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São de responsabilidade de seus autores os conceitos emitidos nas conferências aqui publicadas. Agosto 2009 653 v. 55 Sumário Centro Técnico da Aeronáutica (Hoje: Comando-Geral de Tecnologia Aerospacial – CTA) .................................. 3 Mauro Gandra O que Fazer Depois da Crise – Dez Teses Heterodoxas ...................................... 41 João Paulo de Almeida Magalhães Equação do Petróleo ............................................. 64 Joel Mendes Rennó Síntese da Conjuntura Conjuntura Econômica ......................................... 81 Ernane Galvêas Problemas Nacionais Conferências pronunciadas nas reuniões semanais do Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo

Agosto 2009 653 Problemas Nacionais · atender, também, ao que os americanos chamavam de spin-off, uma espécie de “chocadeira” de novas empresas e de todo o universo, di-

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São de responsabilidade de seus autores os conceitos emitidos nas conferências aqui publicadas.

Agosto2009

653v. 55

Sumário

Centro Técnico da Aeronáutica (Hoje: Comando-Geral de Tecnologia Aerospacial – CTA) .................................. 3Mauro Gandra

O que Fazer Depois da Crise – Dez Teses Heterodoxas ...................................... 41João Paulo de Almeida Magalhães

Equação do Petróleo ............................................. 64Joel Mendes Rennó

Síntese da ConjunturaConjuntura Econômica ......................................... 81Ernane Galvêas

Problemas NacionaisConferências pronunciadas nas reuniões semanais do Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo

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Solicita-se aos assinantes comunicarem qualquer alteração de endereço.

As matérias podem ser livremente reproduzidas integral ou parcialmente, desde que citada a fonte.

A íntegra das duas últimas edições desta publicação estão disponíveis no endereço www.portaldocomercio.org.br, no link Produtos e Serviços – Publicações – Periódicos.

Publicação MensalEditor-Responsável: Gilberto PaimProjeto Gráfico: Assessoria de Comunicação/Programação VisualImpressão: Gráfica Ultraset

Carta Mensal |Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo – v. 1, n. 1 (1955) – Rio de Janeiro: CNC, 1955-

100 p.MensalISSN 0101-4315

1. Problemas Brasileiros – Periódicos. I. Confederação Nacional do Co-mércio de Bens, Serviços e Turismo. Conselho Técnico.

Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo

v. 55, n. 653, Agosto 2009

BrasíliaSBN Quadra 01 Bloco B no 14, 15o ao 18o andarEdifício Confederação Nacional do ComércioCEP 70041-902PABX (61) 3329-9500 | 3329-9501E-mail: [email protected]

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Centro Técnico da Aeronáutica (Hoje: Comando-Geral de Tecnologia Aerospacial – CTA)

Mauro GandraTen. Brig. Ref., Ex-Diretor do DAC e Ex-Ministro da Aeronáutica

Origem Conceitual – Santos Dumont

“É tempo, talvez, de se instalar uma escola de verdade em um campo adequado... Margeando a linha da Central do Brasil, especialmente nas imediações de Mogi das Cruzes, avistam-se campos que me pa-recem bons. Os alunos precisam dormir junto à Escola, ainda que para isso seja necessário fazer instalações adequadas... Penso que, sob todos os pontos de vista, é preferível trazer professores da Europa e dos EUA, em vez de para lá enviar alunos. Meu mais intenso desejo é ver verdadeiras Escolas de Aviação no Brasil. Ver o aeroplano, hoje poderosa arma de guerra, amanhã meio ótimo de transporte, percorren-do as nossas imensas regiões, povoando nosso céu, para onde, primeiro, levantou os olhos o Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão.”

Assim, Santos Dumont, em seu opúsculo editado em 1918, “O que eu vi, o que nós veremos”, um homem de visão sempre à frente de

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seu tempo, vislumbrava o que só seria pensado de fato, quase 30 anos depois. O que há de quase sobrenatural nessa premonição é que Casimiro Montenegro Filho, a mola mestra indutora do complexo ITA/CTA (Instituto Técnologico da Aeronáutica/Centro Técnico da Aeronáutica), somente em 1953, já promovido a Brigadeiro do Ar, teve conhecimento de tal antevisão.

Uma Ideia Muito Ambiciosa

O Doutor Salgado Filho, primeiro Ministro da Aeronáutica, era tam-bém um homem de visão bem à frente de seu tempo. Ao conceber a criação da Subdiretoria de Material da Aeronáutica, pretendia ser aquele, o órgão próprio para executar um programa de desenvolvi-mento científico e tecnológico dentro do recém-criado Ministério. Como seu primeiro diretor foi designado o Ten.-Cel.-Av. (Eng.) Casimiro Montenegro Filho, que já chegava considerando a ideia de transformar a Subdiretoria numa organização de maior vulto, própria para as necessárias pesquisas que incentivassem o desenvolvimento das indústrias de aeronáutica e de transporte aéreo. Estava, destarte, o Ministro, colocando o homem certo no lugar certo e na primeira hora.

Em 1945, em sua visita a diversas Bases Aéreas Americanas, Monte-negro e um grupo de Oficiais da FAB são procurados pelo Maj.-Av. Oswaldo Nascimento Leal, que realizava o curso de Engenharia Aeronáutica no Massachussets Institute of Technology (MIT). Este sugere a Montenegro que fosse a Boston para conhecer o MIT e trocar ideias com o Prof. Richard H. Smith, chefe do Departamen-to de Aeronáutica daquele instituto, ao invés de visitar a base de Wright Field (homenagem aos irmãos Wright), esta, muito mais voltada para os assuntos de material aeronáutico da Força Aérea do

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Exército daquele país.

Sugeria, portanto, que ao apresentar ao Estado-Maior da Aeronáutica a proposta de uma organização cujo modelo fosse o do MIT, um de seus principais objetivos seria elevar a ciência e a tecnologia aero-náutica brasileiras, ao nível das nações mais avançadas, de modo a se obter a consolidação de uma indústria aeronáutica competitiva (fato que veio a ocorrer 40 ou 50 anos depois). Seria, ainda imperiosa a formação de engenheiros dos vários ramos ligados à aeronáutica para atender, também, ao que os americanos chamavam de spin-off, uma espécie de “chocadeira” de novas empresas e de todo o universo, di-reto ou indireto, das tecnologias necessárias a uma indústria de grande sofisticação e permanente dependência dos avanços tecnológicos.

Em razão das tratativas no MIT, em Boston, o Prof. Smith chega ao Rio de Janeiro, no mesmo ano (1945) e assina com o Ministro Salgado Filho, em15 de junho, um contrato de consultoria. Foi levado por Montenegro para conhecer os quatro locais que melhores condições ofereciam para a instalação do futuro Centro Técnico de Aeronáutica – CTA: Campinas, São José dos Campos, Taubaté e Guaratinguetá, os três últimos no Vale do Paraíba.

Substituto de Salgado Filho, que havia saído com a queda de Getúlio Vargas, o Brig. Trompowsky, já como Ministro da Aeronáutica, levou ao Presidente José Linhares, em despacho pessoal, o plano de criação do CTA, que foi imediatamente aprovado. Tal plano estabelecia que o Centro fosse constituído por dois institutos científicos, tecnicamente autônomos – um para o ensino técnico superior (ITA) e um para pesquisa e cooperação com a indústria aeronáutica, e com as aviações civil e militar (IPD).

O primeiro Instituto criado, o ITA, de início teria a seu cargo, nos

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limites de suas possibilidades, todas as atividades do Centro. Assim, nascia, mesmo antes da aparição do pai (CTA), o ITA, filho pródigo (dos 5.200 engenheiros já formados, apenas 17%, 864, seguiram carreira na FAB) e prodígio do CTA, hoje Comando-Geral de Tec-nologia Aeroespacial.

Conferência do Prof. Richard H. Smith

Inspirador privilegiado da criação e implantação do CTA é manda-tório destacar os trechos mais importantes da Conferência do Prof. Richard H. Smith realizada em setembro de 1945, no Auditório do Ministério da Educação – RJ.

“Como nenhum país poderá possuir indústria e comércio equivalentes aos de outros países mais adiantados, enquanto for subordinado à engenharia e às outras profissões correlatas dessas nações, o Brasil só poderá tornar-se independente das outras nações competidoras no comércio aéreo pela criação de escolas superiores nos campos da enge-nharia aeronáutica, aerologia, comércio aéreo e fabricação de aviões, e pela instalação, para essas especialidades, de laboratórios próprios de alto padrão científico.

A partir daí, sob a orientação dessas instituições, o Brasil deverá desen-volver e fabricar tipos de aviões genuinamente brasileiros, e organizar linhas de navegação e aeroportos terminais brasileiros, perfeitamente aparelhados.”

O Plano de Criação do CTA

O plano do Prof. Smith para criação do CTA era muito ousado para a época e até mesmo para os dias atuais. Dizia primordial para

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o sucesso de uma instituição de tal natureza que gozasse de auto-nomia plena, livre para estabelecer sua própria filosofia, diretrizes e procedimentos, bem como gerir, econômica e financeiramente, seus projetos e realizações. Preconizava a criação de uma instituição que rompesse a subordinação com qualquer estrutura regulamentar de organização ortodoxa educacional. Felizmente, esta parte do plano foi conquistada e perdura até os presentes dias.

Destacam-se do plano os seguintes itens:

O Centro Técnico de Aeronáutica seria o órgão científico e técnico do Ministério da Aeronáutica com o objetivo de exercer suas atividades em prol da Força Aérea Brasileira, da Aviação Civil e da futura In-dústria Aeronáutica. Deveria ter autonomia financeira, administrativa e, principalmente didática.

Deveria prover os meios para criar e desenvolver uma Universidade de Engenharia, o Instituto Tecnológico de Aeronáutica – ITA, didati-camente autônoma, sob disposições emanadas de sua congregação de professores; e estabelecer um regime de ensino de alto nível teórico/prático, segundo os mais avançados métodos educacionais dos países desenvolvidos, adotando-se o regime de dedicação plena, tanto por parte dos professores quanto dos alunos.

O Choque entre a Concepção e a Realidade

A autonomia da instituição, preconizada pelo Prof. Smith em seu documento “Recomendatios for the CTA Law” sofria impedimentos legais e regulamentares que não podiam ser ignorados, nem facilmente contornados.

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É então que aparece a ousadia e a criatividade do Coronel Casimiro Montenegro Filho, que com sua pertinácia e alguns lances de verda-deira “prestidigitação”, consegue contornar os entraves burocráticos e regulamentares, sempre que eles se apresentam.

A Comissão Organizadora do Centro Técnico de Aeronáutica – COCTA

Criada em janeiro de 1946, a Comissão objetivava a execução do pla-no sendo subordinada à Subdiretoria Técnica chefiada pelo Coronel Montenegro. Seus membros eram: Ten.-Cel. (Eng.) Benjamim Manoel Amarante, Cap.-Av. (Eng.) Aldo Weber Vieira da Rosa e Eng. Hélio de Oliveira Gonçalves.

São José dos Campos, situado às margens da nova rodovia Rio/São Paulo (Via Dutra) foi o local escolhido consideradas todas as variáveis analisadas, notadamente, o relativo afastamento dos grandes centros urbanos, sem estar longe demais da cidade de São Paulo, já o maior polo industrial da América do Sul.

No Concurso de Anteprojetos, foi eleito o Anteprojeto B de autoria do Arquiteto Oscar Niemeyer Soares Filho e o arquiteto escolhido foi Fernando Geraldo Saturnino de Brito.

Niemeyer é vetado pelo então Presidente Dutra, por ser filiado ao Partido Comunista, mesmo sendo o partido, à época, legal. Em mais um passe de “prestidigitação”, Montenegro combina com Niemeyer e o contrato é assinado em abril de 1947, por dois de seus melhores amigos, Fernando Saturnino de Brito e Rosendo Mourão. Em janeiro de 1948, os projetos de arquitetura e de instalações e o caderno de encargos para as obras do CTA foram aprovados

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Por ser futurista e muito arrojado, o projeto ganhou, desde logo, inúmeros incrédulos opositores. Os céticos tinham certa razão, con-siderados os valores de dinheiro público envolvidos. Seria uma insti-tuição sem paralelos, nem mesmo nos países mais desenvolvidos. Só a área reservada aos alunos e às famílias de professores e funcionários ocupava 50 mil metros quadrados, oito vezes o estádio do Maracanã, também em início de construção à mesma época (ambos vieram a demonstrar que os planejadores, então taxados de megalômanos, estavam certos). As 30 casas para o corpo docente mais qualificado incluíam: biblioteca, escritório, hall, quatro salas (visita, estar, jantar e almoço), três quartos, dois banheiros dependências de empregada, cozinha, lavanderia, garagem e dormitório para motorista, tudo em alto padrão e dividido em dois pavimentos. Mais 800 imóveis seriam construídos para os professores assistentes (cerca de cem) e para os demais funcionários.

A Construção do Centro – O ITA

Em 1948, o programa de obras da COCTA foi iniciado, apesar dos grandes entraves, devido à insuficiência de recursos financeiros para realizar todas as construções no prazo previsto. Mesmo com as difi-culdades financeiras e creditícias as obras do ITA foram concluídas em 1950, graças à prioridade que lhes foi dada pela Comissão em razão de ser o primeiro instituto instalado. Paralelamente à constru-ção, vinham sendo adquiridos equipamentos e efetuada a seleção dos professores e técnicos, estes que inicialmente, trabalharam junto à Escola Técnica do Exército, no Rio de Janeiro, hoje o IME – Instituto Militar de Engenharia.

Transferidos daquela Escola, para São José dos Campos os corpos

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discente e docente, era assim, implantado o ITA, concebido que fora como instituição de ensino exemplar, dotado de professores de renome internacional na área de engenharia aeronáutica.

Primeiro com o curso de engenharia aeronáutica de aeronaves, a seguir iniciando o de aerovias, e depois o de eletrônica, instituiu-se, assim, o ITA como uma universidade ímpar no hemisfério Sul.

Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento – IPD

O Magnífico Reitor do ITA, Prof. Andrew Johannes Meyer, em dezembro de 1953, designou uma comissão de professores para que desse um parecer sobre a conveniência ou não de ser criado um instituto de pesquisas, em paralelo ao ITA. A comissão era composta por diversos professores do Instituto.

A comissão opinou pela necessidade de promover o incremento da formação de técnicos e pesquisadores, o desenvolvimento de pesquisas, e a cooperação com a indústria. Estava assim criado o segundo instituto do CTA a se instalar, o Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento (IPD), criado em novembro de 1953, berço do avião Bandeirante e porque não dizer, da indústria aeronáutica que deu certo, no Brasil.

Projetos Históricos

O Convertiplano

Depois de visitar o CTA em 1952, o Prof. Dr. Heinrich Focke (rea-lizador do primeiro helicóptero utilizável no mundo), entusiasmado pela criação de um centro de ensino e de pesquisa, o único na América

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do Sul, resolveu organizar sua equipe na Alemanha, voltando para dar início aos trabalhos do Convertiplano (Heliconair-HC-1), uma aeronave de decolagem vertical, monomotor com quatro rotores, cujos eixos basculavam, convertendo-se em avião convencional, desenvolvendo 500 km/h em voo nivelado. Projeto utópico para a época, embora não tenha sido levado a diante, serviu como ponto de partida para as pesquisas do IPD. 57 anos depois, o Tiltrotor e o V-22 Osprey, este que estará operacional em 2009, vem, ainda que tardiamente, demonstrar que o projeto era muito avançado para épo-ca, mas não utópico. O V-22 leva 9.000 kg de carga internamente e atinge uma velocidade máxima de 510 km/h, levando 20 segundos para acelerar até esta velocidade.

O Beija-Flor

O projeto Beija-Flor, helicóptero de rotor rígido para duas pessoas não era convencional, contendo soluções novas, fruto da criatividade do Prof. Focke. O protótipo fez seu voo inicial em fevereiro de 1960 e apresentava facilidade de manejo e simplicidade de construção. Tratava-se do primeiro helicóptero projetado e construído no Brasil, por uma equipe mista (brasileiros e estrangeiros), do recém-criado IPD. Para ter sido industrializado, faltou ao nosso Beija Flor, apoio governamental e espírito empreendedor do investidor privado, o que felizmente não aconteceu com o Bandeirante e mais tarde, com a criação da EMBRAER, hoje a terceira empresa construtora de aeronaves no mundo.

O Bandeirante

No dia 26 de outubro de 1968, em cerimônia oficial, no CTA, com a presença de autoridades civis e militares e cerca de 15 mil pessoas, foi realizado o voo inaugural da aeronave Bandeirante (Maiden Fli-

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ght). O Maj. Mariotto e o Eng. Michel partem da cabeceira da pista para a realização da primeira decolagem do primeiro voo oficial do Bandeirante, efeito da perseverança e trabalho de uma equipe de civis e militares irmanados no mesmo sonho que agora era concretizado, 20 anos após o início da construção do CTA.

Pouco depois, em fevereiro de 1970, o Maj. Av. Mauro Gandra, profetizava o brilhante futuro da indústria aeronáutica brasileira em modesta trova sobre o Bandeirante.

“BANDEIRANTE”Agora vamos avante,Escolhemos muito bem,Com esse nome BandeiranteA indústria não se detém.

O sonho tão almejado,Enfim nos parece perto,Este avião fabricadoNo Brasil, tem que dar certo!

Nos lembra pioneirismo,Vontade, dura, tenaz,Herdada de homens que a glória,

Forjada pelo heroísmo,Enobrece nossa história,Mostrando um povo capaz.

Mauro Gandra

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12 fev. 1970

ITA: Cursos, número de turmas formadas e números de engenheiros diplomados

Cursos:

De Graduação:

Engenharia Aeronáutica

Engenharia Eletrônica

Engenharia Mecânica-Aeronáutica

Engenharia de Computação

Engenharia Civil-Aeronáutica

Pós-Graduação strictu sensu, Mestrado e Doutorado em várias áreas de:

Engenharia Aeronáutica e Mecânica

Engenharia Eletrônica e de Computação

Física

Mestrado em várias áreas de:

Infra-Estrutura Aeroportuária

Transporte Aéreo e Aeroportos

Mestrado Profissional em:

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Engenharia Aeronáutica – Parceria: ITA-EMBRAER

Engenharia Aeroespacial – Parceria ITA/IAE

Números de turmas já diplomadas e o ano da primeira diplomação:

A primeira cerimônia de diplomação ocorreu em 1950; não houve interrupção dos cursos desde essa data. Formaram-se, portanto, até dezembro de 2008, 59 turmas de engenheiros.

Números dos engenheiros diplomados pelo ITA até dezembro de 2008:

– 5.200 engenheiros formados, sendo 864 militares;

– Dos 5.200 engenheiros formados, 65 são mulheres, das quais, 11 militares.

(nos próximos 4 anos mais 11 engenheiras serão militares)

Números de alunos ora cursando o Instituto:

Nos variados cursos estão cursando 666 alunos sendo que 56 são mulheres.

Vestibular para o ITA em 2008

Número de candidatos – 6.215

Aprovados – 120 sendo 8 mulheres

Observação – Houve um ano em que se inscreveram 9.000

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candidatos

(Fonte – ITA)

Alguns estudos e realizações de Institutos do CTA

IFI – Instituto do Fomento e Coordenação Industrial

. Dezembro de 1972 – Homologação dos primeiros modelos do Bandeirante: EMB-110 (FAB C-95) e EMB-110C.

. Junho de 1976 – Acordo bilateral Brasil-EUA de aceitação de produtos aeronáuticos.

. Maio de 1979 – Homologação do primeiro modelo do Xingu: EMB-121A.

. Fevereiro de 1985 – Credenciamento pelo Inmetro do Laboratório de Metrologia do IFI. (Tratou-se do primeiro laboratório nacional de metrologia a integrar a Rede Nacional de Calibração.)

. Maio de 1985 – Homologação do primeiro modelo do Brasília: EMB-120.

. Junho de 1986 – Homologação do primeiro motoplanador brasi-leiro (AMT-100 Ximango).

. Novembro de 1996 – Homologação dos primeiros modelos de aeronaves a jato da série Embraer 145: EMB-145 e EMB-145ER.

. Julho de 1998 – Homologação do míssil Ar-Ar MAA-1.

. Novembro de 1998 – Conclusão dos trabalhos de caracterização dos absorvedores de micro-ondas da câmara anecoica do CTA/IFI.

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. Janeiro de 2002 – Início do processo de transferência de tecnologia do Projeto Marimba (Materiais Resistentes ao Impacto Balístico).

. Junho de 2002 – Homologação de modificações nas aeronaves EMB-145 destinadas ao SIVAM: EMB-145AS (vigilância do espaço aéreo) e EMB-145RS (missões de sensoriamento remoto).

. Dezembro de 2003 – Credenciamento – pelo Inmetro – do IFI como Organismo de Certificação de Sistemas de Gestão da Quali-dade Aeroespacial.

. Fevereiro de 2004 – Homologação das aeronaves Embraer ERJ-170-100LR e ERJ-170-100STD.

. Março de 2004 – Coordenação e realização da primeira reunião com a empresa Airbus referente ao acordo de offset decorrente da compra do avião presidencial.

. Março de 2004 – Assinatura de contrato de transferência de tec-nologia da blindagem balística mista com a empresa Alltec.

. Outubro de 2004 – Primeiro envolvimento do IFI como órgão certificador em projeto de veículo espacial. (Lançamento do VSB-30/Operação Cajuana.)

. Junho de 2005 – Validação da certificação russa do helicóptero MIL Mi 171A1, primeira aeronave russa a ser homologada no Brasil.

IEAv – Instituto de Estudos Avançados

As atividades em curso no Instituto englobam mais de trinta projetos distribuídos em diversas linhas de pesquisa. Merecem destaque os seguintes temas:

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– Aerotermodinâmica e Hipersônica: P&D em escoamentos com velocidades hipersônicas para aplicação ao voo de veículos aeroespaciais.

– Giroscópio a Fibra Óptica: são sensores essenciais na implemen-tação dos sistemas de navegação inercial, no controle da atitude de satélites em órbita e na estabilização das plataformas que contêm as cargas úteis de foguetes de sondagem.

– Separação Isotópica a Laser e Vapor Atômico de Terras-Raras: o projeto tem por objetivo estudar o processo de separação isotópica de terras-raras a partir de evaporação a laser combinada com sepa-ração isotópica a laser.

– Sensoriamento Remoto: desenvolvimento de sistemas de sensoria-mento remoto; técnicas de tratamento, interpretação e processamento de dados e imagens; gerenciamento de banco de dados; e formação de recursos humanos com capacitação em sensoriamento remoto.

– Sistemas de Apoio à Decisão: desenvolvimento de modelos e ferra-mentas computacionais de interesse do Comando da Aeronáutica e do Ministério da Defesa, a fim de apoiar decisões nos níveis estratégico, operacional e tático.

IAE – Instituto de Aeronáutica e Espaço

Principal Projeto

VLS-1

Objetivo

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Desenvolver um veículo lançador de satélites, capaz de inserir um satélite de 115 kg a 750 km de altitude, em órbita circular de 25 graus de inclinação, até 2011.

Descrição

O VLS-1 é composto por quatro estágios de propulsão, utiliza com-bustível sólido em todos os estágios e está enquadrado na classe dos lançadores de pequeno porte. Sua capacidade nominal de satelitização é de 100 a 300 kg em órbitas circulares equatoriais de 200 a 1.200 km de altitude ou de 75 a 275 kg em órbitas circulares polares de 200 a 1.000 km de altitude.

O VLS-1 é composto de sete grandes subsistemas: 1º Estágio, 2º Estágio, 3º Estágio, 4º Estágio, Coifa Ejetável, Redes Elétricas e Redes Pirotécnicas.

As suas principais características são:

– número de estágios: 4;

– comprimento total: 19 m;

– diâmetro dos propulsores: 1 m;

– massa total na decolagem: 50 t;

– tipo de propelente: sólido compósito

Situação Atual

O projeto VLS-1 encontra-se na fase de implementação de modifi-cações decorrentes da Revisão de Projeto.

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19Car ta Mensa l • Rio de Janeiro, v. 55, n. 653, p. 3-40, ago. 2009

Em sua fase atual, o projeto prevê a construção de um Mockup de Integração e de Ensaios das Redes Elétricas (MIR), dois lançamentos de protótipos (VLS-1 XVT-01, com apenas a parte baixa ativa e VLS-1 XVT-02, que satelizará uma instrumentação), além da reconstrução da Torre Móvel de Integração e o lançamento do VLS-1 V04, que colocará em órbita um satélite a ser designado.

(Fonte CTA)

Trechos de artigo do ex-ministro da Ciência e Tecnologia – Roberto Amaral

“Com a lógica irrefutável dos números, demonstraremos como os tec-noburocratas subtraíram de nosso povo o sonho do foguete nacional: negando recursos ao projeto do VLS. Assim: nossos investimentos caí-ram de US$ 18,3 milhões, em 1995, para US$ 1 milhão, em 1999, e, pasmem, despencaram para US$ 0,9 milhão em 2002, momento crítico do lançamento, marcado para o ano seguinte. Ou seja, nós, que já pouco investíamos, passamos a investir ainda menos.”

“De onde deriva nosso fracasso? Da incompetência de nossos técni-cos? Da desídia do CTA? Não. Da irresponsabilidade de nossos tecnoburocratas que impõem aos programas estratégicos do País dietas orçamentárias que matam o paciente, pois eles não têm compromissos com a nação, nem respondem pelos fracassos e prejuízos que acarretam ao desenvolvimento do País.”

“Enquanto o Brasil investia US$ 1 milhão em seu Programa Es-pacial, em 1999 os Estados Unidos gastavam US$ 29,12 bilhões; a União Europeia, US$ 5,6 bilhões; o Japão, US$ 2,01 bilhões; e a Rússia, em plena crise decorrente do fim da União Soviética, US$ 0,67 bilhão. Em 2006, graças à nova política implantada pelo governo, investimos US$ 100 milhões. Mas a Índia investe US$ 813 milhões;

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a Coreia do Sul, US$ 209 milhões.”

(Fonte – Alcântara10 Cyclone Space)

ORGANIZAÇÕES INTEGRANTES DO CTA

Instituto Tecnológico de Aeronáutica – ITA

Instituto de Aeronáutica e Espaço – IAE

Instituto de Fomento e Coordenação Industrial – IFI

Instituto de Estudos Avançados – IEAv

Grupamento de Infraestrutura e Apoio – GIA-SJ

Grupo Especial de Ensaios em Voo – GEEV

Centro de Preparação de Oficiais da Reserva da Aeronáutica – CPORAER-SJ

Centro de Lançamento de Alcântara – CLA

Centro de Lançamento da Barreira do Inferno – CLBI

Bibliografia:

COMANDO-GERAL DE TECNOLOGIA AEROESPACIAL.

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Histórico do CTA. São José dos Campos, 2009. Disponível em http://www.cta.br/historico.php

Informações fornecidas pelo Comando-Geral de Tecnologia Aero-espacial – CTA, 2008.

Informações fornecidas pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica – ITA, 2009.

MORAIS, Fernando. Montenegro: as aventuras do Marechal que fez uma revolução nos céus do Brasil. São Paulo: Planeta Brasil, 2006.

SALGADO, Maiza; CORRÊA, Edison. Salgado Filho: primeiro Ministro da Aeronáutica do Brasil. Rio de Janeiro: Adler, 2007.

Palestra pronunciada em 7 de abril de 2009

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O que Fazer Depois da Crise – Dez Teses Heterodoxas

João Paulo de Almeida MagalhãesEconomista

Todas atenções se concentram, no presente momento, sobre os meios e modos de vencer a crise. Acontece que esta, como

todas as outras, será mais cedo ou mais tarde superada. E se, até lá, as distorções estruturais que estão na sua raiz não forem corrigidas, corre-se o sério risco de novas crises possivelmente mais graves que a presente.

As distorções a serem eliminadas, no período pós-crise se referem, em primeiro lugar, ao capitalismo moderno. São em número de três as principais. A primeira delas decorre do problema que foi denomi-nado de principal agent. Trata-se da dificuldade criada pela diferença de interesses entre os executivos, que comandam as grandes companhias, e seus proprietários. Distorção que ficou bastante clara nos Estados Unidos, onde vimos executivos de empresas falidas receberem enor-mes gratificações por seu trabalho.

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O segundo problema foi denominado moral hazard ou risco moral em português. Como os governos, para evitar o alastramento da crise, apoiam o sistema financeiro em dificuldades, seus gestores assumem riscos excessivos por saberem que, na ocorrência destes, serão socor-ridos pelo Poder Público. Foi o que determinou a gravidade da crise atual, decorrente do abuso dos empréstimos subprime.

Temos, finalmente, o descolamento na economia moderna entre os setores real e financeiro resultante de este último, numa evolução claramente anômala, se expandir muito mais rápidamente que o pri-meiro. Também essa distorção deve ser eliminada para dar solidez à economia pós-crise.

No presente texto, não nos preocuparemos com nenhum desses três problemas concentrando a análise em distorção bastante mais grave. Referimo-nos à semiestagnação que, nos últimos 30 anos, vitimou as economias da América Latina. Distorção resultante, fundamental-mente, da obediência pelos países da região aos preceitos neoliberais compendiados no Consenso de Washington.

O fracasso do modelo neoliberal passou a ser denunciado, nos últimos anos, por ampla literatura de autoria de economistas brasileiros. Como, todavia, o neoliberalismo conta com o apoio da teoria neoclássica, que constitui a base principal da moderna ciência econômica, essas críticas foram ignoradas. Quando muito, se aceitou que as indicações do Consenso de Washington deveriam ser complementadas por me-didas destinadas a ajustar as instituições das economias retardatárias, às necessidade do desenvolvimento. Foi o Consenso de Washington Ampliado.

Nesse contexto, a gravíssima crise atual cria excelente oportunidade para se modificar tal estado de coisas. Ela revela, de fato, o fracasso

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da fórmula neoliberal, não só nos países subdesenvolvidos, como também nos desenvolvidos. Para que, no entanto, essa oportunidade seja devidamente aproveitada, é indispensável que se imprima novo rumo às críticas feitas ao neoliberalismo. É necessário que tenham a cobertura de análise econômica de nível científico não inferior ao da teoria neoclássica, em que se inspira o Consenso de Washington.

Quando em meados no século XIX Estados Unidos, Japão e Ale-manha iniciaram sua política de industrialização, verificou-se que o sucesso desta dependia de medidas protecionistas. Ora, a teoria das vantagens comparativas, um dos fulcros da ciência econômica da época, mostrava que qualquer protecionismo, não só prejudi-caria o comércio mundial, como o próprio país que o adotasse. Criou-se, dessa forma, impasse que só pôde ser resolvido pela teoria protecionista de List. Esta, justificou tecnicamente o protecionis-mo no caso das indústrias nascentes, criando uma exceção à teoria das vantagens comparativas. A teoria de List ao ser incorporada à mainstream economics, deu cobertura aos países da segunda onda de industrialização.

O necessário para a América Latina é algo semelhante. Ou seja, pro-por e justificar tecnicamente, para o caso do crescimento retardatário, uma exceção às teorias explicativas do crescimento econômico, que se inspiram na experiência das atuais economias desenvolvidas.

O livro O que Fazer Depois da Crise: a contribuição do desenvolvimentismo keynesiano (J. P. A. Magalhães, Editora Contexto, 2009) propõe fazer exatamente isso. O presente artigo se baseia nesse trabalho. Este oferece nas suas Considerações Finais 10 teses através das quais se ilustra as grandes diferenças entre política econômica baseada na realidade das economias subdesenvolvidas e as recomendadas pela

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mainstream economics. Nas linhas abaixo, após se reproduzir cada uma das 10 teses, se transcreve sua justificação teórica feita no livro, com indicação das páginas em que o leitor pode encontrar sua justificação mais extensa.

TESE I

1 – A mainstream economics considera satisfatório para o Brasil incre-mento do PIB de 5% ao ano tomando, inclusive, essa percentagem como limite superior ao crescimento. Dado que sua ultrapassagem geraria pressões inflacionárias. Para a visão desenvolvimentista, a fim de que o Brasil atinja o pleno desenvolvimento em prazo razoável, evitando graves problemas econômicos e sociais, a taxa média de incremento anual do PIB deve ser de 6,5%.

Justificação (p. 162)

“A primeira precondição do sucesso de uma política de desen-volvimento é que ela seja levada adiante com taxas adequadas de incremento do PIB. Como o objetivo básico de qualquer política de desenvolvimento é a rápida eliminação do atraso econômico, a taxa desejável para incremento do PIB é a mais elevada exequível. No Brasil, nas três décadas e meia posteriores à Segunda Guerra Mundial, a taxa anual média de crescimento foi de 7%. O que atesta a possibilidade e realismo de se adotar essa percentagem como meta global de nova estratégia de desenvolvimento. O fato de resultados substancialmente superiores estarem sendo registrados no Leste e Sul da Ásia reforça essa conclusão.

Outra contribuição importante é dada pelo relatório do Banco Mun-dial “The Growth Report” (2008). Ele calcula o incremento anual do

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produto per capita de países subdesenvolvidos necessário para eliminar o atraso econômico até 2050. No caso do Brasil, essa taxa é colocada em 5,3%. Dado o crescimento da população brasileira de pouco mais de 1% ao ano, isso implicaria em incremento do PIB em torno de 6,5%. Portanto, a taxa desejável e possível para o aumento do PIB em nova estratégia de desenvolvimento para o Brasil, é alguma coisa ente 6,5% e 7%.

Na verdade porém essa taxa é, não somente desejável, mas absoluta-mente necessária, em consequência do chamado efeito de imitação, extremamente elevado nas economias retardatárias. Esse efeito foi inicialmente identificado em economias desenvolvidas, em contexto que mostra sua importância em processos de crescimento. Em qual-quer economia a população pode ser separada em duas categorias em termos de geração de poupanças. A primeira delas, de baixa renda, consome a totalidade de seus rendimentos. A segunda, de maior renda, poupa sistematicamente parte dos seus ganhos. Como em condições normais de crescimento, eleva-se constantemente a renda per capita no país, parcela crescente da população obtém renda igual à do grupo poupador. Era, assim, de se esperar que o gradual aumento da per-centagem de poupadores na população, elevasse constantemente a taxa de poupança sobre o PIB. Contrariamente a isso, as estatísticas mostravam representarem as poupanças parcela constante do PIB. A explicação oferecida foi de que os grupos de menor renda, ao terem elevado seus rendimentos, preferiam copiar o padrão de consumo dos mais ricos, em vez de começarem a poupar. Comportamento explicado pelo efeito de imitação ou emulação.

Nos países desenvolvidos, a ação desse efeito é importante, antes de mais nada, porque os modernos meios de comunicação revelam às suas populações os elevados padrões de consumo do Primeiro

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Mundo, padrões que passam a ser desejados por elas. Em situação normal de subdesenvolvimento, em que inexiste grande diferença entre os padrões de vida médio dos habitantes, o efeito de imitação seria amortecido. Dado, por outro lado, se considerar que a situação existente nos desenvolvidos constitui privilégio, difícil de ser imitado, de pequeno grupo de países. Nesse caso, as consequências do efeito de imitação tenderiam a ser sobretudo de encorajamento da imigração para os países ricos.

O problema está em que o crescimento retardatário é dual. Neste, o setor moderno registra, de imediato, padrão de vida próximo aos do Primeiro Mundo, criando a convicção nas classes menos favore-cidas, de que eles podem obter o mesmo aqui e agora. Não menos importante é o fato de que elas dispõem de condições para impor suas reivindicações. Isso porque os países subdesenvolvidos impor-tam, não apenas tecnologia das economias avançadas, mas também as normas que regem a vida política e social nesses países. Nos atuais desenvolvidos, na fase correspondente à atual das economias retar-datárias, o sistema eleitoral abrangia somente os grupos de maior renda e os sindicatos de trabalhadores eram, quando muito, tolera-dos. Hoje, nos países subdesenvolvidos, existe o sufrágio universal beneficiando mesmo os analfabetos, como no caso do Brasil. Quanto aos sindicatos de trabalhadores, eles são aceitos e mesmo apoiados pelo Poder Público. As categorias menos favorecidas adquirem, dessa forma, grande capacidade de pressão. O que, para o Governo, no caso de lento crescimento, resulta no aumento da carga fiscal, em dívida pública elevada e de difícil controle e em redução da capacidade de poupança. Para a economia em geral, a consequência são as poupan-ças baixas e constantemente ameaçadas por pressões consumistas. Situação essa claramente delineada no caso brasileiro.”

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TESE 2

Segundo a mainstream economics a geração de nível adequado de poupanças é a condição básica para o sucesso das políticas de de-senvolvimento. Para o desenvolvimentismo, o requisito para tanto é a existência de mercado disponível de dimensão e dinamismo adequados. Isso porque atendida essa condição as poupanças serão geradas endogenamente.

Justificação (p. 81)

“Nos paradigmas interpretativos do crescimento clássico, em que a questão do mercado é ignorada, os fatores determinantes do processo dinâmico são a força de trabalho, o capital e a tecnologia. Quando esse paradigma é usado para análise do crescimento retardatário, o fator determinante único passa a ser a disponibilidade de poupança. Isso porque, nos países subdesenvolvidos, a oferta ilimitada de trabalho torna esse fator um bem livre, que pode ser ignorado em estudos econômicos. E a tecnologia a ser utilizada já existe e se acha à dispo-sição dos países subdesenvolvidos. Bastando retirá-la da prateleira, conforme diz Ranis.

Chegamos nesse ponto a uma diferença fundamental entre o cres-cimento clássico e o retardatário. Nas linhas abaixo se demonstrará, de fato, que o fator determinante do crescimento retardatário não são as poupanças mas a disponibilidade de mercado. Isso porque, na existência deste, as poupanças se elevam endogenamente.

Na Economia do Desenvolvimento tradicional, Hirschman (1959) teve a primeira percepção desse fato ao mostrar a importância do mercado no desenvolvimento sob a forma de ligações para trás (backward linkages) e ao se referir ao fato de que as oportunidades de

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investimento serem, por si sós, capazes de elevar as poupanças. Com o esvaziamento da disciplina essa percepção não foi aprofundada.

O que permitiu a compreensão da importância fundamental do mercado no crescimento retardatário, não foram estudos teóricos mas a tomada de conhecimento de casos de sucesso em políticas de desenvolvimento. Ou, especificamente, foi a bem-sucedida experi-ência dos países do Leste da Ásia tal como registrada no relatório do Banco Mundial “The East Asian Miracle” (1993), que levou a essa conclusão. Aí se mostra que contrariamente ao aceito na visão neoclássica, não era a prévia elevação de poupanças que viabilizava a aceleração do crescimento, mas exatamente o oposto. Os países do Leste da Ásia registravam níveis de poupança de 30% sobre o PIB sem que se pudesse identificar neles medidas preliminares destinadas a elevar a margem de poupanças.

TESE 3

Os modelos neoclássicos para o crescimento econômico aceitam a Lei de Say, segundo a qual toda oferta gera seu próprio mercado. O desenvolvimentismo sustenta que, nos subdesenvolvidos, a cadeia causal é a inversa, no sentido de que toda disponibilidade de mercado gera oferta das dimensões necessárias para atendê-lo.

Justificação (p. 88)

“Nas teorizações sobre o crescimento clássico o mercado é esquecido. O que pode ser explicado pela aceitação da Lei de Say, segundo a qual toda oferta cria sua própria procura. Ora, a análise acima mostra que, no caso do crescimento retardatário, a cadeia causal é exatamente a oposta. Nos subdesenvolvidos a disponibilidade de mercado gera

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poupanças suficientes para investimentos destinados a produzir os bens demandados. Sendo assim lícito afirmar que, se no crescimen-to clássico toda oferta cria sua própria demanda, no crescimento retardatário toda demanda cria sua própria oferta. O que sublinha a radical diferença entre os dois processos, donde a necessidade de se criar paradigma específico para cada um deles.”

TESE 4

Para a mainstream economics o capital estrangeiro é essencial nas políticas de desenvolvimento, diante da dificuldade em economias atrasadas, de se reduzir o já baixo nível de consumo, para gerar as poupanças necessárias. O desenvolvimentismo afirma que o papel do capital estrangeiro é secundário dado que, diante de estratégia econômica que garanta mercado adequado, a poupança cresce endogenamente para os níveis requeridos. E sem qualquer redução do consumo.

Justificação (p. 102)

“A literatura tradicional sobre políticas de desenvolvimento centrava na disponibilidade de poupanças a essência do problema de eliminação do atraso econômico. A questão era colocada nos seguintes termos: poupança significa redução do consumo. Como países subdesenvol-vidos já têm padrões de vida excessivamente baixos, essa redução é extremamente difícil. A solução seria, portanto, o investimento es-trangeiro. Esse tipo de raciocínio foi contestado mostrando-se que, se uma economia pobre registra taxa de incremento do PIB superior a da população (o que ocorre normalmente) o problema poderia ser contornado. Exemplificando: em dado país subdesenvolvido a população cresce anualmente 2% e o PIB 3%. As poupanças, como

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percentagem do PIB, poderiam ser rapidamente aumentadas, sem redução do consumo por habitante, se a parcela do produto destinada a este se elevasse anualmente de apenas 2%, reservando-se todo o restante para poupanças.

Essa era, contudo, solução teórica sujeita a sérias dificuldades e resistências. O papel da poupança externa, como complemento das supostamente insuficientes poupanças internas, continuou assim a ser considerado fundamental. Essa percepção vai marcar a estruturação do sistema internacional de apoio ao desenvolvimento. Grande peso foi concedido a organismos financeiros: Banco Mundial, FMI, Banco Interamericano.

Esse tipo de visão, que confere papel fundamental ao capital estran-geiro, levou a que toda política de desenvolvimento fosse definida tendo em conta a importância de atrair a poupança externa. O que, em última análise, dava ao capital estrangeiro e aos organismos financeiros internacionais, a capacidade de ditar as regras que deveriam orientar as políticas econômicas dos subdesenvolvidos. Foi essa situação que levou, durante quase 30 anos, a América Latina a se curvar diante do Consenso de Washington, com todas consequências negativas dessa subordinação. O reconhecimento da especificidade do cresci-mento retardatário permite reavaliar a situação. No caso, o relevante para a análise é o papel fundamental do mercado no crescimento retardatário.

As vantagens alegadas para o capital estrangeiro são de três tipos: a elevação da disponibilidade de poupanças, o fornecimento de divisas para importações e a introdução de novas tecnologias. Esses três aspectos serão analisados sucessivamente.

Quanto às poupanças, mostramos anteriormente que diante de

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estratégia correta de desenvolvimento, ou seja capaz de garantir ao país mercado de dimensão e dinamismo adequados, o aumento de poupanças ocorre endogenamente. Nos países asiáticos, elas chega-ram ao nível de 30% a 40% do PIB. E essas são poupanças internas que, em termos estritos de desenvolvimento econômico, tornam secundária qualquer contribuição de fonte externa. Ou como diz o relatório da UNCTAD de 2006 ‘Se as poupanças são consideradas ser o resultado do crescimento e não sua precondição, a abertura ao capital estrangeiro não é sempre a condição necessária à eliminação do atraso econômico’ (p. 143).”

TESE 5

A mainstream economics afirma que as grandes entradas recentes de capital de risco no Brasil, estão contribuindo, de forma importante, para o desenvolvimento do país. Segundo o desenvolvimentismo, o capital estrangeiro está apenas substituindo (crowding out) o nacional. Alegação confirmada, no caso brasileiro pelo fato de que, apesar do substancial ingresso de recursos externos, a taxa de investimentos sobre o PIB permanecer constante.

Justificação (p. 104)

“Possivelmente mais relevante para mostrar a importância básica do mercado relativamente ao capital estrangeiro, é a experiência do Brasil e da América Latina em geral. Relatório da CEPAL (1995) já registrava o fato de as grandes entradas de capital estrangeiro na região, não darem lugar a aumento proporcional da percentagem de investimentos sobre o PIB. Ou seja, esse ingresso de recursos externos estaria sendo, segundo a CEPAL, usado para o consumo e não para investimentos. Seu impacto em termos de desenvolvimento seria,

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assim, nulo ou insignificante. Esse fenômeno revelou-se especial-mente claro no Brasil onde grandes ingressos de poupança externa não determinaram qualquer aumento na taxa média de investimentos, que sempre se mantiveram em torno de 17% do PIB.

O fenômeno é facilmente explicável em termos do paradigma aqui proposto para o crescimento retardatário. Não tendo a América La-tina conseguido, após o esgotamento do modelo de substituição de importações, definir nova estratégia de desenvolvimento baseada em mercado de dimensões e dinamismos adequados, as oportunidades de investimento permaneceram limitadas. Diante disso, os capitais estrangeiros apenas substituíram (crowded out) o capital nacional, sem qualquer acréscimo no volume de investimentos. Bresser-Pereira (2007) confirma essa explicação ao mostrar que, toda vez que diminuía a entrada de poupança externa, a poupança interna se elevava para substituí-la. A par disso, ele sublinha que, como os bem-sucedidos países asiáticos estão obtendo superávit nas suas contas-correntes, eles não estão importando, mas exportando poupanças. Do ponto de vista de nossa análise, achamo-nos diante de mais uma comprovação de que, nas estratégias de desenvolvimento, a condicionante principal é a disponibilidade de mercado e não de poupanças.”

TESE 6

Na visão neoclássica, o controle da inflação deve ser obtido através de políticas monetárias destinadas a garantir o rigoroso cumprimento das metas de inflação. Para o desenvolvimentismo, a estabilidade de preços deve ser obtida através de política de rendimentos que com-patibilize as reivindicações dos agentes econômicos com o tamanho do PIB. A prioridade concedida às metas de inflação pode entrar em choque com o crescimento econômico. O correto é a adoção de

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metas de desenvolvimento definindo, em função delas, os meios e modos de manter o equilíbrio monetário.

Justificação (p. 120)

“Escapa aos limites do presente trabalho aprofundar as políticas uti-lizadas para estabilizar preços nos países desenvolvidos. Uma breve recapitulação permite, todavia, mostrar a diferença entre estas e as recomendáveis para países subdesenvolvidos.

Em país desenvolvido, no caso da inflação de demanda, são acon-selháveis medidas de tipo monetário e fiscal destinadas a eliminar o excesso de demanda. No caso da inflação de custos, a ação correta consiste em eliminar as causas do aumento de custos. Na hipótese, por exemplo, de quebra da safra agrícola, o recomendável seria adota-rem-se medidas do tipo, importação dos produtos escassos, redução de suas exportações, desmobilização dos estoques disponíveis, crédito agrícola para safras futuras e assim por diante.

Na prática atual dos países desenvolvidos, o instrumento largamente utilizado é, no entanto, a elevação da taxa de juros. O que se explica por essa medida ser eficaz, mesmo no caso da inflação de custos, ao compensar pressões altistas decorrentes de maiores custos por redução da demanda global. Como consequência disso, a elevação de preços, resultante de maiores custos é compensada por queda, ou elevação mais lenta, de preços em outros setores. Outro motivo para a utilização da taxa de juros é que a ação direta para reduzir custos depende de vários órgão da administração pública e seus efeitos são, frequentemente, apenas de médio ou longo prazos.

Quanto à preferência pela taxa de juros relativamente à política fiscal, decorre de esta última se defrontar com todo tipo de resistências po-

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líticas, o que não acontece com a elevação da taxa de juros, sobretudo quando ela é de responsabilidade de banco central independente. Outro aspecto importante é que a elevação da taxa de juros sinaliza a decisão do Governo de adotar política anti-inflacionária o que, através das expectativas racionais, leva os demais agentes a adotarem comportamento ajustado a tal objetivo.

Como nos subdesenvolvidos a inflação toma a forma de disputa em torno do PIB, a forma de corrigi-la é mediante política de ren-dimentos, que coloque o somatório das reivindicações dos agentes econômicos em nível compatível com as dimensões do PIB. Isso pode representar negociações extremamente longas e difíceis. Contribuição importante dos ortodoxos brasileiros foi a de definir fórmula capaz de contornar o problema da incompatibilidade das reivindicações dos agentes econômicos com as dimensões do PIB. Sua proposta foi de colocar a remuneração destes, nos seus níveis reais médios. Como a média das remunerações representa o que os agentes efetivamente recebem, seu somatório é por definição igual ao PIB. Essa foi a fór-mula adotada no Plano Real.

Exemplifiquemos com a evolução dos salários reais. Em inflação de 20% ao ano, salário de 1.000, declina para 800 até novo reajustamento (supostamente anual) que o recoloca no nível inicial. Sua média é, portanto, de 900. A proposta heterodoxa é colocá-los nesse nível. Algo semelhante se faria com a remuneração dos demais agentes (aluguéis, lucros, mensalidade escolares, tarifas de serviços públicos etc.). Esse tipo de programa não encontra maiores resistências porque, se não proporciona a reivindicação de 1.000 dos assalariados, pelo menos mantém sua efetiva participação no PIB. Apenas sem as flutuações entre um máximo e um mínimo.

A imposição de remunerações nos níveis reais médios elimina, por

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si só, a causa básica da espiral de preços em país subdesenvolvido. Medidas complementares, como a elevação da taxa de juros e política fiscal eliminando o déficit orçamentário, são também usualmente adotadas. Seu objetivo é evitar que, por exemplo, o agente E através de recurso ao crédito e o agente G mediante déficits orçamentários, desrespeitem a política de rendimentos, relançando o processo infla-cionário. Essas são, portanto medidas de caráter secundário visando a apoiar o instrumento principal consistente em colocar a remuneração dos agentes econômicos nos seus níveis reais médios.

Ao se propor a política de rendimentos como forma de conter a inflação, não se está negando que o mesmo resultado poderia ser conseguido, através de medidas ortodoxas, que reduzam a dispo-nibilidade de moeda. Vimos, de fato, que a causa básica da inflação nos subdesenvolvidos é a incompatibilidade das reivindicações dos agentes econômicos com o tamanho do PIB. A disputa por maior participação deve, contudo, ser viabilizada por aumento da moeda. Na política anti-inflacionária ortodoxa a expansão da moeda é contida, inviabilizando a disputa em torno do PIB. Donde ser possível utilizá-la na estabilização de preços. Tal resultado é, contudo, obtido ao custo de impacto negativo, tanto de curto quanto de longo prazos.”

TESE 7

Dentro da visão neoclássica, se afirma que os elevados juros pra-ticados no Brasil constituem forma eficaz de controlar a inflação. A análise desenvolvimentista afirma que, as altíssimas despesas do Governo com o pagamento dos juros da dívida pública, constituem a principal causa das pressões inflacionárias remanescentes no País.

Justificação (p. 124)

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“O processo inflacionário nos subdesenvolvidos ocorre quando as reivindicações dos agentes econômicos ultrapassam o montante do PIB. No contexto de política anti-inflacionária, o que se deve por-tanto fazer é identificar o agente cujas reivindicações são excessivas ou economicamente injustificáveis. Os agentes básicos, conforme se aceitou nos exemplos aritméticos anteriores são o Governo, os trabalhadores e as empresas.

As empresas, na realidade presente de semi-estagnação crônica da economia brasileira, com surtos de crescimento logo interrompidos (do tipo stop and go), carecem do poder de negociação necessário para impor excessiva participação no PIB. Os trabalhadores, diante de taxa de crescimento incapaz sequer de absorver toda mão-de-obra nova que se apresenta anualmente ao mercado, se acham na mesma situação. Resta, portanto, o Governo como possível responsável pela excessiva pressão inflacionária.

Esse fato, aliás, foi reconhecido pelos analistas que começaram por culpar a previdência social. Seus gastos como percentagem do PIB, superam de duas ou três vezes, os registrados em outros países subdesenvolvidos. Na verdade, porém, eles não são excessivos nem injustificáveis. A elevada participação da previdência social no PIB decorre de causas como o envelhecimento da população brasileira e a necessidade de oferecer aposentadoria aos trabalhadores rurais, apesar de eles jamais terem contribuído para a previdência.

A explicação correta da elevada participação dos gastos da previdên-cia no PIB não é uma suposta liberalidade nas aposentadorias, mas a semi-estagnação econômica do País que se prolonga desde 1980. Segundo estimativas disponíveis, se o PIB brasileiro tivesse mantido o ritmo de crescimento registrado nas três décadas anteriores a 1980,

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ele seria hoje de duas a três vezes mais elevado. E, consequentemente, os gastos da previdência, como percentagem do PIB estariam de duas a três vezes abaixo do nível atual. Ou seja, o problema decorre, não de estes terem crescido muito mas de o PIB ter se elevado pouco.

Examinando as demais despesas públicas não é difícil identificar onde se acha o problema. A taxa básica de juros brasileira (reconhecida-mente a maior do mundo em termos reais) utilizada para remunerar os detentores de títulos da dívida pública implica em despesa corres-pondente a 7% do PIB. Essa despesa é excessiva porque ultrapassa os gastos em setores de vital importância, como saúde, educação e segurança e é 10 vezes maior que as despesas com a bolsa família, principal programa social do Governo. Ela é, além disso, injustificável porque países com nível de inflação igual ou inferior ao nosso adotam taxas de juros duas ou três vezes menores.

Ou seja, como consequência do uso de política econômica desajustada da realidade de País subdesenvolvido, o Brasil, está, paradoxalmente, utilizando para conter a inflação o aumento da taxa de juros, cujo altíssimo nível atual constitui o principal responsável pela pressões inflacionárias existentes no país.”

TESE 8

Para a mainstream economics o protecionismo é apenas um second best relativamente à eliminação direta do custo-país (custo-Brasil em nosso caso). Para o desenvolvimentismo, a eliminação custo-país é que deve ser considerada um distante (e possivelmente inexeqüível) second best em relação ao protecionismo.

Justificação (p. 145)

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“O protecionismo educativo teve sua cobertura teórica proporciona-da por List. E foi incorporado à mainstream economics. Recentemente, todavia, a literatura de inspiração neoclássica passou a alegar que ele é somente um second best em relação ao ataque direto ao custo-país (custo-Brasil em nosso caso). O custo-país nos subdesenvolvidos toma a forma de deficiências de infra-estrutura, de treinamento inade-quado da mão-de-obra, de incapacidade em termos de pesquisa e de-senvolvimento, de legislação inadequada no concernente à regulação de falências, da falta de garantia jurisdicional e assim por diante.

O primeiro ponto a ser discutido é se, em termos de políticas de desenvolvimento, ou de criação de competitividade para a produção nacional, o ataque ao custo-país constitui, de fato, um first best em relação ao protecionismo. O custo-país elevado se acha na própria essência do subdesenvolvimento apresentando, portanto, manifesta-ções múltiplas e generalizadas, que só podem ser eliminadas através de grandes investimentos. A par disso, as medidas a serem adotadas para eliminá-lo apresentam resultados somente a prazos médio e longo. Em sentido oposto, no protecionismo educativo a criação de competitividade é imediata e sem implicar em qualquer custo. Pelo contrário, ele proporciona receitas diretas ao Governo, através do imposto de importação. Ou seja, o protecionismo é claramente o first best.

Pode-se mesmo duvidar que o ataque ao custo-país constitua opção viável em termos de política de desenvolvimento. O que estão afirmando os defensores da eliminação do custo-país é o seguinte: economia retardatária para se desenvolver deve criar competitividade e para criar competitividade deve eliminar o custo país. Acontece que, investimentos do nível necessário para eliminar o custo-país só são viáveis em países desenvolvidos. Chegando-se, assim, ao seguin-

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te paradoxo no que se refere à proposta de conceder prioridade a eliminação do custo-país: um país para se desenvolver tem de já ser desenvolvido.

Ou seja, a defesa do ataque ao custo-país como first best só se explica pela visão neoliberal, de inspiração neoclássica, segundo a qual não deve haver qualquer interferência no mecanismo de preços. O que conflita, obviamente, com o protecionismo. O fato de a tese relativa ao custo-país ter sido facilmente aceita nos países subdesenvolvi-dos constitui manifestação da dominação ideológica a que estão submetidos em função da inexistência de paradigma ajustado à sua realidade.”

TESE 9

A mainstream economics afirma que a subvalorização da moeda nacio-nal, promovida pelos governos de alguns países subdesenvolvidos, constitui interferência indevida nos mecanismos de mercado e forma desleal de concorrência. Para o desenvolvimentismo a desvalorização de moeda nacional constitui forma legítima, não só de corrigir a so-brevalorização da moeda de países subdesenvolvidos, determinada pelo mecanismo de preços, como de garantir a competitividade do produto nacional no mercado externo, através do chamado prote-cionismo extenso.

Justificação (p. 179)

“A subvalorização cambial é o segundo instrumento básico na fase de crescimento para fora. Mostramos anteriormente que o livre funcionamento do mecanismo de preços tende a sobrevalorizar a moeda das economias retardatárias. A política a ser adotada na fase

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de crescimento para fora deve, todavia, ir além da simples correção dessa falha de mercado. O objetivo visado é o que chamamos de protecionismo extenso destinado a dar competitividade à produção nacional no mercado externo.

Diferentemente do protecionismo convencional, que depende exclu-sivamente de decisões internas do país que o pratica, a subvalorização da moeda nacional deve ser também aceita pelos países em cujo mercado se pretende colocar o produto nacional. Por tal motivo esse instrumento deve ser de uso limitado e temporário. A justificação do protecionismo extenso se baseia na teoria de List. Para ele, a tarifa aduaneira deve se limitar ao necessário para compensar os custos mais elevados da indústria nascente e, além disso, durar apenas pelo tempo em que couber à indústria nacional a classificação de nascen-te. Essas mesmas regras se aplicam, em princípio ao protecionismo extenso. A diferença se acha na duração deste último. Segmentos da indústria de país subdesenvolvido podem atingir competitividade apesar dos custos sistêmicos do atraso econômico não se justifican-do nesse caso, a manutenção do protecionismo, seja tradicional, seja extenso. Os custos sistêmicos do subdesenvolvimento permanecem, no entanto, até a completa eliminação do atraso econômico. Pelo que o protecionismo extenso, que é de caráter linear (no sentido de abranger igualmente todos setores), embora declinante, é justificável enquanto durar o subdesenvolvimento.”

TESE 10

Os defensores do neoliberalismo consideram a ALCA de impor-tância fundamental, ao abrir, para o Brasil, o maior mercado do mundo. Ou seja, o dos Estados Unidos. Os desenvolvimentistas denunciam a ALCA como forma de nos impor especialização em

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commodities agrícolas e industriais, setor de baixo valor adicionado por trabalhador, tecnologia elementar e mercado de lento crescimento. E, portanto, incompatível com o objetivo de levar o País ao pleno desenvolvimento.

Justificação (p. 150)

“ Com respeito às integrações econômicas começaremos lembran-do que elas foram inicialmente criticadas pela mainstream economics. Distinguia-se, nos processos de integração, entre os casos de criação de mercado, considerados favoráveis, e os de desvio de mercado, apontados como negativos. Exemplo simples mostrará o que se tinha em mente.

Tomemos o setor específico como o da produção de aço. País A é produtor eficiente de aço, país B produtor ineficiente e país C não produtor. Integração econômica entre A e C não acarreta qualquer mudança nos fluxos comerciais, dado que C já importava seu aço do produtor eficiente A. A integração não tem, nesse caso, qualquer efeito, seja na criação, seja no desvio de mercado. A integração entre C e B é negativa porque C deixaria de se abastecer de aço no produtor eficiente A para adquiri-lo em B, produtor ineficiente. Ou seja, ocor-reria um desvio de mercado. Integração entre A e B seria favorável por eliminar a produção ineficiente em B, que passaria a comprar o aço de A. Esse é o caso de criação de mercado.

Em qualquer integração econômica é praticamente inevitável ocorrer desvio de mercado em alguns setores, pelo que ela é contraindicada. O aconselhável seria a abertura multilateral do comércio, onde o fornecedor dos diversos produtos seria sempre o mais eficiente.

Contra isso se mostrou que essa era visão válida somente no curto

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prazo. Em prazo mais longo, as integrações seriam benéficas porque aumentariam o mercado dos países participantes, elevando a produ-tividade setorial, e permitiriam economias de escala, viabilizando in-vestimentos que seriam antieconômicos com base apenas no mercado nacional dos diferentes participantes. E essas vantagens da integração econômica são especialmente relevantes no caso das economias re-tardatárias cujo mercado interno é sempre de pequeno porte.

Contudo, para que as integrações econômicas resultem no efetivo aumento da disponibilidade de mercado para os subdesenvolvidos, algumas precauções básicas devem ser adotadas. Segundo a literatura especializada, para que constituam instrumento adequado ao objetivo de eliminação do atraso econômico, as integrações regionais devem abranger somente países de nível de desenvolvimento aproximada-mente igual. Na prática, isso significa que a diferença, em termos de produto per capita, entre os participantes, não deve superar a relação de um para dois ou um para três. Isso porque, no caso de países de nível muito diferente de desenvolvimento, o mercado tornado disponível pela integração para os mais atrasados será o dos setores de tecnologia elementar e baixo valor adicionado por trabalhador, incapazes de proporcionar o pleno desenvolvimento. Ou seja, a in-tegração econômica entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos deve, desde logo, ser descartada.

Os defensores desse tipo de integração alegam, em sentido oposto, que países subdesenvolvidos não podem perder a oportunidade de ter aberto para si os grandes mercados das economias maduras. Eles não percebem ser relevante não o mercado legalmente disponível mas o mercado economicamente disponível. Isto é, aquele em que os pro-dutos do país subdesenvolvido gozam de efetiva competitividade. E

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esses são sempre os de tecnologia elementar, baixo valor adicionado por trabalhador e lento crescimento.”

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As teses acima não representam os pontos principais do trabalho “O Que Fazer Depois da Crise”. Elas foram selecionada por repre-sentarem algumas das divergências fundamentais entre as propostas da teoria neoclássica e as medidas indicada por visão correta do crescimento retardatário. Da mesma forma, não se pretende que os trechos citados do livro as justifique plenamente. Eles foram escolhi-dos como forma de comprovar que todas 10 teses foram objeto de justificações técnicas. Se essas justificações são ou não satisfatórias o leitor somente poderá decidir com a leitura do texto completo do trabalho “O que Fazer Depois da Crise”.

Palestra pronunciada em 14 de abril de 2009

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Equação do Petróleo

A história da economia capitalista pode ser contada quase como a história da energia. Cada aumento de produtividade desde o

século XVIII, portanto nos últimos 300 anos, correspondeu a uma forma mais barata de realizar trabalho. Para transportar mercadorias, queimar madeira era mais econômico do que utilizar a tração animal. Para mover as fábricas nos primeiros tempos da Revolução Industrial, o carvão era mais eficiente do que a madeira. Para erguer a indústria moderna, o petróleo e o gás natural se mostraram mais eficientes do que o carvão. A cada passo nessa escala energética aumentava a efi-ciência, a economia crescia e, naturalmente, aumentavam as emissões de carbono. O analista David Owen assinalou que “os combustíveis fósseis nos permitiram alavancar a força de nossos corpos. Petróleo, carvão e gás natural multiplicam o trabalho do mesmo modo como o crédito multiplica a riqueza.” Por isso, destaca Owen, “as crises ambiental e econômica são praticamente irmãs. Em ambos os casos

Joel Mendes RennóMembro do Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio. Membro da Associação Promotora de Estudos da Economia – APEC. Ex-Presidente da Petrobrás (1992-1999). Ex-Presidente da Companhia Vale do Rio Doce (1978-1979)

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empresta-se demais e se gasta mais do que se pode. Assim como os americanos emprestaram dinheiro usando como garantia suas casas, estamos emprestando do estoque mundial de energia barata sem garantia nenhuma. Em ambos os casos, a conta vai ficando para as gerações futuras.” Para saldá-la, é preciso entender a questão do ponto de vista econômico. Ninguém derruba árvores na Amazônia por pura maldade – derrubam por razões financeiras, porque preci-sam de dinheiro. Ninguém anda de carro ou de avião porque quer poluir a atmosfera – andam porque precisam se movimentar de um lugar para outro. Ninguém compra produtos chineses porque quer incentivar a queima de carvão, sobejamente consumido naquele país – compram porque é mais barato. É verdade que a tecnologia de energias limpas tem avançado, mas ela ainda é cara. O desafio é criar incentivos econômicos para que as forças de mercado atuem na direção certa, sem prejuízo da prosperidade. É preciso que, para quem esteja na floresta, uma árvore em pé, valha mais dinheiro do que se for derrubada. É preciso que, para os habitantes das cidades, o transporte público seja atraente e eficiente a ponto de levá-los a deixar o carro em casa. É preciso que, nos continentes, os trens sejam mais rápidos e baratos do que os aviões. É preciso que, nas fábricas a energia elétrica esteja associada a painéis solares, usinas eólicas ou hidrelétricas, estas fartamente utilizadas no Brasil. A propósito, cerca de 48% a 50% da energia brasileira vem de fontes renováveis, que não emitem carbono e temos ainda o único programa mundial bem-sucedido de combustível alternativo para automóveis, baseado no etanol de cana-de-açúcar e na maior frota de carros flex.

Parafraseando autoridade nacional de indiscutível importância, po-demos afirmar que a humanidade nunca antes, em tempo algum, viu-se desafiada tão fortemente pelo tema energia como nos dias atuais e no futuro à vista. Sumarizando em poucas palavras, necessi-

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tamos ao mesmo tempo de mais energia, porém de menos dióxido de carbono. Para continuar se desenvolvendo o mundo precisa de energia e o planeta para continuar habitável depende cada vez mais de energia limpa.

A indagação que ocorre a todos nós, é a de que como poderemos nos preparar para enfrentar o dramático desenvolvimento do sistema global de energia que vai emergir nos próximos anos?

O sistema global de energia está assentado em alguns dos mais profundos dilemas da nossa época, dos quais cito três principais: o dilema do desenvolvimento, isto é, prosperidade versus pobreza; o dilema da confiança, compreendendo globalização versus segurança; e o dilema da industrialização, situado entre o crescimento versus meio ambiente. Sempre houve tensões no sistema global de energia, porém é evidente que as dificuldades estão se tornando mais agudas com o passar do tempo.

A segunda maior empresa de petróleo e gás do mundo, a Shell, di-vulgou no final do ano passado, estudo sobre cenários para o setor de energia até o ano de 2050. A conclusão fundamental desta grande empresa mundial é a de que os “estresses energéticos se intensifi-carão em vista do crescimento populacional, e o desenvolvimento econômico promoverá alternâncias significativas no suprimento e na demanda de energia e no comportamento do meio ambiente. Em resumo, é importante estar preparado para tempos turbulentos no setor de energia.”

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Cenários, como sabemos, nos ajudam a identificar mudanças e a considerar as interações plausíveis entre diferenças, perspectivas e possibilidades. Ajudam-nos na preparação para moldar e ao mesmo tentar modificar a realidade que nos cerca. Descrevem uma era de transformação. Todos sabemos, por exemplo, que o sistema de energia há mais de um século passado era muito diferente do que o sistema atual. Porém, como ocorrerão as transições nas próximas décadas? Esses cenários mostram o impacto de diferenças críticas no caminho e a forma das mudanças políticas, regulatórias e tecnológicas. De acordo com Rob Routs, Diretor-Executivo da Shell, “se os historia-dores consideram os séculos XVIII, XIX e XX como o alvorecer e

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o desenvolvimento da Revolução Industrial, creio que eles verão o século XXI como o alvorecer da Revolução Energética”.

Há algumas semanas o Ministro de Petróleo da Arábia Saudita, se-nhor Al-Naimi, concedeu uma entrevista à BBC e indagado por um jornalista sobre se não estaria preocupado com a exaustão, em futuro próximo, das enormes reservas de petróleo e gás de seu país, única riqueza nacional, declarou o seguinte:

“A Idade da Pedra, prezado jornalista, não acabou por falta de pedra. Havia ainda muita pedra a ser consumida, porém o desenvolvimento do mundo, em especial o progresso tecnológico foi promovendo a substituição da Pedra pelo Bronze, pelo Ferro, pelo Aço e assim por diante. No caso do meu país, estamos investindo há muito tempo no aperfeiçoamento de novos produtos derivados de petróleo e de gás, alternativas, saídas, de modo que muito antes da exaustão de nossas reservas, estaremos em condições de utilizar produtos mais nobres para atender as neces-sidades do meu país e do mundo. Quero lhe dizer, caro jornalista, que o meu avô andava de camelo pelo deserto, meu pai passou a andar de automóvel e hoje eu faço uso muitas e muitas vezes de avião a jato para minhas viagens. Não desejo, de modo algum, que o meu filho e o meu neto tenham algum dia que andar de camelo, novamente. Por isso trabalhamos permanentemente para progredir.”

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O consumo atual de petróleo no mundo está em torno de 85 milhões de barris por dia e a produção é pouco superior a esse volume, em torno de 86,5 milhões de barris diários. Isto significa que o consumo anual de petróleo está em torno de 30 bilhões de barris. Como as atuais reservas provadas são de 1 trilhão e 300 bilhões de barris, isto significa que ainda teremos petróleo por mais de 40 anos, sem levar em conta as novas reservas a serem acrescidas ao volume presente.

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Na busca pela verdadeira independência energética é da maior im-portância considerar que o mundo vai precisar de muito mais energia no futuro. Se hoje somos aproximadamente 6,5 bilhões de pessoas na terra, o prognóstico é de que até 2050 o mundo terá mais de nove bilhões de habitantes. Para sustentar estes 2,5 bilhões extras e ainda aumentar o nível de vida, vamos precisar de significativa quantidade de energia nova. Assim, o debate petróleo versus gás natural versus bio-combustíveis versus outras energias alternativas fica fora de sentido, porque vamos precisar de toda a energia disponível, seja qual for a sua fonte.

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Continuam sendo investidos em várias partes do mundo (Mar Cáspio, Oriente Médio, Costa Ocidental da África, Golfo do México, Plata-forma Continental do Brasil etc.) importantes recursos financeiros na atividade de exploração de petróleo. No Brasil, por exemplo, como resultado desse esforço, tem ocorrido significativas descobertas nos últimos anos, com destaque para as descobertas no pré-sal.

Os países detentores de grandes reservas e produção de petróleo e gás, muitos deles se comportaram, em ocasiões passadas, como as pessoas que de repente ganham muito dinheiro e não sabem o que fazer com a sua súbita riqueza. Daí termos observado em várias ocasiões o mau uso desse dinheiro, o desperdício e a realização de programas que não contribuíram para o bem comum, terminando por não beneficiar, como poderiam, a maior parte da população desses países.

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“O Brasil é um País diferenciado por sua dimensão geográfica (4º maior do mundo), por seu estoque demográfico (5º do mundo), por seu PIB total (10º ou 11º do mundo), mas ainda é um País relativamente pobre: a renda per capita é a 56ª na escala mundial. Construímos uma unidade invejável do ponto de vista linguístico, uma tolerância religiosa excepcional e assistimos aos preconceitos étnicos serem consu-midos pelo entendimento, que é a diversidade que produz a evolução criadora. E, muito importante, há mais de um século resolvemos todos os nossos problemas de fronteira.

Temos, sabemos todos, graves questões a serem enfrentadas com soluções que dependem de um crescimento robusto. Este depende da continuidade de políticas sociais e econômicas adequadas, inclusive a energética, de modo que ao cuidarem do curto prazo, não esqueçam que estão limi-tando as opções do longo prazo: essas políticas devem ter no seu radar os obstáculos dos próximos 25, 30 anos.”

A indústria de petróleo brasileira desenvolveu-se celeremente, em es-pecial nas últimas três décadas, quando a produção nacional passou de pouco mais de 150 mil barris diários para o volume atual de 1 milhão 950 mil barris por dia. Foi um progresso notável, a cargo da empresa estatal, ex-monopolista, Petrobras, cujas equipes de trabalhadores e técnicos são mundialmente reconhecidas por sua capacidade de trabalho e preparo tecnológico. Por sinal, dentre os diversos desafios que a Companhia venceu, está a produção de petróleo e gás no mar, onde se concentram as maiores reservas brasileiras, na camada do denominado pós-sal. Nos últimos 20 anos, a empresa vem batendo recordes na produção de petróleo em lâminas d’água cada vez mais profundas, detendo por essa razão, o reconhecimento internacional da melhor tecnologia mundial na produção em águas profundas.

“As águas profundas são potencialmente a próxima onda de hidrocar-

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bonetos no mercado global de energia. É imensamente importante”, disse Stephen Thurston, o Vice-Presidente da Chevron para projetos e exploração em águas profundas.

Campos de petróleo em águas profundas, aqueles a mais de 300 m de profundidade, representam uma das fronteiras finais da exploração de petróleo. A boa notícia é que há abundância de petróleo nestes depó-sitos, especialmente no Golfo do México, nas costas do Brasil e no Oeste da África. A má notícia é que grande parte deste óleo cru valioso se encontra em formações geológicas complexas, escondido sob um quilômetro ou mais de camadas de sal problemáticas – o que significa que estes novos reservatórios serão caros para desenvolver.

No próximo ano, quando o campo de Tahiti da Chevron, começar a enviar petróleo para consumidores em terra, a empresa terá investido US$ 4,7 bilhões neste projeto. A soma imensa reflete um aumento nos custos dos equipamentos especializados, matérias-primas e com-bustível para os campos de petróleo, que mais que dobraram desde 2000, segundo a Cambridge Energy Research Associates – CERA.

“O nível de custos manterá os preços (da gasolina) em alta. Não se trata de encontrarmos algo fácil para produzir e o preço da gasolina voltará de repente a US$ 2,5 – US$ 3”, disse Gary Taylor, da publi-cação do setor “Platts Oilgram News”.

Descobertas cada vez mais proeminente em águas profundas ilustram uma verdade por trás do aumento dos combustíveis: todo o petróleo fácil já foi encontrado ou usado. Agora, as sondas devem atravessar 1.200 m de água e mais de 6 mil m de areia, rocha e sal para encontrar o que restou.

A Chevron, a segunda maior companhia de petróleo dos Estados

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Unidos, espera gastar US$ de 2 bilhões a 5 bilhões à procura de mais petróleo ao redor do mundo, com a exploração em águas profun-das representando a maior fatia. A Companhia planeja trabalhar na extração de petróleo em águas profundas no Golfo, assim como na costa da Nigéria.

O primeiro campo além da costa da indústria foi perfurado em 1947, ao alcance da vista na costa da Louisiana, em água não muito mais profundas do que uma piscina pública. Desde esse início modesto, o setor tem marchado constantemente para profundidades mais desafia-doras. No ano passado, 130 projetos em águas profundas produziram petróleo, em comparação a 17 projetos há uma década.

Em 2015, a Chevron espera que os poços em águas profundas representem um quarto da produção de petróleo em alto-mar, em comparação aos atuais 9%.

Grande parte da ação agora está nos chamados campos em águas ultraprofundas, além de 1.500 m de lâminas d’água. Em 2003, a Chevron perfurou um poço recorde a 3.051 m de profundidade, e a gigante do petróleo de San Ramon, Califórnia, tem planos de ir ainda mais fundo. Ela alugou dois novos navios-sonda da empresa de perfuração Transocean, capazes de chegar a profundidades totais de poço de 12 mil m, incluindo 3.660 m de água.

Enquanto as empresas correm para desenvolver novos campos em águas profundas, elas encontram obstáculos. O mais crítico: a escassez mundial de sondas de perfuração, o legado dos baixos preços do pe-tróleo que inibiam o investimento há uma década, quando o petróleo caiu abaixo de US$ 12 o barril. A escassez de sondas é tão séria que alguns campos promissores continuam inexplorados.

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Quase um terço das sondas de águas profundas do mundo estão ativas no Golfo do México. Muitas estão explorando uma formação antiga chamada Terciário Inferior, que se espalha do Texas e Louisiana até bem distante da costa e pode conter até 2,8 bilhões de barris de hidrocarbonetos.

Mas neste ambiente exigente, tropeços não são incomuns, até mesmo em componentes prosaicos como as correntes pesadas projetadas para segurar a plataforma de produção ao solo do oceano. Em 2007, a Chevron retardou o programa Tahiti após descobrir o que descreveu como sendo “problemas metalúrgicos” com os braceletes industriais de cerca de 1 tonelada.

O simples fato de se chegar tão longe neste projeto de vários anos é um feito. Abaixo do fundo do mar, camadas imprevisíveis de sedi-mentos ameaçam com problemas imprevistos a cada metro adicional de profundidade. Áreas de baixa pressão podem frustrar os perfu-radores ao roubar os fluidos necessários para lubrificar o avanço da broca de perfuração.

Outro motivo são as condições extremas associadas à operação em campos muito profundos. O petróleo preso sob o solo do oceano está sob pressões que chegam a 20 mil libras por polegada quadra-da – talvez o dobro da força de um poço mais raso – assim como temperaturas que se aproximam de 200ºC. Extrair o petróleo com segurança é equivalente a manusear um frasco gigante cheio de um fluido lento, mas propenso a uma liberação explosiva.

Para completar os poços de Tahiti, a Chevron teve de projetar várias variantes de ferramentas-padrão de perfuração usando ligas exóticas como inconel, resistente a corrosão. Este é outro motivo para os custos serem tão altos.

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A prospecção de petróleo conjura imagens de homens fortes, múscu-los à mostra carregando tubos pesados e empunhando ferramentas enormes, um conjunto vertical de vários tubos de perfuração, lem-brando um enorme órgão musical de tubos industriais.

A indústria do petróleo atual deve tanto ao Vale do Silício quanto à força bruta. Software especializado tridimensional permite aos geó-logos do setor “ver” sob o solo do oceano e sob as camadas de sal espessas que escondem o petróleo. Na ponte, trabalhadores moni-toram as correntes marítimas e o tempo em monitores de tela plana, enquanto no centro de controle do poço, um sondador observa a pressão dos fluidos no poço abaixo. Minissubmarinos robóticos executam inspeções quase diárias ao tubo de perfuração.

“Muitas coisas que são feitas rivalizam-se com o programa espacial. É tecnologia de vanguarda”.

É um longo caminho até que o campo possa enviar seu primeiro barril de petróleo por um oleoduto até a costa. Todos os poços no solo do oceano estarão ligados a um coletor submarino, uma parada intermediária a caminho da plataforma de produção, acima do nível do mar.

Coroando esforços de vários anos, a Petrobras tem anunciado des-cobertas de petróleo na denominada camada pré-sal estando, no momento, conforme notícias divulgadas publicamente, aperfeiçoan-do medidas para o aproveitamento desse petróleo, o que, tendo em vista aspectos tecnológicos e, sobretudo, a resistência de materiais, demandará algum tempo para ocorrer. Importante é que o trabalho de tantos anos e a persistência da empresa resultaram na descoberta de riqueza tão valiosa para o País.

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A camada do denominado pré-sal, encontra-se a uma profundidade de 5 a 7 mil m abaixo do nível do mar. Trata-se de região ainda não explorada em qualquer parte do mundo, salvo alguma exceção.

A produção, demanda e perspectiva dos preços do petróleo conti-nuarão, sem dúvida, a gerar preocupações legítimas a médio e longo prazos. Se a história nos serve de lição, caso os preços se elevem de novo o consumo contínuo de energia cairá comparativamente ao PIB. Por exemplo, no rastro dos pronunciados aumentos dos últimos anos (1973, 1980, 2008), a dependência de petróleo da economia dos Estados Unidos, o maior consumidor mundial, foi reduzida pela metade desde o início de 1970.

Não se pode julgar, com certeza, quais serão as possibilidades tec-

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nológicas no futuro, porém é possível assegurar que o desenvolvi-mento do mercado de energia será fator determinante para o êxito econômico das nações, no longo prazo. A experiência dos últimos 50 anos – e até antes disso, destaca que as forças de mercado exercem papel fundamental na conservação dos recursos escassos de energia, direcionando sua utilização para atividades mais nobres. Entretanto, é oportuno lembrar que a disponibilidade da capacidade produtiva estará também sujeita a influências extra mercado e a considerações de natureza política.

Todos sabemos que as questões energéticas são bastante susceptí-veis ao ambiente político. A concentração de recursos energéticos em regiões politicamente instáveis, é uma preocupação permanente. Espera-se que estas e outras preocupações não prejudiquem o fun-cionamento do mercado.

Uma vantagem que se pode apontar é que o aperfeiçoamento tec-nológico e mudanças em curso na estrutura da atividade econômica, apontam para uma redução progressiva do uso de energia fóssil nos países altamente industrializados. Presume-se que aumentos do preço do barril de petróleo acelerarão o ritmo de substituição desse energético. O petróleo será substituído por outras fontes energéticas mais baratas e limpas, antes que as atuais reservas se esgotem. De fato, assim como o petróleo substituiu o carvão, apesar de ainda existirem grandes reservas inexploradas deste produto, o carvão havia substituído, na sua época, a madeira, embora continuassem a existir grandes reservas florestais.

É bem provável que antes da metade deste nosso século XXI, ocorra o forte início da transição para as próximas grandes fontes de ener-gia, na medida em que ocorrerem picos na produção das reservas

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de petróleo hoje conhecidas. Primeiramente, deverá ocorrer maior consumo de gás natural, produto intermediário até se chegar à utili-zação das novas fontes. A energia eólica, energia solar, a utilização do hidrogênio, o carro elétrico, a energia das algas, são algumas promessas que já estão se materializando, embora ainda de forma modesta. Na atividade dos biocombustíveis, o etanol é um êxito indiscutível. Não obstante, é da maior importância considerar e todos sabemos que a transição leva tempo. Por isso, nós e o resto do mundo ainda teremos de conviver, por um bom período, com as incertezas geopolíticas do mercado de petróleo.

No Brasil, em que pese a circunstância da nossa anunciada autossufi-ciência na produção de petróleo, entendemos que esta atividade deva ser necessariamente administrada de forma empresarial, sem ingerências político-partidárias que interfiram com a sua dimensão e significado nacionais.

Esta deve ser a nossa mais robusta esperança para garantir o futuro. Que assim seja!

Bibliografia

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Palestra pronunciada em 26 de maio de 2009

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Ernane GalvêasEx-Ministro da Fazenda

Síntese da ConjunturaConjuntura Econômica

Um retrato da situação atual da economia brasileira indica que a recessão iniciada no 4º trimestre de 2008, com queda de 3,7%

do PIB, prosseguiu no 1º trimestre de 2009, com novo recuo de 0,8% sobre o trimestre anterior e -1,8% sobre o 1º trimestre de ano passado. Pelo visto, embora haja alguns sinais positivos, a conjuntura atual ainda é de recessão, com prevalência dos sinais negativos, como se vê abaixo:

Sinais Positivos

Comércio: alta de 3,6% no acumulado até maio (Serasa).

Inflação: continua baixa, acumulando nos últimos 12 meses alta de apenas 5,5% no IPCA (varejo) e 4,7% no IGP-DI (geral).

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Bolsa de Valores: recuperação em 2009, com alta de 42%, até maio.

Agronegócio: alta de 1,5% em maio, no preço das 18 principais matérias-primas.

Investimentos Estrangeiros (IE): ingresso de US$ 2,75 bilhões, em maio, contra US$ 1,94 bilhão em maio/08.

Reservas cambiais: US$ 205 bilhões, estáveis.

Juros Selic: redução de 13,75% em dezembro/08 para 10,25% em abril e 9,25% em junho/09.

Sinais Negativos

Agricultura: quebra de 6,9% na safra atual de grãos, em relação à safra anterior.

Indústria: queda de 14,7% no acumulado janeiro/abril, com recuo de 22,6% na produção de máquinas e equipamentos; redução de 50% na produção siderúrgica.

Comércio: queda nas vendas dos supermercados, de 1,9% sobre abril e de 1,8% sobre maio/08.

Comércio Exterior: janeiro a maio – queda de 22,2% nas exportações e 26,6% nas importações.

Mercado de Trabalho: queda de -4,4% no índice de emprego de janeiro/abril deste ano, de -5,3% nas horas trabalhadas e -0,5% na folha de pagamentos.

Capital estrangeiro: redução de 16% no ingresso de investimentos

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estrangeiros diretos acumulados até abril deste ano, em relação ao mesmo período do ano passado.

Dívida Pública: aumento de 3,2% na dívida pública bruta, em abril, em relação a dezembro/08, e de 58,6% do PIB para 61,4%.

A RESSACA DA CRISE

Quando a crise passar e as atividades econômicas voltarem ao normal, é que vai ser possível visualizar as sequelas da política antirecessiva. No mínimo, a começar pelos Estados Unidos, haverá um enorme rombo no setor fiscal, com uma dívida pública difícil de administrar sem produzir pressões inflacionárias. Os americanos estão poupando 4% do PIB e vão consumir menos produtos importados, o que alivia-rá a pressão sobre o Balanço de Pagamentos e sobre o dólar; mas a desvalorização do dólar parece inevitável, na medida em que subirem os preços das commodities, petróleo, matérias-primas e alimentos.

A atual revalorização nas Bolsas de Valores tem um forte sabor es-peculativo e não corresponde à melhora dos índices P/L, uma vez que ainda não houve recuperação da rentabilidade empresarial. A Bovespa subiu 70% desde novembro/08 (ponto mais baixo), mas pode ser uma “bolha” (valorização artificial de ativos).

O termômetro da crise é a taxa de desemprego. Nos Estados Unidos, na Europa, no Japão e na China, o desemprego continua alto, o que significa recessão. No Brasil, os índices de desemprego também são altos, com perspectivas de melhora, na medida em que se revigora o programa habitacional financeiro pela CEF e comecem a deslanchar alguns projetos do PAC. O volume de crédito está estacionado nos bancos privados, mas cresce mais rapidamente nos bancos oficiais –

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BNDES, Banco do Brasil e CEF. Há uma forte expansão no mercado financeiro, derivado do ingresso de capitais estrangeiros, especialmen-te de investimentos diretos, que estão animando o mercado interno, repetindo o que ocorreu em 2008.

No momento, apesar da alta dos preços do petróleo e de outras commodities, não há expectativa de inflação na área externa, nem no Brasil.

Indústria

A produção na indústria nacional caiu 8,2% no 4º trimestre de 2008 e continua caindo 3,1% no 1º trimestre de 2009, acumulando no pe-ríodo uma queda de 14,4% em relação a setembro/08. A situação é agravada por dois fatores: a substancial redução nas exportações de manufaturados e a queda de 22% na produção de máquinas e equi-pamentos. Em abril, a produção cresceu 1,1%, em relação a março, com alta de 2,6% no setor de bens de capital, que ainda se registra queda de 29,3% em relação a abril/08.

Segundo a CNI, o faturamento industrial subiu em fevereiro e março, mas voltou a cair 1,9% em abril, em relação a março e 10,7% em relação a abril/08. No 1º quadrimestre, a redução foi de 8,4%.

A situação só não está pior devido ao desempenho da indústria au-tomobilística, que embora ainda registre queda de 14,2% de janeiro a maio, conseguiu elevar a produção e as vendas nos últimos três meses, devido aos estímulos fiscais. De janeiro a maio, houve queda de 50,8% no valor das exportações de veículos, mas o total das vendas apresenta recuo de apenas 0,13%. O ingresso de investimento direto estrangeiro na indústria automobilística triplicou, de US$ 607 milhões

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para US$ 1,955 bilhão, entre os primeiros quadrimestres de 2008 e 2009, prova de que o setor é atrativo para o investidor.

Em maio, o consumo de energia elétrica caiu 1,8% em relação a abril. A atividade industrial cresceu em sete das 14 regiões pesquisadas em abril. O Espírito Santo teve a maior expansão (7,1%) na comparação com março, Goiás cresceu 2,3%, Rio Grande do Sul 2,3% e Ceará 1,7%. No Estado do Rio, houve retração de 0,5%.

As vendas de cimento para o mercado interno sofreram recuo de 2% em maio sobre maio/08. Mas o dado mais alarmante é o da indústria siderúrgica, que está com 6 altos fornos parados, de um total de 14, ou seja, menos 50% de capacidade produtiva (IBS). A produção de papelão ondulado para embalagens, em maio, teve um crescimento de 6,1% em relação a abril, mas ainda acumula queda de 7,4%, até maio.

A indústria tem conseguido recuperar ganhos de produtividade este ano, baseada na retomada gradual da produção com um número menor de empregados e de horas trabalhadas. Como o número de horas pagas caiu 0,4% em abril, o resultado garantiu um ganho de 1,5% na produtividade do setor.

Comércio

Segundo a Serasa, o comércio varejista cresceu em maio 1,3% sobre abril e 2,5% em relação a maio/08. Foi a quarta alta consecutiva. No acumulado de cinco meses, houve alta de 3,6%.

O faturamento do setor de materiais de construção cresceu 4,5% em maio na comparação com o mesmo mês do ano passado, informou a Anamaco. No acumulado de janeiro a maio, o faturamento apresentou

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crescimento nulo. Segundo a Fecomércio-RJ houve queda de 0,4% no faturamento real do varejo fluminense em abril, na comparação com o mesmo mês de 2008. No primeiro quadrimestre, as vendas caíram 0,1%.

Segundo a Equifax, o número de cheques sem fundos, em maio, teve elevação de 9,4% sobre abril e 3,5% em relação a maio/08.

Agricultura

A última pesquisa da CONAB mostra uma queda de 6,9% na safra de grãos 2008/09, em relação à safra anterior, com queda de 144,1 milhões de tons. (a maior da história) para 134,1 milhões, na mesma área plantada de 47,5 milhões de hectares.

O clima seco no Sul e as enchentes no Norte/Nordeste foram os responsáveis pela quebra da safra. A previsão de queda no Sul é de -10,2%, no Sudeste -3,8%, no Centro-Oeste -4,8%, no Norte -4,3% e no Nordeste -4,9%.

Mercado de Trabalho

Em abril, o emprego industrial caiu 5,6% ante abril de 2008 e chegou à menor marca da série histórica do IBGE. Na comparação com março, houve retração de 0,7%. Trata-se da sétima taxa negativa consecutiva. Nesse período, a perda acumulada chega a 6,6%.

O número de horas pagas na indústria recuou 0,4% em relação a março, e em sete meses consecutivos acumula retração de 7,1%. A folha de pagamentos da indústria cedeu 0,2% em relação a março e 1,8% na comparação com abril de 2008. A perda acumulada desde

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outubro do ano passado chega a 6,6% e nos quatro primeiros meses deste ano, a redução acumula 4,4%.

Das 14 regiões pesquisadas pelo IBGE, São Paulo teve o maior impacto negativo, com recuo de 4,2%, em relação a abril de 2008, seguido por Minas Gerais (-7,2%) e Região Norte e Centro-Oeste (-8,8%). Principais influências negativas: vestuário (-9,7%), meios de transporte (-9,4%), produtos de metal (-10,2%) e máquinas e equipamentos (-8,5%).

Está em curso no Senado Federal o Projeto de Lei nº 115/2007, de autoria do Senador Paulo Paim, que propõe a regulamentação da profissão do comerciário, fixa em 6 horas diárias a jornada de trabalho e institui o piso salarial de três vezes o salário-mínimo.

O Senador Paulo Paim é autor assíduo de propostas que representam crescentes benefícios trabalhistas. Além de outros, está defendendo no Senado a revogação do fator previdenciário, a única medida inte-ligente até agora adotada para adaptar o Regime Geral da Previdência às mudanças demográficas. O Senador Paulo Paim foi também o autor da emenda que estendeu o reajuste do salário-mínimo a todos os aposentados, conforme a MP nº 288/2006, dispositivo esse que o Presidente Lula vetou.

De iniciativa do Poder Executivo, encontra-se no Congresso proposta de homologação da Resolução nº 158, da OIT, que proíbe a demissão de empregados, sem justa causa.

É oportuno lembrar ao Governo e aos nossos representantes no Congresso que a General Motors dos Estados Unidos foi à falência por falta de competição, provocada pelos excessivos benefícios que a empresa concedeu aos seus empregados, mediante negociações com os sindicatos trabalhistas.

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Setor Financeiro

Até que enfim, o Banco Central se deu conta das dimensões da crise econômica e reduziu a taxa básica de juros de 10,25% para 9,25%, correspondente a uma taxa real de 5%. Isto poderá representar uma economia para o Tesouro Nacional, em 12 meses, de cerca de R$ 15 bilhões. Parece incrível que em dezembro/08, no auge da crise, a taxa SELIC estivesse em 13,75%.

As taxas mensais de mercado continuam absurdamente altas, tanto nos bancos privados como no Banco do Brasil, seja para crédito pessoal (de 7% a 9%), seja para capital de giro (de 3% a 6%), especialmente para pequenas e médias empresas. A Caixa Econômica, que tradicio-nalmente cobra as mais baixas taxas de mercado, está promovendo o sexto corte nos juros, visando elevar os empréstimos imobiliários em 30%, algo bastante contraditório à política monetária.

Em maio, as cadernetas de poupança tiveram um ganho líquido de quase R$ 2 bilhões, significando uma certa fuga dos fundos de renda fixa, diante da expectativa de queda da taxa SELIC. Também houve ganho na BOVESPA, que de janeiro a maio experimentou uma fantás-tica alta de 42%. Entretanto, o mercado primário de capitais, continua praticamente paralisado. Nos cinco meses deste ano, foram lançados apenas R$ 2,2 bilhões em ações e debêntures. Em maio, zero.

Inflação

Em bases anuais, a inflação continua exibindo tendência de baixa. O IPCA, índice oficial da inflação subiu 0,47% em maio, praticamente igual a abril (0,48%), acumulando elevação de 2,20% no ano e de 5,20% em 12 meses. O IGP-M, utilizado para os reajustes de aluguéis,

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avançou 0,29% na primeira prévia de junho, resultado bem superior à deflação de 0,52% verificada na primeira apuração de maio. O índice tem queda acumulada de 0,86% no ano e em 12 meses, elevação de 1,91%. O INPC, que mede a inflação para a população de renda mais baixa, aumentou 0,60% em maio, ante 0,55% em abril. No ano, o INPC acumula alta de 2,32% e em 12 meses, de 5,45%. A cesta básica do paulistano ficou 0,62% mais cara em maio. Na comparação com maio do ano passado, o valor da cesta recuou 0,17%. O ICV/DIEESE da capital paulista subiu 0,23%, em maio. O IGP-DI subiu para 0,18% em maio, acima dos 0,04% registrados em abril, sendo que a maior alta ficou por conta do índice da construção civil, que subiu 1,39% em maio. Em abril, o INCC tinha ficado negativo em 0,04%. No IPA, nos meses de abril e maio, o comportamento foi o mesmo: recuo de 0,10%. Já o IPC apresentou taxa positiva de 0,39% em maio, após registrar aumento de 0,47% em abril.

Segundo a Fecomércio-RJ a cesta de compras da cidade do Rio de Janeiro manteve o ritmo anterior, com reajuste de 0,25% na terceira semana de maio em relação à anterior.

No mercado internacional, o índice de preços das 18 principais ma-térias-primas subiu 9,5% em maio, a maior alta desde 1985.

Setor Fiscal

As 319 obras do PAC concluídas até dezembro do ano passado (3% das planejadas), absorveram R$ 47,7 bilhões, 7% dos R$ 646 bilhões previstos para o Programa. A maior parte do investimento, segundo o cronograma oficial, deverá realizar-se até 2010, ficando, basicamen-te, a cargo de Petrobras. As obras terminadas nos chamados eixos de infraestrutura energética e logística receberam R$ 47,6 bilhões,

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quase todo o dinheiro aplicado em projetos concluídos, de acordo com levantamento divulgado pela Organização Contas Abertas. O Governo informou que foi realizado investimento de R$ 62,9 bilhões nos projetos do PAC, equivalente a 15% do total. O valor empenhado é de R$ 7,7 bilhões, no período de janeiro a maio de 2009. Entre as obras consideradas concluídas estão 133 empreendimentos de logís-tica, 186 de energia e 16 das áreas sociais e urbanas.

A CCJ do Senado, por pressão política, está examinando a criação de mais 7.343 vagas de vereadores.

Setor Externo

Em maio, as exportações somaram US$ 11,9 bilhões – retração de 2,7% em relação a abril. As importações subiram 8,4% puxadas pelo aumento dos preços do petróleo. O saldo comercial foi positivo em US$ 2,6 bilhões, 28,6% menor que no mês anterior.

As exportações caíram 22,2% no acumulado de janeiro a maio, somando US$ 55,5 bilhões e as importações caíram 26,6%, para US$ 46,112 bilhões, com superávit comercial de US$ 9,4 bilhões, 10,4% maior que em 2008. Os resultados positivos da balança comer-cial estão sendo sustentados pelas exportações do agronegócio, que somaram US$ 68,7 bilhões, nos últimos 12 meses. Em maio, porém, as exportações tiveram queda de 20,5%, em relação a maio/08.

As exportações de minério de ferro caíram 42,7% em maio, para US$ 803 milhões. Só para a China a queda foi de 41,2%, de US$ 817 milhões para US$ 480 milhões em abril.

A China continua como maior comprador do Brasil, mas as expor-tações caíram 7,7% em maio em relação a abril. O Governo elevou

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de zero para 12% o imposto sobre as importações de aço da China, sendo 14% para barras de aço.

O fato recente de maior destaque foi o ingresso de investimentos diretos estrangeiros (IDE) de US$ 3,41 bilhões em abril e US$ 2,75 bilhões, em maio, maior montante desde 1995. No quadrimestre, o ingresso acumulou US$ 11,3 bilhões, dos quais US$ 4,7 bilhões foram investidos no setor industrial, com destaque para as montadoras de veículos (US$ 2 bilhões) e os setores farmacêutico, informática e equipamentos elétricos. Na BM&F/Bovespa ingressaram US$ 2,5 bilhões, em maio. Essa situação pode mudar, na medida em que so-bem os juros nos Estados Unidos; no último leilão de Treasury Bills de 10 anos, a taxa de juros chegou a quase 4%.

Na área externa, o PIB dos Estados Unidos caiu 5,7% no 1º trimes-tre e o nível de desemprego subiu de 8,5% para 8,9%; os gastos dos consumidores caíram 0,3% em março e 0,1% em abril. As vendas de veículos da Ford subiram 20% em maio, em relação a abril, mesmo nível de junho 2008. Na Europa, o nível de desemprego chegou a 9,2% em abril, a pior taxa em 10 anos. O PIB na Zona do Euro caiu 4,8% no 1º trimestre. Na China, a produção industrial subiu em maio, pelo terceiro mês consecutivo, em resposta ao PAC chinês de US$ 586 bilhões.

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Saudade

Juan Clinton LlerenaMembro do Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio

de Bens, Serviços e Turismo1999-2009