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Artigo publicado na Revista Brasileira de Ensino de Jornalismo (v. 4, n. 14). Com as manifestações populares acontecidas em Junho de 2013, o Brasil viu o surgimento de uma iniciativa midiática descentralizada conhecida como Mídia Ninja (“Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação”), vinculada ao Coletivo Fora-do-Eixo, e que foi saudada por vários – nas redes sociais, principalmente – como uma alternativa viável e saudável à mídia tradicional. Este artigo pretende analisar – à luz da teoria do Agenda Setting – o processo de autodefesa dos veículos da chamada “grande mídia” em relação à alternativa apresentada pela mobilização coletiva Ninja, na tentativa de minar a relevância da iniciativa ninja e preservar, mesmo que temporariamente, o status quo midiático no Brasil.
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LUCIANO DE SAMPAIO SOARES1
RESUMO
Com as manifestaes populares acontecidas em junho de 2013, o Brasil viu o surgimento de uma iniciativa miditica descentralizada conhecida como Mdia Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ao), vinculada ao coletivo Fora do Eixo, e que foi saudade por vrios nas redes sociais principalmente como uma alternativa vivel e saudvel mdia tradicional. Este artigo pretende analisar luz da teoria do agenda setting o processo de autodefesa dos veculos da chamada grande mdia em relao alternativa apresentada pela mobilizao coletiva Ninja, na tentativa de minar a relevncia da alternativa ninja e preservar, mesmo que temporariamente, o status quo miditico no Brasil.
PALAVRAS-CHAVE
Mdia Ninja. Mdia tradicional. Agendamento. Enquadramento. Jornalismo.
ABSTRACT
From the public riots occurred in June, 2013, Brazil saw the rise of a descentralized media initiative known as Mdia Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ao), tied to the Fora do Eixo collective, and hailed by mnay specially in social network sites as a viable and healthy alternative to traditional media. This article intends to analyse based on Agenda Setting theory the self-defense process undertaken by the so-called big media regarding the collective mobilization in an attempt to undermine the ninja alternative's relevance and to preserve, however temporarily, the mediatic status quo in Brazil.
KEYWORDS
Mdia Ninja. Traditional media. Agenda setting. Framing. Journalism.
Recebido em: 12/03/2014. Aceito em: 13/05/2014.
1 Mestrando no Programa de Ps-Graduao em Comunicao e Linguagens da Universidade Tuiuti do Paran (UTP). Especialista em TICs na Educao Teoria e Prtica pela Pontifcia Universidade Catlica do Paran (PUC-PR). Graduado em Tecnologia em Artes Grficas pela Universidade Tecnolgica Federal do Paran (UTFPR). Participante do Grupo de Pesquisa INCOM Interaes Comunicacionais, Imagens e Culturas Digitais da UTP. E-mail: [email protected]. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7512231252074320.
Agenda setting, o Plano X e a Mdia Ninja:
como a grande mdia se defende
Agenda setting, Plan X and Mdia Ninja:
how the big media defends itself
SOARES, Luciano de Sampaio
Revista Brasileira de Ensino de Jornalismo, Braslia, v. 4, n. 14, p. 16-28, jan./jun. 2014 ISSN: 1981-4542
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1 INTRODUO Neste artigo pretende-se examinar as formas de autodefesa da chamada
grande mdia quando esta se viu ameaada e confrontada diretamente pelo
alcance e popularidade da Mdia Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e
Ao), iniciativa mantida pelo coletivo Fora do Eixo (FdE), como alternativa aos
veculos tradicionais de divulgao noticiosa. Acredita-se aqui que um dos
principais motivos para a grande aceitao, em um primeiro momento, da
cobertura jornalstica realizada pela Mdia Ninja uma das caractersticas
marcantes da sociedade do hiperespetculo, uma vez que:
Existir passa a ser sinnimo de ser visto, ser ouvido, aparecer na mdia, dar-se a ver, posicionar-se num espao simblico dominado pelo imaginrio da presena virtual. [] cada vez mais cada pessoa quer ter, em algum momento, um pblico numa relao comunicacional mediada tecnologicamente. [] Exibir-se no significa mais apenas se colocar em realce, mas se situar num eixo de espao-temporal
especfico: o lugar da visualizao. (SILVA, 2013, p. 146).
Assim, o cidado comum, desejoso de se ver neste lugar da visualizao,
e partcipe dos movimentos sociais que eclodiram em meados de 2013 por
todo o Brasil, identificou-se sobremaneira com a proposta de aliana entre a
tecnologia e a comunicao miditica de impacto realizada pelos ninjas e que,
dentro deste cenrio hiperespetacular, oferece a qualquer um a oportunidade
de se tornar tambm um ninja, fato evidente na reportagem Qualquer um pode
ser ninja2 e destacado por Rezende (2013, s.p.). No perfil do Ninja3 no Facebook
esto as convocaes para que os correspondentes e colaboradores ajudem a
cobrir os protestos em todas as regies do pas e no exterior, como exemplifica
a postagem do dia 23 de junho de 2013:
Fotgrafos, reprteres, cinegrafistas, cidados a fim de entrar em nossas tropas, escrevam para midianinja com dizendo de onde so e como podem colaborar. Estamos comeando a cadastrar gente do pas todo. Primeiro passo na montagem de uma rede nacional de jornalismo independente antes do lanamento do nosso site. Quem anima?
2
Disponvel em: . Acesso em: 22 set. 2013. 3 Disponvel em: . Acesso em: 23 jun. 2013.
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A alternativa noticiosa apresentada pela Mdia Ninja confrontou ento os
veculos miditicos tradicionais com uma possvel perda de audincia e at
mesmo uma crise de confiana, e tudo isso produzido de uma forma tal que a
imprensa tradicional se viu acuada, pois como afirma Silva (2013, p. 27): A
nica diferena inaceitvel aquela que no segue o modelo. Com isso, a
mdia tradicional pressionada pela populao passa a apresentar mais
espao cobertura alternativa, seja pela utilizao do material produzido pelos
ninjas como ficaram conhecidos os indivduos responsveis pela transmisso,
jornalistas de profisso ou no , seja por colocar em evidncia a sua atuao
durante as manifestaes.
2 AGENDA SETTING, FRAMING, E O PLANO X A anlise aqui pretendida se dar ao examinar, luz da teoria do agenda
setting que indica o transporte de um assunto da cobertura jornalstica para o
interesse pblico atravs da sua presena constante no noticirio (McCOMBS;
SHAW, 1972) , menes Mdia Ninja e ao coletivo Fora do Eixo em
publicaes em blogs e portais de internet, encontrados tanto por meio do
clipping 4 mantido por estas organizaes considerando inclusive a
classificao de enfoque (positivo, negativo ou neutro) do contedo das
publicaes encontradas neste material quanto atravs de pesquisas em
mecanismos de busca online como o Google. Quando da redao deste
trabalho, uma consulta ao servio de buscas pelo termo Mdia Ninja oferece
489.000 resultados gerais, excludos aqueles de contedo duplicado ou com
semelhana significativa, e mais de 1.200 notcias, nem todas contempladas no
clipping mencionado anteriormente.
Como suporte utilizao da teoria do agenda setting fora do escopo
poltico-eleitoral onde esta comumente aplicada, utiliza-se como base o
estudo de Carroll e McCombs (2003) sobre os efeitos de transferncia de
salincia entre a notcia e a agenda pblica em grandes corporaes. O trabalho
de Merilinen e Vos (2011) a respeito do agenda setting em relao a
organizaes de direitos humanos guia teoricamente este trabalho tanto em 4
O clipping mantido pelo FdE e pela Mdia Ninja pode ser encontrado em https://docs.google.com/spreadsheet/pub?key=0AnTpsQgUwwBldFpZc18zbVBGcjUtOHJiRjlzcDdqNlE&gid=2. Acesso em: 21 set. 2013.
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termos do escopo organizacional j mencionado, como tambm na utilizao
do ambiente online para a verificao. Vale salientar que, em virtude dos
resultados encontrados para a frequncia de buscas5 por termos relacionados
ao Fora do Eixo e Mdia Ninja para o perodo mais intenso de manifestaes
populares no poderem ser considerados significativos, a metodologia
apresentada por Granka (2010) para a utilizao da busca online como medida
de efeitos de agenda setting no pode ser aplicada a este trabalho, ainda que o
artigo citado sirva tambm como embasamento terico.
3 A CONJUNTURA NINJA Junho de 2013 viu a populao brasileira tomar as ruas em diversas
cidades, nos mais diferentes pontos do pas, para reivindicar melhorias no
transporte pblico, na educao, na sade e o fim da corrupo, entre tantas
outras reivindicaes que fazem parte do imaginrio poltico nacional. E, em
meio profuso de palavras de ordem, balas de borracha e nuvens de gs
lacrimogneo, essa mesma populao viu pela internet, ao invs de pela
televiso, como de costume cada momento dos protestos sem os filtros da
grande mdia, graas presena da Mdia Ninja, transmitindo ao vivo os
acontecimentos nos diversos recantos em que o povo se manifestou.
Se em um primeiro momento o discurso da grande mdia sobre as
manifestaes pode de certa forma ser traduzido na ferocidade das crticas
do jornalista Arnaldo Jabor, que em sua coluna do dia 12 de junho de 2013 no
Jornal Nacional, da Rede Globo de Televiso,6 a repercusso da atuao dos
ninjas junto aos movimentos sociais espalhados pelo pas, e crticas sofridas
pelo prprio jornalista aps seu posicionamento contrrio ao Movimento Passe
Livre (MPL) um dos catalisadores dos protestos acabam por levar a uma
mudana radical de posicionamento. J no dia 18 seguinte, pelo mesmo veculo,
Jabor retratou-se.7 neste ponto que se postula aqui o incio da defesa da
grande mdia em relao ao crescimento da relevncia conquistada pelos ninjas.
5 Tais resultados podem ser obtidos atravs da ferramenta Google Insights para buscas:
http://www.google.com/trends/. 6 Disponvel em: . Acesso em: 22 set. 2013.
7 Disponvel em: . Acesso em: 22 set. 2013.
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em meio a essas alteraes de discurso e a falta de informao
confivel das fontes tradicionais e institucionais durante os protestos que a
mobilizao dos ninjas ofereceu s massas combinando poltica, afeto e
mdia aquilo que Rezende (2013) chama de narrativa catrtica no registro do
que ocorria durante as manifestaes sem as restries deontolgicas do
jornalismo de massa e, ao mesmo tempo, criticar no s o contedo fortemente
maquiado transmitido por jornais impressos e televisivos, mas tambm como
denncia a respeito da atuao do aparato institucional no controle e represso
das manifestaes, de maneira semelhante utilizada pelo Independent Media
Center em 1999 durante o episdio conhecido como Batalha de Seattle
(MALINI; ANTOUN, 2013).
Com o o aumento da popularidade das coberturas realizadas pela Mdia
Ninja, principalmente nas redes sociais como o Facebook e o Twitter
comeou a ganhar a reputao de ser uma alternativa vlida cobertura
jornalstica tradicional, considerada tendenciosa. Assim a iniciativa passou a ser
considerada parte do movimento, ativista, alm de reprter. Silva (2013, p. 23)
afirma, comunicar sempre foi mais importante do que informar, e com a Mdia
Ninja, a populao se viu informada em tempo real e por um igual do que
acontecia em cada manifestao, tanto da violncia policial contra
manifestantes quanto de atos de vandalismo por ao de participantes do
movimento.
Aos poucos, a Mdia Ninja comeou a receber espao tambm em
veculos tradicionais, seja pela utilizao por parte de jornais impressos e
online de fotografias das manifestaes publicadas pelos ninjas em creative
commons8 e de recortes das transmisses do coletivo, seja pela discusso
levantada a respeito da validade e o papel jornalstico do material produzido
pelos ninjas. Tal processo culminou com a participao de Bruno Torturra,
criador da Mdia Ninja, e Pablo Capil (um dos lderes do FdE) no programa
Roda Viva, da TV Cultura, em 5 de agosto de 2013.9
Aps a entrevista, uma srie de publicaes envolvendo principalmente o
coletivo Fora do Eixo e em menor escala os ninjas, mencionados apenas como
8 Disponvel em: . Acesso em: 22 set. 2013.
9 O programa com a entrevista de Torturra e Capil pode ser acessado na ntegra em:
. Acesso em: 21 set. 2013.
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um dos braos do FdE surgiram em blogs e no Facebook. Se por um lado,
produtores culturais como a cineasta Beatriz Seigner 10 acompanhada de
vrios outros membros de diversas classes, como indicam Bocchini e Locatelli
(2013) criticam duramente o FdE, questionando o modelo de trabalho do
coletivo e sua economia paralela, por outro encontram-se blogueiros,
jornalistas e diversos estudiosos das mdias11 que se colocaram na defesa do
coletivo e, principalmente, da Mdia Ninja. Alm das opinies externas, muitos
participantes do coletivo tambm se manisfestaram contando sobre suas
prprias experincias nas casas coletivas da organizao.121314
4 PERDER PARA GANHAR Inicialmente diversos veculos da mdia tradicional incluram em suas
pautas menes ao FdE e Mdia Ninja diretamente, ao abordar as iniciativas
em reportagens e notcias muitas vezes de carter positivo ou, pelo menos,
neutro (como consideradas no clipping da Mdia Ninja). Ao manter o Fora do
Eixo e a Mdia Ninja em evidncia dentro dos parmetros do agenda setting,
aumentando a sua salincia a grande mdia fornecia condies para que a
audincia de massa passassee a considerar essas instituies como importantes
e dignas de nota. Tal situao apresentada, por exemplo, na publicao de
Mazotte (2013), que destaca o espao angariado pela Mdia Ninja em veculos
de comunicao tradicionais.
Porm, medida que as duas entidades ganham notoriedade e passam a
fazer parte da agenda pblica, mais um efeito de influncia tendenciosa pode
ser reconhecido: o framing, ou enquadramento, ao essa baseada na
suposio de que a maneira pela qual um assunto abordado na mdia
10
Disponvel em: . Acesso em 21 set. 2013. 11
Centro de Estudos da Mdia Alternativa Baro de Itarar. Disponvel em: . Acesso em: 21 set. 2013. 12
Lenissa Lenza. Disponvel em: . Acesso em: 21 set. 2013. 13
Marielle Ramires. Disponvel em: . Acesso em: 21 set. 2013. 14
Gian Martins. Disponvel em: . Acesso em: 21 set. 2013.
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jornalstica pode influenciar a maneira pela qual ele compreendido pelas
audincias. (SCHEUFELE; TEWKSBURY, 2007).
, assim, portanto, que a relao de dependncia da Mdia Ninja para
com o FdE se torna assunto recorrente em noticirios e publicaes em blogs.
Como exemplo desse efeito pode-se novamente mencionar a participao de
Torturra e Capil no programa Roda Viva, que ao ser criticada por Benitz (2013),
em uma publicao sobre o desempenho exibido pelos ativistas durante a
entrevista televisionada, no distingue o pertencimento deles a uma ou outra
iniciativa, efetivamente unindo o Fora do Eixo e a Mdia Ninja em uma nica
entidade.
Enquanto se refora o destaque da relao de dependncia entre Mdia
Ninja e Fora do Eixo, percebe-se o segundo efeito determinante na defesa da
mdia tradicional, o priming ou as mudanas de padres pelos quais a
populao utiliza para realizar avaliaes de natureza poltica (SCHEUFELE;
TEWKSBURY, 2007). Este segundo nvel de agenda setting passa a se fazer mais
presente ao definir atributos dos objetos em questo: neste caso em especial, o
financiamento de atividades do FdE com dinheiro pblico captado por leis de
incentivo cultura e o questionamento da sustentabilidade real da economia
paralela dos Cubo Cards 15 e questes trabalhistas e de remunerao de
parceiros. Merece destaque aqui o caso Macaco Bong, abordado por diversas
publicaes especializadas em msica.1617
5 PLANO X: A GRANDE MDIA SE DEFENDE Os textos presentes no Facebook como o publicado por Beatriz
Seigner, mencionado anteriormente continuaram dando flego s crticas e
denncias sobre o Fora do Eixo, que, desde a entrevista no Roda Viva, estava
irremediavelmente ligado Mdia Ninja. Assim, o julgamento miditico do Fora
15
Um exemplo da questo econmica a reportagem da BBC Brasil: Moeda do Fora do Eixo ilustra desafios de 'alternativas' ao dinheiro. Disponvel em: . Acesso em: 22 set. 2013. 16
No blog Independncia ou Morte. Disponvel em: . Acesso em: 22 set. 2013. 17
Entrevista com Bruno Kayapy para o Soma. Disponvel em: . Acesso em: 21 set. 2013.
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do Eixo que chega, nas palavras de Costa (2013) a produzir uma impensvel
convergncia entre as revistas Veja18 e Carta Capital19 atinge tambm, ao se
salientar na agenda pblica, a rede jornalstica alternativa.
No a inteno deste trabalho esmiuar as prticas do FdE ou mesmo
da Mdia Ninja, bem como no se pretende realizar julgamento de valor ou
moral a respeito dessas organizaes, uma vez que o objetivo final deste
trabalho um melhor entendimento de como os processos de agenda setting e
de enquadramento (framing) ou como a frequncia e a forma de
apresentao de um determinado assunto em notcias molda a percepo da
audincia sobre tal tema foram utilizados como defesa por parte da grande
mdia ao criar tendncias negativas a respeito das duas organizaes
alternativas.
Essa necessidade de defesa pode ser justificada dentro da manuteno
do status quo por parte da grande mdia, uma vez que, como diz Silva (2013, p.
151): A comunicao um sistema de hierarquia social. na tentativa de
evitar uma alterao brusca e de origem popular no cenrio comunicacional,
nessa hierarquia estabelecida, que a grande mdia precisa evitar a perda de
audincia e, por consequncia, de relevncia e financiamento, resultados
possveis de um crescimento protrado e horizontal da Mdia Ninja, que
permitiria, por exemplo, o avano de outras iniciativas semelhantes em reas
dspares do jornalismo (o entretenimento, talvez, seja a mais marcante).
Tal afirmao condiz com o chamado Plano X, cujo real objetivo no a
desarticulao total ou a aniquilao da alternativa apresentada, mas
vantagem competitiva temporria, dentro de risco permanente e inevitvel
(WILLIAMS, 1983, p. 244). O contexto do Plano X neste cenrio ainda
reforado na fala de Jabor, ao se retratar das duras crticas feitas inicialmente ao
MPL, quando o jornalista afirma:
Na mdia s aparecem narrativas de fracasso, de impunidades, de derrotas diante do mal. Essa energia do Passe Livre tem que ser
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Principalmente na figura do colunista Reinaldo Azevedo. Disponvel em: . Acesso em: 22 set. 2013. 19
Disponvel em: . Acesso em: 22 set. 2013.
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canalizada para melhorar as condies de vida no Brasil, desde o desprezo com que se trata os passageiros pobres de onibus, passando pelo escndalo ecolgico, passando pela pieguice do cdigo penal do pas que legitima a corrupo funcionalizada.
Esta fala de Jabor vai ao encontro da descrio do modus operandi do
Plano X, descrito por Williams (1983, p. 246) da seguinte maneira:
Ento o plano frequentemente apresentado em termos de vantagem competitiva nacional: mantendo nosso pas um passo a frente. Nestes termos ele naturalmente busca modos simples de nacionalismo e chauvinismo. Quaisquer de suas consequncias danosas sobre outros podem ser mediadas por xenofobia, ou formas mais suaves de ressentimento e desconfiana de estrangeiros.
Assim, ao substituir estrangeiros por ninjas, questionando a
moralidade de sua ao e a idoneidade de uma iniciativa que se diz
independente, mas que financiada por uma organizao cujo uso de dinheiro
pblico frequente ainda que dentro das leis de incentivo cultura os
defensores da grande mdia conseguem deslegitimar a Mdia Ninja, colocando-
a sob a categoria de ferramenta de manipulao a servio do establishment ou
como demonizadores da imprensa tradicional. Esse processo foi bem observado
por Guimares (2013) em sua anlise da reportagem Ninjas querem verba oficial
para se manter, de Chico Otvio, publicada no jornal O Globo em 4 de agosto
de 2013.20
Por outro lado, ao se colocar partidos polticos e outras foras de
mobilizao no papel dos estrangeiros mencionados por Williams, pode-se
ento entender as palavra de ordem (sem partido!) que clamavam pela
ausncia de bandeiras especficas durante as manifestaes, o que leva os
protestos, a partir deste momento, a perder mpeto e mobilizao no mbito
nacional e, de certa forma, diminuindo at mesmo a representatividade da
Mdia Ninja enquanto canal de informao e pondo em cheque, ento, at
mesmo a forma de estruturao nitidamente dependente de grandes
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Disponvel em: . Acesso em: 22 set. 2013.
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momentos da iniciativa jornalstica, em uma situao semelhante descrita
por Silva (2013, p. 53).
Quando toda produo intelectual coletiva, duas questes se impem: como produzir legitimidade? O que interpretar? Dessas perguntas deriva uma terceira: como legitimar uma interpretao sem incorrer em discurso de autoridade?
justamente essa dependncia de legitimidade por meio do grande
acontecimento que, dentro da defesa da grande mdia, tornou-se o coup de
grace na excitao em torno da Mdia Ninja. Ainda que a iniciativa no
desaparea dentro das casas coletivas do Fora do Eixo, sua representatividade
fora de circunstncias bastante especficas como as encontradas durante as
manifestaes de junho de 2013 no Brasil encontra-se reduzida
consideravelmente.
6 CONSIDERAES FINAIS Quando da ecloso dos movimentos sociais que exigiam desde pautas
aparentemente simples como melhorias no transporte pblico das grandes cidades at
bordes ideolgicos como contra a corrupo ou panfletrios como o gigante
acordou, a imprensa tradicional se encontrou em um primeiro momento no papel de
Golias observando a aproximao de Davi. Porm, por meio de editoriais, publicaes
em blogs, reportagens e entrevistas nos mais diferentes veculos, no aguardou o
lanamento da primeira pedra, Tratou de associar a pequena Mdia Ninja mesma
estrutura que aparentemente denunciava ao vincular o Fora do Eixo mantenedor da
iniciativa jornalstica ao governo contra o qual a populao protestava, sem com isso
diminuir o mrito do jornalismo participativo que lhe oferece por um lado a
oportunidade de apresentar contedo mais diversificado mas que por outro, poderia
lhe roubar uma parcela da capacidade de justamente pautar a opinio pblica (MALINI;
ANTOUN, 2013, p. 113).
Mas este trabalho no uma teoria de conspirao, como alguns poderiam
afirmar, personificando a grande mdia como uma entidade nica com um plano
especfico de hegemonia comunicacional. Pelo contrrio, um apanhado variado
ainda que no to vasto quanto seria possvel em outros formatos de indcios,
reportagens, testemunhos notadamente os mesmos artifcios que serviram de arma a
Golias que, quando conectados em rede, em um mosaico distribudo, oferecem uma
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viso da capacidade de influncia que uma pauta, tratada por mltiplos veculos dentro
de uma grande diversidade de enquadramentos e com recortes especficos, tem na
opinio pblica e na prpria atuao da sociedade.
Para emergir como dominante, ele [N.A.: o Plano X] precisa se livrar, na prtica, quaisquer frases de cobertura que permaneam, de sentimentos ainda poderosos e hbitos de preocupao mtua e responsabilidade, e das mesmas instituies que os apiam e os encorajam. Mais, para ser Plano X, necessrio ser mais do que um amontoado de hbitos de vantagem, risco e jogo profissonal. Isso mais evidente no fato de que seus reais praticantes, ainda uma minoria reduzida, precisam erguer-se alm da atrapalhada miscelnea de tendncias locais para determinar e assinalar prioridades maiores e
genunas. (WILLIAMS, 1983, p. 247).
Assim, atravs destes recortes que, paulatinamente, a proclamada
independncia da Mdia Ninja passa a ser questionada, integrando-a a grupos
de articulao poltica com agendas prprias e que naturalmente sofrem
influncias de partidos polticos e outras entidades hegemnicas na sociedade
brasileira. A catarse inicialmente oferecida s massas pela exibio em tempo
real, sem cortes e sem censura, dos acontecimentos nas manifestaes torna-se
um questionamento frequente das formas de manuteno e de trabalho que
permitem Mdia Ninja estar presente e transmitindo a cada demonstrao
pblica.
Da mesma forma, como presenciado na entrevista dada pelos
organizadores do Fora do Eixo e da Mdia Ninja (Pablo Capil e Bruno Torturra,
respectivamente) ao programa Roda Viva, tanto a mantenedora (FdE) quanto a
Mdia Ninja se encontravam ento despreparados para a presena na Grande
Mdia que lhes foi ofertada, permitindo ento que a explorao de informae
at ento controladas pelas entidades coletivas principalmente acerca de
prticas financeiras se tornassem referenciais para o julgamento miditico e
popular das iniciativas alternativas.
Acredita-se, portanto, que foi dessa forma que o realinhamento da
opinio pblica em relao Mdia Ninja e sua representatividade foi
enquadrado na perspectiva do Plano X. medida que a iniciativa Ninja tomou
monta nos veculos jornalsticos, frequentemente na forma de questionamentos
sobre sua validade enquanto notcia, ou sobre a natureza tica de suas ligaes
poltico-ideolgicas, o afastamento da sensao catrtica da massa ao ver-se
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representada foi efetuado, finalmente separando a percepo na viso do
grande pblico entre a Mdia Ninja e a notcia.
REFERNCIAS BENITZ, Jorge A. Mdia Ninja e o fenmeno dos protestos. Observatrio da Imprensa. Disponvel em: . Acesso em: 22 set. 2013. BOCCHINI, Lino; LOCATELLI, Piero. Fora do Eixo. CartaCapital. Disponvel em: . Acesso em: 22 set. 2013. CARROLL, Craig E.; McCOMBS, Maxwell. Agenda-setting effects of business news on the public's images and opinions about major corporations. Corporate Reputation Review, Rotterdam; New York, v. 6, n. 1, p. 36-46, abr. 2003. Disponvel em: . Acesso em: 22 set. 2013. COSTA, Luciano Martins. O linchamento da Mdia Ninja. Observatrio da Imprensa. Disponvel em: . Acesso em: 22 set. 2013. GRANKA, Laura A. Measuring agenda setting with online search traffic: influences of online and traditional media. Annual Meeting of the American Political Science Association, Stanford, p. 1-32, set. 2010. Disponvel em: . Acesso em: 22 set. 2013. GUIMARES, Ctia. 'O Globo' e o jornalismo da Mdia Ninja. Observatrio da Imprensa. Disponvel em: . Acesso em: 22 set. 2013. SILVA, Juremir Machado da. A sociedade midocre. Passagem ao hiperespetacular: o fim do direito autoral, do livro e da escrita. Porto Alegre: Sulina, 2013. MALINI, Fbio; ANTOUN, Henrique. @ Internet e # rua: ciberativismo e mobilizao nas redes sociais. Porto Alegre: Sulina, 2013. MAZOTTE, Natalia. Mdia NINJA: um fenmeno de jornalismo alternativo que emergiu nos protestos no Brasil. Journalism in the Americas. Disponvel em: . Acesso em: 22 set. 2013. McCOMBS, Maxwell E.; SHAW, Donald L. The agenda-setting function of mass media. Public opinion quarterly, Oxford, v. 36, n. 2, p. 176-187, 1972. Disponvel em: . Acesso em: 22 set. 2013. MERILINEN, Niina; VOS, Marita. Human rights organizations and online agenda setting. Corporate Communications: An International Journal, Bingleye, v. 16, n. 4,
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