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Agroecologia e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização

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2 Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.

Comissão EditorialAna Maria Dubeux GervaisIrenilda de Souza LimaGilvandro Sá Leitão RiosFlávio Henrique Albert BraynerGuilherme José de Vasconcellos Soares

FotosArquivo PDHC, Cláudio Gomes (PDHC) e Mário Farias (Diaconia).

Projeto Gráfi coDiego Jucá e Alba Almeida

Ficha Catalográfi caJ26a Jalfi m, Felipe Tenório, 1962 – Agroecologia e agricultura familiar em tempos de globalização: o Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro / Felipe Tenório Jalfi m. – Recife: Ed. do Autor, 2008. 160p. : il.

Inclui referências. 1. AGRICULTURA FAMILIAR – BRASIL – ASPECTOS SOCIAIS. 2. AGRICULTURA FAMILIAR – ADMINISTRAÇÃO. 3. AVICULTURA – BRASIL - ASPECTOS ECONÔMICOS. 4. ECOLOGIA AGRÍCOLA – BRASIL. 5. AGROSSILVICULTURA – BRASIL. 6. ASSOCIAÇÕES AGRÍ- COLAS – BRASIL. 7. ECONOMIA AGRÍCOLA. I. Título. CDU 338.1 CDD 338.1PeR – BPE 08-0363

Impressão Edições Bagaço

Recife, Pernambuco, junho 2008

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Índice

Agradecimentos

Sobre Parceiros

Apresentação

Prefácio

Pela Universidade de Córdoba / ISEC

Prefácio

Pela Universidade Federal Rural de Pernambuco /Curso de Licenciatura em Ciências Agrícolas (LA)

1. INTRODUÇÃO

1.1. O Problema e sua Relevância para a Agricultura Familiar

1.2. Objetivos

2. INDUSTRIALIZAÇÃO AGROALIMENTAR

DA AVICULTURA NO BRASIL

2.1. A Avicultura no Contexto da Modernização e Internacionalização

da Agricultura Brasileira

2.2. A Avicultura no Contexto da Consolidação dos Sistemas

Agroalimentares Globalizados

2.2.1. As Limitações Relacionadas ao Modelo Avícola Brasileiro

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3. O ENFOQUE AGROECOLÓGICO E O FORTALECIMENTO DA

CRIAÇÃO TRADICIONAL DE AVES COMO ALTERNATIVA AO

MODELO AVÍCOLA BRASILEIRO

3.1. O Conceito da Agroecologia

3.1.1. Elementos-chave do ponto de vista da Agroecologia para o Estudo

da criação de galinhas de capoeira na Região Semi-árida do Brasil

4. A CRIAÇÃO TRADICIONAL DE AVES NA REGIÃO SEMI-ÁRIDA

BRASILEIRA: UMA PRIMEIRA APROXIMAÇÃO

4.1. A Criação de Galinha de Capoeira no Brasil: Um Gigante Invisível

4.2. Importância dos Sistemas de Criação de Galinha de Capoeira para

os Agricultores Familiares

4.3. Características Principais dos Sistemas e Manejo da Criação de

Galinha de Capoeira Dentro da Lógica da Agricultura familiar no Semi-

árido Brasileiro

4.3.1. As Principais Limitações da Criação de Galinha de Capoeira

5. CONCLUSÃO

BIBLIOGRAFIA

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São tantas as pessoas que contribuíram para a realização deste trabalho, que me é difícil citá-las sem correr o risco de omitir alguém que de alguma forma deu uma contribuição importante. Entretan-to, apesar disto, na continuação eu tentarei mencionar as pessoas que a seu modo e em certos momentos de minha caminhada fo-ram decisivas para que eu pudesse conseguir chegar até aqui.

Agradeço aos professores Eduardo Sevilla Guzmán, Roberto Trujillo e Marta Soler por toda a orientação acadêmica, apoio profi ssional e atenção para a etapa de elaboração do presente trabalho. Neste grupo do ISEC incluo com muito carinho minha gratidão ao apoio das doutorandas Gloria Patricia Zuluaga e Mariane Carvalho Vidal e dos doutorandos Marcos B. Figueire-do e Jorge Roberto Tavares de Lima.

Com muito mais ênfase agradeço o incansável apoio que me foi prestado por Enriqueta Tello García, do México, e Guillermo Gamarra Rojas, do Brasil, com suas importantes contribuições teóricas e metodológicas ao presente trabalho.

Agradecimentos

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Agradeço a todos os meus amigos e amigas do Projeto Dom Helder / Ministério do Desenvolvimento Agrário e entre estes agradeço de uma maneira bem especial o apoio incondicional que me deram Espedito Rufi no e Fabio Santiago.

Através das pessoas de Félix Moreno e Guilheme Strauch agra-deço a todos os demais amigos e amigas do Mestrado em Agroecologia, que foram incríveis em termos de solidariedade, companheirismo, amizade e carinho durante os bons e difíceis momentos vividos durante a etapa presencial do mestrado em Baeza, Espanha.

Ao fi nal, mas não menos importante, agradeço o apoio cons-tante que me foi prestado por Daniel Blackburn, Yazna Bus-tamante, Ricardo Blackburn e por meus familiares, sobretudo, minha esposa Glauce Albuquerque, minha mãe Shirley Jalfi m, minha tia Terezinha Jalfi m e minha sogra Judite Albuquerque.

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Sobre Parceiros

O Projeto Dom Helder Camara (PDHC), vinculado à Secre-taria de Desenvolvimento Territorial (SDT), do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), que é resultado de um acor-do de empréstimo entre o Fundo Internacional para o Desenvolvi-mento da agricultura (FIDA) e o MDA, desenvolve ações referen-ciais para o desenvolvimento sustentável do semi-árido, voltado para agricultores/as familiares de assentamentos e comunidades rurais. É missão do PDHC contribuir para o desenvolvimento hu-mano, contemplando o fortalecimento da cidadania e a equidade de gênero, geração e etnia. É objetivo do PDHC fortalecer proces-sos locais, participativos e solidários de construção social. Esta construção é feita em parceria com movimentos sociais e organi-zações não-governamentais, parceiras de execução da assesso-ria técnica continuada, envolvidas no desenvolvimento territorial, na perspectiva da convivência com o semi-árido, gerindo recursos sócio-políticos, ambientais, culturais, econômicos e tecnologias.

Para alcançar os seus propósitos, o PDHC vem ampliando e fortalecendo suas linhas de ação, a partir de novas iniciativas

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como o Projeto Manejo Sustentável de Terras do Sertão (Pro-jeto Sertão), complementar e integrado ao PDHC. O Projeto Sertão é resultado de um acordo de contribuição fi nanceira não-reembolsável do Governo do Brasil, através do MDA/SDT, com o Fundo das Nações Unidas para o Meio Ambiente Mun-dial (Global Environment Facility – GEF);

O objetivo do Projeto Sertão é minimizar as causas e os im-pactos negativos da degradação de terras e da pobreza rural, através do desenvolvimento de uma cultura coletiva de gestão de conhecimento para o manejo sustentável dos recursos na-turais que contribua para a melhoria da qualidade de vida e o bem-estar das pessoas que dependem dos recursos naturais do semi-árido. A estes objetivos estão associados benefícios globais, como o uso sustentável da biodiversidade, contribuin-do para a preservação ou restauração da função e dos serviços proporcionados pelos ecossistemas da Caatinga, e o aumento da fi xação de gases de efeito estufa em agroecossistemas e áreas de conservação e preservação.

O Instituto de Sociologia e Estudos Camponeses (ISEC) da Universidade de Córdoba é um centro de pesquisa, for-mação e extensão agrária que desenvolve um programa de Doutorado em “Agroecologia, Sociologia e Desenvolvimento Rural Sustentável” na Universidade de Córdoba desde o biênio 1991 -1993, havendo sido reconhecida sua “excelência” pelos Ministérios da Administração da Educação e Ciência Espanhóis ao atribuir-lhe a qualifi cação de Doutorado de Qualidade em to-das as convocatórias até agora estabelecidas. A partir de 1996 o ISEC, junto com a Universidade Internacional de Andaluzia, organiza um “Mestrado por Investigação” sobre Agroecologia

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e Desenvolvimento Rural Sustentável em Andaluzia e América Latina. Este Mestrado é coordenado com o citado Programa de Doutorado, que surgiu da colaboração do Consórcio Lati-no-Americano de Agroecologia e Desenvolvimento (CLADES) e da Associação Latino-Americana de Educação Agrícola Su-perior (ALEAS) com o ISEC. O conteúdo dos oito mestrados desenvolvidos até o momento possibilitou a realização de mais de 200 investigações de campo, em mais de 20 países latino-americanos.

O critério prioritário para a admissão consiste na apresentação de um Projeto de Investigação que mostre a experiência do candidato no trabalho com comunidades de base, ainda que não necessariamente camponesas e/ou indígenas, que desen-volvam experiências agroecológicas com um potencial endóge-no transformador.

Ademais dos programas de Mestrado e Doutorado, o ISEC leva a cabo atividades de pesquisa e extensão agrárias aplicando o enfoque da Pesquisa – Ação Participativa na qual desaparece a separação funcional entre os dois tipos de ações referidos.

O Curso de Licenciatura em Ciências Agrícolas da Univer-sidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), funcionando há mais de trinta anos, tem contribuído para a formação de di-versas gerações de professores agrícolas, tanto para as Escolas Agrotécnicas, como para diversas agências de desenvolvimento no Brasil. Recentemente vem sendo discutido um novo projeto político-pedagógico, onde se incluem preocupações na linha de uma formação referenciada socialmente e de um olhar para a agricultura a partir da perspectiva de sustentabilidade.

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Dentro desta ótica, o curso vem desenvolvendo opções de en-sino, pesquisa e extensão a partir da teorização e de uma prá-tica social em comunidades rurais e urbanas. Para isso, tem contado com os seguintes apoios: Caixa Econômica Federal, através do PRODEC, que celebrou convênio para desenvol-vimento de trabalhos de organização comunitária e geração de renda, em conjuntos habitacionais de baixa renda; Instituto de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, através do PRO-NERA, para trabalhos nas áreas de assentamento de reforma agrária em Pernambuco; Prefeituras; Governo do Estado de Pernambuco; Associação Brasileira das Organizações Não-Governamentais (ABONG); Instituto de Planejamento de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico e Científi co (IPAD); SUDENE; DENACOOP do Ministério da Agricultura. Mais recentemente, vem recebendo apoio do Ministério de Desenvolvimento Agrá-rio, por intermédio do Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural da Secretaria de Agricultura Familiar, com os Cursos de Formação de Agentes de Ater na região Nordeste e o Seminário: “O estado da arte do ensino em Extensão Rural”, entre outros.

Devem ser destacados, porém, duas parcerias, sempre pre-sentes: O Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá e as Escolas Agrotécnicas Federais. O primeiro parceiro no trabalho por uma agricultura sustentável, o que implica um vigoroso re-pensar sobre o ensino das ciências agrárias que desenvolve-mos na UFRPE e o segundo viabiliza as oportunidades de práti-cas, pelos alunos da Licenciatura, de conteúdo e metodologias discutidas no curso.

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Os recursos naturais constituem a base dos sistemas produ-tivos agropecuários e fl orestais, especialmente em regiões de práticas agrícolas com baixo nível de utilização de insumos ex-ternos. Neste sentido, a degradação desses recursos constitui um dos problemas prioritários da região semi-árida brasileira, pois dessa matriz produtiva depende a maior parcela da so-ciedade local, a agricultura familiar. A produção de alimentos e outros bens tem como fi nalidade não só o auto-sustento como também a geração de renda, elementos indispensáveis para o bem-estar e para a reprodução do modo de vida da agricultura familiar na região.

Diversos atores locais de desenvolvimento têm buscado alter-nativas para reverter os processos históricos de degradação ambiental, exclusão social e pobreza, promovendo experiên-cias de desenvolvimento local com enfoque agroecológico.

Utilizando-se de uma abordagem territorial, o Projeto Dom Hel-der Camara (PDHC), nos últimos quatro anos, tem identifi cado

Apresentação

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algumas destas experiências, e a partir delas, tem estabele-cido relações de parceria com as famílias agricultoras, ONGs de assessoria técnica, movimentos sociais e sindicatos de trabalhadores rurais, fortalecendo ações de desenvolvimento humano integral. Trata-se de abordagens e práticas sociais e tecnológicas que, aos poucos, ganham densidade geográfi ca e adquirem coerência conceitual e metodológica em torno da Agroecologia. Tais avanços permitem atribuir a essas mobili-zações um caráter de construção coletiva da sustentabilidade sócio-cultural, econômica e ambiental.

O Projeto Manejo Sustentável de Terras no Sertão (Projeto Ser-tão), desenvolvido no âmbito do PDHC e coerente com a sua missão de atuar de forma complementar a ele, tem como obje-to central o desenvolvimento de agroecossistemas sustentáveis que gerem benefícios locais e globais. Para tanto, vale-se da mobilização territorial dos sujeitos e agentes do desenvolvimen-to em torno de um projeto compartilhado e da utilização de me-todologias participativas para geração de conhecimento, tendo como orientação os princípios da Agroecologia.

Algumas das experiências acima referidas se destacam pelo seu valor estratégico, especialmente aquelas relacionadas ao principal fator limitante do ambiente físico do semi-árido, a água. Exemplos dessas experiências incluem a barragem sub-terrânea, as barragens sucessivas, a cisterna de placas e suas variações, os avanços no campo da tecnologia apropriada de irrigação e manejo da água destinada à produção de hortaliças, tubérculos, frutas e outros alimentos.

As experiências relacionadas à criação de animais, porém, ain-

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da carecem de um maior amadurecimento e melhor explicitação dos conhecimentos existentes, dado que em poucas décadas tem ocorrido uma transição rápida dos sistemas extensivos tra-dicionais de criação para sistemas com menor disponibilidade de áreas livres para o pastoreio e, conseqüentemente, menor oferta de alimentos. Assim, constitui-se um grande desafi o o desenvolvimento de condições objetivas para que as famílias agricultoras possam equacionar o processo da degradação de terras causado principalmente pelo sobre-pastoreio. A questão, então, é como intensifi car os sistemas de criação de animais, de modo que sejam ecologicamente equilibrados e com resultados econômicos que continuem propiciando o desenvolvimento da cultura agroecossistêmica da agricultura familiar.

O presente livro traz uma contribuição para o enfrentamento desse desafi o. Partindo de uma análise focada na compreen-são dos sistemas tradicionais de criação de aves no semi-árido brasileiro, apresenta um enfoque agroecológico que permite um entendimento aprofundado da lógica camponesa. Apresenta ainda análises da situação atual e perspectivas dos sistemas tradicionais frente aos problemas locais e infl uências sofridas pelo processo de globalização da agricultura brasileira. Por fi m, traça uma abordagem teórico-metodológica baseada na Agro-ecologia que vai além dos sistemas tradicionais de aves, isto é, constitui uma abordagem útil para aqueles interessados em atuar em qualquer sistema de criação animal agroecológica jun-to à agricultura familiar.

Consideramos oportuno destacar que, ao apoiar a publicação deste livro, estamos cumprindo com a missão de sistematiza-ção e socialização de conhecimentos relevantes para a inser-

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ção da dimensão do desenvolvimento humano sustentável nas ações da assessoria técnica e dos órgãos ofi ciais de crédito e fomento agrícola, que atuam no apoio à agricultura familiar no semi-árido brasileiro.

Boa leitura a todos e todas.

Espedito Rufi no de Araújo Diretor Projeto Dom Helder Camara / Projeto Sertão

Guillermo Gamarra RojasCoordenador Projeto Sertão

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O presente texto é um Trabalho de fi m de mestrado do Progra-ma Inter-Universitário Ofi cial de Pós-graduação em Agroecolo-gia desenvolvido pelo Instituto de Sociologia e Estudos Campo-neses (ISEC) nas Universidades de Córdoba e Internacional de Andaluzia. Como Diretor Acadêmico deste programa, fi co muito grato em escrever estas linhas para mostrar a confi guração teó-rica que tem gerado o conjunto de pesquisadores participantes desde 1991; especifi cando como, neste processo de pesquisa e docência, cumpriram um papel fundamental investigações como a realizada por Felipe Tenório Jalfi m, que aqui apresen-tamos.

A evolução dos trabalhos empíricos que se foram realizando no referido marco acadêmico do ISEC começou movendo-se teoricamente dentro de uma crítica às Ciências Agropecu-árias e Florestais, ante a incapacidade destas para resolver os problemas sociais e meio-ambientais que iam surgindo com o processo de cientifi cação dos recursos naturais que foram originando as tecnologias que, ditadas pelo mercado,

Prefácio

Pela Universidade de Córdoba / ISEC

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iam sendo geradas. Diante disso, como um grupo de inves-tigadores, começamos a adotar a Perspectiva dos Estudos Camponeses; que se encontrava no marco interdisciplinar das Ciências Sociais e que, mediante metodologias partici-pativas fomos evoluindo para a transdisciplinaridade. Tal mu-dança consistiu, não só em introduzir aqueles elementos das Ciências Naturais necessários para compreender a natureza da agricultura industrializada e seu impacto sobre a natureza e a sociedade, mas também, e, sobretudo, em aceitar o co-nhecimento local camponês e/ou indígena como um elemen-to essencial para encarar os estragos que nas sociedades rurais e camponesas estavam gerando o Neoliberalismo e a Globalização.

Junto à dimensão agropecuária e fl orestal, era necessário in-troduzir a ecológica, não só formada do pensamento científi co, mas também construída a partir do local em forma participati-va e, mediante processos de refl exão, perceber a importância do político. Assim, a busca de soluções às formas de degra-dação, causadas por este tipo de manejo agroindustrial dos recursos naturais, levou-nos a desvelar a dualidade da ciência (como epistemologia e como estrutura de poder), e trabalhan-do com o povo até confi gurar nosso enfoque da Agroecología como pensamento pluriepistemológico que articula os conte-údos históricos das lutas libertadoras dos movimentos sociais camponeses e indígenas e os saberes locais sobre o manejo dos recursos naturais com os da ciência, como algo impres-cindível para obter a sustentabilidade, em sua dimensão social

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e política. Como assinalam dois dos primeiros graduados1 de nosso programa de doutorado, hoje professores do mesmo, Francisco Roberto Caporal e José Antonio Costabeber, (2002. “Análise Multidimensional da Sustentabilidade. Uma proposta metodológica a partir da Agroecologia”. Em: Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável. Porto Alegre/ RS. V. 3, nº 3; 70-85: 79): “a dimensão política da sustentabilidade tem a ver com os processos participativos e democráticos que se de-senvolvem no contexto da produção agrícola e do desenvolvi-mento rural, assim como com as redes de organização social e de representação dos diversos segmentos da população rural. Nesse contexto, o desenvolvimento rural sustentável deve ser concebido a partir das concepções culturais e políticas próprias dos grupos sociais considerando suas relações de diálogo e de integração com a sociedade maior através de sua represen-tação em espaços comunitários ou em conselhos políticos e profi ssionais em uma lógica que considere aquelas dimensões de primeiro nível como integradoras das formas de exploração e manejo sustentável dos agroecossistemas”. Entretanto, a na-tureza do sistema de dominação política em que se encontrem as experiências produtivas que se articula com a sociedade civil 1 Suas teses de doutorado se encontram entre as dez realizadas nas duas primeiras promovidas pelo ISEC, cinco das quais foram realizadas por pesquisadores brasileiros, estando localizadas no Sul do Brasil: quatro no Rio Grande do Sul e uma em Santa Catarina. Ademais foram desenvolvidas, em sua quase totalidade, para se implementar de forma coordenada com as organizações de pesquisa e extensão agrária daqueles estados. Apresentamos a seguir seus títulos, precedidos pelo nome dos autores; as cifras entre parêntesis correspondem às datas de leitura das mesmas no Programa de Doutorado: Joao Carlos Canuto, Agricultura ecológica en Brasil (18/02/ 98); José Antonio Costabeber, Acción social colectiva y procesos de transición agroecológica en Rio Grande do Sul, Brasil (15/10/98); Francisco Roberto Caporal, La extensión agraria del sector público ante los desafíos del desarrollo sostenible (13/11/98); Eros Marión Musoi Integración entre investigación y Extensión agraria en un contexto de descentralización del estado y sustentabilización de políticas de desarrollo: el caso de Santa Catarina, Brasil. (6/05/98); Joao Costa Gomes, Pluralismo metodológico en la producción y circulación del conocimiento agrario. Fundamentación epistemológica y aproximación empírica a casos del sur de Brasil. (20/10 99)

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para gerar estas redes de solidariedade tem muito a ver com o curso seguido pelas estratégias agroecológicas em sua busca de incidir nas políticas agrárias.

Em geral pode dizer-se que, na situação mundial atual, as dinâ-micas de ação agroecológica necessitam romper os marcos de legalidade para desenvolver seus objetivos; quer dizer que as re-des produtivas geradas cheguem a culminar em formas de ação social coletiva pretendendo adquirir a natureza de movimentos sociais. Entretanto, como aponta outro dos professores de nosso programa, Enrique Leff (2002, “Agroecología e saber ambiental”, em: Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável. Porto Alegre/RS. V. 3, nº 1; 36-51: 47), estes “movimentos sociais as-sociados ao desenvolvimento do novo paradigma agroecológi-co e a práticas produtivas no meio rural não são senão parte de um movimento mais amplo e complexo orientado na defesa das transformações do Estado e da ordem econômica dominante. O movimento para um desenvolvimento sustentável é parte de no-vas lutas pela democracia direta e participativa e pela autonomia dos povos indígenas e camponeses, abrindo perspectivas para uma nova ordem econômica e política mundial”.

Tanto na América Latina como na Andaluzia, desde meados dos anos oitenta, pesquisadores que mais tarde se agrupa-riam em torno do Programa da Agroecologia do ISEC (e ainda sem estabelecer qualquer coordenação com os nossos traba-lhos), fomos desenvolvendo análogos processos de acompa-nhamento às formas de ação social coletiva que iam gerando experiências produtivas alternativas ao modo de uso industrial dos recursos naturais. As ações camponesas e/ou indígenas em ambos os lados do oceano tinham análoga natureza de luta

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pela terra pretendendo, além disso, introduzir de forma inci-piente propostas produtivas com claros elementos agroecoló-gicos. Nosso trabalho, desde fi nais dos anos oitenta do século passado, foi evoluindo desde a observação participante como método inicial, até formas de interação onde nossa produção intelectual tomasse caminhos guiados pela dinâmica dos mo-vimentos camponeses e/ou indígenas que acompanhávamos, ao colaborar com eles na análise das políticas agropecuárias e fl orestais que lhes submetiam a situações de clara marginalida-de e exploração socioeconômica.

O contato que estabelece uma cooperação defi nitiva entre os, em certo sentido dispersos, pesquisadores latino-americanos e o ISEC, produziu-se como conseqüência de uma estratégia articulada pelo Consórcio Latino-americano de Agroecologia e Desenvolvimento (CLADES) para institucionalizar a Agroecologia na América Latina. Tal estratégia se iniciou com a organização, em Santiago do Chile, em setembro de 1991, de uma reunião CLADES-FAO sobre os currículos universitários em Agroeco-logia e Desenvolvimento Rural Sustentável para introduzir nas universidades os ensinos deste novo enfoque2, o que não pôde realizar-se apesar da frenética atividade que exibiu aquele grupo inicial. Não obstante, foi possível incorporá-lo a nosso programa de Doutorado da Universidade do Córdoba. A consolidação de-

2 Aquela reunião deu lugar a uma série de atividades nesta direção; como foi o Curso que (organizado por Guillermo Hang sobre Agroecología y Desarrollo Sostenible) administramos Miguel Angel Altieri (sobre os aspectos agronômicos) e eu (sobre os aspectos sociológicos) na Faculdade de Ciências Agrárias e Florestais da Universidade de La Plata; de onde uma semana mais tarde teve lugar a X Conferência da Associación Latinoamericana de Educación Superior (ALEAS) na cidade de Buenos Aires de 23 a 28 de maio de 1993. ALEAS é uma associação formada por todos os reitores das Faculdades de Ciências Agropecuárias e Florestais da América Latina (em alguns casos se incluem a Veterinária, rompendo o tradicional corporativismo acadêmico prevalecente) e conseqüentemente o cenário ideal para apresentar a introdução do novo enfoque em seus currículos.

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fi nitiva do grupo latino-americano de professores do ISEC teve lugar em inícios de 1995, quando se desenvolveu um Ciclo de Seminários Internacionais de Agroecología e Desenvolvimento Sustentável na Universidade Internacional da Andaluzia (UIA), que precederam a criação do Mestrado para a América Latina, que desde então ali se tem realizado.

Foi assim como se gerou a experiência educativa e de pes-quisa (os oito primeiros mestrados, prévios ao atual Programa Ofi cial de Pós-graduação de Doutorado mais mestrado, tinham uma natureza do “Master by Research”3, com a possibilidade de trabalho de campo durante dois anos, antes de apresentar a Tese), realizada para fortalecer as dinâmicas produtivas que se estavam levando a cabo, tanto nos diversos países latino-americanos de onde procediam os alunos – que em sua grande maioria traziam uma larga experiência das ONGs e/ou Univer-sidades onde desenvolviam suas atividades –, como na An-daluzia, mediante os acompanhamentos que desenvolvíamos através do ISEC. Estes últimos constituíram o marco da nova universidade andaluza (UIA) como campo de ação, para mos-trar os resultados de nossa interação / pesquisa com as expe-riências agroecológicas produtivas com que trabalhávamos e que serviam como como agroecossistemas de gestão familiar onde se desenvolviam os “trabalhos práticos de campo” dos distintos cursos administrados.

Foi em certa medida a experiência adquirida como conse-qüência das pesquisas realizadas por parte dos alunos no ISEC (para obter os referidos graus de “Doutor” e “Mestre por In-

3 Ao adotar-se a modalidade britânica durante o funcionamento como título universitário próprio da UIA.

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vestigação”) o que fortaleceu a interação com os movimentos sociais latino-americanos que realizavam uma agricultura de base ecológica; permitindo-nos, ao mesmo tempo, uma con-trastação com o trabalho que realizávamos na Andaluzia. Este intercâmbio contribuiu, sem dúvida, para um forte componente no desenvolvimento de bases teóricas e metodológicas com as que fundamentamos nossa proposta agroecológica.

É importante ressaltar aqui a participação dos alunos latino-americanos, em geral, e os brasileiros, em especial, do Pro-grama de Doutorado do ISEC na dinâmica de articulação de dissidências ao Neoliberalismo e a Globalização econômica desde os diferentes movimentos sociais, nos que, em não pou-cos casos, apareciam experiências produtivas que a agroecolo-gia, que estávamos construindo, podia fortalecer. Isso fez com que nos envolvêssemos naquela dinâmica, que teve diferentes manifestações em distintos países do mundo, fortalecendo me-diante a participação do ISEC os espaços de debate que iam surgindo. Neste sentido, teve grande interesse nossa participa-ção na dinâmica contra a pretendida bondade do “livre comér-cio mundial” impulsionada pela articulação transnacional dos estados no contexto da campanha “50 Anos Bastam” contra o meio século de existência das instituições fi nanceiras globais (FMI e BIRD); que culminou no Foro Alternativo “As Outras Vo-zes do Planeta” que se desenvolveu em Madrid, no outono de 1994. Foi neste contexto, de interação com os movimentos so-ciais rurais latino-americanos, que surgiu nossa interação com o Movimento Zapatista; com o qual, por outro lado, as orga-nizações camponesas andaluzas com as que trabalhávamos

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também mantinham contatos praticamente desde seus inícios4. Assim, foram na Andaluzia – através da interação ISEC com os movimentos camponeses – onde apareceram os primeiros co-mitês de apoio ao EZLN5, primeiro, e ao MST6, depois, que logo se estenderiam pelo resto da Europa e demais continentes.

Em sua dinâmica de resistência e luta informacional, o EZLN convocou o II Encontro Intergaláctico contra o Neoliberalismo e pela Humanidade na Espanha, mediante uma celebração iti-nerante por várias comunidades que, organizadas pela articu-lação peninsular de movimentos sociais, eram impulsionadas pelos comitês zapatistas locais. O ato de “encerramento” teve lugar no Indiano, sítio cuja propriedade foi obtida após longos anos de luta com ocupações e prisões de “camponeses sem terra,” com quem trabalhava o ISEC, convertendo-se em uma das experiências produtivas agroecológicas nas que se desen-volviam as práticas do Mestrado e Doutorado, junto a outras cooperativas agroecológicas dentro das quais se desenvolve-ram as pesquisas, em cuja refl exão e prática sócio-política e produtiva surgiu um modelo da agroecologia andaluza.

Mas se a contribuição brasileira foi importante na fase inicial de

4 Cf. Eduardo Sevilla Guzmán (2006: Perspectivas agroecológicas desde el pensamiento social agrario (Córdoba: Servicio de Publicaciones de la Universidad de Córdoba / Instituto de sociología y Estudios Campesinos; 285: cap. 1) e Sevilla Guzmán e Joan Martinez Alier, (2006 “New rural social movements and Agroecology” (con Joan Martínez Alier) editado por P. Cloke, Terry Marsden and P.Mooney, Handbook of Rural Studies (London: SAGE Publications: 472-483) de onde damos conta desta histórica relação entre movimentos camponeses de ambos os continentes.

5 Nele teve um papel central Jorge Morett Sánchez, professor de Antropologia da Universidade de Chapingo e uma das primeiras Teses de doutorado do Programa de Doutorado do ISEC (Las empresas multinacionales en la agricultura española, lida em julho de 1997).

6 O estabelecimento do primeiro Comitê de Apoio ao MST se produziu graças a coragem dos alunos brasileiros do Doutorado do ISEC, especialmente Roberto Vicentín e Francisco R. Caporal.

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confi guração do Mestrado (a partir dos alunos do Doutorado), por sua contribuição à interação com os movimentos sociais, esta foi ainda maior quando estes começaram a intervir nas po-líticas públicas brasileiras, primeiro no Governo do Rio Grande do Sul (durante sua época de “Estado da Participação Popu-lar”), tentando introduzir a Agroecologia na Extensão Agrária; depois, no Governo Federal quando do início do governo Lula; e fi nalmente, nos últimos anos, ao INTA argentino fortemente infl uenciado pelo apoio brasileiro à agricultura familiar. Isso de-terminou que a maior parte dos professores e um bom número de estudantes do Programa de Doutorado e Mestrado7 colabo-rassem ativamente em tais processos.

O fato de que o presente texto seja publicado é especialmente signifi cativo como amostra da importância da contribuição bra-sileira ao nosso Programa de Pós-graduação; mais ainda, se se levar em conta que a pesquisa de Felipe Tenorio Jalfi m está ain-

7 Alguns dos professores e alunos participantes da implementação das referidas políticas públicas são as seguintes: Miguel Angel Altieri (University of California. Berkeley); Mirem Etxezarreta (Universidad Autónoma de Barcelona); Roberto García Trujillo (Universidad de Córdoba); Steve Gliessman (University of California, Santa Cruz); Manuel González de Molina (Universidad de Granada. Investigador del ISEC); Enrique Leff Zimmerman (Coordinador de la Red de Formación Ambiental del Programa de las Naciones Unidas para el Medio Ambiente PNUMA); Joan Martínez Alier (Universidad Autónoma de Barcelona); Jan Douwe van der Ploeg (Agricultural University of Wageningen); Peter Rosset (University of California, Berkeley); María Salas (Universiteit Nijmegen); Alfred Siemens (University of British Columbia); Hermann J. Tillman (Universidad de Hohenheim); Victor Manuel Toledo (Centro de Ecología de la U.N.A.M.-México); Graham Woodgate (Wye College, University of London); Stephan Rist (Universidad de Berna) e Tomás Rodríguez Villasante (Universidad Complutense de Madrid); Antonio Lattuca e Graciela Ottmann (CEPAR, Rosario); Carlos Alemany, José Luis Zubizarreta (INTA, Argentina); Susana Aparicio e Roberto Benencia (UBA, Argentina). Entre os participantes brasileiros vinculados ao ISEC, como formados ou com pesquisas em curso, o número é muito maior; entre estes estão: João Carlos Canuto, João Costa Gomes, Marcos Flavio Silva Borba e Joel Enrique Cardoso (EMBRAPA), Francisco Roberto Caporal, José Antonio Costabeber (EMATER), Eros Marión Musoi (EPAGRI); Canrobert Casta Neto (CPDA, Universidade do Rio de Janeiro) e o importante núcleo da Universidade Federal Rural de Pernambuco, integrado por Jorge Roberto Tavares de Lima, Marcos B. Figueiredo, Tirso Ramón Rivas e Josenildo de Sousa e Silva, entre outros.

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da em sua fase de gestação. Com efeito, o trabalho possui uma fi nura teórica que revela claramente a larga experiência acumu-lada pelo autor em sua convivência com a agricultura familiar do semi-árido brasileiro. Sua análise do setor avícola industrial desvela com contundência as defi ciências meio-ambientais que possui este, ao mostrar a insustentabilidade ecológica e social que arrasta a trajetória da modernização e globalização da avi-cultura brasileira. Por outro lado, a aplicação do marco teórico da Agroecologia à criação de galinhas de capoeira/caipira cons-titui uma novidade de grande interesse; ao saber selecionar os elementos - chave que levem à posterior elaboração de uma consistente proposta. Tal novidade se transforma em algo mais relevante ainda ao introduzir uma perspectiva de gênero e incor-porar como objetivo o empoderamento da mulher, através da criação de galinhas. Finalmente, sua aproximação à análise da criação tradicional de galinhas no semi-árido mostra a importân-cia que esta tem para a agricultura familiar, ao mesmo tempo em que constitui já em si uma válida sistematização para introduzir um posterior fortalecimento agroecológico de tal manejo.

Eduardo Sevilla GuzmánDiretor do ISEC / Universidade de Córdoba, Espanha.

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O Livro intitulado “Agroecologia e Agricultura Familiar em Tem-pos de Globalização – O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro”, de autoria de Feli-pe Tenório Jalfi m, objeto de sua dissertação defendida junto à Universidade de Córdoba, Espanha, pela temática que aborda, apresenta uma forte intersecção com o Curso de Licenciatura em Ciências Agrícolas. O livro não somente evoca a importância da valorização do conhecimento tradicional como conhecimen-to válido e necessário para o desenvolvimento de agriculturas sustentáveis, com ênfase o papel da mulher, mas também (re)coloca no centro da discussão a incompatibilidade do paradig-ma dominante com os fundamentos da Agroecologia, conce-bida enquanto paradigma emergente. Neste ínterim o trabalho questiona os desdobramentos da aplicação do conhecimento técnico-científi co no campo, que se materializou de forma he-gemônica e excludente com o advento do modelo agroindus-trial. O fato dos riscos da gripe aviária ameaçarem a autonomia da produção da galinha de capoeira, atividade secular típica da

Prefácio

Pela Universidade Federal Rural de Pernambuco /Curso de Licenciatura em Ciências Agrícolas (LA)

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agricultura familiar, parece ser bastante revelador nesse senti-do, mas sobretudo revela a urgência e a necessidade de se re-pensar as bases que orientam e estruturam o arcabouço cien-tífi co e tecnológico do modelo industrial de agricultura, que tem se colocado pretensamente como caminho único (“universal”) da agricultura, em detrimento de outros modelos sabidamente mais sustentáveis.

Não é por acaso que essa refl exão faz eco dentro dos muros da universidade, em especial no curso de Licenciatura em Ciências Agrícolas (LA), que tem se pautado não só por desenvolver uma metodologia diferenciada do ponto de vista pedagógico com a adoção de eixos integradores e interdisciplinares no processo de construção do conhecimento, mas também como protago-nista de uma articulação com os agricultores camponeses e movimentos sociais do campo através de mecanismos de troca de conhecimento entre professores, estudantes e as famílias camponesas. Exemplo disso são os vários e ricos eventos de formação social e técnica realizados pelo Curso de LA no âmbi-to do ensino, como os Estágios de Vivência, Semanas do Meio Ambiente, Prêmio Mata Atlântica, Seminários sobre Agroecolo-gia e mais recentemente sobre o “Ensino de Extensão Rural no Brasil”, entre tantas outras atividades que estão contribuindo para uma formação profi ssional socialmente referenciada na re-alidade nordestina e brasileira.

Jorge Luiz Schirmer de Mattos Coordenação de LA/UFRPE

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Por que escrever um livro sobre a criação de galinhas de capo-eira no Brasil? Qual a importância de apresentar um trabalho sobre algo tão inexpressivo, quando existem tantas coisas mais interessantes e relevantes para serem estudadas e divulgadas dentro da Agroecologia? Por que estudar esse tipo de criação de galinha já que atualmente o Brasil é o principal exportador de frango do mundo? O que tem a ver a modernização e a globalização da agricultura brasileira com as galinhas do quintal de uma simples agricultora familiar? Não seria mais racional e barato para as agricultoras familiares comprar frango e ovos produzidos pelas granjas industriais que produzir em seus quin-tais? Que importância tem essa atividade para a agricultura fa-miliar brasileira?

1.Introdução

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Tais perguntas, entre tantas outras sobre o tema, as pessoas me fazem há três anos, quando comecei a compartilhar minha decisão de que a criação de galinhas de capoeira seria meu tema de estudo no âmbito de um mestrado em Agroecologia. As perguntas vinham de todas as direções, inclusive de pes-soas alheias às ciências agrárias. Mas, são precisamente as pessoas desta área as que mais questionam a relevância de meu tema de estudo.

Entretanto, tais perguntas aumentaram meu interesse e con-vicção sobre a importância do tema. Ainda que, em realida-de, tenho estado interessado neste tema já faz quase 20 anos, quando fui viver na zona rural da região semi-árida e iniciei uma larga convivência cotidiana com os agricultores e agricultoras familiares, onde tive a oportunidade de contribuir em processos de intercâmbio de conhecimentos como forma de ampliação da capacidade de resistência dos agroecossistemas tradicio-nais frente aos efeitos da seca1.

Entre os intercâmbios de conhecimentos que pude vivenciar, a criação de galinhas de capoeira me chamou a atenção pelo grande conhecimento das mulheres no manejo de suas gali-nhas e outras aves, como também por seu interesse em buscar alternativas para melhorar suas estratégias de produção e co-mercialização. Já naquele tempo fi zemos vários experimentos participativos e inclusive um diagnóstico sobre a criação de ga-linhas de capoeira e outras aves.

1 Esta inserção fazia parte de um movimento mais amplo, o qual buscava uma mudança no enfoque das políticas públicas para esta região; se tratava de mudar o enfoque de combate à seca para o enfoque de convivência com a seca. Esta visão e estratégia de ação eram promovidas por uma articulação entre o movimento sindical dos trabalhadores rurais, as ONGs, as Igrejas e o Projeto Tecnologias Alternativas (PTA).

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Depois desse período, já trabalhando no âmbito governamental2, fazendo a gestão de fundos de projetos de fomento ao desenvol-vimento produtivo e social em comunidades de agricultura fami-liar e assentamentos da reforma agrária no semi-árido brasileiro, me reencontrei com as galinhas, ou melhor, com as agricultoras familiares e seu interesse pela criação de galinhas de capoeira.

Na tarefa cotidiana de analisar e aprovar os projetos me dei con-ta de aspectos interessantes e, ao mesmo tempo, preocupan-tes no que tange o âmbito de produção de galinhas de capoei-ra. Primeiro, percebi uma crescente demanda das agricultoras familiares por projetos que respondessem a seus desejos de contribuir para o aumento da renda e da segurança alimentar de suas famílias. Segundo, notei que a maior parte dos proje-tos elaborados com o apoio dos/das assessores/as técnicos/as apresentavam fragilidades metodológicas e técnicas no tema específi co da criação de galinha: consideravam de maneira insu-fi ciente os conhecimentos das mulheres no tema e/ou tendiam à formulação de sistemas “alternativos” e ecológicos em uma linha que se aproximava daquela de substituição de insumos, e em alguns casos, até tentavam reproduzir a lógica industrial de criação de frangos e/ou de galinhas de postura através de uma adequação desta às condições da agricultura familiar.

Por outro lado, nossas respostas aos assessores técnicos eram igualmente genéricas, sem sugerir um caminho a uma criação

2 Projeto Dom Helder Camara (www.projetodomhelder.gov.br), que é resultado de um acordo de empréstimo entre O Fundo Internacional para o Desenvolvimento da Agricultura (FIDA) e o Ministério do Desenvolvimento Agrário do Brasil (MDA). Este projeto tem por objetivo apoiar ações de desenvolvimento humano sustentável com foco na agricultura familiar em comunidades rurais e áreas de reforma agrária no semi-árido do Brasil. É executado em cooperação com os movimentos sindicais e sociais e mais de 50 ONGs, que assessoram diretamente cerca de 12.000 famílias.

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sustentável de galinhas de capoeira. Mais ainda, diante da es-cassez de informação sobre o tema, tampouco conseguíamos ajudá-los indicando-lhes onde buscar as referências teóricas e metodológicas para a construção de propostas verdadeira-mente sustentáveis.

Toda esta situação somada ao recente risco da chegada da gri-pe aviária no Brasil, e o fato de que as indústrias transnacionais do frango em geral estão usando a mídia global e os próprios Estados para colocar a culpa do surgimento e dispersão deste vírus na criação da galinha de capoeira e nas aves silvestres, não só consolidou meu interesse e inquietude pelo tema, como também o fez urgente e insubstituível. Entre outros motivos, por-que ele mesmo é bem mais complexo do que parece a primeira vista e, sobretudo, porque existem poucas e dispersas informa-ções sistematizadas sobre o mesmo desde uma perspectiva que considere a agricultura familiar3 e/ou a Agroecologia.

O presente trabalho é, portanto, uma primeira aproximação ao tema, realizada com base na confrontação da informação bi-bliográfi ca e demais tipos de literatura disponível com minha ex-periência adquirida em vários anos de convivência com famílias de agricultoras familiares na região semi-árida do Brasil.

O trabalho está organizado em cinco partes centrais: esta primeira propõe o problema de estudo numa dimensão mais ampla e seus

3 É importante ressaltar que neste trabalho se assume o conceito de agricultura familiar considerando que a agricultura camponesa tradicional no Brasil é a principal parte dentro desta. Portanto, em vários momentos deste trabalho se utilizam os termos agricultura familiar e camponesa e suas derivações com o mesmo sentido. O aspecto-chave utilizado para o conceito de agricultura familiar está centrado naqueles que manejam a terra, tendo-a ou não sob sua posse, através do emprego predominante no tempo e espaço da mão-de-obra familiar, buscando alcançar a produção agrícola e pecuária necessária à sua sobrevivência presente e futura.

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objetivos; na segunda parte, se faz uma análise do setor avícola industrial e seus riscos ambientais, socioeconômicos e efeitos sobre a criação de galinhas de capoeira praticada pela agricul-tura familiar; a terceira apresenta a Agroecologia como resposta, através de uma construção teórico-metodológica que fortaleça a criação de galinha de capoeira como alternativa ao modelo aví-cola industrial e a quarta faz uma primeira aproximação à criação de aves no semi-árido brasileiro. Finalizando, apresenta-se uma breve conclusão, onde se propõe elementos para aprofundar o tema em estudos futuros, a partir de uma perspectiva agroecoló-gica com um enfoque participativo e que leve à ação.

1.1. O Problema e sua Relevância para a Agricultura Familiar

Apesar da grande importância da criação de galinhas de capo-eira nos agroecossistemas tradicionais pelo papel que desem-penham na soberania alimentar, geração de renda e no empo-deramento das mulheres no meio rural brasileiro, historicamente as políticas públicas têm esquecido esta atividade.

Essa falta de atenção ao setor da agricultura familiar por parte das políticas públicas não é casual, mas que constitui uma das en-grenagens do proces-so de modernização e internacionalização da agricultura brasileira, que exclui esse tipo de organização da produ-ção agrícola.

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Neste sentido, o complexo avícola industrial representa aquele setor que mais incorporou o modelo neoliberal via absorção do processo de internacionalização da agricultura brasileira, tanto em investimentos fi nanceiros de empresas transnacionais como na importação (transferência) de tecnologia dos países ricos.

Portanto, em poucas décadas o modelo industrial se tornou he-gemônico na produção de frango e ovos no Brasil. Tal modelo foi desenvolvido dentro dos paradigmas da “revolução verde” e do processo de globalização dos sistemas alimentares, tendo como característica principal a concentração desta atividade produtiva em mãos de poucas empresas nacionais e transnacio-nais, em detrimento da participação dos agricultores familiares na mesma. É uma atividade baseada na concentração e neces-sidade de investimento de capital fi nanceiro e na dependência do uso intensivo de insumos externos aos agroecossistemas e de pacotes tecnológicos importados. Um exemplo disto são as linhas comerciais de frangos e galinhas de postura no Brasil que são quase todas importadas. Com efeito, as linhas híbridas de frango utilizadas no mundo pertencem a umas poucas com-panhias transnacionais, as quais selecionaram estas raças para a produção em ambientes controlados e com elevado uso de ração, insumos e fármacos (Pont Andrés, 2005).

Com o apoio regular de políticas públicas de fomento, com que as iniciativas da revolução verde historicamente contaram durante vários governos, e pela intensiva associação às cor-porações agroalimentares transnacionais, a avicultura industrial brasileira se desenvolveu rapidamente, chegando hoje a ocupar o primeiro lugar na exportação de frango no mundo, tanto em volume de produção como de renda, na frente dos Estados

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Unidos. Também ocupa o sétimo lugar quanto ao volume de ovos produzidos mundialmente. Da mesma maneira, a avicul-tura industrial já invadiu todo o mercado nos grandes centros urbanos do Brasil e está se expandindo de maneira rápida e agressiva para os mercados locais do meio rural.

Tal condição da avicultura industrial brasileira, expressada por sua contribuição no superávit comercial e pelo aumento nacional no consumo per carpita de ovo e frango, faz do complexo industrial avícola um dos ramos mais fortes do agronegócio brasileiro. Isso lhe permite atuar com uma força econômica e política, infl uen-ciando fortemente as políticas públicas para o setor agrário e im-pondo normas sanitárias cada vez mais restritivas à continuidade da participação do agricultor familiar na produção de frangos e ovos, seja para seu autoconsumo, comercialização ou ambos.

Em outras palavras, progressivamente as empresas transnacio-nais limitam a soberania alimentar nos países em desenvolvimen-to através de uma defesa de seus interesses corporativos em detrimento de políticas que estimulem uma produção de alimen-tos baseada no fortalecimento da agricultura familiar e no manejo sustentável de seus agroecossistemas (Sevilla Guzmán, 2006a).

A transnacionalização da avicultura nacional, uma vez que es-timula fortemente a expansão das empresas do agronegócio de soja e milho, que estão baseadas em pacotes tecnológicos que incorporam desde grandes monoculturas mecanizadas aos cultivos transgênicos, representa uma das expressões recentes mais perversas do processo de modernização do campo bra-sileiro. Os impactos negativos da modernização do meio rural sobre os recursos naturais e as comunidades de agricultura fa-

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miliar são semelhantes em todo o mundo, sobretudo nos países em desenvolvimento (Toledo, 2006/2007a). Em geral, o modelo de produção “moderna”, orientada ao mercado, viabiliza-se a partir de custos ecológicos elevados, de uma especialização espacial, produtiva e humana. Seus impactos mais fortes estão relacionados ao esgotamento dos recursos naturais e à ten-dência de substituir as comunidades de agricultura familiar por formas “modernas” de produção (Toledo, 2006/2007a).

Ainda que na região Nordeste do Brasil, onde se localiza a maior parte do semi-árido do país, o setor avícola industrial não tenha uma capacidade produtiva e de avanço sobre os mercados comparável às regiões Sul, Sudeste e Centro Oeste, a agricul-tura familiar desta região também perde cada vez mais espaço para o setor industrial no mercado de frango e ovos.

Esta perda de mercado do produto da agricultura familiar não é somente a favor das indústrias localizadas na própria região Nordeste, que vêm se expandindo amplamente nas últimas décadas, mas é também a favor das maiores corporações do frango com sede no Sul e Sudeste do país, que conseguem exportar frango congelado e uma enorme gama de seus deri-vados para toda a região Nordeste.

O maior impacto que incide sobre a agricultura familiar está relacionado à perda progressiva dos mercados locais das pe-quenas e médias cidades do meio rural, onde historicamente a agricultura familiar encontra um bom espaço para a venda de frango e ovos. Isso signifi ca um défi cit importante na en-trada de renda para as famílias de agricultores familiares, que seguramente resultam em mudanças e debilidades ainda pou-

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co conhecidas nas estratégias de diversifi cação da produção, construídas durante centenas de anos pelas famílias no manejo dos agroecossistemas desta região.

Ademais dos processos até agora mencionados, a criação de galinha de capoeira desenvolvida pela agricultura familiar ten-de, geralmente, a ser considerada como uma atividade mar-ginal, com pouca ou nenhuma importância socioeconômica nos agroecossistemas. Este fato tem ocorrido de forma geral, simplesmente por ser uma atividade de responsabilidade das mulheres agricultoras, em um contexto de uma sociedade rural marcada pelo patriarcado e machismo. Tal sociedade historica-mente faz invisível o papel que têm as mulheres no desenvolvi-mento da agricultura. Portanto, parece que tal fato tem contri-buído também para o afastamento dos meios acadêmicos, da investigação aplicada e da extensão rural. Ou seja, o fato de ser uma atividade considerada marginal, invisível do ponto de vista socioeconômico, não agrega reconhecimento e status acadê-mico, técnico e científi co a quem se envolva com este tema.

Por outro lado, na região semi-árida4 do Brasil (fi gura 1), apesar do contexto adverso ocasionado pelos motivos acima men-

4 Vale salientar que dados do INCRA/FAO (Guanziroli, 2000) demonstram que a região Nordeste possui 2.055.157 estabelecimentos familiares, quer dizer, 49,6% do total de estabelecimentos familiares do Brasil. Como o semi-árido brasileiro representa 59,25% da área total do Nordeste do Brasil (CNRBC, 2004) e nas demais regiões do Nordeste predominam os latifúndios e fazendas pecuárias, pode-se concluir que a maior parte dos estabelecimentos familiares do Nordeste se concentra na região semi-árida. Esta região é caracterizada por uma precipitação média abaixo de 800 mm ao ano, com médias anuais inferiores a 400 mm, com chuvas que se distribuem de forma irregular no tempo e espaço, com ocorrências de grandes períodos de secas. A evapotranspiração potencial é elevada, cerca de 3.000mm anuais. É uma área heterogênea de paisagens e povos diversos, com áreas densamente povoadas e grandes vazios demográfi cos (Gamarra-Rojas, 2006). A Caatinga é a vegetação predominante no semi-árido e se caracteriza por ser uma vegetação que varia de savanas arbustivas a bosques secos, passando por afl oramentos rochosos dominados por cactos e bromélias, até bosques perenes de altitude (Velloso, Sampaio & Pareyn, 2002).

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cionados, percebe-se que as mulheres agricultoras continuam buscando inúmeras maneiras de resistir ao avanço do modelo hegemônico de criação de aves, como também de todas as outras difi culdades para a própria reprodução social da agricul-tura familiar, inerentes ao contexto da globalização. Ademais, nesta região, a criação de galinha de capoeira representa para muitas mulheres uma oportunidade, entre outras, em sua luta por uma maior autonomia econômica e reconhecimento so-cial.

Neste sentido, já existem avanços em experiências que têm ampliado a ocupação de espaços nos mercados locais de fran-gos e ovos através da comercialização em feiras agroecológi-cas. São processos em que se destacam formas organizadas e coletivas de produção e comercialização, realizados por gru-pos organizados de mulheres agricultoras. Estes grupos bus-cam novas formas de organização social que contribuam para o processo de empoderamento das mulheres e para a criação de alternativas de venda de seus produtos através de mecanis-mos que confi ram uma maior visibilidade e valorização de seus produtos frente aos produtos industriais. Mas, a forma predo-minante de comercialização da produção de ovos e frangos da

Figura 1: Localização da Região Semi-árida de Brasil

Región Semiárida de Brasil

Fonte: Fernández de Lima (2007)

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agricultura familiar é a forma tradicional, ou seja, através da ven-da individualizada e direta ao consumidor nas feiras livres.

Estes processos de acesso a mercado têm, neste momento, um duplo papel para a agricultura familiar:

• Manter vivos os costumes da população urbana das pequenas cidades do semi-árido brasileiro em seguir dando preferência ao sabor da carne e ovos das galinhas de capoeira em detrimento daqueles indus- triais. Com isso se evita a perda deste fator importante de vantagem competitiva da avicultura tradicional frente à avicultura industrial.

• Vinculado com este papel de manutenção dos hábitos ali- mentares locais, que estão relacionados com o sabor, a consistência e a coloração dos frangos e ovos provenien- tes da criação de galinha de capoeira, a comercialização em espaços orgânicos e agroecológicos ajuda também a estimular o interesse do consumidor urbano por um tipo de alimento mais saudável e ligado ao fortalecimento dos sistemas agroalimentares locais, que reforçam a econo- mia e agricultura local (Menezes, 2005).

Internamente aos agroecossistemas, a criação de aves tem um papel fundamental no auto-abastecimento alimentar e na cultura agroecosistêmica de produção da agricultura familiar, baseada na diversifi cação produtiva, que é integrada por uma série de plantas e animais, e sustentada na utilização dos insumos locais, em maior parte disponíveis em sua própria terra.

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O enfoque deste trabalho, portanto, está livre da miopia científi ca, política e cidadã provocada pela grande geração de renda para o país aportada pelo rápido crescimento do modelo hegemônico de produção industrial de ovos e frango. A preocupação aqui é primei-ro buscar uma compreensão, ainda que básica, sobre os traços centrais dos limites e riscos socioeconômicos e ambientais que leva consigo tal modelo para a sustentabilidade da agricultura brasileira e segundo, e mais importante neste trabalho, é contribuir para o fortalecimento de uma alternativa ao modelo vigente que não tenha infl uências socioeconômicas e ambientais negativas e ao mesmo tempo favoreça a inclusão social, econômica e cultural da agricul-tura familiar nas diferentes regiões do país, principalmente naquelas alienadas historicamente das políticas e processos de desenvolvi-mento humano, como é o caso da região semi-árida do Brasil.

1.2. Objetivos

O objetivo geral deste trabalho é elaborar uma refl exão teórico-metodológica sobre a criação de galinha de capoeira no semi-árido brasileiro, considerando o contexto da modernização e globalização da agricultura brasileira.

Este objetivo geral é baseado nos seguintes objetivos específi -cos e hipóteses:

A) Caraterizar a avicultura industrial no Brasil e suas limi- tações ecológicas e socioeconômicas;

Este objetivo parte da hipótese de que a modernização e globalização da avicultura brasileira vêm construindo um

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modelo de sistema agroalimentar insustentável e que entre suas infl uências, afeta diretamente o atual e futuro desempenho da criação de galinhas de capoeira e seu papel na segurança alimentar e na geração de renda da agricultura familiar.

B) Buscar e organizar elementos para uma proposta teórico- metodológica desde uma perspectiva agroecológica para o estudo da criação de galinhas de capoeira no semi- árido brasileiro.

C) Fazer uma primeira aproximação sobre os benefícios ecológicos, econômicos e socioculturais reportados para os sistemas tradicionais de criação de aves no semi-árido brasileiro.

Para os objetivos B e C, a hipótese é que, interagindo com as conseqüências do avanço da avicultura industrial, a criação de galinha de capoeira tem um papel nos agroecossistemas tra-dicionais que é pouco conhecido, valorizado e apoiado pelos diversos setores que se relacionam com a agricultura familiar do semi-árido. Por tanto, é fundamental a construção de uma base teórico-metodológica desde uma perspectiva agroecoló-gica que contribua para o avanço e fortalecimento desta ati-vidade como um sistema agroalimentar sustentável para esta região.

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Com o objetivo de entender o contexto em que se insere a agricultura familiar e sua atividade de criação de galinhas de capoeira dentro da modernização e globalização da agricultura brasileira, o presente texto analisa os traços centrais do pro-cesso histórico de formação do complexo agroindustrial avícola brasileiro, suas características atuais e seus principais limites desde uma perspectiva agroecológica.

2.1. A Avicultura no Contexto da Modernização e Interna-cionalização da Agricultura Brasileira

Desde o período da colonização do Brasil a agricultura brasileira tem se desenvolvido a partir de elementos que misturam uma

2.Industrialização Agroalimentar

da Avicultura no Brasil

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associação entre degradação do meio-ambiente e crescimento das desigualdades sociais no campo. Isso está relacionado a um modelo predatório de agricultura que sempre esteve su-bordinado às lógicas econômicas externas, orientadas para a transferência de riqueza, independente dos impactos negativos nos setores ambientais e sociais gerados ao largo dos anos (Almeida, Petersen & Cordeiro, 2001).

Este processo histórico de incorporação da economia brasilei-ra à economia mundial, através da agricultura, teve seu início no século XVI. Em grande medida, a formação do modelo pre-datório da agricultura brasileira começou no período colonial, atravessou as décadas de monarquia independente e tem sua herança presente nos dias de hoje, sem mudanças signifi cati-vas em sua lógica de funcionamento (Pádua, 2002).

O cultivo da cana-de-açúcar nas regiões úmidas de solos fér-teis, baseado na monocultura para a exportação, no latifúndio e no trabalho escravo e depois no trabalho assalariado em con-dições miseráveis, caracteriza bem o modelo hegemônico de agricultura que se estabeleceu no Brasil.

Paralelamente a esse processo de formação da agricultura bra-sileira, ocorreu a ocupação do campo por famílias que tinham um duplo propósito, por um lado, abastecer seu autoconsu-mo e, por outro, atender à demanda de produção de alimentos para abastecimento das populações locais. O desenvolvimento deste tipo de agricultura nas diferentes regiões do Brasil, e que sempre ocuparam as terras consideradas inadequadas para os cultivos comerciais e de exportação, formaram ao longo dos séculos o campesinato brasileiro.

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Este tipo de agricultura, com um propósito de reprodução so-cial e abastecimento local de alimentos, tem sido baseado no emprego de mão-de-obra familiar, numa forte dependência do conhecimento dos recursos naturais locais (Gamarra-Rojas et al., 2002) e, por conseguinte, uso mínimo de insumos externos à propriedade, que sob condições de sufi ciente disponibilidade de área e continuidade da transmissão da cultura, em diversas regiões do país, permite o manejo da terra e demais recursos naturais de forma sustentável a largo prazo.

O uso do termo camponês no Brasil foi historicamente evitado pelas oligarquias dominantes do setor agrário. Em geral, os ter-mos empregados para esta categoria social representavam um sentido de desdenho e atraso. A partir da ditadura militar, que teve início na década de sessenta, o governo militar estimulou o uso dos termos pequeno produtor e pequeno agricultor, com a intenção de apagar por defi nitivo o termo camponês, o qual de alguma forma lembrava e o associava às “Ligas Campone-sas”, que foi o primeiro movimento social do campo de dimensão política nacional na luta pela terra no Brasil (Lima & Figueiredo, 2006). A partir dos anos 90 ganha terreno o uso do termo Agri-cultura Familiar (agricultor/a familiar), tanto por investigadores de múltiplas áreas como pelas representações dos trabalhadores/as rurais. Esta categoria de natureza um tanto genérica incorpora os camponeses e vários outros tipos de populações tradicionais do campo, e em certo grau os trabalhadores/as assalariados do campo, com o propósito de legitimação política e acesso des-tes às políticas públicas. Este período corresponde à criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e do Programa Na-cional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF).

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As mudanças mais profundas no modelo de agricultura brasilei-ra, e, por conseguinte na organização física, técnica e socioeco-nômica do espaço rural brasileiro como um todo, ocorreram a partir da segunda metade do século XX, especialmente a partir dos anos 70, com o processo conhecido por modernização con-servadora. Moderna, pelo uso intensivo de tecnologia e capital contemporâneos, e conservadora, por manter ou aprofundar o status quo nos sistemas agrários.

A modernização conservadora da agricultura brasileira foi parte de um processo mais amplo de internacionalização do padrão industrial de agricultura euro-americana à agricultura dos paí-ses subdesenvolvidos da Ásia, África e América Latina, sob o paradigma de desenvolvimento da agricultura conhecido como “revolução verde”. Resumindo, este paradigma trouxe em seu marco conceitual a universalização de pacotes tecnológicos que permitiam maximizar a produtividade agrícola independen-te das condições ecológicas, além de não tomar em conta os aspectos sociais e culturais de cada país e suas regiões.

Assim a modernização conservadora da agricultura brasileira teve como característica central a transformação da agricultura tradicional em “moderna” através da incorporação dos paco-tes tecnológicos, de mudanças produtivas e de relação com os mercados, mas sem promover mudanças na estrutura agrária vigente (Canuto, 1998). De acordo com este mesmo autor (Ca-nuto, 1998. p.31), “A modernização agrícola signifi cou uma re-estruturação não somente da economia, mas também de um conjunto de valores sociais e culturais.” Ou seja, a modernização estimulou e ampliou uma visão de agricultura baseada na ma-ximização dos resultados econômicos no curto prazo em detri-

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mento dos equilíbrios dos processos naturais, sobretudo entre os agricultores patronais1; estabelecendo valores de competiti-vidade e do uso industrial dos recursos naturais, sem nenhuma preocupação sobre os aspectos sociais e ecológicos relaciona-dos com a agricultura.

O patrocínio do Estado brasileiro foi decisivo para a industriali-zação de sua agricultura. Assim, o Estado por um lado aban-donou à sua própria sorte os agricultores familiares, sobretudo os mais pobres, e as regiões menos favorecidas em termos de solos, clima e propriedades da terra - como o caso dos agricul-tores familiares e da região semi-árida. Por outro, estimulou e apoiou a modernização dos agricultores patronais, assim como as regiões com condições ambientais e socioeconômicas mais favoráveis à industrialização – como o Sudeste e Sul do Brasil. Este apoio ocorreu desde a readequação da estrutura para a produção, transporte e comercialização em escala industrial até o sistema de crédito, ensino e assistência técnica, com a mis-são de garantir a consolidação do novo modelo agrícola (Araú-jo, 2002).

Neste contexto, e praticamente na mesma ordem cronológica acima citada, surge o complexo industrial avícola brasileiro. Seus primeiros passos foram ao fi nal da década de 50. Em 1963 já estavam instaladas no Brasil nove empresas norte-americanas especializadas em genética de aves para a produção industrial, mas o crescimento acelerado do complexo avícola ocorreu na

1 No Brasil se usa o conceito de agricultura patronal para caracterizar o modelo de agricultura cujo processo de produção agrícola e/ou pecuária é levado a cabo com separação da gestão e trabalho, emprega predominantemente o trabalho assalariado e tem sua ênfase na produção especializada, baseada na dependência de insumos externos e é totalmente destinada ao mercado.

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década de 70 (Sorj, Pompermayer & Coradini, 1982). “Em 1973, já existiam dezoito empresas produtoras de matrizes no Brasil, nove das quais eram empresas estrangeiras operando direta-mente no país e uma empresa trabalhando com linha própria, a Granja Guanabara” (Sorj, Pompermayer & Coradini, 1982. p.14).

Entre todos os setores agropecuários do Brasil, o setor avícola foi o que teve resultados mais exitosos em termos da incorpora-ção da lógica de funcionamento do processo de modernização e internacionalização da agricultura. Dito de outra maneira, foi o setor com maior capacidade de importar tecnologia e desenvol-ver um sistema agroalimentar muito lucrativo para vários ramos do setor industrial e comercial. Alcançou a máxima artifi cializa-ção na produção de um ser biológico, as galinhas, em escala e processo de produção similar aos processos industriais de qual-quer matéria prima inanimada.

Uma produção em escala industrial somada a um trabalho de melhoramento genético possibilitou respostas rápidas nos níveis de produtividade da avicultura de postura e de carne, ampliando o interesse de investimentos privados e públicos neste setor. Fi-gueiredo (2005) aponta que em poucas décadas a evolução do consumo per capita de carne de frango no Brasil cresceu de 14 kg/habitante/ano para 34 kg/habitante/ano. Ademais, ocupou uma posição que o destaca como um dos maiores países ex-portadores de frango do mundo.

Assim, em menos de duas décadas ocorreram mudanças profundas na avicultura nacional, tornando marginal a forma tradicional de abastecimento de carne e ovos aos mercados, sobretudo os urbanos. Consolidou-se como um complexo

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agroindustrial altamente tecnifi cado e de uso intensivo de capi-tal. Tal complexo se formou sob uma forte dependência direta do avanço de uma ampla cadeia mercantil, na sua maior par-te ligada a empresas multinacionais ou associações do capital destas com de grandes empresas nacionais, nos campos da indústria de produtos químicos, rações, máquinas e equipa-mentos, genética de aves e pacotes tecnológicos importados, principalmente dos Estados Unidos, Europa, Japão e Israel.

A modernização do setor avícola se concentrou inicialmente no eixo Sul e Sudeste do Brasil, onde emergiam os grandes cen-tros urbano-industriais, por um lado, e onde as condições cli-máticas e de solos foram favoráveis para a produção de grãos de milho e soja dentro dos padrões “modernos”.

Estas regiões, sobretudo a região Sul, contavam com a presen-ça de pequenos agricultores com condições socioeconômicas favoráveis a aceitar uma relação comercial com as indústrias avícolas sob condições de subordinação fi nanceira e tecnoló-gica, introduzida através do modelo de integração contratual agricultor-indústria (Sorj, Pompermayer, Coradini, 1982).

Neste novo sistema o agricultor utiliza sua terra, normalmen-te faz uso de um empréstimo bancário para a construção do aviário, e fi ca como responsável para a engorda dos frangos - a parte mais difícil, com mais riscos e menos rentabilidade fi nanceira na cadeia produtiva. Os insumos (pintinhos, fárma-cos, ração, etc.) e serviços (assistência técnica e transporte) são abastecidos pelas indústrias integradoras. Assim, na inte-gração, o agricultor, chamado de “integrado”, aparece na base da cadeia produtiva através de uma subordinação contratual

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aos interesses produtivos, fi nanceiros e padrões tecnológicos das indústrias de abate/processamento e distribuição.

O modelo de integração promoveu um movimento de concentra-ção na produção de frangos por unidade de produção agrícola, pois, dada sua escala industrial, obviamente apenas uma parcela pequena de agricultores familiares teve a possibilidade de aten-der aos interesses e requisitos das indústrias integradoras.

O modelo de integração contratual aplicado pela indústria avícola brasileira2 somente foi bem aceito por agricultores do tipo familiar na região Sul do Brasil. Isso, principalmente, foi devido às carac-terísticas de elevado custo de investimento inicial e dependência de uma produção intensiva de grãos, uma indústria e pacote tec-nológico com pouca aplicabilidade para os agricultores familiares de outras regiões, sobretudo no Norte e Nordeste do país.

Na realidade, diante do novo modelo de produção avícola alta-mente especializado em tecnologia e de investimento intensivo de capital, a integração apareceu como a única oportunida-de que teve uma pequena parcela da agricultura familiar para encaixar-se na “moderna” cadeia avícola. Este fato pode ser comprovado ao comparar a avicultura de corte com a de pos-tura. Como a avicultura de postura não desenvolveu o modelo de integração - porque a produção de ovos tem um mercado apenas como produto natural, sem oferecer oportunidades de agregar valor através do processamento industrial - os agricul-tores familiares fi caram afastados desta cadeia produtiva, que foi dominada por grandes empresas avícolas. Um bom exemplo

2 A integração contratual já era adotada pelo setor avícola em países desenvolvidos antes de chegar ao Brasil.

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para entender tal fato é o caso do Estado do Paraná, que em 2003 estava como 6º produtor brasileiro de ovos, com quatro milhões de galinhas alojadas em apenas 120 granjas de postura (Governo do Paraná, 2003).

Com efeito, o modelo da integração contratual desenvolvido no complexo industrial avícola brasileiro é apenas uma particularida-de de uma lógica mais ampla da internacionalização dos siste-mas agroalimentares. Por tanto, sua lógica e princípios não são uma invenção da indústria avícola brasileira, senão um elemento central da estratégia neoliberal de integração vertical das explo-rações agrárias com os setores não agrários (indústria, empresas e comércio), sobre a qual Sevilla Guzmán (2006a, p.161) faz uma refl exão sociológica esclarecedora:

[...] a integração vertical, que tem lugar no seio do sistema agroali-mentar, como o processo de estabelecimento de centros de deci-são e coordenação (geralmente fora do setor agrário) a que se vê submetida à produção agrária como conseqüência da imposição de condições com respeito aos inputs utilizados, as técnicas de pro-dução empregadas e a quantidade e qualidade dos processos de trabalho desenvolvidos nas explorações agrárias (Sevilla Guzmán, 2006ª. p.161).

2.2. A Avicultura no Contexto da Consolidação dos Sistemas Agroalimentares Globalizados

Durante a última década do século XX e nos primeiros anos do século XXI ocorreram mudanças relevantes no setor da indústria avícola nacional, especialmente no setor de carne de frango. As principais indústrias avícolas brasileiras se consolidaram como modernas corporações globais, com uma cultura transnacio-

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nal. Quer dizer, se ajustam à estratégia das grandes corpora-ções agroalimentares globais, sobretudo ao jogo do avanço de dominação quase monopolizada dos mercados nacionais e internacionais. Assim, se começa um mecanismo de fusões e aquisições entre indústrias nacionais com internacionais e tam-bém onde as indústrias mais fortes deslocam as mais fracas ou as absorvem como próprias.

A competição entre as maiores indústrias avícolas do frango para ampliar sua expansão nos mercados nacional e internacio-nal está promovendo novas mudanças neste setor. A principal característica destas mudanças está no fato de que a expansão de mercados não signifi ca oportunidades para ampliar a pe-quena participação do agricultor familiar na produção do frango senão uma tendência de incorporação progressiva do médio e grande empresário rural da região Centro Oeste do país, onde se encontra a expansão da produção de soja e milho, baseada em grandes áreas de monocultura.

Com isto, se busca agora um modelo ainda mais atrativo para as empresas em termos de redução do custo fi nal do frango para a indústria integradora. Para isso, o objeto do ajuste segue as tendências dos sistemas agroalimentares globalizados, de reduzir seus custos de produção através da máxima automação e artifi -cialização dos processos envolvidos na produção dos alimentos.

Com efeito, as principais indústrias avícolas do frango iniciaram novos investimentos em mega-projetos de produção e proces-samento do frango numa lógica de redução dos custos implica-dos em todo o processo de produção, processamento e distri-buição do frango e seus derivados. Os elementos centrais desta

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nova estratégia são: maior integração geográfi ca e fi nanceira com os agricultores patronais proprietários de monoculturas de soja e milho, reduzindo custos com logística e transações, o que ademais possibilita às grandes indústrias utilizar a capaci-dade dos agricultores patronais de buscar empréstimos através dos canais públicos de crédito para investimento na estrutu-ra produtiva e o capital de giro necessário à fase de engorda do frango; maior lucro com o aumento da escala de produção industrial, através do emprego de novas técnicas sofi sticadas para aumentar a densidade de aves, a climatização e tamanho dos aviários e, ao fi nal, alcançar um uso mais intensivo da au-tomação com o objetivo de alcançar a máxima substituição da mão-de-obra familiar e assalariada (Fernandes Filho, 2004).

Por sua vez, o setor avícola de ovos, apesar de suas diferenças em termos de integração indústria de processamento com agri-cultor, segue uma lógica similar ao complexo avícola do frango. Assim, aumenta a concentração de aves por unidade produtiva em escalas cada vez maiores em mãos de poucas empresas avícolas, com maior capacidade logística de compra de ração e distribuição da produção e uso sofi sticado dos avanços nos pacotes tecnológicos, especialmente das tecnologias de auto-mação.

Com o processo de globalização dos sistemas alimentares da avicultura nacional, o grande poder econômico e político do setor avícola nacional3 se potencializa, por um lado, devido à

3 O complexo avícola industrial brasileiro está organizado já faz tempo em dois tipos de organizações corporativas para a defesa conjunta de seus interesses: uma que congrega todos os segmentos do sistema agroalimentar do Frango e Ovos (com organizações nos níveis estadual e federal) e outra que congrega o setor de exportadores de frango.

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força de novas empresas transnacionais e, por outro, por sua exigência de maior apoio por parte do governo federal em razão de sua contribuição para o saldo positivo da balança comercial do Brasil e elevação do consumo per capita interno de carne de frango e ovos. Este fato refl etiu diretamente em sua capaci-dade de infl uenciar as políticas públicas para a agricultura, es-pecialmente na quantidade e disponibilidade de investimentos fi nanceiros para desenvolver o setor avícola. Assim, no início do século XXI o complexo industrial avícola se torna uma for-ça econômica e política sem precedentes na historia brasileira, sendo cada vez mais “soberano” frente aos governos estaduais e ao governo nacional e conseguindo formular e implementar políticas de acordo com seus interesses de expansão e resulta-dos econômicos, independente do mandato dos governos de servir aos interesses do povo.

2.2.1. As Limitações Relacionadas ao Modelo Avícola Brasileiro

A análise teórica das limitações do modelo avícola brasilei-ro que se segue está centrada em dois aspectos: primeiro, no manejo do componente principal do processo industrial avícola, a galinha, pois o sistema avícola se baseia técnica e cientifi camente na máxima obtenção de resposta produtiva por unidade animal, a galinha de postura ou frango, em re-lação aos insumos e técnicas de manejo que são aplicadas; segundo, em relação à lógica mais ampla em que se baseia o sistema agroalimentar avícola transnacional e seus impac-tos socioeconômicos e ambientais.

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As limitações Internas às Plantas Industriais

A artifi cialização rápida e profunda do processo de produ-ção avícola industrial tem realizado mudanças fundamentais nos hábitos das galinhas, que são submetidas a um estresse extremo devido aos crescentes níveis de confi namento e ou-tras práticas de manejo, buscando a máxima produção em um menor tempo possível (Trujillo, 1996). Ademais das con-dições físicas e ambientais em que são criadas, as galinhas de postura e frangos das criações industriais são linhas hí-bridas com alto grau de seleção e homogeneização genética obtidas como forma de expressar uma máxima produção de carne ou de ovos.

Com o avanço da Etologia já se sabe que o estresse provoca sofrimento e dor nos animais, e entre outros efeitos fi siológi-cos os levam a uma redução de sua capacidade imunológica contra as doenças infecciosas (Trujillo, 1996). Para Sousa (2005, p. 01) “O sofrimento também resulta de privação física ou psicológica dos animais confi nados, tais como ausência de espaço, isolamento social, impossibilidade de mover-se, monotonia e outros”.

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Nos sistemas avícolas industrializados, a falta de respeito às necessidades de comportamento das aves se agrava for-temente, quando está aliada a um alto nível de homogenei-zação genética, resultado de anos de seleção genética de linhas especializadas para a máxima capacidade produtiva, obviamente com perdas genéticas para as características de resistência às doenças. Com efeito, é crescente a fragilidade das aves criadas de acordo com os sistemas industrializa-dos ante o surgimento de doenças, o que faz freqüente o uso progressivo de fármacos, tanto em caráter preventivo – o uso dos antibióticos promotores de crescimento, APCs – quanto em caráter curativo, ambos buscam garantir os ní-veis esperados de desempenho das aves.

Apesar de que ainda pouco se conhece a respeito dos efei-tos sobre a saúde humana dos resíduos provenientes da ampla gama de fármacos usados na avicultura industrial, já se sabe que o uso contínuo dos APCs signifi ca um risco tan-to para a saúde dos animais como para os humanos. Dado

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que os APCs são a base dos mesmos antibióticos usados em tratamento humano, seu uso contínuo permite a gera-ção de bactérias com genes de resistência aos antibióticos, que teoricamente podem ser transferidas a outras bactérias dos animais e, mesmo diante de controvérsias entre cientis-tas, as bactérias do trato digestivo humano (Fiorentin, 2005). Para melhor entender o signifi cado dos riscos de tal fato, é importante observar o que expressa este autor:

Em 1999, a Comunidade Européia baniu o uso de tilosina, virgiana-micina, espiramicina e bacitracina de zinco como APCs. Esta atitu-de foi parte de um plano para a proibição total do uso de APCs em 2006. Em nível mundial, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou, no ano de 2000, que classes de antibióticos usados em humanos como terapia não devam ser usados como APCs, permeando uma fronteira entre a postura européia, de precaução, e a norte-americana, de liberação, enquanto não se obtenha uma conclusão defi nitiva. O problema, entretanto, é que há 30 anos uma nova classe de antibióticos não é descoberta e aquelas clas-ses existentes têm representantes sendo usados tanto em animais como em humanos (Fiorentin, 2005. p.02).

Portanto, a tripla combinação entre condições de estresse, elevada densidade populacional e homogeneização genética a que estão submetidas as aves leva a um risco permanente de insegurança biológica nos sistemas avícolas industrializados, de tal forma que a pro-dução nestas condições é alheia a um esquema que tenha uma base de sustentabilidade ecoló-gica e deixa de ser um modelo de sistema de produção de alimentos Fonte: http://www.goveg.com/photos_chicken03.asp

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que contribui para a soberania alimentar de um país. Tampou-co pode ser um modelo de produção considerado eticamen-te defensável, pois não é aceitável que as aves sejam vistas como “máquinas vivas” de fazer ovos e carne, ou como uma simples matéria prima sem vida.

Neste sentido, com o surgimento da gripe aviária em vários países asiáticos e europeus cresce a dúvida na sociedade sobre quem são as verdadeiras vítimas do vírus (H5N1) da gripe aviária: a indústria avícola? As aves silvestres? Ou as criações de galinhas de capoeira?

Até o momento, apesar de que a gripe aviária tem aparecido de forma concentrada nas plantas altamente tecnifi cadas das indústrias avícolas dos países afetados, estranhamente a culpa vem recaindo sobre as aves de capoeira e sobre as aves sil-vestres, pois são o setor mais vulnerável de ser utilizado pelos grandes meios de comunicação para justifi car dita doença, par-tindo de informações um tanto precipitadas por parte dos meios científi cos e governos envolvidos diretamente com a crise.

Não obstante, as últimas investigações e evidências demons-traram que as aves de capoeira e as aves silvestres, em vez de culpadas são as verdadeiras vítimas da gripe aviária. Esta afi rmação se baseia na hipótese de que o vírus H5N1 da gri-pe aviária é resultado de um processo de mutação genética. Isto ocorreu a partir de uma transmissão de uma cepa menos patogênica do vírus - que sempre conviveu naturalmente en-tre as populações de aves silvestres - para aves criadas em regime industrial, onde o vírus encontrou condições ideais para evoluir rapidamente para formas muito patogênicas e

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altamente contagiantes. Com tanta mobilização de produtos da indústria avícola, dentro e fora dos países, foi fácil para a nova cepa deste vírus encontrar o caminho de volta às aves silvestres, que ainda não tem defesa contra esta nova cepa, mas também para as criações de galinhas de capoeira, so-bretudo nos países em que os agricultores familiares fazem uso de ração e pintinhos de um dia comprados diretamente à indústria avícola (GRAIN, 2006).

A FAO e a Organização Mundial para a Saúde Animal expres-saram recentemente que existem evidências de uma possível adaptação do H5N1 às galinhas de capoeira, mutando para cepas menos patogênicas, e também de que a permanência do vírus em pequenas explorações de aves de capoeira de-pende de reabastecimento (GRAIN, 2006). A explicação para

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isso pode ser a maior variedade genética, baixa densidade e condições mais naturais da criação de aves de capoeira, que permitem o desenvolvimento de uma imunidade natural nas aves em liberdade. Neste sentido, em Laos, onde 90% do abastecimento do frango é produzido pela criação de capo-eira, a gripe aviária quase não afetou este sistema de criação, estando os poucos casos registrados muito concentrados nos aviários industriais, enquanto, nos grandes centros in-dustriais de frango da Ásia, a gripe afetou fortemente as gran-des plantas, e os casos mais graves da gripe aviária nas cria-ções de galinhas de capoeira ocorreram exatamente perto dos grandes centros industriais de frangos (GRAIN, 2006).

O complexo avícola brasileiro, ante a possibilidade da entrada do vírus da gripe aviária, considera em sua estratégia de bios-segurança a elaboração de uma legislação específi ca para a criação de galinha de capoeira e avicultura familiar, cuja in-tenção é colocar limites na forma como se faz a criação de galinhas e outras aves em sistemas tradicionais, assim como em sua possibilidade de acesso aos mercados (UBA-ABEF, 2005). Esta intenção, vinculada a um conceito de “modernida-de” do campo, signifi ca um risco à cultura agroecossistêmica da agricultura familiar, à conservação da biodiversidade das variedades locais de galinhas e à soberania alimentar do país.

No caso da entrada do vírus, é muito previsível que no Brasil se repita o mesmo que vem ocorrendo na maioria dos países em que o vírus já se disseminou. Quer dizer, a força econô-mica e política das corporações transnacionais e nacionais atribuirão a presença da doença à criação de galinhas de capoeira e as aves silvestres, para forçar os Estados a pro-

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moverem uma série de ações que justifi quem erradicar ou impor limites que tornem a criação de galinhas de capoeira inviável.

Assim como nos outros países em que o vírus H5N1 já é uma realidade, se impõe medidas que não implicam na mudança do atual modelo de máxima artifi cialização do sistema de criação de aves, o que representaria um erro técnico-sanitá-rio para um efetivo combate à gripe aviária. Ademais, seria um risco desde o ponto de vista socioeconômico e ecológi-co. Socioeconômico, porque a criação de galinha de capo-eira representa uma fonte de geração de renda e alimentos de alta qualidade para a maior parte da agricultura familiar do Brasil e ecológico porque medidas inibidoras poderiam signifi car uma drástica redução da variedade genética das variedades locais de galinhas do Brasil, com conseqüências diretas na redução da biodiversidade.

As Limitações Externas às Plantas Industriais

A insustentabilidade do complexo avícola brasileiro não se restringe apenas aos limites sócio-ecológicos até agora aqui mencionados recorrentes do grau de artifi cialização e cruel-dade a que são submetidas as galinhas, com o objetivo de alcançar um alto nível de produtividade.

A primeira limitação que ultrapassa as fronteiras das plantas industriais relacionasse à sua enorme dependência do abas-tecimento de soja para manter os altos níveis de proteína na dieta de uma grande concentração de aves por unidade de

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produção e região. Este fato estimula a criação de elos do sistema agroalimentar avícola que possam atuar em esca-las e ritmos produtivos capazes de atender à demanda do complexo industrial avícola por soja em termos de tempo, quantidade e preços, de tal maneira que permita à indústria ganhar escala em suas operações. Neste sentido, a indústria avícola mundial é atualmente um dos principais responsáveis pela abertura de novas fronteiras agrícolas visualizando a ex-pansão do cultivo de soja, geralmente através de grandes propriedades agrícolas, de caráter empresarial, e com ado-ção de pacotes tecnológicos de cultivo baseados na mono-cultura, mecanização pesada e uso excessivo de fertilizantes químicos e agrotóxicos.

O caso brasileiro é muito representativo neste sentido. Com a impossibilidade de crescimento da produção de soja e mi-lho na região Sul, via aumento de produtividade e incorpora-ção de novas áreas de cultivo, o complexo industrial avícola e seu setor de fabricação de ração, passaram a ocupar as áreas do bioma cerrado4, no oeste do estado da Bahia e sul do estado do Piauí (ambos localizados no Nordeste do Bra-sil) e ainda com mais força na região Centro Oeste do Brasil. Como se verifi ca na tabela 1, entre os anos 1976/1977 e 2004/2005 a área plantada de soja na região Centro Oeste cresceu de 378 mil para quase 11 milhões de ha. Em apenas 28 anos essa região passou por um crescimento do cultivo de soja da ordem de 2.772 %, com um crescimento médio anual de 12,74%, sendo hoje a região que mais contribuiu

4 O Cerrado brasileiro ocupa cerca de dois milhões de km2 e é considerado uma das savanas mais ricas do mundo em termos de diversidade vegetal e animal (Capobianco, 2002)

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para que Brasil chegasse à posição de um dos maiores ex-portadores de soja do mundo.

Na região Nordeste ocorreu o mesmo processo de expan-são concentrada da produção de soja, alcançando uma área de 521.900 ha em poucos anos de estabelecimento deste cultivo nesta região (tabela 1), sendo o oeste da Bahia res-ponsável por cerca de 73% da produção do Nordeste.

As nefastas conseqüências ambientais da monocultura de soja no Brasil são já bastantes conhecidas, mas vale a pena

Fonte: http://www.cooplantio.com.br/?on=galeria&in=foto&id=276

Cultivo de soja no Brasil - Colheitas 1976/77 e 2006/07 (Em mil ha)

REGIÃO

NORTENORDESTECENTRO OESTESUDESTESULBRASIL

1976/77

0,00 0,00

378,00 530,00

6.041,00 6.949,00

Crescimentoacumulado (%)

--

2.772,22256,9142,17235,32

2004/05

521,9 1.442,10 10.857,00 1.891,60 8.588,50 23.301,10

Crescimentomédio anual (%)

--

12,744,651,264,42

Tabela 1. Crescimento da superfície de cultivo de soja nas diferentes regiões do Brasil

Fonte: Adaptado de CONAB, 2006.

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64 Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.

aqui fazer algumas considerações sobre o caso específi co da região Centro Oeste, no contexto já mencionado de ex-pansão da soja muito estreitamente associada ao novo mo-delo avícola industrial brasileiro.

O cerrado da região Centro Oeste, apesar de sua ocupa-ção agrícola recente, em comparação com os outros biomas brasileiros, só tem hoje ao redor de 50% de seu ecossistema natural preservado (Pádua, 2002). É a região com a menor participação da agricultura familiar do país, provocada pelo êxodo rural em conseqüência da concentração de terra nas mãos dos grandes latifundiários (pecuaristas) e dos empre-sários da soja. O avanço da monocultura de soja em gran-des extensões de terra provocou uma redução do emprego rural de 1,5 milhões em 1985 para 1,2 milhões e um índice perto de 90% de urbanização nesta região (Luchiezi Jr., Pufal & Gonçalves, 1999).

Este deslocamento maciço de agricultores familiares e traba-lhadores rurais do campo, para viver em condições de mar-ginalidade nos grandes centros urbanos, em realidade não é uma exclusividade apenas do Centro Oeste e sim uma re-alidade nacional, resultante do modelo de modernização do meio rural brasileiro, através da industrialização e internacio-nalização de sua agricultura, tal como se pode verifi car nos dados apresentados por Mazzeto Silva (2001, p.25 apud Pá-dua, 2002. pp.197-198), “entre 1985 e 1995, por exemplo, cerca de 5,5 milhões de ocupações em atividades agrícolas foram eliminadas, passando de 23,4 para 17,9 milhões de pessoas ocupadas”.

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Apesar do ufanismo da indústria avícola na divulgação de números aparentemente elevados de empregos envolvidos em todo o complexo avícola industrial, a realidade é que a tendência atual deste setor na sua lógica de produção, pro-cessamento e distribuição do frango e produtos derivados está baseada exatamente na diminuição da ocupação da mão-de-obra e número de famílias envolvidas nesta ativida-de. Neste sentido, o novo modelo de integração vertical de produção do frango busca o agricultor patronal. Com isso tenta, basicamente, a diminuição de elos do sistema agro-alimentar, principalmente daqueles com menor capacidade de angariar investimentos públicos e absorver as inovações tecnológicas requeridas para aumentar a produtividade, tais como a automação e o aumento do número de aves por planta avícola – via aumento da planta avícola e da densida-de animal.

Ademais de não envolver novos agricultores com perfi l que se aproxime ao de agricultores familiares, como foi sua ló-gica inicial na região Sul do Brasil, a lógica de expansão da produção integrada de frangos apresenta um risco para os agricultores familiares que já estão integrados: o risco de que a rentabilidade dos agricultores familiares não seja mais atrativa para a indústria integradora e, por conseguinte estes podem ser substituídos por agricultores patronais.

No setor industrial do ovo o cenário não é diferente do se-tor do frango. Os produtores de ovos com características mais próximas a um perfi l de agricultor familiar já não podem mais competir com as grandes indústrias de produção de ovos, altamente automatizadas, com lucros baseados numa

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66 Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.

elevada escala de produção. Ademais, a comercialização é também um fator limitante para o agricultor familiar envolvido com o “moderno” sistema de produção de ovos. A relação de venda é direta com o setor atacadista ou com as redes de supermercados, que não só praticam uma relação de pre-ços, prazos de pagamentos e outras exigências contratuais inviáveis para os agricultores familiares, como cada vez mais buscam concentrar suas operações comerciais com as ex-plorações de produção de ovos em larga escala e boa estru-tura para a distribuição.

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O modelo avícola industrial impulsionado pelas grandes corpo-rações nacionais e transnacionais provoca manifestações eco-lógicas e sociais, e especialmente riscos de progressiva perda de auto-sufi ciência alimentar nos níveis familiar, local, regional e nacional. Para o “confronto” da avicultura em nível familiar com esse modelo industrial, na continuação se buscam elementos teórico-metodológicos a partir da Agroecologia que permitam elaborar estudos e/ou ações que fortaleçam a capacidade da agricultura familiar de continuar e melhorar seus sistemas de criação de galinha de capoeira numa perspectiva de consoli-dar a sustentabilidade dos sistemas agroalimentares da região semi-árida.

3.O Enfoque Agroecológico e o

Fortalecimento da CriaçãoTradicional de Aves como Alternativa ao

Modelo Avícola Brasileiro

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70 Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.

3.1. O Conceito da Agroecologia

Neste tópico se expõe resumidamente o enfoque epistemológi-co alternativo que representa a Agroecologia. Destacam-se os conceitos da Agroecologia que mais se aproximam à perspec-tiva teórico-metodológica que se busca apresentar neste tra-balho para um estudo e/ou ação junto à agricultura familiar da região semi-árida do Brasil, com o tema galinha de capoeira.

Portanto, a idéia é que os conceitos apresentados sejam utiliza-dos, detalhando a certo grau suas bases teórico-metodológicas à medida que se apresentam nos itens que seguem, tais como: empoderamento das mulheres, o papel dos animais nos agro-ecossistemas da agricultura familiar, os saberes tradicionais, a conservação da biodiversidade e os sistemas agroalimentares locais.

A Agroecologia em sua forma letrada surgiu no fi nal dos anos setenta como uma maneira de enfrentar o surgimento dos pri-meiros impactos ecológicos provocados pela modernização da agricultura. Entretanto, este surgimento da Agroecologia em realidade se tratava de um redescobrimento da Agroecologia. Pois esta já era a base de conhecimento e práticas que nortea-vam a agricultura desenvolvida por diversas culturas tradicionais em diferentes partes do mundo (Guzmán Casado, González de Molina & Sevilla Guzmán, 2000).

Na sua trajetória a Agroecologia assumiu um enfoque integral dos processos agrários, buscando a complementaridade entre vários ramos da ciência, tomando como fundamento teórico-metodológico central de sua ação a uma agricultura susten-

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tável o resgate e valorização dos sistemas de conhecimento e práticas agrícolas das culturas da agricultura familiar, locais e indígenas, transmitidas e conservadas por gerações. Isto ocorre dentro da ciência estabelecida, num processo que gera um contraponto à base de formulação da ciência convencio-nal, que tende a marginalizar estes conhecimentos da agricul-tura familiar por não terem sido construídos a partir das bases teórico-metodológicas aceitas pela mesma (Guzmán Casado, González de Molina & Sevilla Guzmán, 2000).

Neste sentido, nas últimas décadas a Agroecologia penetrou os diferentes ramos da ciência com um enfoque epistemológico alternativo ao conhecimento científi co, mas “aberto e não se considera como o único, mas busca estabelecer uma relação de diálogo com outros enfoques, inclusive o convencional” (Fi-gueiredo & Lima, 2006. p.35).

Como resultado deste avanço da Agroecologia em diferentes ambientes científi cos, que experimentaram variados graus de interações com as comunidades tradicionais e os movimentos sociais do campo, surgiram diferentes percepções e defi nições sobre o conceito da Agroecologia. Para efeito da perspectiva teórico-metodológica do presente trabalho se assume aqui duas defi nições de Agroecologia correspondentes e comple-mentares: a elaborada por Sevilla Guzmán (2006b) e a apresen-tada por Rosset & Altieri (2002), as quais são, respectivamente, apresentadas a seguir:

A Agroecologia pode ser defi nida como o manejo ecológico dos re-cursos naturais através de formas de ação social coletiva que apre-sentam alternativas à atual crise de modernidade, mediante pro-postas de desenvolvimento participativo (Sachs,1992; Toledo,1990)

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desde os âmbitos da produção e a circulação alternativa de seus produtos, pretendendo estabelecer formas de produção e consu-mo que contribuam para encarar a crise ecológica e social, e com isso a restaurar o curso alterado da co-evolução social e ecológi-ca (Norgaard, 1994). Sua estratégia tem uma natureza sistêmica, ao considerar a propriedade, a organização comunitária, e o resto dos marcos de relação das sociedades rurais articulados em torno à dimensão local, onde se encontram os sistemas de conhecimento (local, agricultor familiar e/ou indígena) portadores do potencial en-dógeno que permite incrementar a biodiversidade ecológica e so-ciocultural (Altieri, 1987;1990; 1991 y1997; Gliessman, 1990 e 1998) (Sevilla Guzmán, 2006b. p.202).

A Agroecologia vai mais além de uma visão unidimensional dos agro-ecossistemas – a genética, a agronômica, a edáfi ca, etc. – e promove um entendimento entre seus níveis ecológico e social de co-evolução e sua estrutura e função. Em vez de enfocar apenas em um compo-nente do agroecossistema em particular, a Agroecologia enfatiza as inter-relações entre todos os componentes e as complexas dinâmi-cas dos processos ecológicos. (Rosset & Altieri, 2002. p.335).

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3.1.1. Elementos-chave do Ponto de Vista da Agroecologia para o Estudo da Criação de Galinhas de Capoeira na Região Semi-árida do Brasil.

Tomando como contexto mais amplo a breve análise das infl uências do setor avícola industrial transnacional sobre a criação de galinhas de capoeira praticada pela agricultura fa-miliar, e partindo do conceito da Agroecologia, apresentado acima, a tentativa a seguir é fazer uma rápida consideração aos elementos-chave para uma abordagem mais direta da perspectiva Agroecológica à criação de aves de capoeira na região semi-árida brasileira através de um estudo e/ou ação que possa fortalecer esta atividade como um recurso impor-tante dos agroecossistemas tradicionais e, ademais, como uma alternativa ao modelo industrial.

A tentativa, portanto, é enfocar a análise do aspecto espe-cífi co – os animais e mais ao centro a galinha de capoeira – relacionando-o aos fatores mais amplos, e vice-versa, que determinam suas formas de manejo, manutenção, e desem-penho, sobretudo, a partir de uma visão que busca resgatar o saber do agricultor familiar, especialmente das mulheres, a partir de uma perspectiva de ação sistêmica e transformado-ra das desigualdades, baseada teórica e metodologicamen-te na Agroecologia.

O Empoderamento das Mulheres

Uma abordagem agroecológica a respeito do estudo/ação sobre a criação de galinhas de capoeira no semi-árido do

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74 Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.

Brasil deve considerar que se trata de uma atividade produti-va que faz parte de agroecossistemas de grupos sociais que vivem sob processos históricos de exclusão social, política e econômica e, ademais, é uma atividade que tem uma parti-cularidade importante: está a cargo das mulheres dentro de uma cultura eminentemente patriarcal.

Neste contexto, o estudo do tema galinha de capoeira numa perspectiva agroecológica não tem sentido se não leva em conta que os avanços nesta atividade dependem de proces-sos que contribuam à promoção de mudanças favoráveis nos estados de poder das mulheres agricultoras e suas famí-lias: ou seja, no empoderamento das mulheres em suas rela-ções com os homens, especialmente seus maridos, e frente às injustas relações nos campos social, econômico e político em que estão inseridas.

Aqui se alude ao poder com um signifi cado que se aproxi-ma à perspectiva Freiriana5, na que o aumento do poder de um necessariamente não implica na diminuição do poder de outro. A partir deste sentido se assume um conceito de em-poderamento como o processo pelo qual as pessoas e/ou grupos sociais conseguem avanços em confrontar os gran-des desequilíbrios de poder a que estão submetidos através do aumento de suas capacidades de questionar e resistir ao poder imposto sobre eles.

5 Poder no sentido usado por Paulo Freire, como um aumento da conscientização e desenvolvimento de uma faculdade crítica entre os marginalizados e os oprimidos. Este é o poder de fazer e de ser capaz, no sentido de sentir-se com mais capacidade no controle das situações. Refere-se ao reconhecimento das capacidades de tais grupos para assim desempenhar um papel ativo nas iniciativas de desenvolvimento. Implica superar décadas de aceitação passiva e fortalecer as habilidades dos grupos marginalizados para que se envolvam como atores legítimos no desenvolvimento (Freire apud Oakley & Clayton, 2003).

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Este conceito e as muitas outras compreensões sobre o signi-fi cado do empoderamento se apresentam como um processo dinâmico, o qual de acordo com Oakley & Clayton (2003), pode ser mais bem esclarecido ao se buscar a identifi cação de suas dimensões, que na visão destes autores podem ser resumidas em dimensões psicológicas, culturais, sociais, econômicas, or-ganizacionais e políticas, tal como se apresentam na tabela 2.

Partindo da proposição já mencionada sobre poder e em-poderamento, seccionado em dimensões, pretende-se fazer uma breve análise sobre a promoção de mudanças favorá-veis nos estados de poder das mulheres agricultoras com ênfase6 nas dimensões culturais e sociológicas do empode-ramento. Ressaltando-se que o objetivo aqui não é aprofun-dar o tema do empoderamento da mulher, senão apenas fa-

6 Esta ênfase se deve ao fato que as outras dimensões são mais especifi camente apresentadas nos itens em que se trata sobre biodiversidade, saberes tradicionais e sistemas agroalimentares locais, nos quais sempre se refere como protagonista principal a mulher, já que é esta a principal responsável pela criação de galinha de capoeira nos agroecossistemas familiares

As dimensões do empoderamento

PsicológicasIdentidade e auto-imagemCriação de EspaçosAquisição de conhecimentos

SociaisLiderança em atividades comunitáriasAções por seus direitosInclusão SocialAlfabetização

CulturaisRedefi nição de normas e regras de gêneroRecriação de práticas culturais

OrganizacionalIdentidade coletivaEstabelecimento de umaorganização representativaLiderança organizacional

EconômicasObtenção de segurança econômicaPosse de bens e produtosHabilidades empresariais

PolíticasParticipação em instituições locaisNegociação de poder políticoAcesso ao poder político

Tabela 2. As dimensões do empoderamento

Fonte: Oakley & Clayton (2003)

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zer uma aproximação à importância do empoderamento das mulheres para alcançar avanços no desempenho da criação da galinha de capoeira e em seu papel dentro dos agroecos-sistemas familiares.

Sobre a dimensão psicológica e cultural, é importante en-tender que na região semi-árida do Brasil o patriarcado re-presenta uma forte expressão da construção cultural em seu meio rural. Por outro lado, as mulheres e a própria sociedade desta região têm uma trajetória ainda recente e difusa em processos que garantam avanços substantivos na perspec-tiva de equidade nas relações de gênero, mesmo que exis-tam importantes conquistas de direitos sociais das mulheres agricultoras como fruto das lutas de suas organizações re-presentativas, e dos movimentos sociais e sindicais do cam-po.

Consequentemente, as mulheres não têm uma expressiva força na tomada de decisão mais ampla, no manejo interno dos agroecossistemas como também em sua relação com o exterior em diversas situações sociais e econômicas, so-bretudo nos aspectos da comercialização. Ademais, vivem numa condição de desvalorização de sua auto-estima e com poucas possibilidades de aproveitamento das oportunidades de aquisição de novos conhecimentos.

Em outras palavras, dentro das famílias da agricultura fami-liar existe uma separação sexual do trabalho, culturalmente bem defi nida, onde as mulheres estão a cargo da casa (e ai se incluem todas as responsabilidades tradicionais de uma dona de casa, com uma particularidade no semi-árido, que

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é o transporte e tratamento da água para que esteja sempre disponível em quantidade e qualidade) e do quintal, onde têm, junto com os jovens a responsabilidade sobre o manejo cotidiano dos animais menores, ou seja, os porcos, ovinos, caprinos7 e, principalmente, do manejo das aves e da comer-cialização na própria comunidade e mais frequentemente na feira municipal8. Por sua vez, os homens fi cam a cargo dos animais maiores e dos cultivos9 e seus respectivos proces-sos de comercialização.

Dentro desta divisão de responsabilidades o que normalmen-te ocorre é que para a maioria dos homens as aves de capo-eira não representam uma prioridade em sua forma de pensar a administração geral do agroecossistema e, consequente-mente, das tomadas de decisões com respeito aos tipos de cultivos que vai plantar e estruturas relacionadas à melhoria do padrão atual de desempenho da criação de aves. É co-mum ouvir a seguinte afi rmação dos homens sobre a galinha de capoeira: “sobre a galinha eu só me meto quando ela está no prato”. Assim, as mulheres pouco conseguem infl uenciar na lógica sobre o manejo geral do agroecossistema, espe-cialmente no que concerne aos aspectos sobre o que, como e onde plantar tendo em conta seus interesses próprios com

7 No caso destas três espécies de animais, os ovinos e caprinos e porcos, os homens fi cam a cargo das providências externas ao quintal, como as providências a respeito de forragens e cuidar das cercas para conter os animais. Como se tratam de animais que representam um valor monetário mais elevado por unidade animal, geralmente, no momento da comercialização os homens assumem esta responsabilidade.

8 Mesmo dentro dos espaços dos quintais ou perto das fontes de água, as mulheres também, com muita freqüência, se dedicam à produção de hortaliças, frutas e plantas medicinais.

9 É importante mencionar que cabe às mulheres contribuir com sua mão-de-obra nos vários momentos de cultivo, especialmente em alguns dos trabalhos mais duros, como a colheita do feijão, mas a elas não cabe a decisão sobre o que, como e onde cultivar.

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a continuidade ou expansão da cria-ção de galinhas e outras aves.

Isto signifi ca que a tomada de deci-sões e atitudes das mulheres a respei-to da criação de aves de capoeira depende diretamente da construção de novas relações culturais dentro das famílias e dos grupos sociais locais. Mas quais são os caminhos para alcançar estas mudanças? Ou seja, a partir de quais aborda-gens teórico-metodológicas se podem alcançar estas mu-danças?

Não se pretende responder estas questões aqui, não pelo fato que não se deseje e tampouco não exista inquietude para tal, mas simplesmente por tratar-se de um assunto que o autor ainda encontra limites para aprofundá-lo. Mas a ten-tativa aqui é de ressaltar e trazer para o centro do debate que, desde uma perspectiva agroecológica, não se fortalece esta atividade, a criação de galinhas de capoeira, sem que seja uma ação baseada no empoderamento das mulheres em dimensões culturais e psicológicas de tal maneira que tenham as condições de auto-estima, valorização de seu trabalho e especialmente o aumento de sua capacidade e espaço para as tomadas de decisões nos diferentes níveis, desde seu agroecossistema até as relações sociais e eco-nômicas mais complexas com o exterior em que estão in-seridas.

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O Papel dos Animais nos Agroecossistemas da Agricultura Familiar

Desde a perspectiva agroecológica, para levar a cabo uma ação direta junto aos sistemas de criação de aves de capo-eira, é básico ter uma compreensão sobre o funcionamento do agroecossistema em estudo como um todo.

Não obstante, o papel que têm os animais dentro dos agro-ecossistemas é ainda pouco estudado no âmbito da Agro-ecologia. Assim, para aprofundar o conhecimento sobre o sistema de criação das aves10, antes de tudo é fundamental entender qual é a lógica da inserção de todos os tipos de animais e o papel que desempenham nos agroecossistemas da agricultura familiar.

Em geral, os sistemas de criação de animais praticados pe-los agricultores familiares apresentam uma complexidade de

10 Ver no item 2.3 mais detalhes sobre uma abordagem Agroeocológica sobre a criação de aves de capoeira

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signifi cados, funções, interações, sinergias e complementa-ridades dentro dos agroecossistemas. Algumas destas são apresentadas a seguir, com a ressalva de que as mesmas re-presentam uma generalização de aspectos que ocorrem em diferentes níveis de intensidade entre os sistemas de criação de animais da agricultura familiar:

• Os agricultores familiares fazem uso de uma apropriada combinação entre os espaços internos do agroecos- sistema e não raramente com as vizinhanças do agroecossistema;

• Os agricultores familiares utilizam uma combinação de várias espécies diferentes de animais com o objetivo de explorar uma ampla gama de oferta de alimentos disponí- veis em seus agroecossistemas e obter diferentes produ tos de origem animal para o autoconsumo e geração de renda (Reijntjes, Haverkort & Waters-Bayer, 1992);

• A atenção e decisões do agricultor familiar em termos de manejo e tamanho do rebanho, especialmente em re- lação à alimentação empregada, responde, entre outros

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aspectos, a uma combinação entre o nível do produto (alimento), o serviço esperado do animal, da con- dição fi siológica do animal e de acordo com a possibi- lidade de acesso aos alimentos nas diferentes épocas do ano e a disponibilidade de mão-de-obra familiar (Melo & Tonneau, 2002);

• Os agricultores familiares manejam os animais com a preocupação de uma interação entre os animais e plantas em termos do uso espacial e temporal das áreas de cultivo e pastoreio, visando o máximo aproveita- mento dos recursos locais para a alimentação dos animais e ao mesmo tempo para a reposição dos nutrientes no solo necessários ao bom crescimento e produção dos cultivos; assim, as aves podem ser ma- nejadas de diferentes formas de acordo com sua possibilidade de integração positiva ou negativa com o cultivo, por exemplo, os guinés podem signifi car uma interação negativa para determinados cultivos em diferentes épocas do ano, como podem representar

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uma relação positiva ao controlar pragas de forma natural11.

• Os sistemas da agricultura familiar buscam utilizar e se- lecionar tipos e variedades raciais de animais que apresentam uma maior adaptação fi siológica ao am- biente em que vivem, sobretudo fazendo um processo de seleção dentro dos próprios rebanhos daqueles animais que conseguem reunir uma boa produção dentro dos padrões locais de clima, topografi a, vege- tação, presença de parasitas externos e predadores, recursos forrageiros e as possibilidades econômicas de uso de insumos externos para o trato destes animais;

11 No sul do Brasil existe uma experiência muito exitosa no controle da principal praga do cultivo da erva mate (Hedypathes betulinus Ordem: Cerambycidae) através da criação de guinés (Mallmann et al., 2001)

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• Associado à prática do policultivo, os animais fazem parte de uma estratégia de diversifi cação da produção da agricultura familiar que permite uma maior resistência e resiliência do agroecossistema como um todo frente aos distúrbios internos e externos aos agroecossis- temas;

• Nos agroecossistemas da agricultura familiar os animais são utilizados para acelerar os ciclos de nutrientes, sobretudo na recuperação de perdas de nutrientes em sistemas de policultivos de ciclo rápido, como nas hortas familiares;

• Os animais servem como um elemento de estabilização econômica do agroecossistema da agricultura familiar, possibilitando, por um lado, uma entrada constante de renda na propriedade, e por outro, a formação de um estoque que serve como economia para os momentos de investimentos planejados, como a compra de um uten- sílio doméstico, e para os gastos extraordinários não previsíveis, como uma doença de membros da família;

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• Os agricultores familiares apresentam uma ética em sua relação com os animais. Buscam neles uma parte im- portante de sua alimentação e geração de renda, mas para isso não expõem os animais a situações de crueldade e de uma vida marcada pelo sofrimento; ou seja, não têm os animais como máquinas disponíveis para seus objetivos, como nos sistemas industriais. Pelo contrário, os agricultores familiares põem nomes em seus animais. Os tratam com respeito em reconhe- cimento à contribuição que estes fazem para sua sobrevivência. Na prática, cuidam dos animais com uma preocupação ética. Por isso fazem todo o esforço ao seu alcance para oferecer aos animais as condições mais apropriadas às necessidades comportamentais e alimentares dos animais.

Entretanto, temos que considerar que em muitos casos o agricultor familiar tem enfrentado determinadas condições de pressão externa, especialmente de natureza econômica, que o levam a uma co-evolução negativa com a natureza, onde se vem colocando em xeque o próprio agroecossiste-ma e a reprodução social devido, por exemplo, à exploração dos recursos naturais através do excesso de pastoreio e ou-tras práticas equivocadas de manejo animal.

Em resumo, a importância de agroecossistemas diversifi cados em termos da criação de animais pode ser bem caracterizada através dos benefícios ecológicos, sociais e econômicos que oferecem diretamente para as famílias e, consequentemen-te, para a sustentabilidade de seus agroecossistemas. Neste sentido, um bom exemplo pode ser observado na tabela 3,

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que apresenta um tipo de hierarquia dos benefícios que cada espécie de animal e suas diferentes categorias oferecem para determinados tipos de agroecossistemas na Índia.

Para entender estes papéis através da análise da tabela 3, pode-se fazer uma interpretação do papel que cumpre cada animal dentro dos agroecossistemas estudados por Conroy (2005), por intermédio da Matriz de Atribuição de Valores, que é um tipo de ferramenta metodológica que permite obter uma visão dos próprios agricultores familiares sobre as vantagens de se criar diferentes tipos de animais. Esta análise permite as seguintes interpretações, apresentadas no Box 01:

BenefíciosEstercoLeiteManteiga LíquidaRendaCarne* (P/ Consumo Doméstico)

Tração AnimalCouroAtivo Líquido**

Búfalo15253025

5

Boi***15

805

Vaca20

12,512,550

5

Tabela 3. Matriz de atribuição de valores a benefícios de produtos da criação de animais por membros de tribos em Khahad Udaipur (%)

Fonte: Conroy (2005)

Cabra 5

12,5550555

12,5

Aves

5050

O BúfaloTem um propósito múltiplo, sendo um bom provedor de esterco (15 % dos benefícios), mas seu forte é a produção de leite, sobretudo para fazer um tipo de manteiga, muito apreciado localmente (somados o leite

Box 1. Análise do papel dos animais a partir da Matriz de Atribuições de Valores.

* Em algumas áreas/sociedades da Índia, existe entre os criadores de cabras o costume de não consumir suas próprias cabras. Assim, a interpretação do dado sobre a carne necessita atenção.

** Como este não é um produto tangível, os criadores de cabras não podem identifi cá-lo sem in- dução. Neste exemplo os criadores foram induzidos deliberadamente pela equipe de investi- gadores, que queria saber a importância relativa das vendas para enfrentar as emergências versus as vendas para maximizar a renda líquida.

*** Aqui se refere a bubalinos e bovinos castrados para o uso como animal de tração.

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86 Agroecología e Agricultura Familiar em Tempos de Globalização:O Caso dos Sistemas Tradicionais de Criação de Aves no Semi-árido Brasileiro.

Partindo de uma das considerações de Gliessman sobre agroecossistemas sustentáveis, pode-se chegar a uma conclusão lógica de que a criação dos animais domésti-cos numa perspectiva agroecológica deve integrar-se nos agroecossistemas cumprindo uma função ecológica em

A VacaTem um papel semelhante ao descrito para o búfalo, mas na estratégia local se destaca sua importância na geração de renda líquida;

e a manteiga se alcançam 55% dos benefícios deste tipo de animal). Entretanto, não se espera com esse animal uma boa liquidez em momentos de contingência. Tal fato pode sugerir dois motivos: um relacionado à difi culdade de venda imediata em momentos de emergência (A própria liquidez do animal) e a outra devido à difi culdade de substituí-lo, devido à necessidade de um elevado investimento para a futura recomposição do rebanho e porque a reprodução desta espécie é mais demorada, diferentemente das espécies de menor porte, como a cabra. Mas, todos estes fatores podem ocorrer ao mesmo tempo, ou seja, é a combinação dos fatores descritos que determina a estratégia de não optar pelo búfalo para as contingências. Ademais dos aspectos mencionados, o búfalo é um animal importante na geração de renda para a família (25% dos benefícios);

A CabraÉ possível verifi car que se espera uma multiplicidade de objetivos para este animal, mas é central seu papel na geração de renda imediata (50% dos benefícios), na oferta de leite (12,5 % dos benefícios) e como ativo líquido (12,5% dos benefícios), ou seja, como um bem que estará disponível para gerar renda em situações imprevistas;

O BoiAparece claramente com o objetivo de potencializar a força de trabalho da família (80% dos benefícios). É o animal que serve para vários dos traba-lhos com os cultivos e para o transporte da produção. Com o boi também se busca os benefícios de seu esterco (15 % dos benefícios);

As Aves de CapoeiraPercebe-se que estas cumprem uma função bem defi nida na geração de renda imediata (50% dos benefícios) e autoconsumo (50% dos benefícios). Neste caso não se trabalha com elas com a expectativa de um “tipo de poupança” para o uso em pequenos gastos imprevisíveis, papel que é es-perado unicamente das cabras.

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sua relação com os diversos cultivos e espaços naturais, ou manejados de forma similar à função dos animais sil-vestres nos ecossistemas naturais. Assim, desde a dimen-são ecológica da Agroecologia, os agricultores familiares têm desenvolvido tipos de manejo e formas de integração da criação de animais domésticos em seus agroecossiste-mas que, em certo grau, estão de acordo com tal busca de semelhança com os ecossistemas naturais. Em outras pa-lavras, em geral, as formas de criação de animais pratica-das pelos agricultores familiares tendem a poucas perdas de nutrientes para fora do agroecossistema e ao mesmo tempo fazem uso de práticas de integração animal / cultivo que tendem a acelerar a recuperação dos nutrientes que se perdem; ou seja, a criação de animais ajuda a promover um bom ciclo de nutrientes e energia dentro do agroecos-sistema.

Neste sentido, voltando a fazer referência direta ao caso da criação das aves de capoeira, esta atividade pode até ser a principal do agroecossistema, mas numa perspec-tiva agroecológica não faz sentido que seja o único tipo de criação dentro do agroecossistema (Guelber Sales, 2005).

De fato não é raro encontrar agroecossistemas da agricultura familiar na região semi-árida que têm na criação de galinhas de capoeira sua atividade mais importante, mas esta sempre vem integrada a outros tipos de criação e cultivos. Isto é comum para as agricultoras familiares viúvas, separadas ou as que seus maridos migraram em busca de trabalho nas grandes cidades do Brasil.

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Os Saberes Tradicionais

Conforme foi enfatizado na discussão do conceito de Agro-ecologia, os saberes tradicionais são fundamentais numa abordagem agroecológica. Portanto, um estudo e/ou ação com o propósito de fortalecer a criação de aves de capoeira no semi-árido deve ter como premissa básica que “deve-se aprender dos agricultores familiares” (Villasante, 2003. p.1). Dito de outra forma, deve-se reconhecer e potencializar o conhecimento tradicional, isto é, “o conjunto de saberes e o saber-fazer a respeito do mundo natural e sobrenatural, transmitido oralmente, de geração em geração” (Diegues & Arruda, 2001. p. 31).

Desde a perspectiva agroecológica, a atividade de investiga-ção, de geração de conhecimentos não é uma exclusivida-de da ciência convencional. Pelo contrário, é uma atividade cotidiana dos agricultores familiares. Estes sempre estão se deparando com problemas que afetam seus cultivos e cria-

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ções de animais, imaginam prováveis causas que geram os problemas, implementam ações para atacar as causas, e, depois de tudo isso, refl etem sobre os efeitos dos resultados de sua ação (Hocdé, 1997).

Mas os conhecimentos tradicionais estão mais além da ex-perimentação empírica, pois também se baseiam “numa ma-triz sociocultural ou cosmovisão contrária à teorização e abs-tração” (Altieri, 1990 e Toledo, 1992 apud Sevilla Guzmán, 2006/2007a. p.03), frutos de sua cultura local e de anos de uma convivência muito íntima com a natureza.

O próprio autor do presente trabalho pôde conviver no semi-árido brasileiro12 com muitos agricultores familiares com co-nhecimentos muito particulares e complexos em suas rela-ções com o ambiente semi-árido. Como exemplo, conviveu com agricultores familiares radiestesistas13, que localizavam a água armazenada nos aqüíferos para indicar a melhor posi-ção de escavação de poços usando sua habilidade especial de captação de energia magnética sinalizada pelo movimen-to de uma rama em forma de “Y” agarrada entre suas mãos. Nesta região também conheceu agricultores familiares que

12 Entre os anos 80 e 90, o autor viveu treze anos em uma propriedade situada em uma comunidade rural do semi-árido chamada Lagoa do Urubu, aí se localizava o Centro de Tecnologías Alternativas de Ouricuri (CTA), que fazia parte do Projeto Tecnologias Alternativas. O CTA se transformou na ONG CAATINGA < http://www.caatinga.org.br/ >, que faz um trabalho muito valioso de Agroecologia e convivência com o semi-árido, reconhecido em todo o Brasil.

13 Radiestesia é o uso da sensibilidade humana às radiações. (do latim radius - radio, radiação - e do grego aisthesis – sensação). Os radiestesistas usam esta capacidade para encontrar fontes de água, mineral e na agricultura há milênios. Os exércitos romanos durante seus deslocamentos usavam os radiestesistas para encontrar água usando um galho de árvore. Durante a idade media o uso da radiestesia foi condenado pela inquisição como prática de magia negra (Vhaney, s.f.; Radiestesia On-line, s.f.). Atualmente existe no Brasil uma organização que se dedica a cultivar esta sensibilidade, aliada aos conhecimentos do relevo, etc.

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faziam a previsão do inverno do ano seguinte por meio de uma análise complexa de observação entre os fatores bió-ticos do ecossistema local e o universo, isto é, faziam uma triangulação entre o comportamento das formigas, com o de certas plantas da caatinga e a posição das estrelas. Em am-bos os exemplos o grau de acerto era impressionante. Mas talvez, com os efeitos da mudança climática estes conheci-mentos se tornem cada vez mais impraticáveis.

Como enfatizam (Reinjtjes, Harverkort & Waters-Bayer, 1992. p.35) “a maior parte das tecnologias agrícolas atualmente em uso no mundo foram desenvolvidas por agricultores e não por cientistas educados no âmbito do sistema formal”. De fato, são estes sistemas agrícolas desenvolvidos pelos agriculto-res que abastecem a demanda por alimentos da maior parte da população humana (Reinjtjes, Harverkort & Waters-Bayer, 1992). Neste sentido, Gliessman (2001:566 apud Figueiredo & Lima, 2006. p.38) afi rma que “os agroecossistemas tradi-cionais oferecem exemplos abundantes de práticas agrícolas sustentáveis, e de como os sistemas socioculturais, políticos e econômicos se encaixam na equação da sustentabilidade”.

Tomando estas premissas como base, o ponto de partida num estudo e/ou ação sobre os sistemas de criação de aves de capoeira é compreender que as decisões referentes ao manejo e os tipos de sistemas de criação de aves de capo-eira que fazem as agricultoras familiares do semi-árido não ocorrem por casualidade, senão pelo acúmulo de conheci-mento de varias gerações com esta atividade a partir de uma combinação entre uma complexidade de fatores socioeco-nômicos, ecológicos e climáticos, sendo este último muito

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especial em função dos limites naturais que impõe a própria condição de semi-aridez.

Assim, numa abordagem agroecológica sobre este tema é fundamental que seja aprofundado e valorizado o conheci-mento existente sobre cada aspecto do manejo e, especial-mente, da lógica geral que norteia o sistema e as decisões das agricultoras familiares de cada localidade específi ca, tanto a respeito dos limites do próprio agroecossistema, como ao respeito das infl uências e pressões de seu exterior, especialmente nas relações com a comunidade em que se localizam e com o mercado local.

Para levar a cabo uma metodologia baseada na Agroecolo-gia três aspectos são imprescindíveis:

• Uma abordagem metodológica sistêmica, que rompa com o enfoque positivista e fragmentado da ciência convencional, evitando cair no risco de ver a criação de galinhas como um sistema isolado, sem considerar seu papel integral ao agroecossistema. Assim, se tem que buscar aprofundar junto às agricultoras familiares as melhores formas de integração entre os fl uxos e ciclos naturais em que as aves estão envolvidas dentro dos agroecossistemas. Ademais, não se pode impor às aves situações fora de seu comportamento natural, ou cair no erro da introdução de tecnologias pouco ma- nejáveis e insumos pouco accessíveis às famílias;

• Assumir uma visão da experimentação participativa entre os agricultores/as familiares não só como um

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processo de geração de novos conhecimentos de técnicas e procedimentos de manejo animal e de cultivo agrícola, mas além disto como um fortalecimento da prática e percepção do agricultor/a familiar de que eles mesmos são os principais protagonistas capazes de solucionar seus próprios problemas (PDHC, 2006). Ademais, que considere uma ação orientada e articu- lada a processos em rede entre agricultores/as fami- liares, envolvidos diretamente com suas comunidades, associações comunitárias, organizações sindicais e aos movimentos sociais.

• Uma abordagem metodológica participativa e trans- formadora, que por sua vez permita que o conheci- mento técnico dialogue e se complemente com o saber do agricultor familiar, sem imposição de uma lógica externa.

Só a partir deste tipo de abordagem teórico-metodológica é possível alcançar mudanças verdadeiramente sustentáveis, que de fato contribuam para a construção de soluções para os problemas e aproveitamento das potencialidades da cria-ção tradicional de aves que a credencie como uma alternati-va real ao modelo de avicultura industrial e globalizada.

A Conservação da Biodiversidade

Com o alerta crescente da estreita dependência da sociedade dos recursos biológicos para a economia, alimentação, nutri-

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ção e saúde humana e animal, sua preservação se tornou um foco de preocupação imediata motivando ações dirigidas a uma melhor compreensão da biodiversidade e dos modos de preservá-la (Gamarra-Rojas & Gamarra-Rojas, 2002).

Toledo (2006/2007b) demonstrou com propriedade que a conservação da diversidade biológica mundial depende dire-tamente dos processos econômicos, políticos e sociais que atuam sobre a ampla diversidade cultural da espécie humana representada pelos povos indígenas14 existentes no planeta; ou seja, a biodiversidade esta vinculada à diversidade cultu-ral e vice-versa. A partir desta visão, Toledo (2006/2007b) re-força um conceito mais amplo sobre biodiversidade, no qual considera a variedade de paisagens, ecossistemas, espécies e genes, incluindo seus diferentes processos funcionais.

Entre os esforços nos diferentes níveis de conservação da biodiversidade, se torna cada vez mais importante a conser-vação da diversidade genética na agricultura (diversidade de cultivos e animais domesticados), sendo um fator fundamen-tal para as bases da sustentabilidade dos agroecossistemas tradicionais (Toledo, 2006/2007b; Boef, 2007).

14 Para Toledo (2006-2007b, p.3) “os povos indígenas podem ter todos ou alguns dos seguintes critérios: (a) são descendentes dos habitantes originais de um território que tem sido submetido (overcome) por conquista; (b) são “povos ecossistêmicos”, tais como agricultores permanentes ou nômades, pastores, caçadores e coletores, pescadores ou artesãos, que adotam uma estratégia de uso múltiplo de apropriação da natureza; (c) praticam uma forma de produção rural de pequena escala com trabalho intensivo que produz poucos excedentes e em sistemas com necessidades energéticas baixas; (d) não tem instituições políticas centralizadas, organizam suas vidas em nível comunitário, e tomam decisões com base no consenso; (e) compartilham linguagem, religião, valores morais, crenças, roupas e outras características de identifi cação, assim como uma relação com um território particular; (f) têm uma visão do mundo diferente, que consiste em uma atitude não materialista, de posse da terra e dos recursos naturais baseada em um intercâmbio simbólico com o universo natural; (g) vivem subjugados por uma cultura e sociedade dominantes; e (h) se compõe de indivíduos que subjetivamente se consideram a si mesmos como indígenas”.

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Entretanto, o signifi cado da variação dentro das espécies é mais difícil de ser avaliada e entendida que a variação entre espécies. Também as relações entre conservação e uso sus-tentável da biodiversidade intragenérica em agroecossistemas complexos, como os sistemas da agricultura familiar, são ain-da pouco claras. Talvez seja por isto que estes dois aspectos, que andam juntos, também tenham recebido menos atenção e incentivos por parte da ciência e órgãos de fomento ofi ciais (Gamarra-Rojas & Gamarra-Rojas, 2002). Mais ainda, quan-do se fala de perda genética na agricultura é muito comum dar muita ênfase às perdas nos cultivos, mas os animais do-mésticos geralmente são esquecidos neste âmbito. Os riscos da perda de diversidade de espécies e de raças animais têm sido reconhecidos pela FAO apenas há pouco tempo. Este reconhecimento, ainda que tardio, tem estimulado os países para a manutenção desta valiosa fonte de recursos genéticos de espécies e raças (Schiere, 2007). Com efeito, dados da FAO apontam que nos últimos 50 anos o número de raças tem diminuído de forma acelerada, e menciona que ao redor de 30% das raças de mamíferos e aves domésticas (1200 a 1500 raças) podem ser perdidas defi nitivamente (LEAD, s.f.).

As possíveis causas do rápido processo de erosão genéti-ca nos animais domésticos são diversas (tabela 4). A princi-pal causa é determinante para uma reação em cadeia, entre varias outras causas, é sem duvida a pressão exercida pelo padrão tecnológico reducionista da modernização da agricul-tura, que centra todos os esforços em desenvolver animais geneticamente uniformes e que respondam ao alto uso de in-sumos e ração, dentro de “ambientes controlados”; ou seja,

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que adeqüem-se aos padrões da criação intensiva industrial e à lógica econômica dos sistemas agroalimentares hegemô-nicos atuais. Neste processo, os demais atributos genéticos e fenotípicos dos animais são completamente esquecidos, e considerados indesejáveis. Fazendo um paralelo com o caso das frutas oriundas da região Nordeste do Brasil, que estão em franco processo de erosão e extinção, em parte devido a sua substituição por frutas mais homogêneas e mais difundi-das pelos órgãos de fomento agrícola (Gamarra-Rojas & Ga-marra-Rojas, 2002). Um diagnóstico participativo realizado em agroecossistemas da agricultura familiar do semi-árido da Pa-raíba (Gamarra-Rojas et al., 2004), motivou uma revalorização destas frutas por parte das famílias agricultoras a partir de uma discussão coletiva das funções e usos múltiplos das plantas e seus frutos nos agroecossistemas, tradições e economia rural ou, como dizem alguns autores, “as frutas nativas passaram de testemunhas da fome a delícias requintadas da mesa”.

Pelos motivos já comentados no primeiro capítulo deste tra-balho15, após 400 anos de introdução dos animais domésticos pelos portugueses na região semi-árida16 a ciência convencio-nal ainda não reconhece, nem dá o devido valor, à existência de raças locais de galinhas, apesar das diversas evidências de sua existência, diversidade, valor e utilidade. Tomando os ovinos e caprinos como referencia, estes já têm raças lo-cais ofi cialmente reconhecidas, as quais são bem defi nidas e caracterizadas por sua adaptação à oferta de alimentos da

15 O fato de ser uma atividade considerada marginal, invisível do ponto de vista socioeconômico, não conduz a um reconhecimento ou status acadêmico, técnico ou científi co a quem se envolva com este tema.

16 Com exceção do pato (Cairina moschata L.) os demais animais domésticos foram introduzidos.

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vegetação nativa e, sobretudo às condições de semi-aridez. Como exemplo, os ovinos que formaram a raça Morada Nova para se adaptar ao ambiente semi-árido perderam toda a lã, diminuíram de tamanho e desenvolveram mecanismos de ar-mazenamento de gordura na base de sua calda.

Independente do reconhecimento de raças locais de galinha pela ciência convencional, existe um patrimônio genético va-lioso nesta região, formado por diferentes variedades locais reconhecidas pelas mulheres. Estas variedades foram sele-cionadas por centenas de anos em dois sentidos. Por um

Fonte: Adaptado de ITDG apud LEAD (s.f).

CausaApoio Inadequado

Seleção enfocada no produto fi nal

Alterações no uso da terra

Mudanças nos conhecimentos

Mudanças nas Tecnologias

Mudanças naEconomia

Intensifi cação

Cruzamentos

DescriçãoFalta de reconhecimento do valor das raças indígenas e de sua importância na adaptação ao nicho. Incentivos para introduzir raças exóticas e mais uniformes, dos países industrializados.

Ênfase indevida sobre um produto fi nal ou característica, levando à rápida disseminação de uma raça de animal em detrimento de outras.

Conversão de pastagens e sistemas mistos em terras agrícolas, reservas de caça e uso industrial.

A idéia de que o “moderno/importado é melhor” levou à perda do conhecimento sobre as práticas reprodutivas do gado tradicional e à erosão da diversidade dos animais domésticos.

A substituição dos animais de tração e carga por maquinaria, levando as alterações permanentes nos sistemas agrários, a inseminação artifi cial e a transferência de embriões conduzindo à rápida substituição das raças autóctones.

Diminuição da viabilidade econômica dos sistemas de produção pecuária tradicionais

Efetivos pecuários que dependem da intervenção veterinária e de condições de alimentação melhoradas. Pesados investimentos em medidas sanitárias preventivas e curativas, e na alimentação, alojamento e manejo. Espécies e raças locais multifuncionais substituídas por outras com elevadas produtividades de leite, carne e ovos (incluso raças exóticas puras e seus cruzamentos).

Predominância de machos reprodutores de algumas raças selecionadas em programas gerais de reprodução pode levar à perda de características apresentadas pelas raças especializadas.

Tabela 4. Possíveis causas da erosão genética dos animais domésticos

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lado, devido à imposição natural do meio e, pelo outro, por intermédio dos objetivos particulares das agricultoras fami-liares. No sentido natural, muitos fatores podem ser aponta-dos, tais como a presença de predadores, doenças, o tipo de vegetação, mas o principal fator é a rigidez do clima se-mi-árido, com temperaturas muito elevadas durante a maior parte do ano associada à baixa umidade do ar. Acentuam-se estas condições com períodos de secas muito severas e anos com invernos com chuvas torrenciais. Por outro lado, a seleção realizada pelas agricultoras familiares seguiu critérios que geralmente combinam os aspectos de resistência aos rigores mencionados do meio, à capacidade de produção de carne e/ou ovos. O mais comum é o duplo propósito (carne e ovos) aliado à capacidade reprodutiva da galinha (choco e criação dos pintinhos).

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Esta co-evolução mulher / natureza contribui de maneira es-tratégica para a preservação de uma agrobiodiversidade de galinhas com boa adaptação genética às condições socio-econômicas e ecológicas do semi-árido. Entretanto, isto é pouco percebido e valorizado pelos agentes externos que de alguma forma interagem com as agricultoras familiares.A partir daí, surgem infl uências externas, fortes e tentadoras, tanto para estes agentes externos envolvidos no assesso-ramento técnico como para as agricultoras familiares, em relação às raças exóticas, especialmente aquelas que su-postamente são associadas a uma elevada capacidade de produção de ovos e rusticidade.

Entre todos os temas sobre a criação de galinhas de ca-poeira, a questão da conservação da diversidade genética existente e as possibilidades para a defi nição/caracteriza-ção de raças locais é uma área em que há muito o que fazer e, sobretudo, que aprender desde uma perspectiva agroecológica. Por exemplo, numa pesquisa participativa, recentemente iniciada no contexto do Projeto Dom Helder Camara, as agricultoras familiares expressaram um gran-de interesse em aprofundar seus conhecimentos sobre as raças locais realizando uma pesquisa sistemática em cola-boração com os técnicos. Mas, elas vão mais além, pois pretendem utilizar estes conhecimentos para realizar inter-câmbios de matrizes e reprodutores para melhorar suas próprias raças.

Um possível itinerário metodológico com o objetivo de uma primeira aproximação ao tema seria uma aprendizagem sobre como buscar mecanismos que potencializem a manutenção

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das variedades locais de galinhas. Isso frente ao desafi o que normalmente as agricultoras apresentam como demandas aos técnicos, ou seja, como garantir uma oferta mais regular de ovos para que além da produção para o autoconsumo se possa aumentar a oferta de ovos em quantidade sufi ciente para a geração de renda. Para isto, é importante considerar dois aspectos metodológicos:

• Primeiro, é necessário buscar ampliar a valorização do trabalho que elas têm feito com a seleção de suas aves;

• Segundo, deve-se buscar ampliar seus conhecimentos a partir de vários mecanismos de aprendizagem, sobretudo através do intercâmbio de experiências entre agricultoras familiares com amplo conhecimento acumulado na criação de galinhas de capoeira e na experimentação participativa com grupos de mulheres dentro e entre comunidades/grupos de mulheres.

Os Sistemas Agroalimentares Locais

Os sistemas agroalimentares industrializados, no marco da expansão do neoliberalismo e globalização, estão conse-guindo cada vez mais uma dinâmica de substituição dos pa-drões locais e regionais de produção e consumo de alimen-tos por um sistema alimentar maciço e global (Gliessman, 2002; Sevilla Guzmán, 2006c).

Este modelo agroalimentar, entre outras características, por

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um lado, leva a um crescente distanciamento dos processos naturais como base da produção alimentar, ao mesmo tempo em que não considera os impactos ambientais conseqüentes dele (Soler Montiel, 2004) e, por outro, promove uma relação de subordinação e dependência do setor agrário aos setores não agrários do sistema agroalimentar17, de modo a criar condições socioeconômicas e ecológicas bastante adversas para os agro-ecossistemas tradicionais, aumentando os problemas de desi-gualdade no campo, especialmente através da concentração da terra nas mãos de poucos, dos recursos naturais e materiais necessários à produção agrícola, como também o acesso às políticas públicas para o meio agrário e ao mercado. (Gliess-man, 2002; Sevilla Guzmán, 2006a; Soler Montiel, 2004).

Em geral, a criação de galinha de capoeira é praticada na agricultura familiar do semi-árido brasileiro sem signifi cativas necessidades de uso de insumos externos18 e, portanto, apa-rentemente estaria de certa maneira livre de uma relação com o exterior que conduza a uma subordinação e dependência direta dos setores não agrários do sistema agroalimentar avícola industrial. Por outro lado, não se deve desenvolver qualquer estudo e/ou ação sobre a criação de galinha de ca-poeira considerando que devido ao pouco uso dos insumos externos esta atividade esteja isolada da infl uência dos fa-tores socioeconômicos e políticos do modelo agroalimentar

17 De acordo com Whatmore (1994) e Canãda (1997), citados por Soler Montiel (2004), quando se fala de maneira geral do sistema agroalimentar pode-se identifi car os seguintes setores: o setor agrário, o conjunto de setores de “inputs” agrários, a indústria de transformação alimentícia, o setor da distribuição alimentícia e o setor de restaurantes e hotelaria.

18 Para uma melhor compreensão desta afi rmação veja os argumentos apresentados no item 3 - a avicultura tradicional no semi-árido de Brasil. Uma primeira aproximação.

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globalizado. Pelo contrário, a infl uência nesta atividade talvez seja maior que nas outras atividades do agroecossistema da agricultura familiar, porque em oposição à criação da galinha de capoeira está toda a força econômica e política do setor da avicultura industrial, que atua de maneira muito efi ciente dentro da lógica da ocupação absoluta do mercado, median-te mecanismos que pouco a pouco tendem a neutralizar e até impossibilitar que as famílias agricultoras tenham acesso aos mercados, assunto este já bastante discutido em outros itens deste trabalho.

Frente a este contexto, um dos desafi os que se deve pro-por num estudo e/ou ação sobre a criação das galinhas de capoeira no semi-árido corresponde às estratégias de resis-tência da agricultura familiar e da busca de alternativas ao modelo agroalimentar avícola industrial.

Como forma de aproximação a este tema, na continuação se faz algumas considerações sobre a estratégia que parece ser mais tangível para a agricultura familiar com o mercado neste momento. Trata-se do avanço nos canais curtos de comer-cialização de frangos e ovos, sobretudo aqueles orientados para a ocupação dos sistemas agroalimentares locais.

As cadeias curtas de comercialização são essenciais na bus-ca da sustentabilidade dos agroecossistemas da agricultura familiar. Esta estratégia contribui grandemente para a dimi-nuição do alto grau de concentração de poder que o merca-do exerce sobre a determinação de processos de produção agrícola em ritmos e condições que rompem com os equi-líbrios sociais no meio rural e com os ciclos naturais neces-

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sários para a sus-tentabilidade dos agroecossistemas. Em outras palavras, a ocupação dos mercados locais pela agricultura fa-miliar estimula uma produção local ba-seada na biodiversidade agrícola necessária para a recupe-ração e manutenção da complexidade e equilíbrio dos agro-ecossistemas (Soler Montiel, 2004).

Neste sentido, os canais curtos de comercialização cen-trados no mercado local promovem um ciclo virtuoso entre campo e cidade para a sustentabilidade dos agroecossiste-mas nos seguintes aspectos:

• São mais acessíveis a uma gestão direta pela agricultura familiar, permitindo uma maior participação do agri- cultor familiar no valor agregado do produto e preços menores para os consumidores;

• Estimulam a criar uma alimentação mais saudável para as famílias urbanas, baseada em gêneros alimentícios ecologicamente mais apropriados às condições de produção do território, que por sua vez retro-alimenta uma demanda de produção local diversifi cada, a qual possibilita uma maior oportunidade de participação no mercado, inclusive das famílias que produzem deter- minado tipo de produto em menor escala;

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• Promove um reforço direto da economia do terri- tório como um todo através da aproximação econômica entre campo e cidade. Ao aumentar a geração de renda no meio rural de um território se fortalece também o meio urbano do próprio território, uma vez que, ao contrario das cadeias longas de comercialização, o recurso fi nanceiro gerado pela produção agrícola não é exportado para longe do território;

Em uma perspectiva agroecológica é importante apontar que um estudo e/ou ação junto a um processo de promoção de avanços da agricultura familiar nos canais curtos de comer-cialização, a princípio, não deveria ser trabalhado através de uma visão de nicho de mercado dentro do sistema agroali-mentar hegemônico, globalizado19. Se se assume a perspec-tiva de nicho de mercado, se considera que o modelo atual é aceitável e sem possibilidades de construção de alternativas que levem à mudanças no mesmo modelo no futuro20. Este posicionamento é importante porque destaca o fato de que o nicho de mercado normalmente se relaciona a uma opor-tunidade de solução / saída da crise para poucos, enquanto a Agroecologia busca alternativas para uma agricultura sus-tentável; ou seja, com uma ampla oferta de oportunidades econômicas que levem as famílias agricultoras a uma vida mais digna, baseada em processos socioeconômicos e eco-lógicos sustentáveis.

19 Aqui se faz uma proposição por analogia e semelhança com a opinião de Soler (2004, p.24) sobre a agricultura ecológica em uma perspectiva de nicho de mercado na globalização.

20 Aqui também se faz uma proposição por analogia e semelhança com a opinião de Soler (2004, p.24) sobre a agricultura ecológica em uma perspectiva de nicho de mercado na globalização.

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Outro aspecto importante a considerar é que o enfoque de nicho de mercado tende a uma aproximação de um tipo de agricultura que não parte da abordagem da Agroecologia, pelo contrario, se aproxima de uma abordagem classifi cada por Rosset & Altieri (2002) como agricultura de substituição de insumos. O resultado é que, ao aproximar-se da aborda-gem de substituição de insumos, não se consegue romper com a dependência de insumos externos ao agroecossiste-ma, mesmo que agora estes ofereçam impactos ambientais menos danosos, e principalmente não se busca a essência da base ecológica da Agroecologia que é a biodiversidade ecossistêmica, os benefícios da integração entre animais e cultivos que elevam dentro do agroecossistema os tipos de interações complexas e os sinergismos que resultam numa maior resiliência e resistência dos mesmos (Rosset & Altieri, 2002).

Baseado numa abordagem agroecológica o estudo e/ou ação sobre a criação de galinhas no semi-árido, em sua re-lação com os mercados locais através dos canais curtos de comercialização, deve ser abordado tecnicamente com foco no fortalecimento dos sistemas da agricultura familiar de produção de carne e ovos através de adequações possíveis nos atuais sistemas de criação, isto é, que não criem novos tipos de dependência externa em função da orientação do mercado.

Ao fi nal, mas não menos importante, a abordagem deve en-tender os canais curtos de comercialização, especialmen-te por meio da participação dos agricultores/as familiares nas feiras locais, sejam elas agroecológicas ou tradicionais,

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como um espaço estratégico para uma reconstrução cultural de convivência social entre o mundo rural e o urbano. Um espaço de troca de saberes entre dois mundos que possibili-te, entre outros aspectos, que estes se conheçam melhor, se identifi quem e se complementem como parte de um mesmo território, que na maioria das vezes está isolado e sem po-líticas públicas adequadas e que favoreçam sua autonomia e desenvolvimento sustentável. Espaço que fortaleça social-mente, culturalmente e politicamente estes cidadãos/ãs ur-banos e rurais sobre as buscas de solução para problemas comuns, como, por exemplo, o problema comum às mulhe-res do campo e da cidade em suas situações altamente des-favoráveis nas relações de gênero, e até problemas exclusi-vos de uma das partes, buscando aí encontrar os elos de solidariedade perdidos entre os cidadãos urbanos e rurais.

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A falta de registros estatísticos em todos os níveis sobre a produção de galinhas de capoeira, de acordo com as carac-terísticas específi cas das famílias agricultoras brasileiras, faz invisível o papel que desempenha esta estratégia de produ-ção tanto no interior como no exterior da unidade familiar. Por conta disto, seus aportes socioeconômicos, ambientais e culturais não são reconhecidos e, portanto, não existe um desenho de política pública que fortaleça este tipo de ativi-dade.

Por isto, o presente trabalho busca elaborar uma aproximação teórico-metodológica, que considere as particularidades deste sistema de produção de galinha de capoeira e mostre a gran-

4.A Criação Tradicional de Aves

na Região Semi-árida Brasileira:Uma Primeira Aproximação

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de importância que tem o setor, tanto para a economia familiar como para a nacional.

4.1. A Criação de Galinha de Capoeira no Brasil: Um Gigante Invisível

Devido a importância do papel que tem a criação de galinhas de capoeira nas estratégias de vida dos agricultores familiares e sua importância para as populações locais em regiões onde sua economia é essencialmente agrícola, em muitas partes do mundo existem dados estatísticos específi cos sobre este tipo de criação, como o tamanho do rebanho nacional, a renda que gera, entre outros. Por exemplo, do total de galinhas criadas na África se sabe que 80% são galinhas de capoeira (Guéye, 1998 apud Pedersen, 2002) e no Sudeste da Ásia este valor se situa entre os 50% e 80% (Aini, 1990 apud Pedersen, 2002).

Entretanto, na América Latina, sobretudo no Brasil, não existem dados estatísticos ofi ciais que, desde as escalas nacional, regio-nal, estadual e municipal, permitam conhecer a evolução do re-banho, a produção de carne e ovos, entre outros registros espe-cífi cos da criação de galinha de capoeira no âmbito da agricultura familiar. Isso torna difícil estimar o aporte socioeconômico que ingressa a produção nacional de ovos e carne, fato que, em gran-de medida, a torna invisível para a sociedade e, por conseguinte, para a defi nição de políticas públicas para o fortalecimento desta atividade.

No Brasil os dados estatísticos ofi ciais sobre a produção de fran-go e ovos são registrados pelo Instituto Brasileiro de Geografi a

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e Estatística (IBGE), através de dois mecanismos: um através do Censo Agropecuário, que se faz a cada 10 anos, e o outro é o censo anual de Produção Pecuária Municipal (PPM). No Cen-so Agropecuário, a metodologia aplicada para o levantamento e análise da informação sobre a avicultura não considera a existên-cia dos sistemas de produção avícola que são muito diferentes, ou seja, existe um sistema intensivo, que adota o modelo tecno-lógico industrial e outro tradicional, que cria galinhas de capoeira. O que apenas se considera é a condição do agricultor em relação se tem ou não a propriedade da terra e alguns dados relaciona-dos às aves que possui (tamanho do rebanho, venda, produção, etc.). Portanto, é compreensível que nos resultados da análise é difícil perceber qual é a situação de cada tipo de sistema, o in-dustrial e o tradicional. Por exemplo, não é possível saber a evo-lução do rebanho de galinhas de capoeira em um determinado município (ou em qualquer outra escala) porque para este tipo de criação se realiza um levantamento em campo e análise onde se misturam e se confundem dados referentes a agricultores do tipo familiar, mas que têm uma criação em forma industrial, e mesmo se misturam os dados referentes aos agricultores patronais que têm na avicultura sua única atividade produtiva.

No caso da Produção Pecuária Municipal – PPM, a metodo-logia deixa claro que a criação de galinhas de capoeira não é objeto de estudo. Exemplo disto, é que no PPM fi cam fora do levantamento os dados das granjas avícolas com menos de 10.000 galinhas poedeiras (IBGE, 2002).

Entretanto, existem evidências de que a participação da cria-ção de galinhas de capoeira na produção nacional de carne e ovos, sobretudo nas regiões rurais mais pobres do país, não é

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algo que possa ser considerado insignifi cante. Pelo contrário, é uma atividade muito presente e que tem uma importância socioeconômica estratégica no modo de vida de agricultores familiares.

Com a intenção de ilustrar e entender melhor o signifi cado do tamanho do rebanho de aves de capoeira no universo do reba-nho nacional de aves do último censo agropecuário, apresenta-se aqui um exercício lógico-dedutivo baseado na semelhança do tamanho dos rebanhos de aves de capoeira obtido em dois estudos de agroecossistemas realizados em diferentes comuni-dades de agricultura familiar da região Nordeste do Brasil. Estes estudos, que foram realizados em distintas localidades e com um intervalo de 15 anos entre eles (Jalfi m, Siderski & Castello-Branco, 1991; Gamarra-Rojas et al., 2006), coincidentemente reportam uma média de aves por família muito próxima, isto é, de 30 e 36,6 cabeças adultas por família. A partir destes dados pode-se estabelecer um panorama geral, sem pretensões nem precisões estatísticas, sobre o tamanho do rebanho de aves de capoeira da agricultura familiar nesta região do Brasil. As-sim, retomando a média obtida dos dois estudos citados, de 33.3 aves, e multiplicando este valor pelo número de famílias agricultoras existentes no Nordeste do Brasil21, de dois milhões de famílias, resulta um total aproximado de 66,6 milhões de aves. Então, pode-se deduzir que no último censo agropecuá-rio, de 1996, apenas a agricultura familiar do Nordeste estava contribuindo com o 9,3 % do total do rebanho nacional de aves (718.538.029 aves)22. Em relação ao Nordeste do Brasil isto

21 Os dados do INCRA/FAO (Guanziroli, 2000) demonstram que a região Nordeste possui 2.055.157 estabelecimentos da agricultura familiar.

22 Dados do Censo Agropecuário do Brasil 1996 (IBGE, s.f.a).

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equivale a 64,6 % de todo o rebanho da região (103.058.191 aves)23 que estaria sendo manejado em nível de agricultura fa-miliar. Tal contribuição certamente não é tão pequena, como alguns setores sugerem que seja.

4.2. Importância dos Sistemas de Criação de Galinha de Ca-poeira para os/as Agricultores/as Familiares

Dado que a criação tradicional de galinha é uma atividade muito presente nos agroecossistemas da agricultura familiar, em todas as regiões do Brasil e na maior parte dos países em desenvolvi-mento do mundo, é possível, em primeira instância, evidenciar elementos comuns e centrais na lógica da agricultora familiar para a produção de galinhas de capoeira:

• É uma atividade majoritariamente a cargo das mulheres;

• São sistemas de criação baseados no uso mínimo de recursos externos à propriedade, através do aproveita- mento dos recursos locais, sejam as sobras da cozinha, a produção de grãos própria e dos alimentos disponíveis no meio ambiente (insetos, larvas, minhocas e vegetais diversos) que são obtidos pelas próprias galinhas;

• São sistemas de criação estabelecidos em perfeita harmonia com as demais atividades da propriedade, seja no uso da mão-de-obra, espaços e interações com os cultivos e com a estratégia mais ampla de produção diversifi cada;

23 Dados do Censo Agropecuário do Brasil. Região Nordeste 1996 (IBGE, s.f.b).

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• A produção da galinha tem duplo propósito, ovos e carne, para o autoconsumo, que em geral é uma prioridade, e para a geração de renda;

• A comercialização serve, por um lado, como uma complementação regular do total da renda familiar, feita de forma regular, em consonância com a disponibili- dade de grãos, e, por outro lado, a galinha, como uma forma de poupança, é transformada em dinheiro para uso imediato em momentos de gastos adicionais (doenças, festas, etc.).

A partir destes elementos centrais e comuns na criação tra-dicional de aves no Brasil, busca-se a seguir a construção de uma breve análise sobre a importância dos sistemas de criação de galinha de capoeira e outras aves desde as condições so-cioeconômicas, culturais e ambientais e da lógica da agricultura familiar predominante na região semi-árida brasileira.

Nesta região, as aves de capoeira, assim como os outros ani-mais (caprinos, ovinos e bovinos), formam parte de uma estra-tégia de produção diversifi cada, que integra de forma efi ciente o uso dos espaços e os fl uxos de matéria e energia entre a produção animal e vegetal, dentro das famílias de agricultores familiares.

Com efeito, a produção de aves de capoeira segue tendo um papel importante na alimentação e fonte de renda das famílias, inclusive em situações especiais em que os agroecossistemas de uma determinada comunidade têm uma atividade produtiva central, dentro de sua estratégia de geração de renda, como se

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pode ver no exemplo da tabela 5, onde se pode observar que, em agroecossistemas baseados no cultivo de caju (Anacardium occidentale L.), a comercialização predominante é a da casta-nha (Gamarra-Rojas et al., 2006).

Entretanto, desde o ponto de vista quantitativo, qual é realmente a contribuição da criação de galinhas e outras aves na alimenta-ção e geração de renda numa família da agricultura familiar?

Frente à escassez de pesquisas e dados bibliográfi cos no Brasil

Produto

Castanha decaju fresca

Pedúnculo secode caju

Caju de mesa

Feijão

Milho

Mel de abelha

Bovinos (adultose bezerros)

Galinhas (adultos)

Guinés (adultos)

Produção anualda Comunidade*

200 - 250 t

180 - 225 t

-

15,0 t (250 sacos de 60 kg)

3,0 t(50 sacos de 60 kg)

3,75 t (150 baldes de 25 kg)

150 cabeças

600 cabeças

500 cabeças

Volume Anual Comercializado

200 - 250 t

144 – 180 t

36 – 45 t

7,5 – 12,5 t

4,5 t

-

3,75 t (150 baldes de 25 kg)

30-40 cabeças(10 @/cabeça)

120 - 180 cabeças

150 – 200 cabeças

Valor Anualda Produção

(R$/ano)200.000 - 300.000200.000 - 375.000

27.000 - 33.75036.000 – 45.000

-

22.500 - 25.00012.500 – 15.000

-

6.00010.500

90.000 - 105.000 67.500 – 75.000

-

-

Valor daComercialização

(R$/ano)200.000 - 300.000200.000 - 375.000

21.600 - 27.00028.800 - 36.000

5.400 - 6.7507.200 - 9.000

1.200 - 2.0001.500 - 2.500

6.750 - 7.5003.750 - 4.500

-

6.00010.500

21.000 - 24.50015.750 - 17.500

1.200 - 1.800

1.200 - 1.600

Preço Unitário(R$)

1,00 - 1,50/kg

0,15 - 0,20/kg

0,15 - 0,20/kg

4,00 - 5,00/caixa(0,16 – 0,20/kg)

90,00-100,00/saco 50,00-60,00/saco

-

40,00 - 70,00/balde (1,60 - 2,8/kg)

60,00 - 70,00/@ 45,00 - 50,00/@

10,00/cabeça

8,00/cabeça

Tabela 5. Volumes e valor da produção no sistema agro-pastoril de caju na comuni-dade Galho do Angico, Caraúbas, estado de Rio Grande do Norte, 2006.

Fonte: Gamarra-Rojas et al., 2006.

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a este respeito, por motivos já discutidos neste trabalho não é possível esboçar um quadro demonstrativo sobre o tema. En-tretanto, apesar de tal difi culdade de informações zootécnicas e socioeconômicas, sobretudo no que concerne à avicultura tradicional em agroecossistemas da agricultura familiar do se-mi-árido brasileiro, a seguir se busca fazer um exercício teórico de um caso, de caráter aproximativo, com a fi nalidade de não deixar neste trabalho a pergunta do parágrafo anterior sem ne-nhuma tentativa de resposta.

Este exercício teórico é apenas uma aproximação, que busca resgatar a partir do caso específi co dos agroecossistemas cen-trados no caju24 (dados da tabela 5), elementos transcendentes e em ordem de importância, que permitam criar uma visuali-zação de uma possível dinâmica mensal do rebanho de aves numa família da comunidade Galho do Angico e deste modo defi nir os dados centrais dos aspectos produtivo e econômico, resultantes desta atividade avícola.

É importante ressaltar que este é um exercício teórico com cer-tos limites que derivam da escassez de referências técnicas para esta análise; da falta de detalhes sobre a composição do rebanho de aves analisado e; pelas distorções relacionadas à tentativa de demonstrar uma distribuição equilibrada de resulta-dos produtivos e fi nanceiros ao largo dos meses do ano, quan-do se sabe que, em realidade, as produções sofrem variações

24 Pequenas unidades de produção familiar, com 1 a 20 ha, localizadas no semi-árido do estado do Rio Grande do Norte, cujo agroecossistema predominante é constituído por um componente arbóreo agrícola (caju), um componente herbáceo arbustivo de cultivos anuais (principalmente milho, feijão, algodão e gergelim) e perenes (forragens), um componente de pecuária (bovino, ovino, caprino, galinha, guinés e abelha africanizada) e um componente fl orestal (caatinga em diferentes estados de conservação ou regeneração) (Gamarra-Rojas et al., 2006).

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mensais em função de diversos fatores, como a própria estra-tégia das famílias no manejo reprodutivo das aves em função da oferta de alimentos e estações do ano.

Para o exercício se tomou como referências: os rebanhos de aves adultas da tabela 5; alguns poucos índices técnicos dis-poníveis na literatura e outros criados a partir da experiência pessoal do autor com o tema. Todos estes índices técnicos se encontram nas notas explicativas da tabela 6.

Notas explicativas da tabela 6:

1) Na comunidade existem 30 famílias com um rebanho total de 600 galinhas e 500 guinés, o que confere as respectivas médias de 20 galinhas e 16,6 guinés por família;

2) Considerado um consumo ao redor de seis aves por mês, ou seja, quatro galinhas e dois guinés (dados próprios);

3) De acordo com a tabela 6, pode-se estimar uma média ao redor de 2% e 3%, respectivamente, do total do rebanho de galinhas e guinés sendo comercializados ao mês;

4) Estima-se uma média de 10% de perdas (mortalidade, perdas por predadores e outros) em ambos os rebanhos (dados próprios);

5) Chega-se ao número estimado de matrizes (galinhas e guinés) subtraindo-se os rebanhos médios de galinhas e guinés de seus respectivos descartes (vendas e autoconsumo), reprodutores e perdas;

6) A partir da referência de produção de 100 a 127 ovos/ano/galinha de capoeira (Guelber Sales, 2005), e ao redor de 80 ovos/ano/guiné (Mallmann et al., 2001), se assume no cálculo uma média de 113.5 ovos/ano/galinha e, por conseguinte, 9,4 ovos/mês/galinha que se multiplica por 12,6 matrizes de galinhas e se chega a uma produção total de 118,4 ovos/mês. Para as guinés se faz o mesmo raciocínio a partir de 11,5 matrizes, chegando-se à produção de 76 ovos/mês.

7) Jalfi m, Siderski & Castello Branco (1991) encontraram dados de 62% a 68% de autoconsumo de ovos para rebanhos em que os guinés, perus e patos representavam apenas 3,5% do total das aves. Este percentual, porém, para os ovos das galinhas no caso aqui analisado pode ser menor, ao redor de 35%, por duas razões: primeiro, porque em geral as mulheres agricultoras familiares não têm o costume de comercializar os ovos de guinés, fi cando os mesmos destinados ao autoconsumo e reprodução; segundo, porque o rebanho de guinés representa 45% do rebanho no caso analisado. Assim o consumo de ovos de guinés é o total de ovos produzidos menos os destinados à reprodução e perdas;

Tipo deave

Galinha GuinéTotal

Rebanhomédio por

família1

20,0016,6036,60

Repro-dutor1,001,002,00

Consu-mo2

4,002,006,00

Venda3

0,400,500,90

Perda4

2,001,603,60

Matrizes (postura e reprodução)5

12,6011,5024,10

Consu-mo7

41,4160,20101,61

Repro-dução8

12,0012,0024,00

Perda deovos9

5,923,809,72

Venda10

59,000,0059,00

Tabela 6. Exercício teórico de visualização de uma possível dinâmica mensal do reba-nho de aves adultas numa família da comunidade Galho do Angico, Caraúbas, RN.

Fonte: Elaboração própria, 2007.

Destino das aves do rebanho Destino dos ovos produzidos

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8) Uma média de 12 ovos para reprodução ao mês (dados próprios);

9) Uma média de 5% de perdas de ovos de galinhas e guinés (dados próprios);

10) A venda de ovos das galinhas é o resultado do número total de ovos produzidos ao mês menos o autoconsumo, perdas e ovos para a reprodução

Podem-se verifi car através do exercício apresentado na tabe-la 6 os seguintes resultados: as famílias possuem um rebanho médio de 36,6 aves adultas, destas 20 são galinhas e 16,6 são guinés. Com este rebanho é possível que uma família tenha mensalmente um autoconsumo de quatro aves e uma venda de quase uma (0,9) ave. É possível um consumo mensal ao redor de 101 ovos e venda de 59 ovos. Monetarizando-se a venda e o autoconsumo de carne e ovos25 e deste resultado subtraindo-se o custo de produção26 pode-se concluir que esta atividade gera renda numa ordem mensal de R$ 71,40 (aproximadamen-te US$ 38) por família, o que representa para a família 18,78% do salário mínimo.

Quais seriam os signifi cados dos resultados deste exercício? Por que famílias tipicamente agricultoras familiares, como as da comunidade Galho do Angico, continuam dando importância à criação das aves, já que elas estão envolvidas com tantas ou-tras atividades que geram muito mais renda, como o caju, e que ocupam praticamente toda a mão-de-obra familiar?

Desde uma perspectiva agroecológica não existe uma única resposta. Seguramente são varias as razões e motivações que interagem na lógica e condição do agricultor familiar em cada

25 Os preços considerados são: ovo R$ 0,20 a unidade; galinha R$10,00 a unidade e guinés R$ 8,00 a unidade.

26 O milho é praticamente o único insumo usado. Mesmo sendo produzido pelas famílias, representa um custo de produção. Considera-se aqui um uso mensal de 60kg e o preço de R$ 0,41 por kg.

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região. Algumas razões e motivações, porém, podem ser aqui destacadas:

• Socioeconômica – a lógica da agricultura familiar de pro- dução tende a uma economia de auto-abastecimento; ou seja, busca sua auto-sufi ciência alimentar (Toledo et al., 2000). Por este motivo se verifi ca sempre uma prioridade para o autoconsumo, como no caso do exercício feito para a comunidade de Galho do Angico. Neste caso, se percebe que se a família comprasse o equivalente de sua produção teria teoricamente que gastar perto de R$ 71,40 por mês, o que signifi ca um valor razoável para a situação em que vivem muitas famílias na região semi-árida do Brasil. Nesta região se verifi ca que a renda per capita está entre as mais baixas do Brasil e a maioria das pessoas vive com uma renda inferior a R$ 90,00 mensais (CNRBC, 2004); A isto se soma que, apesar de não ser uma grande renda bruta, é uma renda que leva em si muito pouco esforço produtivo em termos de dedicação da mão-de-obra familiar e investimentos fi nanceiros. Este fato, ainda que não seja uma percepção linear das famílias, pode ser uma justifi cativa para a continuidade desta atividade;

• Social e ecológica - as famílias agricultoras em seu processo de có-evolução com a natureza, especial- mente em condições climáticas demasiadas instáveis, como no caso do semi-árido brasileiro, aprenderam que quanto maior é a diversifi cação produtiva de seus agroecossistemas menor é o grau de risco de perdas capazes de desequilibrar sua base de produção para

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o autoconsumo e geração de renda; portanto, as aves de capoeira fazem parte desta estratégia, fundamental para a resiliência e sustentabilidade de seus agro- ecossistemas;

• Cultural – o manejo das aves é realizado pelas mulheres (mães e fi lhas). Estas acumularam duran- te gerações um conhecimento muito detalhado sobre o comportamento das aves e de como manejá-las em estreita relação com os recursos locais disponíveis e as características meio ambientais próprias do clima semi- árido do Brasil. A partir deste conhecimento elas buscam com a criação de aves uma maior segurança alimentar para sua família e uma geração de renda sob seu con- trole, com o objetivo imediato de comprarparte dos gê- neros alimentícios que não são produzidos dentro de seus agroecossistemas, como, por exemplo, o café, e, prin- cipalmente, com a fi nalidade de criar um tipo de poupança que serve para os momentos de maior necessidade da família (Freire et al., 2005). Ademais, a carne e os ovos de aves de capoeira apresentam sabores muito apreciados pelos agricultores familiares, ou seja, os agricultores fami- liares seguem dando preferência ao sabor da carne e ovos de aves de capoeira e não aos frangos e ovos das gran- jas industriais. Outro fator cultural importante é que para as mulheres um quintal sem galinhas não tem beleza, “não é um sítio de verdade, não nos sentimos no campo” (dona Maria de Loudes, agricultora familiar da comunidade Lagoa do Urubu, município de Ouricuri, região semi-árida do Estado de Pernambuco).

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4.3. Características Principais dos Sistemas e Manejo da Criação de Galinha de Capoeira Dentro da Lógica da Agri-cultura Familiar no Semi-árido Brasileiro.

O tamanho do rebanho e o grau de detalhes nas práticas de manejo das aves de capoeira dependem inicialmente do domí-nio da agricultora familiar sobre as atividades que desenvolvem em seu quintal (hortas, criação de outros animais menores, pre-sença de instalações etc.) e, sobretudo, do tempo de que dis-põe para a atividade de criação de aves. Com efeito, o tempo é um fator fundamental. Ademais das atividades domésticas e dos cuidados com a família, geralmente é função da mulher a busca e o manejo da água potável e da lenha para cozinhar. A mulher agricultora familiar também está envolvida em algumas etapas dos cultivos, especialmente no plantio e na colheita, e, em muitos casos, em todas as etapas.

Entretanto, além destes fatores, cada detalhe do manejo e do tipo de sistema adotado está integrado à lógica de produção diversifi cada do agroecossistema, que normalmente adotam os agricultores familiares. Neste sentido, a atividade de criação de aves às vezes aparece como a principal dentro do agroecossis-tema. De fato não é raro encontrar agroecossistemas da agricul-tura familiar na região semi-árida que têm na criação de galinha de capoeira sua atividade mais importante. Isto é comum em agroecossistemas manejados por agricultoras familiares viúvas, separadas ou por aquelas cujos maridos emigraram às grandes cidades do Brasil em busca de trabalho. Vale salientar que na lógica da agricultura familiar a criação de galinhas e outras aves não aparece como a única atividade econômica.

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Os manejos e tipos de sistemas adotados pelas agricultoras familiares são refl exos, portanto, de um conjunto de fatores in-ternos e externos aos agroecossistemas e de um domínio de conhecimentos de uma complexidade de fatores ecológicos, climáticos e socioeconômicos, assim como do comportamento da ave num agroecossistema especifi co.

Para facilitar a compreensão sobre o signifi cado desta com-plexidade de conhecimentos que as mulheres acumularam du-rante gerações, na continuação se faz uma caracterização dos principais tipos de sistemas de criação de galinhas de capoeira existentes na região semi-árida, exemplifi cando um pouco as práticas e lógicas centrais de manejo que aplicam as mulhe-res.

Manejo no sistema da criação “solta” durante todo o ano.

No sistema de criação solta as aves fi cam livres ao redor da casa durante o dia. Ao anoitecer elas se recolhem espon-taneamente, seja num galinheiro ou numa árvore próxima à casa. Só em situações específi cas é que existe reclusão das aves: para a “terminação” (engorda e “limpeza”); para colo-car as aves para chocar e para submeter a ave a determina-dos tipos de estresse para que saiam do estado de choco e voltem a por mais rapidamente.

Neste sistema, as aves buscam por si mesmas uma parte importante dos alimentos na área situada em torno da casa. O raio de ação das aves pode variar com o tipo de ambien-

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te (um raio menor se a casa está cercada por bosque, por exem-plo), mas em geral a galinha bus-ca seus alimentos “escavando” e “pastoreando” num raio de mais ou menos 200m. Já o peru e a guiné exploram uma área muito maior, não sendo raro encontrar o peru a 500m da casa. Nestas caminhadas as aves consomem insetos, larvas, sementes, folhas, gramíneas, fl ores, etc. Esta dieta em “self-service” lhes proporciona energia, mas, sobre-tudo proteínas, vitaminas e sais minerais (Jalfi m, Siderski & Castello Branco, 1991).

A área em torno da casa é uma fonte de alimento que varia durante o ano. Alcança seu máximo de rendimento durante o inverno27 e início do verão28. Pouco a pouco a oferta di-minui, até que a situação se torna crítica na eventualidade de uma seca. As famílias que criam aves estão plenamente conscientes das diferenças na oferta do meio e levam isto em consideração ao fornecer outros alimentos ao plantel. Entretanto, é importante destacar que as agricultoras fami-liares nunca deixam de fornecer algum tipo de alimentação, inclusive durante o inverno, quando a oferta do meio é maior (Jalfi m, Siderski & Castello Branco, 1991).

27 Em toda a região Nordeste do Brasil a expressão inverno corresponde à estação das chuvas.

28 O verão corresponde à estação do ano sem chuvas, mas vale ressaltar que esta estação sem chuvas não equivale à seca. De acordo com Duarte (1999, p.12) “uma seca pode caracterizar-se tanto pelo baixo nível da precipitação anual em relação à média de um ano de chuvas normais, quanto pela distribuição irregular das chuvas durante o período chuvoso”.

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As mulheres desenvolvem uma estratégia de alimentação das aves em função da época do ano. No inverno se encon-tram as fórmulas mais variadas. Os ingredientes podem ser: melancia (a polpa, a casca, as sementes), restos de comida, feijão cozido; abóbora, etc. Entretanto, é importante dizer que nenhuma destas dietas inclui todos os ingredientes: em geral se fornece milho e mais dois ou três alimentos.

No verão cresce a importância da alimentação proporciona-da pela família à medida que diminui a oferta do meio. O mi-lho continua presente e a melancia, restos de comida e feijão cozido, na medida da disponibilidade. O sorgo e a mandioca como possibilidade alternativa durante o verão. Em situação de seca a oferta do meio diminui muito mais, até quase de-saparecer.

Mas a estratégia da alimentação fornecida às aves não contempla somente o aspecto da composição da dieta. As quantidades fornecidas também têm seu papel. Em geral a quantidade fornecida é inversamente proporcional à disponi-bilidade natural de alimento. Assim, a necessidade é menor no inverno e início do verão. Nesta época a quantidade e a freqüência do milho na alimentação fornecida são menores. É importante ressaltar que, nesta época, o milho é escasso (a colheita é no verão) e caro.

No verão aumenta a importância da alimentação fornecida pela agricultora familiar. Aumentam as quantidades forne-cidas e a importância do milho. Na seca este processo se acentua, diminuindo as alternativas e aumentando a depen-dência em relação ao milho.

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Oferecer alimento, porém, não é a única estratégia usada pelas agricultoras familiares para enfrentar os problemas da criação de aves. Existe também um manejo do tamanho e da idade do rebanho. Assim, o rebanho cresce ao fi nal do in-verno até meados do verão, quando chega ao seu máximo. A partir deste momento o tamanho diminui num ritmo deter-minado, em grande parte, pelas reservas de milho ou dos substitutos diretos, como o sorgo (Jalfi m, Siderski & Castello Branco, 1991).

Por outro lado, não é raro encontrar rebanhos bastante jo-vens. Este efeito, provocado através de uma estratégia de renovação acelerada, também tem como conseqüência uma diminuição da demanda de alimentos, sendo que os animais jovens (até 18 meses, para galinhas) têm uma taxa de con-versão mais efi ciente que os animais mais velhos.

Entretanto, às vezes estas estratégias não conseguem man-ter a criação. Acontece, então, que nestas ocasiões a agri-cultora familiar se desfaz do plantel fi cando somente com “a semente”29.

O guiné e o peru têm uma sensibilidade diferente frente à escassez de milho. Enquanto que o peru é um consumidor de milho e não consegue sobreviver sem ele, o guiné resiste melhor. Assim, quando falta milho, a redução do plantel afeta mais as galinhas e os perus. Seria possível até dizer que o guiné é menos dependente em relação ao milho e, por isto, o mesmo resiste mais tempo em situação de crise.

29 A expressão “a semente” signifi ca, neste caso, o número mínimo de animais necessários para renovar a criação quando a disponibilidade de alimento seja maior. Por exemplo, 1 galo e 2 ou 3 galinhas.

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As agricultoras familiares tratam as criações de maneira di-ferenciada no tema alimentação. Os que merecem menos atenção são os frangos: recebem só milho. Por outro lado os pequenos perus e os pintinhos de guinés têm um cardá-pio especial, que pode incluir: o ovo cozido despedaçado, farinha de mandioca com leite, milho moído com leite. Para os pintinhos de guiné as mulheres preferem utilizar o cupim branco, pois sabem que é só este tipo de cupim que serve para alimentação deles. O cupim branco só se encontra em algumas espécies de árvores, por isso, não é fácil de en-contrar. Não havendo o cupim branco, faz-se a substituição pelos alimentos recém citados (Jalfi m, Siderski & Castello Branco, 1991).

Manejo no sistema de criação “presa” no inverno

Em algumas situações o campo de cultivo fi ca perto do quintal, o que obriga às agricultoras familiares a prenderem as aves no chiqueiro ou galinheiro. Isto ocorre basicamente em duas situações: uma é quando no processo de rotação das áreas de pousio, chega o ano em que o cultivo se faz perto do quintal; outra está relacionada ao tamanho da pro-priedade, pois quando esta é pequena, sem possibilidade de fazer a prática do pousio, durante o período das chuvas se faz o plantio em áreas muito perto do raio de ação das aves.

O confi namento das aves, geralmente, é necessário até de-pois da colheita. Quando as aves são soltas, as práticas de

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manejo se parecem com o modo do sistema de solta duran-te todo ano.

Que conseqüências, no entanto, trazem este sistema para a alimentação das aves? O meio já não proporciona alimentos para o rebanho durante o tempo que permanece preso. A ave se torna assim totalmente dependente da alimentação fornecida por quem cria. A composição da alimentação for-necida pelas agricultoras familiares neste caso não é mui-to diferente das que se criam soltas: elas fornecem milho, melancia, mandioca. A diferença é, sobretudo nas quanti-dades fornecidas e em particular na quantidade de milho, que cresce signifi cativamente. Esta reclusão traz outras conseqüências. Comumente as galinhas não chocam nem põem quando estão presas. Neste caso, o plantel consome principalmente milho e não existe retorno econômico (Jalfi m, Siderski & Castello Branco, 1991).

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Confi nar as galinhas no inverno pode ter um efeito no manejo do tamanho do rebanho. Em primeiro lugar, porque faz cres-cer o consumo de milho no inverno. Também o fato de que as galinhas não choquem durante o inverno pode retardar o início do ciclo anual de crescimento do rebanho.

Frente a esta situação as mulheres podem adotar duas es-tratégias: primeiro, reduzir o rebanho através do consumo e venda da maior parte do mesmo, deixando apenas a “se-mente”, momento em que fazem um cuidadoso processo de seleção. Selecionam as melhores galinhas e galos, fi cando “aquelas mais bonitas, maiores, boas poedeiras e cuidado-sas com seus pintinhos. São as que darão origem às novas criações no fi nal da última colheita” (Freire et al., 2005); se-gundo, fazer uma libertação controlada das aves. Isto signifi -ca confi nar as aves somente durante alguns períodos espe-cífi cos. Estes correspondem a etapas do ciclo dos cultivos, sobretudo do feijão: o plantio, a fl oração, o crescimento da vagem e durante a colheita.

As agricultoras familiares que necessitam confi nar suas aves no inverno, não adotam a criação de guinés. Em primeiro lu-gar, porque é literalmente muito difícil manter estas galinhas presas durante o inverno, e também porque só põem ovos “no mato”.

Manejo no sistema da criação totalmente “presa”

Em muitas das regiões mais densamente povoadas do semi-

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árido brasileiro, como a do Brejo Paraibano30, a conjugação de fatores como: i) o reduzido tamanho das propriedades, de um a cinco hectares, e ii) a maior disponibilidade de umi-dade, devido a um clima mais ameno em regiões de maior altitude e índices pluviométricos mais elevados que a média da região ou por ter acesso à água de irrigação pela pro-ximidade a rios temporários, provocam uma confi guração particular das propriedades e consequentemente dos meios de vida e/ou da organização da produção dos agricultores familiares.

Nestas condições, de reduzida disponibilidade de terra e maior disponibilidade de umidade nos solos para os cultivos, “o campo e o quintal se confundem no espaço, compro-metendo a estruturação e a organização das atividades ao redor da casa” (Freire et al., 2005). Confi guram-se, assim, confl itos de propósitos no núcleo familiar, que provocam a necessidade de ajustes nas atividades produtivas e de repro-dução do modo de vida.

A respeito da alimentação e manejo do rebanho, as mulhe-res tentam fornecer uma dieta variada para as galinhas, mas existe uma forte dependência do milho durante todo o ano.

30 A Região Nordeste do Brasil, especialmente sua porção ocidental, apresenta uma climatologia complexa, devido principalmente à sua posição geográfi ca em relação aos diversos sistemas de circulação atmosférica, apresentando uma extraordinária variedade de climas, que se refl ete grandemente em sua precipitação, com pouca diferenciação térmica (Nimer, 1977). Na porção ocidental do Nordeste existem cadeias de serras onde sobressaem blocos residuais dispersos de até 1000 a 2000 m de altitude (Moreira, 1977), os denominados “brejos de altitude”. Nestes “brejos” se desenvolvem bosques de altitude de composição fl orística única, com alta diversidade, e onde a precipitação é muito superior à do semi-árido circundante, chegando a 1300 mm anuais (Melo, 1988). Assim, os “brejos” são áreas de ocupação antiga, fundamentalmente devido às boas condições para o desenvolvimento da agricultura e, consequentemente, apresentam elevada densidade demográfi ca.

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Esta situação implica, por um lado, em rebanhos pequenos e pouco produtivos, pelos motivos explicados acima para a criação presa durante o inverno, e, por outro, muito caros em termos de demanda de milho e mão-de-obra. Mas, em geral, as mulheres não desistem facilmente desta atividade e certamente deve haver casos de êxito em manejar as aves sob estas condições.

4.3.1. As Principais Limitações da Criação de Galinha de Capoeira

As limitações aqui consideradas são vistas, por um lado, a partir dos elementos internos que interagem nos agroe-cossistemas, ou seja, o funcionamento dos próprios sis-temas de criação de aves descritos acima em sua relação com o agroecossistema do qual faz parte e, por outro, par-tindo das infl uências externas que direta ou indiretamente

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infl uem no desempenho dos sistemas de criação de capo-eira.

Em relação aos elementos internos que interagem nos agro-ecossistemas, uma limitação central é a base da alimentação das aves. Este é sem duvida um problema muito importan-te. Existe uma grande dependência da atividade em relação ao milho. Esta característica é tão forte que poucas mulhe-res conseguem imaginar que é possível manter um plantel de aves sem milho. A produção de milho na propriedade é fun-damental para esta criação, e esta produção é imprevisível, dada justamente à irregularidade dos invernos. A alternativa de comprar milho para sustentar as aves é cara, sobretudo por-que quando falta é quando o preço do milho é mais elevado.

Por sua vez, este problema da disponibilidade de alimentos para as aves não depende somente do desejo e atitude das mulheres para buscar alternativas ao milho e outras saídas em termos de cultivo que estejam direcionados para as aves, mas é um problema que depende de avanços numa relação de gênero que ainda é desfavorável para as mulheres. Este tipo de limitação cultural não só afeta diretamente a solução deste problema central para o avanço do desempenho da criação de galinha de capoeira, senão também com relação aos outros níveis de tomadas de decisão e ações desenvol-vidas pelas mulheres, como a necessidade de uma maior organização para alcançar uma relação mais justa e efi ciente com o mercado local.

O tema da organização social para enfrentar as diversas di-fi culdades com a criação de aves é um tema muito delicado

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para o avanço desta atividade. Normalmente, os projetos que tentam melhorar as condições de criação através do aumen-to da produtividade e de um melhor acesso aos mercados têm por tendência agrupar os rebanhos de aves num só local da comunidade, numa área coletiva e com uma dinâmica de manejo que envolve todas as mulheres também em trabalhos do tipo coletivo, em diferentes tipos de arranjo de emprego da mão-de-obra, sejam dias alternados de trabalho, tarefas específi cas de trabalho, etc. A experiência do autor em acom-panhar estes tipos de experiências coletivas tem demonstra-do que tais iniciativas começam muito bem, com muita mo-tivação por parte do grupo, mas com o tempo tais projetos tendem a fracassar e entre as causas para isto estão:

• a ruptura com o uso da mão-de-obra da mulher que antes era integrada a suas tarefas domésticas e passa a uma dinâmica de trabalho que aumenta sua jornada diária de trabalho, sobretudo com deslocamentos até o ponto de criação;

• os problemas inter-pessoais decorrentes das cobranças por falhas no manejo, tarefas planejadas e não cum- pridas e diversos problemas comuns no cotidiano de uma criação de aves num sistema que exige cuidados mais detalhados; e

• o desequilíbrio na divisão das responsabilidades, que geram, por um lado, insatisfação naqueles mais so- brecarregados e, por outro, críticas daqueles que estão com pouco poder de decisão dentro do grupo.

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Por outro lado, os projetos que mais apresentaram êxito fo-ram aqueles que buscaram a melhoria da produtividade e desempenho geral das criações, a partir de trabalhos que não modifi cavam a dinâmica normal de criação feita nos pró-prios quintais das mulheres. Concentravam os esforços de organização coletiva estrategicamente apenas na solução das questões-chave, como a comercialização e a produ-ção, armazenamento e transformação dos alimentos para as aves.

Outras limitações, mais pontuais, mas não menos importan-tes, são os problemas com as perdas provocadas pelos pre-dadores e algumas doenças. São comuns nestes sistemas as mortes de aves pela ação de raposas, gatos do mato, etc. A ação dos predadores também provoca perdas considerá-veis de ovos. As doenças que provocam mais perdas, como por exemplo, a doença de Newcastle, provavelmente são doenças que poderiam ser evitadas com medidas simples, como a prática de vacinação periódica dos rebanhos (Jalfi m, Siderski & Castello Branco, 1991).

Finalmente, uma grande limitação à criação de galinha é a progressiva aproximação das áreas de cultivo aos quintais. Este processo tem basicamente duas razões, que muitas ve-zes se misturam: primeiro, surge como um resultado de uma diminuição do tempo do pousio, ou seja, devido às perdas de fertilidade e poucas terras disponíveis, as áreas perto do quintal são cada vez mais utilizadas a menores intervalos de tempo. Segundo, como resultado das sucessivas partilhas das propriedades, objetivando atender à demanda dos fi lhos para a constituição de novas famílias, que tornam as novas

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propriedades demasiado pequenas. Como já foi destacada neste trabalho, a necessidade de criar as aves presas é uma limitação muito séria para a lógica da agricultura familiar de criação de aves, isto porque, por um lado, esta prática tor-na os sistemas, nos moldes atuais, ainda mais dependentes do milho, o que piora o problema da alimentação. Por outro lado, a prática de criar “preso” torna mais grave e mais evi-dente o problema de doenças e reduz a produção a níveis economicamente inviáveis para as famílias.

Do ponto de vista das questões externas que direta ou indi-retamente infl uem no desempenho dos sistemas de criação de galinhas de capoeira podem-se enumerar vários aspec-tos, mas aqui destacamos apenas três importantes:

A. O acesso ao mercado

Existe um mercado local (no nível comunitário e municipal) onde as agricultoras familiares comercializam a produção da criação de aves. Entretanto, como já foi bastante discuti-do neste trabalho, cada vez mais este mercado vem sendo invadido pelos produtos das granjas industriais, que fazem uma competição muito dura em termos de preços e logística de distribuição. O consumo maciço e freqüente dos ovos e carne industriais já começa a promover perceptíveis mudan-ças na preferência dos consumidores jovens, que passam a dar prioridade ao sabor destes produtos em detrimento dos produtos das aves de capoeira. Esta mudança não é um fato irreversível, mas é uma limitação que oferece um sério risco

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de uma grande perda de mercado em médio e longo prazo, caso não haja uma consistente melhora e ampliação das ini-ciativas de reação que estão em curso.

B. Chegada do vírus da gripe aviária.

Ademais do problema acima mencionado, a eventual entra-da do vírus da gripe aviária no país seguramente irá pro-mover uma série de medidas do governo brasileiro sobre a biossegurança da avicultura industrial nacional que estarão relacionadas também com a criação de aves de capoeira da agricultura familiar. Pelas razões anteriormente expostas no capítulo sobre a avicultura industrial brasileira, é muito pro-vável que, caso apareçam focos de gripe aviária no Brasil, as medidas de biossegurança teriam repercussões muito severas no acesso dos produtos da avicultura familiar ao mercado local e inclusive sobre a própria produção para o auto-abastecimento.

C. Interação com os resultados e produtos da investi-gação

Em relação aos pequenos e grandes ruminantes, já se tem um amplo conhecimento técnico e científi co sobre a lógica do manejo destes sistemas de criação e existem os mais variados trabalhos sobre suas limitações e aproveitamento de suas potencialidades. No semi-árido do Brasil, inclusive

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existe um centro da EMBRAPA31 dedicado exclusivamente à investigação com caprinos e ovinos. Entretanto, apesar da importância da criação de galinhas nos agroecossistemas familiares, bastante explicitada por grupos organizados de mulheres agricultoras familiares e amplamente evidenciada neste trabalho, ainda são raros e muito pontuais os trabalhos técnico-científi cos que consideram os sistemas da agricultura familiar de criação de galinhas (e outras aves), a lógica de ma-nejo que derivam dos conhecimentos das mulheres, assim como sua contribuição para a sustentabilidade destes agroe-cossistemas, seus limites e as potencialidades que oferecem para contribuir para a soberania alimentar desta região.

É importante mencionar que a EMBRAPA tem um centro ex-clusivo para investigações com suínos e aves32, situado na região Sul do Brasil, mas até o momento tem produzido pou-cos trabalhos sobre a criação tradicional de aves, e estes, ainda que sejam importantes, são muito restritos à realidade desta região e em geral tendem a propostas que levam a for-tes mudanças nos sistemas tradicionais, ainda baseadas em um paradigma técnico-científi co que pouco reconhece ou não reconhece os saberes locais das agricultoras familiares. De fato, a principal investigação deste centro da EMBRA-PA que tenta se aproximar da agricultura familiar parece ser o desenvolvimento de um sistema de produção chamado de colonial, com uma versão para corte e outra para pos-

31 Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. É a principal organização do governo brasileiro para investigação no setor agropecuário nacional. “São 41 Unidades distribuídas pelo País e a Sede está localizada em Brasília (DF). São mais de dois mil investigadores trabalhando em diferentes temas, produtos e ecossistemas, aliando agricultura, pecuária, agroindústria e meio ambiente.”

32 Centro de investigação chamado de EMBRAPA Suínos e Aves (http://www.cnpsa.embrapa.br/>)

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tura. Estes são caracterizados como sistemas intermediá-rios entre o tradicional e o industrial. Para estes sistemas se desenvolveram linhas híbridas de corte e postura, com maior resistência que as linhas híbridas industriais e uma ca-pacidade produtiva de carne e ovos que se aproxima destas últimas. Ainda que estes trabalhos respondam parcialmen-te a demandas das famílias de agricultores familiares, ainda refl etem o paradigma da máxima produtividade. Assim, se anteriormente havia uma recomendação técnica para que as galinhas nestes sistemas tivessem acesso a áreas de parque verde cercado, atualmente as recomendações técnicas mu-daram e não se inclui mais a liberdade das galinhas, como se pode ver na mais recente circular técnica de EMBRAPA sobre este sistema, onde se afi rma:

As poedeiras coloniais Embrapa 051 são aves para a produção de ovos, recomendadas para sistemas alternativos, diversifi cando a pe-quena propriedade. Depois do período de postura, as aves abatidas podem servir para o consumo domestico e (ou) industrial. Este siste-ma de produção inclui um galinheiro telado com cortinas laterais, para a criação confi nada, com baixa densidade (Avila et al., 2006. p.1).

Desta maneira, no contexto nacional de investigação agro-pecuária são raros os trabalhos científi cos com o tema gali-nha de capoeira. Além de poucos, menos ainda são aque-les baseados num paradigma técnico-científi co que permite uma abordagem mais próxima do reconhecimento da lógica do manejo utilizado pelas mulheres, sobretudo no máximo aproveitamento dos recursos locais33.

33 Neste sentido se considera que a EMBRAPA Meio-Norte, localizada na região semi-árida, tem desenvolvido uma interessante investigação sobre Validação de um Sistema Alternativo de Criação de Galinha de Capoeira. Disponível no site: http://sistemasdeproducao.cnptia.embrapa.br/FontesHTML/AgriculturaFamiliar/RegiaoMeioNorteBrasil/GalinhaCaipira/index.htm

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No caso das ONGs, também são recentes e poucos os tra-balhos de investigação participativa com o tema galinha de capoeira. Na região semi-árida, existem alguns trabalhos in-teressantes com sistemas de criação de aves de capoeira a partir de uma abordagem conceitual e metodológica mais próxima à Agroecologia. A maioria dos trabalhos tem como eixo central melhorar a capacidade de produção de ovos e carne das criações tradicionais objetivando alcançar um melhor acesso das famílias aos mercados locais. Geralmen-te, estes trabalhos respondem parcialmente a demandas de famílias e grupos de mulheres por novos conhecimentos e propostas para alcançar avanços no manejo tradicional, de maneira que obtenham maior produção e melhor distribui-ção ao longo do ano. A outra parte dos trabalhos realiza-dos por ONGs busca melhorar o desempenho da criação de aves desde uma perspectiva que tenta alcançar um aperfei-çoamento na produção a partir, principalmente, dos próprios conhecimentos das agricultoras familiares em sua lógica tradicional de manejar seus rebanhos de aves, tendo como objetivo principal manter uma produção sufi ciente para ga-rantir o autoconsumo e, quando seja possível, gerar algum excedente para a comercialização.

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O presente trabalho expõe alguns aspectos da trajetória da mo-dernização e globalização da avicultura brasileira que denotam indícios da formação de um tipo de sistema agroalimentar in-compatível com a sustentabilidade ecológica, que é socialmen-te excludente e que oferece riscos para a soberania alimentar do país.

Foi visto também que este modelo hegemônico de produção avícola exerce forte infl uência direta e indireta sobre a criação de galinhas de capoeira, com diferentes tipos de repercussões e restrições para o avanço desta, ainda pouco conhecidos por este e demais estudos no campo das ciências agrárias. Tais infl uências representam riscos imprevisíveis para a continuidade

5.Conclusão

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desta importante atividade dentro dos agroecossistemas tradi-cionais e sistemas agroalimentares em que se insere a agricul-tura familiar do semi-árido em particular e do Brasil como um todo.

Por outro lado, o presente estudo apresenta informações bási-cas sobre a criação de galinhas de capoeira que apontam para a importância desta atividade para a formação de um tipo de sistema agroalimentar local estratégico para a agricultura fami-liar do semi-árido, com potencial para, por um lado, fortalecer a resiliência e resistência dos agroecossistemas tradicionais e, por outro, contribuir para resgatar uma relação mais próxima entre os habitantes dos meios urbanos e rurais, favorecendo também uma alimentação mais sadia.

Entretanto, como foi demonstrado neste trabalho, existe muito por fazer sobre este tema. Os desafi os são enormes e o tema ainda é pouco atrativo para os diferentes tipos de atores cien-tífi cos, políticos, econômicos e sociais que atuam junto à agri-cultura familiar.

Diante de tais fatos e da relevância e carência do tema, com-provado pelo presente estudo, é fundamental o avanço dos di-ferentes segmentos que atuam diretamente junto à agricultura familiar buscando aplicar os conceitos e bases científi cas da Agroecologia para contribuir para o desenvolvimento da criação tradicional de aves. Por um lado, os setores governamentais (Universidades, Embrapa, centros estaduais de investigação e extensão rural e programas e projetos do governo federal) e, por outro lado, a sociedade civil organizada (movimentos so-ciais e sindicais, setores das Igrejas e ONGs relacionadas com

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a agricultura familiar, associações rurais, sobretudo aquelas or-ganizadas na Articulação do semi-árido brasileiro – ASA).

Ademais da defesa técnico-política do tema para a soberania alimentar nacional, todos estes atores podem contribuir para o futuro da atividade da criação de galinha de capoeira no Bra-sil através da investigação participativa, que se aproxima das características de uma Investigação e Ação Participativa (IAP). Portanto, a maior parte destes atores públicos, governamentais e não governamentais, poderiam estimular e desenvolver pro-jetos de pesquisa participativa no futuro, encaminhados a pelo menos dois objetivos gerais:

A. Um maior conhecimento e compreensão das formas de manejo da agricultura familiar da criação de aves de capoeira numa zona típica do semi-árido do Brasil;

B. Acompanhar um processo participativo de diagnóstico, intercâmbio de experiências e desenho de ações destinadas tanto a melhorar o manejo como a comercia- lização dos produtos avícolas por parte das mulheres agricultoras.

Estes objetivos gerais podem ser vistos como pontos de par-tida, já que no processo de investigação poderão ser amplia-dos, melhorados ou mudados devido ao caráter participativo de construção da proposta de pesquisa. Da mesma forma, os objetivos específi cos, planejamento das ações e processo de monitoramento e avaliação podem ser elaborados a partir de aspectos metodológicos centrais de uma IAP, outras metodolo-gias de experimentação participativa e dos elementos teórico-

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metodológicos que foram construídos no presente trabalho. Para isto, na investigação devem ser consideradas as seguintes premissas metodológicas:

• o objeto da investigação deve ser defi nido pelas agri- cultoras familiares, consideradas como investigadoras, mediante o assessoramento do técnico¬/a responsável pela investigação do estudo (“investigador de fora”);

• “o investigador de fora” tomará conhecimento da realidade na qual vai trabalhar1 através de estudos prévios, dados secundários, ofi cinas e entrevistas com as/os lideres locais;

• a equipe de investigação estará formada pelo “investi- gador de fora” e pelas agricultoras familiares, seus representantes diretos (movimentos sociais, sindicatos, associações, entre outros) e ONGs de assessoria técnica; • o planejamento da investigação será elaborado pela equipe acima mencionada;

• os objetivos da investigação serão defi nidos pelas agri- cultoras familiares a partir dos aspectos da realidade que lhes são prioritários;

• não existirá uma etapa de “trabalho de campo” como na investigação convencional, e sim uma geração de conhe-

1 Estas investigações podem ser realizadas em municípios do semi-árido que apresentam uma condição socioeconômica e ambiental, sobretudo climática, típica do semi-árido brasileiro e onde já existam processos iniciados de grupos de mulheres agricultoras que já estão organizadas e buscando formas de melhorar sua inserção nas cadeias curtas de comercialização de frangos e ovos de galinha de capoeira. Um bom exemplo seria a zona do Sertão do Cariri, localizada no semi-árido do Estado da Paraíba,

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cimento desde a ação da investigação onde os diferentes membros da equipe se benefi ciarão mu- tuamente das experiências entre eles;

• apesar da perspectiva adotada, se admite que possam ser utilizadas também técnicas que se enquadrem nas perspectivas estrutural e distributiva, de acordo com a caracterização feita por Sevilla Guzmán (2006/2007b), como o questionário, a observação participativa e a entrevista;

• a análise dos dados será realizada através de técnicas que utilizam o diálogo com a participação de todos;

• quando apenas uns poucos representantes da comu- nidade se incorporem à investigação, a equipe procederá a “devolução” dos resultados através de reuniões amplas, das quais se espera um efeito de “feedback” para validação dos dados e onde “técnicas simples” de co- municação serão utilizadas;

• As propostas de ação serão defi nidas em função das necessidades das agricultoras familiares interessadas na pesquisa;

• produção de materiais didáticos e de informação per- tinentes para cada tipo de público envolvido direta ou indiretamente com a pesquisa.

Complementarmente e dialogando com a equipe de investiga-ção, “o investigador de fora” deverá desenvolver um marco te-órico e metodológico da Agroecologia, especialmente sobre a

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investigação participativa, e sistematizar os aportes teóricos e metodológicos dos estudos sobre gênero que possam contri-buir para fazer visível o trabalho e o conhecimento das mulhe-res.

Sob esta perspectiva, se assumirá que a compreensão da re-alidade estudada se alcança necessariamente, através de uma ampla refl exão e integração entre os conhecimentos das pró-prias agricultoras familiares e aqueles técnicos/as e pessoas envolvidas na pesquisa, onde todos se assumem como investi-gadores do tema em estudo. Por conseguinte, haverá, em cer-to grau, nesta investigação uma ruptura epistemológica com as ciências agropecuárias e fl orestais convencionais (Sevilla, 2006/2007b). Tal perspectiva de investigação terá um signifi -cado dinâmico da compreensão da realidade estudada, a qual será uma visão com limitação espacial, temporal e provisória; e como tal faz parte de um momento histórico de determinado grupo social.

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