposentadoria e pensões, transformados em Instituto Nacio-
nal de Previdência Social (INPS).
No final da década de 1960, mesmo considerando as limitações existentes,
já é possível administrar as instituições brasileiras com base em uma política de
procedimentos mais unificados. Essa é a tendência geral dos países em que o
processo de industrialização ganha profundidade. As unificações permitem, se-
gundo os especialistas, maior racionalidade e padronização dos procedimentos,
uma necessidade para a definição e execução das políticas públicas destinadas
aos melhoramentos sociais.
A tendência às unificações é contemporânea do chamado milagre brasileiro,
período histórico de intenso crescimento. A economia internacional está em franca
expansão desde 1968. O Brasil beneficia-se dessa conjuntura mundial, sobretudo
porque a sua economia encontra-se cada vez mais internacionalizada.36 O aumento
da produção e do consumo revela as potencialidades regionais e as tendências de
35 SILVA, Getúlio Borges da, op. cit., p. 138-149. Getúlio Borges afirma que as tentativas de formarassociações de poupança e empréstimos resultam, historicamente, num fracasso. As razões para oseu fracasso, depois de 1966, não foram muito diferentes daquelas que no século XIX levaram à falênciaas primeiras caixas econômicas particulares no Brasil: a) falta de estrutura para fazer frente às cíclicascrises da economia nacional; b) má gestão dos administradores – em alguns casos por falta de preparo enoutros por má-fé; c) complacência dos órgãos fiscalizadores (p.147-148).
36 BRUM, Argemiro. O Desenvolvimento Econômico Brasileiro, 5ª ed. Petrópolis: Vozes, 1985,p. 136-137.
109
integração de todo o território através do de-
senvolvimento das comunicações, do setor de
energia e do fortalecimento da economia na-
cional. Sobre a potencialidade energética, ain-
da não se sabe, no início da década de 1970,
se o Brasil tem ou não petróleo em volume
importante, economicamente aproveitável.
Às taxas elevadas de crescimento
econômico e ao aumento dos conflitos polí-
ticos somam-se a suspensão das liberdades
trazidas pelo Ato Institucional nº 5, em de-
zembro de 1968. Essa forte decisão concede
plenos poderes ao Executivo, iniciando uma
fase de restrições às liberdades políticas. Ao
presidente é dada a permissão de fechar tem-
porariamente o Congresso, de intervir e no-
mear interventores nos estados e municí-
pios, de cassar mandatos e suspender direi-
tos políticos, assim como demitir ou aposen-
tar servidores públicos. Ao contrário dos
Atos Institucionais anteriores, o AI 5 não é
uma medida temporária.
Sobre o destino das Caixas Econômi-
cas, o governo federal formara, em 1966, uma
Comissão de Estudos com o objetivo de estu-
dar as possibilidades para substituir as 22 autarquias estaduais das Caixas Econômicas
Federais por uma única Caixa Econômica. Dela fazem parte os membros do Conselho
Superior e pessoas indicadas pelo Ministério da Fazenda. Defendendo a tese federativa,
a comissão posiciona-se contra a unificação.37 A despeito da defesa da manutenção das
Caixas Econômicas, três anos depois essas autarquias são extintas, em 12 de agosto de
1969, quando nasce a Caixa Econômica Federal, por força do Decreto-Lei 759.
Demonstrativo dedesempenho da CaixaEconômica Federal doRio de Janeiro, em 1967Fonte: Relatório da CaixaEconômica Federal do Riode JaneiroAcervo dos NúcleosBiblioteca e MemóriaInstitucional da Caixa
37 RIBEIRO, op. cit., p.171-173.
D efinidas a natureza jurídica e as finalidades da Caixa Econômica
Federal, depois da divulgação do Decreto-Lei 759, de 1969, as Caixas
Econômicas Federais são extintas. É o fim do regime de autarquias exis-
tente desde o Império, quando a impossibilidade do contato entre as províncias e
os estados da República – numa fase de comunicação muito limitada – exige a auto-
nomia dos estabelecimentos como única forma de garantir o seu funcionamento.
Getúlio Borges da Silva afirma que a mudança atinge em cheio a natureza
jurídica, a estrutura administrativa e as operações da Caixa Econômica. Extinto o Conselho
Superior e as autarquias, cria-se uma única instituição financeira com 22 filiais.
Sob a forma jurídica de empresa pública federal, comandada por um Conselho
Superior, segue as seguintes orientações: unificação sob o nome de Caixa Econômica
Federal; utilização da sigla e marca CEF; natureza jurídica de empresa pública fede-
ral regida pelo direito privado; lei orgânica ou estatuto, alterável por decreto do
presidente da República; princípios fundamentais fixados em lei ordinária aprova-
da pelo Congresso Nacional; gestão mediante programação e coordenação das ati-
vidades em todos os níveis administrativos; desconcentração da autoridade execu-
tiva, rapidez das operações, economia dos gastos, simplificação das estruturas e
incentivo ao aumento da produtividade dos serviços; habilitação geral para realizar
operações nos mercados financeiros, interno e externo, e no mercado de capitais; e
valorização do quadro de pessoal.1
1 SILVA, Getúlio Borges da. Caixas Econômicas: a Questão da Função Social. Rio de Janeiro: Foren-se, 2004, p. 152-154.
IVNasce a Caixa EconômicaFederal (CEF)
112
No final de 1969, Antônio Delfim Netto, ministro da Fazenda, nomeia o
grupo de trabalho Fundo de Instalação da Caixa Econômica Federal (Ficef) para
elaborar os atos constitutivos da empresa. Giampaolo Marcello Falco, presidente
da Caixa Econômica da São Paulo; Cláudio Alberto Leão de Medeiros, vice-presi-
dente da Caixa Econômica do Rio de Janeiro; e Sebastião José França dos Anjos
reúnem-se com um grupo de funcionários encarregados do assessoramento dos
trabalhos. Além deles, técnicos da Fundação Getúlio Vargas (organização da área
de recursos humanos), do Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de
São Paulo (organização da administração) e do Serviço Federal de Processamento
de Dados (Serpro) são contratados para iniciar os trabalhos de consolidação, no
sentido de unificar a instituição. Em março de 1970, o Decreto 66.303 altera o esta-
tuto e cria a sua constituição jurídica e estrutura operacional. Contudo, a nova
empresa pública federal só começa a operar como instituição financeira no dia
1o de agosto de 1970.2
O grupo de trabalho, nomeado para dar conta da difícil tarefa de unificar as
22 Caixas Econômicas Federais e suas 526 matrizes, agências e filiais da instituição
centenária, reúne-se no primeiro semestre de 1970. Iniciam-se os levantamentos
patrimoniais e institucionais e a elaboração de projetos e programas de abrangência
nacional. São iniciativas baseadas na tradição e na história das antigas Caixas Eco-
nômicas Federais, das quais a Caixa Econômica Federal manteve a parte essencial,
conforme Getúlio Borges 3:
• Propriedade exclusiva da União;
• Finalidade de incentivo aos hábitos da poupança;
• Monopólio da carteira de penhores civis;
• Colocação dos valores dos depósitos em circulação mediante a concessão
de créditos;
• Exclusividade na denominação Caixa Econômica;
• Execução dos serviços das loterias federais.
2 Enquanto o Decreto-Lei 759 tem hierarquia de lei ordinária, e só pode ser alterado pelo Congresso Na-cional, o Decreto 66.303 é apenas o regulamento da lei. Por isso, o estatuto pode ser modificado porsimples decreto do presidente da República. SILVA, Getúlio Borges da, op. cit., p. 153-155.
3 SILVA, Getúlio Borges da, op. cit., p. 154.
113
Giampaolo Marcelo Falco é escolhido o primeiro presidente da unifica-
ção. Elaborado o novo modelo de organização, empreendem-se os esforços ini-
ciais, da fase denominada de Integração Operacional Administrativa, dirigida à
seleção e ao aprimoramento dos servidores com experiência funcional e técnica
das antigas autarquias, obedecendo às necessidades de uma empresa pública
moderna.
O Rio de Janeiro, sede da matriz da Caixa Econômica Federal, em 1970, é a
cidade indicada para a aplicação das mudanças, iniciadas pelo aperfeiçoamento do
pessoal e das práticas administrativas previstas para a nova realidade. A ideia é
abolir os usos administrativos diversificados e autônomos, adotados pelas autarquias
ao longo da história, por meio da padronização de todo o material empregado na
matriz e nas 22 filiais; e organizar as medidas de racionalização dos serviços e pro-
cessos administrativos.
Em 1972, Giampaolo Marcello Falco entrega ao ministro da Fazenda Delfim
Neto o balanço da Caixa Econômica Federal que revela um crescimento do patrimônio
líquido de 73,7%, no último ano. Considerado resultado da modernização de méto-
dos e técnicas empregados nos setores de operações e na padronização e ampliação
dos serviços em todas as filiais, o balanço indica o aperfeiçoamento dos seus servido-
res através de numerosos cursos, seminários, encontros e simpósios. Também revela
a evolução de 38,6% nos depósitos e idêntica progressão das inversões em emprésti-
mos habitacionais, hipotecários, penhores e consignações; crédito pessoal, financia-
mento e refinanciamento de crédito direto ao consumidor, entre outros. O setor de
habitação, seguindo rigorosamente a orientação da política do governo federal, regis-
tra aumento de 57%, em comparação com 1970. Cerca de 10 milhões de trabalhadores
estão cadastrados no PIS, mediante ação da Caixa Econômica Federal.4
A Loteria Federal e a Esportiva encontram-se igualmente em expansão. Há
dez anos, a Loteria Federal é administrada pela CEF, registrando um crescimento
de 7,5 vezes em relação a 1962. A Loteria Esportiva existe desde 1969. Abre-se, em
1972, um concurso para escriturário e preenchimento de 1,4 mil vagas. As inscri-
ções atingem um bom índice, o que demonstra o êxito do empreendimento efetua-
do pela CEF, que desde 1958 não realiza concursos.
4 Diário de Notícias, 19 de fevereiro de 1972, ano 47, no 293, p. 12.
114
O Jurídico da Caixa Econômica Federal
O processo de unificação depende da adesão da área jurídica e contenciosa
existente na Caixa Econômica Federal. O desencadear de uma fase de importante
aprimoramento profissional dos advogados começa em março de 1972, com a rea-
lização do Seminário Jurídico da Caixa, em Brasília. Com a finalidade de fixar os
comportamentos jurídicos e a uniformização dos processos para controle de ações
em todo o território nacional, o seminário enfatiza o tema da unidade nacional.
Durante o Seminário Jurídico da Caixa, são analisados os acordos destina-
dos a regularizar contratos, principalmente de hipotecas, com vistas a uniformizar
os processos e evitar as questões judiciais, em respeito ao espírito social que preside
as operações da instituição. Do mesmo modo, são abordados e estudados critérios
da adoção de procedimentos quanto à política de pessoal, em harmonia com a
jurisprudência da nova empresa pública.
Dirigindo-se aos 50 advogados inscritos, vindos de todo o Brasil, o presi-
dente Giampaolo Marcello Falco trata da necessidade de promover a formação pro-
fissional dos quadros da Caixa Econômica Federal, enfatizando: Com este objetivo, os
cursos de formação geral e cursos especiais terão de ser desenvolvidos com um máximo de
eficiência e aproveitamento; os seminários de treinamento e de aperfeiçoamento terão de ser
estimulados, e o intercâmbio e movimentação de pessoal deverá ser acelerado.5
Sobre a uniformidade dos comportamentos, a padronização de instrumen-
tos jurídicos e a formulação de manuais de procedimentos que serão adotados pela
Caixa Econômica, João Dunshee de Abranches, em nome da área jurídica, afirma
que as mudanças não se restringem apenas pela padronização, ou seja, pela identidade
formal das diretrizes, métodos e rotinas. Tem conceito mais qualitativo, compreendendo não
somente a padronização de formas, mas, também e, principalmente, a racionalização de sua
execução, consubstanciando a melhor técnica de procedimentos que foi aferida.
Ao revisar as práticas vigentes no passado, Dunshee de Abranches apresen-
ta um plano estrutural básico para a área, que separa as atividades jurídicas das
contenciosas, com o objetivo de organizar os dois setores e as suas organizações
específicas. A ideia é distribuir as atividades jurídicas aos advogados, vinculando
5 Jornal da CEF, ano II, no 9, 1972, p. 1.
115
cada profissional à responsabilidade quanto aos pareceres emitidos ou à assistência
jurídica prestada. Para as atividades contenciosas nas filiais, são criadas unidades
contenciosas setoriais, com atribuições para dirigir, controlar e conduzir os procedimentos
judiciais, devendo ser recrutados, para essas unidades, os advogados com experiência forense.
Desta forma, enfatiza Abranches, são dados os primeiros passos à uniformização dos
comportamentos jurídicos da Caixa Econômica Federal, prenunciando para breve a conclu-
são de um ordenamento técnico jurídico integrado que, utilizado por pessoal especializado,
proporcionará à Caixa Econômica Federal a realização de uma dinâmica operacional necessá-
ria ao crescimento empresarial. O importante é que se prossiga nessa caminhada renovadora,
a passos largos, com as pernas longas da determinação, do esforço de cada um e da motivação
de todos.6
Em vista da responsabilidade crescente da área jurídica, verifica-se a neces-
sidade de aumentar o número dos seus advogados. Assim, são convocados em ca-
ráter transitório, primeiramente, os servidores da Caixa diplomados em Direito,
com a finalidade de exercerem as funções inerentes à sua formação superior. Com
essa medida, observa-se que a administração da Caixa faz uma avaliação correta da
riqueza em recursos humanos herdada das autarquias, considerando que, em 1972,
os universitários brasileiros são poucos, somam apenas 1,8% da população escolar,
um índice muito baixo para as necessidades de um país que planeja um crescimen-
to acelerado.
O aprimoramento dos advogados é um passo fundamental da transição de
uma cultura de autarquia, voltada aos interesses regionais, para uma postura de
participação competitiva no mercado. Em 1973, os advogados participam de cursos
sobre o novo Código de Processo Civil, com extensão em Direito de Obrigações e
aos Direitos Reais de Garantia. Em razão dessa experiência bem-sucedida, na filial
da Caixa do Espírito Santo instalam-se cursos permanentes, destinados aos servi-
dores com diploma em Direito que se candidatam ao exercício das funções ineren-
tes ao cargo de advogados da Caixa. Neles, são aferidos a capacidade e o grau de
experiência profissional dos candidatos ao posto e à promoção na instituição.
Em continuidade ao aprimoramento da Caixa Econômica Federal, o setor
jurídico promove, em janeiro de 1976, o I Ciclo de Conferências sobre o Código
6 Jornal da CEF, ano II, no 9, 1972, p. 1.
116
Civil e Código de Processo Civil, no Rio de Janeiro, com a participação de 50 advo-
gados de diversas filiais. Coordenado pelo consultor João Dunshee de Abranches, o
encontro é parte de outros ciclos de conferências previstos para o aprimoramento
dos advogados da Caixa. O II Ciclo de Estudos Jurídicos acontece em março, com a
participação de 36 advogados de diversas filiais. Os estudos concentram-se no novo
Código de Processo Civil, principalmente nos aspectos dos institutos do Direito
Civil, relativos à parte obrigacional.7
Durante o II Congresso Brasileiro de Direito Administrativo, um grupo de
advogados da Caixa Econômica Federal apresenta e aprova a tese Edição da Lei
Orgânica como solução adequada e impositiva para sistematizar o disciplinamento
jurídico-legal da Empresa Pública Federal. Considerada uma valiosa contribuição
para a edição de uma futura lei orgânica das empresas públicas brasileiras, a tese
recebe a assinatura dos advogados Acyr Costa Araújo, Antonio Henrique Lozetti,
Antonio Domingos Crespo Lorenzoni, Antonio Paulo Vieira da Cunha, Ari Steffen,
Carlos Coelho Branco, Ferdinand de Barreto Menezes (relator), Fernando Andrade
de Oliveira, Francisco Xavier da Silva Guimarães, Ivan Vasconcelos, João Carlos
Meister, João Clarindo Pereira Filho, João Dunshee de Abranches, João Regis
Fassbender Teixeira, João Carlos Torres da Motta, José Chagas Hosta, José Humberto
Lordello dos Santos Souza, José Francisco Boselli, José Vera-Cruz Santana e Roberto
Ávila Costa.8
Esses encontros e cursos promovidos pela Caixa Econômica Federal trans-
formam-se em instrumentos de inestimável valia para a política de aproveitamento dos
servidores administrativos diplomados em Direito, a fim de suprir a carência de advogados
em unidades regionais da Caixa Econômica Federal, viabilizando as convocações daqueles
que possuem, comprovadamente, habilitação profissional em mínimo compatível com o even-
tual aproveitamento. A CEF tem, ainda, estimulado a participação dos seus advogados em
congressos e seminários no país e no exterior, toda vez que a consultoria jurídica propõe
aquela participação e fundamente o interesse de propiciar o conhecimento de modernas técni-
cas jurídicas.9
7 Jornal da Caixa, janeiro de 1976, ano 2, no 13, p. 9; abril de 1976, ano 2, no 16, p. 4.8 Jornal da Caixa, agosto de 1976, ano 2, no 20, p. 8.9 Jornal da Caixa, janeiro de 1978, ano 4, no 36, p. 2.
Em 1976, cria-se oMuseu da Caixa, massua inauguraçãoacontece somente em1980, quando ele torna-se parte do ConjuntoCultural da Caixa.
A palavra economiário éuma fusão de econômicacom funcionário,inspirado no termoinapiário (servidores doIAPI).
117
O processo de unificação da Caixa Econômica Federal contribui para a
formação de um grupo de jovens advogados que, conduzidos por seus mestres,
os consultores dos jurídicos das Caixas Econômicas Federais, fortalecem a parti-
cipação desse setor nos projetos de investimentos socais dos próximos anos.
Atuando na matriz e em todos os estados brasileiros, de maneira uníssona e segu-
ra, os advogados do Jurídico contribuem para manter a sua secular participação
nos destinos da instituição.
Caixa Econômica Federal nos programas e serviços do governo federal
Em decorrência das atividades de afinação das práticas administrativas e
jurídicas, desenvolvidas no início da unificação, os primeiros programas sociais
sob a responsabilidade da Caixa Econômica Federal começam a ser implantados
nacionalmente. Quando a instituição assume as novas atribuições de agente finan-
ceiro da habitação – órgão de execução das políticas do governo federal e de banco
múltiplo, numa perspectiva de absorção de programas e serviços do governo fede-
ral –, os principais programas são:
• Programa de Integração Social - PIS (1970);
• Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social – FAS (1974);
• Casas Econômicas;
• Habitação e Hipoteca;
• Crédito Educativo (1976);
• Programa de Apoio à Micro Empresas (Pamicro);
• Loteria Federal;
• Bolsa de Pedras Preciosas e Semipreciosas (1979).
Diversas providências são adotadas em 1974, com o objetivo de melho-
rar os serviços da Caixa Econômica Federal. Amplia-se o quadro de servidores
de 12 para 15 mil funcionários e promove-se a reclassificação por tempo de ser-
viço, corrigindo distorções do extinto sistema de autarquias. Promovem-se 64
cursos especiais, de média e curta duração, atingindo mais de mil servidores.
As filiais mais distantes dos grandes centros recorrem aos serviços da matriz ou
118
119
de outra filial mais bem equipada, podendo recorrer à cooperação de empresas
privadas especializadas em treinamento. Empresta-se, igualmente, particular
atenção às necessidades de equipamento e de melhoria das instalações físicas
das unidades da Caixa.
Ao assumir a responsabilidade de administrar o FAS, em 1974, o presidente
da Caixa, Carlos Rischbieter, afirma: A consciência dessa responsabilidade, aliada ao
expressivo incremento observado nas operações da empresa, em todos os setores, indica a
necessidade de concentrar esforços no sentido da modernização administrativa, tarefa que
assume imperiosa relevância. Acrescenta ainda que a tarefa maior está no duplo desa-
fio de transformar a Caixa Econômica Federal numa empresa pública moderna e
flexível e aprofundar as suas características de banco social.10
Evolução dos Recursos Totais da CEF
Fonte: A Caixa Através dos Tempos. Relatório de 1975
10 Caixa Econômica Federal. Relatório, 1974, p. 3.
Na página ao lado,Jornal da Caixa, coleção dadécada de 1970Acervo: Núcleos Biblioteca eMemória Institucional daCaixa
120
A Caixa Através dos Tempos.Relatório de 1975
121
Com a saída de Carlos Rischbieter da Caixa Econômica Federal, para assu-
mir o Banco do Brasil, Humberto Esmeraldo Barreto torna-se o novo presidente em
abril de 1977. Assessor de imprensa da Presidência da República, Humberto Barreto
toma posse do Conselho Superior, com a proposta de continuar o aprimoramento
dos serviços da instituição no contexto da política única de pessoal, tarefa necessá-
ria para as responsabilidades futuras nos novos programas do governo federal.
Depois de equacionados os problemas operacionais da fusão, a área de
recursos humanos é transformada em Diretoria de Recursos Humanos, com papel
importante na execução da proposta administrativa de utilização da estratégia de
desenvolvimento organizacional, cujas palavras chaves são: mudança,
profissionalização e comportamento empresarial, preocupação com custos, renta-
bilidade e desempenho da instituição. Nessa circunstância, em 1977, o Jornal da
Caixa afirma que um plano de cargos e salários e programas intensivos de desenvol-
vimento de pessoal estão previstos para os próximos meses.11
Jornal da Caixa, outubro de 1975, ano I, nº 10
11 Jornal da Caixa, agosto de 1977, ano 3, nº 32, p .2.
122
O gabinete da Presidência da Caixa Econômica Federal informa, em janeiro
de 1978: A CEF, para cumprir o seu destino de bem servir ao país, terá necessariamente de
crescer e modernizar as suas estruturas, o que não significa que pretenda arriscar-se a impro-
visações ou reformas precipitadas. O tempo e a colaboração de todos propiciarão as reformas
necessárias a serem introduzidas com maior prudência e sempre gradualmente, de forma a
evitar arrependimentos e recuos.12
Em 1978, realiza-se o Ciclo de Palestras Direito Empresarial para Advoga-
dos, no Rio de Janeiro, coordenado pelos juízes Antonio de Oliveira Tavares Paes e
Luiz de Souza Gouvêa, com o objetivo de reunir os profissionais da Caixa Econômica
Federal. Entre as razões que determinaram a realização do encontro está a necessi-
dade de formar uma nova visão da Caixa Econômica Federal, com foco no fato de
ela ser uma pessoa jurídica de direito privado, regida, portanto, pelas normas apli-
cáveis às empresas privadas, o que lhe impõe a necessidade de se adequar ao estilo
operacional empresarial. A par das suas atividades monopolizadas, afirma-se, na
ocasião, que a Caixa é uma instituição financeira autorizada, por força do seu esta-
tuto, a operar nos mercados financeiros e de capitais, realizando as diversificadas e
complexas operações nas amplas faixas de mercado.13
Nesse ano, promove-se o primeiro concurso para a seleção de advogados
da Caixa. Realizado em Brasília, e com a coordenação das áreas de recursos huma-
nos e jurídica, conta com a participação dos advogados Francisco Xavier da Silva
Guimarães, chefe do Deten, e Antonio Pádua Fernandes Rocha, chefe do Dejur, na
elaboração das provas de seleção. Advogados de todo o Brasil inscrevem-se no con-
curso, sendo aprovados apenas seis profissionais, entre eles, Márcio de Assis Borges
e João Oreste Dalazen, mais tarde, ministro presidente do Tribunal Superior do
Trabalho. A realização desse concurso põe fim à prática, até então adotada, de sele-
cionarem-se os advogados durante o seminários realizados em Vitória (ES), sob a
responsabilidade do Jurídico regional local.
Durante a reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico, a Carteira
de Habitação e Hipoteca da Caixa Econômica Federal anuncia que o Banco
Nacional de Habitação (BNH) colocará 10 bilhões de cruzeiros à disposição do
12 Jornal da Caixa, janeiro de 1978, ano 4, nº 36, p. 2.13 Jornal da Caixa, janeiro de 1978, ano 4, nº 36, p. 2.
123
programa Casas Econômicas. Esses dados são apresentados ao presidente Ernesto
Geisel, em 1978, juntamente com um balanço das atividades da CEF nos últimos
meses. O diretor da Carteira de Habitação e Hipoteca informa que os investi-
mentos atendem às necessidades de habitação da classe média e das pessoas de
baixa renda.
No mesmo ano, Ariovisto de Almeida Rego, economiário com mais de 50
anos de relevantes serviços prestados, toma posse da Presidência do Conselho
Superior. Em março de 1979, Gil Gouveia Macieira, advogado da Caixa Econômi-
ca Federal, substitui Ariovisto Rego. Ao assumir o comando da empresa pública,
Gil Macieira apresenta as diretrizes básicas para revigorar o papel de banco de
desenvolvimento social da instituição, considerado fator de influência no proces-
so econômico-financeiro do Brasil. Além dele, também tornam-se diretores da
instituição: os advogados Alexandre Pires de Carvalho e Albuquerque (Adminis-
tração) e Cláudio Alberto Leão de Medeiros (Operações Diversas); e o engenheiro
Christiano Guimarães Fonseca (Fundos e Programas). Os demais diretores são
profissionais contratados.
A política habitacional sofre mudanças. Em maio, Macieira anuncia que
será dada ênfase à construção de casas para pessoas de menor renda, com a
reformulação do programa Casa Econômica e com a adoção de incentivos ao sis-
tema cooperativo para a construção de habitações, além de programas próprios
nesse setor. Lembra que a Caixa possui 48% do Sistema Financeiro de Habitação,
sendo seu principal agente. Informa que, após três anos de implementação do
FAS, foram financiados 34 mil leitos em hospitais e 22,7 mil salas de aula. No
primeiro semestre de 1979, 31,9 mil estudantes do ensino superior são beneficia-
dos com o Crédito Educativo. Desde o seu lançamento, em 1976, o Crédito
Educativo teve um total de 578.342 inscrições, que resultaram em milhares de
contratos e no benefício de 388.415 estudantes brasileiros14, elevando os índices
de ingresso no ensino superior.
Diante dos novos programas e compromissos, cresce o número de funcio-
nários da Caixa Econômica Federal, totalizando 23,5 mil em 1981. As agências
espalhadas por todo o país revelam a confiança dos brasileiros na instituição.
14 Jornal da Caixa, maio de 1979, ano 5, no 59, p. 6.
Nas páginas seguintes,Jornal da Caixa, coleção dadécada de 1980Acervo: Núcleos Biblioteca eMemória Institucional daCaixa
126
Abrem-se novas linhas de crédito para a aquisição da casa própria. O cres-
cimento das agências, postos de serviço e lojas de poupança traduzem-se nos da-
dos abaixo:15
Crescimento das agências
1977 109
1978 116
1979 116
1980 124
1981 169
Ano após ano, os advogados reúnem-se em seminários para debater te-
mas da sua atuação profissional na instituição. Liquidação de sentença em pro-
cesso de emprego estável, perda de precedência da hipoteca de primeiro grau,
imóveis usucapidos, registro público de contrato, dentre outros, são discutidos.
Durante seminário em Gramado (RS), em fevereiro de 1983, formam-se comissões
para debater esses temas: defesa do crédito da Caixa; relação de emprego; gestão
e patrimônio mobiliário da instituição; habitação e hipoteca; operações financei-
ras e operações diversas.
Gil Gouveia Macieira abre o encontro dos advogados, em Gramado, afirman-
do que o crescimento da Caixa traz a consciência da necessidade de ampliar o quadro
de advogados, e acrescenta: Com o volume de operações que temos hoje, com toda essa massa
de diferentes formas de aplicar o dinheiro, com o FAS, o PIS, a tradicional operação hipotecária e
com todas as demais operações de pequeno porte, realmente devemos estar bem preparados. Acre-
dito que possamos sair desse seminário com metas estabelecidas, com objetivos claros, com defini-
ções tomadas e com unanimidade de atuação, que isso é o mais importante.16
A Caixa Econômica Federal atua nos seguintes projetos, em 1983: Habitação e
Hipoteca, Apoio às Micros e Pequenas Empresas, PIS, Crédito Educativo, Centros Socais
Urbanos, Programa Especial de Módulos Esportivos, Táxi a Álcool, Loterias, Operação
Ouro e Força de Trabalho. Em agosto são introduzidos, em Brasília e no Rio de Janeiro,
15 ARAGÃO, Luiz Carlos. Abertura da Reunião de Gerente e Chefes de Unidades, em 18 dedezembro de 1981. In: História da Caixa, 1981 (texto datilografado).
16 Advogados discutem nova filosofia do trabalho jurídico. Jornal da Caixa, fevereiro de 1983, ano 9,no 148, p. 4.
127
os primeiros computadores para dar maior agilidade no atendimento, diminuir as filas
e desburocratizar o trabalho.
Em 1984, acontece o segundo processo seletivo e concurso ao preenchimen-
to dos cargos vagos de diplomados em Direito para as atribuições de advogado da
Caixa Econômica Federal. Publicada a lista dos 66 aprovados e concluído o estágio
supervisionado, em 1985, os mais de 60 funcionários tornam-se os novos advoga-
dos da Caixa, mediante a Portaria 860/85, assinada pelo presidente da Caixa, Mar-
cos Freire. O concurso para advogados coincide com um período de grandes inves-
timentos da Caixa Econômica Federal, com os quais os brasileiros contam para
melhorar as suas condições de vida.
A população brasileira passa de 93 milhões, em 1970, para aproximadamen-
te 120 milhões, em 1980. O crescimento do Brasil também se comprova pelo êxito
da participação da Caixa Econômica Federal nos programas sociais. O aproveita-
mento dos programas habitacionais, o crescimento do número de escolas, os cen-
tros sociais e esportivos e a diminuição do número de 50% da população analfabeta
(1950) para aproximadamente 20% (década de 1980), entre outros, revelam que os
esforços de planejamento e execução dessas políticas públicas têm o apoio e a par-
ticipação da população.
Fonte: Caixa Econômica Federal: o Banco Social. Rio de Janeiro, Guavira, 1982
Aumentados os números das universidades e faculdades isoladas e da ade-
são ao Crédito Educativo, cria-se a clara possibilidade de elevar o número de
diplomados no ensino superior, distanciando o Brasil da terrível estatística que apon-
tava a existência de 107 mil universitários, em 1962, quando a população é de apro-
ximadamente 70 milhões de brasileiros. Com a expansão do sistema universitário,
liderada pelos governos militares, ao menos uma universidade é aberta em cada
estado brasileiro. Em 1980, há 34 universidades federais atuando no Brasil.
Investimentos, planos econômicos, inflação e crise
Esses investimentos acontecem na fase final de um elevado crescimento do
Brasil, entre os mais altos do mundo e, sem dúvida, de nível recorde, em média 7,4% entre
1950 e 1980, afirma Claudio de Moura Castro. Depois desse ano, o crescimento bra-
sileiro começa a oscilar, sendo interrompido por acidentes políticos e por uma
sequência de crises econômicas no mundo.17 Os preços do petróleo aumentam
assustadoramente na metade da década de 1980, ainda como efeito da uma crise
herdada do milagre econômico e do choque do petróleo ocorrido nos anos 1970.
A dependência brasileira da importação de petróleo, cuja fatura representa
entre 35% e 50% do valor das importações em 1979-1981, associada ao ritmo acele-
rado de endividamento externo, dificulta o desenvolvimento do país. Como
consequência, adota-se uma política de ajuste econômico, comprimindo a deman-
da e promovendo as exportações.18 Os anos 1980, muitas vezes chamados de
17 CASTRO, Claudio de Moura. “Nossa educação: muito atrasada mas tentando recuperar-se”. In:BETHELL, Leslie (org). Brasil: Fardo do Passado, Promessa do Futuro. Rio de Janeiro: CivilizaçãoBrasileira, 2002, p. 119.
18 FURTADO, André. “Opções tecnológicas e desenvolvimento do Terceiro Mundo”. In: CASTRO,Ana Célia et alii. Brasil em Desenvolvimento. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p. 187-189.
década perdida, trazem forte retração no consumo. Desemprego, demissões, infla-
ção e tensão no mundo do trabalho são as marcas desse período.
Com o aumento da inflação, o Brasil recorre ao Fundo Monetário Internacional,
em fevereiro de 1983. Mesmo com a economia em crise, há uma redução da importação
de petróleo e de outros produtos, graças aos investimentos do II Plano Nacional de
Desenvolvimento (II PND/1975-1979). Mas o balanço daqueles anos se revela bastante nega-
tivo, como se pode verificar por dois dados: a inflação se acelera de 40,8%, em 1978, para 223,8%,
em 1984. No mesmo período, a dívida externa subira de 43,5 bilhões de dólares para 91 bilhões.19
Em 1984, o movimento Diretas Já leva milhões de brasileiros às ruas em
favor da restauração da escolha popular e democrática do próximo presidente da
República. Contrariando o desejo popular, a eleição de Tancredo Neves mantém-se
indireta, mediante o voto de um colégio eleitoral. Em 1985, com o inesperado faleci-
mento do presidente eleito, o vice-presidente, José Sarney, é empossado na Presi-
dência da República. Primeiro civil, depois de cinco presidentes militares.
No início do governo de José Sarney, o aumento das exportações e a queda
das importações produzem uma discreta retomada do crescimento e um saldo fa-
vorável na balança comercial. Mas o problema da dívida externa e interna subsiste,
assim como o da inflação, que chega, nesse ano, a 235,5%. A recessão prolonga-se
até fins de 1992, com um breve período de recuperação, entre 1985 e 1987, e sob o
efeito dos Planos Cruzado I e II, que congelam preços e taxas de câmbio e criam
uma nova moeda. Além de muita esperança entre os brasileiros, os planos evitam
por um curto período o crescimento da inflação.
A permanência da crise, contudo, obriga o Brasil a declarar uma moratória,
em fevereiro de 1987, suspendendo unilateralmente e por tempo indeterminado o
pagamento de juros referentes à dívida externa de médio e longo prazo, devida aos Fonte: Caixa EconômicaFederal: o Banco Social.Rio de Janeiro, Guavira,1982
19 FAUSTO, op. cit., p. 504.
130
bancos credores. A inflação volta a subir, e a sociedade sente-se ameaçada com a
perda do seu poder aquisitivo e com os problemas sociais incontornáveis. Novos
planos econômicos são elaborados e colocados em prática: Bresser (1987) e Verão
(1989), resultando ambos em fracasso.
A conjuntura de crescimento da população e do consumo, acrescida das
várias tentativas de reduzir a inflação e de acertar a direção ao desenvolvimento
econômico, forma um ambiente de expectativas nos diversos setores da sociedade
brasileira. Em números globais, a população brasileira passa de 51,9 milhões, em
1950, para 120 milhões, em 1980, e 146,9 milhões, em 1990. Em 1980, nove capitais
no país têm 1 milhão de habitantes; em 1990, esse número sobe para 11 capitais,
com São Paulo à frente, seguido por Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre.
Cresce também consideravelmente o grau de autonomia da indústria. Segundo dados de 1985,
quatro quintos das necessidades de bens de capital (máquinas e equipamentos) são atendidas
localmente, sem ter-se de recorrer às importações. Isso não quer dizer que esse atendimento
dependesse apenas das indústrias nacionais, abrangendo também as indústrias estrangeiras
instaladas no Brasil.20
As limitações ao desenvolvimento capitalista e à integração nacional são
contrabalançadas com a criação das importantes redes de infraestrutura. As teleco-
municações tornam-se quase instantâneas com o advento dos satélites e ampliação
do sistema de telefonia. Mediante a construção de uma malha rodoviária e o desen-
volvimento da indústria de veículos automotores, as produções regionais come-
çam a circular nacionalmente, o que nas décadas anteriores é limitado pela precari-
edade das redes de comunicação.
A Caixa Econômica Federal no cenário de crise
A perda do poder aquisitivo de grande parte da população é inevitável nes-
se cenário de crise, de planos econômicos malsucedidos e de inflação permanente.
A consequência direta dessa circunstância é a progressiva inadimplência dos mu-
tuários do Sistema Financeiro de Habitação (SFH). A situação atinge seu ponto
máximo entre 1983 e 1985, quando o índice de inadimplência cresce cinco vezes.
20 Ibid., p. 520-540.
131
Associações de Poupança e Empréstimos (APEs), Caixas Econômicas estaduais,
sociedades de crédito imobiliário e o Banco Nacional de Habitação (BNH) não re-
sistem à situação. Com a extinção progressiva dessas entidades de crédito, resta à
Caixa Econômica Federal o papel de sustentação de um sistema falido. Tal qual um
carvalho em meio a uma floresta atacada por inimigos de todos os tipos, escreve Getúlio
Borges, a Caixa Econômica Federal resistiu graças ao seu tronco centenário. As demais
instituições financeiras – como se fossem novas e frágeis árvores e arbustos da floresta ataca-
da – sucumbiram logo aos primeiros ataques dos predadores.21
Na Presidência da Caixa Econômica Federal está, desde 1985, Marcos de
Barros Freire, no lugar de Gil Gouveia Macieira. A quantidade de ações judiciais
contra o SFH atinge 12 mil processos, envolvendo mais de 120 mil pessoas. Muitas
delas, acobertadas pela morosidade da Justiça, não pagam qualquer valor a título de prestação
dos financiamentos.22 Em 1986, sem recursos e sem o antigo prestígio, o Banco Nacional
de Habitação (BNH) é extinto. À Caixa Econômica Federal cabe o papel de incorpo-
rar o ativo e o passivo da instituição falida, assim como os problemas daí decorren-
tes, colocando em risco a sua própria sobrevivência. Com essa incorporação, os
prejuízos da Caixa são enormes. A extinção do BNH, longe de ter sido um acontecimento
bom para a CEF, na realidade transferiu para a instituição os problemas que afetavam todo o
sistema. Esse fenômeno causou um grande desequilíbrio patrimonial na centenária institui-
ção e por pouco ela não teve o mesmo destino das instituições que desapareceram.23
Em 1987, o presidente José Sarney nomeia o economiário Maurício Viotti de
Barros para a Presidência da Caixa Econômica Federal, tendo como meta a execu-
ção da política habitacional do governo, com reabertura de financiamentos
habitacionais; plano de informática; planejamento estratégico; criação da superin-
tendência de marketing e da Conta Azul. Viotti anuncia a abertura de 10,7 mil vagas
para novos funcionários. Depois dele, Paulo Mandarino assume o comando da
Caixa em janeiro de 1989. No ano seguinte, acontece nova troca, quando o
economiário Marcolino Lincoln é escolhido o novo presidente, em fevereiro de 1990,
permanecendo no cargo por um mês.
21 SILVA, op. cit., p. 159.22 Ibid., p. 162.23 Ibid., p. 168.
132
Fernando Collor de Melo elege-se presidente em 1989. Toma posse em 15 de
março de 1990, anunciando no dia seguinte o conhecido Plano Collor I, um conjun-
to de reformas econômicas que traz o bloqueio das contas e aplicações bancárias –
e, como consequência, das cadernetas de poupança –, confiscando cerca de 80%
dos valores monetários circulantes no Brasil. As medidas adotadas têm um forte
impacto sobre a sociedade.
Prática inédita em toda a história do Brasil, o bloqueio das aplicações finan-
ceiras e o sequestro da poupança, com o propósito de reduzir a atividade econômi-
ca e controlar a inflação, têm forte e larga repercussão na sociedade. O controle da
inflação verificado no início do Plano Collor revela-se logo ineficiente. Além de não
atingir esse objetivo central e de provocar transtornos nas atividades econômicas, a
medida abala a confiança na tradicional caderneta de poupança, produzindo uma
carência de recursos e a paralisação das operações de financiamento das áreas ne-
cessárias ao desenvolvimento.
Agravam-se as dificuldades enfrentadas pela Caixa Econômica Federal desde
meados dos anos 1980. Em maio, na gestão do novo presidente, Lafayete Coutinho,
Fernando Collor abre simbolicamente uma caderneta de poupança na Caixa Econô-
mica Federal de Brasília, uma atitude que pretende comprovar a credibilidade na instituição,
que ao longo dos seus 129 anos de existência vem desenvolvendo uma ação social de grande
significado para o país, conforme Informativo Urgente da Assessoria de Imprensa.
Lafayete Coutinho dirige aos superintendentes regionais uma solicitação de
trabalho intenso e contínuo junto aos gerentes para que eles saiam de suas bases de trabalho,
indo captar depósitos junto aos clientes usuais, aos tomadores de empréstimos da CEF, visi-
tando novos clientes, enfim, encetando uma política de “ir buscar os recursos fora e não ficar
esperando que eles cheguem à Empresa”. Com isso, Coutinho pretende obter do
economiário um especial empenho em aumentar a captação de poupança, um dos princi-
pais objetivos a serem atingidos no momento, conforme consta no Informativo Ur-
gente da instituição.24
A Caixa Econômica Federal assume, em 1990, o Fundo de Garantia por Tempo
de Serviço (FGTS). Em maio do ano seguinte, Collor nomeia o advogado Álvaro
24 “Collor abre Caderneta na Caixa”. Informativo da Assessoria de Comunicação Social da Caixa (Ur-gente). Brasília, 2 de maio de 1990, vol. IV, nº 7.
Em março de 1990,o Jornal da Caixa –importante veículo decomunicação interna euma completa fonte deinvestigação para oestudo histórico dasCaixas – sai decirculação, depois de 15anos de atuaçãoininterrupta,retornando em julho de1993.
133
Figueiredo Maia de Mendonça Júnior para a Presidência da instituição. Vindo de
uma experiência na área bancária e da Diretoria de Operações Diversas da Caixa,
Álvaro Mendonça deve administrar uma situação complexa, gerindo os milhões de
contas de FGTS também transferidas para a Caixa. Conforme artigo publicado no
Correio Brasiliense, Mendonça afirma: É justamente a eficiência desse fantástico trabalho,
que envolve a centralização na Caixa de nada menos do que 54,6 milhões de contas ativas do
FGTS, que nos proporcionará as condições para bem aplicarmos os recursos públicos. E,
nesse aspecto, temos um único e definitivo critério: os recursos do trabalhador servem apenas,
e exclusivamente, para financiar obras de interesse social.25
A reunião do FGTS na Caixa Econômica Federal não resolve os problemas
de poupança e dos investimentos. Os prejuízos causados à Caixa Econômica Fede-
ral pelas medidas adotadas durante o governo Collor são enormes e somam-se às
questões não resolvidas da incorporação do BNH. As políticas implementadas por
seu governo, afirma Getúlio Borges da Silva, foram importantes para o grave desequilíbrio
econômico e financeiro da instituição, que só foi resolvido com a cisão patrimonial
implementada no governo seguinte. Também foi no governo Collor que iniciou a abertura do
mercado financeiro aos bancos estrangeiros.26
Com dois anos de mandato, Fernando Collor perde a popularidade que
permitiu a sua eleição em 1989. Começam a aparecer denúncias de corrupção na
imprensa brasileira, cuja gravidade obriga a Câmara dos Deputados a instituir uma
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para verificar as irregularidades de seu
governo. As investigações são acompanhadas pela população. Em agosto de 1992,
as principais cidades brasileiras organizam protestos contra o presidente, já exigin-
do o seu afastamento. Com o resultado da CPI e da votação que incrimina Collor,
está aberta à Câmara dos Deputados a possibilidade de iniciar o processo para afastá-
lo da Presidência. Em 29 de setembro de 1992, a Câmara vota contra a permanência
de Collor no governo. Em 2 de outubro, o vice-presidente Itamar Franco assume.
25 MENDOÇA, Álvaro. “Fazendo Justiça”. Correio Brasiliense, 2 de maio de 1992.26 SILVA, Getúlio Borges da, op. cit., p. 169.
No domingo de 15 de agosto de 1992, a população sai às ruas, nas cidades
brasileiras, para demonstrar o descontentamento com o governo de
Fernando Collor de Melo. Simultaneamente, um grupo de advogados
da Caixa Econômica Federal está reunido no Hotel das Américas, em Brasília, para
discutir e votar o projeto do Estatuto da Associação Nacional dos Advogados da
Caixa Econômica Federal e eleger a primeira Diretoria, o Conselho Deliberativo e o
Fiscal. Representando 239 advogados da Caixa Econômica Federal de todo o país,
os advogados desempenham a sua missão, enquanto lá fora as multidões se movi-
mentam em torno das reivindicações.
A lista dos presentes e portadores fiéis das procurações traz os seguintes
nomes: Oscar Acco, Wagner de Freitas Ramos, Ricardo Siqueira, José Gomes Matos
Filho, Cícero Corbal Guerra Neto, Paulo Eduardo Cabral Furtado, Cláudio Vinícius
Santa Rosa Castim, Ceres de Jesus Silva Araújo, Davi Duarte, Lídia Gomes Magalhães,
Sineide Andrade Corrêa Lima, Maria Luiza de Castro Rachid, Renato Soares Dias,
Alfredo Ambrósio Neto, Aurival Jorge Parduil Silva, Bernardo José Bettini Yarzon,
Maria das Graças Nunes Lobato, Jorge Eudes do Lago, Asiel Henrique de Souza,
Fernando José Abritta, Paulo da Mota Machado Júnior, José Humberto Lordello dos
S. Souza, Gisela Ladeira Bizarra e Alexandre Duarte Lacerda.
Eleita a mesa para presidir os trabalhos, composta por José Gomes de
Matos Filho (presidente), Aurival Jorge Pardauil Silva e Renato Soares Dias (secretá-
rios), aprova-se o Estatuto Social e aclama-se, a seguir, as chapas compostas para a
V1992: Associação Nacionaldos Advogados da Caixa
Econômica Federal (Advocef)
136
primeira Diretoria e seus conselhos. José Gomes de Matos Filho, presidente; José
Humberto Lordello dos Santos, vice-presidente; Jorge Eudes do Lago, primeiro se-
cretário; Asiel Henrique de Souza, segundo secretário; Gisela Ladeira Bizarra, pri-
meira tesoureira; Mário Luiz Machado, segundo tesoureiro. Além dos componen-
tes das diretorias regionais: Paulo Eduardo Cabral Furtado, norte; Cláudio Vinícius
Santa Rosa Castim, nordeste; Aurival Jorge Pardauil Silva, sudeste; Bernardo José
Bettini Yarzon, centro-oeste; Renato Soares Dias, sul. Para o Conselho Deliberativo,
são escolhidos: Davi Duarte, presidente; Lídia Gomes Magalhães, Ricardo Siqueira,
Maria Luiza Castro Rachid, Alfredo Ambrósio Neto. Para o Conselho Fiscal: Hermes
Donizetti Marinelli, Oscar Acco e Fernando José Abritta.
Nasce a Advocef
Nascida a Advocef e suspensa a importante assembleia, para ser continua-
da no dia seguinte, os advogados saem do hotel, presenciam e participam das ma-
nifestações brasilienses. O fato desencadeador do que acontece nesse domingo, tam-
bém conhecido como dia do luto nacional, é o pedido de Collor, dirigido durante a
semana, aos estudantes brasileiros – os caras-pintadas – para que saiam às ruas em
sinal de apoio ao seu governo.
Em Brasília, advogados da Caixa participam das manifestações dodia 15 de agosto de 1992, depois de fundar a Advocef
137
Retomada a assembleia na segunda-feira, o presidente José Gomes de
Matos Filho dirige algumas palavras aos associados. Congratulando-se com a nova
entidade, José Gomes conclama os colegas a perseguirem os objetivos associativos, a
busca da integração de todos os advogados da Caixa Econômica Federal, no seio de uma
única comunidade, conforme está na ata de fundação.
A ideia de formar uma associação dos advogados da Caixa Econômica
Federal surgira em dezembro de 1991, durante a realização, em São Paulo, do curso
de Atualização em Direito Civil-Comercial e em Processo Civil-Trabalhista. Na oca-
sião, quando os advogados examinam a possibilidade de criar uma associação, o
juiz Antonio Carlos Marcato, professor do curso, incentiva-os à formação da enti-
dade, lembrando que esta seria o meio para levar adiante as reivindicações da cate-
goria na Caixa Econômica Federal. Terminado o curso, a ideia cria força entre os
advogados do Paraná. Durante meses, eles se mantêm em contato telefônico, sobre-
tudo as lideranças que se encarregam de transmitir às unidades jurídicas da Caixa
Econômica as propostas e a minuta do Estatuto Social. Em poucos meses, o movi-
mento se fortalece com as sugestões vindas de diversos pontos do país. Tornando-
se uma realidade em 15 de agosto, as ações começam a definir-se em razão dos
objetivos escritos no Estatuto Social, o norte e a força da Advocef:
a) congregar os advogados do quadro de profissionais da Caixa EconômicaFederal em todo o território nacional;b) promover a integração desses profissionais na discussão dos problemas es-pecíficos da categoria, na busca de opções que viabilizem a otimização dosrecursos disponíveis e a criação de condições outras que resultem em aprimo-ramento dos trabalhos executados;c) incrementar a realização de conferências, palestras, cursos, simpósios, se-minários e outros, objetivando a reciclagem e/ou aprimoramento intelectualdos seus associados;d) coordenar a discussão, dar encaminhamento e acompanhar o trâmite dasreivindicações da categoria junto às autoridades competentes;e) representar os seus associados em qualquer instância, foro ou tribunal, e,ainda, perante a Administração da CEF;f) pugnar pelos interesses de seus associados, especialmente, pela melhoria dascondições de trabalho;g) lutar pela permanente valorização do advogado;h) apresentar moções de apoio em defesa da CEF e/ou de seus interesses.Parágrafo único: É expressamente vedada qualquer vinculação político-parti-dária e religiosa da entidade.
138
A adesão à Advocef
O objetivo de congregar e integrar nacionalmente os advogados visa à defe-
sa dos direitos e interesses da categoria, especialmente a melhoria das condições de
trabalho. No cenário em que os destinos da instituição, as notícias de terceirização
do Jurídico e a crescente informatização da Caixa traziam uma expectativa de mu-
danças pouco favoráveis à atuação futura dos advogados, a adesão inicial da cate-
goria contribui fortemente para a solidez da Advocef.
De fato, a construção dos laços associativos nas unidades jurídicas da Caixa
Econômica Federal, com a arregimentação dos advogados interessados na Advocef,
torna-se uma tarefa importante. Em poucos meses, mais de 60% dos advogados de
todas as regiões do Brasil associam-se à entidade, embora a meta seja atingir a tota-
lidade dos profissionais da área. Ao completar um ano de atividades, o primeiro
número do Jornal da Advocef, de setembro de 1993, registra: É certo que do trabalho
desenvolvido pela entidade frutificará, em prazo mais curto do que se imagina, uma
representatividade forte e coesa em torno dos ideais associativos da categoria. Cabe ao colega
já associado à Advocef disseminar entre os não associados as vantagens de uma entidade forte
e representativa, cujo princípio maior será sempre o de lutar pela valorização do advogado e
defesa da CEF. Mãos à obra, portanto! 1.
Instalada em Brasília, a Advocef dispõe da infraestrutura necessária ao
atendimento dos associados. Algumas conquistas favoráveis ao bom desempe-
nho profissional da categoria são logo registradas: acompanhamento do novo Plano
de Cargos e Salários; reivindicação em favor dos colegas aposentados junto à
Funcef; luta contra a discriminação imposta aos advogados quanto à avaliação do
desempenho, com apoio do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB); efetiva assistência aos colegas junto à administração da Caixa; acom-
panhamento de projetos de lei de interesse da Caixa e de seus advogados; publi-
cação do estatuto da Advocef, mediante patrocínio; publicação de notas em jor-
nais apoiando medidas positivas da Presidência da Caixa, em caso de apuração
de irregularidades; e implantação do desconto das mensalidades em folha de pa-
gamento.
1 Jornal da Advocef, setembro de 1993, ano 1, nº 1, p. 1.
139
O segundo número do Jornal da Advocef, de outubro de 1993, traz anexado
um minucioso questionário para o registro das propostas, sugestões e críticas dos
advogados à atuação da Caixa Econômica Federal. Encaminhada aos associados e
não associados da Advocef, a pesquisa pretende reunir dados sobre os “anseios
da maioria”, capazes de indicar um caminho para os futuros trabalhos da asso-
ciação. No número seguinte, Renato Soares Dias é entrevistado. Depois de relatar
os momentos da criação e retomar os objetivos da entidade, demonstra forte con-
fiança no trabalho de escuta que está sendo realizado: Aguardamos com muita an-
siedade a chegada dos mencionados questionários devidamente respondidos para podermos
iniciar o trabalho de compilação das respostas consignadas, o que possibilitará que tenha-
mos a única radiografia sobre todas as unidades jurídicas da CEF. Ele encerra a entrevis-
ta com proposta de meditação sobre um pensamento de Miguel de Cervantes:
“Quem perde seus bens, perde muito; quem perde um amigo, perde mais. Mas quem perde
a coragem, perde tudo.”2
Com o afastamento de Fernando Collor e a posse do vice-presidente Itamar
Franco, Danilo de Castro é empossado na Presidência da Caixa Econômica Federal
em 19 de outubro de 1992. Economiário há 25 anos, Danilo de Castro tem como
proposta recuperar, revitalizar e tornar a Caixa o braço financeiro da política social
do governo federal. Conforme suas palavras, pretende trabalhar para uma Caixa
mais proativa, mais planejada, mais ousada e dedicada ao atendimento especializado de toda
a clientela.3
Em julho de 1993, o Jornal da Caixa volta à circulação, depois da ausência
dos dois últimos anos. Declarando-se aberto às sugestões, retorna com a proposta
de ser útil ao processo, não para ser instrumento particular de alguma coisa ou de alguém. O
compromisso que firmamos com você é o de ter sempre “A Caixa em primeiro lugar”.4 O
jornal revela que as publicações dos balanços da Caixa nos prazos devidos estão
atrasadas. O balanço de 1991 é publicado no final de 1992, e deste ano só em agosto
de 1993.
2 Jornal da Advocef, novembro/dezembro de 1993, ano 1, nº 2, p. 3.3 “Caixa tem presidente da casa”. Informativo Urgente da Assessoria de Comunicação Social. Brasília,
outubro de 1992, vol. VI, nº 29.4 Jornal da Caixa, julho de 1993, ano 16, nº 1, p. 2.
140
Afirmando melhores resultados no primeiro trimestre do ano, Danilo de
Castro declara que a Caixa está recebendo recursos do Fundo de Desenvolvimen-
to Social. Acrescenta que diversas campanhas sociais estão sendo planejadas para
colocar a Caixa na mídia, enquanto os diretores das áreas trabalham para definir
as suas linhas de ação. O soerguimento da Caixa Econômica Federal depende de
completa modernização operacional e tecnológica. O atendimento dos progra-
mas administrados pela instituição, especialmente o FGTS e o SFH, bem como a
dinamização da área comercial bancária, exige concentração de esforços e inves-
timentos na área de informática.5 O FGTS conta com um cadastro superior a
100 milhões de contas; o SFH tem mais de 1,6 milhão de mutuários; e os bancos,
acima de 20 milhões de clientes.
Jornal da Caixa, julho de 1993, ano 16, n º 1, p. 3
5 Jornal da Caixa, julho de 1993, ano 16, nº 1.
141
Implementação do Plano Real
Em 1993, o presidente Itamar Franco anuncia, através do ministro da
Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, as medidas do Plano Real: defesa da parida-
de monetária entre o real e o dólar, por meio da intervenção governamental; eleva-
ção das taxas de juros e adoção de política de incentivo ao processo de importação
de produtos e de tecnologia. Preveem-se três fases para a implantação do plano:
1) Programa de Ação Imediata (1993); 2) criação da Unidade Real de Valor (URV);
e 3) implementação da nova moeda, o real (1994).
Com a implantação da terceira
fase do Plano Real, em julho de 1994,
3,5 bilhões de cédulas e moedas do cru-
zeiro real são retiradas de circulação e
substituídas por 1,3 bilhão de cédulas
e 900 milhões de moedas do real, con-
forme dados do Banco Central. A que-
da da inflação e a estabilidade da eco-
nomia brasileira geram um alto índice
de aceitação do governo de Itamar
Franco.
Além de não trazer nenhuma
medida de surpresa, o plano consegue
combater a inflação dos últimos 30 anos,
permitindo o aumento do consumo,
mas, sobretudo, a tranquilidade da po-
pulação que agora pode planejar seus
gastos, economias e investimentos. São
fortes razões para eleger, em 1994,
Fernando Henrique Cardoso, ministro
da Fazenda responsável pelo Plano Real,
à Presidência da República, no primei-
ro turno, com mais de 50% dos votos
válidos.
Jornal da Caixa,abril de 1994,ano 17, nº 10
Jornal da Caixa,junho de 1994,ano 17, nº 12
142
A execução do plano vem acompanhada de importantes conquistas no
setor energético, quando a produção de petróleo quase duplica com o amadure-
cimento das tecnologias de extração em águas profundas, desenvolvidas na dé-
cada anterior pela Petrobras, na Bacia de Campos. Esse fato colabora para a
diminuição das importações e permite o aumento do consumo energético do
setor industrial.
O Brasil transforma-se em um mercado dinâmico e atraente para os investi-
dores. Em 1996, com uma população de 156 milhões de habitantes, tem um promis-
sor mercado consumidor, considerando-se que 45% da população tem menos de 20
anos, e as principais áreas urbanas do país são cidades ativas, diversificadas e de
grande atividade comercial. Algumas dificuldades começam a ser superadas com o
aumento do poder aquisitivo da população.
O momento é de decisões importantes. Na pauta das discussões, estão as
privatizações. Fala-se em diminuir o peso do Estado e em privatizar empresas esta-
tais. Em algum momento, acredita-se que a Caixa Econômica Federal é uma dessas
empresas, cujos prejuízos adquiridos com as políticas desfavoráveis à sua saúde
financeira são razões fortes para a sua privatização. Há também rumores de
terceirização do Jurídico da Caixa.
Em 1993, o presidente da Advocef enviara ao consultor jurídico da institui-
ção um ofício cumprimentando-o pela correspondência dirigida ao presidente da
Caixa Econômica Federal, em que ele revela a sua posição contrária à terceirização
dos serviços jurídicos propostos pela Federação Nacional das Associações dos
Gestores da Caixa Econômica Federal (Fenag). Evilásio Jesus de Araújo, economiário
e advogado, entrevistado pelo Jornal da Advocef, afirma que a história patenteia que
a Caixa Econômica Federal é uma instituição cuja existência precede aos conflitos ideoló-
gicos deste século turbulento, enfatizando: Pudesse a Caixa Econômica Federal livremente
cumprir sua nobre missão social e competir dinamicamente através de seu importante vetor
comercial, a nossa situação seria outra.6
Com a mesma preocupação, no ano seguinte, Cláudio Vinícius Santa Rosa
Castim, considerando as atividades dos advogados e a necessidade de fortaleci-
mento da categoria, afirma: O advogado hodierno vive um momento de instabilidade
6 Jornal da Advocef, outubro de 1993, ano I, nº 2, p. 6-7.
143
intensa, seja em face das transformações sociais, econômicas e políticas ou pela força sur-
preendente dos avanços científicos e tecnológicos. Assim sendo, ele não deve abrir mão de
suas conquistas.7 No ambiente de insegurança vivido na instituição, Gilberto
Augusto Monteiro Chaves, superintendente regional do Pará, lembra que na
Caixa Econômica Federal todos são interdependentes e devem ter uma clara visão
dos objetivos da Caixa Econômica Federal, os quais só podem ser perseguidos e alcança-
dos com a união de todos. É necessário, assim, termos harmonia para o nosso permanen-
te fortalecimento como entidade. É nisso que devemos pensar, afirma em entrevista.8
Jornal da Caixa, outubro de 1994, ano 17, nº 16
Em abril de 1994, assume o novo presidente da Caixa Econômica Federal,
José Fernando de Almeida. Sua gestão registra a implantação do Programa
Qualidade Caixa, além da intenção de trabalhar em prol do saneamento da empre-
sa, do aperfeiçoamento dos seus executivos e da maior participação junto aos elos
7 Jornal da Advocef, janeiro/fevereiro de 1994, ano 1, nº 4, p. 3.8 Jornal da Advocef, março/abril de 1994, ano 1, nº 5, p. 6.
144
institucionais do governo. No mês seguinte, a Coordenadoria Jurídica reúne-se com
o Departamento de Cobrança e com a Coordenadoria de Marketing e Planejamento
Estratégico, em Brasília, para estudar, com os departamentos jurídicos regionais, as
melhores maneiras de agilizar os processos de recuperação dos créditos pendentes.
Na abertura do encontro, José Fernando de Almeida destaca a importância do Jurí-
dico para a revitalização da Caixa, no momento em que os executivos discutem
priorizar as ações estratégicas.
As conquistas do Plano Real não são favoráveis ao setor bancário, que sofre
perdas com a ausência da inflação, aparecendo problemas de falta de liquidez em
bancos públicos e privados. Como solução, a Caixa Econômica Federal prevê a ado-
ção de medidas para redução de custos, mediante o sistema de controle de custos e
receitas semelhante aos usados nas empresas privadas.
Plano de Racionalização e Competitividade (PRC)
Em fevereiro de 1995, Sérgio Cutolo assume a presidência da Caixa. Em
abril, divulga o ambicioso Plano de Racionalização e Competitividade (PRC), cuja
meta, determinada pelo governo federal, é a redução de 15% dos custos operacionais
da Caixa até o final do ano. Três segmentos operacionais são definidos: 1) serviços
Jornal da Caixa, janeiro de 1994, ano 17, nº 7
145
financeiros (operações bancárias); 2) desenvolvimento urbano (habitação, sanea-
mento ambiental e infraestrutura); e 3) transferência de benefícios (serviços delega-
dos pelo governo federal na área social).
Extintas as superintendências regionais, elas são substituídas por escritó-
rios de negócios. São 84 unidades gerenciais menores, localizadas em cidades polos
regionais, para coordenar o trabalho das agências na realização de operações ban-
cárias, financiamentos e repasses de recursos públicos de interesse da comunida-
de regional. O modelo de gestão adotado, afirma Getúlio Borges da Silva, aproxi-
ma-se ainda mais das diretrizes fixadas no Decreto-Lei 759, centralizando o planejamento
estratégico e descentralizando as operações bancárias e serviços delegados pelo governo
federal.9
O PRC foi elaborado com vista a aumentar a competitividade da Empresa, reduzir
custos, racionalizar a estrutura organizacional, privilegiar as atividades voltadas para o
negócio, ampliar o mercado e melhorar o atendimento à clientela. A reforma administrativa
vem sendo efetuada de baixo para cima, ou seja, dos Pontos de Venda em direção à Matriz,
buscando-se ajustar a realidade da Empresa ao nosso mercado. Após a primeira etapa, serão
elaborados os modelos das áreas logísticas (financeira, recursos humanos, sistemas) e técni-
cas (jurídica e engenharia) A terceira etapa será a reestruturação da Matriz, afirma Sérgio
Cutolo, em entrevista ao Jornal da Caixa.10
Trazendo nova estrutura administrativa, o PRC divide a administração da
Caixa em áreas: Negócios; Logística e Assessoramento Estratégico (Controladoria,
Desenvolvimento Empresarial, Comunicação Social, Jurídico e Secretaria Executiva).
Nessa perspectiva, o Jurídico perde a sua função de consultoria, existente desde os
anos 1940, tornando-se um setor de assessoramento e de apoio, sem vínculos com o
processo administrativo, a não ser o de “prestar serviços na área jurídica”, confor-
me está escrito no Jornal da Caixa. Na definição do PRC, o papel do Jurídico da Caixa
Econômica Federal é viabilizar soluções no campo legal para as atividades necessárias à
Caixa, bem como defendê-la, juridicamente, nos órgãos competentes. Esse processo prevê
uma atuação como prestador de serviços nas atividades consultivas e/ou contenciosas, nas
áreas cível, penal e trabalhista, no âmbito interno e/ou externo.11
9 SILVA, Getúlio Borges da, op. cit, p. 172-173.10 Jornal da Caixa, abril/maio de 1995, ano 18, nº 21, p. 3.11 Jornal da Caixa, setembro de 1998, ano 21, nº 2, p. 2.
146
Advocef fortalece o Jurídico da Caixa
Ao cumprir o mandato de dois anos, a primeira Diretoria da Advocef con-
voca os associados para as eleições em agosto de 1994, em Brasília. Na ocasião, o
presidente, José Gomes de Matos Filho, avalia os dois anos de atuação da associa-
ção, afirmando que ela é uma realidade, resultante da vontade, da adesão e de mui-
to trabalho: Creio que estamos ajudando a fortalecer a categoria de advogados da Caixa
Econômica Federal, e nada é mais honroso do que se trabalhar pela coletividade. As madruga-
das perdidas, as horas de lazer e de convívio familiar suprimidas, até mesmo as intolerâncias
de alguns poucos são recompensadas indubitavelmente pela certeza que a Advocef está cum-
prindo com muita dignidade o papel que lhe foi destinado.
Além da criação e manutenção do jornal, continua José Gomes, a entidade
está estruturada e com saldo financeiro favorável. A marcante presença nos mo-
mentos em que os colegas necessitaram da associação; a luta e o destemor na defesa
dos direitos dos advogados; o diálogo seguro com a cúpula dirigente da Caixa; a
informatização dos procedimentos administrativos da Advocef; e a implantação do
sistema de consultas jurídicas via Rempac/Embratel são conquistas importantes.
Contudo, a expressão maior do mandato, com certeza, foi a coragem de implantarmos uma
entidade nova, num ambiente nem sempre favorável à luta de classe, cujos efeitos vão se
sentir ao longo do tempo. Quem duvidar verá.12
Para o próximo biênio, são eleitos Asiel Henrique de Souza, presidente, e
Alberto Cavalcante Braga, vice-presidente. Com a renúncia do presidente eleito,
que se torna juiz de direito no Distrito Federal, Alberto Braga assume a presidência
em janeiro de 1995. A Diretoria tem como compromisso continuar os trabalhos de
defesa dos interesses da categoria e de solidificação da associação.
Em 1994, com a entrada em vigor da Lei 8.906, que regulamenta o direito à
percepção dos honorários de sucumbência pelos advogados, em especial dos em-
pregados, as reivindicações da Advocef ganham forte sustentação. A partir de en-
tão, a entidade pode assumir a responsabilidade e a atribuição de promover a arre-
cadação e o repasse dos honorários advocatícios aos advogados do quadro jurídico
da Caixa. Iniciam-se reuniões para tratar das melhores maneiras de levar adiante o
papel da associação.
12 Jornal da Advocef, maio/junho/julho de1994, ano 1, nº 6, p.3.
147
Jornal da Advocef,setembro de 1993,ano I, nº 1
Jornal da Advocef,novembro/dezembro de1993, ano I, nº 3
Jornal da Advocef,outubro de 1993,ano I, nº 2
Jornal da Advocef,janeiro/fevereirode 1994, ano I,nº 4
148
Entre 19 e 21 de abril de 1995, realiza-se o I Congresso da Advocef em Brasília.
Considerado um marco histórico na definição dos rumos da entidade, o encontro
tem a participação de associados das diversas regiões do país. Firma-se a tradição
de valorizar nos encontros o fórum de debates, as deliberações em grupo, o inter-
câmbio de informações e as indispensáveis celebrações. Davi Duarte afirma que o
I Congresso é o marco da atuação organizada, o momento em que são traçadas as
linhas mestras da administração, calcada na ética, na defesa intransigente do patrimônio
público e no interesse dos associados, de sorte a ser um guia permanente (...). Essas linhas
mestras são escritas e publicadas ainda nesse ano.13
O II Congresso Nacional da Advocef acontece em
Curitiba, entre 28 e 31 de março de 1996. A autonomia dos
advogados e a clara definição sobre a conquista dos honorári-
os de sucumbência, referentes ao novo Estatuto do Advogado,
à jornada de trabalho e às horas extras e medidas administra-
tivas da Advocef, são os principais temas do encontro. Elege-
se a nova Diretoria: Davi Duarte, presidente; Darli Bertazzoni
Barbosa, vice-presidente; bem como o Conselho Deliberativo
e o Fiscal. Com a eleição de Davi Duarte, a sede da Advocef é
transferida para Porto Alegre.
Na despedida, Alberto Cavalcante Braga faz uma sínte-
se da sua gestão, ressaltando as dificuldades enfrentadas e os es-
forços de superação. Especialmente no que diz respeito aos con-
flitos gerados com a aprovação do Estatuto do Advogado e com
as alterações dela decorrentes nas relações de trabalho da Caixa
com os advogados, sobretudo, às questões ligadas à independên-
cia profissional e à isenção técnica.14 Em entrevista, perguntado sobre a terceirização
no setor jurídico, Alberto Braga afirma: A terceirização é inevitável, mas não é a panacéia
para os problemas da área jurídica. O quadro está muito defasado e a terceirização desafoga
pouco o setor, além de considerarmos que se trata de um processo lento.15
13 Boletim da Advocef, junho/julho de 2004, nº 18, p. 11.14 Segunda edição do Boletim Informativo. II Congresso dos Advogados da Caixa Econômica Fede-
ral, março de 1996, p. 1.15 Boletim Informativo. II Congresso dos Advogados da Caixa Econômica Federal, março de 1996, p. 3.
II Comgresso Nacional daAdvocef, Coritiba, 28 a 31de março de 1996
149
Davi Duarte, eleito para o novo mandato, afirma que pretende manter a cate-
goria unida, cumprir as deliberações do Congresso, promover ampla divulgação do
movimento financeiro da associação e manter o contato com os associados através de
um periódico. Concluindo: O mais importante agora é retomarmos a idéia de cooperação da
categoria para as coisas comuns, pois só unidos conquistaremos nossas reivindicações.16
Nos meses seguintes, após as importantes discussões sobre a maneira de
encaminhar as negociações com a Caixa, relativas à situação em que se encontram
os advogados, a Advocef envia uma correspondência ao presidente Sérgio Cutolo.
Nessa, alerta sobre a crescente preocupação com as condições de atuação da área
jurídica, em que o grande volume de trabalho depende de um número cada vez
mais reduzido de pessoal. Há mais de 350 mil processos, dos quais 90% são de ações
contra a Caixa, situação em que os advogados lutam pela redução dos valores de indeniza-
ções. O restante são execuções, além da advocacia administrativa. Além do exame das
peculiaridades do setor, o ofício encaminhado pela Advocef traz mapas e gráficos
que confirmam a desproporção entre a composição do corpo jurídico e o volume
de atividades necessárias para o andamento do setor.17
Nesse ano, com a assinatura do primeiro acordo entre a Caixa Econômica
Federal e seus advogados, relativo aos honorários de sucumbência, previstos pela
Lei 8.906, a Advocef passa a desempenhar o papel de entidade mediadora. Como
forma de iniciar-se na produção e divulgação de conhecimentos sobre a área, a
partir desse número, o Jornal da Advocef traz encartado o Suplemento Jurisprudência.
Francisco Spisla escreve em setembro de 1997: Nosso futuro como profissionais
na empresa apresenta-se nebuloso, o que, ao invés de sugerir desespero e insegurança, aumen-
ta a força da nossa união. E para que essa mesma união tenha a sua chama sempre alimenta-
da, necessita ela do combustível que é a solidariedade. É esta idéia que deve estar sempre
presente em nossos corações em quaisquer de nossos relacionamentos profissionais e que,
aliás, foi a determinante na criação da Advocef. Somente dessa maneira teremos força, não
para impor, porque é um fato, mas para aclarar a todos o importante papel que desempenha-
mos e que vem sendo sistemática e intencionalmente esquecido.18
16 Boletim Informativo. II Congresso dos Advogados da Caixa Econômica Federal, março de 1996.17 Jornal da Advocef, julho de 1997, ano V, nº 7.18 SPISLA, Francisco. “União e solidariedade” (editorial). Jornal da Advocef, setembro de 1997, ano
VI, nº 9, p. 2.
150
Entre 24 e 26 de outubro de 1997, acontece o III Congresso
Nacional da Advocef em São Paulo. Cumprindo mais uma meta
da gestão de Davi Duarte e Darli Barbosa, o evento promove pa-
lestras, debates sobre os problemas da área jurídica e delibera-
ções a respeito da situação da categoria no Brasil. Considerado
um evento significativo, conta com a participação de Ricardo
Armando Cunha Aguiar, da Gerência da Área Jurídica (Geaju),
que faz uma palestra sobre as unidades jurídicas da Caixa e os
seus advogados. No encerramento das atividades, os advogados
da Caixa votam uma pauta de reivindicações. Ao fazer um balan-
ço do ano de 1997, Davi Duarte destaca a colaboração dos asso-
ciados, pois ela possibilitou a execução das tarefas cotidianas de
uma associação, sem maiores percalços, em clima de serenidade.
Merece destaque a Área Financeira da Advocef que, além do trabalho
concernente ao rateio de honorários, deixou a contabilidade preparada
para receber o crivo do Conselho Fiscal.19
Em dezembro desse ano, aprova-se a criação da Consultoria Jurídica (Cojur)
e redefine-se a competência da Geaju na Caixa Econômica Federal. Essa alteração
não afeta as Centrais de Logística Jurídica (Cejurs), existentes nos estados. Na nova
dinâmica, à Cojur estão afetas as atividades de assessoramento jurídico ao presi-
dente e aos diretores da Caixa; à Geaju, as competências clássicas de um serviço
jurídico com supervisão sobre atividades em nível nacional, desenvolvendo ações
nas áreas consultivas, contenciosa e de contratos.
São tempos também de novos desafios. Avolumam-se os financiamentos
para a aquisição, construção, reforma ou ampliação de imóvel residencial, destina-
dos à classe média, com menor custo financeiro, assim como de racionalização do
pagamento do FGTS e do seguro-desemprego. A denominação usual de Caixa
Econômica Federal é alterada para Caixa (1997). Com a mudança do conceito e da
concepção visual, as agências, os impressos e o material de divulgação passam por
nova padronização, ao mesmo tempo em que se inova a área de informática, provo-
cando uma verdadeira revolução nos procedimentos.
19 Jornal da Advocef, dezembro de 1997, ano VI, nº 11.
Jornal da Advocef,outubro de 1997,ano VI, nº 10
151
Em janeiro de 1998, representantes da Advocef viajam a
Brasília, levando temas decisivos para serem tratados com a dire-
ção da Caixa, relativos ao próximo acordo coletivo, tais como a en-
trega da pauta de reivindicações do III Congresso; indicação de re-
presentantes; e avaliação dos efeitos negativos para a própria insti-
tuição do não cumprimento do acordo sobre os honorários de
sucumbência, celebrado em 1997.
O IV Congresso Nacional da Advocef acontece entre 11 e
14 de junho de 1998. Realizado em Recife, conta com a participa-
ção de autoridades locais e forte adesão dos associados. Dalide
Corrêa, gerente da área jurídica da Caixa, e Everaldo de Andrade
são os palestrantes. Ao final, formam-se comissões para elaborar
sugestões com vistas à melhoria do setor e à tributação incidente
sobre honorários advocatícios.
O mês de junho de 1998 ficará na história da Advocef, afirma
Davi Duarte. Forte lembrança em razão do bem-sucedido con-
gresso, do andamento das negociações coletivas com a Caixa –
que reluta em não cumprir a lei, embora os advogados tivessem concor-
dado em receber apenas 25% dos direitos totais que a norma assegura – e
da realização das eleições que movimentam todas as regiões do
Brasil. A par desses temas, a administração da Associação é desenvolvida
com sobriedade e respeito aos nossos associados, na exata medida em que
as decisões tomadas nas reuniões e assembléias são fielmente cumpridas.
Como proposta final, vamos integrar os advogados aposentados na ordem
do dia de nossa Advocef, além de vislumbrarmos diversas Comissões Per-
manentes, destinadas a intensificar o relacionamento nas mais diversas
áreas. É a Advocef a caminho do sexto aniversário, com independência e
certeza de propósitos realizáveis.20
Apesar dos esforços empreendidos, o acordo coletivo,
negociado em 26 de junho, termina em rejeição, pela categoria, da
proposta patronal de renovação do Acordo Coletivo de Trabalho,
20 Jornal da Advocef, junho de 1998, ano VII, nº 15.
Jornal da Advocef, janeiro de 1998,ano VII, nº 12
Jornal da Advocef, junho de 1998,ano VII, nº 15
152
considerando que não são atendidos, minimamente, os preceitos da Lei 8.906/94.
Elege-se a nova Diretoria para o biênio 1998-2000, formada por Luís Fernando Miguel,
presidente, e Sandra Garret R. Siqueira, vice-presidente. Sediada em Porto Alegre,
desde a gestão anterior, a Advocef procura congregar colegas das diversas regiões
do Brasil. Em razão das distâncias, a intenção é aumentar os contatos através de
linha telefônica direta e da otimização dos recursos da rede eletrônica.
Entre 4 e 7 de setembro de 1999 acontece o V Congresso Nacional da Advocef,
em Salvador. Marcelo Oliveira Salles e José Carlos Izidro, indicado pela Geaju, são
os palestrantes do encontro. A Comissão de Negociação dos Advogados faz um
relato dos eventos que culminaram com a proposta enviada pela Caixa em 10 de
agosto. Após esclarecimentos, discutidas e votadas as proposições da categoria a
partir da rejeição, a Assembleia deliberou pelo retorno da Comissão dos Advogados
à mesa de negociações somente na hipótese de a Caixa apresentar a minuta de pro-
posta a ser avaliada, contanto que a mesma contemple, no mínimo, o patamar do
acordo coletivo anteriormente celebrado. Também aprova-se a moção dirigida à
Caixa com reivindicação da realização de concurso público para provimento de
vagas para advogados. Algumas alterações no Regulamento de Honorários de
Sucumbência também são temas do congresso.
Luís Fernando Miguel e Darli Barbosa são reeleitos para o biênio 2000-2002.
Entre 12 e 15 de outubro de 2000, realiza-se o VI Congresso da Advocef, em
Florianópolis, reunindo dezenas de advogados. Mais uma vez, eles se dedicam às
questões importantes da categoria. A partir desse encontro, divulga-se a sugestão
de que os advogados da Caixa proponham ações judiciais para o cumprimento da
Lei 8.906. A deliberação de combater a terceirização do Jurídico e a promoção de
ações de aproximação das demais entidades dessa categoria profissional são tam-
bém ações resultantes do congresso.
Em 2001, o Jornal da Advocef passa a circular com o nome de Boletim da Advocef
e a página na internet recebe uma reestruturação. Com essas iniciativas, volta-se ao
esforço de melhorar a comunicação entre os associados. O objetivo é conhecer as
questões de interesse do grupo, promover o debate e reforçar o sentimento de força e
unidade, sempre experimentado nos congressos. O boletim também informa que a
Advocef, em conformidade com a deliberação do VI Congresso, irá emitir um ma-
nual de procedimentos para uniformizar a fiscalização e a cobrança dos honorários
153
advocatícios.21 Nesse mesmo ano, acontece uma reestruturação da área jurídica,
atingindo basicamente a Gerência Nacional de Atendimento Jurídico (Geaju) e a
Gerência Nacional de Administração e Controle da Rede Jurídica (Gerid). O propó-
sito é centralizar na matriz toda a atividade consultiva jurídica e terceirizar o máxi-
mo possível o contencioso.
Em novembro de 2001, o anúncio da assinatura do acordo entre a Caixa e a
Advocef representa uma vitória do diálogo, pondo fim à ação de cumprimento
movida pela associação. Ficam estabelecidas as premissas a partir das quais serão
tratadas as relações entre empregado e empregador. A Advocef, representante legí-
tima dos advogados da Caixa, é a administradora do fundo comum dos honorários,
conforme o regulamento. A decisão acata o reconhecimento judicial do Tribunal
Regional do Trabalho de Brasília e acaba com a pretendida isenção indiscriminada
para pagamento dos honorários advocatícios.22
Brasília sedia o VII Congresso Nacional da Advocef entre 18 e 21 de outubro
de 2001. Mais uma vez, na pauta principal da reunião congressual, estão as ques-
tões relativas às relações entre os advogados e a Caixa. Com a
redução dos pontos de atrito, depois do Acordo de 2001, a
Advocef poderá abrir novas frentes de ação. Os objetivos traça-
dos nos estatutos são retomados. Acredita-se que a entidade deva
aprofundar as discussões de natureza profissional e técnica, sem
se afastar das lutas históricas. Entre as deliberações do Congresso,
consta a criação de cursos de formação e de aperfeiçoamento
para os advogados. Esse é também o ano do aparecimento do
encarte Juris Tatum, no Boletim da Advocef. Francisco Xavier da
Silva Guimarães, ex-advogado da Caixa e assessor jurídico da
Corregedoria-Geral da Advocacia-Geral da União, assina o tex-
to “O exercício da advocacia na Caixa”.23
Em 2002, quando a Advocef comemora o seu décimo
aniversário, o presidente Luís Fernando Miguel despede-se, afir-
mando que as duas últimas gestões têm a marca da turbulência,
21 Boletim da Advocef, outubro/novembro de 2001, nº 1.22 Boletim da Advocef, dezembro de 2001 e janeiro de 2002.23 Boletim da Advocef, dezembro de 2001 e janeiro de 2002, p. 5.
Encarte do Boletim da Advocef,dezembro de 2001 e janeiro de 2002,nº 2
154
mas também de algumas conquistas. Na sua avaliação, o abandono pela Caixa da idéia
de terceirização da Área Jurídica é uma delas. A consequente instituição do concurso público
e o acordo assinado em 2001 são outras.24 Em agosto, a Diretoria eleita para o biênio
2002-2004 toma posse: Darli Barbosa, presidente, e Sandra Rosa Bustelli Jesion, vice-
presidente. A sede é transferida de Porto Alegre para Londrina, até 2004.
A Caixa na passagem para o século XXI
Enquanto a Advocef luta para definir o cumprimento da Lei 8.906 e para
evitar a terceirização do setor, a Caixa Econômica Federal continua empenhada na
difícil tarefa de equacionar as suas funções de banco social e comercial, decorrentes
de sua natureza jurídica de empresa pública. Em 1998, é implantado um sistema
denominado rede de processos. O modelo conceitual básico prevê a formação de
uma rede de fornecedores (e insumos), de processos e produtos (bem físico, serviço
e informação) para alcançar o objetivo que é o atendimento ao cliente.
Na prática, a rede de processos traz um modelo de gerenciamento por resulta-
dos, em que cada negócio (ou processo) terá um único gestor, ao qual caberá alavancar os
resultados, orientado por indicadores de performance claros e precisos, voltados para mensurar
a satisfação dos clientes internos ou externos (eficácia) e a eficiência das atividades executadas.25
A rede de processos altera mais uma vez o cotidiano da instituição e traz algumas
incertezas para o Jurídico. O processo de enxugamento e de realocação dos funcioná-
rios atinge os advogados. Como consequência, muitos profissionais decidem prepa-
rar-se para concursos ou outras carreiras, perdendo a Caixa alguns dos seus profis-
sionais.
Quando Fernando Henrique Cardoso inicia o seu segundo mandato, em 1999,
Sérgio Cutolo deixa a Caixa. Eduardo Bueno afirma que a gestão de Sérgio Cutolo na
presidência da Caixa Econômica Federal caracterizou-se não apenas por reformas estruturais,
como o enxugamento do quadro de pessoal, ou pelas quedas-de-braço políticas que teve que
travar em decorrência dessa mesma medida, como também pela bem-sucedida mudança de
imagem.26
25 “Caixa implanta rede de processos”. Jornal da Caixa. Edição extra, setembro de 1998, nº 2, ano 21,p. 1.
26 BUENO, op. cit., p. 164.
155
Em fevereiro de 1999, assume Emílio Carazzai, administrador de empresas,
mestre em administração bancária e finanças, que promete manter e melhorar as
mudanças do seu antecessor. Os financiamentos para habitação são ampliados. Cria-
se a Poupança Azul e o Centro de Informação e Documentação da Caixa. Em razão
da ampliação dos recursos de informática, em junho de 1999, o Jurídico anuncia
que todos os funcionários poderão ter acesso às informações processuais cadastra-
das no banco de dados do Sistema Jurídico (Sijur). Trata-se de um aplicativo que
proporciona resposta imediata às dúvidas sobre o andamento dos processos. Com
a implementação do projeto, a Gerência Jurídica pretende aprimorar o trabalho das
áreas jurídicas regionais e proporcionar maior interação com as demais unidades da Caixa,
empreendendo transparência ao processo.27
As reformas empreendidas por Emílio Carazzai têm sua maior expressão
no Plano de Reestruturação Patrimonial, dividido em quatro tópicos: 1) repasses de
bilhões de reais em ativos desequilibrados; 2) ajustes de contas entre a Caixa e o
FGTS; 3) modernização dos processos de crédito imobiliário para reduzir custos,
aumentar a rentabilidade e diminuir riscos; 4) novo modelo de gestão que pressu-
põe retorno mínimo sobre o patrimônio líquido. Conforme Eduardo Bueno, a
reestruturação patrimonial, fundamental para restaurar o equilíbrio financeiro-operacional
da empresa, que estava seriamente abalado, foi uma das maiores operações de reengenharia da
história do Brasil e certamente a mais vultosa operação de saneamento financeiro da história
da Caixa.28
Nas palavras de Emílio Carazzai, o desfecho da era Collor estabelece novos
padrões éticos para o Brasil. Não se admite mais que um banco oficial possa estar atrelado
a uma agência partidária, seja de que partido for. Creio que o governo Fernando Henrique
entrará para a história, entre outras coisas, por ter estabelecido o critério da competência
técnica para o desempenho de cargos diretivos em instituições financeiras, descartando indi-
cações de natureza partidária.29
No momento em que se observa a força do processo de globalização, os
dirigentes da Caixa empreendem um grande esforço para garantir a sua sobrevi-
vência. Eles devem enfrentar a concorrência dos bancos privados e a ampliação dos
27 Jornal da Caixa, junho de 1999, ano 21, nº 67, p. 5.28 BUENO, op. cit., p. 166-167.29 CARAZZAI citado por BUENO, op. cit., p. 167.
156
recursos tecnológicos que se tornam uma ameaça. Contudo, a Caixa registra cresci-
mento importante. No Relatório Anual de 1999, a instituição aparece como uma das
principais forças do mercado financeiro, líder em vários segmentos, reafirmando a
sua missão de ser um instrumento da democratização de crédito e de apoio ao desenvolvi-
mento sustentado. Presente em 1.534 municípios brasileiros, a empresa possui uma rede
formada por 1.693 agências, 218 postos de atendimento bancário, além de mais de 6 mil casas
lotéricas que prestam serviços à população.30 No Relatório Anual de 2000 existem 1.692
agências, 235 postos de atendimento, 7 mil casas lotéricas.
Destacando-se também na prestação de serviços sociais,
na qualidade de braço operacional dos programas do governo
federal – com a ampliação de sua atuação no apoio aos repasses dos
recursos do Orçamento da União e acompanhamento de obras –, a
Caixa pretende entregar, em 2002, a chave da casa própria de
número 2 milhões, parte das obras financiadas depois de 1995 e
dos investimentos de bilhões de reais na construção civil.31
Emílio Carazzai é substituído por Valdery Albuquerque
em 2002. O novo presidente dá continuidade aos projetos e à
política habitacional da instituição. Em janeiro de 2003, quando
toma posse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, eleito em 2002,
acontece nova mudança no comando da Caixa. O economista
Jorge Eduardo Levi Mattoso é escolhido o novo presidente. Acom-
panhado na direção por um grupo de técnicos – administrado-
res de empresa, economistas, engenheiros, alguns deles
economiários –, Mattoso enfrenta, no início do seu mandato, a difícil situação de
avaliar o contrato com a GTec, empresa que administra, desde 1997, as loterias da
Caixa. Ante a complexidade da situação verificada na primeira análise, Mattoso deci-
de prorrogar o contrato, deixando-o para ser discutido e analisado pelo Jurídico.
Em 2004, Jorge Mattoso volta a avaliar a situação com a GTec, decidindo-se
pela luta contra o monopólio desse fornecedor. Fortemente apoiado pelo estudo que
avalia a responsabilidade da Caixa, Mattoso comparece à audiência do Senado Federal,
Jornal da Caixa,agosto de 2001,nº 93
30 Relatório Anual da Caixa Econômica Federal, 1999, p. 6.31 Relatório Anual, 2001 e Relatório de Gestão, 1999-2002.
157
em março de 2003, para esclarecer sobre esse tema de interesse nacional. Na ocasião,
destaca a atuação do Jurídico na defesa dos interesses da instituição: Era decisivo dar-
se peso ao desempenho da área jurídica, importante para a Caixa. Estamos em processo de
ampliação e desenvolvimento da área jurídica, visando a aceleração dos julgamentos em Brasília
e no Rio de Janeiro, especialmente das ações diretas de inconstitucionalidade.32
De fato, depois da avaliação da comissão de advogados que participa dos
estudos sobre a quebra de monopólio da GTec, em 2004, a Caixa decide abrir editais
para o sistema de terminais de apostas, inaugurando-se, no ano seguinte, o primeiro
terminal dos muitos que virão nos anos seguintes. Jorge Mattoso faz uma avaliação
da situação da Caixa Econômica, destacando-a como agência de desenvolvimento
À esquerda, a Matriz da Caixa, em Brasília (DF), ao lado do Banco Central
32 Boletim da Advocef, fevereiro/março de 2004, nº 16, p. 3.
158
urbano e de transferência de benefícios sociais do governo. Lembra que 1,4 milhão de
pessoas, até então excluídas do sistema financeiro, tornaram-se clientes, em 2003, da
Conta Fácil da Caixa, no maior programa de inclusão bancária do mundo.33
Com as novas condições, a Caixa dedica-se à retomada do incentivo ao de-
senvolvimento da cultura no Brasil. Foco de atenção e de investimentos há algumas
décadas (artes plásticas, teatro, dança e outras manifestações culturais), a cultura
recebe incentivos por meio de diversos programas, promovendo a abertura de
33 Boletim da Advocef, fevereiro/março de 2004, nº 16, p. 3.
Acervo: Núcleos Bibliotecae Memória Institucional daCaixa
Caixa Cultural, em Brasília
159
espaços culturais e a recuperação e modernização de museus. A Caixa colabora
para a conscientização da necessidade de preservação do patrimônio histórico e
dos valores culturais do povo brasileiro.34
Consolidação da Advocef
No dia em que a Advocef comemora o seu décimo aniversário, abre-se o
VIII Congresso no Rio de Janeiro, em 15 de agosto de 2002. O presidente empossado,
Darli Barbosa, afirma que os congressos são importantes para a união entre os associ-
ados, relembrando que nestes são discutidos e deliberados temas vitais para a catego-
ria. As maiores conquistas que obtivemos foram plantadas em congressos. Podemos citar o
Regulamento dos Honorários, discutido e aprovado durante o I Congresso realizado em Brasília35.
Na Advocef, os encontros congressuais também se caracterizam pela confraterniza-
ção e reafirmação da força do coletivo na história das conquistas da entidade.
O IX Congresso realiza-se em Goiás, na Pousada do Rio Quente, entre 14 e
17 de agosto de 2003. Considerado igualmente um momento de força e coesão, dele
participam 250 associados. Além de manter a força das discussões e deliberações, o
encontro coincide com o ingresso dos novos advogados concursados que chegam
para reforçar o corpo jurídico da instituição.
A eleição da Advocef de 2004 tem pela primeira vez duas chapas concor-
rentes: Integração e Nova Aliança. O presidente Darli Barbosa deixa a Diretoria
com 80% dos advogados da Caixa associados à entidade. Sua gestão caracteriza-
se pelo trabalho de estruturação da arrecadação e do rateio dos honorários reco-
lhidos, assim como pela valorização da categoria. Com a vitória da chapa
Integração, elege-se Altair Rodrigues de Paula, presidente, e Sílvio do Lago Padilha,
vice-presidente.
Comandada por Altair Rodrigues de Paula, a Diretoria pretende ampliar a
arrecadação de honorários e continuar a luta pela melhoria das condições de traba-
lho dos advogados. Toma posse no X Congresso, sediado em Natal, entre 12 e 14 de
agosto de 2004, quando a votação tranquila das alterações do Regulamento de
Honorários e do Estatuto Social da Advocef demonstra, mais uma vez, a união e a
34 Relatório de Gestão: 2003-2006.35 Boletim da Advocef, setembro de 2002, edição especial, p. 3.
160
consolidação da entidade como órgão representativo da categoria. No estatuto, são
mudadas as redações de nove artigos e acrescentado um capítulo sobre a represen-
tação nas unidades. No regulamento, aprova-se a mudança em dois capítulos, que
tratam do percentual do rateio e da representação dos advogados pela Advocef.
Nova reestruturação na Área Jurídica da Caixa Econômica acontece em ou-
tubro de 2004. Três novas regionais, 48 cargos de coordenadores, 40 vagas de geren-
tes de serviços são criados, além da redistribuição geográfica de 26 representações
jurídicas. E na Matriz, mais quatro cargos de consultores jurídicos e cargos de ge-
rentes operacionais na Gerência Nacional de Jurídico Contencioso (Geten). Autori-
za-se também a admissão de 270 novos advogados. Em geral, a reestruturação é
bem recebida pelos advogados, com ressalvas ao número reduzido de contratações
previstas e à falta da definição de um plano de cargos e salários. Porém a terrível
situação do Jurídico, existente nos anos de criação da Advocef, está superada.
Novos advogados concursados assumem em janeiro de 2005, com a previ-
são de 200 contratações até o final do ano. Também são empossados pela Advocef,
em 25 unidades, os representantes jurídicos eleitos, concretizando a decisão toma-
da no X Congresso de Natal. A função dos representantes está definida no artigo 32
do estatuto: Compete ao titular da Representação e, em sua falta ou impedimento, ao res-
pectivo suplente: a) cumprir e fazer cumprir este Estatuto e demais normas dele decorrentes;
b) demandar ao Diretor Regional aquilo que for solicitado por qualquer dos associados lotados
na respectiva unidade; e c) convocar e presidir reuniões com os representantes para tratamen-
to de temas de interesse da Associação, formalizando as deliberações delas decorrentes, fazen-
do-as chegar ao conhecimento dos interessados.
A Caixa reúne em Atibaia, em junho de 2005, os gestores da área jurídica
dos estados para discutir o seu plano diretor. São estabelecidas as linhas filosóficas
do setor, com o objetivo principal de ser o melhor da administração pública brasi-
leira. A respeito do trabalho desenvolvido, Altair Rodrigues de Paula afirma que a
Advocef vem demonstrando o valor do advogado para a comunidade da Caixa,
mencionando a importância dos resultados da pesquisa realizada junto aos asso-
ciados sobre o Processo de Seleção Interna (PSI).36 Também em junho desse ano, a
Advocef participa do I Encontro Nacional das Associações dos Advogados, em
36 Os resultados dessa pesquisa estão no boletim da Advocef, de maio de 2005, nº 27, p. 3.
161
Brasília, evento promovido pela Associação Brasileira de Advogados, ampliando a
projeção nacional da associação.
A Advocef na nova defesa do advogado da Caixa
Em 2005, o primeiro número da Revista de Direito da Advocef está pronto
para ser entregue aos associados, às faculdades de Direito e às demais instituições
jurídicas do Brasil. Com 256 páginas e tiragem inicial de 1,5 mil exemplares, a
revista é um antigo projeto da entidade, cujo embrião é o encarte Júris Tantum, em
circulação há quase cinco anos. Roberto Maia destaca a excelência do conteúdo,
destinado aos operadores de Direito em geral e aos advogados da Caixa em parti-
cular, fruto da reflexão, do conteúdo científico e, especialmente, da prática cotidiana de
advogados militantes.37
Belo Horizonte é o lugar escolhido para o XI Congresso da Advocef. Entre
11 e 14 de agosto de 2005, um número recorde de participantes mostra a maturida-
de e o comprometimento da categoria em avançar com seriedade e responsabilida-
de nas suas reivindicações. Através de palestras e debates, os asso-
ciados revelam a sua disposição individual e coletiva para os novos
tempos de lutas da categoria, quando são tratadas as questões prá-
ticas relativas a salários e honorários. Aclamado por reforçar o espí-
rito de união dos membros da Advocef, o XI Congresso acontece no
ambiente de trabalho das comissões que tratam da urgente necessi-
dade de valorização do advogado na Caixa, definindo com força a
pauta das ações futuras.
Altair Rodrigues de Paula faz um apanhado do primeiro ano
de sua administração. Destaca a eleição dos representantes jurídi-
cos, a contratação do parecer sobre os honorários do FGTS, a aquisi-
ção e venda de imóveis (em Brasília e em Porto Alegre) e as pesqui-
sas sobre o PSI, apresentadas à Diretoria Jurídica, bem como a situa-
ção atual dos advogados. Também menciona a reformulação do site
e do Boletim da Advocef e o lançamento da Revista de Direito.
Boletim da Advocef,setembro de 2005,ano IV, no 31
37 Boletim da Advocef, agosto de 2005, nº 30, p. 7.
162
Congregando 91% dos 734 advogados da Caixa, em 2005, a Advocef en-
carrega-se das questões importantes do momento. Mesmo reconhecendo o pro-
cesso de revalorização do Jurídico, com a recente reestruturação da área e novas
contratações, a Advocef une-se à Federação Nacional do Pessoal da Caixa (Fenae)
no envio das reivindicações gerais dos economiários à instituição. Pisos salariais
adequados às jornadas de seis e oito horas (com valores aproximados aos da re-
muneração das carreiras jurídicas públicas) e a necessidade de unificar a carreira
jurídica compõem as solicitações principais dos advogados. A Advocef une-se
também à Associação Nacional dos Engenheiros e Arquitetos da Caixa (Aneac)
na luta pelo justo enquadramento dos profissionais no Plano de Cargos e Salários.
A defesa do piso salarial e da remuneração compatível com a do setor público são
temas constantes de reuniões e de encaminhamentos da Diretoria Executiva da
Advocef.
Em 2006, as dificuldades persistem. Participando de diversas reuniões com
a Caixa, Altair Rodrigues de Paula lembra que as negociações dependem, dentre outros
aspectos, das decisões administrativas da Caixa, que estão atreladas ao desempenho da em-
presa. Mas, apostando num resultado positivo, ele lembra aos colegas: O sucesso
Boletim da Advocef,dezembro de 2005,ano V, nº 34
Boletim da Advocef,outubro de 2005,ano V, nº 32
163
depende de uma atuação pró-ativa não só da Diretoria da Advocef, mas de todos os advoga-
dos, comungando do mesmo pensamento.38
As avaliações dos advogados publicadas no Boletim da Advocef mostram
que o Jurídico da Caixa é merecedor de reconhecimento por todas as suas con-
quistas. Não há modos de comparação da situação de 1992 com a de 2006. Além
de se tornarem cada vez mais eficientes no cumprimento das suas atribuições, os
advogados conseguem afastar o perigo da terceirização existente nos primórdios
da Advocef. Contudo, é necessário lutar para obter melhores condições salariais.
Protagonistas das conquistas do Jurídico da Caixa e desejosos de participar da
melhor advocacia pública do Brasil, os advogados almejam reconhecimento por
meio de uma remuneração adequada e justa. Em março de 2006, a Advocef enca-
minha à administração da Caixa a relação dos editais dos concursos públicos de
outras organizações públicas que mostram a evidente defasagem salarial dos seus
advogados.
Boletim da Advocef,marçoo de 2006,ano V, nº 37
Boletim da Advocef,fevereiro de 2006,ano V, nº 36
38 Boletim da Advocef, janeiro de 2006, ano V, nº 35, p. 3.
164
O lançamento do segundo número da Revista de Direito,
em 9 de março de 2006, reforça a convicção de que a Advocef
tem preparo para levar adiante os seus objetivos. Assim, ainda
nesse mês, em vista dos acontecimentos e da dificuldade de ne-
gociar com a Caixa, a associação delibera sobre o ingresso com
uma ação na Justiça. O que ocorre depois de reunião com 29
representantes do Jurídico de todo o país, considerando que, des-
de 2003, os advogados vêm reclamando o descumprimento do
acordo de honorários dos planos econômicos. As medidas judi-
ciais questionam, além das distorções salariais, a jornada de tra-
balho.39 Em maio de 2006, atendendo às decisões da reunião de
março, os advogados ingressam na Justiça com três medidas ju-
diciais: 1) pretendendo a promoção dos advogados juniores para
plenos; 2) cobrando os honorários referentes ao FGTS (planos
econômicos); 3) através de notificação judicial, exigindo da
Caixa o enquadramento dos advogados no PCS/1998.
Em agosto, acontece o XII Congresso da Advocef, em Belém. Altair Rodrigues
de Paula avalia a importância desses encontros no aprimoramento da entidade. Na
ocasião, são apresentadas propostas de encaminhamento à Caixa a respeito de uma
solicitação da prestação de contas dos honorários relativos à Execução Fiscal a par-
tir de novembro de 2001. Inspirados pela grandeza das discussões travadas no últi-
mo congresso, os advogados da Caixa reiniciam nas semanas subsequentes uma
série de debates acerca de temas que os desafiam. Seu caminho é o do estreitamento
das relações com as entidades representativas dos funcionários da Caixa e demais
associações, sindicatos e federações. Nesse encontro, os advogados recebem o ter-
ceiro número da Revista de Direito da Advocef.
Ao apresentar uma proposta de realinhamento salarial dos seus empregados
profissionais, com unificação da carreira, estruturada em 36 níveis, em outubro de
2006, a Caixa propõe a adesão à opção ao Novo Plano da Funcef, como condição de
negociação. Frustrando grande parte dos quadros de funcionários, a proposta é ini-
cialmente rejeitada. Contudo, logo os advogados optam pelo caminho da negociação.
Revista de Direito daAdvocef, fevereiro de2006, ano 1, nº 2
39 Boletim da Advocef, abril de 2006, ano V, nº 38, p. 1.
165
Após discussões e avaliações, em dezembro,
90% do quadro de advogados Caixa adere à
nova carreira jurídica proposta pela instituição.
Nesse mesmo ano, Maria Fernanda
Ramos Coelho, economiária desde 1984, as-
sume a Presidência da Caixa Econômica
Federal, com a intenção de ampliar o atendi-
mento às camadas de baixa renda. Durante a
sua gestão, o Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) e o Projeto Minha Casa,
Minha Vida elevam as operações de crédito
imobiliário ao mais alto nível da história da
instituição.
A comemoração dos 15 anos da Advocef acontece no XIII Congresso, reali-
zado em Maceió, de 24 a 26 de maio de 2007. Davi Duarte, palestrando na cerimônia
da abertura, recorda que as circunstâncias do nascimento da associação e a sua
história revelam a soma de energia e dedicação, de esperança, de solidariedade, de realiza-
ções, conquista e revezes. Ele enumera diversas conquistas importantes: os acordos
com a Caixa; o reconhecimento e a normalização dos honorários; a defesa das
Boletim da Advocef,setembro de 2006,ano V, nº 43
Boletim da Advocef,outubro de 2006,ano VI, nº 44
Boletim da Advocef,agosto de 2006,ano V, nº 42
166
prerrogativas dos associados e a inserção na comunidade jurídica, por meio de
publicações técnicas. Para manter o alto grau de representatividade a que chegou a Advocef,
ressalta Davi Duarte, é imprescindível que, sobretudo, sejam transpostos, sempre, os inte-
resses individuais, para que prevaleçam os da categoria.40
Boletim da Advocef, agosto de 2007, ano VI, nº 54
40 Boletim da Advocef, junho de 2007, ano VI, nº 52, p. 4.
167
Durante o XIII Congresso, é lançado o quarto número da Revista de Direito da
Advocef. Roberto Maia, um dos idealizadores e editores da publicação, fala da sua
importância: A Revista de Direito surgiu para cumprir uma das finalidades essenciais da
Advocef, que é o aprimoramento intelectual dos seus associados, conforme consta no seu
Estatuto Social. Ao publicar os artigos dos advogados da Caixa, a Revista contribui na for-
mação dos profissionais e, ao mesmo tempo, promove o conhecimento técnico reproduzido
pela categoria, em todas as áreas do Direito.41
Em outubro de 2007, nas discussões em torno do acordo, cria-se uma situa-
ção em que a Advocef e a Federação Nacional dos Advogados (Fenadv) constatam
que a Caixa não reconhece as autonomias de entidades mediadoras das questões da
categoria. A solução dos advogados é a busca da intermediação do Ministério do
Trabalho. Coincide com a paralisação de advertência promovida pelos advogados
da Caixa, depois que é obtido um reajuste salarial. Esse aumento, contudo, não satis-
faz os anseios dos advogados. Embora a categoria represente pouco mais de 1% da
força de trabalho da Caixa, isso não é razão para esmorecer, afirma Altair Rodrigues
de Paula, destacando que os advogados trilham um caminho novo, com uma complexidade
41 Boletim da Advocef, junho de 2007, ano VI, nº 52, p. 6.
Boletim da Advocef,abril de 2007,ano VI, nº 50
Boletim da Advocef,julho de 2007,ano VI, nº 53
168
ímpar. Isso exige de suas entidades estratégias cuidadosas, que não podem prescindir da força
das bases, para demonstrar o grau de união e de indignação de toda uma categoria.42 Situação
que evidencia a necessidade de concretizar o processo de descentralização das ativi-
dades, iniciado após o XIII Congresso.43
Na solenidade de comemoração dos 15 anos da Advocef, em dezembro de
2007, José Gomes de Matos Filho, sócio-fundador e primeiro presidente, recebe uma
homenagem dos colegas e o título de sócio honorário que lhe permite participar da
entidade mesmo não sendo mais advogado da Caixa. Na ocasião, ocorre o lança-
mento da Revista de Direito, número 5, uma edição de 1.800 exemplares.
Em 2008, diante das responsabilidades surgidas na atuação constante da
Advocef em defesa dos seus interesses, atuam comissões de trabalho voltadas a
diversos assuntos: elaboração de regulamentos para as eleições na Advocef; negociação
coletiva através da Fenadv; análise das condições de trabalho das unidades jurídicas; e
alteração dos estatutos da Advocef para a criação de vice-presidências. As questões
sobre os honorários do FGTS seguem na Justiça.
Boletim da Advocef,julho de 2008,ano VII, nº 65
Boletim da Advocef,maioo de 2008,ano VII, nº 63
42 Boletim da Advocef, novembro de 2007, ano VI, nº 57, p. 3.43 Boletim da Advocef, dezembro de 2007, ano VI, nº 58, p. 3.
169
O XIV Congresso acontece entre
22 e 25 de maio de 2008, em Vitória, com
importante participação dos sócios e lan-
çamento do sexto número da Revista de
Direito. Cumprindo a tradição da entida-
de, os debates das propostas são inten-
sos, assim como a confraternização. Na
avaliação geral, a maturidade e a decisão
de continuar lutando pelas melhores con-
dições de trabalho e de remuneração são
as grandes conquistas do encontro. Nele,
são aprovados novos cargos para a
Diretoria Executiva da Advocef, com a
criação de cinco Diretorias que assesso-
ram a administração principal. São elas:
Diretoria de Articulação e Relacionamen-
to Institucional; Diretoria de Comunica-
ção, Relacionamento Interno e Eventos;
Diretoria de Honorários Advocatícios;
Diretoria de Negociação Coletiva; e
Diretoria de Prerrogativas.
Após o congresso, em agosto, pela
segunda vez, duas chapas disputam o voto
dos associados para o comando da
Advocef. Elege-se Davi Duarte, presiden-
te, e Bruno Vanuzzi, vice-presidente. Ao
tomar posse, o novo presidente destaca
a adoção do regime de administração
colegiada, com a criação das novas
Diretorias e com a relevância dada ao trabalho dos representantes jurídicos nas
unidades. O Boletim da Advocef ganha nova condição na comunicação entre os
associados. Cria-se a Advocef em Revista. Com mais páginas e diversas seções, a
nova revista deverá ser também um veículo de prestação de contas da administra-
Advocef em Revista,novembro de 2008,ano VIII, nº 69
Advocef em Revista,janeiro de 2009,ano VIII, nº 71
170
ção da entidade. A sede da entidade muda-se de Londrina para Porto Alegre. Em
dezembro de 2008, sai o sétimo número da Revista de Direito.
Quando a Caixa contabiliza mais de 900 advogados em seu quadro de fun-
cionários, o processo de formação e aperfeiçoamento dos quadros do Jurídico ganha
um forte impulso com a criação da Escola de Advocacia da Caixa. Em 2008, diversos
advogados já estão em formação, realizando cursos por meio da parceria da Caixa
com a Escola da Advocacia Geral da União. Há previsão de novos cursos, convênios
e novas parcerias. Ao participar dessa iniciativa, a Advocef está cumprindo o estatu-
to, que define o seu compromisso no aprimoramento técnico dos associados.
2008, o ano da greve
Pela primeira vez, a Advocef participa da negociação coletiva referente ao
Dissídio Coletivo da Caixa, em 2008. A avaliação atenta do encaminhamento da
negociação permite à entidade conhecer as diretrizes que a Caixa pretende adotar
em relação à sua política de pessoal. Seis meses depois de iniciadas essas tratativas,
em 2009, a Caixa apresenta uma proposta de reajuste que deixa a categoria indignadae mobilizada. Além de haver grande distância dos anseios de remuneração da cate-
Advocef em Revista,julho de 2009,ano VIII, nº 77
Advocef em Revista,abril de 2009,ano VIII, nº 74
171
goria, a proposição não leva em conta as crescentesresponsabilidades e as intensas atribuições dos advo-gados na defesa da instituição. A consequência diretada não aceitação da proposta de aumento salarial é adeflagração da greve dos advogados, em conjuntocom arquitetos e engenheiros, em todo o país.
No ambiente de greve, é importante lembrarque a evasão crescente dos advogados da Caixa embusca de melhores oportunidades vem sendo denun-ciada desde 2006. Profissionais qualificados e prepa-rados para os programas sociais e de desenvolvimento
do governo dos quadros da Caixa, os advogados sabem da cres-cente defasagem salarial que os atinge. Na luta pelo cumprimentoda cláusula 47 do acordo de 2008/2009, firmado com a Contec, naqual a Caixa promete implantar uma nova carreira profissional, aAdvocef conquista um lugar de protagonista. Seus dirigentes in-tensificam esforços para que se eleja um modelo de carreira maisjusto, pesquisando as experiências vividas em instituições com prá-ticas semelhantes de advocacia.
São tempos difíceis e novos para a Advocef. Quando a grevedos advogados da Caixa completa um mês, abre-se o XV Congresso,em Aracaju, entre 28 e 30 de maio de 2009. O ponto alto do encontro é
a revelação da maturidade e unidade da categoria diante das questões polêmicas domomento. Embora esperando a oportunidade de receber e analisar, durante o evento,uma nova proposta da Caixa, os congressistas têm consciência de que realizam umareunião histórica durante a primeira greve da categoria. Assim, o apoio dado à Diretoria daAssociação e ao Comando Nacional, consolidando a unidade, compensou em muito a decepção pelaproposta inexistente.44
Finda a greve, depois de 50 dias, os advogados consideram-se vitoriosos por semanterem unidos às associações, entidades sindicais e federações na defesa de seusinteresses. Entretanto, sabem que ainda se encontram distantes do objetivo principal
de reestruturar a carreira profissional. De acordo com a Diretoria, a Advocef, juntamente
Manifestação em frente aoprédio da Caixa. Brasília,abril de 2009
Manifestação emPorto Velho
44 Advocef em Revista, junho de 2009, ano VIII, nº 76, p. 4.
172
com a Aneac, demonstra a sua competência ao quebrar paradigmas e
afrouxar as amarras que historicamente impediam o avanço de seus re-
presentados como categorias fortes e capazes de se movimentarem no
intrincado mundo sindical. Todos mostraram o quanto somos capazes
de construir com nossas forças e com nossa união, em torno de desejos
claros e bem construídos. Uma corajosa e memorável página da nossa
própria história, contada por diversos autores e com muitos matizes,
todos dependentes entre si e de cujo somatório eclodiu um movimento
novo, forte e nunca antes visto.45
A conquista da nova sede em Brasília
No calor das avaliações dos acontecimentos de 2009,
a Advocef inaugura, em agosto, a nova sede permanente em
Brasília. Adquirida ainda durante a gestão de Altair Rodrigues
de Paula, no belo edifício João Carlos Saad, o novo espaço
possui um ambiente destinado a reuniões, encontros e à guar-
da da documentação da entidade. A transferência da sede que
se encontra em Porto Alegre é minuciosamente preparada.
Além da Revista de Direito, números 8 e 9, outra conquista importante desse
ano é o lançamento da Campanha Arrecadar +, cujos excelentes resultados
são conhecidos no ano seguinte.
Equipe do Jurir de Recife,vencedora da campanhaArrecadar +
Prédio da Caixa,avistado da sede
da Advocef
Prédio da sede da Advocef, em Brasília
45 Advocef em Revista, julho de 2009, ano VIII, nº 77, p. 2.
173
Em maio de 2010, os advogados da Caixa elegem seus novos
dirigentes. Novamente, duas chapas disputam a eleição: União,
Força e Ação (situação) e Renovação, Transparência e Unificação.
Carlos Alberto Regueira de Castro e Silva, presidente, e Anna Clau-
dia de Vasconcellos, vice-presidente, são os eleitos. Com isso, Davi
Duarte despede-se do comando da Advocef, após dois anos de uma
administração que viveu vários momentos de tensão. Perguntado
sobre as dificuldades encontradas, Davi Duarte afirma que a
intransigência da Caixa na negociação salarial, obrigando a um mergu-
lho profundo no enfrentamento direto, com dispêndio de energia que não
seria preciso, representa a maior dificuldade. Por outro lado, é positi-
vo saber que a força da categoria é enorme e o potencial maior ainda. Acres-
centa, ainda, finalizando, que as pessoas podem errar, mas que o mais
importante é a determinação de seguir pelo caminho do bem. Que as ideias
contrárias fazem crescer e que o diálogo ainda é o melhor remédio para vencer
as dificuldades. Que a comunicação eficiente, um objetivo claro e a capacida-
de de mobilização marcaram indelevelmente a gestão.46
Advocef em Revista,março de 2010,ano IX, nº 85
Advocef em Revista, outubro de 2010,ano X, nº 92
Advocef em Revista, junho de 2010,ano X, nº 88
46 Advocef em Revista, maio de 2010, ano IX, nº 87, p. 3.
174
Sob o comando da Diretoria eleita, o XVI Congresso da
Advocef acontece em Gramado, entre 13 e 16 de maio de 2010.
Entre outras atividades, os congressistas deliberam sobre a neces-
sidade de formar uma comissão para revisar o estatuto. O encon-
tro revela a alegria de ver o décimo número da Revista de Direito ser
distribuído aos participantes. Carlos Castro, ao reafirmar o com-
promisso de defesa da entidade, dos associados e de tudo o que re-
presenta a Caixa em seu trabalho social que tem beneficiado a população
mais carente deste país, considera que o fortalecimento da instituição
passa pela valorização do seu quadro de advogados, em que a União
deposita algumas das mais importantes defesas da advocacia pública. Pre-
tende manter as linhas de negociação pela valorização da carreira
do advogado, sabendo que para isso será necessário fortalecer
ainda mais a imagem institucional da Advocef, perante a Caixa, a OAB, o
Judiciário, o Legislativo e os órgãos do Poder Executivo.47
História do Jurídico da Caixa
Na reunião de Diretoria da Advocef, em junho de 2010, os advogados deci-
dem-se por fazer um resgate histórico da participação do Jurídico na história da
Caixa Econômica Federal. Embora sabedores da dificuldade de reconstituir a histó-
ria da instituição de 150 anos, eles pensam que é hora de comprovar com um livro
o que se afirma há muito tempo: os advogados têm um papel de destaque na funda-
ção, no aprimoramento e na preservação da Caixa Econômica Federal.
Vem de longe a ideia de comprovar por extenso algumas afirmações. Satiro
Lazaro da Cunha, na Caixa desde 1978, lembra que entre os administradores jurídi-
cos estão o conhecido e respeitado jurista João Carlos Torres da Motta e Roberto
Ávila da Costa, possuidor de cultura jurídica invejável. Nos anos 1980, criada uma
Consultoria Jurídica, a sua chefia é dada ao advogado João Dunshee de Abranches.
Destacam-se, ainda, Francisco Xavier da Silva Guimarães, Antonio de Pádua
Fernandes Rocha, José Humberto Lordello dos Santos Souza, Jorge Eudes do Lago,
Advocef em Revista,abril de 2010,ano IX, nº 86
47 Advocef em Revista, junho de 2010, ano IX, nº 88, p. 3.
175
Maria das Graças Campos Sério, Antonio Domingos Crespo Lorenzoni, Márcio de
Assis Borges, Dalide Barbosa e Antonio Carlos Ferreira. Lazaro da Cunha lembra
que são muitas as histórias do Jurídico, assim como são muitas as histórias contra
esse departamento da Caixa. No início do governo Lula, depois de um período de
grandes hostilidades, o diretor jurídico Antonio Carlos Ferreira reestrutura as uni-
dades através de concursos e de contratações de advogados. A Geaju, que tinha oito
advogados, passa para os atuais 33 profissionais (2010).48
Getúlio Borges da Silva afirma que na fundação da Caixa aparece o trabalho
do homem das leis, o jurista, que continua a atuar em todos os demais atos transfor-
madores da instituição, em que se pode observar a mão do advogado, sobretudo, a
inteligência do advogado: no estatuto de 1915; nas reformas da década de 1930; na
unificação das Caixas Econômicas e na criação da empresa pública; na passagem
para o modelo dos anos 1980; na reestruturação do final da década de 1990 e no seu
ingresso no mercado de capitais.
Além dessa presença, Getúlio Borges cita colegas admiráveis pelo conheci-
mento jurídico, capacidade de encontrar soluções tecnicamente adequadas, amor à CEF e
idoneidade moral. Embora correndo o risco de esquecimento de alguns nomes, Ademir
Fernandes Cleto, Augusto Silveira Júnior, Beatriz Bresolin de Lima, Cássio Pires,
João Batista Silveira, Juramar Teles, Maria das Graças Campos Sério, Neida
Bandeira, Neiva Pereira, Raquel Aparecida da Sila, Ricardo Siqueira e Sergio Veronese
estão na lembrança de Getúlio. Ele mesmo, advogado e autor de um importante
estudo da história da Caixa.49
Sobre a Caixa Econômica, muito já se escreveu. Para fazer uma nova versão
histórica, é preciso consultar os autores já consagrados e com eles seguir até o mo-
mento em que outras fontes completam os seus ricos relatos.
O livro Advocacia na Caixa Econômica Federal - Trajetória de 150 Anos é resulta-
do da decisão de junho de 2010 e da crença, condensada nos relatos acima reprodu-
zidos, de que a história da Caixa e a do seu Jurídico estão fortemente entrelaçadas
desde a origem. Se não é fácil separá-las, é lamentável esquecê-las, como se apagam
da memória, muitas vezes, os acontecimentos e as experiências fundamentais para
48 Advocef em Revista, junho de 2010, ano IX, nº 88, p. 17.49 Advocef em Revista, junho de 2010, ano IX, nº 88, p. 16.
176
a nossa construção individual e coletiva. O gesto de contar a história indica o modo
de valorizar o passado e de pensar o futuro. Nele estão os pressupostos das con-
quistas e os elementos para futuras avaliações. Sobretudo, as maneiras e soluções
escolhidas para a caminhada.
Quando o empenho se traduz em vitória, mais razões se tem para avaliar a
o passado. O grupo de advogados reunidos em 1992, representando os seus pares,
decide manter-se na instituição. O estatuto aprovado em 15 de agosto contém os
pressupostos da caminhada: em primeiro lugar, as urgências e a definição da iden-
tidade da categoria; em segundo, o cuidado com o preparo técnico e intelectual,
momento essencial da jornada.
Para o melhor preparo profissional, as novas exigências e a presença do
futuro (desconhecido), é chegado o momento do livro imaginado. Com ele, novos
estudos e outros livros, e a decisão de atingir o melhor exercício da advocacia públi-
ca brasileira. A trajetória do Jurídico da Caixa mostra a existência de exemplos.
Basta tê-los sempre presentes.
Advocef em Revista,janeiro de 2011,ano X, nº 95
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Relatórios da Caixa Econômica Federal
Caixa Econômica Federal do Rio de Janeiro (1967)Caixa Econômica Federal. Relatório (1975)Relatório (1974)A Caixa Através dos Tempos (1975)Relatório Anual da Caixa Econômica Federal (1977)Relatório 80, Caixa Econômica Federal (1980)Caixa Econômica Federal. Relatório Anual (1981)Relatório Anual, 1999Relatório de Gestão, 1999-2002Relatório Anual. Caixa (2000)Relatório Anual (2001)Relatório da Área Internacional, 2004-2005Relatório de Gestão, 2003-2006
Álbuns Comemorativos
Aspectos da Caixa Econômica Federal do Rio Grande do Sul (1940)Caixa Econômica Federal, São Paulo (1940)
180
Entrevistas
Antônio Dílson Pereira, Antônio Xavier de Moraes, Antonio Primo,Arcinélio de Azevedo Caldas, Carlos Alberto Regueira de Castro e Silva,Davi Duarte, Eladir Montenegro de Oliveira Couto, Elias Menezes Aguiar,Francisco Spisla, Gisela Ladeira Bizarra Morone, Hamilton Esequiel de Resende,Jailton Zanon da Silveira, José Gomes Matos, Júlio Vitor Greve, Luiz Fernando Schmidt,Marcos Vinícius de Andrade Ayres, Melissa dos Santos Pinheiro Vassoler Silva,Paulo Ritt, Renato Luiz Ottoni Guedes, Roberto Maia, Rogério Spanhe da Silva,Satiro Lazaro da Cunha, Silvio Ferreira de Araújo, Silvio do Lago Padilha,Umberto Parma Machado e Wilson de Souza Malcher
Internete
www.advocef.org.brwww.cafehistoria.ning.comwww.caixa.gov.brwww.direito.ufmg.brwww.dominiopublico.gov.brwww.educacional.com.brwww.iab.org.brwww.ibge.gov.brwww.ihgb.org.brwww.memória-história.com.brwww.ufpr.brwww.ufba.brwww.ufpr.brwww.wikipedia.com.br
Agradecimentos
Rosane Helena Correia Paes de Araújo e Maria José Bento da Silva(Núcleos Biblioteca e Memória Institucional - CAIXA Cultural/DF)
Ana Niedja Mendes Nunes, Gleici Kelly Soares C. Ramos, Lisandra de Andrade Pereira,Priscila Christiane da Silva e Thatiane Vilabruna(Advocef)
Gustavo Luiz Pacheco(Núcleo Memória Institucional da CAIXA)
Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite(Museu de Comunicação Hipólito José da Costa)
Maria Regina de Souza Lisboa, pelo depoimento
Diretoria ExecutivaPresidente - Carlos Alberto Regueira de Castro e SilvaVice-Presidente - Anna Claudia de Vasconcellos1º Secretário - Luciano Caixeta Amâncio2º Secretário - Jair Oliveira Figueiredo Mendes1ª Tesoureira - Isabella Gomes Machado2º Tesoureiro - Estanislau Luciano de OliveiraDiretor de Articulação e Relacionamento Institucional - Júlio Vitor GreveDiretor de Comunicação, Relacionamento Interno e Eventos - Roberto MaiaDiretor de Honorários Advocatícios - Álvaro Sérgio Weiler JuniorDiretor de Negociação Coletiva - Marcelo Dutra VictorDiretor de Prerrogativas - Pedro Jorge Santana PereiraDiretor Jurídico - Fernando da Silva Abs da CruzDiretora Social - Elenise Peruzzo dos Santos
Conselho DeliberativoMembros efetivos - Davi Duarte, Renato Luiz Harmi Hino, Alfredo Ambrósio Neto, JulianaVarella Barca de Miranda Porto e Elton Nobre de OliveiraMembros suplentes - Antônio Xavier de Moraes Primo, Fábio Romero de Souza Rangel eJayme de Azevedo Lima
Conselho FiscalMembros efetivos - Daniele Cristina Alaniz Macedo, Rogério Rubim de Miranda Magalhães eAdonias Melo de CordeiroMembro suplente - Melissa Santos Pinheiro Vassoler Silva
AnexoAnexo
Advocef InstitucionalDiretoria - Biênio 2010-2012
FORMATO: 23 x 25 cmTIPOLOGIA: Palatino LinotypePAPEL: Couchê fosco 115g/m2
NÚMERO DE PÁGINAS: 184ANO: 2011
ADVOCEFAssociação Nacional dos Advogados da Caixa Econômica Federal
SBS, Quadra 2, Bloco Q, Lote 3, Sala 1410, Edifício João Carlos Saad,CEP 70070-120, Fones (61) 3224-3020 e [email protected]
Elizabeth Wendhausen Rochadel Torresini.
C o m d o u t o r a d o e m H i s t ó r i a p e l a
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(2002), dedica-se à docência superior e à
pesquisa. Depois da publicação da dissertação
de mestrado, Editora Globo: uma Aventura
Editorial nos Anos 30 e 40 (São Paulo: Editora
da USP; Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1999)
e da tese de doutorado, História de um Sucesso
literário: Olhai os Lírios do Campo, de Erico
Verissimo (Literalis, 2003), assina as seguintes
obras: Hospital Moinhos de Vento: 75 anos de
compromisso com a vida (2003); Unicred Porto
Alegre: Quinze Anos de Cooperativismo de
Crédito (2005); História e Literatura (Literalis,
2007); Vonpar, a Marca do Desafio (2009), Filhas de
Santa Maria da Providência: 50 anos de Travessia
e Missão no Brasil (2011). Curadora das
exposições: Erico Veríssimo: 100 anos de Amor à
Vida (Centro Cultural CEEE Erico Veríssimo e
Corsan, 2005) e Hospital Moinhos de Vento: 80
anos com Porto Alegre (Hospital Moinhos de
Vento e Museu de Comunicação Hipólito José
da Costa). Atualmente, exerce as suas ativida-
des de historiadora na Editora Medianiz, e de
professora na Faculdade Porto-Alegrense
(Fapa), em Porto Alegre.
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS ADVOGADOS DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL