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Agriculturas - v. 1 - n o 0 - setembro de 2004 1 Segurança Alimentar: set. 2004 vol. 1 n o 0 a agricultura familiar aponta o caminho

Agriculturas V1, N0

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Agriculturas - v. 1 - no 0 - setembro de 2004 1

SegurançaAlimentar:

set.2004vol. 1

no 0

a agricultura familiaraponta o caminho

2 Agriculturas - v. 1 - no 0 - setembro de 2004

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V.1, N0 0

Agriculturas: Experiências em Agroecologia é umapublicação da AS-PTA – Assessoria e Serviços a Projetos

em Agricultura Alternativa em parceria com aFundação ILEIA – Centre of Information on Low External

Input and Sustainable Agriculture.

AS-PTARua Candelária, n.º 9, 6ºandar CentroRio de Janeiro/RJ Brasil 20091-020

Telefone: 55(21) 2253-8317 Fax: 55(21)2233-8363http://www.aspta.org.br

Fundação ILEIAEndereço: PO Box, 64, 3830 AB Leusden, Países Baixos.Tel.: +31 (0) 33 494 30 86 Fax: +31 (0) 33 495 17 79

http://www.ileia.org

Conselho Editorial

Cláudia CalórioGrupo de Trabalho em Agroecologia na Amazônia - GTNA

Eugênio FerrariCentro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata, MG - CTA/ZM

Jean Marc von der WeidAS-PTA

José Antônio CostabeberAssociação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e

Extensão Rural - Emater / RS

Marcelino LimaDiaconia / PE

Maria Emília PachecoFederação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional Fase / RJ

Maria José GuazzelliCentro Ecológico / RS

Miguel Ângelo da SilveiraCNPMA – Embrapa Meio Ambiente / SP

Paulo PetersenAS-PTA

Sílvio Gomes de AlmeidaAS-PTA

Equipe Executiva

Editor Paulo PetersenEditor convidado para esse número Jean Marc von der Weid

Produção Executiva Regina HippolitoPesquisa Regina Hippolito, Victor Perret,

Fernanda A. Teixeira, Gustavo M. da Silva, Jurema DinizBase de dados de subscritores Fernanda A. Teixeira

Copy Desk Rosa L. PeraltaRevisão Livia Freitas Rosa

Foto da capa Xirumba / Família de Luís e Eliete Souza(mestres da convivência com o semi-árido) Solânea/PB

Projeto gráfico e diagramação I GraficciImpressão SRG

A AS-PTA estimula que os leitores circulem livremente os artigos aquipublicados. Sempre que for necessária a reprodução total ou parcial de

algum desses artigos, solicitamos que Agriculturas: Experiências emAgroecologia seja citada como fonte e que nos seja enviada uma cópia da

publicação com o texto reproduzido.

A limentadas pelo gênio criativo de produtores e produ-toras e assessoradas por ONGs, pastorais e algumas ain-da poucas instituições oficiais de pesquisa e extensão

rural, organizações da agricultura familiar, em suas múltiplas formasde expressão, dispersas em todas as regiões do país, vêm promoven-do a emergência de dinâmicas sociais de inovação agroecológica e asua tradução em força material e política com capacidade de influên-cia em escalas geográficas e sociais cada vez maiores. Embora aindapouco visíveis para o conjunto da sociedade, esses processos inova-dores vêm permitindo que novos atores (individuais e coletivos)despontem no cenário dos movimentos sociais no campo, revigo-rando-os. Com efeito, é exatamente a partir dessas experiências con-cretas enraizadas em distintos contextos locais/regionais que se vemconstruindo novos referenciais técnicos, metodológicos e conceituaisorientadores de projetos para o desenvolvimento sustentado da pro-dução familiar no Brasil.

São iniciativas que se estabelecem não por meio dereceitas e de pacotes tecnológicos “alternativos”. Muito pelocontrário; se valem da criatividade local como força social transfor-madora. São, nesse sentido, experiências de emancipação socio-cultural. Promovem crescentes níveis de autonomia técnica eeconômica às famílias produtoras com base no manejo sustenta-do dos recursos disponíveis localmente e na revitalização da vidacomunitária.

Muitas dessas experiências são resultantes do encon-tro sinérgico entre a sabedoria popular – um dos principais “recur-sos locais” – e o saber acadêmico. Apontam, dessa forma, cami-nhos metodológicos que pavimentam o fecundo diálogo entre cul-tura e ciência nos processos de desenvolvimento agrícola. Consti-tuem-se também através de processos interativos de aprendizado apartir de intercâmbios com grupos igualmente envolvidos em di-nâmicas locais de inovação agroecológica.

A intensificação desses processos de mútua influênciaentre praticantes da agroecologia vem permitindo o contínuo apri-moramento das ações particulares de uns e de outros. No mesmopasso, vão se articulando redes de organizações da sociedade civilcomprometidas com a promoção da produção familiar ecológica,condição indispensável para a construção de identidades compar-tilhadas que proporcionem crescentes capacidades de expressãopública desse movimento que vem se formando de baixo para cimaem defesa de um projeto de transformação dos padrões ambiental-mente predatórios e socialmente injustos de ocupação e uso daterra no país.

Agriculturas: Experiências em Agroecologia tem porobjetivo jogar luzes sobre esses processos sociais de inovaçãoagroecológica, para que deles sejam extraídos ensinamentos einspirações que favoreçam o florescimento e a intensificação deiniciativas autônomas gestadas desde os mais recônditos rincões.Para tanto, publicará textos elaborados por atores diretamenteenvolvidos no dia-a-dia das experiências em curso, tanto no Bra-sil quanto em outros países, sobretudo os da América Latina.Com esse projeto editorial, a AS-PTA espera contribuir para apromoção de uma agricultura que restaure o sentido ativo do seusufixo “cultura”, ou seja, o cultivo da criatividade humana para odesenvolvimento de padrões soberanos de produção e de convi-vência social que respeitem e valorizem as diversidades socio-ambientais e que assegurem o cumprimento de um compromissoético com as próximas gerações.

O editor

Experiências evidenciam: umaoutra agricultura é possível.

Aprendamos com elas...

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Índi

ce

Alimentando a Cidadania Rita Surita pág. 8Projeto visa superar os problemas do acesso da população pobre da cidade aos alimentos e do acessodos agricultores familiares ao mercado da microrregião. Para tanto, criou-se uma rede inovadora decooperação cidadã, que viabilizou a relação direta entre 13 associações de produtores (que envolvem3.584 famílias) e 22 organizações comunitárias e religiosas de consumidores dos bairros pobres dacidade de Pelotas, Rio Grande do Sul.

Soberania Alimentar, agroecologia e mercados locais Laércio Meirelles pág. 11A Rede Ecovida tem estimulado a construção de uma Rede Solidária de Produção e Circulação deProdutos Ecológicos nos estados do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. As células decomercialização são feiras livres, cooperativas de consumidores, mercados institucionais, pontos deabastecimento popular, pequenas lojas e comerciantes.

A agroecologia promovendo a segurança alimentar: um estudo de casono semi-árido brasileiro Telma Castello Branco e José Felipe Marra pág. 15A experiência da família do Sr. Antônio Santino de Freitas, 59 anos, e de sua mulher Maria de ZéArcanjo, 50 anos, demonstra como a proposta de trabalho com a agroecologia pode contribuir paracriar uma situação de disponibilidade de alimento suficiente, de boa qualidade e diversificado.

A pamonhada na casa de Dona Nenê: agricultura familiar construindoa segurança alimentar no semi-áridoRoberval Silva, Paula Almeida, Luciano Silveira, Marilene Melo pág. 17A família de Dona Nenê representa as quatro mil famílias que vêm desenvolvendo práticas pioneiras apartir do intenso processo de experimentação e disseminação de inovações técnicas e organizativasestimulado pelo Pólo Sindical da Borborema, Paraíba, desde 2000 com vistas a construir um novomodelo de desenvolvimento rural, baseado na noção de convivência com o semi-árido.

Sistemas Alternativos de Produção Familiar / Manejo de açaizal em áreade várzea – Abaetetuba, Pará Patrícia de Lucena Mourão pág. 22A família do Sr. Agessé e seu sistema de produção tornaram-se uma referência na sua comunidade. É umexemplo de sucesso da adoção de práticas agroecológicas para recuperação da biodiversidade vegetal eda produtividade dos solos, para a diversidade de produtos alimentares consumidos e para a ampliaçãoda renda familiar.

Agricultura urbana e segurança alimentar em Belo Horizonte: cultivando umacidade sustentável Daniela Almeida pág. 25O impacto do trabalho realizado nos cinco bairros de Belo Horizonte demonstra o potencial dasiniciativas de agricultura urbana para a melhoria da segurança alimentar e das condições socio-econômicas e ambientais de comunidades de baixa renda.

Quintais na cidade: a experiência de moradores da periferia do Rio de Janeiro pág. 29Denis Monteiro, Marcio Mattos de MendonçaA recuperação de laços de sociabilidade e a elevação da auto-estima proporcionadas por dinâmicas deexperimentação em agricultura urbana contribuem para a busca de estratégias coletivas e individuais depromoção de maiores níveis de segurança alimentar e nutricional.

Editor Convidado Jean Marc von der Weid pág. 4

Artigos

Publicações pág. 32

Páginas da internet pág. 34

Pólen pág. 35

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estes tempos em que a mídia e o governo brasileiro (em parte) não fazemoutra coisa senão entronizar o chamado “agronegócio”, a afirmação dotítulo deste artigo não é auto-evidente. A concepção dominante aponta

para as “vantagens” de uma agricultura identificada como moderna, caracterizada por grandes extensões demonoculturas que fazem uso de um maquinário gigantesco, empregando sementes cientificamente melhoradas egrandes quantidades de adubos químicos e agrotóxicos. A agricultura em pequena escala, familiar, é entendidacomo uma excrescência do passado a ser mantida por programas sociais enquanto não surgem alternativas deemprego nas cidades. O modelo dos Estados Unidos, onde apenas 5% da força de trabalho está inserida naagricultura, é visto como ideal. Para reproduzi-lo só nos faltaria que o desenvolvimento do Brasil permitisseabsorver a mão-de-obra excedente em outras atividades econômicas. Não se considera, sequer como hipótese, ofato de que não existem outras alternativas de emprego para os milhões de brasileiros que vivem na agriculturafamiliar ou lutam por acesso à terra. Enquanto o mercado não cumpre seu papel de ajustar oferta e demanda detrabalho, o tratamento da questão da segurança alimentar, apesar de compor o discurso governamental politica-mente correto, fica centrado na distribuição subsidiada de alimentos aos pobres.

A eficiência desse modelo é questionada por alguns especialistas, por ONGs e pelos movimentossociais do campo, vistos cada vez mais pelos setores dominantes no governo como um anacronismo a sercontido para não criar problemas políticos e sociais. As questões relacionadas à dimensão ambiental doagronegócio só são debatidas quando o assunto em pauta são os “entraves” que os ambientalistas colocampara o “pleno desenvolvimento da agricultura”. Frente às necessidades de produzir e exportar cada vez mais emcurto prazo, o tema da sustentabilidade é jogado para debaixo do tapete.

Este artigo pretende revelar a falácia dessa “sabedoria oficial” e mostrar que, ao contrário do quese afirma, essa forma de agricultura não garante a segurança alimentar e coloca em risco a sustentabilidade,não apenas da própria atividade, mas da sociedade brasileira como um todo. Por outro lado, evidencia como aagroecologia permite responder estruturalmente aos graves problemas de abastecimento alimentar, assimcomo aos problemas econômicos, sociais e ambientais que vêm se intensificando com o avanço do agronegócio.

1 – A fome no Brasil e no mundo não deriva de insuficiência naprodução agrícola

Quando a FAO (Food and Agriculture Organization) realizou a Conferência Mundial de Segu-rança Alimentar, em 1996, o número de famintos no mundo era de 840 milhões. Desde então, apesar dasmuitas declarações de intenção dos organismos da ONU e de muitos governos nacionais para rever essequadro, houve uma redução de apenas nove milhões. No Brasil, no começo da década de 90, a pesquisadoraSônia Rocha, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), avaliou o número de famintos em 18milhões. Em 2000, o número havia caído para 13,6 milhões, mas o dos sujeitos a insuficiências nutricionaisalcançava outros 40,6 milhões.

Pelos dados da própria FAO, há alimento suficiente para que cada pessoa do planeta consumatodos os dias uma dieta diversificada e nutritiva composta por 1.134 quilos de cereais, feijões e nozes (oucastanhas, ou avelãs etc); 454 gramas de frutas e verduras e 400 gramas de carnes, leite e ovos (Lappé eoutros, 1998). Em outras palavras, a situação no mundo de hoje é de abundância e não de carência de ofertade alimentos.

No Brasil, se o volume consumido pela população como um todo fosse repartido de forma igualitá-ria, a ingestão diária por pessoa, incluindo todos os tipos de alimento, seria de pouco mais de 900 gramas(IBGE, 2003). O consumo de menos de um quilo por dia pode estar no limite da suficiência, em uma dieta bemequilibrada, para um trabalhador intelectual bastante espartano, mas dificilmente cobrirá as necessidades decalorias e proteínas de um trabalhador braçal ou um de adolescente em idade de crescimento.

Conclui-se, portanto, que a distribuição desigual de alimentos no mundo é o fator que gera assituações de fome e de insuficiência nutricional. Já no Brasil, ao mesmo problema distributivo associa-se umaoferta total insuficiente para o atendimento da demanda da população.

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Agroecologia:Condição para a segurança alimentar

Jean Marc von der Weid*

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Frente à abundância da produção agrícola brasileira esses números mais que modestos do consu-mo de alimentos no país podem parecer um contra-senso. Esse paradoxo só se explica pelo peso da produçãoagropecuária que não é dirigida à provisão alimentar de nossa população. Com efeito, o Brasil está entre os trêsmaiores produtores mundiais de soja, milho, cacau, café, laranja, cana-de-açúcar, mandioca, banana, castanhade caju, pimenta, carne de frango e mamona, e entre os 10 maiores produtores mundiais de fumo, carne suína,juta, algodão, ovos, mel, amendoim, arroz e leite. Note-se que nove desses 21 produtos não são alimentares; quealguns são destinados também para a fabricação de rações para animais; que uns e outros são fortementevoltados para as exportações; e que outros não têm grande expressão em nossa alimentação cotidiana. Noentanto, não é difícil entendermos a composição dessa lista. Frente ao baixo poder aquisitivo de grande parcelada população brasileira, a produção de alimentos para o consumo no próprio país é desestimulada pela limitadademanda real, o que reduz os preços pagos por esse tipo de produto. Diante desse contexto econômico, o setoragrícola é levado a se orientar para os mercados externos e para atender a população de mais altos ingressos.

Há, portanto, um déficit de produção alimentar no Brasil. Esse fato tornou-se explícito, recentemen-te, com a criação do Programa Nacional de Segurança Familiar - Pronaf Segurança Alimentar, uma políticagovernamental de estímulo à produção de alimentos básicos como feijão, milho, trigo, mandioca e leite. Noentendimento de seus formuladores o governo seria incapaz de garantir o acesso aos alimentos básicos pelopúblico credenciado no Programa Fome Zero, sem que a produção alimentar no país fosse incrementada.

Assim, as raízes da fome e da desnutrição no Brasil associam-se a duas dimensões interdependentesde uma mesma crise de nosso modelo de desenvolvimento: baixo poder aquisitivo da população e insuficiênciade produção de alimentos para o consumo interno.

2 – Como elevar a renda dos brasileiros de forma a compensarinvestimentos necessários para aumentar a oferta de alimentos?

A modernização tecnológica nos setores industrial, da construção civil e de serviços, tanto no Brasilquanto no mundo, aponta para uma constante retração no uso de mão-de-obra, gerando um quadro de desem-prego estrutural. É claro que um aumento significativo dos índices de desenvolvimento da economia nacionalpermitiria absorver parte desse excedente, assim como a melhoria dos níveis de educação também poderia tero mesmo efeito. No entanto, a possibilidade de se alcançar o pleno emprego com boa remuneração nos marcosdo modelo global de desenvolvimento urbano-industrial é nula.

Os custos de geração de empregos nos setores industriais de ponta (química fina, informática,eletro-eletrônico etc.) chegam à casa de centenas de milhares de reais por vaga criada. Em setores menosexigentes em qualificação da mão-de-obra, como a construção civil, esse custo alcança a casa de dezenas demilhares de reais. Mesmo supondo uma taxa de investimentos da ordem de 30% do PIB, muito acima da atual,a capacidade de abertura de postos de trabalho seria bastante inferior às atuais necessidades de absorção damão-de-obra ociosa (10 milhões de novos empregos segundo o governo Lula).

É nesse sentido que a reforma agrária apresenta-se hoje como a opção de menor custo para ageração de emprego no país. Assentar uma família custa, em média, 25 mil reais e cria, também em média,entre três e quatro postos de trabalho. Em outras palavras, se tivéssemos no país 10 milhões de propriedadesagrícolas familiares, ao invés das atuais 4,5 milhões, teríamos de 30 a 40 milhões de pessoas empregadas nessesetor da economia. Além disso, a renda gerada por esse segmento ampliaria em muito a procura por serviços ebens, incrementando, portanto, a demanda por empregos em outros setores. Uma agroindustrialização descen-tralizada aumentaria ainda mais o número de empregos nas zonas rurais, facilitando a dispersão da populaçãoe aliviando a pressão sobre as zonas urbanas.

Essa solução do problema de emprego e renda via reforma agrária beneficiaria em primeiro lugar osque hoje mais sofrem com os problemas de fome e de insuficiência alimentar: os pobres do campo. Na ausênciade uma política que promova uma agricultura familiar numerosa, dinâmica e próspera, a pobreza do campocontinuará sendo transferida para as cidades, já mais do que incapazes de responder à crescente exclusão social.Um país com esse perfil de cidades superinchadas com população miserável será inviável tanto do ponto devista social, quanto econômico e ambiental.

3 – Como aumentar a oferta de alimentos a custos acessíveis para apopulação brasileira?

O modelo de desenvolvimento agrícola adotado no Brasil inspirou-se na chamada RevoluçãoVerde, promovida nos anos 70 pelos centros internacionais de pesquisa e subsidiada por organismos multilate-rais, como o Banco Mundial, e por governos nacionais.

Esse modelo baseou-se no emprego de variedades melhoradas por empresas e centros de pesquisa

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governamentais. No entanto, para expressarem seus potenciais produtivos, essas variedades dependem daaplicação intensiva de adubos químicos. Como a utilização otimizada desses insumos se dá através do plantioadensado, as monoculturas foram favorecidas. Essa combinação de adubos químicos e monoculturas fez comque os cultivos ficassem mais suscetíveis ao ataque de pragas e doenças, tornando-se necessário o uso deagrotóxicos. As monoculturas também favoreceram a mecanização das operações de manejo agrícola, o queresultou na dispensa em massa dos trabalhadores rurais. Esse pacote tecnológico fez a agricultura maisexigente em capital, elevando os custos de produção. Para agricultores empresariais, esse aumento é compen-sado pela grande escala de produção. Já para a agricultura familiar, que produz em pequena escala, a elevaçãode custos torna seus sistemas economicamente inviáveis.

Para reverter esse quadro seria necessário, portanto, economizar no uso desses insumos e equipa-mentos, sem perder de vista a necessidade de garantir bons rendimentos por hectare. Por outro lado (e nãovamos nos aprofundar neste ponto) esse modelo agroquímico e motomecanizado é gerador de graves efeitosambientais que não são contabilizados nos custos de produção e, além disso, não garante a sustentabilidade alongo prazo, já que as reservas mundiais de recursos naturais não-renováveis empregados para a reproduçãotécnica desse sistema (fosfato, potássio, petróleo) estarão esgotadas na prática em no máximo 30 anos.

Nos últimos vinte anos, um novo paradigma científico-tecnológico vem orientando o desenvolvi-mento de padrões produtivos alternativos, fundamentados em princípios ecológicos para o manejo renováveldos recursos naturais: a agroecologia.

Os resultados alcançados por experiências inovadoras em todo o mundo permitem afirmar que oenfoque agroecológico propicia o aumento da produção e dos rendimentos sem que seja necessário o empregodos insumos e equipamentos dos sistemas da Revolução Verde. Pelo contrário, são práticas que vêm seconstituindo com base na valorização dos recursos locais, em particular da grande diversidade de espécies deplantas cultivadas e melhoradas pelos agricultores familiares. Essas experiências se realizaram, no mundo emdesenvolvimento, em condições ambientais bem menos favoráveis do que aquelas em que prosperou o modeloda Revolução Verde. Por meio de pesquisas realizadas em todo mundo e compiladas pela Universidade deSussex, constatou-se que o manejo agroecológico vem proporcionando aumentos médios de rendimentos daordem de 100% e, nos casos mais avançados, quando sistemas agroecológicos mais completos e complexosforam analisados, chegaram à casa de 600%.

A combinação do aumento do número de agricultores familiares com o uso generalizado daagroecologia permitiria um incremento substancial na produção alimentar brasileira a custos mais baixos doque a dos sistemas agroquímicos adotados no agronegócio. A agricultura familiar já produz mais da metadedos alimentos consumidos no Brasil. Se seu número e produtividade também dobrarem, tal como indicam osresultados da pesquisa da Universidade de Sussex, em uma avaliação conservadora, a quantidade, qualidade ediversidade da oferta de alimentos poderia ampliar-se de forma mais que suficiente no país sem prejuízo daprodução de excedentes exportáveis.

4 – Evidências dos resultados da adoção da agroecologia nasegurança alimentar no Brasil

Os impactos da adoção da agroecologia na segurança alimentar não devem ser vistos comoautomáticos pois, apesar de aumentar e diversificar a produção agrícola, alimentar ou não, a agroecologia nãogarante que os produtos sejam bem remunerados, por exemplo, que os agricultores sejam capazes de conservarbem a sua produção para consumo próprio. Com efeito, as perdas de alimentos na estocagem são, muitasvezes, mais significativas do que aquelas provocadas por pragas e doenças na etapa produtiva. Mesmo assim,aumentou-se a produção e/ou, segundo os casos, minimizaram-se os riscos dos agricultores frente a variaçõesclimáticas. Finalmente, a agroecologia economiza naquele fator de produção mais escasso na agriculturafamiliar: o dinheiro para a compra de insumos necessários em um sistema convencional.

Os artigos desta revista cobrem uma grande diversidade de situações: do manejo de árvores nativasna Amazônia à agricultura urbana, passando por experiências no semi-árido que garantem maior segurançadiante de condições ambientais adversas e de relações rural-urbanas na região Sul.

As experiências urbanas se dirigem à valorização de espaços limitados existentes em bairros eloteamentos onde residem populações socialmente marginalizadas para uma produção voltada ao autoconsumo,possibilitando o aumento da disponibilidade de alimentos e a diversificação da dieta das famílias. Além disso,o exercício da agricultura urbana vem permitindo que as famílias envolvidas fortaleçam seus laços de vidacomunitária, condição indispensável para a emergência de estratégias coletivas para fazer frente aos riscos deinsegurança alimentar e nutricional.

Aumentos e diversificação da produção, com efeitos imediatos tanto na melhoria da alimentaçãodas famílias como no aumento da renda auferida pelos produtores, são aspectos ressaltados em outros relatos.

Agriculturas - v. 1 - no 0 - setembro de 2004 7

Nos casos da região semi-árida, destacam-se as pequenas infra-estruturas para a captação e o armazenamentode água, tanto para o consumo humano como para a produção agropecuária. Essas experiências chamam aatenção para um fato nem sempre ressaltado nos debates sobre segurança alimentar: a importância crucial daqualidade da água de beber, evitando doenças, como a diarréia, que limitam a absorção dos nutrientes disponí-veis nos alimentos ingeridos. Por outro lado, sendo a água um fator ecológico crítico no semi-árido, as infra-estruturas de manejo hídrico, tais como as barragens subterrâneas, desempenham um papel central na intensi-ficação, na diversificação e no aumento da segurança das atividades produtivas.

A questão das sementes é objeto de dois artigos da região Nordeste. A importância das varieda-des tradicionais não pode ser minimizada na produção agroecológica e, no semi-árido, as ameaças a suaconservação são muitas, desde as secas sucessivas até a concepção técnica e metodológica dos programasoficiais de distribuição de sementes, invariavelmente orientados para a substituição das variedades tradici-onais por “melhoradas”. Os bancos ou casas de sementes, segundo a terminologia de cada lugar, não sórepresentam reforços aos mecanismos tradicionais de conservação das variedades locais como tambémgarantem o acesso a sementes de qualidade na hora certa para o plantio. Além disso, funcionam comoimportantes espaços para a promoção de processos organizativos nas comunidades rurais, favorecendo odesenvolvimento local e a segurança alimentar.

As experiências da região Sul aqui apresentadas apontam para a importância das estratégias deacesso aos mercados de forma a favorecer as práticas agroecológicas de segurança alimentar. Um dos relatosmostra o papel desempenhado pelas feiras locais e as formas de organização adotadas pelos produtores paraexplorar esses espaços de comercialização. O segundo, refere-se a uma nova e importante dimensão da políticapública de segurança alimentar através do Programa Fome Zero e do Programa de Compra Antecipada deAlimentos da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Essa experiência, na região de Pelotas (RS),comprova que a organização da sociedade civil, tanto no campo quanto na cidade, com apoio de governos locaise federal, é essencial no enfrentamento da questão da fome.

Em vários artigos fica evidente que um dos primeiros resultados dos programas de promoção daagroecologia é o aumento e a diversificação do consumo familiar de alimentos a partir da produção própria.Longe de representar uma volta ao passado, o auto-abastecimento tem efeitos significativos na qualidade daalimentação da família, já que os produtos comprados, cada vez mais industrializados, são um dos fatores dequeda da qualidade nutricional da dieta. Com os projetos da agroecologia as famílias passam a se alimentarmais e melhor e a gastar menos com compras de alimentos. É claro que um projeto de produção agroecológica,por si só, não é garantia de sucesso. Há questões culturais envolvidas nos (maus) hábitos alimentares adquiri-dos, sobretudo entre os jovens. No entanto, a possibilidade material de ampliar e diversificar a produçãoalimentar é o ponto de partida para que a dieta das famílias possa ser efetivamente melhorada, através deprocessos educativos.

Os artigos abordam também os métodos utilizados para promover o modelo agroecológico e asegurança alimentar, destacando-se os aspectos de participação das famílias agricultoras junto com os asses-sores dos programas de desenvolvimento local. Em alguns deles a questão da comunicação evidencia como ouso de manifestações culturais pode ser de grande valia na divulgação das experiências locais.

Algumas das experiências relatadas tiveram apoio financeiro de programas oficiais para aimplementação de práticas de segurança alimentar e de agroecologia. No entanto, muito fica por dizer sobrepolíticas governamentais que atuem efetivamente nesse sentido. Questões relacionadas aos programas decrédito rural, assistência técnica, pesquisa, capacitação, educação, mercado etc, são de fundamental importân-cia para o enfrentamento das causas estruturais geradoras da fome e da desnutrição no país. Porém, apesar doesforço de consultas do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) às organizações da sociedade civil, o“Governo Popular” ainda padece da influência de políticas convencionais que mantêm os padrões de desenvol-vimento agrícola em formas insustentáveis e que contribuem para os problemas da insegurança alimentar nocampo e nas cidades.

*Coordenador do Programa de Políticas Públicas da AS-PTA, membro do Conselho Nacional deDesenvolvimento Rural Sustentável (CONDRAF/MDA) e ex-membro do Conselho Nacional de

Segurança Alimentar (CONSEA/MDS)[email protected]

Referências:LAPPÉ, F.M.; COLLINS, J.; ROSSET, P. World Hunger: twelve myths. New York: Food First, 1998.IBGE. Pesquisa de orçamentos familiares. Rio de Janeiro, 2003.

8 Agriculturas - v. 1 - no 0 - setembro de 2004

Alimentando aCidadania

Rita Surita*

S

artig

os

uco de butiá eananá, doce deabóbora, purê

de batata ecológica, batata-doceassada, aipim cozido, arroz e fei-jão ecológicos, verduras frescase sem veneno, peixe assado, pãode farinha de milho crioulo.

Este não é o cardápio de um dos melhores res-taurantes naturais, mas compõe o programa de segurançaalimentar que se baseia na biodiversidade e na produçãolocal. Está na mesa de creches, unidades assistenciais enos bairros mais carentes da cidade de Pelotas. É fruto daparceria entre a sociedade civil e o poder público e já é umarealidade para milhares de famílias, promovendo o desen-volvimento rural de toda uma região.

Uma região marcada peladesigualdade social

A microrregião de Pelotas, no sul do Rio Gran-de do Sul, compreende a cidade de Pelotas e 12 pequenosmunicípios essencialmente agrícolas, marcados por enor-mes desigualdades sociais, estagnação econômica e em-pobrecimento da população. Esta situação é fruto da his-tória regional. Desde o auge das charqueadas, no séculoXIX, o latifúndio predominou na região, que também nãoacompanhou o processo de industrialização característi-co da metade norte do estado.

Existem 25 mil propriedades familiares que pro-duzem alimentos (leite, feijão, milho, arroz, batata, frutase hortaliças), mas que geram renda insuficiente devido,

em grande parte, à falta de acesso ao mercado. Essa pro-dução alimentar vem sendo ainda ameaçada pela crescen-te penetração do tabaco, estimulada por empresas fuma-geiras que buscam subordinar a produção familiar aos seusinteresses.

Além disso, a modernização excludente privi-legiou as culturas de exportação centradas nas proprie-dades de maior porte e empobreceu a agricultura fami-liar, provocando intenso êxodo rural. Ao longo dos anos,Pelotas absorveu essa população “excedente” sem apre-sentar alternativas de emprego e renda. Apenas 6% doshabitantes concentram 70% da renda gerada no municí-pio. Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas identifi-cou 34 mil pessoas vivendo em situação de indigência, ouseja, auferindo menos de R$ 50,00 por mês para satisfazersuas necessidades básicas de alimentação, moradia, edu-cação e saúde.

O projeto “Alimentando aCidadania”

O projeto visa superar os problemas do acessoda população pobre da cidade aos alimentos e do acessodos agricultores familiares ao mercado da microrregião,sendo uma iniciativa da Prefeitura Municipal de Pelotase do Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor (Capa)1.Para tanto, criou-se uma rede de cooperação cidadãinovadora, que viabilizou a relação direta entre 13 asso-ciações de produtores (que envolvem 3.584 famílias) e22 organizações comunitárias e religiosas de consumi-dores dos bairros pobres da cidade de Pelotas. Partici-pam também do projeto seis unidades assistenciais e 25escolas de responsabilidade de secretarias do município.Os recursos para a compra dos alimentos vêm do Progra-ma de Compras Locais da Agricultura Familiar, da Com-panhia Nacional de Abastecimento (Conab), do Minis-tério do Desenvolvimento Agrário (MDA), e do Progra-ma Fome Zero, do Ministério do Desenvolvimento Sociale Combate à Fome (MDS).

Os alimentos distribuídos são produzidos se-gundo princípios agroecológicos, cuja adoção pelos agri-cultores familiares foi promovida pelo Capa.

No primeiro ano do projeto (2004), 1.200 to-neladas estão sendo distribuídas para cerca de 18 milpessoas, sendo que 750 dos agricultores membros das13 organizações mencionadas participam dessa etapa evêm recebendo até R$ 2.500,00 pelos alimentos forneci-dos, o que representa um expressivo aumento de rendadessas famílias.

1O Capa é uma ONG ligada à Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB),com 25 anos de atuação nas áreas de desenvolvimento rural e agroecologia. Possuicinco núcleos em diferentes regiões nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná e SantaCatarina. Faz parte da rede Projeto de Tecnologias Alternativas (PTA), Rede Ecovidae consórcio de ONGs Agroecológicas do RS.

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Norma Kruncreich, São Lourenço do Sul/RS

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Nas unidades assistenciais e nas escolas, essaremessa tem complementado a alimentação fornecida dia-riamente pelas secretarias da prefeitura. Em 12 das comu-nidades participantes do programa, os beneficiários fa-zem duas refeições por semana, sendo uma um sopão eoutra um arroz carreteiro. Além disso, todas as semanas éentregue uma sacola de sete quilos de alimentos a cadafamília. Nas outras 10 comunidades, as famílias recebemuma sacola de 10 quilos.

O projeto pretende ampliar tanto o número deagricultores fornecedores quanto o número de famíliasbeneficiárias da distribuição gratuita, visando atender oconjunto do público urbano e rural.

Agroecologia e segurançaalimentar: alternativas locais

O programa é inovador no sentido de ter en-contrado alternativas locais para o enfrentamento da fome,reconhecendo e valorizando as potencialidades da agri-cultura familiar da região, ampliando a produção ecológi-ca e integrando comunidades historicamente marginali-zadas dos processos de desenvolvimento: quilombolas,assentados de reforma agrária e pescadores artesanais.

Outro aspecto inovador foi a inclusão de ma-neira definitiva do conceito de qualidade nutricional, pos-sibilitando o acesso a alimentos de qualidade superior à

população em situação de carência socioeconômica aopriorizar a comercialização de produtos que tenham comobase a agroecologia, que está presente na valorização dabiodiversidade, na utilização de sementes crioulas, na pro-dução ecológica, no estabelecimento de agroindústriasfamiliares, na diversidade cultural e na formação de orga-nizações locais.

A metodologia utilizada consiste em colocaros envolvidos no projeto como protagonistas do proces-so, visando a construção da cidadania através da articula-ção de organizações de produtores e consumidores dosalimentos, aumentando assim o vínculo de solidariedadeentre as populações urbanas e rurais.

A metodologia utilizada consisteem colocar os envolvidos no

projeto como protagonistas doprocesso, visando a construção

da cidadania através daarticulação de organizações de

produtores e consumidores dosalimentos, aumentando assim o

vínculo de solidariedade entre aspopulações urbanas e rurais.

10 Agriculturas - v. 1 - no 0 - setembro de 2004

*Engenheira agrônoma, com pós-graduação emcomunicação social e coordenadora do

Capa - Núcleo [email protected]

Funcionamentoda Rede deCooperação

Organizações dos agricultores: Responsáveis pelaprodução, recolhimento, transporte, beneficia-mento, agroindustrialização, embalagem e entregados produtos na Central de Abastecimento da Pre-feitura de Pelotas.

Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor (Capa): Res-ponsável pela assistência técnica na produção eagroindustrialização junto aos envolvidos. Para a exe-cução do projeto, foi necessário montar uma centralde informações, que cuida da animação da rede dosagricultores e da organização do fluxo da entregados alimentos das cooperativas dos diversos municí-pios até a Central de Abastecimento da Prefeituraem Pelotas.

Prefeitura Municipal de Pelotas: Viabilizou a monta-gem de uma Central de Abastecimento – Banco deAlimentos, com capacidade de armazenamento emboas condições e estabelecimento de fluxo de entre-ga para unidades de consumo com prioridade ao aten-dimento de crianças, mães nutrizes, gestantes e ido-sos. A prefeitura também é responsável pela anima-ção e qualificação da rede solidária de processamentodos alimentos, com a meta de ter refeições diáriasnas unidades envolvidas.

Entidades atendidas: A seleção das famílias beneficia-das é realizada pelas organizações de bairro e/ou re-ligiosas, que distribuem os alimentos na forma desopão e arroz carreteiro. Estas refeições são feitaspelas cozinheiras voluntárias da própria comunida-de. O preparo de refeições nas seis unidades assis-tenciais e nas 25 escolas infantis é de responsabilida-de das secretarias municipais.

Aquisição dos Alimentos: Realizada pelo governofederal através dos Programas Compras Locais daAgricultura Familiar e Fome Zero.

Impactos do Projeto: Do ponto de vista dos consu-midores pobres, são óbvios os efeitos na qualidadede vida, pois melhora significativamente não ape-nas a quantidade como a qualidade do consumoalimentar.

O programa também valoriza as for-mas solidárias de organização entre osagricultores. As cinco cooperativas cominfra-estrutura de transporte e pessoalpara recolhimento da produção são res-ponsáveis por viabilizar esse serviço aosgrupos mais frágeis.

Na cidade, o programa estabeleceu uma par-ceria com as entidades religiosas que têm inserção nosbairros mais pobres e consolidou o trabalho comunitá-rio como prática essencialmente solidária e democráti-ca de resolução de problemas sociais como a fome.

Além disso, a Prefeitura Municipal de Pelotasoferece às famílias que recebem a alimentação cursosde formação para o trabalho e orientações básicas desaúde, educação, direitos e deveres cidadãos. Há tam-bém a possibilidade de inserção em programas taiscomo: Saúde da Família, Prá-nenê e Educação de Jo-vens e Adultos.

Do ponto de vista dos agricultores familia-res, a garantia de venda foi o elemento mais importantepara o aumento da produção agroecológica. Note-seque o programa da Conab oferece um incentivo de pre-ço de até 30% a mais para os alimentos atestados comoagroecológicos ou orgânicos. O atestado é fornecidopor entidade credenciada ou publicamente aceita comoapta a comprovar a origem do produto. O programa járesultou em um forte estímulo para substituir a culturado fumo por alimentos agroecológicos e para motivarnovas famílias a converterem suas propriedades em uni-dades agroecológicas.

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Valdemar Soares Duarte, Canguçu/RS

Agriculturas - v. 1 - no 0 - setembro de 2004 11

Soberania Alimentar ea produção de alimentos

acesso a um alimentosaudável e de boa qua-lidade é um direito uni-versal dos povos e deve

se sobrepor a qualquer fator eco-nômico, político ou cultural queimpeça sua efetivação. Todas aspessoas devem ter direito a umabastecimento alimentar seguro,culturalmente apropriado e emquantidade e qualidade suficien-tes para garantir seu desenvol-vimento integral.

O conceito de Soberania Alimentar remete,além disso, a um conjunto mais amplo de relações: aodireito dos povos de definir sua política agrária e alimen-tar, garantindo o abastecimento de suas populações, a

Soberania Alimentar,agroecologia

e mercados locais Laércio Meirelles*

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preservação do meio ambiente e a proteção de sua produ-ção frente à concorrência desleal de outros países.1

Nesta perspectiva, a noção de Soberania Ali-mentar incorpora várias dimensões – econômicas, sociais,políticas, culturais e ambientais – relacionadas ao direitode acesso ao alimento; à produção e oferta de produtosalimentares; à qualidade sanitária e nutricional dos alimen-tos; à conservação e controle da base genética do sistemaalimentar2 ; às relações comerciais que se estabelecem emtorno do alimento, em todos os níveis.

Este inalienável direito de todo ser humano temsido negligenciado de forma sistemática por nossa socie-dade. Observamos ainda que a insegurança alimentar en-contra-se associada ao acelerado processo de degradaçãodas bases econômicas, sociais, biológicas e culturais daagricultura familiar ocorrido nas últimas décadas.

A internacionalização, nos últimos cinqüentaanos, do pacote tecnológico da Revolução Verde tem le-vado a uma crescente erosão da biodiversidade agrícola ealimentar. Esse modelo tecnológico, baseado no cultivode variedades genéticas de alta produtividade, na utiliza-

ção de insumos químico-sintéticos,na mecanização e no recurso a fontesnão-renováveis de energia, tem sidoo responsável pela deterioração pro-gressiva da própria base natural queassegura a estrutura e o funcionamen-to dos sistemas agrícolas.

No que diz respeito à So-berania Alimentar, o impacto desse

1 A noção de Soberania Alimentar, desenvolvida pelaVia Campesina, foi levada ao debate público por oca-sião da Cúpula Mundial da Alimentação em 1996.Desde então tem se convertido em conceito chave nodebate internacional, inclusive no âmbito da ONU.2 PESSANHA, Lavínia. A agricultura familiar e os qua-tro conteúdos da segurança alimentar. Rio de Janeiro:AGORA/RIAD/REDCAPA, 1995.

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Feira do Passeio Público, Curitiba/PR

12 Agriculturas - v. 1 - no 0 - setembro de 2004

modelo é paradoxal. Aumentou a produção de alimentosao mesmo tempo em que ampliou o número de famintos.Concentração da terra, êxodo rural, incremento dosmonocultivos e erosão dos solos são algumas das causasapontadas para esta anomalia. Em seu editorial do dia 18de setembro de 2000, a Folha de S.Paulo, citando umrelatório da Food and Agriculture Organization (FAO)afirmava:

O mundo já produz alimentos emquantidade suficiente para suprir asnecessidades nutricionais de todos osseus seis bilhões de habitantes. Ain-da assim, cerca de 800 milhões so-frem de desnutrição... infelizmente, omundo ainda parece longe de dar umaresposta para o problema da fome,que não diz tanto respeito à produ-ção de alimentos, mas sim à distri-buição de renda.

Agroecologia e SoberaniaAlimentar

A agroecologia, cujo conceito vem sendoconstruído com a contribuição de diversas áreas do co-nhecimento, se propõe a ser uma resposta socioambientala esta degradação ocasionada pela mal denominada Revo-lução Verde.

Concebido inicialmente como uma disciplinacientífica que estuda os agroecossistemas, o conceito deagroecologia hoje incorpora também o estudo do dese-nho de agroecossistemas sustentáveis, levando em consi-

deração todos os fatores que podem influenciar esse dese-nho.3 Esta evolução conceitual leva, naturalmente, a umaforte aproximação entre o trabalho com agroecologia e abusca da defesa da soberania alimentar dos povos.

Iniciativas “agroecológicas”, como o resgate ea manutenção de sementes varietais pelas famíliasagricultoras, a conservação de recursos naturais, a produ-ção de alimentos limpos e a articulação de novas redes dedistribuição e consumo de alimentos, são condições indis-pensáveis para garantir o acesso a alimentos de qualidadepara todos. E, como já vimos, acesso é um problema cen-tral quando o tema é Soberania Alimentar.

Rede Ecovida de Agroecologia:por novos padrões de produção,comercialização e consumo dealimentos

A Rede Ecovida de Agroecologia surge no fimda década de 90, a partir da integração de dezenas deorganizações que têm na promoção da agroecologia seuobjetivo central.

Segundo um documento interno:

A Rede Ecovida de Agroecologia é um espaçode articulação entre agricultores familiares e suasorganizações, organizações de assessoria e pes-soas envolvidas e simpáticas com a produção,o processamento, a comercialização e o consu-mo de alimentos ecológicos.4

A Rede atualmente é formada por 180 gruposde agricultores dos estados do Paraná, de Santa Catarina edo Rio Grande do Sul, envolvendo um total de 2.300 famí-

lias. Participam ainda 10 coope-rativas de consumidores de pro-dutos ecológicos e 25 ONGs. Aunidade operacional da Rede sãoos Núcleos Regionais, que hojesomam 21. Por ser uma articula-ção aberta, estes números estãoem constante crescimento.

Para a Rede Ecovidade Agroecologia o processo detransição agroecológica deveter como ponto de partida a su-peração da capacidade da pro-priedade familiar em produzir

3GLIESSMAN, Stephen. Agroecologia – Pro-cessos Ecológicos em Agricultura Sustentável.Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2000.4Rede Ecovida de Agroecologia, Normas deOrganização e Funcionamento. Lages, dezem-bro, 2001.

Julian Perez/Equipe de Educadores Populares

Carroça de milho, Irati/PR

Agriculturas - v. 1 - no 0 - setembro de 2004 13

seus próprios alimentos. A partir dessa premissa é que sedevem construir as estratégias de vinculação dos agricul-tores com o mercado, sempre buscando meios que, porum lado, estimulem e consolidem o processo de transi-ção e, por outro disponibilizem à população urbana pro-dutos de qualidade a preços acessíveis.

Porém, a tendência majoritária é a de buscade grandes redes de supermercados e canais de exporta-ção como principais estratégias de comercialização paraos produtos ecológicos, levando a um quadro deelitização do consumo desses produtos.

Contrariando essa tendência, os membros daRede Ecovida de Agroecologia têm buscado privilegiaros mercados locais para o escoamento de sua produção.Mercado local aqui não pode ser entendido unicamentecomo uma localização geográfica, mas também comoum processo de comercialização que busca fundamen-talmente:

• democratizar, popularizar e massificar o consumo deprodutos ecológicos;

• encurtar a distância entre produtores e consumidores,estimulando relações solidárias entre eles;

• valorizar os serviços socioambientais gerados;

• fazer com que os benefícios da comercialização sejamcompartilhados entre todos os envolvidos;

• promover a cooperação, a transparência e a comple-mentaridade entre os agentes do processo de co-mercialização;

• possibilitar uma crescente inclusão de agricultores econsumidores no mercado.

No entendimento da Rede Ecovida, um merca-do pautado por esses princípios permite o escoamento deuma produção diversificada, baseada em recursos genéti-cos autóctones, uma melhor remuneração para o agricul-tor, preços mais acessíveis ao consumidor e baixos custosoperacionais. Mercados como estes propiciam ainda queuma maior parcela da renda gerada seja retida pelo agricul-tor, com um conseqüente aumento em sua capacidade deconsumo.

É visando o estabelecimento de relações demercado dessa natureza que a Rede Ecovida tem estimu-lado a construção de uma Rede Solidária de Produção eCirculação de Produtos Ecológicos. As células decomercialização desta Rede são fundamentalmente feiraslivres, cooperativas de consumidores, mercados institu-cionais, pontos de abastecimento popular, pequenas lo-jas e comerciantes.

Várias experiências ocorrem hoje emtodos os núcleos da Rede Ecovida eapontam para a criação do que pode-mos chamar de “um outro mercado”.

No Núcleo Monge João Maria, no Centro Suldo Paraná, o desenvolvimento do mercado local para pro-dutos ecológicos tem se baseado em feiras livres, mercadoinstitucional e comercialização em festas e eventos locais.Estes espaços de comercialização têm estimulado a diver-sificação da produção entre as famílias agricultoras, o quetem gerado um resultado positivo na promoção da Sobe-rania Alimentar, tendo em vista a melhoria e o enriqueci-mento nos hábitos alimentares destas famílias. Da mesmaforma, têm popularizado o acesso ao alimento ecológico,já que as feiras, em um total de quatro, são realizadas embairros populares a preços acessíveis, e as comprasinstitucionais estão voltadas ao atendimento de quatrocreches, uma pré-escola e cinco escolas em bairros caren-tes, além de entidades assistenciais presentes em três bair-ros. Este é um exemplo importante que rompe com a lógi-ca de elitização dos mercados de produtos ecológicos.

No Núcleo Maurício Burmester do Amaral, naregião metropolitana de Curitiba-PR, a agroecologia temcontribuído para o desenvolvimento de canais alternati-vos de mercado, sob o controle das famílias agricultoras econsumidoras, diminuindo a dependência dos intermedi-ários e das grandes redes de supermercados. Doze novasfeiras agroecológicas, cinco pontos de venda, duas escolasque recebem merendas escolares agroecológicas, algumasiniciativas de entrega de “cestas agroecológicas” e co-mércio solidário em bairros pobres são exemplos de expe-riências de descentralização da comercialização.

Em um trabalho realizado em mais de 16 ofici-nas com grupos de agricultores, como parte de uma

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14 Agriculturas - v. 1 - no 0 - setembro de 2004

capacitação sobre gestão, foram levantados dados signi-ficativos sobre a grande diversidade de alimentos ecológi-cos produzidos e consumidos pelas famílias agriculto-ras. No entendimento dos integrantes desse núcleo, issodemonstra o resgate da riqueza alimentar dessas famílias ea presença de uma renda direta ou indireta às vezes supe-rior àquela obtida pela comercialização dos produtos des-tinados ao mercado.

No Núcleo Litoral Solidário, que abrange o Li-toral Norte do Rio Grande do Sul e o Sul de Santa Catarina,tem-se estimulado a organização de Cooperativas de Con-sumidores de Produtos Ecológicos, hoje presentes em seisdiferentes municípios. Basicamente funcionam a partir daorganização dos consumidores e se materializam em umaloja de produtos ecológicos. Uma delas, a Coopet, locali-zada no município de Três Cachoeiras, tem uma forma degestão bastante original. Cobra de seus associados umapequena mensalidade, hoje de 20 reais, suficientes paracobrir seus custos operacionais. Isto lhe permite vender aseus associados os produtos ao preço de custo. Para faci-litar o acesso dos agricultores aos produtos que comer-cializa, a Coopet tomou a iniciativa de cobrar de gruposde agricultores apenas uma mensalidade, estendendo opreço de associado a todos os membros desses grupos.Essa é mais uma alternativa que viabiliza o consumo deprodutos ecológicos.

No Núcleo Serra, a partir de um convênio esta-belecido entre o Centro Ecológico e a Prefeitura Munici-pal de Caxias do Sul, desde 1998 se comercializam bana-nas produzidas no litoral entre os estados do Rio Grandedo Sul e Santa Catarina sob os princípios da agroecologia.O diferencial é o objetivo dessa comercialização: conectaragricultores e consumidores com baixo poder aquisitivo.Semanalmente são comercializadas em dois pontos estra-tégicos, de grande fluxo de pessoas, 10 toneladas de ba-nana a um preço 30 a 40% abaixo do mercado convencio-nal. Ainda assim, esse valor, descontando os custos decomercialização, significa um incremento de 100% na ren-da dos agricultores (veja os números no boxe abaixo).

*Coordenador do CentroEcológico, ONG que des-

de 1985 trabalha com oestímulo à produção e ao

consumo de produtosecológicos. O Centro

Ecológico é membro daRede Ecovida de

[email protected]

Essa iniciativa é mais uma demonstração quepráticas agroecológicas, associadas a mercados locais,trazem impactos positivos à Soberania Alimentar da po-pulação.

Pavimentando caminhos,reacendendo esperanças

Aqui repetimos o que já dissemos no início: oacesso a alimentos saudáveis e de boa qualidade é umdireito universal dos povos, e deve se sobrepor a qualquerfator econômico, político ou cultural que impeça suaefetivação. Infelizmente na sociedade contemporânea esteacesso está obstruído para uma parcela significativa dapopulação.

Trabalhar para reverter este quadro é um deverde cada um de nós e da sociedade como um todo.

Os integrantes da Rede Ecovida entendem es-tar dando sua parcela de contribuição para a promoção daSoberania Alimentar, a partir da realidade em que cadamembro está inserido. Julgamos que a opção pela agro-ecologia e pelo desenvolvimento de mercados locais paraprodutos ecológicos é indispensável para pavimentar ocaminho que permitirá o acesso de todos a alimentos dequalidade.

Somos conscientes de que trabalhoscomo os aqui descritos não se avo-lumam a ponto de se fazerem notar pe-las estatísticas de produção e comer-cialização de alimentos. Ainda assimacreditamos que são exemplos que de-vem ser observados. Reacendem a es-perança, bem que a escassez tem dei-xado ainda mais valioso, de que é pos-sível construir um mundo onde todos etodas tenham garantido o direito à ali-mentação saudável.

Ponto de colheita – Caxias do Sul

50 famílias agricultoras envolvidas; 10 toneladas comercializadas por semana

Preço recebido pelo agricultor = R$ 0,66/Kg (o custo de comercialização é de R$ 0,18/Kg)

Preço pago pelo consumidor = R$0,66/Kg

Mercado convencionalPreço pago ao agricultor = R$ 0,25/kg

Preço pago pelo consumidor = R$ 1,00/kg

Agriculturas - v. 1 - no 0 - setembro de 2004 15

A experiência da fa-mília do Sr. An-tônio Santino de

Freitas, 59 anos, e de sua mu-lher Maria de Zé Arcanjo, 50anos, demonstra como a propos-ta de trabalho com a agroeco-logia pode contribuir para criaruma situação de disponibilidadede alimento suficiente, de boaqualidade e diversificado.

É no Sítio Croatá, no município de Bodocó-PE, propriedade de 150 tarefas (45,5 hectares) que o Sr.

Telma Castello Branco e José Felipe Marra*

A agroecologiapromovendo a

segurançaalimentar:

Antônio herdou do seu avô juntamente com mais seis ir-mãos, que a família mora e trabalha.

Bodocó está localizado no sertão do Araripe,no coração do semi-árido nordestino. As secas freqüentesna região afetaram profundamente os agricultores familia-res, provocando migrações permanentes e/ou temporári-as, sobretudo, dos jovens adultos.

A família do Sr. Antônio Santino de Freitaschegou a abandonar a agricultura na seca de 1996, indomorar em Petrolina, onde Antônio empregou-se nos pro-jetos de irrigação. Com a volta das chuvas em 1998, afamília retornou ao Sítio Croatá, onde alguns poços ebarreiros tinham sido construídos. A família aproveitouum desses barreiros para iniciar o plantio de uma hortacom produtos para consumo familiar e para o mercadolocal. No ano 2000, veio nova seca e o barreiro quase seesgotou, ameaçando a horta. A salvação surgiu com aconstrução de um cacimbão de 12 metros de profundi-dade. A obra foi realizada pelo Centro de Assessoria eApoio aos Trabalhadores e Instituições Não-Governa-mentais Alternativas (Caatinga), que contou com amobilização da mão-de-obra da Associação Comunitáriapara a perfuração.

Porém, como em muitos poços e cacimbões nosemi-árido nordestino, o do Sr. Antônio tinha a água umpouco salgada. Para evitar a acumulação de sal na horta, oCaatinga deu os recursos e prestou assessoria ao projetode irrigação por gotejamento. Foi construída uma caixa-d’água elevada com pré-moldados, com capacidade para3.500 litros, enchida por uma bomba manual feita arte-sanalmente. Esse sistema simples e barato permitiu irrigarpor gravidade/gotejamento cerca de um hectare de hor-ta, fruteiras e outras culturas.

um estudo de caso nosemi-árido brasileiro

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O Caatinga também instruiu a família sobretécnicas agroecológicas de fertilização e controle de pra-gas e, para facilitar a produção dos fertilizantes, custeouum tanque para fermentação do biofertilizante e um siste-ma de compostagem. Além disso, o Caatinga contribuiupara a construção de duas cisternas para uso familiar.

O sistema produtivoagroecológico:

Com água disponível e utilizada de forma eco-nômica, a família está explorando um hectare com altadiversificação de produtos: 50 pés de mamão, 90 de goia-ba, 40 de maracujá, três de manga, três de caju, 45 depimenta, 50 covas de banana, feijão, guandu, leucena,nim, quiabo, acerola, beterraba, cebolinha, pepino, alfacee fumo. O fumo e o nim são usados para fazer inseticidasorgânicos.

Nas palavras do próprio Sr. Antônio:

A terra aqui é muito boa! Há mais de três anos nãouso nada de química. Troquei o veneno por insetici-das naturais, o adubo químico pelo orgânico que dásustância para a terra e para as plantas. A genteproduz tudo aqui mesmo, como o composto orgâ-nico, o fermentado; usamos o fumo, a folha da pi-nha, a maniçoba, a pimenta malagueta e a folha donim; não custa nada, resolve os problemas e não fazmal à saúde.

Ainda segundo o Sr. Antônio, os resultados foram excep-cionais:

Muita coisa mudou: depois do cacimbão e das cister-nas não faltou mais água, melhorou nossa alimenta-ção, diminuiu a diarréia e a coceira, principalmente das

crianças, e aumentou nossa renda. Vendo o que plan-to aqui na horta para toda a vizinhança e ainda mandoum pouco para a barraca de produtos orgânicos emOuricuri. Estou apurando cerca de R$ 280,00 por mês.Antes mal dava para nós comer .

No entanto, ele planeja ainda mais avanços para o futuro:

Preciso melhorar o bombeamento de água para au-mentar o plantio e a renda da família. O prefeito pro-meteu botar energia elétrica, fez até a picada. Estouesperando! Pretendo trabalhar para sustentar o proje-to, ficar independente, vender produtos com qualida-de e diretamente para o consumidor. Veneno nuncamais!, diz convicto.

Queremos fazer do projeto uma referência regional!Complementa entusiasmado Lindomar, seu filho maisvelho.

ResultadosEssa experiência evidencia os efeitos de uma

articulação entre os diversos níveis e atores sociais. De umlado, a família organizada vivendo numa comunidade, quepor sua vez trata de resistir e se organizar; de outro, umaONG – o Caatinga – com intervenção local, mas tambémcom inserção em redes regionais, como a Articulação doSemi-árido (ASA), e nacionais, como a Articulação Nacio-nal de Agroecologia (ANA). Além disso, o estabelecimen-to de um diálogo da comunidade com a prefeitura domunicípio, alcançado por um processo de negociação epressão política, para a instalação de energia elétrica, re-força a importância desse tipo de mobilização social.

Enfim, os resultados aparecem na fala dos per-sonagens do caso: elevação da auto-estima, tomada deconsciência alimentar e ambiental, disponibilidade e aces-so a alimentos diversificados e sem agrotóxicos, aumentoda renda familiar e maior nível de organização e participa-ção na comunidade.

*Integrantes da ONG [email protected]

[email protected]

Referências:Caatinga. Relatório de Atividades do Triênio 2001-2003. União Européia.

IBGE – Cidades@2000.

Relatório do Seminário Preparatório ao Encontro Na-cional de Agroecologia (2001). Rio de Janeiro. Julho27 e 28.

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a casa da família deDona Nenê, no Agres-te da Borborema, to-

dos acordaram cedo. É dia depamonhada.1 Seu Chico foi parao roçado quebrar milho da va-riedade pontinha, muito boapara fazer pamonha. As semen-tes foram herança deixada porseu avô.

Dona Nenê e seus filhos se preparam para rece-ber os vizinhos: pegam água na cisterna construída bemno oitão da casa com os recursos de um sistema de micro-crédito comunitário, colhem verduras na barragem sub-terrânea cultivadas utilizando adubos naturais, cozinhama galinha de capoeira do terreiro. Os vizinhos chegam jus-to na hora em que as filhas de Dona Nenê regam a horta deplantas medicinais com o reaproveitamento da água dacozinha. Elas aprenderam em uma visita de intercâmbiocom outras agricultoras e agora ensinam para a comuni-dade. Um dos vizinhos elogia a diversidade de plantasque existe no quintal e a quantidade de árvores no sítio.

Para almoçar ainda puderam escolher se comeriam fava(Phaseolus lunatus) ou feijão (P. vulgaris) e, como sobre-mesa, tiveram doce de caju. Dona Nenê tem orgulho ecomenta: “Na nossa mesa tudo vem da roça e é natural.”

Na casa de Seu José Cosme, também no Agres-te da Borborema, é dia de plantio, mas não há sementes.Ao acordar, Seu José pede a seu filho mais velho, Zeca,para comprar algumas. Dona Corrinha foi buscar água nocarro-pipa. Mas antes pediu à filha para que fosse na bode-ga comprar cuscuz para o café da manhã. A propriedadeda família é muito pequena e eles são obrigados a arrendarterra do fazendeiro. Além disso, a cada ano ela fica maisfraca. Para pagar a bodega e as sementes, a família foiobrigada a vender o boi, mas espera pelo dinheiro da apo-sentadoria para comprar um novo bezerro.

Essas rápidas passagens de histórias familiarescontrastantes foram extraídas da peça de teatro Apamonhada na casa de Dona Nenê, elaborada e encenadaem várias oportunidades por agricultores e lideranças reli-giosas que integram o Grupo de Teatro do Pólo Sindical edas Organizações da Agricultura Familiar da Borborema,uma articulação de organizações de agricultores eagricultoras (entre sindicatos, associações, pastorais, gru-pos informais etc) de 16 municípios do Agreste da Paraíba.Com ela o grupo teve por objetivo favorecer a construçãosocial do conceito de segurança alimentar, estabelecendovínculo com a realidade local vivenciada pela agriculturafamiliar. Embora imaginárias, as duas histórias reprodu-

A pamonhadana casa deDona Nenê:agricultura familiarconstruindo a segurançaalimentar no semi-áridoRoberval Silva, Paula Almeida, LucianoSilveira e Marilene Melo*

“Ninguém educa ninguém,Ninguém educa a si mesmo,

Os homens se educam entre si,mediatizados pelo mundo.”

Paulo Freire

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1Pamonhada é uma festa típica em que são feitas várias comidas à base de milho verde,sendo uma delas a pamonha. As pamonhadas ocorrem nas comemorações de SãoJoão e São Pedro, comuns no Nordeste.

Produtos da Agricultura Familiar

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18 Agriculturas - v. 1 - no 0 - setembro de 2004

zem de forma bem fiel a situação de dualidade existenteentre aquelas famílias que vêm aos poucos construindomelhores condições de abastecimento alimentar, por meioda participação ativa em dinâmicas sociais de inovaçãoagroecológica, e as que ainda vivem em uma situação ex-trema de insegurança alimentar.

A família de Dona Nenê representa as4 mil famílias que vêm desenvolvendopráticas pioneiras a partir do intensoprocesso de experimentação e dissemi-nação de inovações técnicas e or-ganizativas estimulado pelo Pólo des-de 2000, com vistas a construir umnovo modelo de desenvolvimento rural,baseado na noção de convivência como semi-árido.

Nesse processo, os agricultores e as agricultorasvêm resgatando variedades de sementes adaptadas a sis-temas tradicionais de consórcio de cultivos e se organi-zando em bancos de sementes comunitários; retomandoe melhorando o manejo da criação de aves e de quintais deverduras, frutas, plantas medicinais e frutíferas; rearbo-

rizando suas propriedades através de implantação de sis-temas como cercas vivas, bosques, plantação de árvoresnos roçados e técnicas agroflorestais; produzindo e esto-cando forragem de plantas nativas para que o gado, osbodes e as ovelhas continuem produzindo leite e carnemesmo em condições adversas; e testando e aplicandogrande diversidade de defensivos e adubos naturais nashortaliças, nas árvores frutíferas e nos roçados.

Além disso, as famílias estão desenvolvendo eimplementando novos meios de captação e armaze-namento de água para beber e para a produção agrícola.Ao se prepararem melhor para receber as águas que caemda chuva, valorizam a rica fonte de biodiversidade e co-nhecimentos locais, o que transforma solo e água em umaexplosão de vida produtiva de alimentos, plantas medici-nais, forragens e adubos. Para garantir que o alimento nãofalte nem durante a estiagem, estão mantendo provisõesde água nas cisternas, nos tanques de pedra e barreiros,além de milho, feijão e farinha nos silos, e ainda fabricandodoces e compotas para estabilizar a oferta de frutas e ver-duras durante o ano.

No conjunto, são experiências que promovemmaior segurança alimentar às famílias, pois aumentam aquantidade e a diversidade de alimentos produzidos naspropriedades, e proporcionam maior resistência à secagarantindo a estabilidade da produção. Por fim, tornamas famílias mais autônomas, já que se baseiam em recursosnaturais e em conhecimentos dominados pela populaçãolocal. Todo esse avanço é decorrente de um grande e arti-culado programa de inovação agroecológica conduzidopelo Pólo Sindical da Borborema e assessorado pela As-sessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa(AS-PTA).

O Pólo tem atuado junto às bases das organi-zações a ele vinculadas no sentido de elaborar, defender eexecutar um projeto para a transformação da agriculturana região. A construção desse projeto e a sua apropriaçãopor um número crescente de organizações e famílias vêmse fundamentando no mesmo princípio pedagógico ado-tado na peça de teatro. Importantes conceitos para a lei-tura da realidade e a ação sobre ela vão aos poucos sendoelaborados a partir da interpretação dos fatos concretosdo cotidiano das famílias de agricultores. Como diz PauloFreire: “O próprio discurso teórico, necessário à reflexãocrítica, tem de ser de tal modo concreto que quase seconfunda com a prática.” Nesse processo dialético de cons-trução social de um projeto próprio de desenvolvimento,a experimentação das inovações feita diretamente pelasfamílias e comunidades rurais desempenha um papel pe-dagógico determinante.

Redes locais de agricultores-experimen-tadores vinculam a teoria e a prática das novas técnicas

Encontro “Saúde e Alimentação”.Peça: Pamonhada na Casa de Dona Nenê

Encontro “Saúde e Alimentação”.Peça: Pamonhada na Casa de Dona Nenê

Agriculturas - v. 1 - no 0 - setembro de 2004 19

através de um amplo e descentralizado processo socialde experimentação e de proliferação de iniciativas deintercâmbio, que se estabelecem sob a dinâmica “deagricultor para agricultor”. Organizadas em temas ecoordenadas por comissões compostas por liderançasdo Pólo (que também são agricultores-experimen-tadores), essas redes horizontais têm sido capazes deelaborar sínteses de seus efetivos acúmulos nos planostécnico, metodológico e político. Foi justamente combase nesse processo que a noção de agroecologia foi

Água:um direito de todos

As experiências de captação da águadas chuvas em centenas de propriedades e co-munidades através de métodos simples, baratose de comprovada eficiência técnica já demons-traram a importância da descentralização dasestruturas de abastecimento tradicionais para asegurança alimentar e hídrica das populações domeio rural paraibano. Esses métodos vêm se dis-seminando rapidamente no Agreste através dosfundos rotativos solidários geridos pelas própriascomunidades. Atualmente o Pólo conta comuma rede de 230 fundos que já viabilizou a cons-trução de 1.835 cisternas domésticas, garantin-do fácil acesso à água de boa qualidade às famí-lias beneficiadas.

As cisternas foram incorporadas às polí-ticas públicas levando à configuração do Programade Um Milhão de Cisternas, P1MC, do qual o PóloSindical e as Organizações de Agricultores Familia-res da Borborema fazem parte. Esse programa, queé gerido pela Articulação do Semi-árido Brasileirocom recursos do governo federal, vem demonstran-do a capacidade da sociedade civil de formular, ne-gociar e executar políticas de grande alcance deforma a descentralizar a oferta hídrica a partir damobilização comunitária.

Cultivando a vida: um roçadode sementes da paixão

O Pólo faz parte da Rede Estadual de Ban-cos de Sementes da Articulação do Semi-áridoParaibano, que tem conquistado avanços políticos.Desde 1998, vem estabelecendo convênios com o go-verno do estado da Paraíba para abastecimento dosbancos com sementes de variedades locais e, em 2004,graças a uma parceria com a Companhia Nacional deAbastecimento (Conab), foram armazenadas 161 to-neladas de sementes de variedades locais.

Hoje, há 76 bancos de sementes comuni-tários que beneficiam diretamente três mil famílias.Este é outro exemplo da capacidade das organiza-ções da sociedade civil de formular e implementarsoluções técnicas e socioorganizativas para enfren-tar os problemas vivenciados pela agricultura famili-ar do semi-árido. Por meio desses bancos, as famíliassócias têm garantido sementes de qualidade e nahora certa para o plantio, livrando-se dos riscos dainsegurança alimentar em razão da perda do ano agrí-cola. Os bancos e os estoques familiares funcionamtambém como guardiões estratégicos das variedadesadaptadas, conhecidas como as sementes da paixão.Conservá-las é um importante serviço que a agricultu-ra familiar está prestando para a segurança alimentarda sociedade de modo geral e para a autonomiatecnológica de nossa agricultura.

As experiências transformadasem políticas

aos poucos se delineando como referência concreta paraa viabilização de um projeto coletivo de desenvolvimen-to fundamentado na sustentabilidade socioambientale na convivência com o semi-árido. Tendo esse projetode transformação da realidade como condutor de suasações, o Pólo e a Articulação do Semi-árido Paraibano(ASA-PB)2 têm atuado intensivamente no sentido deformular, defender e implementar políticas públicasvoltadas para a promoção da agroecologia e da segu-rança alimentar (ver boxe).

2 Rede de organizações da sociedade civil paraibana, incluindo ONGs e organizações de agricultores, que vem formulando políticas de convivência com o semi-árido a partir doconhecimento e realidades locais. Tanto o Pólo Sindical da Borborema como a AS-PTA são partes integrantes dessa rede.

20 Agriculturas - v. 1 - no 0 - setembro de 2004

A família de Dona Nenêviaja pelo Nordeste

O Pólo realizou um evento contando com aparticipação de 70 lideranças sindicais e comunitárias,que centrou esforços para colocar as experiências acu-muladas a serviço da construção coletiva dos conceitosde segurança e de soberania alimentar, assim como paraa elaboração de propostas e orientações de políticas pú-blicas voltadas para a superação das condições estrutu-rais que perpetuam o quadro de insegurança alimentarvigente. Um dos produtos desse evento foi a formulaçãode um documento com contribuições para o ProgramaFome Zero.3

Os caminhos percorridos por esses debates fo-ram se diversificando e alcançando espaços cada vezmaiores. Do Agreste da Borborema, avançou para o es-tado da Paraíba chegando ao conjunto do semi-áridobrasileiro. As propostas para o Programa Fome Zero fo-ram sendo elaboradas com base na valorização das inici-ativas locais, através de intercâmbios entre agricultores-experimentadores, feiras de experiências e produtos daagricultura familiar e sistematização e publicação das prá-ticas. Essa trajetória e seus resultados se entrelaçam comas situações apresentadas na peça A pamonhada na casade Dona Nenê.

Tanto a reflexão acumulada quanto o enfoquemetodológico do evento de formação do Pólo foram valo-rizados no II Encontro Paraibano de Agroecologia (EPA),organizado pela ASA-PB e que contou com 100 lideran-ças agricultoras de 77 municípios do estado. Durante oEncontro, o texto elaborado pelo Pólo foi aprimoradodando lugar a um documento intitulado Contribuições dasociedade civil da Paraíba ao Programa Fome Zero, cujoconteúdo e idéias constituíram uma referência importan-te para o evento fundador do Fórum Estadual de Seguran-ça Alimentar.

Um dos encaminhamentos da ASA-PB foi arealização de grande mobilização a favor de uma Paraíbacom Segurança Alimentar: livre de transgênicos eagrotóxicos, realizada no dia 25 de julho de 2003, emCampina Grande, que contou com a participação de maisde 1.500 agricultores e agricultoras de todo o estado.

Em novembro, a Paraíba acolheu o IV Encon-tro Nacional da Articulação do Semi-árido Brasileiro(Enconasa), que reuniu cerca de 600 pessoas, sendo amaioria agricultores portadores de experiências de 11 es-

3 O Fome Zero é um programa criado pelo Governo Lula para combater a fome, amiséria e suas causas estruturais, que geram a exclusão social. Ele foi concebido paragarantir a segurança alimentar de todos os brasileiros e brasileiras. O programa FomeZero reúne um conjunto de políticas públicas que envolvem os três níveis de governoe a sociedade civil.

Feira de Experiências

Agriculturas - v. 1 - no 0 - setembro de 2004 21

*Membros da equipe da AS-PTA atuanteno Agreste da Paraíba.

[email protected] ; [email protected]@aspta.org.br; [email protected]

tados do semi-árido brasileiro. Além disso, com o tema“Agricultura familiar construindo a segurança alimentarno semi-árido”, sediou uma grande feira de experiênciasde convivência com o semi-árido que evidenciou o ricoacervo de práticas em curso e desempenhou importantepapel como fonte de inspiração aos debates. O eventoculminou com a atualização da Carta Política da ASA-Brasil que, em essência, chama a atenção para a impor-tância da valorização das alternativas que estão sendodesenvolvidas pela sociedade civil organizada nos pro-cessos de formulação de políticas voltadas para a promo-ção da soberania alimentar.

Assim, a ASA-PB, pelo seu rico acú-mulo no tema, foi convocada a exercerum papel ativo de animação na cons-trução de propostas de políticas para aConferência Estadual de SegurançaAlimentar e Nutricional, quando se re-petiu a metodologia já testada e apro-vada: a apresentação da peça com ahistória de Dona Nenê e Seu Cosme,as trocas de experiências etc. O Even-to e os seus produtos publicados (Ca-derno de Experiências e Diretrizes) evi-denciam o amadurecimento das inova-ções dos agricultores familiares vincu-lados ao Pólo e à ASA-PB e a clarezae segurança com que estas pessoas ex-pressam seus resultados concretos erelevantes.

Já durante a Conferência Nacional de Seguran-ça Alimentar e Nutricional, ocorrida em Olinda-PE, em

Referências:

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo:Paz e Terra, 1998.

II Encontro Paraibano de Agroecologia: Carta Políti-ca. Lagoa Seca-PB: Articulação do Semi-áridoParaibano, 2003.

Por uma Paraíba com Segurança Alimentar: livre detransgênicos e agrotóxicos. Campina Grande-PB:Pólo Sindical da Borborema, 2003.

março de 2004, não houve organização no sentido devalorizar os acúmulos da própria sociedade civil na pro-moção da segurança alimentar. Porém, lá estava A pa-monhada na casa de Dona Nenê dando o seu recado eevidenciando os caminhos que já vêm sendo trilhados apartir da mobilização dos esforços de organizações dasociedade civil e da inteligência criativa de agricultores eagricultoras familiares.

Esse processo educativo, conduzido pelas pró-prias organizações de agricultores e agricultoras vincula-das ao Pólo, nos deixa a certeza de que as formas de en-frentar estruturalmente a insegurança alimentar não po-dem se limitar a alterações nos padrões técnicos de produ-ção, mas sim, e fundamentalmente, apostar no aumentoda capacidade dos indivíduos intervirem sobre sua própriarealidade, ou seja, no aumento dos graus de auto-deter-minação.

As propostas para o ProgramaFome Zero foram sendoelaboradas com base na

valorização das iniciativaslocais, através de intercâmbios

entre agricultores-experi-mentadores, feiras de

experiências e produtos daagricultura familiar e

sistematização e publicaçãodas práticas.

Encontro “Saúde e Alimentação”Peça: A pamonhada na casa de Dona Nenê

22 Agriculturas - v. 1 - no 0 - setembro de 2004

Sistemas Alternativos deProdução Familiar

Manejo de açaizal em área de várzea –Abaetetuba, Pará

o início da dé-cada de 90,com a criação

do Fundo Constitucional de Fi-nanciamento do Norte (FNO)pela Constituição de 1988, umalinha de crédito específica paraa produção familiar rural da re-gião amazônica propiciou a in-corporação desse setor aos pro-cessos de modernização, antesexclusivamente dirigida aosgrandes produtores.

Contudo, os projetos elaborados e implemen-tados sob os padrões da Revolução Verde mostraram-seinadequados às condições sociais, econômicas, culturaise técnicas dos beneficiários(as).1 Entre os principais pro-blemas, destaca-se a imposição do uso dos insumos quí-micos, a utilização de metodologias inapropriadas, a pa-dronização de projetos, que não levavam em conta asespecificidades da região e dos envolvidos(as), e a elabo-ração de projetos sem diálogo com produtores(as).

O reconhecimento dos resultados negativos,especialmente na década de 70, gerou uma série de dis-cussões em diferentes setores sociais, impulsionando osurgimento de correntes alternativas, com base agro-ecológica. Na Amazônia, o debate sobre a agricultura e asquestões ambientais motivou o desenvolvimento de açõesde capacitação e experimentação que promovessem a re-cuperação da qualidade dos solos, o aumento dabiodiversidade, a conservação do patrimônio genético, apreservação dos recursos hídricos priorizando o uso dosrecursos naturais locais, a garantia da segurança alimentare a valorização e fortalecimento da produção familiar.

Muitas dessas experiências basearam-se no queprodutores e produtoras desenvolviam secularmente em

Patrícia de Lucena Mourão*

suas localidades, a partir de seus conhecimentos tradicio-nais de uso e manejo dos recursos naturais. No Pará, essaspráticas passaram a ser utilizadas para recuperar os proje-tos do FNO que estavam em situação de abandono. Com-preendendo que os resultados dessas experiências deve-riam servir de subsídios para a elaboração de políticas pú-blicas para a produção familiar rural sustentável da Ama-zônia, a Federação de Órgãos para Assistência Social eEducacional (Fase) e a Federação de Trabalhadores naAgricultura (Fetagri), com apoio financeiro da FundaçãoHeinrich Böll (HBS), realizaram no período de 2000 a 2001a pesquisa: As experiências agroextrativistas alternativasda produção familiar rural no Pará, procurando identificarcomo a adoção dessas técnicas estava contribuindo para atransformação dos sistemas de produção, tendo em vistaa sua sustentabilidade, a preservação dos aspectos agro-ambientais e a segurança alimentar das famílias.

N

Área de açaizal manejada pelo Sr. Agessé. Abaetetuba, Pará

1 Esses resultados foram verificados na pesquisa O Processo de Implantação do FNO-Especial na Produção Familiar Rural Paraense, realizada em 1998, pela Fase, pelaFetagri, pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e Núcleode Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (NAEA/UFPA). Paraaprofundamento, ver TURA e COSTA 2000 (orgs.). Campesinato e estado naAmazônia: impactos do FNO no Pará. Brasília: Brasília Jurídica/Fase.

Agriculturas - v. 1 - no 0 - setembro de 2004 23

Aqui será apresentado o caso do Sr. Agessé,produtor com um lote de 19 hectares localizado às mar-gens do rio Maracapucu Sagrado, a 30 minutos de barcoda sede do município de Abaetetuba, Pará.

A famíliaO Sr. Agessé nasceu em Abaetetuba e traba-

lhou com o pai no mesmo lote que herdou em 1976 e quehoje explora com a família (Dona Maria, filhos, filhas, gen-ros e noras – cinco mulheres, quatro homens e uma crian-ça). A atividade econômica principal, passada de pai parafilho, era o cultivo de cana-de-açúcar, vendida para umengenho local. A renda familiar era complementada pelotrabalho do Sr. Agessé, como agente de saúde, e pelosdois filhos, como carregadores de barcos que faziam otransporte de telhas e tijolos na localidade.

O Sr. Agessé e Dona Maria começavam a parti-cipar das reuniões do Sindicato de Trabalhadores Rurais(STR) de Abaetetuba, da Associação de Produtores(Adempa) e do Centro de Tecnologia Alternativa de Tipiti.A inserção nessas organizações permitiu à família acesso àinformação, financiamento e assistência técnica.

O sistema de produção

Nos anos 70, quando o Sr. Agessé assumiu apropriedade após a morte do pai, cinco hectares eram ex-plorados com cana-de-açúcar e um hectare com manejode açaizal. Coletava-se ainda andiroba (Carapa guianensis)para óleo e látex de seringueira (Hevea brasiliensis).

Porém, as sucessivas rotações no cul-tivo da cana-de-açúcar levaram aodesmatamento total do lote, obrigan-do a mudanças no uso da terra emmeados da década de 80. Duas tenta-tivas de implantar roças com cana-de-açúcar, arroz (Oryza sativa) e milho(Zea mays) fracassaram devido à in-vasão de porcos-do-mato.

No início da década de 90, o Sr. Agessé deuinício a um sistema agroflorestal com o plantio de virola(Virola surinamensis), angelim (Hymenolobium sericeum),paricá (Schizolobium amazonicum), pau-mulato(Calycophyllum spruceanum), bacuri (Platonia insignis),mangaba (Cercocebus torquatos) e manga (Mangiferaindica) em áreas de capoeira, por influência das discussõesno STR de Abaetetuba e da assessoria que a Fase prestavaàs organizações de produtores locais. Em 1997, atravésda participação em cursos no Centro Tipiti, o Sr. Agesséimplantou numa área de meio hectare o manejo alternati-vo de açaizal. Essa área foi chamada de “módulo agro-florestal”. A representação espacial do sistema de produ-ção pode ser observada na Figura 1.

A vegetação resultante da regeneração naturaldas áreas desmatadas foi dominada por palmeiras comoaçaí e miriti. O manejo tradicional consistia em manter oplantio de açaí adensado, preservando o máximo de estipespor touceiras e fazendo replantio de mudas em áreas quenão tinham açaí. Além disso, eram realizadas de três aquatro capinas anuais, em que as outras espécies eramretiradas.

A prática de manejo alternativo do açaí consis-te no corte dos perfilhos mais velhos, menos produtivos ecom baixo desenvolvimento. Esse material vegetal é de-positado na área como cobertura morta. Essa inovaçãopermitiu diminuir o número de limpezas para duas por ano.A própria capina também passou a ser mais leve. O cortedas estipes de açaí possibilitou fazer um novo arranjo ecombinação de culturas na área e, ao ampliar o espaça-mento entre as plantas, a família pôde introduzir outras

Práticas agroecológicas desenvolvidas por produtoresfamiliares rurais no Pará.

Município Práticas Agroecológicas

Abaetetuba Manejo de açaizal, coberturamorta e diversificação do plantio.Consórcio de criações de peixe eaves em área de várzea.

Concórdia do Pará Sistema agroflorestal de terra firme.Enriquecimento de capoeira –experiência coletiva.

Tomé-Açu Consórcio de culturas.

Viseu Roça sem queima, consórcio deculturas, sistema agroflorestal,sistema agrosilvipastoril,criação de abelhas.

Ourém Sistema agroflorestal de terra firme.

Uruará Sistema agroflorestal de terra firme.Tração animal, cobertura verde,rotação de culturas.

Santarém Adubação orgânica e produtosalternativos para controlede pragas e doenças.

Monte Alegre Extração de produtosflorestais não madeireiros.

Ponta de Pedras Sistema agroflorestal de terra firme– experiência coletiva.Consórcio de criação depeixes e aves.

O quadro a seguir sintetiza as 20 experiênciasselecionadas pela pesquisa e evidencia a grande diversida-de de práticas adotadas que representam importante refe-rência para favorecer o processo de intercâmbio com no-vos grupos de produtores.

24 Agriculturas - v. 1 - no 0 - setembro de 2004

espécies frutíferas e madeireiras, como banana (Musaparadisiaca), jambo (Syzygium malaccense), limão (Citruslimon), ingá (Ingá heterophylla), andiroba e pau-mulato(Calycophyllum spruceanum). No período da implanta-ção do módulo, a assistência técnica era dada pelo Cen-tro Tipiti.

Em 1999, após obter um financiamento peloPrograma de Apoio ao Desenvolvimento do Extrativismo(Prodex) do FNO/Banco da Amazônia, o Sr. Agessé am-pliou a área de manejo para três hectares. No mesmo anoretomou o cultivo de roça, plantando meio hectare decana-de-açúcar, arroz e milho, e deu continuidade às pe-quenas criações (20 galinhas), a uma pequena horta (giraususpenso), à pesca e à coleta de camarão. Essas atividadeseram feitas exclusivamente pela família. Na divisão do tra-balho, os afazeres domésticos (cozinhar, cuidar da casa edos filhos) são realizados pelas mulheres. Estas tambémsão responsáveis pelas criações, pelas hortaliças e pelacolheita de frutas no quintal. Aos homens cabem as ativi-dades de plantio e manejo nos “módulos agroflorestais” ena roça, assim como a colheita e comercialização dos pro-dutos dessas áreas.

Durante as décadas de 80 e 90, a produção defrutas de açaí foi a base da renda do Sr. Agessé. De 1996 a1999, a produção de frutos passou de 125 a 184 latas porhectare (em média), sendo que o total produzido na áreasubiu de 375 para 736 latas. Ou seja, com a realização domanejo alternativo do açaizal, houve um aumento de 47%na produção por hectare.

As demais culturas que contribuíram para a ren-da familiar nesse ano foram o miriti, com produção de 300latas, e a cana-de-açúcar, com produção total de duas milunidades. A renda anual de 1999, obtida com as três prin-

cipais culturas, foi de R$ 1.400,00, dos quais 87% vindosda comercialização do açaí. As frutas, hortaliças, milho,arroz, aves e os produtos da pesca (peixes e camarão) sãodestinados, exclusivamente, para o consumo familiar.

Resultados das mudanças

A prática do manejo alternativo do açaizal trou-xe resultados bastante positivos para a família do Sr.Agessé. Alguns problemas antes verificados, como a faltade diversificação de espécies em função da predominânciado açaí, a dificuldade de introdução de novas espéciesdevido ao manejo tradicional local e à degradação do solo,foram sendo resolvidos com a introdução desse novo sis-tema de plantio. As condições do solo foram melhoradascom o aumento da matéria orgânica. Por outro lado, dimi-nuiu a quantidade de trabalho, principalmente em decor-rência da redução das espécies não-desejáveis e do núme-ro de capinas na área.

O açaí, como uma cultura tradicionalde várzea, faz parte da dieta alimentardiária das famílias, sendo consumidona forma de suco e mingau, juntamen-te com o peixe e a farinha de mandio-ca. Além disso, ocupa papel importan-te na renda familiar. Portanto, o au-mento da produção de açaí não sóampliou a renda, mas também veiocontribuir para a segurança alimentar,uma vez que 46% dessa produção édestinada ao consumo familiar.

O plantio de diferentes espécies frutíferas e oresgate das culturas da roça também favoreceram a diver-sificação da fonte de alimentos, tirando a família da de-pendência exclusiva do consumo de açaí. No mesmo sen-tido, o cultivo de hortaliças e a criação de aves enrique-cem a dieta alimentar com proteínas de origem vegetal eanimal. Nesse aspecto, é importante ressaltar o papel fun-damental das mulheres (esposa e filhas) que são as res-ponsáveis pela manutenção dessa produção.

A família do Sr. Agessé e seu sistema de produ-ção tornaram-se uma referência na sua comunidade e noCentro Tipiti. É um exemplo de sucesso da adoção depráticas agroecológicas para recuperação da biodiver-sidade vegetal e da produtividade dos solos, para a diver-sidade de produtos alimentares consumidos e para a am-pliação da renda familiar.

Figura 1: Croqui do sistema de produçãoda família do Sr. Agessé

*Engenheira agrônoma; mestre em AgriculturasFamiliares e Desenvolvimento Sustentável; técnica em

Educação Não-Formal da Fase (www.fase.org.br) noPrograma Amazônia/PA.

[email protected]

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que eu mais gosto defazer no meu quintal ésentar debaixo da man-

gueira, ficar na sombra toman-do o vento fresco e esperar umamanga cair para eu chupar.”

(Grace, 11 anos)

A Rede de Intercâmbio de Tecnologias Alter-nativas (Rede) é uma ONG, criada em 1986, que tem comoobjetivo potencializar, articular e intercambiar iniciativasque demonstrem a viabilidade de processos sustentáveisde desenvolvimento no campo e na cidade através do for-talecimento de organizações comunitárias e da constru-ção participativa de políticas públicas.

Desde 1995, a Rede atua em comunidades debaixa renda na periferia de Belo Horizonte, desenvolven-do ações nos temas Agricultura Urbana, Segurança Ali-mentar e Nutricional.

Agricultura urbana esegurança alimentar em

Belo Horizonte:Daniela Almeida*

Este artigo enfatiza o “Projeto de Formação deAgentes de Desenvolvimento Local em Segurança Alimen-tar Nutricional e Agricultura Urbana”, iniciado em 2003.

Formando agentes comunitários

Em 2002, a Rede assessorou a realização dos“Diagnósticos Urbanos Participativos em Agricultura Ur-bana e Segurança Alimentar com Enfoque de Gênero”,que envolveram grupos comunitários, organizações go-vernamentais, entidades religiosas e órgãos públicos par-ticipantes da Rede de Desenvolvimento Local, dos bairrosAlto Vera Cruz, Granja de Freitas e Taquaril (região les-te), onde residem cerca de 40 mil pessoas, e da Rede deDesenvolvimento Comunitário, dos bairros Capitão Eduar-do e Beija Flor (região nordeste), com aproximadamentesete mil habitantes.

Os diagnósticos permitiram sistematizar os co-nhecimentos e práticas da população em relação aos te-mas enfocados e mobilizaram vários atores locais para aelaboração e implantação do projeto de formação de agen-tes locais aqui relatado. Atualmente, o projeto conta comuma equipe formada por seis educadoras, três assessorescomunitários e 44 famílias, beneficiando diretamente 197pessoas, sendo que quase metade delas é constituída porcrianças e adolescentes.

As famílias envolvidas residem nos “núcleos dedesenvolvimento”, que são geograficamente definidos pe-las redes locais para experimentar uma ação integrada emultiplicadora entre os vários atores dessas comunidades.Esses núcleos apresentam características distintas, em ter-mos de grau de organização comunitária e de atuação dopoder público e de ONGs, tempo de ocupação, densidadepopulacional e localização – são áreas de encostas, beirasde córregos, conjuntos habitacionais em regiões intra ouperiurbana.

A metodologia do “Projeto de Formação” temcaráter teórico e prático e busca fortalecer o protagonismodas educadoras e assessores comunitários. A equipe écapacitada em educação popular e em conteúdos comosegurança alimentar e nutricional, agricultura urbana,agroecologia, plantas medicinais, reaproveitamento do lixo

cultivando uma cidade sustentável

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O cultivo dos quintais promove a integração em umafamília do bairro Beija-flor/BH, participante do“Projeto de Formação”

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26 Agriculturas - v. 1 - no 0 - setembro de 2004

e relações de gênero. Simultaneamente, desenvolve açõeseducativas e incentiva a troca de experiências e de conhe-cimentos dentro e entre as famílias moradoras dos núcle-os. Dessa forma, são apoiadas não só as iniciativas já em-preendidas pelas famílias, mas também as experimenta-ções de tecnologias e de receitas, assim como a participa-ção em grupos e eventos na comunidade.

Os participantes do projeto desempenham dife-rentes papéis. As educadoras coordenam oficinas; aplicamtécnicas do diagnóstico participativo, a fim de conhecerhábitos de plantio e alimentação; fazem o acompanhamen-to técnico dos quintais; e se envolvem em ações de articula-ção e intercâmbio. São também responsáveis pelo moni-toramento e sistematização das atividades realizadas.

Já os assessores comunitários têm funções vin-culadas a habilidades específicas – plantas medicinais,agricultura urbana e articulação comunitária – e buscamidentificar e adaptar tecnologias adequadas para a realida-de dos quintais urbanos; selecionar outras experiênciaspara intercâmbio; auxiliar as educadoras e as famílias noplanejamento e execução de atividades; promover açõesarticuladas com outros atores locais e contribuir na coor-denação do projeto, feita por uma assessora da Rede.

As famílias envolvidas, por sua vez, assumiramo compromisso de participar das atividades do projeto,buscando incorporar os conhecimentos adquiridos no pro-cesso e promover uma ação multiplicadora entre vizinhos.

As múltiplas funções daAgricultura Urbana

O “Projeto de Formação” permitiu identificarsituações nos seis “núcleos de desenvolvimento” que de-monstram como a agricultura urbana se relaciona comvários eixos do desenvolvimento comunitário e cria condi-ções para que as pessoas construam, com dignidade, suaprópria capacidade de alimentar-se.

O principal resultado pode ser observado nasmudanças comportamentais da equipe de educadoras eassessores comunitários, que desenvolveram a expressãooral, escrita e afetiva, a autoconfiança e um sentimentode realização pessoal por estarem contribuindo na melhoriaambiental e nas condições alimentares de sua comunida-de. Além disso, se tornaram referências para suas comuni-dades e para outros grupos e experiências em Belo Hori-zonte e mesmo em outras regiões.

As iniciativas das famílias, potencializadas peloProjeto, mostram como é possível desenvolver tecnologiasde otimização de pequenos espaços domésticos (quin-tais, corredores, varandas e lajes) para a produção agro-ecológica de alimentos, plantas medicinais, ornamentaise criação de pequenos animais. No Conjunto Granja deFreitas, por exemplo, os quintais não passam de quatrometros quadrados, mas em todos os núcleos, de um modogeral, é bastante comum o plantio em vasilhames, pneus,bacias, balaios, latas, caixotes de madeira, garrafas pet,

caixinhas de leite, latas de conserva, carcaças de geladei-ra, televisão e vasos sanitários quebrados. Outros locaisusados para o cultivo e criações são espaços públicos eáreas coletivas (creches, escolas, centros de saúde, “áreasverdes” e canteiros).

O uso produtivo de espaços urbanos propor-ciona a limpeza destas áreas e uma melhoria considerávelao ambiente local, diminuindo a proliferação de vetoresde doenças. Muitos materiais, como embalagens, pneus eentulhos, também são utilizados para a contenção de pe-quenas encostas e canteiros. Os resíduos orgânicos domi-ciliares são aproveitados na produção de composto em-pregado nas atividades de agricultura urbana.

“Não tenho espaço para colocar os res-tos de alimentos que não são aprovei-tados, mas dou para a vizinha que temquintal.”

(Rose, agente comunitária de saúde)

A produção nesses espaços conduziu a melho-res hábitos alimentares, sobretudo por ter evidenciado arelação que há entre alimentação e saúde. Assim, as famí-lias envolvidas no Projeto passaram a se preocupar maiscom o plantio e o consumo de alimentos sem insumos

Jovem do bairro Capitão Eduardo/BH, participante do “Pro-jeto de Formação”, experimenta cultivo de hortaliças e plan-tas medicinais na laje.

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químicos e nem contaminantes biológicos, com a qualida-de da água utilizada na irrigação, com o aproveitamentointegral e o valor nutricional dos produtos. Além da ado-ção desse consumo consciente, começaram também apriorizar produtos da época e da região.

“Serralha dá muito em casa. Mascomo a terra é suja, a gente não pega.Está tudo poluído.”

O auto-abastecimento é feito principalmentecom as verduras folhosas e condimentos: couve, taioba,serralha, almeirão, mostarda, salsa, coentro e cebolinha.Apesar de encontrada uma grande diversidade de espé-cies, a produção de frutas não é abundante. Além dasespécies cultivadas, o projeto serviu-se do conhecimentodas famílias sobre o uso de plantas nativas como fonte dealimentação, tais como orapronobis, caruru, jequeri, gondóe tomatinho.

O uso e o cultivo de plantas medicinais foramtambém trabalhados no Projeto, envolvendo oficinas so-bre a preparação de remédios caseiros, implantação defarmácias vivas e caseiras e caminhadas de identificaçãode plantas medicinais do Cerrado nas áreas verdes urbanase periurbanas.

“Ao mudar os alimentos que nós con-sumimos em casa, melhoramos a re-sistência do nosso filho. Ele tinha umano e um mês quando teve a últimacrise. Hoje ele tem nove anos e nuncamais teve bronquite.”

(Aparecida, moradora do Alto Vera Cruz)

Do ponto de vista econômico, a pequena pro-dução tem contribuído para a renda familiar, através dadiminuição dos gastos com alimentação e saúde, das redesde troca e eventualmente da transformação e comer-cialização de excedentes da produção. No bairro Taquaril,há vários exemplos de famílias que fazem biscoitos e pãespara vender. No decorrer do “Projeto de Formação”, a par-tir do intercâmbio realizado com a Organização do Povoque Luta (OPL)1, se iniciou a venda de produtos agro-ecológicos da agricultura familiar, principalmente açúcarmascavo, mel, biscoitos e doces nas comunidades.

Além disso, a incorporação do enfoque de gêne-ro nas metodologias do trabalho tem permitido a percep-ção sobre as tensões e papéis assumidos por homens e mu-lheres nas práticas da agricultura urbana e segurança ali-mentar. Essa abordagem tem levado as famílias a formula-rem propostas concretas para não sobrecarregar as mulhe-res e aumentar a participação masculina nas tarefas domés-ticas e comunitárias, como construção de caixas-d’água,fornos, cercas e contenção de encostas com pneus.

“Os maridos trabalhavam mais nosseus quintais. Agora estão começandoa se interessar pelas atividades fora dosquintais, como oficinas e mutirões.”

(Luzia e Marlete, educadoras comunitárias)

“Hoje, quando eu não tenho tempopara fazer comida e lavar roupa, meusirmãos fazem e não reclamam.”

(Valéria, educadora comunitária)

Em Belo Horizonte, os moradores das comuni-dades urbanas e periurbanas de baixa renda são, principal-mente, oriundos da zona rural de outras regiões do esta-do. Muitos deles relacionam o conhecimento sobre o ma-nejo dos quintais a uma experiência rural anterior, na qualaprenderam com os pais, mães ou avós, sobre cultivo deroças, o uso de plantas medicinais e nativas na alimenta-ção e a criação de animais. Por outro lado, observamoslimitações de conhecimento sobre compostagem, cultivoem pequenos espaços, planejamento da produção, arma-zenamento de sementes, manejo do solo, alelopatia, po-das, enxertia, controle da erosão e de insetos e doenças.Assim, as principais tecnologias abordadas no Projeto fo-ram direcionadas justamente para o trabalho de com-postagem, contenção de encostas, construção de cercase canteiros altos e controle de insetos.

“Eu planto misturado, porque o chei-ro de algumas plantas serve para es-pantar os insetos das outras plantas.”

(Mariinha, assessora comunitária)

“Planto a mamona só mesmo paraadubar a terra. Depois que plantei amamona, a taioba ficou mais bonita.”

Observamos que as motivações para a práticada agricultura urbana estão ligadas, principalmente, a umaquestão cultural. As pessoas plantam porque gostam, peloprazer de plantar, pela importância que dão a valores, cos-tumes e hábitos referentes à “vida na roça”. Quando via-jam para o interior, trazem mudas e sementes para planta-rem e trocarem com os vizinhos. O lugar de origem dosmoradores também exerce influência naquilo que se culti-va e nos alimentos consumidos. Foram encontrados, porexemplo, pés de cacau e coco em quintais de moradoresprocedentes da Bahia.

O ato de plantar, mexer na terra, conversarcom as plantas e animais é muito relacionado com a ma-nutenção da saúde. Casos de melhoria de pressão alta,

1 A OPL é uma associação de agricultores familiares que atua em parceria com a Redeem São João de Jacutinga, distrito do município de Caratinga, Minas Gerais, promo-vendo a agroecologia como alternativa para a sustentabilidade da agricultura familiar.

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depressão, aumento da sociabilidade e de menor necessi-dade de procurar o centro de saúde são relatados. Existetambém uma preocupação com o embelezamento dascasas através das plantas, sejam elas ornamentais ou não.As famílias dizem que se sentem melhor se a casa e oquintal estiverem cheios de plantas.

“A gente planta assim é porque gosta.O negócio das plantas é muito gosto-so, precisamos ter amor. Não planta-mos só pra nós.”

“Meu marido também planta. A gen-te fala que devia morar em um sítio.Acordo, lavo o rosto, tomo café e jávou para o quintal mexer nas plantas.”

(D. Geralda, moradora do Capitão Eduardo)

Conclusões

A experiência anterior da Rede e os resultadosdos “diagnósticos” realizados em 2002 já revelavam a exis-tência de práticas de agricultura urbana nessas comunida-des desde a sua formação. O Granja de Freitas, com cercade 80 anos de existência, registra o plantio para consumodoméstico e algumas hortas destinadas à produção co-mercial já entre os primeiros moradores. No Taquaril, cujaocupação aconteceu em 1987, relata-se que “logo quecomeçavam a construir as moradias, começavam a plan-tar, por influência dos pais”.

O impacto do trabalho realizado noscinco bairros de Belo Horizonte de-monstra o potencial das iniciativas deagricultura urbana para a melhoria da

segurança alimentar e das condiçõessocioeconômicas e ambientais de co-munidades de baixa renda, independen-te do tamanho das cidades ou da re-gião em que estão localizadas.

Desde 2001, temos promovido intercâmbios edialogado com outras organizações que desenvolvemações relacionadas à agricultura urbana. São iniciativas deONGs, do poder público, universidades, além de inúme-ros grupos comunitários e famílias que se dedicam a essaprática como uma atividade informal. Percebemos quevários potenciais e desafios encontrados são comuns, prin-cipalmente a ausência de espaços para a troca de expe-riências e para a construção de uma ação mais articuladada sociedade civil.

Diante disso, acreditamos que, coordenandoações e consolidando parcerias, podemos construir coleti-vamente uma proposta que contribua para o fortalecimen-to e a visibilidade da Agricultura Urbana como uma alter-nativa para cultivar cidades mais justas, democráticas esustentáveis.

Obs.: As falas apresentadas são de mora-doras(es) envolvidas(os) no trabalho desenvolvido pelaRede nas comunidades de Belo Horizonte e foram retira-das de documentos institucionais, que não registram to-das as autorias.

Agradecimentos: Marcelo Almeida, MarcosLuis da Cunha Jota e Rodica Weitzman pelas reflexões,contribuições e revisão do texto

Referências:ARRUDA, Aparecida; VIEIRA, Fernando. ErvanárioSão Francisco de Assis: preparações caseiras de re-médios de plantas medicinais. Belo Horizonte: Redede Intercâmbio de Tecnologias Alternativas, 2003.

Segurança Alimentar e Nutricional: a contribuiçãodas empresas para a sustentabilidade das iniciativaslocais. International Finance Corporation, Institu-to Ethos de Empresas e Responsabilidade Social,Polis – Instituto de Estudos, Formação e Assesso-ria em Políticas Sociais. São Paulo: Instituto Polis,2003.

“Lineamientos políticos para la formulación de po-líticas municipales para la agricultura urbana.” PGU– Programa de Gestión Urbana, HABITAT, IDRC– Centro Internacional de Investigaciones para elDesarrolo, IPES – Promoción del DesarrolloSostenible.

*Integrante da [email protected]

Enfoque de gênero do “Projeto de Formação” estimula aparticipação de morador do bairro Taquaril na experimenta-ção de tecnologias alternativas.

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Introdução

ignificativa parcela daspopulações residentesnas periferias das gran-

des metrópoles brasileiras éoriunda dos intensivos processosde migração campo–cidadeocorridos nos últimos 40 anos.Ao se estabelecerem no meio ur-bano, as famílias de antigos agri-cultores se viram obrigadas a de-senvolver modos de vida muitodiferentes daqueles reguladospelos ciclos da natureza a queestavam habituadas.

a experiência demoradores da periferia

do Rio de JaneiroDenis Monteiro e

Marcio Mattos de Mendonça*

S

Se, por um lado, esses novos modos de vidaassimilam a essência das formas de convivência propria-mente urbanas, por outro, retêm antigas práticas proveni-entes de suas origens rurais, que continuam a se manifes-tar no vocabulário, na culinária, nas artes, na sociabilida-de etc. Esse verdadeiro amálgama cultural favorece quefamílias socialmente marginalizadas nas cidades mobili-zem sua inteligência criativa para desenvolver estratégiasde sobrevivência ajustadas aos novos contextos de preca-riedade e de privação de direitos elementares aos quaisestão submetidas, entre eles o de se alimentar de maneirasaudável e equilibrada. A despeito de sua minúscula ex-pressão em termos espaciais, os quintais domésticos re-presentam verdadeiros redutos para o exercício de práti-cas de produção alimentar ainda bastante presentes nasreferências culturais dessas populações.

Desde finais de 1999, a Assessoria e Serviços aProjetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA) desenvol-ve um trabalho em comunidades pobres da periferia domunicípio do Rio de Janeiro orientado para o incentivo efortalecimento das práticas de aproveitamento agrícolade espaços urbanos.

Breve contextualização

A cidade do Rio de Janeiro tem a segunda mai-or população do Brasil, cerca de seis milhões de habitan-tes. As comunidades em questão se localizam na ZonaOeste, região que vem passando por um processo acelera-do de urbanização e onde são comuns os loteamentosirregulares de antigos sítios rurais e as ocupações de áreasnão aproveitadas.

Nessas comunidades são observados elevadosíndices de desemprego e subemprego, além de sérias ca-rências de serviços básicos. A vulnerabilidade à inseguran-ça alimentar e nutricional é uma característica que se ma-nifesta de forma recorrente em meio às famílias, o que sedeve à combinação de dois fatores interdependentes: adificuldade de acesso aos alimentos, em razão dos baixosníveis de renda familiar, e a tendência à homogeneizaçãodos hábitos alimentares, em que prevalece a baixa quali-dade nutricional das dietas, em geral carentes de vitami-nas e sais minerais.

Questões de segurança alimentar e nutricionalno Loteamento Ana Gonzaga

Em pesquisa realizada no Lotea-mento Ana Gonzaga1, foram iden-tificadas, dentre as famílias mais vul-neráveis à pobreza, diversas sem ren-da mensal e muitas outras com ren-

Quintais na

cidade:

Dona Leda no seu quintal,na comunidade da Praia da Brisa

1MAIA, P. de O.; MALUF, R. S. J.; SILVA, L. C. Agricultura urbana e a promoçãoda segurança alimentar e nutricional numa comunidade em Campo Grande. Rio deJaneiro, 2003.

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da de até R$ 200,00. A restrição derenda para aquisição dos alimentos foilevantada como principal dificuldaderelacionada à alimentação. As dietasdas famílias se baseiam quase exclusi-vamente no consumo de café, leite, pãoe margarina no café da manhã, e arroze feijão nas demais refeições. Cerca de50% das famílias ficam até três sema-nas sem consumir hortaliças ou carnes.

A sociabilidade comunitária é negativamenteafetada pelo poder do tráfico de drogas. Ademais, a cultu-ra política é fortemente marcada pelas relações declientelismo e assistencialismo.

Esse contexto dificulta o desenvolvimento deformas ativas de associação comunitária orientadas para oenfrentamento dos problemas vivenciados coletivamen-te. Apesar disso, as famílias e algumas organizações de-senvolvem estratégias próprias e emancipadoras para fa-zer frente às carências alimentares e nutricionais, como asiniciativas no campo da educação alimentar e a adoção depráticas agrícolas nos quintais.

Na região ainda são encontradas residências comquintais de terra e terrenos sem construções. Em algunsdesses espaços são desenvolvidas experiências agrícolas queadaptam traços da tradição rural ao ecossistema urbano.Elementos da herança cultural de diferentes regiões do paístambém são observados nas diversas formas de uso de re-médios caseiros à base de plantas e na grande diversidadede hábitos alimentares ainda presentes.

Para desenvolver o seu trabalho, a AS-PTA ado-ta como princípio de sua abordagem metodológica a valo-rização e o fortalecimento dessas práticas socioculturais.

Aproveitamento de terreno baldio:a experiência do Seu Lourival

Seu Lourival e Dona Rosa são mora-dores do Loteamento Ana Gonzaga.Estão aposentados e Seu Lourival de-dica boa parte do tempo ao cuidadode suas hortas, uma no quintal de suacasa e outra num terreno vizinho, queestava abandonado, onde fez um acor-do com o proprietário para plantar.Nesses espaços planta figo, banana,quiabo, couve, batata-doce, plantasmedicinais, entre outras espécies. DonaRosa fala com entusiasmo das pane-ladas de galinha caipira com quiabo quefaz na época da colheita. Diz tambémque adora os passarinhos que vêm visi-tar a horta quando tem fruta madura.

Agricultura na cidade e o enfoqueagroecológico

A produção de alimentos nas cidades não é aúnica função da agricultura. Outras motivações foramevidenciadas por meio de um diagnóstico participativorealizado no Loteamento Ana Gonzaga2, tendo sido visi-tados 150 quintais. A concepção do diagnóstico surgiudas discussões da AS-PTA com atores locais conhecedo-res da realidade, a Associação de Moradores e as(os) agen-tes comunitárias(os) de saúde.

Alimentação, em relação à disponibilidade equalidade do alimento e sua interferência na saúde, e ocu-pação, referindo-se ao prazer/gosto de plantar e ao culti-vo como forma de ocupação e terapia, foram as principaismotivações apontadas pelos moradores.

A qualidade dos alimentos, devido à não utili-zação de produtos químicos na produção e ao fato deserem frescos (colhidos na hora), é outro aspecto valori-zado. Para algumas das famílias mais pobres, o quintal é aúnica fonte de hortaliças.

A questão da socialização também é relevante.As pessoas plantam, cuidam do quintal e trocam mudas,sementes, alimentos e conhecimentos com os parentes evizinhos. Essa é, portanto, uma oportunidade de resgatarsociabilidades perdidas no meio urbano.

No entanto, é comum nas famílias mais pobresse observar uma baixa auto-estima, o que restringe forte-mente a participação em atividades comunitárias e asdesmotiva a cuidar dos seus quintais. Por outro lado, aagricultura tem se mostrado um fator de elevação da auto-estima dos moradores, que se orgulham de mostrar o tra-balho e falar do quintal e das plantas.

Além disso, a agricultura na cidade guarda al-gumas especificidades importantes, como a grande diver-sidade de plantas. No Loteamento Ana Gonzaga, predo-

2 LUNARDI, V. L. e MENDONÇA, M. M. Conhecendo os quintais do LoteamentoAna Gonzaga. Rio de Janeiro, 2003.

Horta na Praia da Brisa

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Agriculturas - v. 1 - no 0 - setembro de 2004 31

minam as árvores frutíferas, presentes em 65% dosquintais pesquisados, seguidas pelas plantas medicinais,observadas em 62%. Na seqüência aparecem as ornamen-tais, em 55%, e por último as espécies alimentícias anuais,encontradas em 45% dos lotes visitados. Um número con-siderável de quintais possui plantas das quatro categorias.

A diversidade de espéciesno quintal da Dona Leda

Dona Leda mora há 24 anos em umacasa no bairro de Sepetiba. Aprendeucom a avó, que era mineira, a gostar ecuidar das plantas do quintal. À medi-da que as plantas vão nascendo, sejamelas plantadas ou espontâneas, DonaLeda cuida de cada uma com amor.Atualmente, possui em seu quintal de360 m2 (incluindo a parte construída)mais de cem diferentes espécies deplantas, entre medicinais, alimentícias,frutíferas e ornamentais.A restrição de espaço e a baixa qualidade das

terras dos quintais são características normalmente apon-tadas como limitantes à realização da agricultura na cida-de. Os moradores das comunidades têm buscado alterna-tivas adaptáveis a esse ambiente, como o uso de vasos,latas, potes, pneus velhos, bidês, bacias, canteiros de al-venaria ou madeira para cultivo de plantas ornamentais,medicinais, temperos e outras hortaliças que não necessi-tam de muito espaço.

Outra questão importante é que, ao se abor-dar o tema da agricultura na cidade, é comum a imediatareferência às hortas comunitárias. De fato, muitos proje-tos de incentivo às práticas agrícolas no meio urbanoutilizam a lógica da promoção exclusiva de hortas comu-nitárias. Isso ocorre porque, em primeiro lugar, a palavrahorta é entendida como sinônimo de cultivo de hortali-ças em canteiros, o que exclui de antemão diversas pos-sibilidades de aproveitamento produtivo integrado dosespaços urbanos, como a utilização de árvores frutíferas,o plantio em recipientes (potes, vasos etc.) e a criaçãode animais. A perspectiva agroecológica, por outro lado,não restringe o olhar a um sistema padronizado de pro-dução, com espécies predefinidas, mas procura incorpo-rar ampla diversidade às condições específicas de cadaespaço disponível. Outro aspecto se refere ao carátercomunitário. Na prática, ocorrem poucas experiênciasespontâneas desse tipo e, além disso, existem outras for-mas de trabalho cooperativo e de socialização de infor-mações, como os mutirões, os bancos de sementes, osencontros formais e informais etc. A horta comunitária,portanto, deve ser vista como mais uma das possibilida-des, que demanda um certo grau de organização emobilização, e não tida como fórmula única.

Algumas questões a títulode conclusão

A agricultura na cidade tem interfaces impor-tantes com diversos outros aspectos do ecossistema urba-no, que vão além da produção de alimentos. Uma dasdimensões fundamentais é o resgate cultural, de relação ecuidado com o ambiente e com as plantas, além de propi-ciar novas sociabilidades. O fato é que a recuperação delaços de sociabilidade e a elevação da auto-estima propor-cionadas por dinâmicas da agricultura urbana contribuemdiretamente para a busca de estratégias coletivas e indivi-duais de promoção de maiores níveis de segurança alimen-tar e nutricional.

Do ponto de vista dos impactos na alimenta-ção, a produção de alimentos na cidade não supre, e difi-cilmente tem potencial para suprir, na totalidade, as ne-cessidades nutricionais dos moradores. No entanto, a pro-dução local é uma forma de acesso aos alimentos distintados mecanismos de mercado ou assistencialistas, comunsno contexto urbano, o que coloca uma perspectiva demaior autonomia das populações.

Em relação à qualidade dos alimentose da alimentação, a produção de fru-tas e hortaliças, por exemplo, cumprepapel importante no fornecimento denutrientes, especialmente vitaminas esais minerais, dos quais as dietas sãoem geral carentes. Além disso, permi-te uma diversificação dos hábitos ali-mentares e facilita processos de edu-cação alimentar e nutricional. Outroaspecto especialmente valorizado pe-las famílias é a não-utilização de pro-dutos químicos na produção.

A questão da agricultura na cidade é tema dereflexão recente no Brasil, ainda pouco estudado e discu-tido. Praticamente não existem políticas de apoio – meca-nismos de crédito, assessoria técnica, políticas de uso agrí-cola dos solos urbanos etc.

Além disso, as especificidades da agriculturana cidade colocam alguns desafios do ponto de vistateórico, metodológico e tecnológico. O enfoque agro-ecológico deve dar conta dessas especificidades, apreen-der as dinâmicas existentes e a relação da agriculturacom outras questões importantes do meio urbano, identifi-car as limitações técnicas e organizativas e potencializar asiniciativas em curso, valorizando a diversidade. Estratégiasuniformizadoras restringem as capacidades criativas daspopulações socialmente marginalizadas nas cidades.

* Engenheiros agrônomos da AS-PTA [email protected]

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Publicações

A FOME no mundo:The ecologist versus FAORio de Janeiro: AS-PTA, 1992. 132p.(Textos para Debate, 42).

Debate travado entre a revista The Ecologist e a Food andAgriculture Organization of the United Nations (FAO).A FAO é questionada sobre seu modelo de erradicação dafome baseado na economia de mercado e na agriculturavoltada para exportação. É acusada de favorecimento deempresas multinacionais e elites locais, de provocar o au-mento da concentração de terras, e promover o aumentodo desemprego e da fome. Tudo isso aliado ao processoprogressivo da degradação ambiental.São discutidas também a influência da FAO nas políticasde desmatamento no Terceiro Mundo, a usurpagem daspopulações locais e a destruição da agricultura de subsis-tência onde a instituição implementa seus projetos. Fina-liza com uma importante reflexão a respeito dosparadigmas tecnológicos que necessitam ser substituídospara que haja transição para um modelo de agriculturarealmente sustentável.

World Hunger:Twelve MythsLAPPÉ, Frances Moore;COLLINS, Joseph; ROSSET,Peter; ESPARZA, Luis. 2ª edição.Nova Iorque: The Institute forFood and Development Policy,1998. 270p. Bibliografia

Obra fundamental para pesquisasenvolvendo as causas, conseqüên-

cias e soluções para a fome. Trata das causas da fome nomundo, atacando idéias preconcebidas. Defende que es-sas causas podem ser atribuídas à diminuição do papeldas mulheres na agricultura, à concentração fundiária,às políticas agrícolas antidemocráticas, e ao imenso po-der das grandes corporações transnacionais. Desmistifica12 proposições acerca da produção, distribuição e con-sumo dos alimentos no mundo, partindo de exemplosconcretos em vários países onde a fome é um empecilhoao bem-estar social.São examinadas políticas responsáveis pela manutençãoda população mais pobre em condição de desnutrição eexemplos de soluções políticas e sociais que podem ajudarna eliminação desse problema são elencados.

AgroecologicalInnovations: increasingfood production withparticipatorydevelopment

UPHOFF, Norman (ed.). Londres:Earthscan, 2002. 306p. il. graf.Bibliografia

Tendo como tema central o desafio de produzir alimentossuficientes para a futura população mundial, chama a aten-ção para a realidade agrícola, continuação do processo da“Revolução Verde”, e ressalta suas conseqüências para omeio ambiente, para a sociedade e para a economia. Sãoexpostas alternativas para o sistema convencional de agri-cultura.Apresenta 12 experiências exitosas de implementação doenfoque agroecológico em países da África, Ásia e Améri-ca Latina, demonstrando a viabilidade de uma agriculturaecologicamente sustentável, economicamente eficiente esocialmente justa.

Em defesa de ummundo sustentávelsem transgênicosHO, Mae-Wan (org.). São Paulo:Expressão Popular, 2004. 220p.Bibliografia

Baseado em estudos e pesquisascientíficas, traz evidências sobrea ineficácia da opção pela trans-

genia para a solução dos problemas da fome no mundo.Apoiado em estudos comparativos de produtividade, de-monstra que a opção pelo plantio de variedades trans-gênicas pode acarretar prejuízos incalculáveis aos agri-cultores e danos irreparáveis ao meio ambiente. Apre-senta inúmeras informações sobre os danos diretos e in-diretos à saúde dos consumidores do milho, soja e canolageneticamente modificados, examinando os efeitos ne-gativos da ação de genes de vírus e bactérias no organis-mo humano. Aborda os múltiplos benefícios potenciaisda adoção de padrões de desenvolvimento agrícola fun-damentados na agroecologia, trazendo, em particular,um capítulo sobre os efeitos positivos desses padrõessobre a segurança alimentar.

Agriculturas - v. 1 - no 0 - setembro de 2004 33

Fome em meio à abundânciaWEID, Jean Marc von der. Rio de Janeiro: AS-PTA, 1997.28p. (Textos para Debate, 56).

Análise das causas da fome e da insegurança alimentar enutricional no Brasil. Destaca os efeitos do modelo dedesenvolvimento rural que privilegia a monoculturaagroexportadora, causando um perfil injusto da concen-tração de renda no país. Justifica a necessidade de altera-ção nos padrões de ocupação e uso da terra, defendendoa produção familiar em bases agroecológicas como aquelacapaz de, a um só tempo, gerar empregos, conservar osecossistemas e promover as condições estruturais para oalcance da segurança alimentar e nutricional.

The potential of agroecology tocombat hunger in the developingworld. A 2020 vision for food,agriculture and the environmentALTIERI, Miguel; ROSSET, Peter; THRUPP, Lori Ann.Outubro, 1998. 4p.

Tomando como referência estudos de casos realizados emdiferentes países da América Latina, destaca as amplasvantagens do enfoque agroecológico sobre a “agriculturaindustrial” no que se refere à promoção da segurança ali-mentar e nutricional e à conservação das qualidadesambientais dos ecossistemas cultivados.

Cultivating Diversity:agrobiodiversity and food securityTHRUPP, Lori Ann. Washington: World ResourcesInstitute, 1998. 80p.

Situa a biodiversidade como base fundamental da produ-ção agrícola e segurança alimentar, ingredientes essen-ciais para a estabilidade ecológica. Demonstra a impor-tância de se integrar biodiversidade e agricultura, coloca-das por muito tempo como interesses opostos.

Reducing a food poverty withsustainable agriculture: a summaryof new evidencePRETTY, Jules; HINE, Rachel. Centre for Environmentand Society, University of Essex, UK. 2001.136p.

Relatório final de pesquisa do “SAFE-World”, projeto quese propõe a fazer um balanço mundial dos progressos re-centes da agricultura sustentável, em particular analisan-do como ela pode suprir a necessidade de alimentos dospaíses em estado de insegurança alimentar. Com base naanálise de 208 projetos de desenvolvimento local, nos quaisocorreram ativo envolvimento das comunidades, demons-tra como a produção de alimentos pode crescer com bai-xos custos, através do bom uso dos recursos naturais. Noconjunto, os referidos projetos permitiram o aumento daprodução de alimentos em 29 milhões de hectares, bene-ficiando cerca de nove milhões de famílias.

AGRICULTURAL options formeeting world food need. Reportof a Conference on SustainableAgriculture: evaluation of newparadigms and old practices.

Bellagio/Italia: CIIFAD, 1999. 37 p., tab., foto, bib.

Resumo das discussões e conclusões da Conferência deAgricultura Sustentável: avaliação de novos paradigmas,ocorrida em Bellagio, Itália, em 1999.São analisados os mecanismos capazes de contribuir, deforma significativa, para suprir as necessidades mundiaisde alimento no futuro. Questiona, também, a eficácia dosmétodos utilizados pela Revolução Verde e os impactosambientais causados. Avalia o potencial da agroecologiaem promover a segurança alimentar em países subdesen-volvidos e afirma ser possível aumentar a produção de ali-mentos através de práticas agroecológicas.

*Todas as publicações estão disponíveis para consultano Centro de Informação da AS-PTA.

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Páginas na internet

Organização norte-americana, sem fins lucrativos,dedicada à construção de sistemas de produção agrícolasustentáveis, locais e regionais, que assegurem o acessoao alimento nutritivo e saudável para todos. Nessa páginasão disponibilizados diversos artigos sobre nutrição, com-bate à fome, agricultura urbana, segurança alimentar.

www.foodsecurity.org

Organizada por Miguel Altieri, aborda temas ligados àagroecologia, tais como controle e manejo de pragas, asituação de pequenos agricultores nos países em desen-volvimento, a relação entre a agricultura moderna e aagroecologia, biodiversidade e biotecnologia. Disponibilizatambém artigos sobre o vínculo entre o enfoque agro-ecológico e a promoção da segurança alimentar.

www.agroeco.org

O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional(Consea) é um órgão de caráter consultivo e instrumento dearticulação entre governo e sociedade civil na proposição dediretrizes para políticas e ações na área da alimentação e nu-trição. A página contém informações relacionadas aos deba-tes do Conselho e de suas câmaras temáticas e grupos detrabalho, bem como dispõe dos principais documentos vin-culados à implementação do Programa Fome Zero.

www.presidencia.gov.br/consea/exec/index.cfm

Explica as diretrizes do Programa Fome Zero, do governobrasileiro, que tem como objetivo a erradicação da fomeno país. Possui artigos e documentos relacionados ao temasegurança alimentar.

www.fomezero.gov.br

Apresenta o Programa Especial de FAO para SegurançaAlimentar (Special Programme for Food Security – SPFS).Na página central da FAO é possível encontrar uma listacom mais de 2.000 artigos sobre segurança alimentar, agri-cultura sustentável, índices de nutrição, manejo susten-tável da floresta, entre outros.

www.fao.org/spfs

O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional(Consea) do estado de Minas Gerais desenvolve programasvisando ao apoio à agricultura familiar. Dentre os objetivosdos programas pode-se destacar: o estímulo à comercializaçãoda produção, a geração de renda para os pequenos produto-res, o combate à pobreza no campo e a garantia da segurançaalimentar, baseando-se em princípios agroecológicos. Con-tém documentos sobre segurança alimentar e nutricional.

www.consea.mg.gov.br

Entidade que estuda a origem e propõe soluções para apobreza e a fome no mundo, defendendo a alimentaçãocomo direito humano fundamental. A página possui arti-gos que tratam da segurança alimentar, além de relaçãode livros, artigos, entrevistas e palestras sobre esse tema.Aborda também outros assuntos como biotecnologia esistemas de cultivos alternativos.

www.foodfirst.org

O programa CODEX/FAO tem por objetivo proteger asaúde dos consumidores e assegurar práticas legais de co-mércio. Nessa página são comparados diversos certifica-dos de qualidade de alimentos estabelecidos por órgãosgovernamentais e não-governamentais.

www.codexalimentarius.net

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Terra MadreData: 20 a 23 de outubro de 2004Local: Turim/ItáliaInformações: www.terramadre2004.org

Encontro promovido pelo movimento “Slow Food”, destinado a favorecer o intercâmbio de experiênciasentre indivíduos que atuam no setor agroalimentar. Partem de uma perspectiva de revalorização deculturas e hábitos alimentares locais para buscar padrões mais sustentáveis e justos de produção edistribuição de alimentos.

Eventos

II Simpósio Internacional sobre Pecuária Agroecológicana América Latina e no Caribe.Data: 11 a 17 de novembro de 2004Local: CubaInformações: www.virtualcentre.org/es/enl/SIGA2004/SIMPOSIO.HTM

Evento que terá como objetivos principais: I) Intercambiar idéias, experiências e projeções sobre aaplicação de uma concepção agroecológica e sustentável no desenvolvimento pecuário na AméricaLatina e em outros países. II) Demonstrar, através de estudo de casos, os avanços alcançados pormétodos agroecológicos em distintas regiões de Cuba. III) Contribuir para o fortalecimento das redes deagroecologia, propiciando um fórum permanente de debate sobre pecuária agroecológica.

Seminário Internacional sobre Agroecologia / II Congresso Brasileirode Agroecologia / VI Seminário Estadual sobre AgroecologiaData: 22 a 25 de novembro de 2004Local: Centro de Eventos da PUC-RS, Porto Alegre, RS.Informações: www.emater.tche.br/geral.php?menu=36

O evento terá como tema-chave Agrobiodiversidade: base para sociedades sustentáveis, tomando-secomo referência três eixos fundamentais de análise: i) Ética socioambiental; ii) Estética, paisagem ebiodiversidade; iii) Sociedade, conhecimento e sustentabilidade. Em relação ao Congresso, as palestrase apresentações de trabalhos serão distribuídas em quatro grupos temáticos: a) Sociedade e natureza; b)Desenvolvimento rural; c) Uso e conservação dos recursos naturais; e d) Manejo de agroecossistemassustentáveis.

V ENCONASAData: 16 a 19 de novembro de 2004Tema:“Reforma agrária: democratizando a terra e a água para viver com cidadania no Semi-árido”Local: Teresina,PIInformações: www.asabrasil.org.br

O Encontro Nacional da ASA-Brasil (Articulação do Semi-árido Brasileiro) acontece anualmente, reunin-do delegados e representantes das instituições que compõem a ASA, além de agricultores e visitantes.

Revistas LEISAAgriculturas: Experiências em Agroecologia corres-

ponde à edição brasileira da Revista LEISA - Low External Inputand Sustainable Agriculture. Esse conceituado periódico trimes-tral é publicado desde o início da década de 80 pela FundaçãoILEIA (www.ileia.org) e tem por objetivo dar visibilidade a experiên-cias em Agroecologia desenvolvidas em diferentes países através deartigos curtos, objetivos e de linguagem simples. Atualmente élido de forma regular por cerca de 100 mil pessoas em 173 naçõese é publicado em cinco edições, sendo quatro delas regionais (Amé-rica Latina, África Ocidental, Índia e Indonésia) e uma global (edi-tada na Holanda). A edição brasileira será a quinta versão regional,sendo a primeira publicada em português.

Cada número da revista é dedicado a um tema parti-cular que vem mobilizando as dinâmicas sociais de inovação

Um dos principais efeitos perniciosos da rápida disse-minação do modelo científico-tecnológico da Revolução Verde é operigoso estreitamento da base genética da agricultura. Estima-seque a humanidade já cultivou e/ou coletou 7.000 espécies vegetaiscomestíveis. Atualmente, com a crescente homogeneização dospadrões de produção e de consumo alimentar no planeta, menosde 30 espécies conformam a base da alimentação da humanidade.Mais de 50 % das fontes de carboidratos são provenientes de ape-nas três espécies: arroz, trigo e milho. Além disso, a variabilidadegenética dessas poucas espécies vem sendo irremediavelmente per-dida com a substituição das variedades locais desenvolvidas atravésdas gerações dos povos agricultores por variedades comerciais que,para expressar o seu potencial produtivo, dependem do aporteintensivo de insumos agroquímicos. O mesmo processo se verificacom as espécies animais domesticadas. Essa acelerada erosão gené-tica da agrobiodiversidade, um patrimônio da humanidade, colocaem risco a soberania e a segurança alimentar das nações. A dissemi-nação dos organismos transgênicos na agricultura poderão acirrarainda mais esses efeitos negativos do modelo tecnológico. Nacontracorrente dessa tendência mundial, programas de desenvol-vimento agrícola orientados pelo enfoque agroecológico se funda-mentam na revalorização das espécies e variedades locais para quesejam estruturados sistemas produtivos altamente diversificados epouco dependentes de insumos externos. São programas que pro-curam resgatar e multiplicar sementes e raças animais ainda pre-sentes nas comunidades rurais. Revalorizam também as espéciessilvestres que cumprem múltiplas funções para as famílias e comu-nidades rurais e que vêm sendo paulatinamente eliminadas com atendência à especialização dos sistemas produtivos e com a des-truição dos remanescentes de vegetação natural. Através dos servi-ços ambientais proporcionados pelo uso intensivo da agrobio-diversidade nos sistemas produtivos, estes se tornam pouco depen-dentes de insumos externos. A evolução desses programas vemevidenciando que a conservação da agrobiodiversidade anda de parcom o resgate e o desenvolvimento do valioso acervo de conheci-mentos populares a respeito do uso e do manejo dos recursos gené-ticos. Convidamos as pessoas e/ou instituições que estejam envolvi-das com programas de manejo sustentado da agrobiodiversidade acontribuírem com a próxima edição de Agriculturas: Experiênciasem Agroecologia que será dedicada ao tema.

Chamada de artigos para o v.1, n.1

Data limite para o envio dos artigos: 4 de outubro de 2004

Instruções para a elaboração dos artigos

1. Os artigos deverão descrever e analisar experiências concretas,procurando extrair delas ensinamentos que possam servir deinspiração para outros grupos envolvidos com a promoção daAgroecologia. Solicita-se que os artigos não sejam elaboradosem formato de relatório institucional, nem em formato de textocientífico.

2. Os artigos devem ter uma extensão de 1, 2 ou 3 laudas de 2100toques (30 linhas x 70 toques por linha). Artigos que extrapolemessas dimensões não serão analisados.

3. Os artigos deverão vir acompanhados de duas ou três ilustra-ções (fotos, desenhos, gráficos) com indicação dos seus auto-res (fotógrafo, artista gráfico etc.) e com as respectivas legen-das. Todo material gráfico será devolvido aos autores(as) apósa edição da revista. Se o material gráfico for enviado em for-mato digital, solicitamos que os arquivos estejam com exten-são JPEG de no mínimo 350 DPI para uma ilustração escaneadae uma dimensão lateral de no mínimo 15 cm.

4. A citação de nomes comuns de plantas e/ou animais deve viracompanhada do respectivo nome científico. Siglas devem viracompanhadas de seu significado.

5. Caso julgue necessário, o editor da revista poderá proporuma edição do artigo ou uma solicitação de informaçõescomplementares aos autores(as). Quaisquer alterações pro-postas serão submetidas à aprovação dos autores(as) antes dapublicação.

6. Os autores(as) deverão informar seu endereço (postal e/oueletrônico) de forma a facilitar eventuais contatos diretos deleitores interessados em conhecer mais a respeito das expe-riências apresentadas.

7. As citações bibliográficas não deverão exceder ao número de 4(quatro).

8. Os editores se reservam o direito de decidir pela publicação ounão do artigo enviado.

9. Caso o(a) autor(a) solicite, Agriculturas: Experiências emAgroecologia poderá contribuir com o valor de R$ 200,00para que eventuais custos de elaboração do artigo publicadosejam cobertos.

agroecológica ao nível mundial. Os temas e os cronogramas deprodução são definidos anualmente por um Conselho compostopelos editores das revistas regionais e global. Esse procedimentopermite a sincronização dos processos de produção entre as dife-rentes edições da revista e, com isso, a captação de artigos sobreos mesmos temas de forma simultânea em diferentes regiões domundo.

Estando integrada a esse projeto internacional, Agri-culturas: Experiências em Agroecologia será composta por, pelomenos, 50% de artigos que relatam experiências brasileiras e arti-gos selecionados das edições produzidas em outros países. Poroutro lado, alguns artigos produzidos no Brasil para Agriculturas:Experiências em Agroecologia poderão ser selecionados pelos edi-tores das demais revistas para serem divulgados no exterior.

Tema: Revalorizando a agrobiodiversidade