Agenda Setting, Plano X e a Mídia Ninja

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Artigo publicado na Revista Brasileira de Ensino de Jornalismo (v. 4, n. 14). Com as manifestações populares acontecidas em Junho de 2013, o Brasil viu o surgimento de uma iniciativa midiática descentralizada conhecida como Mídia Ninja (“Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação”), vinculada ao Coletivo Fora-do-Eixo, e que foi saudada por vários – nas redes sociais, principalmente – como uma alternativa viável e saudável à mídia tradicional. Este artigo pretende analisar – à luz da teoria do Agenda Setting – o processo de autodefesa dos veículos da chamada “grande mídia” em relação à alternativa apresentada pela mobilização coletiva Ninja, na tentativa de minar a relevância da iniciativa ninja e preservar, mesmo que temporariamente, o status quo midiático no Brasil.

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  • LUCIANO DE SAMPAIO SOARES1

    RESUMO

    Com as manifestaes populares acontecidas em junho de 2013, o Brasil viu o surgimento de uma iniciativa miditica descentralizada conhecida como Mdia Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ao), vinculada ao coletivo Fora do Eixo, e que foi saudade por vrios nas redes sociais principalmente como uma alternativa vivel e saudvel mdia tradicional. Este artigo pretende analisar luz da teoria do agenda setting o processo de autodefesa dos veculos da chamada grande mdia em relao alternativa apresentada pela mobilizao coletiva Ninja, na tentativa de minar a relevncia da alternativa ninja e preservar, mesmo que temporariamente, o status quo miditico no Brasil.

    PALAVRAS-CHAVE

    Mdia Ninja. Mdia tradicional. Agendamento. Enquadramento. Jornalismo.

    ABSTRACT

    From the public riots occurred in June, 2013, Brazil saw the rise of a descentralized media initiative known as Mdia Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ao), tied to the Fora do Eixo collective, and hailed by mnay specially in social network sites as a viable and healthy alternative to traditional media. This article intends to analyse based on Agenda Setting theory the self-defense process undertaken by the so-called big media regarding the collective mobilization in an attempt to undermine the ninja alternative's relevance and to preserve, however temporarily, the mediatic status quo in Brazil.

    KEYWORDS

    Mdia Ninja. Traditional media. Agenda setting. Framing. Journalism.

    Recebido em: 12/03/2014. Aceito em: 13/05/2014.

    1 Mestrando no Programa de Ps-Graduao em Comunicao e Linguagens da Universidade Tuiuti do Paran (UTP). Especialista em TICs na Educao Teoria e Prtica pela Pontifcia Universidade Catlica do Paran (PUC-PR). Graduado em Tecnologia em Artes Grficas pela Universidade Tecnolgica Federal do Paran (UTFPR). Participante do Grupo de Pesquisa INCOM Interaes Comunicacionais, Imagens e Culturas Digitais da UTP. E-mail: [email protected]. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7512231252074320.

    Agenda setting, o Plano X e a Mdia Ninja:

    como a grande mdia se defende

    Agenda setting, Plan X and Mdia Ninja:

    how the big media defends itself

  • SOARES, Luciano de Sampaio

    Revista Brasileira de Ensino de Jornalismo, Braslia, v. 4, n. 14, p. 16-28, jan./jun. 2014 ISSN: 1981-4542

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    1 INTRODUO Neste artigo pretende-se examinar as formas de autodefesa da chamada

    grande mdia quando esta se viu ameaada e confrontada diretamente pelo

    alcance e popularidade da Mdia Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e

    Ao), iniciativa mantida pelo coletivo Fora do Eixo (FdE), como alternativa aos

    veculos tradicionais de divulgao noticiosa. Acredita-se aqui que um dos

    principais motivos para a grande aceitao, em um primeiro momento, da

    cobertura jornalstica realizada pela Mdia Ninja uma das caractersticas

    marcantes da sociedade do hiperespetculo, uma vez que:

    Existir passa a ser sinnimo de ser visto, ser ouvido, aparecer na mdia, dar-se a ver, posicionar-se num espao simblico dominado pelo imaginrio da presena virtual. [] cada vez mais cada pessoa quer ter, em algum momento, um pblico numa relao comunicacional mediada tecnologicamente. [] Exibir-se no significa mais apenas se colocar em realce, mas se situar num eixo de espao-temporal

    especfico: o lugar da visualizao. (SILVA, 2013, p. 146).

    Assim, o cidado comum, desejoso de se ver neste lugar da visualizao,

    e partcipe dos movimentos sociais que eclodiram em meados de 2013 por

    todo o Brasil, identificou-se sobremaneira com a proposta de aliana entre a

    tecnologia e a comunicao miditica de impacto realizada pelos ninjas e que,

    dentro deste cenrio hiperespetacular, oferece a qualquer um a oportunidade

    de se tornar tambm um ninja, fato evidente na reportagem Qualquer um pode

    ser ninja2 e destacado por Rezende (2013, s.p.). No perfil do Ninja3 no Facebook

    esto as convocaes para que os correspondentes e colaboradores ajudem a

    cobrir os protestos em todas as regies do pas e no exterior, como exemplifica

    a postagem do dia 23 de junho de 2013:

    Fotgrafos, reprteres, cinegrafistas, cidados a fim de entrar em nossas tropas, escrevam para midianinja com dizendo de onde so e como podem colaborar. Estamos comeando a cadastrar gente do pas todo. Primeiro passo na montagem de uma rede nacional de jornalismo independente antes do lanamento do nosso site. Quem anima?

    2

    Disponvel em: . Acesso em: 22 set. 2013. 3 Disponvel em: . Acesso em: 23 jun. 2013.

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    A alternativa noticiosa apresentada pela Mdia Ninja confrontou ento os

    veculos miditicos tradicionais com uma possvel perda de audincia e at

    mesmo uma crise de confiana, e tudo isso produzido de uma forma tal que a

    imprensa tradicional se viu acuada, pois como afirma Silva (2013, p. 27): A

    nica diferena inaceitvel aquela que no segue o modelo. Com isso, a

    mdia tradicional pressionada pela populao passa a apresentar mais

    espao cobertura alternativa, seja pela utilizao do material produzido pelos

    ninjas como ficaram conhecidos os indivduos responsveis pela transmisso,

    jornalistas de profisso ou no , seja por colocar em evidncia a sua atuao

    durante as manifestaes.

    2 AGENDA SETTING, FRAMING, E O PLANO X A anlise aqui pretendida se dar ao examinar, luz da teoria do agenda

    setting que indica o transporte de um assunto da cobertura jornalstica para o

    interesse pblico atravs da sua presena constante no noticirio (McCOMBS;

    SHAW, 1972) , menes Mdia Ninja e ao coletivo Fora do Eixo em

    publicaes em blogs e portais de internet, encontrados tanto por meio do

    clipping 4 mantido por estas organizaes considerando inclusive a

    classificao de enfoque (positivo, negativo ou neutro) do contedo das

    publicaes encontradas neste material quanto atravs de pesquisas em

    mecanismos de busca online como o Google. Quando da redao deste

    trabalho, uma consulta ao servio de buscas pelo termo Mdia Ninja oferece

    489.000 resultados gerais, excludos aqueles de contedo duplicado ou com

    semelhana significativa, e mais de 1.200 notcias, nem todas contempladas no

    clipping mencionado anteriormente.

    Como suporte utilizao da teoria do agenda setting fora do escopo

    poltico-eleitoral onde esta comumente aplicada, utiliza-se como base o

    estudo de Carroll e McCombs (2003) sobre os efeitos de transferncia de

    salincia entre a notcia e a agenda pblica em grandes corporaes. O trabalho

    de Merilinen e Vos (2011) a respeito do agenda setting em relao a

    organizaes de direitos humanos guia teoricamente este trabalho tanto em 4

    O clipping mantido pelo FdE e pela Mdia Ninja pode ser encontrado em https://docs.google.com/spreadsheet/pub?key=0AnTpsQgUwwBldFpZc18zbVBGcjUtOHJiRjlzcDdqNlE&gid=2. Acesso em: 21 set. 2013.

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    termos do escopo organizacional j mencionado, como tambm na utilizao

    do ambiente online para a verificao. Vale salientar que, em virtude dos

    resultados encontrados para a frequncia de buscas5 por termos relacionados

    ao Fora do Eixo e Mdia Ninja para o perodo mais intenso de manifestaes

    populares no poderem ser considerados significativos, a metodologia

    apresentada por Granka (2010) para a utilizao da busca online como medida

    de efeitos de agenda setting no pode ser aplicada a este trabalho, ainda que o

    artigo citado sirva tambm como embasamento terico.

    3 A CONJUNTURA NINJA Junho de 2013 viu a populao brasileira tomar as ruas em diversas

    cidades, nos mais diferentes pontos do pas, para reivindicar melhorias no

    transporte pblico, na educao, na sade e o fim da corrupo, entre tantas

    outras reivindicaes que fazem parte do imaginrio poltico nacional. E, em

    meio profuso de palavras de ordem, balas de borracha e nuvens de gs

    lacrimogneo, essa mesma populao viu pela internet, ao invs de pela

    televiso, como de costume cada momento dos protestos sem os filtros da

    grande mdia, graas presena da Mdia Ninja, transmitindo ao vivo os

    acontecimentos nos diversos recantos em que o povo se manifestou.

    Se em um primeiro momento o discurso da grande mdia sobre as

    manifestaes pode de certa forma ser traduzido na ferocidade das crticas

    do jornalista Arnaldo Jabor, que em sua coluna do dia 12 de junho de 2013 no

    Jornal Nacional, da Rede Globo de Televiso,6 a repercusso da atuao dos

    ninjas junto aos movimentos sociais espalhados pelo pas, e crticas sofridas

    pelo prprio jornalista aps seu posicionamento contrrio ao Movimento Passe

    Livre (MPL) um dos catalisadores dos protestos acabam por levar a uma

    mudana radical de posicionamento. J no dia 18 seguinte, pelo mesmo veculo,

    Jabor retratou-se.7 neste ponto que se postula aqui o incio da defesa da

    grande mdia em relao ao crescimento da relevncia conquistada pelos ninjas.

    5 Tais resultados podem ser obtidos atravs da ferramenta Google Insights para buscas:

    http://www.google.com/trends/. 6 Disponvel em: . Acesso em: 22 set. 2013.

    7 Disponvel em: . Acesso em: 22 set. 2013.

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    em meio a essas alteraes de discurso e a falta de informao

    confivel das fontes tradicionais e institucionais durante os protestos que a

    mobilizao dos ninjas ofereceu s massas combinando poltica, afeto e

    mdia aquilo que Rezende (2013) chama de narrativa catrtica no registro do

    que ocorria durante as manifestaes sem as restries deontolgicas do

    jornalismo de massa e, ao mesmo tempo, criticar no s o contedo fortemente

    maquiado transmitido por jornais impressos e televisivos, mas tambm como

    denncia a respeito da atuao do aparato institucional no controle e represso

    das manifestaes, de maneira semelhante utilizada pelo Independent Media

    Center em 1999 durante o episdio conhecido como Batalha de Seattle

    (MALINI; ANTOUN, 2013).

    Com o o aumento da popularidade das coberturas realizadas pela Mdia

    Ninja, principalmente nas redes sociais como o Facebook e o Twitter

    comeou a ganhar a reputao de ser uma alternativa vlida cobertura

    jornalstica tradicional, considerada tendenciosa. Assim a iniciativa passou a ser

    considerada parte do movimento, ativista, alm de reprter. Silva (2013, p. 23)

    afirma, comunicar sempre foi mais importante do que informar, e com a Mdia

    Ninja, a populao se viu informada em tempo real e por um igual do que

    acontecia em cada manifestao, tanto da violncia policial contra

    manifestantes quanto de atos de vandalismo por ao de participantes do

    movimento.

    Aos poucos, a Mdia Ninja comeou a receber espao tambm em

    veculos tradicionais, seja pela utilizao por parte de jornais impressos e

    online de fotografias das manifestaes publicadas pelos ninjas em creative

    commons8 e de recortes das transmisses do coletivo, seja pela discusso

    levantada a respeito da validade e o papel jornalstico do material produzido

    pelos ninjas. Tal processo culminou com a participao de Bruno Torturra,

    criador da Mdia Ninja, e Pablo Capil (um dos lderes do FdE) no programa

    Roda Viva, da TV Cultura, em 5 de agosto de 2013.9

    Aps a entrevista, uma srie de publicaes envolvendo principalmente o

    coletivo Fora do Eixo e em menor escala os ninjas, mencionados apenas como

    8 Disponvel em: . Acesso em: 22 set. 2013.

    9 O programa com a entrevista de Torturra e Capil pode ser acessado na ntegra em:

    . Acesso em: 21 set. 2013.

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    um dos braos do FdE surgiram em blogs e no Facebook. Se por um lado,

    produtores culturais como a cineasta Beatriz Seigner 10 acompanhada de

    vrios outros membros de diversas classes, como indicam Bocchini e Locatelli

    (2013) criticam duramente o FdE, questionando o modelo de trabalho do

    coletivo e sua economia paralela, por outro encontram-se blogueiros,

    jornalistas e diversos estudiosos das mdias11 que se colocaram na defesa do

    coletivo e, principalmente, da Mdia Ninja. Alm das opinies externas, muitos

    participantes do coletivo tambm se manisfestaram contando sobre suas

    prprias experincias nas casas coletivas da organizao.121314

    4 PERDER PARA GANHAR Inicialmente diversos veculos da mdia tradicional incluram em suas

    pautas menes ao FdE e Mdia Ninja diretamente, ao abordar as iniciativas

    em reportagens e notcias muitas vezes de carter positivo ou, pelo menos,

    neutro (como consideradas no clipping da Mdia Ninja). Ao manter o Fora do

    Eixo e a Mdia Ninja em evidncia dentro dos parmetros do agenda setting,

    aumentando a sua salincia a grande mdia fornecia condies para que a

    audincia de massa passassee a considerar essas instituies como importantes

    e dignas de nota. Tal situao apresentada, por exemplo, na publicao de

    Mazotte (2013), que destaca o espao angariado pela Mdia Ninja em veculos

    de comunicao tradicionais.

    Porm, medida que as duas entidades ganham notoriedade e passam a

    fazer parte da agenda pblica, mais um efeito de influncia tendenciosa pode

    ser reconhecido: o framing, ou enquadramento, ao essa baseada na

    suposio de que a maneira pela qual um assunto abordado na mdia

    10

    Disponvel em: . Acesso em 21 set. 2013. 11

    Centro de Estudos da Mdia Alternativa Baro de Itarar. Disponvel em: . Acesso em: 21 set. 2013. 12

    Lenissa Lenza. Disponvel em: . Acesso em: 21 set. 2013. 13

    Marielle Ramires. Disponvel em: . Acesso em: 21 set. 2013. 14

    Gian Martins. Disponvel em: . Acesso em: 21 set. 2013.

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    jornalstica pode influenciar a maneira pela qual ele compreendido pelas

    audincias. (SCHEUFELE; TEWKSBURY, 2007).

    , assim, portanto, que a relao de dependncia da Mdia Ninja para

    com o FdE se torna assunto recorrente em noticirios e publicaes em blogs.

    Como exemplo desse efeito pode-se novamente mencionar a participao de

    Torturra e Capil no programa Roda Viva, que ao ser criticada por Benitz (2013),

    em uma publicao sobre o desempenho exibido pelos ativistas durante a

    entrevista televisionada, no distingue o pertencimento deles a uma ou outra

    iniciativa, efetivamente unindo o Fora do Eixo e a Mdia Ninja em uma nica

    entidade.

    Enquanto se refora o destaque da relao de dependncia entre Mdia

    Ninja e Fora do Eixo, percebe-se o segundo efeito determinante na defesa da

    mdia tradicional, o priming ou as mudanas de padres pelos quais a

    populao utiliza para realizar avaliaes de natureza poltica (SCHEUFELE;

    TEWKSBURY, 2007). Este segundo nvel de agenda setting passa a se fazer mais

    presente ao definir atributos dos objetos em questo: neste caso em especial, o

    financiamento de atividades do FdE com dinheiro pblico captado por leis de

    incentivo cultura e o questionamento da sustentabilidade real da economia

    paralela dos Cubo Cards 15 e questes trabalhistas e de remunerao de

    parceiros. Merece destaque aqui o caso Macaco Bong, abordado por diversas

    publicaes especializadas em msica.1617

    5 PLANO X: A GRANDE MDIA SE DEFENDE Os textos presentes no Facebook como o publicado por Beatriz

    Seigner, mencionado anteriormente continuaram dando flego s crticas e

    denncias sobre o Fora do Eixo, que, desde a entrevista no Roda Viva, estava

    irremediavelmente ligado Mdia Ninja. Assim, o julgamento miditico do Fora

    15

    Um exemplo da questo econmica a reportagem da BBC Brasil: Moeda do Fora do Eixo ilustra desafios de 'alternativas' ao dinheiro. Disponvel em: . Acesso em: 22 set. 2013. 16

    No blog Independncia ou Morte. Disponvel em: . Acesso em: 22 set. 2013. 17

    Entrevista com Bruno Kayapy para o Soma. Disponvel em: . Acesso em: 21 set. 2013.

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    do Eixo que chega, nas palavras de Costa (2013) a produzir uma impensvel

    convergncia entre as revistas Veja18 e Carta Capital19 atinge tambm, ao se

    salientar na agenda pblica, a rede jornalstica alternativa.

    No a inteno deste trabalho esmiuar as prticas do FdE ou mesmo

    da Mdia Ninja, bem como no se pretende realizar julgamento de valor ou

    moral a respeito dessas organizaes, uma vez que o objetivo final deste

    trabalho um melhor entendimento de como os processos de agenda setting e

    de enquadramento (framing) ou como a frequncia e a forma de

    apresentao de um determinado assunto em notcias molda a percepo da

    audincia sobre tal tema foram utilizados como defesa por parte da grande

    mdia ao criar tendncias negativas a respeito das duas organizaes

    alternativas.

    Essa necessidade de defesa pode ser justificada dentro da manuteno

    do status quo por parte da grande mdia, uma vez que, como diz Silva (2013, p.

    151): A comunicao um sistema de hierarquia social. na tentativa de

    evitar uma alterao brusca e de origem popular no cenrio comunicacional,

    nessa hierarquia estabelecida, que a grande mdia precisa evitar a perda de

    audincia e, por consequncia, de relevncia e financiamento, resultados

    possveis de um crescimento protrado e horizontal da Mdia Ninja, que

    permitiria, por exemplo, o avano de outras iniciativas semelhantes em reas

    dspares do jornalismo (o entretenimento, talvez, seja a mais marcante).

    Tal afirmao condiz com o chamado Plano X, cujo real objetivo no a

    desarticulao total ou a aniquilao da alternativa apresentada, mas

    vantagem competitiva temporria, dentro de risco permanente e inevitvel

    (WILLIAMS, 1983, p. 244). O contexto do Plano X neste cenrio ainda

    reforado na fala de Jabor, ao se retratar das duras crticas feitas inicialmente ao

    MPL, quando o jornalista afirma:

    Na mdia s aparecem narrativas de fracasso, de impunidades, de derrotas diante do mal. Essa energia do Passe Livre tem que ser

    18

    Principalmente na figura do colunista Reinaldo Azevedo. Disponvel em: . Acesso em: 22 set. 2013. 19

    Disponvel em: . Acesso em: 22 set. 2013.

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    canalizada para melhorar as condies de vida no Brasil, desde o desprezo com que se trata os passageiros pobres de onibus, passando pelo escndalo ecolgico, passando pela pieguice do cdigo penal do pas que legitima a corrupo funcionalizada.

    Esta fala de Jabor vai ao encontro da descrio do modus operandi do

    Plano X, descrito por Williams (1983, p. 246) da seguinte maneira:

    Ento o plano frequentemente apresentado em termos de vantagem competitiva nacional: mantendo nosso pas um passo a frente. Nestes termos ele naturalmente busca modos simples de nacionalismo e chauvinismo. Quaisquer de suas consequncias danosas sobre outros podem ser mediadas por xenofobia, ou formas mais suaves de ressentimento e desconfiana de estrangeiros.

    Assim, ao substituir estrangeiros por ninjas, questionando a

    moralidade de sua ao e a idoneidade de uma iniciativa que se diz

    independente, mas que financiada por uma organizao cujo uso de dinheiro

    pblico frequente ainda que dentro das leis de incentivo cultura os

    defensores da grande mdia conseguem deslegitimar a Mdia Ninja, colocando-

    a sob a categoria de ferramenta de manipulao a servio do establishment ou

    como demonizadores da imprensa tradicional. Esse processo foi bem observado

    por Guimares (2013) em sua anlise da reportagem Ninjas querem verba oficial

    para se manter, de Chico Otvio, publicada no jornal O Globo em 4 de agosto

    de 2013.20

    Por outro lado, ao se colocar partidos polticos e outras foras de

    mobilizao no papel dos estrangeiros mencionados por Williams, pode-se

    ento entender as palavra de ordem (sem partido!) que clamavam pela

    ausncia de bandeiras especficas durante as manifestaes, o que leva os

    protestos, a partir deste momento, a perder mpeto e mobilizao no mbito

    nacional e, de certa forma, diminuindo at mesmo a representatividade da

    Mdia Ninja enquanto canal de informao e pondo em cheque, ento, at

    mesmo a forma de estruturao nitidamente dependente de grandes

    20

    Disponvel em: . Acesso em: 22 set. 2013.

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    momentos da iniciativa jornalstica, em uma situao semelhante descrita

    por Silva (2013, p. 53).

    Quando toda produo intelectual coletiva, duas questes se impem: como produzir legitimidade? O que interpretar? Dessas perguntas deriva uma terceira: como legitimar uma interpretao sem incorrer em discurso de autoridade?

    justamente essa dependncia de legitimidade por meio do grande

    acontecimento que, dentro da defesa da grande mdia, tornou-se o coup de

    grace na excitao em torno da Mdia Ninja. Ainda que a iniciativa no

    desaparea dentro das casas coletivas do Fora do Eixo, sua representatividade

    fora de circunstncias bastante especficas como as encontradas durante as

    manifestaes de junho de 2013 no Brasil encontra-se reduzida

    consideravelmente.

    6 CONSIDERAES FINAIS Quando da ecloso dos movimentos sociais que exigiam desde pautas

    aparentemente simples como melhorias no transporte pblico das grandes cidades at

    bordes ideolgicos como contra a corrupo ou panfletrios como o gigante

    acordou, a imprensa tradicional se encontrou em um primeiro momento no papel de

    Golias observando a aproximao de Davi. Porm, por meio de editoriais, publicaes

    em blogs, reportagens e entrevistas nos mais diferentes veculos, no aguardou o

    lanamento da primeira pedra, Tratou de associar a pequena Mdia Ninja mesma

    estrutura que aparentemente denunciava ao vincular o Fora do Eixo mantenedor da

    iniciativa jornalstica ao governo contra o qual a populao protestava, sem com isso

    diminuir o mrito do jornalismo participativo que lhe oferece por um lado a

    oportunidade de apresentar contedo mais diversificado mas que por outro, poderia

    lhe roubar uma parcela da capacidade de justamente pautar a opinio pblica (MALINI;

    ANTOUN, 2013, p. 113).

    Mas este trabalho no uma teoria de conspirao, como alguns poderiam

    afirmar, personificando a grande mdia como uma entidade nica com um plano

    especfico de hegemonia comunicacional. Pelo contrrio, um apanhado variado

    ainda que no to vasto quanto seria possvel em outros formatos de indcios,

    reportagens, testemunhos notadamente os mesmos artifcios que serviram de arma a

    Golias que, quando conectados em rede, em um mosaico distribudo, oferecem uma

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    viso da capacidade de influncia que uma pauta, tratada por mltiplos veculos dentro

    de uma grande diversidade de enquadramentos e com recortes especficos, tem na

    opinio pblica e na prpria atuao da sociedade.

    Para emergir como dominante, ele [N.A.: o Plano X] precisa se livrar, na prtica, quaisquer frases de cobertura que permaneam, de sentimentos ainda poderosos e hbitos de preocupao mtua e responsabilidade, e das mesmas instituies que os apiam e os encorajam. Mais, para ser Plano X, necessrio ser mais do que um amontoado de hbitos de vantagem, risco e jogo profissonal. Isso mais evidente no fato de que seus reais praticantes, ainda uma minoria reduzida, precisam erguer-se alm da atrapalhada miscelnea de tendncias locais para determinar e assinalar prioridades maiores e

    genunas. (WILLIAMS, 1983, p. 247).

    Assim, atravs destes recortes que, paulatinamente, a proclamada

    independncia da Mdia Ninja passa a ser questionada, integrando-a a grupos

    de articulao poltica com agendas prprias e que naturalmente sofrem

    influncias de partidos polticos e outras entidades hegemnicas na sociedade

    brasileira. A catarse inicialmente oferecida s massas pela exibio em tempo

    real, sem cortes e sem censura, dos acontecimentos nas manifestaes torna-se

    um questionamento frequente das formas de manuteno e de trabalho que

    permitem Mdia Ninja estar presente e transmitindo a cada demonstrao

    pblica.

    Da mesma forma, como presenciado na entrevista dada pelos

    organizadores do Fora do Eixo e da Mdia Ninja (Pablo Capil e Bruno Torturra,

    respectivamente) ao programa Roda Viva, tanto a mantenedora (FdE) quanto a

    Mdia Ninja se encontravam ento despreparados para a presena na Grande

    Mdia que lhes foi ofertada, permitindo ento que a explorao de informae

    at ento controladas pelas entidades coletivas principalmente acerca de

    prticas financeiras se tornassem referenciais para o julgamento miditico e

    popular das iniciativas alternativas.

    Acredita-se, portanto, que foi dessa forma que o realinhamento da

    opinio pblica em relao Mdia Ninja e sua representatividade foi

    enquadrado na perspectiva do Plano X. medida que a iniciativa Ninja tomou

    monta nos veculos jornalsticos, frequentemente na forma de questionamentos

    sobre sua validade enquanto notcia, ou sobre a natureza tica de suas ligaes

    poltico-ideolgicas, o afastamento da sensao catrtica da massa ao ver-se

  • SOARES, Luciano de Sampaio

    Revista Brasileira de Ensino de Jornalismo, Braslia, v. 4, n. 14, p. 16-28, jan./jun. 2014 ISSN: 1981-4542

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    representada foi efetuado, finalmente separando a percepo na viso do

    grande pblico entre a Mdia Ninja e a notcia.

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