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50 ANOS DO GOLPE MILITAR DE 1964 AGORA QUE É ABRIL, E O MAR SE AUSENTA 50 ANOS DA CASSAÇÃO DOS MANDATOS DE FLORIANO BEZERRA, LUIZ MARANHÃO E CESÁRIO CLEMENTINO

AGORA QUE É ABRIL, E O MAR SE AUSENTA 50 ANOS DA … · “provocador contumaz de greves ilegais por motivos mais fúteis”. É preciso relembrar, ainda, e reconhecer, o único

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50 ANOS DO GOLPE MILITAR DE 1964

AGORA QUE ABRIL, E O MAR SE AUSENTA

50 ANOS DA CASSAO DOS MANDATOS

DE FLORIANO BEZERRA, LUIZ MARANHO

E CESRIO CLEMENTINO

Agora que abril,e o mar se ausenta

50 anos do golpe de 6450 anos da cassao

dos mandatos de Floriano Bezerra,

Luiz Maranho e Cesrio Clementino

*

ndice.

1. Pra no esquecer a verdade ................................................................................. 6 Fernando Mineiro 2. Os outros meses ....................................................................................................9 Mrio Ivo Cavalcanti 3. Reestabelecendo a vontade popular ....................................................................17 Djamiro Acipreste 4. Processo de cassao na Comisso de Justia ................................................22

4.1. Requerimento de cassao ................................................................................23 Dep. Est. Jos Pinto

4.2. Autos do processo n 147/1964 ........................................................................24

4.3. Relatrio da Comisso de Justia.....................................................................28 Dep. Est. Erivan Frana

4.4. Voto em separado ...............................................................................................31 Dep. Est. Francisco Revoredo

4.5. Radiotelegrama do Ministrio da Guerra .........................................................32

4.6. Ofcio encaminhando o processo ao Gen. Geisel (Sec. Geral do Conselho de Segurana Nacional) .................................................................................................33 4.7. Ata da sesso de 10 de junho de 1964, na qual foi comunicada a cassao. ..............................................................................................................35 5. Arquivos do DOPS ................................................................................................36

5.1. Floriano Bezerra de Arajo ................................................................................36 5.2. Cesrio Clementino dos Santos ......................................................................39 5.3. Luiz Incio Maranho Filho ...............................................................................44 6. Requerimento para devoluo dos mandatos ...................................................50

Para no esquecer a verdade

A reparao histrica aos efeitos do golpe militar de 1o de abril de 1964 tradicional dia

da mentira em muitos pases impe algumas verdades incontestveis: impossvel apagar da

memria nacional 21 anos de violncia do Estado contra seus prprios cidados; impossvel

restituir a vida dos muitos que a perderam; impossvel deixar de relembrar, investigar e

debater os acontecimentos, ainda mais diante de uma mnima, mas considervel parcela da

populao que desconhece a histria recente do pas e ousa ingenuamente sonhar com a volta

de um regime militar, cinquenta anos depois vinte e um deles passados sob ditadura.

Mas, possvel, sim, reparar, ainda que simbolicamente, as injustias cometidas, sem esquecer

todas as barbries perpetradas supostamente em nome da democracia.

Como agora, quando a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, reconhece os equvocos

do passado e devolve, simbolicamente, os mandatos do deputado Floriano Bezerra de Arajo e

dos suplentes Lus Incio Maranho Filho e Cesrio Clementino dos Santos, cassados por fora

do Ato Institucional n.1, de 9 de abril de 1964.

Relendo as atas, os ofcios, os requerimentos da Casa naquele ano se constata que, antecipando-

se truculncia do AI-1, a Comisso de Justia da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte

aprovou parecer favorvel cassao dos trs deputados. Impossvel no ser tomado por uma

sensao de absurdo diante dos motivos apresentados para a cassao. Floriano Bezerra foi

acusado de agitador de sindicatos, fomentador de greves e de agitao do crculo proletrio,

massa detentora de grande parcela de responsabilidade no setor do desenvolvimento. Luiz

Maranho, de orientador das agitaes estudantis e sindicais. Cesrio Clementino, de

provocador contumaz de greves ilegais por motivos mais fteis.

preciso relembrar, ainda, e reconhecer, o nico voto em separado na proposta de cassao dos

mandatos, o do deputado Francisco de Souza Revordo. No posso admitir que uma assembleia

democrtica venha a cassar um mandato legislativo, sem que fique assegurado ao paciente o

direto de defesa, direito esse garantido at aos condenados de Nuremberg, afirmou Revordo,

que manifestou-se contrrio preliminar do deputado Erivan Frana que previa a supresso do

direito de defesa aos indiciados.

Para no esquecer a verdade

Fernando MineiroNatal, Abril de 2014

Hoje, Floriano Bezerra, Luiz Maranho e Cesrio Clementino tm, em suas histrias de vida,

em suas trajetrias polticas, as armas de sua prpria defesa.

E, agora sim, o Rio Grande do Norte, mesmo tardiamente, no se omite diante das injustias

do passado, atravs da ao justa de sua Assembleia Legislativa, que volta a ter,

simbolicamente, em seus quadros, trs homens de bem.

Os outros meses

Os outros meses

Mrio Ivo Cavalcanti

Agora que abril, e o mar se ausenta,/ secando-se em si mesmo

como um pranto...

O poeta Ldo Ivo no poderia imaginar que os primeiros versos do seu

Soneto de abril viessem a reverberar to intensamente na capital do Rio

Grande do Norte no fatdico ms de um ano ainda mais terrvel. Se abril era o

mais cruel dos meses para outro grande poeta o norte-americano T. S. Eliot ,

em 1964 a crueldade encontraria seu ovo da serpente.

Oito dias aps o golpe militar de 1964, um tenenteencontrou na bolsa da

responsvel pela Diretoria de Documentao e Cultura da Prefeitura de

Natal(DDC), Mailde Pinto, uma cpia do soneto do poeta alagoano, e quis porque

quis entender que os versos no poderiam ser nada mais que uma senha cifrada

para que guerrilheiros de esquerda desencadeassem uma luta armada no Brasil.

No eram, claro. Mas o soneto de amor de Ldo Ivo parecia anunciar a

tragdia que se abateria sobre o pas a partir daquele ms:

Agora que abril, e vo morrer/ as formosas canes dos outros

meses/ assim te quero, mesmo que te escondas...

Muitos foram obrigados a se esconder, entrando para a clandestinidade,

muitos foram escondidos, sumidos, desaparecidos, mortos. A vida de todos os

perseguidos foi desarticulada to de repente, recordaria anos depois Mailde,

nunca se sabia quantas pessoas inocentes estariam, a qualquer hora, sendo

levadas presas e torturadas.

E muitas vezes nem os presos sabiam por que estavam encarcerados

como os 40 homens confinados numa minscula sala de 6x4 metros no

Regimento de Obuses, um dos dois principais quartis do Exrcito em Natal,

junto com o 16o Regimento de Infantaria, e que a partir de abril serviriam de

priso para os perseguidos pelo golpe militar. Entre eles, Luiz Incio Maranho

Filho, advogado, professor e militante do Partido Comunista, e Cesrio

Clementino dos Santos, lder do Sindicato dos Ferrovirios de Mossor.

Em comum, alm de dividirem o espao restrito, Luiz Maranho e Cesrio

Clementino eram suplentes de Floriano Bezerra de Arajo, deputado estadual,

eleito em 1958 e reeleito em 1962. Preso no dia 15 de abril, cinco depois de

Maranho, Floriano sofreu duas sesses de torturas no mesmo dia de sua priso:

No instante, as sirenes do Quartel entraram em vibrao geral

(era a posse do Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco na

Presidncia da Repblica), findo o que, eis-me levaram escoltado

sob baioneta calada, para uma sala prxima e a os instintos

bestiais tiveram vazo numas sesses de torturas fsicas e

psicolgicas, das quais sa algo como um trapo de pessoa humana.

As torturas relatadas pelo deputado iam do telefone (tapas aplicadas

violentamente e ao mesmo tempo nos ouvidos do preso) aos choques eltricos,

passando pelo pau-de-arara:

Me amarraram de corda de agave, nova, ps, mos pelas costas, e

me botaram no pau-de-arara, chamado de banheira seca. Nesta, o

preso fica de bruos flutuando no vcuo do caixo funesto, cujo

peso do corpo, s sustentado nas bordas do instrumento na frente

e atrs, no permitindo respirar, quebrantando o moral, ou mesmo

matando a vtima por asfixia, dependendo do tempo contnuo da

tortura.

No muito longe dali, no bairro de Santos Reis, e distncia de poucos

dias, Luiz Maranho tambm viria a conhecer a arquitetura da dor que

comeava a ser impetrada pelo golpe militar. Na noite do 21 de abril, Dia de

Tiradentes, foi levado da minscula sala do Regimento de Obuses, junto com

outros trs presos, para interrogatrio. Amarrados, pendurados pelos ps,

recebiam choques eltricos, e, em seguida, mergulhados em tonel de gua e leo

at quase desfalecerem, relata a historiadora Maria Conceio Pinto de Ges,

que tambm descreve a tortura psicolgica e cotidiana a que eram submetidos:

O ambiente era sufocante. [...] Os presos viam os dias se passarem,

sabiam das necessidades de seus familiares. Alm disso, no eram

chamados para depor, no sabiam de que eram acusados, iam

ficando desesperados. s vezes, as notcias que chegavam

causavam mais revolta e sofrimento. Como pode um homem

encarcerado ouvir sem desalento que sua companheira

enlouquecera e que ele nada podia fazer para amenizar sua

aflio? Foi assim com [...] Cesrio Clementino. Passou a ter grande

preocupao com a possibilidade de ter fotos em jornais e que, ao

v-las, sua mulher tivesse o estado de sade agravado.

Clementino j sabia bem o que era a dor. A fome e as doenas

contagiosas, que continuam soltas pela minha terra, j tragaram sete dos meus

onze filhos, a maioria deles morreu antes dos seis meses de idade e sem nenhum

socorro mdico, declarou, em 1960, ao jornal de circulao nacional Novos

Rumos, um dos mais importantes da esquerda brasileira, editado no Rio de

Janeiro pelo PCB, e que no acaso viria a ser extinto naquele abril. Funcionrio da

estrada de ferro Mossor-Souza, Clementino relatava, quatro anos antes do

golpe, as condies de misria e calamidade em que viviam os ferrovirios, com

salrios insuficientes para alimentar suas famlias e com ndices trgicos de

mortalidade infantil, de 80 mortos para cada 100 vivos. (Hoje, a taxa de

mortalidade infantil no Brasil de 13 mortes a cada mil nascidos vivos.)

Era contra esse estado de coisas que lutavam os homens e mulheres que o

golpe militar de 1964 passaria a perseguir implacavelmente.

Tampouco para Luiz Maranho as perseguies polticas eram novidade.

Filiado ao Partido Comunista desde que tinha 22 anos, em 1945, dois anos depois

foi demitido do cargo de professor do colgio Atheneu e, em 1948, preso por

incitar mtodos violentos para subverter a ordem poltica e social na

verdade, o motivo era a divulgao dos avanos do exrcito comunista chins e

crticas ao governo Dutra, publicadas no jornal que dirigia. Em 1952, aps

denunciar torturas a presos polticos em Parnamirim, sempre na Folha do Povo,

ele mesmo foi sequestrado, preso e torturado na Base Area. Dois anos depois, j

solto, candidatava-se a deputado e denunciava o acordo que unia os maiores

partidos polticos no Estado:

Diante dessa grave situao que o Estado atravessa, os principais

chefes dos partidos polticos, contrariando o pensamento da

maioria dos componentes de seus prprios partidos, fazem

acordos base de pretensiosos esquemas, com o objetivo de

encobrir a realidade da crise que nos ameaa. Eles temem uma

campanha eleitoral em que exista liberdade para o povo debater

seus problemas e encontrar as solues mais viveis para os

mesmos.

S seria eleito em 1958, pela Aliana Popular Nacionalista (PTN-PST-

PSB). Desta vigsima legislatura, quadrinio 1959 a 1963, tambm faria parte

Floriano Bezerra, eleito pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).

Floriano no era um novato na Assembleia: na legislatura anterior ficou

na primeira suplncia do PTB. O titular era Clvis Motta que, no final do

mandato, atendeu ao pedido do suplente para uma oportunidade de trinta dias.

Floriano no perde tempo e, ao assumir, se inscreve para discursar j no dia

seguinte:

Vergastei com veemncia o abandono cruel de nossas populaes

do campo agrrio pelos gestores do pas diante da seca

calamitosa [...]. Era Governo Juscelino Kubitscheck, mas a triste,

repreensvel odisseia dos nossos sertanejos continuava

indefinidamente dentro dos padres seculares das grandes secas

histricas do Nordeste Brasileiro. Tudo era abandono e

sofrimentos indizveis s choro, lgrimas e mortes acontecendo

pelos caminhos de p e pedra em brasas pelos devastados seridois

da Regio.

Quem sabe se Floriano lembrou desses discursos quando, na companhia

de Luiz Maranho, do prefeito cassado Djalma Maranho e do suplente de

deputado federal Aldo Tinoco foram levados em um avio da FAB para Fernando

de Noronha na madrugada do 21 de agosto de 1964. Agora, era abril que se

ausentava, mas o soneto de Ldo Ivo parecia acompanh-los:

Agora que abril, e vo morrer/ as formosas canes dos outros

meses,/ assim te quero, mesmo que te escondas:// amar-te uma s

vez todas as vezes/ em que sou carne e gesto, e fenecer/ como uma

voz chamada pelas ondas.

Segundo Aldo Tinoco, em relato Mailde Pinto, todos eles chegaram a

pensar que poderiam ser jogados do avio para a morte no mar, como se

comentava que j havia acontecido com alguns prisioneiros polticos. No seria

desta vez, e os dias de priso na ilha foram passados num clima ameno e quase

tranquilo, sem torturas. O clima daqui, com muito sol, foi bom para a minha

sade, escreveu Luiz Maranho em carta para a esposa. Entre as recordaes de

Floriano, a de ter cortado o cabelo duas vezes com Z Menininho, cearense que

tinha trabalhado nas salinas de Macau e sido barbeiro em Natal, autor do clssico

chorinho Caixo de gs:

Cada vez, batemos um papo animado de fundo sentimental, das

boas coisas da terrinha salineira, envoltos em gratas emoes

telricas. Cearense da cidade de Cascavel, Z Menininho esteve

anos em Macau pelas praias de Barreiras e Diogo Lopes, ali

deixando muita gente amiga. Da qual no foi minha alegria de v-

lo livre em Fernando de Noronha, prestando-me o bom servio de

cabeleireiro.

Todos sairiam vivos de Fernando de Noronha. O primeiro a ser libertado,

Aldo Tinoco, passou mais de trinta dias entre o cu e o mar. Djalma Maranho foi

transferido ainda em setembro para um hospital militar no Recife. Floriano

Bezerra e Luiz Maranho, somente na tarde do 28 de outubro. O Supremo

Tribunal Federal concedia o habeas corpus tantas vezes negado peloSupremo

Tribunal Militar.

Mas o regime no admitia recuar a nossa revoluo com um trator

que no tem marcha a r, exclamou um oficial ao deputado federal Carvalho

Neto, que ajudaria a libertar mais de 40 presos polticos no Rio Grande do Norte,

entre, eles, Djalma Maranho. O prefeito cassado de Natal ainda publicaria um

manifesto na imprensa, antes de partir para o exlio no Uruguai, onde afirmava:

No creio na liberdade de um habeas corpus neste momento da

vida brasileira em que a ordem jurdica vilipendiada e destruda

diariamente [...]. O governo est totalmente submetido ao

imperialismo; agrava-se, dia a dia, a crise econmico-financeira

[...]. O General fome est nas ruas, nos campos, nas fbricas, nas

escolas, nas reparties pblicas e, muito em breve, nos quartis

[...]. Garanto, porm, que ante o espectro da fome, nenhum povo

permanece de braos cruzados.

Djalma conclua o manifesto com um at breve, meus irmos. Se

enganava: voltaria ao Brasil, e a Natal, apenas morto. Falecido no dia 30 de julho

de 1971, em Montevidu, foi enterrado no cemitrio do Alecrim trs dias depois.

A ditatura durou vinte anos; ele resistiu a apenas seis, lembrou com pesar sua

antiga colaboradora na prefeitura, Mailde Pinto.

Luiz Maranho foi morto pela ditadura. Sem a certeza de uma data

provavelmente em abril de 1974, dez anos depois do golpe , nem da causa

testemunhas falam que teria sido morto com uma injeo de matar cavalos

aplicada depois de uma sesso de tortura, ou, jogado em alto-mar, juntamente

com outros militantes do PCB. Seu corpo nunca foi localizado.

Csario Clementinofoi praticamente esquecido nos 50 anos aps sua

priso num quartel do Exrcito. Seu nome est em um Inqurito Policial

instaurado na Rede Ferroviria Federal em 1964, entre os nomes de outros

indiciados, acusado de haver decretado greves em Mossor, em combinao

com os sindicatos dos Martimos e Porturios que formavam a PUA (Pacto de

Unidade e Ao). Poucos sabem que a Escola Municipal Jos Alves Sobrinho, em

Mossor,chamava-se Escola Reunida Sindicato dos Ferrovirios, e tinha como

objetivo atender aos filhos dos ferrovirios. O seu fundador foi Cesrio

Clementino, em 1951. No final da dcada de 1970 fundou a Cooperativa de

Desenvolvimento Rural de Mossor. Faleceu em 13 de janeiro de 1997.

Floriano Bezerra est vivo. Publicou em 2009 suas memrias, Minhas

tamataranas: linhas amarelas. Em 1976, reencontrou em Macau o senador

Dinarte Mariz, adversrio poltico mas amigo solidrio, e perguntou:

Senador, estou cassado h mais de dez anos. Tem sentido, essa

violncia? No demais, num pas que s falam em democracia?

Mariz respondeu-lhe, antes do abrao fraterno de despedida:

Floriano, no tem sentido. Mas espere um pouco, as coisas vo

normalizar, e no vai demorar muito, a democracia vai criar razes

como precisa. Sua cassao vai encerrar, no tardar muito, fique

certo.

Quando, senador?

No vai demorar. Espere mais um pouco.

Floriano Bezerra no poderia imaginar que esperaria, no um pouco,

mas meio sculo para ter seu mandato devolvido num ato apenas simblico.

Bem mais rpido foi o processo de cassao, iniciado no dia 22 de abril de

1964 quando os trs acusados j se encontravam presos e um dia depois de

Luiz Maranho ser amarrado, pendurado pelos ps e mergulhado em um tonel

de leo. Para o deputado Jos Pinto, autor da proposta de cassao, o fato de j se

encontrarem presos pelas autoridades militares, era a confirmao pblica de

suas atividades subversivas, e o dever patritico da Assembleia era eliminar de

seus quadros elementos que, sob aparncias legtimas, pregavam a subverso da

ordem jurdica, e dos princpios cristos que reformam a sociedade brasileira.

Menos de dois meses depois, em 10 de junho, a Presidncia da Casa acusa

recebimento de telegrama do Conselho de Segurana Nacional e, sem muitas

palavras, cassa os mandatos.

Cinquenta anos depois, no dia 26 de maro de 2014, o deputado Fernando

Mineiro, do PT-RN, apresenta requerimento para a devoluo, e restaurao,

para efeitos simblico e histrico, dos mandatos de Floriano Bezerra de Arajo,

Luiz Incio Maranho Filho e Cesrio Clementino dos Santos, que tiveram sua

cassao comunicada a esta Casa pelo Conselho de Segurana Nacional, por meio

de telegrama lido na Sesso Ordinria de 10 de junho de 1964, sob a gide do Ato

Institucional no 1, de 9 de abril de 1964.

Apenas um dia depois, o requerimento foi aprovado, e uma Sesso Solene

marcada para o dia 10 de abril de 2014.

Agora que abril.

*

Reestabelecendo a vontade popular

Prises, torturas, assassinatos, ocultaes de cadveres foram prticas,

infelizmente, comuns nesse regime que completa 50 anos de sua instalao, cicatriz que

sangra na sociedade brasileira e tambm na Potiguar.

Em nosso Estado ainda tivemos particularidades que fazem de nossa histria

naquele perodo um elemento ainda mais peculiar e inacreditvel, em termos de

perseguio e degradao.

Em 1960, Aluzio Alves, ento no PSD, vence as eleies para governar o Rio Grande

do Norte de janeiro de 1961 a 1966. Por se opor a Dinarte Mariz, senhor todo poderoso da

UDN no Estado, vence as eleies com a ajuda dos progressistas do RN.

Contudo, em 23 de abril de 1964, trs semanas aps o Golpe, o governo estadual cria

uma comisso de investigao, atravs do Ato Institucional n. 1, denominada Relatrio

Geral. Essa ao conhecida por Relatrio Veras e foi coordenada por dois

pernambucanos, contratados pelo governador, os algozes: capito Jos Domingo da Silva,

responsvel pela represso na rea rural e rede ferroviria; e delegado Carlos Moura de

Morais Veras, responsvel pela parte urbana (movimentos estudantis, sindicais, intelectuais

e na Prefeitura de Natal).

neste cenrio que se d a cassao dos deputados e suplentes, legtimos

representantes populares na Assemblia Legislativa do RN: dos sindicalistas Floriano

Bezerra de Arajo, Cesrio Clementino dos Santos e do advogado e professor

universitrio Luiz Igncio Maranho Filho.

Cassao a revogao de algo irrevogvel. A legitimidade da democracia, porm,

se ampara no direito ao voto e na soberania da escolha popular.

A cassao destes mandatos ato de violncia contra o Rio Grande do Norte, contra a

democracia, contra a escolha popular, uma ferida que, ainda aberta, clama por

reparao. A devoluo destes mandatos legtimos, populares e legais uma reparao

que simboliza,

Reestabelecendo a vontade popular

sobretudo, a necessidade de o Rio Grande do Norte se ver contar a verdadeira verso da

histria recente de nossa terra e nosso povo, uma verso onde algozes e vtimas devam ser

separados e historiados com os elementos verdadeiros e reais.

Vejamos o que fala o Relatrio Veras cerca dos parlamentares cassados poca:

Floriano Bezerra de Arajo Ex-Deputado Estadual - Presidente das Ligas

Camponesas deste Estado. Mantinha ligao estreita com o agitador do Campo

Francisco Julio, tendo inclusive conduzido este e o Padre Alpio de Freitas para

realizarem conferncias na cidade de Macau. Organizou, fundou e instalou em

alguns municpios deste Estado Delegacias das Ligas Camponesas. Empregava

linguagem violenta e revolucionria quando discursava nas instalaes das Ligas

Camponesas... (recorte)

Pags. 24 e 25 (Comit Estadual da Verdade, Memria e Justia RN Subverso no Rio

Grande do Norte / Relatrio Veras 2 ed. Fac-similar Natal RN: Comit pela

verdade RN, 2012. Coleo Represso no RN Vol. 1)

Cesrio Clementino dos Santos Acusado de, na funo de presidente do

Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferrovirias de Mossor, haver

decretado greves naquele municpio; em combinao com os Sindicatos dos

Martimos e dos Porturios _ que formavam a PUA (Pacto de Unidade e Ao) _

organizar greves de natureza polticas. Ipsis litteris

Pags. 31 e 32 (Comit Estadual da Verdade, Memria e Justia RN Subverso no Rio

Grande do Norte / Relatrio Veras 2 ed. Fac-similar Natal RN: Comit pela

verdade RN, 2012. Coleo Represso no RN Vol. 1)

(Quanto a Luiz Incio Maranho Filho, na ausncia do verbete no Relatrio Veras, me

valho de uma breve sntese de autoria do seu sobrinho-neto, o arquiteto Haroldo

Maranho):

Luiz Igncio Maranho Filho

1921 - Aos 25 de janeiro nasce em Natal Luiz Maranho, quarto filho do casal Luiz

Igncio de Albuquerque Maranho e Maria Salom de Carvalho Maranho.

Foi Presidente do Centro Estudantil Potiguar e aluno dos Colgios Pedro II e Atheneu, onde depois foi professor. Participou intensamente da vida cultural e intelectual da

cidade, integrou o grupo Teatro do Estudante, trabalhou nos jornais A Repblica,

Dirio de Natal e serviu ao Exrcito no Tiro de Guerra.

1944 - Ingressa na Faculdade de Direito em Macei e no Partido Comunista

Brasileiro.

1945 - Cai o Estado Novo, o PCB volta legalidade e Luiz integra a Comisso

Executiva do RN para as eleies da Assemblia Nacional Constituinte.

1948 - O PCB tem seu registro cancelado pelo TSE, o Congresso cassa o mandato

dos seus representantes e Luiz demitido do cargo de professor do Atheneu. Em

janeiro foi preso juntamente com Hiran Pereira, outro dirigente do PCB que tambm

integraria mais tarde a lista dos desaparecidos polticos. Ambos eram redatores da

Folha Popular, rgo do PCB local. Ainda em 1948 transfere-se para Recife, onde

conclui o curso de Direito e vai trabalhar no jornal Folha do Povo.

1952 - Aps denunciar na imprensa torturas ocorridas na Base Area de Parnamirim-

RN sequestrado por soldados no Centro do Recife e enviado quela mesma

unidade militar, sofrendo os mais perversos requintes da barbrie de seus

torturadores.

1953 - absolvido pelo Superior Tribunal Militar, volta a Natal, ao Atheneu, ao

jornalismo, ao partido e vai lecionar Geografia na Faculdade de Filosofia.

1958 - Eleito Deputado Estadual pelo Partido Trabalhista Nacional, exerce o mandato

at 1962. Segundo o Jornalista Carlos Lima: Um momento diferente no Plenrio

dava-se quando Luiz Maranho discursava. Os deputados silenciavam para ouvi-lo,

pois quase sempre era uma aula de rico contedo.

1964 - Aps o golpe militar preso, demitido do Atheneu e barbaramente torturado no

Regimento de Obuses em Natal. Depois levado Ilha de Fernando de Noronha,

com o ex-deputado Floriano Bezerra, o suplente de deputado federal Aldo Tinoco e o

seu irmo Djalma Maranho, ex-prefeito de Natal. Ao final deste ano, aps ter sua

liberdade autorizada pelo STM, retornou a Natal e viajou para o Rio de Janeiro.

1967 - eleito membro do Comit Central do PCB no VI Congresso e, com a

edio do AI-5 em 1969, passou a lutar na clandestinidade. Hbil no dilogo, atuou

em varias misses e comisses partidrias, sendo um dos organizadores da frente

ampla para derrotar o regime militar em 1973, com a anticandidatura presidencial

de Ulisses Guimares, do MDB, que tinha Barbosa Lima Sobrinho como vice. Foi o

dirigente comunista que mais trabalhou a aproximao entre cristos e marxistas,

organizando a publicao de trs encclicas fundamentais na renovao da Igreja

Catlica. Era amigo do Cardeal Dom Eugnio Sales.

1974 - Aos 3 de abril sequestrado por policiais numa Praa em So Paulo. Sua

priso denunciada no plenrio da Cmara Federal, pelo ento deputado Tales

Ramalho, que leu carta da esposa de Luiz, Odette Roselli Garcia Maranho,

solicitando ao governo explicaes sobre o seu desaparecimento.

1996 - Aos 5 de dezembro, vinte e dois anos depois, Odette recebe a certido de bito

do seu marido, Luiz Igncio Maranho Filho. O Estado brasileiro reconhece a sua

morte, de acordo com o artigo 1 da Lei n 9.140, de dezembro de 1995. Deste modo,

finalmente entregava-se a ela e aos familiares de Luiz Maranho o cdigo indecifrvel

do seu cadver insepulto.

A luta para conceder a Luiz Maranho um enterro digno nos move, como tambm nos

move a campanha a favor do PL 573/201, que rev a Lei de Anistia, para de fato

podermos ter acesso justia de transio para conhecermos, responsabilizarmos e

punirmos os algozes de Luiz Maranho, bem como todos os responsveis por crimes

covardes contra brasileiros que sonharam com uma ptria livre e igualitrio e, por

isso, foram torturados e mortos.

Devolver o mandato destes bravos potiguares acima de tudo resgatar a soberania

do voto popular nas eleies de 1960 e, ainda, reorientar o nosso povo ao curso real da

histria de nossa terra e nossa gente.

Djamiro Acipreste

Presidente da Comisso da Memria e Verdade Advogado Luiz Maranho da

Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Rio Grande do Norte

Membro da Comisso Nacional da Verdade do Conselho Federal da Ordem dos

Advogados do Brasil

CONFIDE

NCIAL

Processo de cassaona Comisso de Justia

A CASSAO - Requerimento de cassaoA CASSAO - Requerimento de cassao

Processo 147 - Processo de cassao na Comisso de Justia

Processo 147 - Processo de cassao na Comisso de Justia

Processo 147 - Processo de cassao na Comisso de Justia

Processo 147 - Processo de cassao na Comisso de Justia

Processo 147 - Relatrio da Comisso de Justia

Processo 147 - Relatrio da Comisso de Justia

Processo 147 - Relatrio da Comisso de Justia

Processo 147 - Voto em separado

MINISTRIO DA GUERRADIRETORIA DE COMUNICAESRADIOTELEGRAMA

DE: GAB MIN BR (ILEGVEL)RECEBIDO DE (ILEGVEL)ENDEREO: U recomendado pres assemblia legislativa do rio grande do norte. natal

(ILEGVEL) de 4 pt paragrafo unico art decimo ato institucional (ILEGVEL) senhor pres rep vg mediante propost conselho segurana nacional e (ILEGVEL) sessenta dias contar quinze abril proximo passado vg atribuio (ILEGVEL) previstas ref art vg de outro lado vg art nono dec nr 83997 vinte sete abril ultimo vg determinou como competentes para provocar proposta do conselho seg nac vg mediante represent respectivas membros vg chefes poderes estados e secretario geral conselho pt (ILEGVEL) gravidade sano vg a qual deve (ILEGVEL) de razes relevncia relacionadas interessa paz e honra que venham ser encaminhadas vg devero ser companhadas justificao necessria e ate dez dias antes findo prazo jah aludido vg para exame conselho seguraba nac pt esclareo secretaria conselho segurana funciona avenida pres vargas vg (ILEGVEL) 6 ANDAR VG RIO DE JANEIRO GB PT (ILEGVEL) gen bda ernesto geisel sec geral conselho - aplicao sanes

Radiotelegrama do Ministrio da Guerra

TRANSCRIO

DO DOCUMEN

TO

Ofcio encaminhando o processo ao Gen. Geisel (Sec. Geral do Conselho de Segurana Nacional)

Ata da sesso de 10 de junho de 1964, na qual foi comunicada a cassao

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NCIAL

Arquivos DOPS

Documentos do arquivo pblico - Floriano Bezerra de Arajo

Documentos do arquivo pblico - Floriano Bezerra de Arajo

CESRIO CLEMENTINO DOS SANTOS

Documentos do arquivo pblico - Cesrio Clementino dos Santos

Documentos do arquivo pblico - Cesrio Clementino dos Santos

Cesrio Clementino dos Santos

Cesrio Clementino dos Santos

Documentos do arquivo pblico - Luiz Incio Maranho Filho

Documentos do arquivo pblico - Luiz Incio Maranho Filho

Documentos do arquivo pblico - Luiz Incio Maranho Filho

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Luiz Incio Maranho Filho

Requerimento para devoluo dos mandatos