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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO VEZ DO MESTRE CURSO PSICOPEDAGOGIA AFETIVIDADE E APRENDIZAGEM Por:Renata Marques de Souza Vieira Orientadora: Mary Sue Julho / 2004

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO VEZ DO MESTRE

CURSO PSICOPEDAGOGIA

AFETIVIDADE E APRENDIZAGEM

Por:Renata Marques de Souza Vieira

Orientadora: Mary Sue

Julho / 2004

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO VEZ DO MESTRE

CURSO PSICOPEDAGOGIA

AFETIVIDADE E APRENDIZAGEM

Trabalho apresentado como requisito

parcial para obtenção do grau de

especialista em psicopedagogia do

projeto Vez do mestre da

Universidade Candido Mendes.

Por:Renata Marques de Souza Vieira

Julho / 2004

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A G R A D E C I M E N T O S

- A Deus, que é a força que conduz a minha vida.

- À minha mãe, que me criou, orientou e sempre fez de tudo para que

eu fosse feliz. Se sou o que sou foi por causa dela, que sempre me

apoiou e fez dos meus sonhos seus objetivos de vida.

- Aos meus irmãos Flávia e José Carlos, os amores da minha vida e as

pessoas fizeram com que eu não desistisse nos momentos de

fraqueza.

- Ao meu pai Luis Carlos, que, mesmo falecido, certamente está

sempre por perto torcendo pelo meu sucesso.

- Às minhas amigas Elisa, Neila e Márcia que me ajudaram a fazer a

minha Monografia e estiveram ao meu lado nos momentos de alegria

e tristeza.

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RESUMO

Esse estudo tem como objetivo principal mostrar a importância da

afetividade no processo ensino-aprendizagem.

Para atingi-lo, eu começo o meu trabalho apresentando os conceitos

de afetividade e o significado que ela tem para Cèlestin Freinet e Henry Wallon.

Depois, levo a questão para o contexto escolar, mostrando como identificar se

ela faz parte da prática pedagógica da escola e a importância que ela tem no

relacionamento aluno X aluno, professor X aluno, na construção do

conhecimento e no desenvolvimento da inteligência. Para finalizar, falo sobre os

benefícios que ela traz e as conseqüências que a sua ausência pode causar ao

processo ensino-aprendizagem.

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METODOLOGIA

Trabalho desenvolvido através de pesquisa bibliográfica, onde foram

estudados diversos autores e selecionadas algumas de suas conclusões, as

quais embasaram este trabalho com intuito de esclarecimento sobre afetividade

e aprendizagem.

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SUMÁRIO

- Resumo Pág. 04

- Introdução Pág. 07

- Capítulo I – O que é afetividade? Pág. 09

- Capítulo II – A afetividade na sala de aula Pág. 18

- Capítulo III – Afetividade, conhecimento e desenvolvimento cognitivo Pág.30

- Conclusão Pág. 38

- Bibliografia Pág. 40

- Atividades Culturais Pág.41

- Índice Pág.43

- Folha de Avaliação Pág. 44

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INTRUDUÇÃO

O afeto é algo muito importante na vida das pessoas, desde

antes do nascimento. Durante a gestação a relação mãe e filho na maioria

das vezes vêm cercada por muitos sentimentos, principalmente o de amor.

E durante a vida escolar sempre nos deparamos com diversos métodos e

técnicas de ensinar, mas sempre duvidando de sua eficácia se o educando

não estiver emocionalmente envolvido com o conhecimento.

Se pode então ter certeza de que a afetividade é essencial à

aprendizagem, até porque, ao observarmos que quando uma criança está

bem com a sua turma e com os seus professores estuda com mais

entusiasmo e interesse e aprende com mais facilidade.

Inicialmente foi pensado em ter como base teórica o psicólogo Henry

Wallon, mas após leituras de alguns de seus textos e achou-se muito

cansativo e complicado, então, ao descobrir o livro “A pedagogia do bom

senso” de Cèlestin Freinet, ocorreu um encantamento e decidiu-se utiliza-lo

como fundamento.

Este trabalho, que tem como objetivo principal mostrar que a

afetividade é indispensável à aprendizagem. Vale lembrar que a afetividade

a que nos referimos não é somente o ato de abraçar, beijar e fazer carinho,

mas a capacidade que um indivíduo tem de provocar mudanças no outro

através da convivência e da troca de conhecimento.

No primeiro capítulo falou-se sobre o conceito de afetividade. Onde o

entendimento e embasamento teórico são em Cèlestin Freinet e Henry

Wallon, mostrando o significado de afetividade em suas concepções.

O segundo capítulo foi construído a partir das observações feitas

durante estágios realizados ao decorrer da vida acadêmica. Neste capítulo

são abordadas as diferentes contribuições existentes em sala de aula para o

surgimento da afetividade; Como o espaço físico, a arrumação da classe e

os relacionamentos ali estabelecidos favorecem o surgimento do afeto e

promovem a construção do conhecimento.

O terceiro capitulo é, na verdade, uma continuação do segundo; Ele

relaciona a afetividade à construção do conhecimento e ao desenvolvimento

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cognitivo e mostra as conseqüências da presença e da ausência dela no

processo ensino-aprendizagem.

Para finalizar, a conclusão mostra a importância que a afetividade tem

na construção do conhecimento e no desenvolvimento da inteligência,

propondo uma prática pedagógica afetiva e, provavelmente, efetiva.

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CAPÍTULO I

O QUE É AFETIVIDADE?

Num sentido amplo, a afetividade pode ser compreendida como o

conjunto de emoções, sentimentos e sensações presentes na vida do ser

humano.

No contexto da sala de aula, esse conceito tem um sentido muito

maior que envolve amizade, respeito, carinho, troca de experiências e

mudanças e que pode ser um fator imprescindível no processo ensino-

aprendizagem.

Num primeiro momento, as relações afetivas da sala de aula podem

ser relacionadas aos beijos, abraços e cuidados, mas na verdade é muito

mais do que isso. A afetividade é a capacidade de provocar mudanças no

outro a partir de sentimentos despertados nele através da interação e da

troca de experiências. Ela pode fazer com que o educando apaixone-se pelo

conhecimento e descubra o prazer em aprender.

A afetividade é um elemento fundamental nas relações interpessoais

presentes na sala de aula, pois ela surge da interação entre alunos e

professores. Ao interagir com outras crianças, mesmo que na brincadeira, o

aluno constrói valores e adquire novos conhecimentos a partir do que o outro

sabe e do que é vivido naquela brincadeira e desenvolve-se em todos os

aspectos: cognitivo, social, afetivo e motor. No caso da interação entre

professores e alunos, a afetividade adquire uma importância ainda maior,

pois , entre outros aspectos, é a postura do educador e a sua prática

pedagógica que desperta ou não o interesse e a motivação do aluno em

aprender.

“O aluno aprende

realmente bem o que cativa, numa atmosfera de

aula que lhe pareça segura, com um professor

que sabe criar afinidades. Eis porque a escola,

ao mesmo tempo, tem que conciliar o intelectual

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e o afetivo e constituir um lugar privilegiado para

operar essa conciliação. A alegria na escola só é

possível na medida em que o intelectual e o

cognitivo conseguem não se opor.” (Snyders

apud Elias, 1997, p. 92)

Nessa perspectiva, o processo de conhecimento passa a ser

percebido como um momento de apreensão amorosa, criativa, prazerosa e

alegre, onde o professor cria climas afetivos que incentivam o aluno e fazem

com que ele descubra prazer e alegria na aprendizagem e a aquisição do

conhecimento seja um processo movido pela paixão.

Na pré-escola, a afetividade é ainda mais importante pois é o primeiro

contato da criança com uma vida nova, o que gera um misto de medo,

ansiedade e expectativas, que dependem, não só do professor, mas também

da escola (espaço físico, organização, relação com a família, etc) para

transformarem-se em estímulo para a aprendizagem.

A vida afetiva de cada aluno pode ser percebida em todas as

atividades que ele desenvolva dentro ou fora da escola. As produções

escritas, os trabalhos artísticos e até mesmo as brincadeiras estão repletos

de afetividade.

Na brincadeira da casinha, por exemplo, as crianças costumam imitar

o que acontece em sua casa, reproduzindo as atitudes de seus familiares e

o carinho e atenção que recebe deles.

As palavras de um texto também têm afetividade pois, segundo

Vygotsky, elas são compostas de significado e sentido. O significado é a

“tradução” da palavra, o que ela quer dizer, e é compartilhado por todos os

usuários da língua, enquanto o sentido é o significado que cada indivíduo dá

à palavra, de acordo com o contexto de uso e as vivências afetivas de cada

um.

Na arte o educando expressa seus sentimentos através das cores e

dos símbolos, usando, geralmente, cores escuras para demonstrar tristeza e

tons de vermelho para amor e carinho.

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Desta forma, pode-se perceber que a afetividade tem papel

preponderante na construção do conhecimento que é muito superior à

motivação.

A motivação consiste em preparar, estimular o aluno para que ele

faça descobertas e construa o seu conhecimento, enquanto a relação

afetiva, por si só, é repleta de conhecimento, uma vez que apenas

interagindo com outras pessoas e trocando experiências o indivíduo ensina e

aprende muitas coisas.

Verificando os currículos das escolas nota-se que há interesse em

modificar atitudes e valores e agir sobre comportamento envolvidos na

dimensão emocional, porém, na prática, constata-se a existência de grande

dificuldade em obter esse desejo explícito e aceito. Essa dificuldade é

atribuída à falta de estratégia para atingir os objetivos afetivos, ao ambiente

escolar pouco favorável e a outras limitações que para Freinet não existiam,

já que ele estabeleceu predominância absoluta do afetivo sobre o cognitivo,

com notável vantagem para a aprendizagem.

Com essa deficiência a escola apresenta ao aluno um mundo à parte,

separado da vida, onde só é permitido o que não é proibido e a punição e o

castigo manifestam-se nas repreensões e ameaças, obrigando os alunos a

escutar, obedecer e calar enquanto o professor ordena julga e decide.

Nesse ambiente a dialética entre o cognitivo e o afetivo não se realiza

e o educando pode apresentar medo, insegurança, tristeza e prejuízo da

auto-estima, o que significa a morte do desejo, da alegria e do prazer de

aprender e a constituição do fracasso escolar.

“A afetividade é o motor ou o freio da

inteligência”

(Piaget apud Elias, 1997, p. 94)

A afetividade para Henry Wallon

Na psicogenética de Wallon, a dimensão afetiva ocupa lugar central

tanto do ponto de vista da construção tanto da pessoa quanto do

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conhecimento. Ambos se iniciam num período que ele denomina impulsivo-

emocional, onde a afetividade reduz-se às manifestações fisiológicas da

emoção.

A emoção fornece o primeiro e mais forte vínculo entre os indivíduos e

supre a insuficiência da articulação cognitiva no início da história do ser e da

espécie.

A atividade emocional é simultaneamente social e biológica em sua

natureza; realiza a transição entre o estado orgânico do ser e a sua etapa

cognitiva, racional, que só pode ser atingida através da mediação cultural

(social).

A conduta emocional, em sua origem, é involuntária e incontrolável,

mas, com a maturação cortical, torna-se suscetível de controle voluntário.

A emoção traz consigo a tendência para reduzir a eficácia do

funcionamento cognitivo, o que a torna regressiva. Mas a qualidade final do

comportamento gerado por ela dependerá da capacidade de controle

voluntário para retomar o controle da situação. Ou seja, uma pessoa bem-

sucedida encontra soluções inteligentes com muito mais facilidade e,

embora a emoção não desapareça completamente, ela se reduzirá.

Para Wallon, a afetividade é componente permanente da ação e por

isso todas as atitudes do ser humano contêm emoção.

A revolução orgânica provocada pela emoção concentra no próprio

corpo a sensibilidade que, por estar ocupada com as sensações viscerais,

metabólicas e respiratórias, diminui a percepção externa, o que acaba

prejudicando a atividade da relação. A sensibilidade tem um nível afetivo e

outro cognitivo, assim como a motricidade e a linguagem.

A emoção é visível e abre-se para o exterior através de modificações

na mímica e nas expressões faciais, o que determina o seu caráter

contagioso.

A afetividade não é apenas uma das dimensões da pessoa: Ela é

também a primeira fase do desenvolvimento do ser humano. No início da

vida, o ser humano é um ser afetivo, mas com o passar do tempo vai

tornando-se racional.

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A inteligência e a afetividade são desenvolvimentos recíprocos e as

aquisições de uma repercutem sobre a outra permanentemente. Assim que

o indivíduo está preparado para explorar a realidade, a afetividade dá

espaço à atividade cognitiva. A partir daí, a construção da pessoa será feita

de momentos afetivos e cognitivos integrados. Cada novo momento terá

incorporado as aquisições feitas no nível anterior, o que significa que, para

evoluir, a afetividade depende de conquistas realizadas no plano da

inteligência e vice-versa.

Nos momentos dominantemente afetivos o que está em primeiro

plano é a construção do sujeito, feita pela interação com os outros sujeitos;

Naqueles de maior peso cognitivo, é o objeto – a realidade externa – que se

modela pela aquisição de técnicas elaboradas pela cultura. Ambos

processos são sociais, embora em sentidos diferentes: No primeiro, social é

sinônimo de interpessoal e no segundo, é equivalente a cultural.

Wallon admite a existência de fases centrípetas e anabólicas – as de

predomínio afetivo – e centrífugas e catabólicas – predomínio da inteligência

– e acredita que o ponto de partida do desenvolvimento do pensamento

categorial e da personalidade diferenciada são os movimento reflexos e os

impulsos, que vão tornando-se expressivos com o passar do tempo.

Todas as atividades do ser humano, até mesmo as do

desenvolvimento cognitivo, despertam respostas afetivas, daí a afirmativa

walloniana de que a inteligência está associada à afetividade e que estimular

uma equivale a nutrir a outra.

A construção do “eu”, processo condenado ao inacabamento, se faz

pela oposição e negação do outro e persistirá dentro de cada um o que

Wallon chama de “fantasma do outro”. Esse processo se dá numa sucessão

de manifestações que vão desde a rebeldia e o negativismo à sedução do

outro e depois à sua imitação, pois o “eu” necessita da admiração alheira

para completar a sua construção e usa o outro como modelo para ampliação

das próprias competências.

Além de um certo nível de evolução da pessoa, o progresso da

inteligência depende também de acontecimentos biológicos e sociais. Em

função desses determinantes ela prosseguirá introduzindo acordo com as

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coisas e consigo mesma, o que faz com que o confronto com as pessoas

seja substituído pela resistência aos objetos.

A afetividade para Celestin Freinet

A aprendizagem pressupõe uma busca apaixonada e permanente do

saber, oriunda da premência de obter conhecimentos, vencer obstáculos,

expressar e satisfazer desejos.

Preocupados sempre mais com a eficiência do fazer pedagógico,

muitas vezes o educador esquece que a aprendizagem, para ocorrer, exige

uma disposição afetiva, um querer, um sentir necessidade de satisfazer

motivos e que o processo de conhecimento é um momento de apreensão

amorosa criativa, prazerosa e alegre. Surge daí, como relevante, a

motivação para o conhecimento em sala de aula que tem, entre outros

aspectos, as relações interpessoais. No âmbito dessas relações, sujeitos

(professor e alunos), objetos (temas, assuntos) e o contexto em que se

inserem cumprem todo um processo interativo em que a afetividade é o

componente básico.

Freinet estabeleceu, desde o início de suas atividades como mestre,

dominância absoluta da afetividade sobre o cognitivo, com notável vantagem

para a aprendizagem. Pela prática de modo claro evidenciou que é acessível

a todo mestre criar em sua classe ambientes, técnicas e estratégias que

favoreçam o surgimento de um clima que oportuniza as desejadas

modificações comportamentais.

A pedagogia Freinet é baseada na cooperação, na troca, no desejo e

no amor. A aprendizagem não se dá sem o desejo de aprender e acontece

na convivência com o outro.

Os encontros que a escola freinetiana propicia são regidos pelo

princípio do amor. Segundo esse princípio ninguém deve dominar o outro,

nem mesmo submeter-se ao outro. Os seres humanos grandes e pequenos

devem relacionar-se uns com os outros, conservando a própria integridade

pessoal, respeitando-se, no relacionamento afetivo, a originalidade

individual. Dar afetividade, dar amor na escola não significa um sentimento

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inefável, mas o cumprimento de tarefas de dar, cuidar, respeitar, conhecer.

Todas essas atividades constituem uma faísca que deve aumentar a

fraternidade entre os membros da comunidade escolar.

A relação fraternal constrói-se com os outros ao longo de uma tarefa

cooperativa. O esforço empregado na realização inibe, mesmo que

momentaneamente, os aspectos destrutivos dos seres humanos para dar

lugar às forças criativas.

O trabalho em equipe, os campeonatos esportivos, as saídas

culturais, as representações teatrais, corais, conjuntos musicais, trabalhos

na comunidade são algumas das técnicas da pedagogia Freinet que

propiciam o desenvolvimento de um clima afetivo e integrador.

Na proposta freinetiana a base da educação não deve ser

fundamentalmente o cultivo da inteligência, mas deve ter como prioridade a

formação de indivíduos com uma escala de valores éticos e morais que

visam a formação de seu ser maior.

O código moral existe para que todos os seres humanos reconheçam-

se mutuamente como pessoas e que formem uma comunidade, unindo os

que estão separados. O amor é a faísca que deve guiar estas ações, é o

poder que mantém a integridade da vida. A escola é uma das instituições

criadas pelo amor para favorecer a humanização e, por isso, tem grande

responsabilidade na educação moral das novas gerações.

No que diz respeito à construção do conhecimento, ela se dá

naturalmente e a afetividade tem grande importância nesse processo, já que

o aluno precisa estar emocionalmente envolvido com o saber para querer

aprende-lo. Por exemplo, no método natural de leitura e escrita a afetividade

tem importância primordial porque o aluno tem necessidade de identificar-se

com o texto; A palavra precisa ter significado afetivo na sua vida. Algumas

delas têm para as crianças uma grande ressonância afetiva: mamãe, papai,

o próprio nome ..., por isso são facilmente identificadas e reconhecidas,

assim como outras fazem parte da vivência individual de cada criança e

também são facilmente aprendidas.

A pedagogia Freinet e as escolas freinetianas mostram que para que

a aprendizagem seja efetiva é indispensável que ela seja afetiva, pois só

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assim terá significado real para educadores e educandos e estará seguindo

o mais nobre princípio da educação: a preparação para a vida.

“Descascar batatas é, no regimento, o

protótipo e o símbolo do trabalho do soldado.

Eles são uma dúzia, agrupados em torno

de um saco entreaberto no chão da cozinha,

como combatentes desiludidos vigiando o

inimigo derrotado.

Começam ao sinal, quando todo mundo

está pronto. E, segundo a técnica do trabalho

de soldado, batata nas mãos. Vigiam o

sargento. Quando ele olha, surge uma fatia

de cascas. Depois descansam, até o olhar

seguinte.

Fala-se de rendimento no trabalho. Aqui é

como um contra-rendimento. Quem produz

demais, compromete a sorte do grupo

condenado a uma nova corvéia. É a lei do

meio, de um meio que não é feito para o

trabalho.

Mas o jovem militar que , durante toda uma

manhã, descascou assim uma porção de

batatas, ao ritmo dos soldados, à tarde, em

casa, ouve a mulher dizer gentilmente:

“Tenho que fazer a sopa...”

- Deixe... batatas é comigo.

Nem espera o sinal. E as batatas

dançam e giram nas mãos diligentes, e a

ponta da faca extrai delicadamente os olhos

negros. E em que ritmo!

Já não é trabalho de soldado. É

simplesmente trabalho, uma atividade a que

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nos dedicamos com entusiasmo, por ser a

condição da nossa vida, e à qual, como a

toda obra de vida, damo-nos completamente.

Foi preciso muito pouco para

transformar em trabalho eficiente a estéril

corvéia do soldado: um sorriso amável, uma

palavra insinuante, um pouco de calor no

coração, uma perspectiva humana, e a

liberdade, ou antes o direito, que o indivíduo

tem de escolher ele mesmo o caminho por

onde seguirá, sem trela, nem corrente, nem

barreira.

Foi preciso tão pouco, mas esse pouco

é tudo.

Se você conseguir transformar assim o

clima da sua aula, se você deixar

desabrochar a atividade livre, se souber dar

um pouco de calor no coração, como um raio

de sol que desperta a confiança e a

esperança, você ultrapassará a corvéia de

soldado e o seu trabalho renderá cem por

cento.

Esse raio de sol é todo o segredo da

escola moderna.”

(Freinet, 2000, pág. 23)

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CAPÍTULO II

A AFETIVIDADE NA SALA DE AULA

É na escola que as crianças passam grande parte de sua vida. É nela

que passam a conviver com pessoas que não são seus pais ou parentes e

conhecem a vida em sociedade, respeitando regras e fazendo escolhas.

Quanto mais aconchegante for a escola melhor será a adaptação do aluno a

essa vida nova, longe da família e do meio em que ele está acostumado a

viver.

Uma escola de educação infantil deve fazer com que o educando

sinta-se acolhido e amado; Ela deve permitir que ele tenha contato com a

natureza, as artes e a brincadeira, favorecer a interação entre crianças e

adultos e reconhecer o indivíduo como um todo, promovendo o seu

desenvolvimento cognitivo, social, emocional e motor. Os pais devem ser

membros da escola e participar não só das festas e reuniões bimestrais,

mas da elaboração e execução do Projeto Pedagógico.

“É importante que as crianças

percebem que o professor não é o dono do

saber, que seu pai, os pais também sabem.

Que podem vir à escola trocar conhecimentos

conosco.”

(Freire, 1983, p. 58)

Muitas escolas preocupam-se em enfeitar seus muros e desenhar em

suas paredes personagens infantis acreditando que essas atitudes, por si só,

são capazes de criar um clima afetivo e um ambiente harmonioso, mas

esquecem de permitir que as crianças brinquem e conversem com outras

crianças. Ambientes como a sala de repouso, o pátio, a biblioteca, o jardim e

o parquinho são muito importantes para que haja afetividade na escola.

A sala de repouso é um lugar familiar e aconchegante onde a criança

pode descansar livremente, sem conteúdos, livros ou trabalhinhos. É aquele

cantinho descontraído e familiar que, por si só, é repleto de afeto e carinho.

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Ele permite que as crianças misturem-se, saindo dos grupos das mesas que

ficam na sala de aula, e relacionem-se num clima muito gostoso.

O pátio e o parquinho também são fundamentais para o surgimento

da afetividade pois são esses os espaços onde ocorrem as brincadeiras que,

além de auxiliarem no desenvolvimento do aluno, deixam que ele expresse o

que pensa e sente espontaneamente e interaja com os outros, trocando

experiências e construindo o conhecimento.

“É importante ressaltar que o parque não é

um tempo de recreio isolado da dinâmica do

trabalho, sem atuação do professor. Na verdade

o parque nos oferece, pela sua riqueza de

variedade de interesses, pela heterogeneidade de

idades, uma diversificada observação para

elaboração das atividades a serem desenvolvidas

com e pelas crianças.”

(Freire, 1983, p. 23)

A sala de aula é o espaço onde aluno passa grande parte da sua vida

escolar. Ela tem papel fundamental no processo ensino-aprendizagem no

desenvolvimento das relações afetivas. Sua arrumação pode promover ou

inibir a afetividade e, conseqüentemente, facilitar ou dificultar a aquisição do

conhecimento.

Numa sala de aula de educação infantil é indispensável a presença de

brinquedos, pois eles fazem parte da vida das crianças desde o seu

nascimento e aproximam a vida escolar à vida familiar, tornando o ambiente

mais aconchegante e acolhedor.

“Quando uma criança brinca, joga ou

desenha, ela está desenvolvendo a capacidade

de representar, de simbolizar. É construindo suas

representações que as crianças se apropriam da

realidade”.

(Freire, 1983, p. 25)

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O material de trabalho (papel, lápis de cor, massinha, etc) devem

estar acessíveis ao educando pois assim ele poderá pegar o seu material

de trabalho livremente, sem a ajuda do professor, o que faz com que ele

sinta certo domínio do ambiente, além de auxiliar no desenvolvimento da

autonomia e da independência dele.

Ao colocar em sua sala uma biblioteca, além de fazer com que os

alunos tenham acesso à leitura e à escrita desde cedo, de forma espontânea

e prazerosa, o professor oferece mais uma atividade livre, que a criança

pode realizar quando quiser.

Porém, para o estabelecimento da afetividade na sala de aula, não

basta que haja material disponível, livros ou brinquedos, mas é

imprescindível que haja pessoas interagindo e trocando experiências. Ela

deve possibilitar que os alunos se relacionem entre si e com o professor,

possuindo espaço suficiente para que eles andem, brinquem e movimentem-

se e uma arrumação organizada de modo que eles possam conversar e

interagir uma com os outros.

“Segundo Piaget, é através de relações

interpessoais repetidas, principalmente aquelas que

incluem discussões e discordâncias, que a criança é

levada a tomar conhecimento do outro.”

(Freire, 1983, p. 20)

Arrumar os aluno em grupos sempre iguais e definidos de acordo com

a conveniência do professor pode impedir que a afetividade faça parte da

prática pedagógica, pois faz com que as crianças conversem e convivam

sempre com as mesmas crianças e, embora sempre tenham algo a aprender

nessa relação, o educando não tem oportunidade de conhecer outras

pessoas, que têm outro comportamento, outros sentimentos e outras

histórias de vida e fique impedido até de descobrir afinidades e diferenças

com outras pessoas e aprender a lidar com elas.

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Muitos professores colocam sua mesa em lugar de destaque,

geralmente onde dê para ele ver tudo o que acontece na sala, e impede o

aluno de se aproximar dele, impossibilitando a aproximação entre educando

e educador e criando uma barreira entre eles.

Numa sala de aula onde há afetividade, professor e aluno conversam,

brincam e aprendem juntos, e não existem barreiras entre eles. A

aprendizagem acontece a todo o momento e em todas as atividades.

Desde bebê, todos os trabalhos produzidos pelas crianças têm muito

valor para elas. Na escola isso também acontece, pois, mesmo sem

demonstrarem, os alunos valorizam seus trabalhos e produções, e é muito

importante que eles sintam que o educador e a escola também demonstrem

interesse e admiração por aquilo que eles fazem. Uma ótima oportunidade

para tal demonstração é a exposição dos trabalhos em murais, painéis e

feiras (exposições).

Em muitas escolas, porém, somente os trabalhos “mais bonitos e

caprichados”, segundo a avaliação da professora, são colocados no mural,

deixando os alunos, cujas produções sejam “diferentes”, frustrados e

decepcionados, pois não houve reconhecimento para aquilo que eles

produziram. Muitas vezes, essa decepção inibi o interesse e desmotiva o

aluno, fazendo com que ele deixe de criar e produzir ou passe a fazer as

atividades “de qualquer jeito”.

Um outro aspecto a ser destacado é a competição que essa avaliação

pode gerar. Muitos professores mostram os trabalhos de alguns alunos

(geralmente “os melhores”) como exemplo e símbolo de perfeição, fazendo

com que eles passem a copiar o trabalho alheio, acreditando que assim o

seu estará correto e será também um destaque. Alguns educandos, ainda,

deixam de admirar o que é seu para valorizar o que é do outro e chegam até

a acreditar que são incapazes por não conseguirem fazer igual.

A afetividade no relacionamento aluno X aluno

Na vida em sociedade, os seres humanos estão sempre se

relacionando e trocando experiências, informações e valores. O mesmo

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acontece na escola; Os alunos interagem o tempo todo, em todas as

atividades, entre si e com os demais membros da comunidade escolar.

Como em qualquer relacionamento interpessoal, os alunos também

têm mais afinidades com uns colegas do que com outros, fazendo com que

haja preferência de alguns em relação a outros. Com quem gosta, a criança

costuma ter uma relação de carinho e confiança, envolvendo a troca de

segredos e presentes e o oferecimento de ajuda e cooperação. É muito

comum observarmos as crianças, independente do sexo, brincando,

conversando, contando segredos e ajudando aqueles de quem gostam mais.

Já quando não gostam de alguém, a reação de meninos e meninas

não é igual; Elas ignoram, excluem das brincadeiras e do convívio, enquanto

eles agem com “violência”, demonstrando desejo de agredir física e

verbalmente o “inimigo”.

“As atitudes relativamente a quem não se gosta

parecem ser influenciadas pela variável gênero sexual,

sobretudo nos modos de exprimir o desagrado por

alguém.”

(Saramago apud Publicações do Congresso Internacional, 1994, p.

383)

É muito comum, na sala de aula, a presença de um líder, ou seja, um

aluno (a) que tem forte influência sobre os demais. Ele (a) geralmente é uma

pessoa de quem todos gostam e respeitam.

Essa liderança se dá sem que os demais percebam e, na maioria dos

casos, é exercida por um aluno mais velho ou mais amadurecido que se

aproveita da situação para dominar a turma. Tal fato pode inibir a

espontaneidade das crianças e impossibilitar que elas descubram sozinhas

as soluções para os seus problemas e realizem os seus desejos.

Assim como a sociedade, o contexto escolar também é repleto de

preconceitos, que geram a discriminação e o isolamento de determinadas

crianças.

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Muitas vezes, os alunos da raça negra são caracterizados por

adjetivos pejorativos como “preto” e “escuro” e descritos com valorização

das características que evidenciam a sua negritude. Quem nunca ouviu uma

criança (ou até mesmo um adulto) falando que “fulano” é preto, tem “cabelo

duro” e nariz grande?

Em escolas freqüentadas por crianças das classes média e alta existe

ainda o preconceito contra aquelas que são de classes mais baixas. Elas

são alvos de comentários maldosos por passarem fome, não levarem certos

lanches ou não usarem determinados tipos de tênis e/ou roupas.

Existe ainda uma forte discriminação em função do gênero sexual. As

crianças, em especial os meninos, são constantemente cobradas sobre sua

opção sexual. As meninas não podem jogar futebol, brincar só com meninos

ou agir “sem modos”, enquanto os meninos não podem brincar de boneca,

chorar e, até mesmo, brincar só com as meninas. Além disso, se não

assediarem-nas, ou apresentarem uma namorada, têm sua masculinidade

colocada em dúvida não só pelos colegas, mas principalmente por seus

familiares.

Uma forma muito conhecida de discriminação é o apelido, que, na

maior parte dos casos, são contra a vontade de seu “dono” pois valorizam

algo que ele não gostaria de ser ou ter, além de criarem-lhe um rótulo.

A questão da discriminação está diretamente ligada ao autoconceito,

isto é, à atitude que o indivíduo tem de si mesmo decorrente da maneira

como se percebe, e é fundamental à formação da sua identidade.

Os alunos que são discriminados acabam formando o seu

autoconceito baseado no preconceito que os atinge, o que faz com que eles

se valorizem negativamente, se isolando do restante do grupo e deixando de

participar das atividades que exigem maior exposição por medo das reações

e comentários dos demais.

“Tendo em mãos uma série de textos produzidos

pelos alunos, a professora retornava uma atividade feita

no dia anterior. Após contextualizar a realização da

produção escrita e fazer alguns comentários gerais

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sobre os textos (...) ela propôs às crianças que cada um

lesse o seu. (...)

Nesta seqüência, uma das primeiras era Alc que,

ao ser consultada, também disse que não queria ler.

Neste momento, a pesquisadora, que estava

perto dela, perguntou-lhe porque não queria ler e a

resposta foi: Eu não! Os outros vão rir de mim!”

(Oliveira apud Smolka, 2001, p. 156)

O autoconceito está diretamente ligado à auto-estima, que é uma

atitude valorativa do indivíduo em relação a si mesmo e também está

presente na formação da identidade. Quando o ser humano percebe-se de

maneira negativa, ele não se valoriza ou atribui-se um valor muito baixo,

acreditando que seu modo de ser é errado e ignorando as suas qualidades.

Se pedirmos a um aluno que sofre qualquer tipo de preconceito, para

escrever sobre ele, observaremos que a sua narrativa explicitará as

características da discriminação de que ele é vítima.

“Eu sou preta tenho cabelo duro

Os meninos diram [tiram] saro [sarro] de mim só

porque eu sou preta (...)

Eu não sou parecida com ninguém

A Ana é diferente de mim ela tem cabelo grande

Ela é morena eu sou preta os meninos agaram

[agarram] ela (...)

Eu sou parecida com a Bea

A Bea tem cabelo duro eu também tenho cabelo

duro...”

(Oliveira apud Smolka, 2001 p.157)

O baixo autoconceito e a auto-estima baixa geram uma

desvalorização do aluno com relação a ele mesmo, o que pode acarretar

uma falha na sua identidade.

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Os “problemas” relativos ao autoconceito e a identidade costumam

ser entendidos como “desajustes psicológicos” que são interpretados

individualmente, como se, para serem resolvidos, bastasse que a criança

fosse “tratada”. Isso é um grande erro, pois esses “problemas” têm origem

social e histórica e estão presentes não só na vida da criança, mas em toda

a sociedade, desde o seu surgimento.

“Se contradições, conflitos e tensões envolvem as

enunciações das crianças a respeito de si próprias,

essas mesmas contradições conflitos e tensões circulam

pela sala de aula e vão além dos muros da escola.

Desta forma, para encaminhar “problemas” que são de

ordem social e histórica, é necessário, antes de mais

nada, que se pense estes “problemas”, também com

sociais e históricos, e não psicológicos.”

(Oliveira apud Smolka, 2001 p.173)

Compreendendo a afetividade são só como carinho, mas

principalmente como a interação, a troca e a provocação de mudanças

com/no outro, fica clara a importância que ela tem na relação aluno X aluno,

uma vez que ela influencia na formação da sua identidade.

A afetividade no relacionamento professor X aluno

Em todos os momentos da prática pedagógica é possível perceber se

a afetividade está presente ou ausente na relação entre professores e

alunos. O jeito de falar, ensinar, avaliar, explicar e até mesmo impor limites

denuncia o tipo de relacionamento existente entre eles.

Quando existe afetividade, professores e alunos são uma só pessoa;

Eles brincam, tomam decisões, planejam e aprendem juntos. O professor é o

mediador do conhecimento e o aluno é sujeito e objeto do processo ensino-

aprendizagem.

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A relação entre educando e educador é de amizade e confiança e a

aprendizagem se dá de forma prazerosa, já que a educação não é vista

apensa como uma obrigação , um trabalho. O respeito surge da admiração e

não do medo e é executado por ambas as partes,

“Pelo próprio fato de amá-lo e sentir-se

respeitada por ele, a criança gostará de respeita-lo, de

lhe dar prazer e imita-lo, enquanto essa atitude se

harmoniza com seu desenvolvimento natural.”

(Dolto, 1988, p. 59)

Nesse tipo de relacionamento, o professor conhece cada aluno e tem

sensibilidade para identificar as suas necessidades, não só cognitivas mas

também afetivas. Ele sabe reconhecer, por exemplo, quando o aluno está

triste, magoado e o que pode fazer para que a criança sinta-se melhor.

Na educação infantil é muito comum as crianças, mesmo depois de

adaptadas, chegarem à escola chorando por falta da mãe ou de alguém

familiar e muitas professoras caracterizam o fato como “manha” e não

preocupam-se em descobrir o motivo da carência do aluno naquele

momento, o que pode até influenciar negativamente na aprendizagem,

deixando-o sem estímulo e vontade de aprender.

A criança necessita de atenção, de sentir-se amada, e isso pode (e

deve) acontecer na sala de aula; Basta que o educador permita que ela

demonstre o que pensa e sente e valorize e respeite seus pensamentos e

sentimentos.

Como em qualquer outro relacionamento, o professor também se

identifica mais com uns alunos do que com outros e, muitas vezes, acaba

dando tratamento diferenciado aos preferidos. Mas, ao contrário do que

acontece no relacionamento entre alunos, essa preferência não pode ser

percebida pela turma, pois os demais poderiam sentir-se rejeitados, o que

dificultaria o convívio entre eles e a aprendizagem.

Assim como no relacionamento entre aluno, na relação entre

professor e aluno também existem preconceitos e discriminações, embora

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estes tenham motivos diferentes; A professora, geralmente, discrimina os

alunos que têm dificuldades de aprendizagem ou que são filhos de pais que

não se relacionam bem com ela.

Essa discriminação pode acabar “rotulando” o aluno e fazendo com

que ele fique caracterizado por aspectos negativos e, muitas vezes, seja

discriminado também pelos colegas ou por outros professores e membros da

escola.

Nos conselhos de classe é muito comum ver o educador referindo-se

a determinados alunos de maneira pejorativa, evidenciando suas qualidades

negativas e criando-lhe um estigma que passa a ser a sua referência.

Rótulos e estigmas não podem existir em uma sala de aula onde haja

afetividade, pois, além de marcarem negativamente os alunos, eles

favorecem o surgimento de problemas no autoconceito e na auto-estima do

educando, o que faz com que ele se afaste do professor e deixe de interagir

com as outras crianças, impossibilitando a troca de experiências e,

conseqüentemente, a construção do conhecimento.

Só existe afetividade se existir respeito, por isso o educador deve

conhecer e aceitar as diferenças e dificuldades do educado, buscando

caminhos para ajuda-lo a melhorar, sem prejudicar a formação da sua

identidade.

Porém, cabe lembrar que respeitar as individualidades e estabelecer

um relacionamento afetivo com o aluno não significa não impor limites, uma

vez que as regras são indispensáveis a vida em sociedade.

Desde bebê a criança já está sendo trabalhada com relação aos

limites e regras de seu meio social, embora muitos pais evitem dizer “não”

por medo de serem muito rígidos e prejudicarem o desenvolvimento dela.

Tal atitude reflete negativamente na escola, pois os alunos estão mais

indisciplinados e ela acaba tendo que assumir uma responsabilidade que é

dos pais.

Quando uma criança não tem limites ela é acostumada a fazer o que

quer e não respeita o limite do outro.

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“Com medo de serem muito rígidos e

prejudicarem o desenvolvimento da criança, muitos pais

evitam a todo custo dizer “não”, isto é, acabam por não

colocar limites no comportamento das crianças. Deixam

de ser espontâneos, ficam o tempo todo pensando se

isso ou aquilo vai traumatizar seu filho. Dessa forma, a

criança não aprende quais são as regras, o que é certo

e errado na sua sociedade. Ou melhor, é educada para

fazer o que quer, sem respeitar o limite das outras

pessoas.”

(Pantoni apud Rosseti-Ferreira, 1998, p. 169)

Para que o relacionamento entre professores e alunos seja bom é

indispensável que as regras sejam bem claras na sala de aula, pois assim a

criança sabe como agir, o que espera-se dela e o que ela pode esperar do

outro.

Colocar, de forma clara, limites não significa gritar, falara de modo

grosseiro ou pôr de castigo, mas agir com lógica e coerência, explicando

com firmeza os motivos pelos quais está sendo colocado o limite. Agindo

assim o professor estará sendo firme e não autoritário, que é aquele que não

explica o motivo do “não” e acaba tendo atitudes violentas, como gritar,

colocar de castigo e agredir verbal e fisicamente.

O autoritarismo consiste ainda em dar pouca ou nenhuma liberdade à

criança, impedindo que ela brinque, se suje e faça barulho e fazer

chantagem emocional, sendo afetivo apenas quando ela se comportar bem.

Impor disciplina dessa maneira faz com que o aluno tenha medo e

não confie no professor, o que pode causar sérios problemas no processo

ensino-aprendizagem. O ideal é que o educador seja justo, coerente e amigo

estabelecer com o educando uma relação de confiança e amizade e o

respeito surja em função da admiração que tem por ele e não por medo do

seu poder.

As regras a serem respeitadas na sala de aula podem (e devem) ser

construídas em conjunto, ou seja, por professores e alunos. Para isso, basta

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que o educador tenha segurança sobre os limites que deseja estabelecer e

seja franco com os alunos, explicando por algo pode ou não ser feito. Dessa

maneira, além de ficar mais fácil cobrar a obediência à regra, o educador

desenvolve a autonomia das crianças e trabalha valores de democracia e

cidadania na sua prática.

“Trabalhar regras com as crianças é um exercício

longo, que pede constância, paciência e tenacidade.

Mas fará nossas crianças capazes de conviver de forma

saudável e gostosa com as diferenças entre as pessoas,

respeitando-as em seus limites.”

(Frazzato apud Rosseti-Ferreira, 1998, p. 175)

Na sala de aula onde há afetividade o convívio é harmonioso,

professores e alunos vivem bem, daí a importância dos limites e regras, já

que se cada um fizer o que quer o respeito deixa de existir e a convivência

torna-se insuportável.

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CAPÍTULO III

AFETIVIDADE, CONHECIMENTO E DESENVOLVIMENTO COGNITIVO

O objetivo principal da educação é a construção do conhecimento e o

desenvolvimento cognitivo. Mas, o que se pode entender por conhecimento

e desenvolvimento cognitivo?

Conhecimento é tudo aquilo que o aluno aprende, descobre, não

tratando-se apenas de conteúdos sistematizados, mas também de

conceitos, valores e informações. Tudo é conhecimento e é por isso que ele

está presente em todas as atividades do contexto escolar.

O desenvolvimento cognitivo é a inteligência, a capacidade de pensar

e raciocinar. Vale ressaltar que essa inteligência não é aquela medida por

Q.I., onde o aluno vale de acordo com a quantidade de conteúdos e

informações memorizadas, mas a capacidade de pensar e resolver

problemas do cotidiano, da vida.

Conhecimento e desenvolvimento cognitivo são conceitos

interligados, já que um completa o sentido do outro; O aluno só tem a sua

inteligência desenvolvida quando consegue interiorizar o conhecimento e

utiliza-lo na vida.

A afetividade é indispensável à produção do conhecimento e ao

desenvolvimento cognitivo, pois a convivência entre as pessoas oferece

inúmeros conhecimentos, já que as pessoas pensam, sentem e agem de

forma diferente. Além disso, é através dos relacionamentos que o indivíduo

constrói a sua identidade e auto-estima, muito importantes no processo

ensino-aprendizagem.

Despertar o interesse do aluno pelo saber não é uma tarefa muito

fácil. É necessário que haja motivação e estímulo, adequação dos conteúdos

à realidade e necessidades do aluno, oportunidade para participação do

educando e afetividade entre os envolvidos no processo.

Estimular o aluno significa despertar a sua curiosidade e vontade de

aprender; É envolve-lo de tal maneira com o conhecimento que ele tenha

interesse em saber e busque descobrir sobre aquilo que deseja aprender. Se

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o educando estiver estimulado em aprender, a aquisição do conhecimento

será fácil e prazerosa e terá grande importância em sua vida.

Para que a produção do conhecimento aconteça é necessário que o

aluno reconheça a importância que ele tem na sua vida. É importante que

ele identifique-se com o conhecimento, pois somente assim ele terá vontade

de aprender e a descoberta se dará de forma espontânea. Quando a escola

apresenta uma série de conteúdos que não pertencem à realidade e à vida

do aluno, ele perde o interesse na aprendizagem, o que torna o processo

mais difícil.

“Por que é preciso, que lástima! Que a técnica

escolar se pareça tanto com os trabalhos de soldado?

Teremos deslocado inutilmente aqueles montes de

cascalho de que os manuais estão cheios? Teremos

feito aqueles exercícios que não tem outra função além

de escurecer cadernos e preencher, com disciplina, as

horas desesperantes que nada anima nem alimenta?”

(Freinet, 2000, p.40)

Porém, na maioria das vezes, a escola está tão preocupada em

cumprir o planejamento e seguir o currículo que impõe ao aluno uma série

de conteúdos que nada significam para ele, pois não têm nenhuma relação

com a sua realidade nem utilidade para a sua vida. É muito comum, por

exemplo, ver uma professora falando sobre família com mãe, pai e filhos

sem levar em conta que os “tipos” de família hoje são os mais variados

possíveis, uma vez que muitas crianças moram com seus avós ou são filhos

de pais separados.

Uma vez, pude observar uma professora falando sobre o percurso

que a água faz para chegar à casa das pessoas, passando por estações de

tratamento e caixas d’água, em uma turma onde os alunos moravam no

morro e utilizavam a água da vala pois não havia água canalizada naquela

comunidade.

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Quando isso acontece o aluno fica distante do conhecimento, já que

não vê nenhuma relação entre ele e a sua vida. É indispensável que a

escola esteja atenta a isso para poder fazer com que o aluno se identifique

com os saberes escolares e reconheça a utilidade deles no cotidiano. Cabe

ressaltar, porém, que a escola não pode também deixar de trabalhar os

conteúdos e omitir conhecimento; Ela deve adequá-los à realidade da

comunidade e relaciona-los com a vida ao invés de lança-los como algo

alheio ao mundo do educando.

“Se o aluno não tem sede de conhecimentos, nem

qualquer apetite pelo trabalho que você lhe apresenta,

também será trabalho perdido “enfiar-lhe” nos ouvidos

as demonstrações mais eloqüentes. Seria como falar

com um surdo. Você pode elogiar, acariciar, prometer ou

bater... o cavalo não está com sede! E cuidado: com

essa insistência ou essa autoridade bruta, você corre o

risco de suscitar nos alunos uma espécie de aversão

fisiológica pelo alimento intelectual, e de bloquear, talvez

para sempre, os caminhos reais que levam às

profundidades fecundas do ser.”

(Freinet, 2000, p. 19)

O aluno que se identifica com o conhecimento, fica motivado, sente

vontade de aprender e busca o conhecimento em todos os momentos.

Nesse momento a afetividade tem papel preponderante pois o

relacionamento com a professora e os demais alunos podem fazer com que

o educando sinta vontade de freqüentar a escola ou ausentar-se dela e de

aprender.

A professora tem muita importância na relação que o aluno

estabelece com o conhecimento; Ela pode fazer da aprendizagem um prazer

ou uma tortura. Se o relacionamento entre o educando e o educador for

afetivo (baseado na troca de experiências, respeito e amizade) o aluno

sentirá vontade de aprender. A sua prática pedagógica deve estimular e

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motivar o aluno, aumentando o interesse dele pelo conhecimento e dando-

lhe oportunidade de fazer as descobertas necessárias à aprendizagem. Para

isso, é necessário que o educador crie aulas criativas e dinâmicas, onde o

educando tenha oportunidade de participar, trocar experiências e construir o

seu conhecimento.

O professor deve respeitar os saberes que o aluno traz de casa e

levar em conta a bagagem de vida de cada um, ouvindo cada criança e

respeitando as diferenças. Ele não pode ser autoritário e agir como se fosse

o “dono do saber”, que nada tem a aprender e que deve transmitir o

conhecimento como se ele fosse verdade absoluta.

Ele deve colocar-se com mediador do processo ensino-aprendizagem,

que oferece os instrumentos necessários e direciona a construção do

conhecimento, fazendo da afetividade uma aliada para.estimular o interesse

do aluno.

“Numa concepção onde o professor é o dono

exclusivo do processo de alfabetização, onde ele acha

que só ele sabe, as crianças necessitam ser ensinadas,

alfabetizadas, no fundo revela um profundo descrédito

nas crianças, e vê a educação como mera transmissão

de “conhecimento”. O oposto de tudo isso se verifica na

prática em que o professor não se coloca como dono

exclusivo do que sabe mas, pelo contrário, é através do

que ele sabe que ele encaminha e sistematiza os dados

observados na prática das crianças, para que elas

própria façam suas descobertas. Pois, só assim,

atuando, pensando a criança vai se apropriando do seu

processo de alfabetização.”

(Freire, 1983, p. 69)

Um problema muito comum no processo de construção do

conhecimento é que alguns professores limitam a descoberta do aluno,

permitindo que eles busquem apenas o que está no programa e foi

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planejado. Com isso, acabam restringindo a curiosidade e o interesse do

educando. O processo de descoberta deve ser livre e espontâneo, o que não

significa que seja sem objetivos. O professor deve direcionar a atividade,

favorecendo a descoberta do conhecimento, sem limitar o interesse e a

vontade do aluno.

O aluno motivado e interessado no conhecimento, geralmente,

participa das atividades com entusiasmo e curiosidade. Ele pergunta,

indaga, cria e procura saber sempre mais do que é apresentado. As aulas

não são vistas como mera obrigação, mas sim como um prazer, a escola

vira um ambiente agradável e a professora torna-se uma amiga. Assim, a

aprendizagem fica fácil, prazerosa e duradoura.

Numa turma onde os alunos estão motivados e com vontade de

aprender eles, normalmente, não são objetos do conhecimento, mas sujeitos

da sua aprendizagem. Eles costumam conversar, perguntar e, até mesmo,

trazer para a aula informações sobre o assunto estudado. Às vezes o grau

de envolvimento e identificação é tão grande que o educando acaba indo

muito além do que foi planejado e descobrindo muito mais sobre o assunto.

Uma vez, observei uma aula em que a professora estava trabalhando

a Copa do Mundo e os alunos estavam tão envolvidos com o assunto que

resolveram pesquisar o Japão (população, moeda, capital, hábitos do povo,

etc.), o movimento de rotação da Terra (aqui é dia e lá é noite) e o idioma

japonês. Esse “conteúdo” tornou-se um projeto e durou mais de um mês e a

turma estava cada vez mais interessada em fazer novas descobertas.

De nada adianta um ótimo método e vários recursos materiais se não

houver motivação, interação e troca de experiências.

“Pouco importa a excelência dos materiais colocados no

limiar do sue entendimento, sua sábia habilidade para dispor

gravetos e carvões, a obstinação em sacudir a apatia de uma

alma inerte, os esforços para fazer progredir uma chama que

teima em se extinguir.

Dê tiragem! Descubra e utilize o apelo soberano das

necessidades vitais, individuais e sociais...

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Então bastará apresentar uma chama muito pequena,

que a vida alimentará e ampliará, até inflamar o indivíduo

inteiro.”

(Freinet, 2000, p. 21)

Outro aspecto muito importante na construção do conhecimento e do

desenvolvimento cognitivo é a auto-estima, construída a partir da identidade

do ser humano. O relacionamento com a professora e os colegas são

fundamentais à construção do autoconceito e, conseqüentemente da auto-

estima, que estão vinculados à imagem que os outros fazem e da maneira

como se relacionam com o aluno.

Se o autoconceito for baixo ele pode gerar uma desvalorização do

educando com relação a si mesmo, o que caracteriza a auto-estima baixa.

Quando isso acontece, ele acha-se incapaz de produzir e aprender, o que

dificulta a aprendizagem. A criança que tem complexo de inferioridade não

acredita no seu potencial e tem medo de se expor e experimentar, o que faz

com que ela não interaja com outras crianças e tenha maiores dificuldades

em construir o seu conhecimento.

“Complexo de inferioridade, criança que não acha

que é capaz, baixo autoconceito são algumas

expressões utilizadas por professores para se referirem

a alguns aspectos que envolvem a forma pela qual a

criança se percebe em sua relação com a vida escolar.

Aspectos esses que apontam para uma valorização

negativa do aluno com relação a si mesmo e às suas

produções.”

(Oliveira apud Smolka, 2001 p.152)

Quando o aluno se admira e confia no seu potencial ele não tem

medo de experimentar e descobrir novos conhecimentos, o que facilita a

aprendizagem e o desenvolvimento da inteligência.

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O autoconceito e a auto-estima estão diretamente ligados ao

desempenho acadêmico, já que quanto mais altos forem os seus níveis

melhor será o desempenho escolar e quanto menores, maiores serão as

chances de fracasso.

A falta de troca de experiências e oportunidade para interação entre

os alunos e a professora também podem fazer com que surja o fracasso

escolar, pois a construção de conhecimento não se dá sem que haja

convivência a troca de saberes.

Os laços de carinho e amizade entre professores e alunos são

estímulos naturais, portanto não podem, em hipótese alguma, deixar de

existir na sala de aula. Quem é que não tem prazer em freqüentar um

ambiente onde é acolhido e bem tratado e conviver com pessoas que gosta

e admira? Se o educando não sentir-se bem na escola, ele dificilmente verá

o conhecimento e o saber como algo interessante e freqüentá-la será

apenas uma desagradável obrigação e estudar um dever.

Outro fator que possibilita a ocorrência do fracasso escolar é a falta

de identificação do saber com o aluno, afinal, ele não vai se interessar em

aprender algo que não tenha nenhuma relação com a sua vida. Conteúdos

isolados, sem ligação com o mundo não despertam o interesse nem a

curiosidade de ninguém.

“Os seus alunos decoram a tabuada num mundo

que será, amanhã, o da máquina de calcular. Eles se

enervam com as aulas de caligrafia e amanhã a

máquina de escrever proporcionará, até ao mais

desajeitado, um êxito exemplar.”

(Freinet, 2000, p. 13)

Muitas vezes o aluno é acusado de ser o principal responsável pelo

seu fracasso escolar, mas, em grande parte dos casos, o problema está na

organização da escola e na prática pedagógica do educador. É muito

importante avaliar se na sala de aula ocorre interação, se a aula é

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interessante, se os conteúdos têm relação com a vida e a importância que o

conhecimento tem na vida do educando.

As causas do fracasso escolar são muitas e a escola e o educado não

podem ser vistos como únicos culpados, afinal fatores como a vida familiar

também têm ligação direta com a aprendizagem, mas se a instituição

proporcionar uma ambiente agradável e uma prática pedagógica

interessante, certamente, o processo ensino-aprendizagem será mais fácil e

os índices de reprovação bem menores.

A afetividade, enquanto capacidade de provocar mudanças no outro a

partir de sentimentos despertados nele através da interação e da troca de

experiências, está diretamente ligada com a construção do conhecimento,

pois a convivência gera vários conhecimentos, já que cada pessoa tem um

jeito diferente de ser e inúmeros saberes para ensinar e aprender.

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CONCLUSÃO

A afetividade está presente em todos os momentos da vida do ser

humano: Na família, na comunidade, no trabalho e na escola. O indivíduo se

relaciona com outras pessoas e pela convivência aprende novos

conhecimentos que fazem com que ele modifique seu jeito de ser, pensar e

agir e é aí que a afetividade é fundamental.

Sem relacionamentos e convivência não há afetividade nem

aprendizagem, pois esses “elementos” se completam e se integram e um

depende do outro para acontecer.

A organização pedagógica e do espaço físico da escola podem

facilitar ou dificultar o surgimento da afetividade. Numa escola onde a

criança tem espaço para correr, brincar e fazer descobertas e oportunidade

para interagir com outras crianças a afetividade faz parte da prática

pedagógica e é, geralmente, tão valorizada quanto os conteúdos ou as

atividades.

Na sala de aula a afetividade do aluno está presente em todas as

atividades por ele desenvolvidas; Nas brincadeiras, nas artes, na leitura, na

escrita e, principalmente, nas relações estabelecidas com os professores e

com o grupo. Ela é uma das principais responsáveis pela maneira como a

criança trata as outras crianças e os professores, como ela se vê em relação

a si mesma e aos outros e como ela aprende.

Quando o educando é aceito pela turma e mantém um bom

relacionamento com as outras crianças, sem preconceitos nem

discriminações, o seu autoconceito é bom e a sua auto-estima,

provavelmente, também será, o que facilita a aprendizagem. O aluno que se

aceita e se valoriza tem coragem de tentar e experimentar, o que

proporciona a descoberta do conhecimento.

A relação com o professor também tem papel preponderante na

aprendizagem; Se houver afetividade o aluno se sentirá motivado e terá

interesse em aprender. Essa vontade e interesse são indispensáveis para a

aquisição do conhecimento e o desenvolvimento cognitivo.

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A afetividade é uma das responsáveis pelo surgimento dos fatores

que favorecem a aprendizagem e o desenvolvimento cognitivo. Ela tem

influência na formação da auto-estima, do interesse, da vontade e motivação

do aluno pelo conhecimento.

Sendo assim, pode-se verificar que a afetividade não só tem grande

importância no processo ensino-aprendizagem, mas também é produtora de

conhecimento, pois além de estar diretamente ligada aos fatores que têm

influência no desenvolvimento da inteligência, também faz com que o ser

humano aprenda através dos sentimentos, emoções e experiências que são

trocadas na vida em sociedade.

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BIBLIOGRAFIA

- FREIRE, Madalena. A paixão de conhecer o mundo. 9ª ed. Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 1983.

- FREINET, Cèlestin. Pedagogia do bom senso. 6ª ed. São Paulo:

Martins e Fontes, 2000.

- SMOLKA, Ana Luisa, GOES, Maria Cecília de (orgs). A linguagem e o

outro no espaço escolar. 5ª ed. Campinas, SP: Papirus, 1996.

- ELIAS, Marisa Del Cioppo (org.). Pedagogia Freinet: Teoria e Prática.

Campinas, SP: Papirus, 1997.

- LA TAILLE, Yves de, OLIVEIRA, Marta Kohl, DANTAS, Heloysa.

Piaget, Vygotsky, Waalon: Teorias psicogenéticas em discussão. 7ª

ed. São Paulo: Summus, 1992.

- DOLTO, Françoise. Psicanálise e pediatria. Lisboa: Dom Quixote,

1973.

- ROSSETI-FERREIRA, Maria Clotilde, (org.). Os fazeres na Educação

Infantil. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2001.

- FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à

pratica educativa. 23ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

- MARCHAND, Max. A afetividade do educador. 3ª ed. São Paulo:

Summus, 1985.

- Publicações do congresso Internacional “Os mundos sociais e

culturais da infância”. III Volume. Lisboa: Actas, 1994.

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ATIVIDADES CULTURAIS

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ÌNDICE

- Resumo Pág. 04

- Introdução Pág. 07

- Capítulo I – O que é afetividade? Pág. 09

- Capítulo II – A afetividade na sala de aula Pág. 18

- Capítulo III – Afetividade, conhecimento e desenvolvimento cognitivo Pág.30

- Conclusão Pág. 38

- Bibliografia Pág. 40

- Atividades Culturais Pág.41

- Folha de Avaliação Pág. 44

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PROJETO A VEZ DO MESTRE

Pós-graduação “Lato Sensu”

Título do livro: Afetividade e aprendizagem

Data da entrega:________________________

Auto Avaliação: Como você avaliaria este livro?

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Avaliado por:

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