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50 ANOS DO GOLPE MILITAR DE 1964
AGORA QUE ABRIL, E O MAR SE AUSENTA
50 ANOS DA CASSAO DOS MANDATOS
DE FLORIANO BEZERRA, LUIZ MARANHO
E CESRIO CLEMENTINO
Agora que abril,e o mar se ausenta
50 anos do golpe de 6450 anos da cassao
dos mandatos de Floriano Bezerra,
Luiz Maranho e Cesrio Clementino
*
ndice.
1. Pra no esquecer a verdade ................................................................................. 6 Fernando Mineiro 2. Os outros meses ....................................................................................................9 Mrio Ivo Cavalcanti 3. Reestabelecendo a vontade popular ....................................................................17 Djamiro Acipreste 4. Processo de cassao na Comisso de Justia ................................................22
4.1. Requerimento de cassao ................................................................................23 Dep. Est. Jos Pinto
4.2. Autos do processo n 147/1964 ........................................................................24
4.3. Relatrio da Comisso de Justia.....................................................................28 Dep. Est. Erivan Frana
4.4. Voto em separado ...............................................................................................31 Dep. Est. Francisco Revoredo
4.5. Radiotelegrama do Ministrio da Guerra .........................................................32
4.6. Ofcio encaminhando o processo ao Gen. Geisel (Sec. Geral do Conselho de Segurana Nacional) .................................................................................................33 4.7. Ata da sesso de 10 de junho de 1964, na qual foi comunicada a cassao. ..............................................................................................................35 5. Arquivos do DOPS ................................................................................................36
5.1. Floriano Bezerra de Arajo ................................................................................36 5.2. Cesrio Clementino dos Santos ......................................................................39 5.3. Luiz Incio Maranho Filho ...............................................................................44 6. Requerimento para devoluo dos mandatos ...................................................50
Para no esquecer a verdade
A reparao histrica aos efeitos do golpe militar de 1o de abril de 1964 tradicional dia
da mentira em muitos pases impe algumas verdades incontestveis: impossvel apagar da
memria nacional 21 anos de violncia do Estado contra seus prprios cidados; impossvel
restituir a vida dos muitos que a perderam; impossvel deixar de relembrar, investigar e
debater os acontecimentos, ainda mais diante de uma mnima, mas considervel parcela da
populao que desconhece a histria recente do pas e ousa ingenuamente sonhar com a volta
de um regime militar, cinquenta anos depois vinte e um deles passados sob ditadura.
Mas, possvel, sim, reparar, ainda que simbolicamente, as injustias cometidas, sem esquecer
todas as barbries perpetradas supostamente em nome da democracia.
Como agora, quando a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, reconhece os equvocos
do passado e devolve, simbolicamente, os mandatos do deputado Floriano Bezerra de Arajo e
dos suplentes Lus Incio Maranho Filho e Cesrio Clementino dos Santos, cassados por fora
do Ato Institucional n.1, de 9 de abril de 1964.
Relendo as atas, os ofcios, os requerimentos da Casa naquele ano se constata que, antecipando-
se truculncia do AI-1, a Comisso de Justia da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte
aprovou parecer favorvel cassao dos trs deputados. Impossvel no ser tomado por uma
sensao de absurdo diante dos motivos apresentados para a cassao. Floriano Bezerra foi
acusado de agitador de sindicatos, fomentador de greves e de agitao do crculo proletrio,
massa detentora de grande parcela de responsabilidade no setor do desenvolvimento. Luiz
Maranho, de orientador das agitaes estudantis e sindicais. Cesrio Clementino, de
provocador contumaz de greves ilegais por motivos mais fteis.
preciso relembrar, ainda, e reconhecer, o nico voto em separado na proposta de cassao dos
mandatos, o do deputado Francisco de Souza Revordo. No posso admitir que uma assembleia
democrtica venha a cassar um mandato legislativo, sem que fique assegurado ao paciente o
direto de defesa, direito esse garantido at aos condenados de Nuremberg, afirmou Revordo,
que manifestou-se contrrio preliminar do deputado Erivan Frana que previa a supresso do
direito de defesa aos indiciados.
Para no esquecer a verdade
Fernando MineiroNatal, Abril de 2014
Hoje, Floriano Bezerra, Luiz Maranho e Cesrio Clementino tm, em suas histrias de vida,
em suas trajetrias polticas, as armas de sua prpria defesa.
E, agora sim, o Rio Grande do Norte, mesmo tardiamente, no se omite diante das injustias
do passado, atravs da ao justa de sua Assembleia Legislativa, que volta a ter,
simbolicamente, em seus quadros, trs homens de bem.
Os outros meses
Os outros meses
Mrio Ivo Cavalcanti
Agora que abril, e o mar se ausenta,/ secando-se em si mesmo
como um pranto...
O poeta Ldo Ivo no poderia imaginar que os primeiros versos do seu
Soneto de abril viessem a reverberar to intensamente na capital do Rio
Grande do Norte no fatdico ms de um ano ainda mais terrvel. Se abril era o
mais cruel dos meses para outro grande poeta o norte-americano T. S. Eliot ,
em 1964 a crueldade encontraria seu ovo da serpente.
Oito dias aps o golpe militar de 1964, um tenenteencontrou na bolsa da
responsvel pela Diretoria de Documentao e Cultura da Prefeitura de
Natal(DDC), Mailde Pinto, uma cpia do soneto do poeta alagoano, e quis porque
quis entender que os versos no poderiam ser nada mais que uma senha cifrada
para que guerrilheiros de esquerda desencadeassem uma luta armada no Brasil.
No eram, claro. Mas o soneto de amor de Ldo Ivo parecia anunciar a
tragdia que se abateria sobre o pas a partir daquele ms:
Agora que abril, e vo morrer/ as formosas canes dos outros
meses/ assim te quero, mesmo que te escondas...
Muitos foram obrigados a se esconder, entrando para a clandestinidade,
muitos foram escondidos, sumidos, desaparecidos, mortos. A vida de todos os
perseguidos foi desarticulada to de repente, recordaria anos depois Mailde,
nunca se sabia quantas pessoas inocentes estariam, a qualquer hora, sendo
levadas presas e torturadas.
E muitas vezes nem os presos sabiam por que estavam encarcerados
como os 40 homens confinados numa minscula sala de 6x4 metros no
Regimento de Obuses, um dos dois principais quartis do Exrcito em Natal,
junto com o 16o Regimento de Infantaria, e que a partir de abril serviriam de
priso para os perseguidos pelo golpe militar. Entre eles, Luiz Incio Maranho
Filho, advogado, professor e militante do Partido Comunista, e Cesrio
Clementino dos Santos, lder do Sindicato dos Ferrovirios de Mossor.
Em comum, alm de dividirem o espao restrito, Luiz Maranho e Cesrio
Clementino eram suplentes de Floriano Bezerra de Arajo, deputado estadual,
eleito em 1958 e reeleito em 1962. Preso no dia 15 de abril, cinco depois de
Maranho, Floriano sofreu duas sesses de torturas no mesmo dia de sua priso:
No instante, as sirenes do Quartel entraram em vibrao geral
(era a posse do Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco na
Presidncia da Repblica), findo o que, eis-me levaram escoltado
sob baioneta calada, para uma sala prxima e a os instintos
bestiais tiveram vazo numas sesses de torturas fsicas e
psicolgicas, das quais sa algo como um trapo de pessoa humana.
As torturas relatadas pelo deputado iam do telefone (tapas aplicadas
violentamente e ao mesmo tempo nos ouvidos do preso) aos choques eltricos,
passando pelo pau-de-arara:
Me amarraram de corda de agave, nova, ps, mos pelas costas, e
me botaram no pau-de-arara, chamado de banheira seca. Nesta, o
preso fica de bruos flutuando no vcuo do caixo funesto, cujo
peso do corpo, s sustentado nas bordas do instrumento na frente
e atrs, no permitindo respirar, quebrantando o moral, ou mesmo
matando a vtima por asfixia, dependendo do tempo contnuo da
tortura.
No muito longe dali, no bairro de Santos Reis, e distncia de poucos
dias, Luiz Maranho tambm viria a conhecer a arquitetura da dor que
comeava a ser impetrada pelo golpe militar. Na noite do 21 de abril, Dia de
Tiradentes, foi levado da minscula sala do Regimento de Obuses, junto com
outros trs presos, para interrogatrio. Amarrados, pendurados pelos ps,
recebiam choques eltricos, e, em seguida, mergulhados em tonel de gua e leo
at quase desfalecerem, relata a historiadora Maria Conceio Pinto de Ges,
que tambm descreve a tortura psicolgica e cotidiana a que eram submetidos:
O ambiente era sufocante. [...] Os presos viam os dias se passarem,
sabiam das necessidades de seus familiares. Alm disso, no eram
chamados para depor, no sabiam de que eram acusados, iam
ficando desesperados. s vezes, as notcias que chegavam
causavam mais revolta e sofrimento. Como pode um homem
encarcerado ouvir sem desalento que sua companheira
enlouquecera e que ele nada podia fazer para amenizar sua
aflio? Foi assim com [...] Cesrio Clementino. Passou a ter grande
preocupao com a possibilidade de ter fotos em jornais e que, ao
v-las, sua mulher tivesse o estado de sade agravado.
Clementino j sabia bem o que era a dor. A fome e as doenas
contagiosas, que continuam soltas pela minha terra, j tragaram sete dos meus
onze filhos, a maioria deles morreu antes dos seis meses de idade e sem nenhum
socorro mdico, declarou, em 1960, ao jornal de circulao nacional Novos
Rumos, um dos mais importantes da esquerda brasileira, editado no Rio de
Janeiro pelo PCB, e que no acaso viria a ser extinto naquele abril. Funcionrio da
estrada de ferro Mossor-Souza, Clementino relatava, quatro anos antes do
golpe, as condies de misria e calamidade em que viviam os ferrovirios, com
salrios insuficientes para alimentar suas famlias e com ndices trgicos de
mortalidade infantil, de 80 mortos para cada 100 vivos. (Hoje, a taxa de
mortalidade infantil no Brasil de 13 mortes a cada mil nascidos vivos.)
Era contra esse estado de coisas que lutavam os homens e mulheres que o
golpe militar de 1964 passaria a perseguir implacavelmente.
Tampouco para Luiz Maranho as perseguies polticas eram novidade.
Filiado ao Partido Comunista desde que tinha 22 anos, em 1945, dois anos depois
foi demitido do cargo de professor do colgio Atheneu e, em 1948, preso por
incitar mtodos violentos para subverter a ordem poltica e social na
verdade, o motivo era a divulgao dos avanos do exrcito comunista chins e
crticas ao governo Dutra, publicadas no jornal que dirigia. Em 1952, aps
denunciar torturas a presos polticos em Parnamirim, sempre na Folha do Povo,
ele mesmo foi sequestrado, preso e torturado na Base Area. Dois anos depois, j
solto, candidatava-se a deputado e denunciava o acordo que unia os maiores
partidos polticos no Estado:
Diante dessa grave situao que o Estado atravessa, os principais
chefes dos partidos polticos, contrariando o pensamento da
maioria dos componentes de seus prprios partidos, fazem
acordos base de pretensiosos esquemas, com o objetivo de
encobrir a realidade da crise que nos ameaa. Eles temem uma
campanha eleitoral em que exista liberdade para o povo debater
seus problemas e encontrar as solues mais viveis para os
mesmos.
S seria eleito em 1958, pela Aliana Popular Nacionalista (PTN-PST-
PSB). Desta vigsima legislatura, quadrinio 1959 a 1963, tambm faria parte
Floriano Bezerra, eleito pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).
Floriano no era um novato na Assembleia: na legislatura anterior ficou
na primeira suplncia do PTB. O titular era Clvis Motta que, no final do
mandato, atendeu ao pedido do suplente para uma oportunidade de trinta dias.
Floriano no perde tempo e, ao assumir, se inscreve para discursar j no dia
seguinte:
Vergastei com veemncia o abandono cruel de nossas populaes
do campo agrrio pelos gestores do pas diante da seca
calamitosa [...]. Era Governo Juscelino Kubitscheck, mas a triste,
repreensvel odisseia dos nossos sertanejos continuava
indefinidamente dentro dos padres seculares das grandes secas
histricas do Nordeste Brasileiro. Tudo era abandono e
sofrimentos indizveis s choro, lgrimas e mortes acontecendo
pelos caminhos de p e pedra em brasas pelos devastados seridois
da Regio.
Quem sabe se Floriano lembrou desses discursos quando, na companhia
de Luiz Maranho, do prefeito cassado Djalma Maranho e do suplente de
deputado federal Aldo Tinoco foram levados em um avio da FAB para Fernando
de Noronha na madrugada do 21 de agosto de 1964. Agora, era abril que se
ausentava, mas o soneto de Ldo Ivo parecia acompanh-los:
Agora que abril, e vo morrer/ as formosas canes dos outros
meses,/ assim te quero, mesmo que te escondas:// amar-te uma s
vez todas as vezes/ em que sou carne e gesto, e fenecer/ como uma
voz chamada pelas ondas.
Segundo Aldo Tinoco, em relato Mailde Pinto, todos eles chegaram a
pensar que poderiam ser jogados do avio para a morte no mar, como se
comentava que j havia acontecido com alguns prisioneiros polticos. No seria
desta vez, e os dias de priso na ilha foram passados num clima ameno e quase
tranquilo, sem torturas. O clima daqui, com muito sol, foi bom para a minha
sade, escreveu Luiz Maranho em carta para a esposa. Entre as recordaes de
Floriano, a de ter cortado o cabelo duas vezes com Z Menininho, cearense que
tinha trabalhado nas salinas de Macau e sido barbeiro em Natal, autor do clssico
chorinho Caixo de gs:
Cada vez, batemos um papo animado de fundo sentimental, das
boas coisas da terrinha salineira, envoltos em gratas emoes
telricas. Cearense da cidade de Cascavel, Z Menininho esteve
anos em Macau pelas praias de Barreiras e Diogo Lopes, ali
deixando muita gente amiga. Da qual no foi minha alegria de v-
lo livre em Fernando de Noronha, prestando-me o bom servio de
cabeleireiro.
Todos sairiam vivos de Fernando de Noronha. O primeiro a ser libertado,
Aldo Tinoco, passou mais de trinta dias entre o cu e o mar. Djalma Maranho foi
transferido ainda em setembro para um hospital militar no Recife. Floriano
Bezerra e Luiz Maranho, somente na tarde do 28 de outubro. O Supremo
Tribunal Federal concedia o habeas corpus tantas vezes negado peloSupremo
Tribunal Militar.
Mas o regime no admitia recuar a nossa revoluo com um trator
que no tem marcha a r, exclamou um oficial ao deputado federal Carvalho
Neto, que ajudaria a libertar mais de 40 presos polticos no Rio Grande do Norte,
entre, eles, Djalma Maranho. O prefeito cassado de Natal ainda publicaria um
manifesto na imprensa, antes de partir para o exlio no Uruguai, onde afirmava:
No creio na liberdade de um habeas corpus neste momento da
vida brasileira em que a ordem jurdica vilipendiada e destruda
diariamente [...]. O governo est totalmente submetido ao
imperialismo; agrava-se, dia a dia, a crise econmico-financeira
[...]. O General fome est nas ruas, nos campos, nas fbricas, nas
escolas, nas reparties pblicas e, muito em breve, nos quartis
[...]. Garanto, porm, que ante o espectro da fome, nenhum povo
permanece de braos cruzados.
Djalma conclua o manifesto com um at breve, meus irmos. Se
enganava: voltaria ao Brasil, e a Natal, apenas morto. Falecido no dia 30 de julho
de 1971, em Montevidu, foi enterrado no cemitrio do Alecrim trs dias depois.
A ditatura durou vinte anos; ele resistiu a apenas seis, lembrou com pesar sua
antiga colaboradora na prefeitura, Mailde Pinto.
Luiz Maranho foi morto pela ditadura. Sem a certeza de uma data
provavelmente em abril de 1974, dez anos depois do golpe , nem da causa
testemunhas falam que teria sido morto com uma injeo de matar cavalos
aplicada depois de uma sesso de tortura, ou, jogado em alto-mar, juntamente
com outros militantes do PCB. Seu corpo nunca foi localizado.
Csario Clementinofoi praticamente esquecido nos 50 anos aps sua
priso num quartel do Exrcito. Seu nome est em um Inqurito Policial
instaurado na Rede Ferroviria Federal em 1964, entre os nomes de outros
indiciados, acusado de haver decretado greves em Mossor, em combinao
com os sindicatos dos Martimos e Porturios que formavam a PUA (Pacto de
Unidade e Ao). Poucos sabem que a Escola Municipal Jos Alves Sobrinho, em
Mossor,chamava-se Escola Reunida Sindicato dos Ferrovirios, e tinha como
objetivo atender aos filhos dos ferrovirios. O seu fundador foi Cesrio
Clementino, em 1951. No final da dcada de 1970 fundou a Cooperativa de
Desenvolvimento Rural de Mossor. Faleceu em 13 de janeiro de 1997.
Floriano Bezerra est vivo. Publicou em 2009 suas memrias, Minhas
tamataranas: linhas amarelas. Em 1976, reencontrou em Macau o senador
Dinarte Mariz, adversrio poltico mas amigo solidrio, e perguntou:
Senador, estou cassado h mais de dez anos. Tem sentido, essa
violncia? No demais, num pas que s falam em democracia?
Mariz respondeu-lhe, antes do abrao fraterno de despedida:
Floriano, no tem sentido. Mas espere um pouco, as coisas vo
normalizar, e no vai demorar muito, a democracia vai criar razes
como precisa. Sua cassao vai encerrar, no tardar muito, fique
certo.
Quando, senador?
No vai demorar. Espere mais um pouco.
Floriano Bezerra no poderia imaginar que esperaria, no um pouco,
mas meio sculo para ter seu mandato devolvido num ato apenas simblico.
Bem mais rpido foi o processo de cassao, iniciado no dia 22 de abril de
1964 quando os trs acusados j se encontravam presos e um dia depois de
Luiz Maranho ser amarrado, pendurado pelos ps e mergulhado em um tonel
de leo. Para o deputado Jos Pinto, autor da proposta de cassao, o fato de j se
encontrarem presos pelas autoridades militares, era a confirmao pblica de
suas atividades subversivas, e o dever patritico da Assembleia era eliminar de
seus quadros elementos que, sob aparncias legtimas, pregavam a subverso da
ordem jurdica, e dos princpios cristos que reformam a sociedade brasileira.
Menos de dois meses depois, em 10 de junho, a Presidncia da Casa acusa
recebimento de telegrama do Conselho de Segurana Nacional e, sem muitas
palavras, cassa os mandatos.
Cinquenta anos depois, no dia 26 de maro de 2014, o deputado Fernando
Mineiro, do PT-RN, apresenta requerimento para a devoluo, e restaurao,
para efeitos simblico e histrico, dos mandatos de Floriano Bezerra de Arajo,
Luiz Incio Maranho Filho e Cesrio Clementino dos Santos, que tiveram sua
cassao comunicada a esta Casa pelo Conselho de Segurana Nacional, por meio
de telegrama lido na Sesso Ordinria de 10 de junho de 1964, sob a gide do Ato
Institucional no 1, de 9 de abril de 1964.
Apenas um dia depois, o requerimento foi aprovado, e uma Sesso Solene
marcada para o dia 10 de abril de 2014.
Agora que abril.
*
Reestabelecendo a vontade popular
Prises, torturas, assassinatos, ocultaes de cadveres foram prticas,
infelizmente, comuns nesse regime que completa 50 anos de sua instalao, cicatriz que
sangra na sociedade brasileira e tambm na Potiguar.
Em nosso Estado ainda tivemos particularidades que fazem de nossa histria
naquele perodo um elemento ainda mais peculiar e inacreditvel, em termos de
perseguio e degradao.
Em 1960, Aluzio Alves, ento no PSD, vence as eleies para governar o Rio Grande
do Norte de janeiro de 1961 a 1966. Por se opor a Dinarte Mariz, senhor todo poderoso da
UDN no Estado, vence as eleies com a ajuda dos progressistas do RN.
Contudo, em 23 de abril de 1964, trs semanas aps o Golpe, o governo estadual cria
uma comisso de investigao, atravs do Ato Institucional n. 1, denominada Relatrio
Geral. Essa ao conhecida por Relatrio Veras e foi coordenada por dois
pernambucanos, contratados pelo governador, os algozes: capito Jos Domingo da Silva,
responsvel pela represso na rea rural e rede ferroviria; e delegado Carlos Moura de
Morais Veras, responsvel pela parte urbana (movimentos estudantis, sindicais, intelectuais
e na Prefeitura de Natal).
neste cenrio que se d a cassao dos deputados e suplentes, legtimos
representantes populares na Assemblia Legislativa do RN: dos sindicalistas Floriano
Bezerra de Arajo, Cesrio Clementino dos Santos e do advogado e professor
universitrio Luiz Igncio Maranho Filho.
Cassao a revogao de algo irrevogvel. A legitimidade da democracia, porm,
se ampara no direito ao voto e na soberania da escolha popular.
A cassao destes mandatos ato de violncia contra o Rio Grande do Norte, contra a
democracia, contra a escolha popular, uma ferida que, ainda aberta, clama por
reparao. A devoluo destes mandatos legtimos, populares e legais uma reparao
que simboliza,
Reestabelecendo a vontade popular
sobretudo, a necessidade de o Rio Grande do Norte se ver contar a verdadeira verso da
histria recente de nossa terra e nosso povo, uma verso onde algozes e vtimas devam ser
separados e historiados com os elementos verdadeiros e reais.
Vejamos o que fala o Relatrio Veras cerca dos parlamentares cassados poca:
Floriano Bezerra de Arajo Ex-Deputado Estadual - Presidente das Ligas
Camponesas deste Estado. Mantinha ligao estreita com o agitador do Campo
Francisco Julio, tendo inclusive conduzido este e o Padre Alpio de Freitas para
realizarem conferncias na cidade de Macau. Organizou, fundou e instalou em
alguns municpios deste Estado Delegacias das Ligas Camponesas. Empregava
linguagem violenta e revolucionria quando discursava nas instalaes das Ligas
Camponesas... (recorte)
Pags. 24 e 25 (Comit Estadual da Verdade, Memria e Justia RN Subverso no Rio
Grande do Norte / Relatrio Veras 2 ed. Fac-similar Natal RN: Comit pela
verdade RN, 2012. Coleo Represso no RN Vol. 1)
Cesrio Clementino dos Santos Acusado de, na funo de presidente do
Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferrovirias de Mossor, haver
decretado greves naquele municpio; em combinao com os Sindicatos dos
Martimos e dos Porturios _ que formavam a PUA (Pacto de Unidade e Ao) _
organizar greves de natureza polticas. Ipsis litteris
Pags. 31 e 32 (Comit Estadual da Verdade, Memria e Justia RN Subverso no Rio
Grande do Norte / Relatrio Veras 2 ed. Fac-similar Natal RN: Comit pela
verdade RN, 2012. Coleo Represso no RN Vol. 1)
(Quanto a Luiz Incio Maranho Filho, na ausncia do verbete no Relatrio Veras, me
valho de uma breve sntese de autoria do seu sobrinho-neto, o arquiteto Haroldo
Maranho):
Luiz Igncio Maranho Filho
1921 - Aos 25 de janeiro nasce em Natal Luiz Maranho, quarto filho do casal Luiz
Igncio de Albuquerque Maranho e Maria Salom de Carvalho Maranho.
Foi Presidente do Centro Estudantil Potiguar e aluno dos Colgios Pedro II e Atheneu, onde depois foi professor. Participou intensamente da vida cultural e intelectual da
cidade, integrou o grupo Teatro do Estudante, trabalhou nos jornais A Repblica,
Dirio de Natal e serviu ao Exrcito no Tiro de Guerra.
1944 - Ingressa na Faculdade de Direito em Macei e no Partido Comunista
Brasileiro.
1945 - Cai o Estado Novo, o PCB volta legalidade e Luiz integra a Comisso
Executiva do RN para as eleies da Assemblia Nacional Constituinte.
1948 - O PCB tem seu registro cancelado pelo TSE, o Congresso cassa o mandato
dos seus representantes e Luiz demitido do cargo de professor do Atheneu. Em
janeiro foi preso juntamente com Hiran Pereira, outro dirigente do PCB que tambm
integraria mais tarde a lista dos desaparecidos polticos. Ambos eram redatores da
Folha Popular, rgo do PCB local. Ainda em 1948 transfere-se para Recife, onde
conclui o curso de Direito e vai trabalhar no jornal Folha do Povo.
1952 - Aps denunciar na imprensa torturas ocorridas na Base Area de Parnamirim-
RN sequestrado por soldados no Centro do Recife e enviado quela mesma
unidade militar, sofrendo os mais perversos requintes da barbrie de seus
torturadores.
1953 - absolvido pelo Superior Tribunal Militar, volta a Natal, ao Atheneu, ao
jornalismo, ao partido e vai lecionar Geografia na Faculdade de Filosofia.
1958 - Eleito Deputado Estadual pelo Partido Trabalhista Nacional, exerce o mandato
at 1962. Segundo o Jornalista Carlos Lima: Um momento diferente no Plenrio
dava-se quando Luiz Maranho discursava. Os deputados silenciavam para ouvi-lo,
pois quase sempre era uma aula de rico contedo.
1964 - Aps o golpe militar preso, demitido do Atheneu e barbaramente torturado no
Regimento de Obuses em Natal. Depois levado Ilha de Fernando de Noronha,
com o ex-deputado Floriano Bezerra, o suplente de deputado federal Aldo Tinoco e o
seu irmo Djalma Maranho, ex-prefeito de Natal. Ao final deste ano, aps ter sua
liberdade autorizada pelo STM, retornou a Natal e viajou para o Rio de Janeiro.
1967 - eleito membro do Comit Central do PCB no VI Congresso e, com a
edio do AI-5 em 1969, passou a lutar na clandestinidade. Hbil no dilogo, atuou
em varias misses e comisses partidrias, sendo um dos organizadores da frente
ampla para derrotar o regime militar em 1973, com a anticandidatura presidencial
de Ulisses Guimares, do MDB, que tinha Barbosa Lima Sobrinho como vice. Foi o
dirigente comunista que mais trabalhou a aproximao entre cristos e marxistas,
organizando a publicao de trs encclicas fundamentais na renovao da Igreja
Catlica. Era amigo do Cardeal Dom Eugnio Sales.
1974 - Aos 3 de abril sequestrado por policiais numa Praa em So Paulo. Sua
priso denunciada no plenrio da Cmara Federal, pelo ento deputado Tales
Ramalho, que leu carta da esposa de Luiz, Odette Roselli Garcia Maranho,
solicitando ao governo explicaes sobre o seu desaparecimento.
1996 - Aos 5 de dezembro, vinte e dois anos depois, Odette recebe a certido de bito
do seu marido, Luiz Igncio Maranho Filho. O Estado brasileiro reconhece a sua
morte, de acordo com o artigo 1 da Lei n 9.140, de dezembro de 1995. Deste modo,
finalmente entregava-se a ela e aos familiares de Luiz Maranho o cdigo indecifrvel
do seu cadver insepulto.
A luta para conceder a Luiz Maranho um enterro digno nos move, como tambm nos
move a campanha a favor do PL 573/201, que rev a Lei de Anistia, para de fato
podermos ter acesso justia de transio para conhecermos, responsabilizarmos e
punirmos os algozes de Luiz Maranho, bem como todos os responsveis por crimes
covardes contra brasileiros que sonharam com uma ptria livre e igualitrio e, por
isso, foram torturados e mortos.
Devolver o mandato destes bravos potiguares acima de tudo resgatar a soberania
do voto popular nas eleies de 1960 e, ainda, reorientar o nosso povo ao curso real da
histria de nossa terra e nossa gente.
Djamiro Acipreste
Presidente da Comisso da Memria e Verdade Advogado Luiz Maranho da
Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Rio Grande do Norte
Membro da Comisso Nacional da Verdade do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil
CONFIDE
NCIAL
Processo de cassaona Comisso de Justia
A CASSAO - Requerimento de cassaoA CASSAO - Requerimento de cassao
Processo 147 - Processo de cassao na Comisso de Justia
Processo 147 - Processo de cassao na Comisso de Justia
Processo 147 - Processo de cassao na Comisso de Justia
Processo 147 - Processo de cassao na Comisso de Justia
Processo 147 - Relatrio da Comisso de Justia
Processo 147 - Relatrio da Comisso de Justia
Processo 147 - Relatrio da Comisso de Justia
Processo 147 - Voto em separado
MINISTRIO DA GUERRADIRETORIA DE COMUNICAESRADIOTELEGRAMA
DE: GAB MIN BR (ILEGVEL)RECEBIDO DE (ILEGVEL)ENDEREO: U recomendado pres assemblia legislativa do rio grande do norte. natal
(ILEGVEL) de 4 pt paragrafo unico art decimo ato institucional (ILEGVEL) senhor pres rep vg mediante propost conselho segurana nacional e (ILEGVEL) sessenta dias contar quinze abril proximo passado vg atribuio (ILEGVEL) previstas ref art vg de outro lado vg art nono dec nr 83997 vinte sete abril ultimo vg determinou como competentes para provocar proposta do conselho seg nac vg mediante represent respectivas membros vg chefes poderes estados e secretario geral conselho pt (ILEGVEL) gravidade sano vg a qual deve (ILEGVEL) de razes relevncia relacionadas interessa paz e honra que venham ser encaminhadas vg devero ser companhadas justificao necessria e ate dez dias antes findo prazo jah aludido vg para exame conselho seguraba nac pt esclareo secretaria conselho segurana funciona avenida pres vargas vg (ILEGVEL) 6 ANDAR VG RIO DE JANEIRO GB PT (ILEGVEL) gen bda ernesto geisel sec geral conselho - aplicao sanes
Radiotelegrama do Ministrio da Guerra
TRANSCRIO
DO DOCUMEN
TO
Ofcio encaminhando o processo ao Gen. Geisel (Sec. Geral do Conselho de Segurana Nacional)
Ata da sesso de 10 de junho de 1964, na qual foi comunicada a cassao
CONFIDE
NCIAL
Arquivos DOPS
Documentos do arquivo pblico - Floriano Bezerra de Arajo
Documentos do arquivo pblico - Floriano Bezerra de Arajo
CESRIO CLEMENTINO DOS SANTOS
Documentos do arquivo pblico - Cesrio Clementino dos Santos
Documentos do arquivo pblico - Cesrio Clementino dos Santos
Cesrio Clementino dos Santos
Cesrio Clementino dos Santos
Documentos do arquivo pblico - Luiz Incio Maranho Filho
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Documentos do arquivo pblico - Luiz Incio Maranho Filho
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Luiz Incio Maranho Filho
Requerimento para devoluo dos mandatos