Agricultura Familiar, Agroecologia e Agrocombustíveis - ANA, 2011

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    Agricultura Familiar,Agroecologia e

    Agrocombustveis

    Caderno da Comisso de Agroenergia

    da Articulao Nacional de Agroecologia

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    Agricultura Familiar,Agroecologia e

    Agrocombustveis

    Rio de JaneiroSetembro de 2011

    Caderno da Comisso de Agroenergiada Articulao Nacional de Agroecologia

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    A Articulao Nacional de Agroecologia estimula que os leitores circulem livrementeos textos aqui publicados. Sempre que for necessria a reproduo total ou parcialdeste material, solicitamos que o Caderno da Comisso de Agroenergia da ANA -Agricultura Familiar, Agroecologia e Agrocombustveisseja citado como fonte.

    Organizao:Flavia Londres

    Autores:Fbio Dias dos SantosCarlos DayrellCiro Eduardo CorreaFbio HaxAndr Ferreira dos Santos

    Jean Marc von der WeidCoordenao editorial:Flavia Londres

    Edio dos textos:Flavia Londres

    Reviso:Flavia Londres

    Diagramao:Raro de Oliveira

    Projeto Grco

    I GracciImpresso:

    Reproset

    Ficha catalogrca

    Agricultura Familiar, Agroecologia e Agrocombustveis: caderno da Comisso de Agroenergia da Articulao Nacional

    de Agroecologia / Fbio Dias dos Santos...[et al.]. Rio

    de Janeiro: AS-PTA Assessoria e Servios a Projetos emAgricultura Alternativa, 2011.

    96 p. : il. ; 23 cm. Inclui Referncias bibliogrcas

    1. Agricultura Familiar. 2. Agroecologia. 3. Agrocombustvel.4. Biodiesel. I. Santos, Fbio Dias dos. II. Londres, Flavia. III.Ttulo.

    CDD 577.55 CDU 631

    Tiragem: 1 Edio - 2011 - 500 exemplares

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    Em dezembro de 2004, aps um ano e meio de discusses e prepa-

    rao, o governo Lula criou o Programa Nacional de Produo e Uso deBiodiesel (PNPB). A ideia original era a de, ao mesmo tempo, investir emalternativas para a substituio de combustveis derivados do petrleo,desenvolver fontes de energia menos agressivas ao meio ambiente e pro-mover o desenvolvimento da agricultura familiar, sobretudo na regioNordeste. Seria um Pr-lcool dos pobres. Muita propaganda foi fei-ta em torno do lanamento do Programa, que logo de incio apresentou

    como carro-chefe o investimento na produo de mamona na regio se-mirida do Pas.

    Em 2005 foi sancionada a chamada Lei do Biodiesel (11.097/05)1,que determinou a introduo do produto na matriz energtica brasileira.A Lei estabeleceu que no prazo de trs anos o percentual mnimo obriga-

    Apresentao

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    trio para a adio de biodiesel ao leo diesel comercializado ao consu-midor nal, em qualquer parte do territrio nacional, seria de 2% (o quecou conhecido como B2). Em oito anos, ou seja, em 2013, esse percen-tual aumentaria para 5% (o B5). A Lei determina ainda que O biodieselnecessrio ao atendimento dos percentuais mencionados (...) ter queser processado, preferencialmente, a partir de matrias-primas produzi-das por agricultor familiar, inclusive as resultantes de atividade extrati-

    vista (Art. 2o, 4o).

    A parte social do Programa tem como base o Selo Combustvel Social -identicao concedida pelo Ministrio do Desenvolvimento Agrrio aosfabricantes de biodiesel que promovem a incluso social e o desenvolvi-mento regional por meio de gerao de emprego e renda para os agricul-tores familiares do Pronaf2. Por meio do Selo, as empresas fabricantes

    de biodiesel tm reduo de PIS/Pasep

    3

    e Cons

    4

    e melhores condies denanciamentos junto ao BNDES5e outras instituies nanceiras, almde poderem se beneciar da imagem socialmente responsvel em suaspropagandas comerciais. Os leiles de compra de biodiesel realizadospela Agncia Nacional do Petrleo (ANP) tambm do direito de concor-rncia s empresas que possuem o Selo Social.

    Para obter o Selo Social, as indstrias precisam comprovar a compra

    de matria-prima da agricultura familiar de acordo com percentuais m-nimos. Na regies Nordeste, Sudeste e Sul esse percentual de 30%. Nasregies Norte e Centro Oeste ele foi de 10% at a safra 2009/2010 e pas-sou para 15% a partir da safra 2010/2011. As empresas tambm precisamassinar contratos negociados com os agricultores familiares que incluamos valores de compra, critrios de reajuste de preos e condies de en-

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    trega da matria-prima, bem como assegurar assistncia e capacitaotcnica aos agricultores familiares contratados.

    Os movimentos sociais do campo e as organizaes de agricultoresfamiliares viram grandes oportunidades diante de todo este cenrio. Aclara sinalizao de que dessa vez a agricultura familiar seria de fato pri-vilegiada na implantao e conduo do Programa trouxe a expectativa

    de que um generoso conjunto de polticas pblicas seria implementado,incluindo o acesso a crdito, assistncia tcnica, compra garantida e es-truturao das organizaes de agricultores. Com efeito, uma nova erade desenvolvimento do campo poderia estar comeando.

    Ao mesmo tempo, entretanto, muitas organizaes viam no Programao risco do agravamento de antigos problemas. A preocupao de que as cul-turas energticas viessem a substituir maciamente as culturas alimentares

    e afetar a segurana alimentar das famlias foi uma das mais propagadas.A presso pela substituio de sistemas de cultivo diversicados por mono-culturas e o desenvolvimento de uma relao de dependncia dos agricul-tores em relao s empresas de biodiesel foram outros riscos aventados.

    Para as organizaes do campo agroecolgico, uma preocupao cen-tral era avaliar se o Programa tenderia a aprofundar o modelo produtivo da

    revoluo verde e difundi-lo entre a parcela menos favorecida dos agricul-tores brasileiros, ou se, dependendo de como se desse a sua implementa-o, sobretudo no que diz respeito orientao adotada pela assistnciatcnica, poder-se-ia, ao contrrio, promover a difuso de prticas agroe-colgicas, combinando a produo de biomassa, energia e alimentos e au-mentando a autonomia das famlias agricultoras.

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    A Comisso de Agroenergia da ANA e asistematizao de experincias

    A ANA comeou a debater o tema da produo de agrocombustveisno incio de 2008. poca, a discusso estava fortemente vinculada questo das mudanas climticas (tema que ganhara evidncia com a di-

    vulgao, em 2007, do relatrio do IPCC6, que apresenta evidncias cien-tcas capazes de sustentar a concluso de que a ao humana a maiorresponsvel pelo aquecimento global).

    Os movimentos sociais do campo tambm j faziam esse debate eavaliavam se e como participar do Programa de Biodiesel do Governo.Esta discusso estava, entretanto, mais reduzida avaliao dos impac-

    tos da produo de agrocombustveis sobre a renda, a autonomia e a se-gurana alimentar das famlias agricultoras e pouco tratava da questoda agroecologia.

    Em agosto de 2008, foi realizada a primeira reunio do que veio a seconstituir como a Comisso de Agroenergia da ANA. A partir das primei-ras discusses e reexes desse grupo avanou-se no sentido de que aComisso deveria propor um olhar agroecolgico sobre a produo dos

    agrocombustveis uma contribuio diferente daquelas trazidas por ou-tros campos do conhecimento. Mais especicamente, seria importantediscutir qual deveria ser o lugar da produo de agrocombustveis numaagricultura familiar de base agroecolgica.

    Com apoio da Heifer, a Comisso de Agroenergia da ANA comeou a

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    executar o projeto Agroenergia, Agroecologia e Soberania Alimentar:alimentando processos de dilogo e articulao poltica a partir de expe-rincias locais de produo de energia e alimentos. A comisso tambmcontou com o apoio da ActionAid Brasil e do Servio de Anlise e Asses-soria a Projetos (SAAP), da FASE.

    Em 2009 foi realizado o primeiro seminrio da Comisso para discu-

    tir as experincias da agricultura familiar agroecolgica na produo deagrocombustveis. Ficou evidente que, em princpio, produtos dirigidospara uso energtico poderiam ser integrados aos sistemas agrcolas semcomprometer os princpios da agroecologia. Na verdade, essa produopoderia at mesmo ampliar a autonomia dos agricultores frente s suasnecessidades energticas, como tambm acrescentar novos produtos demercado ao sistema. Tudo dependeria de como se daria a produo e do

    tipo de relao com o mercado que se estabeleceria.Observou-se ento a pertinncia da realizao de uma pesquisa que

    se dedicasse a olhar para o modo como a produo de matria-primaenergtica estaria inibindo ou contribuindo com os sistemas agroecol-gicos, bem como avaliar a sustentabilidade econmica dessa produopara os agricultores familiares em funo dos condicionantes de mercadoexistentes.

    Nessa perspectiva, quatro experincias de produo de matria-prima para o biodiesel pela agricultura familiar foram selecionadaspara serem estudadas em maior profundidade: a do MST - Movimentodos Trabalhadores Sem Terra, no Cear; a da Cooperativa Grande Ser-to, em Montes Claros, no norte de Minas Gerais; a da Unaic - Unio

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    das Associaes Comunitr ias do Interior de Canguu, no Rio Grande doSul; e a do MPA - Movimento dos Pequenos Agricultores, tambm no RioGrande do Sul. Entre os critrios para a seleo dessas experincias,alm da regionalidade, estava o fato de serem iniciativas vinculadasaos movimentos sociais do campo e que j tivessem sido iniciadas comfoco na agroecologia.

    Realizou-se posteriormente uma ocina metodolgica em Montes Cla-ros, da qual participaram os pesquisadores designados para sistematizaras experincias.

    Das quatro experincias inicialmente sugeridas, apenas uma (a doMPA) no teve a sistematizao levada a cabo. E a partir das trs pesqui-sas elaboradas, Jean Marc von der Weid, da AS-PTA, produziu uma snte-se, analisando os problemas enfrentados pelas organizaes dos agricul-

    tores e levantando alguns questionamentos sobre o futuro do ProgramaNacional de Biodiesel.

    As trs experincias sistematizadas esto resumidamente descritasnesta publicao. Ao nal, apresentamos tambm a anlise crtica elabo-rada a partir destes relatos.

    Trata-se, de fato, de um campo de vasto potencial, que poderia pro-

    mover indito desenvolvimento no campo e ao mesmo tempo transformara matriz energtica do pas em modelos mais sustentveis. Tudo indica,entretanto, que o Programa caminha para apenas aprofundar a lgica deexcluso e subordinao dos agricultores aos grandes conglomeradosindustriais e promover o avano da soja (e o consequente desmatamen-to, aumentando as emisses de gases do efeito estufa), sem mudar os

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    A Comisso de Agroenergia da ANA composta pelas seguintes organizaes:AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, Centro de Agricultura Alternativa doNorte de Minas (CAA-NM), Confederao Nacional dos Trabalhadores na Agricultura(Contag), Cooperativa Grande Serto (MG), Federao de rgos de Assistncia Sociale Educacional (FASE), Federao Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras naAgricultura Familiar no Brasil (FETRAF-Brasil), Marcha Mundial das Mulheres (MMM),Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem

    Terra (MST), Rede Evanglica Paranaense de Assistncia Social (REPAS) e Unio dasAssociaes Comunitrias do Interior de Canguu (UNAIC).

    1 Disponvel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/Lei/L11097.htm2 Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar.3 Programa de Integrao Social / Programa de Formao do Patrimnio do ServidorPblico.4 Contribuio para o Financiamento da Seguridade Social.

    5 Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social.6 Painel Intergovernamental sobre Mudana Climtica, na sigla em ingls.

    padres de produo e consumo de energia tudo isso com maquiagemverde e social.

    Esperamos que esta publicao possa contribuir para este debate eajudar a mobilizar foras capazes de trazer o Programa de Biodiesel devolta para suas propostas iniciais.

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    SUMRIO

    PARTE I - Sistematizao de experincias de participao deorganizaes da agricultura familiar com foco na agroecologia noPrograma Nacional de Produo e Uso de Biodiesel........................ 15

    1.A experincia da Cooperativa Grande Serto e do Centro deAgricultura Alternativa do Norte de Minas Gerais com a produo

    de plantas oleaginosas para o Programa do Biodiesel ..............17

    2.A Experincia do MST-CE na Cadeia de Agroenergia............. 45

    3.A Experincia da Unaic na produo de Agrocombustveis.....61

    Parte II - Anlise do conjunto de experincias sistematizadas ..........73

    O Biodiesel e a Agricultura Familiar......................................75

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    Sistematizao de experincias departicipao de organizaes da agricultura

    familiar com foco na agroecologia noPrograma Nacional de Produo e Uso de

    Biodiesel

    PARTE I

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    Este artigo apresenta informaes levantadas junto rede de inte-rao social da Cooperativa Grande Serto sobre a experincia de parti-cipao no Programa Nacional de Produo e Uso de Biodiesel (PNPB).Para a sua elaborao, alm da pesquisa documental, foram realizadasentrevistas com agricultores, agricultores-mobilizadores e tcnicos in-seridos na rede sociotcnica da Cooperativa. Tambm foram realizadasocinas sobre o tema e visitas em municpios dos quatro ncleos territo-riais de atuao da Cooperativa: Baixada Sanfranciscana, Alto Rio Pardo,Serra Geral e Planalto Sanfranciscano. Representantes das organizaesenvolvidas tambm foram ouvidos.

    1 - A experincia da Cooperativa GrandeSerto e do Centro de Agricultura Alternativa

    do Norte de Minas Gerais com a produode plantas oleaginosas para o Programa doBiodiesel

    Fbio Dias dos Santos7Carlos Dayrell8

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    Histrico da regio, do CAA-NMe da Cooperativa Grande Serto

    O Norte de Minas Gerais uma regio que expressa signicativa di-

    versidade sociocultural, sendo habitado por comunidades de diferentesidentidades identicadas como caatingueiros, indgenas, quilombolas,vazanteiros e geraizeiros, que por sua vez esto relacionadas com umaheterogeneidade de agroecossistemas presentes nos biomas Cerrado, Ca-atinga e Mata Seca, bacias dos rios So Francisco, Jequitinhonha e Pardo.

    A partir da dcada de 1970, com a insero da regio Norte de Minasno polgono da seca, e, a partir da, sua vinculao rea de abrangnciada Sudene9, iniciou-se um processo de modernizao da agricultura e dedesenvolvimento regional, desenhando um novo cenrio para a regio. ONorte de Minas comeou a sofrer as transformaes advindas do modelodesenvolvimentista, com a apropriao das terras pblicas pelo capitalprivado, por intermdio de incentivos governamentais. Na rea rural fo-ram implementados programas a partir de quatro eixos principais: agri-cultura/fruticultura irrigada, monocultura de eucalipto, pecuria exten-siva e monocultura de algodo. A implantao desses grandes projetosgerou uma srie consequncias negativas na regio, desestruturando aagricultura tradicional. Com o cercamento dos gerais ampliou-se a con-centrao fundiria, o que provocou o empobrecimento dos agricultoresfamiliares, a expulso e o encurralamento desses agricultores, alm daperda da biodiversidade local.

    Como reao a este processo, iniciou-se, em princpios da dcada de1980, um movimento de organizao e politizao dos agricultores fa-miliares, como estratgia de luta pela conquista dos direitos de acesso terra, gua, biodiversidade, aos mercados, qualidade de vida, dig-nidade. Esse movimento resultou na criao de diversas associaes co-munitrias, sindicatos de trabalhadores rurais, movimentos locais e tam-bm do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA-NM),

    que se mantm organizados em rede de interao social e organizacional.Desde ento, o CAA-NM vem apoiando e assessorando organizaes

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    de agricultores familiares na articulao de propostas sustentveis dedesenvolvimento rural, para que se congurem enquanto polticas p-blicas e que resultem no fortalecimento socioeconmico e poltico dospovos locais.

    A histria da Cooperativa Grande Serto (CGS) est fortemente as-sociada do CAA-NM. A cooperativa nasceu da necessidade de se avan-ar no trabalho de fortalecimento dos agroecossistemas familiares coma comercializao de produtos nativos. Em 1995, foi criada uma peque-na agroindstria para beneciar e comercializar as polpas de frutas docerrado e caatinga como uma microempresa social. Em 2003, com uma

    trajetria j consolidada, a microempresa Grande Serto Produtos Ali-mentcios transformou-se na Cooperativa de Agricultores Familiares eAgroextrativistas Grande Serto (MOTA, 2006).

    A entrada da Cooperativa Grande Sertono Programa de Biodiesel

    Os anos 1990 iniciaram-se com um novo ciclo de avano e de disputade territrios encetada pelos grandes conglomerados ligados aos com-plexos industriais do ao, celulose, e, por que no dizer, da energia.

    Em 2004, o CAA-NM e a CGS receberam as primeiras informaesacerca da construo, pelo governo Lula, de um programa visando a pro-duo de biodiesel com a perspectiva de incorporar a agricultura familiar

    no arranjo produtivo, apontando o semirido brasileiro como prioridadepara o investimento governamental. A CGS e o CAA-NM deram ento in-cio a um processo de discusso sobre esta temtica na regio. Aos poucoso cenrio foi-se denindo: ao mesmo tempo em que setores empresariaispassaram a se movimentar no sentido de buscar locais de investimen-to e recursos visando implantar unidades de produo de biodiesel, aclasse ruralista percebeu que uma nova oportunidade se abria para seus

    negcios relativamente estagnados aps tentativas frustradas de revita-lizao da cotonicultura e da ampliao da produo de mamona duastentativas onde a agricultura familiar entrara como subordinada no ar-

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    ranjo, apenas como fornecedora de matria-prima, duas tentativas emque a agricultura familiar amargara prejuzos. No caso da mamona, almde carem endividadas, centenas de famlias haviam cado com as tulhas

    cheias, sem ter onde vender.

    O debate intensicou-se desde ento, inicialmente interno CGS eao CAA-NM, e posteriormente com seus parceiros mais prximos, parti-cularmente a Rede de Empreendimentos da Economia Sertaneja. A dis-cusso que se colocava naquele momento tratava do risco desta novaonda produtiva continuar subordinando a agricultura familiar regional,

    particularmente as famlias que estavam inseridas na construo de umnovo paradigma de desenvolvimento regional assentado na perspectivaagroecolgica.

    Naquele momento, entrava na arena a demanda pela produo deenergias limpas a partir do biodiesel. O Programa, ao incluir a agricul-tura familiar, sinalizava com a diminuio de encargos para as empresasque se habilitassem com o Selo Social, o que comeava a mobilizar um

    conjunto expressivo de indstrias interessadas nos incentivos scais. APetrobras S/A era uma delas, acionada pelo interesse no mercado dos

    Fo

    to:AcervodoCAA-NM

    Dia de campo na Ilha da Ressaca - Matias Cardoso - MG

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    agrocombustveis e nos benefcios advindos da dinamizao econmicada agricultura familiar por meio do Selo Social.

    A pergunta que se fazia, ento, era: a agricultura familiar entraria

    nesse arranjo apenas como fornecedora de matria-prima, ou iria sebeneciar dos ganhos advindos da insero na etapa agroindustrial, oumesmo como parceira da etapa comercial?

    Nesse contexto, o debate foi avanando no sentido de que a Coopera-tiva zesse um enfrentamento da temtica por dentro. Ou seja, que enca-beasse a construo de um arranjo produtivo em torno das oleaginosas,construindo pontes com a poltica governamental de estmulo produ-o de biodiesel, na perspectiva de proteger, ou de ao menos apontaralternativas de no subordinao da agricultura familiar em suas reasde atuao. Foi um perodo rico de debates, porm extremamente dif-cil. Parceiros tradicionais da CGS e algumas das organizaes e entidadesque apoiavam o seu trabalho na regio questionavam esta opo de en-frentamento por dentro. Questes que tambm se mantinham no mbitointerno do CAA-NM. Por outro lado, car fora do processo poderia deixar

    essas organizaes apenas observando e/ou denunciando a retomada doprocesso de subordinao, j bem conhecida dos agricultores familiares,particularmente das comunidades tradicionais que vivem nas reas decaatinga e matas secas da regio. Assim, foi-se desenhando uma estra-tgia no sentido de evitar, ou de pelos menos diminuir os mecanismosde extrao de riqueza que a economia maior exerce sobre a agriculturalocal (Dangelis, 2009).

    Quando, nalmente, o governo deniu que a unidade de produode biodiesel da Petrobras seria instalada na cidade de Montes Claros -MG, a Cooperativa Grande Serto apresentou a esta empresa um primeiroprojeto. Paralelamente, investiu no debate com seus parceiros na regio STRs10, Fetaemg11, MST12e Fetraf13 na perspectiva de uma atuao con-

    junta, e convidou para um seminrio regional realizado em Montes Claros

    o deputado estadual Frei Srgio Grgen (PT-RS), defensor da construode uma via alternativa na produo do biodiesel pela Via Campesina.

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    Frei Srgio declarou poca que a inteno da Via Campesina era queos agricultores participassem de toda a cadeia da produo, e no ape-nas vendessem os gros para grandes usinas: Queremos que cada agri-cultor seja scio da renaria e participe do lucro nal, ao contrrio doque acontece na cadeia do fumo, em que o agricultor s participa com osacrifcio. A Cooperativa, por sua vez, socializou com seus parceiros asperspectivas e os acmulos construdos neste perodo, entre eles o pro-

    jeto em negociao com a Petrobras. Mas a perspectiva de uma atuaoconjunta do movimento social no seguiu adiante.

    Enm, em 2007, a Cooperativa Grande Serto negociou com a Petro-

    bras um projeto que tinha como objetivo inserir sua rede de empreen-dimentos sociais no arranjo produtivo de oleaginosas para o biodiesel,intitulado: Insero de agricultores familiares do semirido mineiro e de

    suas redes de empreendimentos solidrios na cadeia produtiva de biocom-

    bustveis atravs de um processo de transio agroecolgica para sistemas

    diversicados de produo de oleaginosas, fortalecendo os agroecossiste-

    mas associados produo de frutas, leite, mel e pequenas criaes(CGS,

    dezembro 2006).Este projeto tinha como estratgia a produo de oleaginosas a partir

    de sistemas diversicados mamona, pinho manso, girassol, algodo,amendoim, gergelim, moringa, etc. de forma a provocar sinergias posi-tivas com as demais atividades j consolidados nos agroecossistemas. Ameta da proposta era acompanhar 2.000 agricultores familiares do Nor-te de Minas, tendo como referncia a metodologia agricultor&agricultor

    atravs de redes sociotcnicas. E previa, ainda, a implantao de projetospara a instalao de unidades extratoras multileos.

    A herana maldita

    Herana maldita: esta foi a expresso utilizada por um dos repre-

    sentantes da Petrobras ao se referir ao efeito negativo que projetos fra-cassados do passado na regio provocaram sobre o trabalho voltado parao incentivo produo de oleaginosas destinadas ao Programa Nacional

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    do Biodiesel. Cooperativa Grande Serto estavam colocados, neste in-cio de projeto, pelo menos dois grandes desaos: o primeiro de contor-nar a resistncia dos agricultores em aderir ao programa em funo dohistrico dos projetos anteriores que haviam levado ao endividamentoum grande nmero de famlias; e o segundo de que o projeto no tivessea mesma irresponsabilidade dos projetos anteriores.

    As falas dos agricultores entrevistados durante a sistematizao des-ta experincia revelam o passado traumtico da produo de plantasoleaginosas nos quatro ncleos territoriais pesquisados.

    O problema mais destacado pelos agricultores havia acontecido nasegunda metade da dcada de 1990, quando um empresrio, tambm de-putado federal, lanou um projeto ambicioso com o objetivo de retomara produo de mamona no norte do estado de Minas Gerais. O projetocontava com a parceria do governo do estado envolvendo polticos lo-cais, instituies nanceiras e organizaes pblicas e privadas de as-sistncia tcnica, que mobilizaram milhares de pequenos e mdios agri-cultores para a produo. Os tcnicos especializados na elaborao de

    projetos para serem negociados nas linhas de nanciamento oferecidaspelo governo eram apresentados aos agricultores para prestar serviosna confeco dos projetos produtivos. O pacote era fechado, s poderiaplantar mamona, os tcnicos vinham e fazia o projeto, relata um repre-sentante do STR e mobilizador do Planalto Sanfranciscano, no municpiode Corao de Jesus - MG.

    Com tais projetos em mos, os agricultores eram estimulados a fazeremprstimos nos bancos para subsidiar a produo e tinham como garan-tia de sucesso apenas a promessa de compra.

    Contudo, o empresrio no honrou a promessa de comprar toda aproduo e, mesmo onde ele chegou a comprar, a aquisio foi a preosabaixo do mercado (houve relatos de agricultores que venderam a mamo-na por R$ 0,10/kg). Na falta de outras alternativas de venda, centenas de

    agricultores caram com a produo estocada.

    Essa experincia cou conhecida por todo o Norte de Minas e levou a

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    uma resistncia por parte de um grande nmero de agricultores ao pro-grama de produo de oleaginosas para a fabricao de biodiesel.

    Diante deste quadro, a existncia da rede de interao social em lo-

    cais em que a CGS e o CAA-NM ainda no tinham atuado foi fundamentalpara o processo adeso dos agricultores ao Programa. Isso se deu atravsda relao de conana estabelecida entre as comunidades e as organi-zaes locais (sindicatos e cooperativas). Tambm pesou no convenci-mento dos agricultores a apresentao do projeto da CGS, que trazia umaperspectiva de integrao da produo de agroenergia e alimentos, almda viabilizao da produo a partir de incentivos como a distribuio

    de sementes, calcrio, adubo, sacaria para estocagem da produo e ocontrato de compra garantida.

    A recomendao era de que o agricultor no envolvesse a plan-

    tar s a mamona, plantasse, mas consorciado, no caso, com o milho

    ou feijo, porque se no, poderia produzir s a mamona a a produ-

    o do milho e do feijo no ia ter, e se a mamona no desse bom

    resultado o produtor poderia passar fome. Ento, foi passado isso,

    que o agricultor produzisse de tudo, que tudo que ele produzisse era

    um a mais para ele, que ele no deixasse de plantar as culturas que

    ele estava acostumado a plantar. (Entrevista com J. Pequeno,agricultor da Baixada Sanfranciscana - Varzelndia - MG)

    Integrao da perspectiva agroecolgica produo das oleaginosas

    Como j foi dito, o projeto de produo de oleaginosas proposto pelaCooperativa foi estruturado com a perspectiva de fortalecimento dosagroecossistemas familiares a partir de sistemas diversicados de produ-

    o de oleaginosas e alimentos associados cadeia produtiva de frutas,leite, mel e pequenas criaes. No entanto, o Programa Nacional de Pro-

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    duo e Uso de Biodie-sel era algo novo, tan-to para a Petrobras,quanto para as orga-nizaes parceiras.

    A contratao daequipe, em sua gran-de maioria jovensprossionais recm-formados, aconteceu

    tardiamente. A CGSestava construindouma proposta de sus-tentabilidade para oPrograma, que exigi-ria muito mais de umano para ser consti-

    tuda, um plano que iria sendo maturado ao longo dos anos seguintes,uma proposta de ao de mdio prazo. Que exigia corresponsabilidade ecompromisso com o processo.

    Aumento da meta:o primeiro passo para a desarticulao

    Na maioria dos municpios, a indicao das comunidades a seremincorporadas ao Programa coube rede de parceiros locais geralmen-te sindicatos de trabalhadores rurais ou cooperativas locais que j eramparceiros da CGS em atividades junto s comunidades. Esse processo de-senvolveu-se regularmente sem alterao at que se chegou ao nmeromximo de duas mil famlias cadastradas, meta do convnio entre a Coo-perativa Grande Serto e a Petrobras S/A. No entanto, a Petrobras props

    um aumento no nmero de agricultores a serem assistidos pela Coopera-tiva, passando de duas mil para aproximadamente trs mil e seiscentas

    Sementes de mamona cultivada em Matias Cardoso - MG

    Fo

    to:AcervodoCAA-NM

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    famlias: quase o dobro da meta inicial. O aumento do nmero de famliasfoi uma deciso exclusiva da Petrobras, que buscava contribuir para o su-primento da demanda industrial da usina de biodiesel em Montes Claros.

    Esse processo gerou um enorme transtorno para a Grande Serto.Em primeiro lugar, pela deciso da Petrobras no resultar em aumentode recursos a serem repassados instituio para a contratao de maistcnicos para o acompanhamento das novas famlias a serem cadastra-das. Isso resultou em corte de gastos necessrios execuo do Progra-ma, como combustveis, e aumento no volume de atividades a serem de-senvolvidas pela equipe tcnica. Em segundo lugar, para cumprir a nova

    meta, a Cooperativa viu-se forada a articular famlias em regies ondeno tinha nenhum tipo de insero ou parceiros da rede de interao so-cial. De acordo com as equipes tcnicas da CGS, nessas regies o trabalhofoi muito mais difcil, desde o processo de cadastramento at o recolhi-mento da produo, pois no existiam relaes de conana entre a CGSos agricultores locais.

    Alm disso, a urgncia na denio e cadastramento das novas fa-

    mlias que iriam participar do Programa levou a um processo de preen-chimento parcial dos cadastros, apontado apenas informaes bsicasde cada titular. Questes como critrio de participao e adensamentodas famlias em poucas comunidades foram sendo negligenciados. Agri-cultores que no tinha a DAP (Declarao de Aptido ao Pronaf), docu-mento exigido para a participao no Programa, foram cadastrados coma expectativa de que isso fosse resolvido em um momento posterior o

    que levou a outro grande desgaste, pois o apoio para a emisso do docu-mento passou a ser prioritrio em detrimento do acompanhamento daslavouras pelos tcnicos.

    O deslocamento da atuao dos tcnicos para a execuo de servi-os braais como preenchimento de cadastros, separao de sementes,descarregamento de caminhes de insumos e posterior distribuio etc.

    deixou o projeto com a assistncia tcnica enormemente prejudicada. Apouca experincia desses mesmos tcnicos com as culturas oleaginosastambm contribuiu para um acompanhamento pouco eciente aos agri-

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    cultores. Mais ainda, foi determinante para comprometer a qualidade doservio prestado o alto nmero de agricultores que, com a nova meta,cada tcnico tinha que atender: chegou-se, em alguns casos, a 400 agri-cultores/tcnico, quando a mdia nacional para assistncia tcnica e ex-tenso rural praticada por ONGs de 177 famlias/tcnico. Como se nobastasse, havia grande pulverizao das famlias a serem assistidas emdiversas comunidades.

    Assim, antes um pouco da colheita acabou o recurso de com-

    bustvel, a desandou tudo mesmo. Tinha o problema da distncia

    que era grande, muitas vezes mais de 300 km de Montes Claros at omunicpio, e tinha mais at as comunidades; geralmente era usado

    um tanque pra ir e outro para vir. Assim, s se tivesse uma situao

    muito necessria para eu ir. (...) No tinha mais recurso para fazer

    as visitas tcnicas, ensinar o pessoal colher, essas coisas... a gente

    tinha que passar as informaes por telefone para os mobilizado-

    res. (Entrevista com tcnico da CGS - Baixada Sanfranciscana -

    Montes Claros - MG)

    O atraso na distribuio dos insumos

    Alm dos problemas com a assistncia tcnica, teve papel decisivo naexecuo do Programa o atraso na distribuio das sementes e do adubo.

    Na regio semirida do Norte de Minas os agricultores iniciam o pre-paro da terra para os cultivos no incio das primeiras chuvas, em outubro.Na safra de 2007/2008, primeiro ano do convnio, a Petrobras entregouas sementes para serem distribudas pelas organizaes que prestavamassistncia tcnica s no m de novembro. Assim, quando as sementeschegaram at os agricultores, em dezembro, muitos j haviam ocupado

    suas reas de cultivo com as culturas tradicionalmente plantadas: arroz,milho, feijo e sorgo. O atraso das sementes e do adubo levou centenasde agricultores cadastrados a desistir do Programa. E os que seguiram no

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    projeto tiveram que buscar outras reas para o cultivo das oleaginosas,em geral menos frteis, o que tambm afetou negativamente a produti-vidade.

    O processo de produo e colheita

    O cultivo de oleaginosas para o PNPB concentrou-se basicamente emtrs culturas: amendoim, girassol e mamona.

    Amendoim

    Embora em algumas comunidades a Cooperativa tenha conseguidodisponibilizar aos agricultores sementes de amendoim vermelho, que tradicionalmente cultivado na regio, a variedade que prevaleceu no m-bito do Programa foi o amendoim branco (Runner IAC 886), distribu-do pela Petrobras. O resultado deste cultivo foi um verdadeiro desastre.O amendoim branco, cujas sementes foram adquiridas em So Paulo, uma variedade desenvolvida para colheita mecnica, que no utilizadapelos agricultores familiares do Norte de Minas. Os produtores viram-seobrigados a car cavando o solo para encontrar as ramas da planta, quedepois de secas ainda precisavam ter as vagens arrancadas, uma a uma.Para a maioria dos agricultores que apostaram no cultivo, o valor pagopelo gro no compensou o trabalho empregado.

    Outro motivo de descontentamento foi a ausncia de variao no pre-o do gro do incio ao m da safra, ao contrrio da mamona, cujo preosofreu aumentos. No caso do amendoim, os agricultores conseguiam nomercado local preos bem mais elevados do que os pagos pela Petrobras.

    Girassol

    No caso do girassol, muitos dos problemas relatados relacionaram-se

    falta de experincia com a cultura e ataque de pssaros, que provo-caram perdas colheita quando a produo j estava garantida. Houvetambm perdas decorrentes de fatores climticos.

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    Mamona

    Apesar da resistncia de muitos agricultores ao plantio da mamonaem funo de insucessos de projetos passados, a cultura apresentou bons

    resultados produtivos nas regies de caatinga (territrios da Serra Gerale da Baixada Sanfranciscana). Nas regies de cerrado (Planalto Sanfran-ciscano e Alto Rio Pardo) a produo foi muito afetada pela acidez dossolos em reas de chapadas a produo praticamente inexistiu.

    Outros fatores que afetaram negativamente a produo foram o bai-xo ndice pluviomtrico e alguns consrcios prejudiciais cultura (prin-cipalmente com milho). A incidncia de doenas foi insignicante e noforam citados ataques por pragas.

    A venda da produo:os diferentes destinos da safra 2007/2008

    Os entrevistados apontam alguns atropelos praticados pela Petro-

    bras no processo de recolhimento e compra da produo. Da parte daCooperativa, havia nesse perodo uma incerteza com relao coberturados gastos com o projeto e, dessa forma, um impasse em relao execu-o das atividades. medida que o ciclo das culturas foi se encerrando,a presso dos agricultores pela divulgao dos preos e pelo recolhimen-to e pagamento da produo fazia aumentar a preocupao dos que es-tavam frente do processo: Ir para a comunidade sem essas respostas

    exigiu muita habilidade e por vezes a opo foi esperar a denio dessasquestes (Ferreira, 2008).

    Segundo os relatos, os agricultores demonstraram insatisfao como no cumprimento dos prazos e/ou dos acordos construdos no proces-so de mobilizao. A demora da chegada do adubo e das sementes, bemcomo a demora no processo de compra da produo foram fatores quegeraram desgaste entre agricultores e a CGS. Sobretudo devido s inde-nies por parte da Petrobras, o retorno para recolhimento da produo,que havia sido acordado para logo aps a colheita, chegou a acontecer

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    com at quatro meses de atraso. Muitos agricultores justicaram a vendapara atravessadores pela necessidade custear os servios pagos na pro-duo, como mo de obra e horas de trator.

    Outro fator a gerar desgaste para a CGS foi o baixo preo pago aosagricultores, abaixo do esperado. No caso do girassol e do amendoim, abaixa produo e o baixo preo levaram uma parcela signicativa de agri-cultores a no vender o produto e destin-lo para a alimentao familiarou animal.

    Das oleaginosas, o girassol era a que tinha o preo mais bai-

    xo, assim, o pessoal no quis vender (...). Como a produo foi

    muito baixa, muitas vezes no compensava vender, pois o valor do

    transporte para ir buscar o dinheiro na cidade era mais alto do que

    o valor a ser recebido. Acho que 70% do girassol e do amendoim

    produzido as famlias deram outro m que no a venda para a CGS.

    (Entrevista com tcnico da CGS na Baixada Sanfranciscana - Mon-tes Claros - MG)

    No caso da mamona, na maioria das regies de atuao da CGS osagricultores caram refns dos preos praticados pela Petrobras, uma vezque a venda desse produto mais difcil dada a falta de compradores.Contudo, nos ncleos territoriais da Serra Geral e da Baixada Sanfrancis-cana a empresa Petrovasf14adiantou-se Petrobras e comprou a produ-

    o de mamona em muitas comunidades.Percebe-se, inclusive, que desde a safra 2008/2009 a Petrobras vem

    estimulando a produo da mamona em detrimento de outras culturas,possivelmente em funo da menor possibilidade de venda para terceiros.

    Em suma, a venda da produo para os atravessadores se justicapor trs fatores: os preos baixos praticados pela Petrobras, a demora

    da empresa em liberar as condies para que CGS desse incio aquisioda produo e a no assinatura de contratos. relevante notar que a ine-xistncia de contratos favoreceu a venda para terceiros, pois o contrato

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    de Compra Garantida s chegou para os agricultores no nal da safra, ouseja, na hora da venda.

    Saldo do arranjo produtivo doBiodiesel para os agricultores

    Apesar de todos os problemas j relatados, importante notar que,para os agricultores, a participao no Programa do Biodiesel atravs doconvnio com a CGS no acumulou apenas perdas. Os entrevistados re-conhecem ganhos com a correo de solos e com o desenvolvimento de

    prticas ligadas agroecologia. A aplicao do fosfato, um dos principaisminerais que as plantas exigem em maior quantidade em regies como oNorte de Minas, foi um grande benecio. O mineral caro e os agriculto -res que aderiram ao Programa receberam fosfato e calcrio pela CGS semnenhum custo. As reas que receberam aplicao de calcrio puderam sebeneciar do aumento da capacidade produtiva por mais trs ou quatroanos. J no trabalho iniciado com a agroecologia, a promoo de prticas

    de manejo e conservao de solo, o plantio em curvas de nvel, o estmulo produo diversicada e a valorizao das culturas alimentares tambmproporcionaram importantes ganhos aos produtores.

    O no endividamento dos agricultores, outra bandeira da CGS, tam-bm foi apontado como um ponto positivo do trabalho da organizao

    junto s comunidades.

    Saldo do primeiro ano do arranjoprodutivo para Cooperativa Grande Serto

    Desde sua origem, em 1995, e de sua institucionalizao como coo-perativa agroextrativista de agricultores familiares, em 2003, a GrandeSerto vem trabalhando com o beneciamento e industrializao de pol-

    pas de frutas, rapadura e mel. O trabalho com o beneciamento de polpasde frutas se constituiu como a principal atividade da Cooperativa, quepossibilitou organizar uma rede de empreendimentos econmicos arti-

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    culados em torno de sistemas produtivos diversicados e manejo agro-extrativista.

    A insero da Cooperativa na cadeia produtiva de oleaginosas para

    o biodiesel, em 2007, tinha o objetivo de fortalecer e ampliar as cadeiasj existentes. Como j foi dito, a proposta da CGS foi pensada para almdo manejo agroecolgico na produo das oleaginosas: a ideia era apro-veitar o Programa para estruturar a cooperativa, fortalecendo assim estarede de empreendimentos econmicos e os agricultores neles inseridos.E um dos seus principais objetivos era a constituio de uma cadeia pro-dutiva de leos, tanto para a fabricao de biocombustveis, quanto para

    o beneciamento de leos nos voltados para a alimentao humana e aindstria de cosmticos.

    A CGS e o CAA-NM dispuseram do know-how acumulado ao longo desua trajetria de 20 anos na regio e movimentaram um conjunto sig-nicativo de organizaes na perspectiva de construir um contrapontoaos projetos econmicos nanciados pelo poder pblico na regio, atento atrelados aos interesses da classe ruralista e do grande capital. O

    projeto em parceria com a Petrobras havia sido assinado para um ano deexecuo, mas com a expectativa de renovao para mais dois anos detrabalho.

    A estrutura fsica e operacional planejada para a execuo do proje-to demonstra essa expectativa de uma parceria de mdio prazo: com osrecursos do convnio e em funo da demanda de trabalho prevista, no

    s aumentou a estrutura fsica da organizao, como o quadro de pessoalsaltou de 31 funcionrios formais para 122.

    No entanto, o projeto no foi renovado pela Petrobras aps o m doprimeiro ano de convnio, o que trouxe grandes transtornos e desesta-bilizao organizacional para a instituio. A CGS no estava preparadapara essa descontinuidade, o que gerou dvidas em funo de compromis-sos acertados durante o perodo de execuo do convnio.

    A contratao de funcionrios e a estrutura adquirida demandavamgastos maiores, que caram descobertos quando ndou o convnio. Na

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    perspectiva de que o contrato seria renovado e temendo dispensar aequipe que passara por um intenso processo de capacitao, a Cooperati-va optou por manter os funcionrios por alguns meses deciso que com-prometeu irremediavelmente as suas nanas. A no tomada de decisesem tempo oportuno levou a um desequilbrio nas contas da entidade, quelevou cerca de trs anos para ser superado.

    Outro problema decorrente do convnio foi o desarranjo de ativida-des j consolidadas pela Cooperativa, como a coleta de frutas para a fa-bricao de polpas, que caram prejudicadas em funo do esforo des-prendido pela equipe para garantir a execuo do programa de produo

    de oleaginosas para o biodiesel em seu primeiro ano de atuao. relevante observar que o rompimento do convnio por parte da Pe-

    trobras no justicado pelos resultados tcnicos do projeto, conformemostra a comparao entre a produo entregue pela CGS e a produoassessorada por outras organizaes na regio (inclusive a Emater, querecebeu muito mais recursos que a CGS):

    Dados da produo por Organizao (kg) - Safra 2007/2008

    OrganizaoTipo de Gro

    TOTALAmendoim Girassol Mamona

    AESCA 0,00 2.572,50 22.845,53 25.418,03

    CGS 86.586,50 23.052,00 146.275,51 255.914,01

    EMATER 0,00 0,00 216.177,66 216.177,66

    FETRAF 1.002,00 5.333,00 58.057,00 64.392,00TOTAL 87.588,50 30.957,50 443.355,70 561.901,70

    AESCA-MG:Associao de Cooperao Agrcola de Minas Gerais.CGS:Cooperativa Grande Serto.Emater: Empresa de Assistncia Tcnica e Extenso Rural do Estado de Minas Gerais.

    Fetraf:Federao Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar.

    Vale ressaltar, no entanto, que no houve s desarranjos nessa par-

    ceria. Existiram ganhos tambm: a partir do convnio formalizado en-tre a CGS e Petrobras, a Cooperativa cresceu seu campo de atuao em

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    mais de 95% de 1.530 fa-mlias em 20 municpios, em2006, para 3.575 famlias em39 municpios entre 2007 e2008. A partir do Programa,a CGS aumentou sua redede interao social, abrindonovas parcerias com outrascooperativas, sindicatos detrabalhadores rurais e prefei-turas. Alm disso, pde tes-

    tar a institucionalizao darede sociotcnica, contando com novos mobilizadores e articuladores emnovas reas de atuao.

    Outro aspecto positivo dessa experincia que foi a partir dela que aCooperativa conseguiu se organizar para buscar recursos para a constru-o de uma unidade de esmagamento multileos.

    A ameaa dos monocultivos emunidades de produo familiares

    A insero da agricultura familiar no PNPB levanta uma srie dequestionamentos. Entre os mais destacados est a induo aos monocul-tivos em unidades de produo familiares, que pode comprometer prti-

    cas tradicionais como a produo diversicada e, consequentemente, aproduo de alimentos. As informaes coletadas no trabalho de campoapontam que esse processo ainda no comeou a acontecer no Norte deMinas na rea de atuao da CGS, mas no se pode dizer que o cenriono v sofrer mudanas em um futuro prximo principalmente quan-do observadas as prticas de estimulo produo de oleaginosas que aPetrobras est promovendo atravs de empresas terceirizadas. As usinas

    com maior capacidade produtiva so racionalmente indutoras de mono-culturas.

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    H que se destacar que, no regulamento do Selo Combustvel Social,o PNPB no trata da questo da monocultura em unidades de agriculturafamiliar. O Programa deixa expresso que os objetivos so promover aincluso social e o desenvolvimento das regies mais carentes, com sus-tentabilidade em sentido amplo (BRASIL, 2004) e apresenta regras paraa aquisio de matria-prima advinda do segmento da agricultura fami-liar, mas no aponta regras ou normas para a formao dos cultivos naspropriedades dos agricultores.

    A chegada da usina da Petrobras Biocombustvel (PBio)no Norte de Minas

    A Usina de Biodiesel da Petrobras no municpio de Montes Claros,cuja instalao havia sido anunciada em 2006, foi inaugurada somente2009, com capacidade para fabricar 57 mil m3de biodiesel/ano. Um anodepois, esta capacidade j era de 108,6 mil m3/ano.

    A cada trimestre, a unidade tem registrado saltos no volume de bio-diesel vendido nos leiloes da ANP15. Atualmente a venda de 20 mil m3de biodiesel/trimestre, ou seja, em breve a unidade estar negociandopraticamente 100% de sua capacidade.

    Embora, dentre as usinas estatais, a unidade de Montes Claros tenhasido a que entregou o maior volume de biodiesel nos leiles da ANP em2010 69,9 mil m3ou 3,01% da produo nacional , nesse percentual

    no h participao de matria-prima advinda de agricultores familia-res do semirido mineiro assistidos pela PBio. A produo alcanada pelaagricultura familiar da regio em trs safras (2007/2008 a 2009/2010)foi de 6 mil toneladas de mamona e girassol, volume considerado pelaempresa invivel para o esmagamento. At novembro de 2010 essa pro-duo encontrava-se estocada, aguardando a safra 2010/2011 para que oprocessamento pudesse ser levado a cabo. Chama ateno a relao des-

    proporcional entre a demanda anual de matria-prima da usina (45 miltoneladas, segundo informaes obtidas junto Gerncia de Suprimen-

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    tos da unidade) e o volume produzido pela agricultura familiar: em trssafras, a produo foi equivalente a apenas 13,33% da demanda anual dausina.

    A maior parcela de fornecedores de matria-prima para a planta in-dustrial de Montes Claros constitui-se de grandes corporaes multina-cionais do setor agrcola, dentre elas a ADM, a Bunge, a Cargill e a Dreyfus(o famoso ABCD). Ainda compem esta lista as empresas Farleo e Bial.Todavia, preciso lembrar que o Programa ainda est em um perodo deformatao e implantao de algumas mudanas.

    O rearranjo frente aos desarranjos

    Entre as oportunidades apontadas no PNPB para a agricultura fami-liar est a proposta de aproveitamento de coprodutos e resduos da pro-duo do biodiesel. Essa tambm constituiu uma das propostas debatidaspelas organizaes de movimentos sociais, em especial pela CGS/CAA-NM, ainda no perodo de estruturao do Programa no semirido mineiro,em 2006. Segundo declarou poca um representante da PBio, havia umdebate interno na empresa quanto possibilidade de estabelecimento deuma parceria em que a PBio compraria o leo dos agricultores familiares,que se beneciariam do melhor preo conferido pelo beneciamento dosgros e dos coprodutos do esmagamento.

    No entanto, toda essa construo organizativa foi abortada quan-

    do a empresa deniu uma poltica de compra para o leo vegetal tendocomo base a cotao do leode soja. Com essa poltica, aPBio coloca as organizaesda agricultura familiar paraconcorrer com grandes corpo-raes agroindustriais da soja

    uma concorrncia obviamen-te desigual.

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    Para representantes das organizaes sociais (CAA-NM, CGS, Cooper-bio16, MST17e Unaic18) que participaram da Ocina de Sistematizao deExperincias em Agroenergia e Agroecologia, realizada pela ArticulaoNacional de Agroecologia (ANA) em Montes Claros - MG, essa poltica daestatal em relao ao leo demonstra certo descomprometimento com asorganizaes sociais inseridas no Programa. Segundo a interpretao deum integrante da ocina, o programa da Petrobras estaria relacionado atrs estratgias de poltica ambiental por parte da empresa: no emitir,compensar e maquiar.

    A alternativa apresentada por algumas cooperativas de agricultores

    familiares para agregar valor ao seu produto tem sido a constituio deunidades de beneciamento da matria-prima com o foco na produode multileos. A CGS, em parceria com o CAA-NM, retomou este projetoestratgico em 2010, com apoio do Banco Nacional de Desenvolvimen-to Econmico e Social BNDES. A unidade de esmagamento multileospermite uma insero mais ampla da Cooperativa no mercado, possibili-tando a produo e comercializao de leos cosmticos, farmacuticos,

    alimentares, para a indstria ricinoqumica e tambm agrocombustveis.Alm da constituio da unidade de multileos, a CGS rmou novo

    convnio com a Gerncia de Suprimentos da PBio para a execuo do Pro-grama de Estruturao Produtiva, que prope a correo do solo para ocultivo de oleaginosas consorciadas com variedades alimentares. Os doisprojetos mantm-se com foco no pblico de atuao do CAA-NM e da CGS.So agricultores familiares, geraizeiros, caatingeiros, veredeiros, va-

    zanteiros e quilombolas que, na atuao da CGS no PNPB, recebem umolhar especco, reconhecedor de suas identidades e matrizes de racio-nalidade. O desao se mantm: promover renda para esses agricultoresque raramente possuem reas superiores a 3 hectares, tanto a partir doPNPB, como de atividades paralelas ao Programa como a produo desementes crioulas, cereais, pecuria, agroextrativismo e outras. Uma dassinergias possveis ser a produo de alimentos integrados produo

    de oleaginosas destinadas ao PNPB e para os distintos mercados que seabrem com o beneciamento de mltiplas oleaginosas. Maiores volumes

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    de produo de culturas alimentares podem ainda possibilitar a parti-cipao dos agricultores em outros programas de gerao de renda, aexemplo do Programa de Aquisio de Alimentos (PAA)19e do ProgramaNacional de Alimentao Escolar (PNAE).

    Nesta perspectiva, busca-se uma insero dos agricultores familiaresalicerada em participaes mais autnomas no processo produtivo dosbiocombustveis, uma vez que, da forma como o PNPB est estruturado,os agricultores familiares esto inseridos apenas na etapa de forneci-mento de matria-prima para as indstrias de biodiesel no diferindomuito das formas tradicionais de subordinao do capital sobre a agricul-

    tura. Como foi possvel perceber a partir das entrevistas, essa dinmicatorna os agricultores em algumas regies refns das empresas e, dessaforma, susceptveis a prejuzos, seja em funo dos baixos preos pagospelas oleaginosas ou das condies climticas e/ou solos desfavorveis.

    Consideraes nais

    Pode-se dizer que a primeira experincia dos agricultores familiarese da Cooperativa Grande Serto com a produo de oleaginosas para oPNPN apresentou resultados abaixo do previsto.

    Deve-se ressaltar, contudo, a inexperincia da Petrobras no que serefere produo de oleaginosas ou trabalhos junto agricultura fami-liar. A empresa reconheceu o projeto da CGS como inovador em termos

    de formato de atuao, pois era enredado no trabalho de tcnicos, agri-cultores-mobilizadores e parcerias com organizaes nos ncleos de atu-ao. A dinmica da CGS tornou-se referncia para outras organizaesque trabalham com a assistncia tcnica e extenso rural no mbito doPNPB. preciso observar, sobretudo, que esse formato leva a um maiorenvolvimento e compromisso da entidade prestadora de servio com acomunidade assistida, alm de ter um custo nanceiro mais elevado ao

    reconhecer a contribuio ativa e efetiva dos agricultores e de suas orga-nizaes (custo este que costuma ser negligenciado pelas instituies defomento e assistncia tcnica).

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    A CGS e o CAA-NM reconheceram os resultados limitados da primei-ra safra, creditando, porm, boa parcela desses resultados aos atrasosna entrega dos insumos. Este foi, inclusive, motivo de grande desgaste,uma vez que as organizaes haviam discutido exaustivamente junto Petrobras sobre a importncia dos agricultores receberem os insumos emtempo oportuno, o que acabou no acontecendo.

    Tambm comprometeu os resultados do projeto a falta de experi-ncia da Petrobras no trato com a agricultura familiar e a exigncia depadronizao na execuo de um programa que deveria considerar asespecicidades que se vericam nos agroecossistemas manejados pela

    agricultura camponesa em seus distintos biomas e contextos sociocul-turais e econmicos. Esse quadro culminou em constantes descompassosentre a logstica disponvel na CGS e as metas impostas pela Petrobrasbuscando o atendimento de parte da demanda de sua usina por matria-prima. E, como j foi dito, trata-se de uma demanda muito alm da capa-cidade produtiva regional no que se refere agricultura familiar.

    Diante dos descompassos acumulados nessa experincia e a partir de

    vises imprecisas do processo, alguns setores empresariais ou analistasde mercado podem atribuir os problemas do PNPB opo do governo deincentivar a participao da agricultura familiar. De fato, a questo daagroenergia est imersa em um processo extremamente complexo, queultrapassa a capacidade da organizao produtiva dos empreendimentosda agricultura familiar. Entretanto, essa questo deve ser analisada noapenas com uma viso racionalista e economicista, mas na perspectiva de

    inscrev-la numa engenharia poltica articulada a instrumentos efetivose aplicveis realidade regional, alicerada em elementos que rompamcom uma viso fragmentada e setorial da agricultura e dos agricultores eagricultoras (DAngelis, 2009).

    Frente a todos estes apontamentos existe a necessidade de um olharaguado para os novos rumos ou rearranjos da experincia em curso na

    Cooperativa Grande Serto. preciso visualizar e diferenciar o que ope-racional e estratgico na execuo do Programa de Biodiesel. Vale com-preender de que forma, junto a seus parceiros, a organizao reconhece

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    e interage com a complexidade e com as contradies que envolvem aproduo e uso dos agrocombustveis, e diante disso apresentar possibi-lidades de interao. A participao da CGS no PNPB permite entidadecapitalizar a atividade como mecanismo de estruturao da agriculturafamiliar local, garantindo infraestrutura logstica para projetos paralelosao programa (como o PAA, o PNAE e outros). Na mesma via, a constituioda unidade de multileos garantir prospectar novas oportunidades nomercado de leos para alm dos agrocombustveis. Dessa forma, a enti-dade car menos exposta s instabilidades do Programa.

    Referncias Bibliogrcas

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    zonte: Crislida, 2009.

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    7Socilogo - Mestre em Desenvolvimento Social - PPGDS/Unimontes, tcnico e pesqui-sador do CAA-NM. Email: [email protected]

    8 Engenheiro agrnomo, Msc., tcnico e pesquisador do CAA-NM. Email: [email protected] do Desenvolvimento do Nordeste.10Sindicatos de Trabalhadores Rurais.11Federao dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais.12Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.13Federao Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar.14Petrleo Verde Vale So Francisco Ltda.15Agncia Nacional do Petrleo, Gs Natural e Biocombustveis.16

    Cooperativa Mista de Produo, Industrializao e Comercializao de Biocombust-veis do Brasil, sediada no municpio de Palmeira das Misses-RS, com atuao em 63municpios da regio noroeste do Rio Grande do Sul.17Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.18Unio das Associaes Comunitrias do Interior de Canguu, sediada no municpiode Canguu-RS, que congrega 38 grupos e associaes de agricultores familiares.19O PAA gerido pela Companhia Nacional de Abastecimento / Ministrio da Agricultu-ra, Pecuria e Abastecimento (Conab/MAPA).

    Sites pesquisados

    http://www.hojeemdia.com.br/cmlink/hoje-em-dia/minas/agriculto-res-do-norte-de-minas-ter-o-r-15-mi-para-plantio-1.100783. Aces-

    so em 07/05/2010.www.agrosoft.org.br/agropag/213301.htm - Epamig desenvolve pes-

    quisas para utilizao da macaba para biodiesel. Acesso em:03/04/2010.

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    Este documento tem por objetivo apresentar e discutir os elemen-

    tos centrais da experincia do MST (Movimento dos Trabalhadores RuraisSem Terra) no estado do Cear, em articulao com entidades parceiras,referentes produo de plantas oleaginosas (em especial a mamona)para a fabricao de biodiesel. Ele foi elaborado a partir de informaescoletadas em visitas a campo em duas regionais do MST-CE, a de Monse-nhor Tabosa e a de Canind, ambas na regio central do estado (semiri-do), realizadas em janeiro de 2010.

    Histrico

    O tema da bioenergia passou a gurar intensamente na pauta doMST-CE a partir de 2005, quando a Empresa Brasil Ecodiesel e o GovernoFederal anunciaram grandes investimentos no estado do Piau no mbitodo PNPB (Programa Nacional de Produo e Uso de Biodiesel), com pre-

    viso de expanso para outras regies do Nordeste, em especial para oCear, Bahia, Pernambuco e Sergipe. O MST Nacional, MST-CE e o MST-PI

    2 - A Experincia do MST-CEna Cadeia de Agroenergia

    Ciro Eduardo Correa22

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    passam a acompanhar de perto o tema e a buscar conhecer as premissasda proposta promovida pela empresa e pelo Governo.

    Logo no incio deste processo os trabalhadores perceberam a lgica

    exploratria e dominadora embutida no Programa e rechaaram veemen-temente os projetos de integrao com a indstria. Pelo modelo suge-rido, a indstria determinaria todos os aspectos organizativos, produ-tivos, sociais, econmicos e ambientais, enquanto as famlias cariamreduzidas a mera mo de obra barata e sem direitos trabalhistas. Almdisso, a mamona deveria ser produzida em sistema de monocultura atre-lada indstria, o que comprometeria ainda mais os frgeis sistemas de

    produo dos assentamentos de reforma agrria da regio.Buscando cooptar as famlias para o fornecimento de mamona, a

    Brasil Ecodiesel passou a divulgar suas propostas no Cear e a promoverintercmbios, levando agricultores para conhecer o projeto do Piau, que

    j estava com sua formulao mais avanada. A empresa contou aindacom a parceria da algumas organizaes sociais, que j haviam aceitadoa proposta da empresa e aderido ao Programa, e da Ematerce (Empresa

    de Assistncia Tcnica e Extenso Rural do Cear), que atuou na difusoda proposta de integrao agroindustrial para a produo de biodieselno estado.

    A presso estabe-lecida entre os movi-mentos sociais e en-

    tidades parceiras doMST acerca do tema le-vou constituio deum grupo de trabalhopara a formulao depropostas alternativasao que estava sendo

    proposto pela BrasilEcodiesel e pela Petro-bras, que reuniu, alm Consrcio de mamona com abbora no Cear

    Foto:AcervodoMST-CE

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    do MST, o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), o MPA (Movi-mento dos Pequenos Agricultores), o Governo do Estado, Prefeituras e aFetraf (Federao Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agri-cultura Familiar). Neste processo, as organizaes que haviam aderidoao programa da empresa (que preconizava o plantio de 15 ha de mamonapor famlia, com estimativa de 1 t/ha quando o cultivo fosse solteiro)acabaram cando isoladas no debate.

    O MST-CE avanou ento no entendimento de que era necessria aconstruo de um projeto prprio da classe trabalhadora com relao produo de bionergia, inserido em uma estratgia mais ampla, que

    fosse capaz de acumular foras para a luta pela reforma agrria e pelasoberania alimentar e enrgica, e tambm que fortalecesse os sistemasprodutivos de base agroecolgica. Este trabalho de reexo coletiva deuorigem ao documento intitulado Nossas Linhas Polticas sobre o Biodie-

    sel, que sintetiza o pensamento poltico organizativo do MST-CE nestedebate e que passou a nortear a organizao nos fruns de discusso.

    Entre as principais orientaes do documento esto: evitar a mono-

    cultura e a expanso de reas desmatadas; no substituir culturas ali-mentares pelas destinadas produo de energia; no aceitar o pacotetecnolgico das empresas e manejar as lavouras em sistema agroecol-gico; fortalecer a cooperao na produo e na comercializao; e man-ter o controle da cadeia produtiva, desde a produo de sementes ato esmagamento, aproveitando ainda os subprodutos (para adubao eforragem).

    Posteriormente, com base nestas premissas e mobilizando sua basesocial, lideranas e dirigentes, o MST-CE elaborou uma projeo polticade curto e mdio prazos sobre o tema, intitulada Nossas Linhas de Ao

    para os Prximos 3 anos - 2008 a 2010. Suas principais orientaes di-ziam respeito mobilizao das famlias para avaliar os riscos e oportu-nidades da participao no PNPB e para organizar ncleos de produo;

    cooperao e produo e comercializao coletivas; capacitaoatravs de cursos, ocinas, seminrios e encontros sobre agroenergia,agrocombustveis, agroecologia e soberania alimentar e energtica sob

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    controle dos trabalhadores; e elaborao de materiais para dar suporteao trabalho de tcnicos/as, monitores/as, lideranas e agricultores/as.

    Alm disso, o documento propunha a conquista da autonomia na

    multiplicao das sementes de oleaginosas, incluindo a organizaode viveiros de mudas e bancos de sementes; a formao de uma equipetcnica composta por lideranas e tcnicos para elaborar e implementarprojetos e acompanhar a produo nos assentamentos e comunidades;e o fortalecimento das organizaes dos trabalhadores para viabilizarprojetos e estruturas locais, como a implantao de esmagadoras paraextrao de leo e pequenas usinas de biodiesel, buscando garantir a so-

    berania energtica e agregar valor produo.No plano mais poltico, o documento orientava a construo de rela-

    es de parceria e cooperao tcnica com pesquisadores, universidades,Embrapa, ONGs (sobretudo o Esplar, que atua na regio), bem como anegociao com governos, bancos, prefeituras e autoridades regionaispara a viabilizao de projetos. Tambm sugeria a elaborao de projetospara a obteno de crdito para custeio da produo, para as unidades

    extratoras de leo vegetal e para a produo de biodiesel de forma des-centralizada nos vrios municpios das regies interessadas.

    A participao do MST-CE no PNPB

    A partir de 2007, tendo j amadurecido suas posies sobre o tema

    junto sua base social e s entidades parceiras, o MST-CE passou a pau-tar a produo de biodiesel de forma propositiva, entendendo que estapoderia ser uma alternativa de desenvolvimento socioeconmico e am-biental, desde que preservada a coerncia com os princpios polticos daorganizao.

    Funcionamento do ProgramaNo Cear o programa de Biodiesel constitudo pela Petrobras e com-

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    plementado pelo Programa do Governo do Estado (Programa Biodiesel doCear), o que avaliado de forma muito positiva.

    Segundo os contratos rmados com a Petrobras Biocombustvel

    (PBio), a empresa compromete-se a comprar a mamona pelo preo es-tabelecido pela Bolsa de Valores de Irec - BA e a pagar pelo kg do grodescascado o valor mnimo de R$ 0,75 (a mamona com casca tem descon-to de 38 a 40% sobre o valor do kg). O Governo do Estado complementa opreo da Petrobras assegurando o preo mnimo de R$ 1,00 por kg. Na sa-fra 2009/2010, o preo pago s famlias oscilou entre R$ 1,05 e R$ 1,10/kg. Mais recentemente, a Petrobras deixou de usar a Bolsa de Irec como

    referncia e sua poltica para determinar o preo da mamona no clara.O preo baixo pago pela PBio tem, muitas vezes, induzido o rompimentode contratos por parte dos agricultores, que ao invs de entregar a pro-duo empresa, preferem vender para outros mercados onde encontrampreos melhores.

    A Petrobras fornece 50% das sementes de mamona e o governo esta-dual fornece os outros 50 %, alm de sementes de milho e feijo e alguns

    insumos como calcrio e boro. Estes insumos, entretanto, no so am-plamente utilizados pelas famlias, seja em funo da estratgia do MSTde valorizar a produo prpria de sementes e o uso de adubos orgnicos,seja pelos atrasos ocorridos na entrega das sementes pelo governo. Nasafra 2009/2010 o governo estadual forneceu tambm 40 mquinas paradebulhar a mamona, mas elas no funcionaram adequadamente, que-brando em torno de 40% dos gros e no realizando a limpeza requerida.

    Mas, de todos, o principal incentivo do governo produo de bio-diesel pela agricultura familiar o subsdio concedido implantao denovas reas de plantio. A promessa inicial era a de que o governo estadu-al repassaria R$ 200/hectare, at o limite de 5 hectares por famlia, paracompensar as despesas com a limpeza da roa e a colheita, mas o governologo recuou para o limite de 3 hectares, alegando falta de recursos. Para

    receber o incentivo exigido umstandmnimo de 3.333 plantas por hec-tare e necessrio que a assistncia tcnica mea as reas e faa o laudode vistoria.

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    Inicialmente, o Programa exigia tambm que os cultivos de mamonafossem solteiros, ou no mximo consorciados apenas com feijo. Essaexigncia foi revertida graas presso dos movimentos e, atualmente,para receber o incentivo obrigatrio o plantio consorciado.

    Todas as famlias cadastradas assinam contrato no momento do plan-tio, estabelecendo as condies de preo e pagamento. Este contratotem validade de 5 anos e no considerado uma amarra do agricultor indstria, e sim uma espcie de garantia de compra da produo paraas famlias. O grau de burocracia considerado grande, j que cada fa-mlia acaba tendo que ser inscrita em trs sistemas informatizados: o da

    Petrobras, o do Governo do Estado e o Sisdagri (Sistema de Cadastro doPrograma Biodiesel).

    A escolha das reas de produo

    No Cear existem mais de 30 reas de experimentao no cultivo deoleaginosas, conduzidas pelo MDA (Ministrio do Desenvolvimento Agr-rio) e pelo Governo do Estado, onde esto sendo testados diferentes sis-temas de produo de mamona, quase sempre irrigados e com enfoqueno aumento da produtividade. Itatira e Canind tm reas de experimen-tao apoiadas pelo MDA, onde se testa o cultivo consorciado e se buscaavaliar diferentes formas de preparo do solo, adubao etc.

    Para a implantao das reas de produo de biodiesel foram privile-

    giadas as regies onde havia maior concentrao de famlias assentadase maior potencial de produo. Um estudo realizado por uma empresade consultoria contratada pela Petrobras apontou que, devido grandeconcentrao de famlias assentadas e agricultores familiares, as regiesdo Canind e de Quixeramobim seriam estratgicas para a constituio deentrepostos de recolhimento e armazenamento temporrio de mamona.A partir desta avaliao, a Petrobras deveria identicar ali estruturas de

    armazenamento existentes ou constru-las.Canind considerada uma regio reformada, porm sofre pouca

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    inuncia poltica do MST devido aos problemas gerados por disputaseleitorais e paternalismo poltico de algumas lideranas, alm da fortereligiosidade.

    Por outro lado, a regio de Monsenhor Tabosa, alm de possuir diver-sos assentamentos, a que abriga o assentamento Santana, que umareferncia poltica e organizativa para o MST, com base social organizadae com diversas conquistas que o distinguem dos demais assentamentos.Quase metade da terra de Santana no agricultvel, mas as famliasconseguiram se desenvolver devido ao planejamento social do trabalho,com aes coletivas e semicoletivas como, por exemplo, armazenamento

    de forragens e solta do gado em conjunto.No por acaso, a produo de mamona na regio de Canind e ar-

    redores no atingiu as taxas estimadas pela consultoria, tendo sido delonge superada pela de Monsenhor Tabosa. Ou seja, a regio de maiorconcentrao de famlias agricultoras no foi a que concentrou a maiorproduo.

    Quanto regio do litoral, a avaliao de que a produo demamona invivel. Como alternativa, prope-se a produo de amen-doim. Entretanto, apesar de j existirem na regio cerca de 200 fa-mlias cadastradas para a produo do gro, esta discusso aindainiciante, a organizao local para viabilizar a produo ainda noest consolidada e a Petrobras ainda no se disps a comprar esteproduto. Uma alternativa aventada e logo em seguida descartada

    por razes polticas foi a de vender a produo para a empresa ADM.Estuda-se agora a negociao com a Conab (Companhia Nacional deAbastecimento / Ministrio da Agricultura) no mbito do Programa deAquisio de Alimentos (PAA).

    Tambm na lgica da diversicao das culturas visando a minimiza-o de riscos de dependncia em relao ao mercado da mamona, o MSTtem estimulado os agricultores ao plantio de girassol. O MDA, entretan-

    to, j sinalizou que o governo no dever mais investir nessa cultura noNordeste.

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    Primeiros resultados

    O MST realizou amplo debate com as famlias assentadas sobre oPrograma do Biodiesel, procurando inform-las o suciente para que

    pudessem decidir quanto a participar ou no, reforando, entretanto,a orientao poltica de nunca trocar um p de feijo por um p demamona.

    Em 2007/2008, ento, o MST deu incio ao trabalho, cadastrando220 famlias para a participao no PNPB junto Petrobras. As sementesde mamona foram distribudas pela Ematerce21. A coordenao do MST-CE inseriu-se no processo, organizando as famlias em ncleos de basee assumindo a medio das reas para a obteno do subsdio governa-mental, o que deu organizao um grande respaldo poltico junto sfamlias. Nesse ano agrcola, das 220 famlias cadastradas no Programa,186 de fato produziram mamona.

    Na safra seguinte (2008/09), j melhor estruturado para o trabalho,o MST conseguiu cadastrar cerca de 3 mil famlias. Entretanto, devido

    ao atraso da Ematerce para fornecer as sementes e escassez de chuvasnaquela safra, apenas 1.659 famlias produziram.

    A safra 2009/10 alcanou 840 toneladas que foram entregues Pe-trobras, alm das cerca de 10 t que sobraram no campo para serem reco-lhidas (repesca).

    Uma imposio fundamental do Movimento neste processo que me-

    rece ser destacada foi a de no ter pressa. A PBio pressionava pelo r-pido aumento da escala de produo, mas o Movimento teve a sabedoriade respeitar seus processos e operar na lgica da agricultura familiar, mi-nimizando os riscos: comeou com 100 agricultores e foi ampliando pau-latinamente at chegar, atualmente, a 3.000 agricultores cadastrados. Edestaca: so 3.000 agricultores que manejam sistemas produtivos commamona, e no de mamona.

    A compra pela Petrobras no Cear foi feita em 11 municpios, sen-do que somente na regio de Monsenhor Tabosa h 4 pontos de compra.

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    Santana um ponto de recebimento da produo em um raio de 12 kmde distncia. O ponto de apoio a cooperativa local, que possui infraes-trutura rstica de galpes. De l para a usina, a Petrobras contratou umaempresa de transporte.

    Mas relevante notar que, apesar de a Petrobras ter construdo umaplanta industrial no estado e estar fomentando o processo de produode mamona pela agricultura familiar, at o momento o produto no foiutilizado para a fabricao de biodiesel. Segundo a empresa, o volumeexistente no seria suciente para movimentar a unidade de processa-mento nem mesmo por trs meses. A Petrobras tem dito que uma tone-

    lada de leo de soja custa R$ 2 mil, enquanto uma tonelada de leo demamona custa de R$ 3,5 mil a R$ 4 mil. A mamona est sendo estocadae todo o biodiesel produzido nas usinas do Cear proveniente de soja ealgodo. Isso mostra que a produo de mamona para biodiesel no temsustentabilidade.

    No assentamento Santana, a estimativa de produtividade demamona apresentada pela Petrobras e Ematerce gira em torno de1 t/ha em sistema de monocultura, porm este modelo no foitestado e muito menos incorporado pelas organizaes sociais.J os tcnicos do Movimento avaliam que, nas melhores reas ecom boas chuvas, seria possvel estimar produtividade de at 1,8t/ha de mamona, cultivada em consrcio com milho, feijo e ou-

    tras plantas com menor presena. Na realidade, a mamona foi in-troduzida nos sistemas de produo j existentes e passou a sermais uma cultura entre os policultivos das famlias. Em alguns ca-sos conseguiu-se colher de 800 a 1.000 kg de mamona/ha, mas agrande maioria cou aqum de 500 kg/ha. No s a produtividade,mas a rea cultivada e a renda obtida pelas famlias foi muito va-riada, indo desde R$ 900,00 R$ 5.000,00.

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    O Projeto de Desenvolvimento do Biodiesel

    A partir da experincia destes primeiros anos, o Movimento elaboroue apresentou Petrobras um Projeto de Desenvolvimento do Biodiesel

    junto aos assentamentos, incluindo atividades organizativas, de capaci-tao e de assistncia tcnica. Em maro de 2009 o Projeto foi aprovadoe a Petrobras destacou ainda uma pessoa para intermediar o dilogo comos movimentos sociais do estado.

    Neste contexto, e considerando que outras alternativas de plantasoleaginosas para a fabricao de biodiesel ainda no se apresentam vi-veis, o MST identicou as regies prioritrias para a implantao de pro-

    jetos de produo de mamona.

    Um aspecto positivo a ser considerado foi a determinao do Movi-mento de contratar para o trabalho de assistncia tcnica somente as-sentados ou lhos de assentados (que tm participado de cursos e capa-citaes em agroecologia), o que garantiu que o enfoque agroecolgicona produo de mamona prevalecesse. Esta opo foi fundamental tam-

    bm para que os prossionais da assistncia tcnica olhassem para aspropriedades dos agricultores como um todo, e no s para o sistemaprodutivo da mamona.

    A assistncia tcnica e os monitores contratados pelo Projeto Bio-diesel tm agora o desao de trabalhar integrados assistncia tcni-ca contratada pelo Incra e executada pelo Sebrae (Servio Brasileiro deApoio s Micro e Pequenas Empresas), em articulao com o Movimento.A equipe do Projeto est organizada em 8 regionais, com 25 tcnicos denvel mdio, 60 monitores e 8 auxiliares administrativos. A perspectiva

    de avanar e romper com a frag-mentao que existiu no incio devido grande demanda detrabalho em funo do nmerode famlias a serem atendidas,

    a equipe tendeu a concentrar-seapenas nas atribuies espec-

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    cas da cadeia produtiva do biodiesel, correndo o risco de perder a visomais abrangente sobre a unidade de produo familiar.

    O MST-CE organizou ainda um Ncleo Gestor do Programa Biodiesel

    no estado. As famlias esto unicadas em torno de ncleos de base, ecada ncleo possui um articulador/a regional que vincula-se com as ins-tncias estaduais.

    Avaliao da experincia

    A relao com o Governo

    A relao com o Governo Federal e com o Governo do Estado bas-tante distinta quando se trata de concepo de desenvolvimento, e temsido mais fcil operar com o estado do que com a Unio. As propostasdo MDA so, de um modo geral, conservadoras. Seus representantes in-centivam a integrao com a indstria, so contrrios produo pr-pria de sementes (salvo se estiverem registradas), procuram reduzir os

    consrcios etc. J a Secretaria de Agricultura do Cear tem se mostradomais progressista, com maior abertura, inclusive impondo ao MDA algunsavanos importantes.

    O MDA tambm tem, cada vez mais, aumentado a burocracia para asfamlias que se subordinam relao com as empresas (que, nos conv-nios com a agricultura familiar, buscam a iseno de impostos promovidapelo Selo Social). Por exemplo, o Ministrio est eliminando a possibili-

    dade de assinatura de contrato e pagamento aos agricultores apenas como CPF, como foi feito at a safra 2009/2010. A partir de agora, est-seexigindo que as famlias tenham DAP (Declarao de Aptido ao Pronaf) econta bancria, o que diculta muito a participao no Programa.

    Outro problema apontado com relao ao excesso de burocracia que as atividades administrativas, como por exemplo a inscrio de cada

    famlia em trs sistemas informatizados, tm absorvido boa parte dostcnicos e da militncia.

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    O Movimento avalia que o MDA sofreu forte desgaste e est bastantedesacreditado pelas organizaes do campo, sobretudo por sua constan-te postura de incentivar a proposta de integrao com as indstrias sem,em nenhum momento, se dispor a contribuir na formulao de propostasalternativas junto aos movimentos sociais que buscassem maior susten-tabilidade dos sistemas de produo com um todo, e no apenas a obten-o de matria-prima oleaginosa.

    Demonstramos que o consrcio gera maior renda para as fa-

    mlias que o cultivo solteiro, por mais que caia a produo fsica

    por cultura. Conseguimos que a Petrobras aceitasse as sementes

    nativas de mamona (fgado de galinha, sangue de boi, rajadinha,

    mesquita) e tambm o plantio de variedades de feijo dos agricul-

    tores. Iniciaram distribuindo milho hbrido e agora passaram para

    o catingueiro. Perguntamos para a Petrobras: Qual o objetivo do

    programa no estado: aumentar a renda do agricultor ou aumentar

    a produtividade da oleaginosa? A partir desta questo, avaliou-se a

    pesquisa que apontava a maior rentabilidade do agricultor quando

    plantava consorciado e que a cultura do milho no poderia ser elimi-

    nada pela sua importncia no sistema de produo.

    Nenm, dirigente e coordenadora do Biodiesel no MST-CE

    A gerao de renda e a produo de sementes

    De um modo geral, as famlias agricultoras assentadas no Cear tmbasicamente o milho e o feijo como culturas agrcolas. O gado normal-mente destinado produo de carne e costuma servir de poupana. Amaioria das famlias que aderiu ao Programa do Biodiesel beneciria

    do Bolsa Famlia e tem sua renda complementada, eventualmente, pelocomrcio de algum bode, carneiro ou galinha na feira.

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    A gerao de renda eo consequente fortaleci-mento da segurana ali-mentar das famlias pro-movidos pela participaono PNPB constituem o as-pecto mais positivo destaexperincia. Em mdia,conseguiu-se uma rendade R$ 800,00/hectare: pouco, mas diante da ren-

    da das famlias, esse umadicional que faz diferena sobretudo considerando-se que as outrasprodues no foram comprometidas. Os agricultores relatam que com amamona deixaram de vender a cabra, a poupana da qual eles precisavamse desfazer no perodo em que no tinham nenhuma renda. Eles avaliam,alm disso, que a diculdade de s