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Agriculturas - v. 2 - n o 4 - dezembro de 2005 1 dezembro 2005 vol. 2 n o 4 Criação de pequenos animais Criação de pequenos animais

Agriculturas V2, N4

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dezembro2005vol. 2

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Criaçãode pequenos

animaisCriação

de pequenos

animais

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2 Agriculturas - v. 2 - no 4 - dezembro de 2005

v. 2, n0 4(corresponde ao v. 21, nº 3 da Revista LEISA)

Revista Agriculturas: experiências em agroecologia é umapublicação da AS-PTA – Assessoria e Serviços a Projetosem Agricultura Alternativa –, em parceria com a Funda-ção ILEIA - Centre of Information on Low External Input

and Sustainable Agriculture.

AS-PTARua da Candelária, n.º 9, 6º andar.

Centro, Rio de Janeiro/RJ, Brasil 20091-020Telefone: 55(21) 2253-8317 Fax: 55(21) 2233-8363

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Fundação ILEIAP. O. Box 2067, 3800 CB Amersfoort, Holanda.

Telefone: +31 33 467 38 70 Fax: +31 33 463 24 10www.leisa.info

Conselho EditorialCláudia Calório

Grupo de Trabalho em Agroecologia na Amazônia - GTNA

Eugênio FerrariCentro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata, MG - CTA/ZM

Jean Marc von der WeidAS-PTA

José Antônio CostabeberAss. Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica

e Extensão Rural - Emater, RS

Marcelino LimaDiaconia, PE

Maria Emília PachecoFederação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional-Fase/RJ

Maria José GuazzelliCentro Ecológico, RS

Miguel Ângelo da SilveiraEmbrapa Meio Ambiente

Paulo PetersenAS-PTA

Sílvio Gomes de AlmeidaAS-PTA

Equipe ExecutivaEditor Paulo Petersen

Editora convidada para este número Marcia Neves Guelber SalesProdução Executiva Adriana Galvão Freire

Pesquisa Marcia Neves Guelber Sales, Adriana Galvão Freiree Fernanda A. Teixeira

Base de dados de subscritores Nádia Maria Miceli de OliveiraCopidesque e tradução Rosa L. Peralta

Revisão Gláucia CruzFoto da capa Quintal da família Konopka (Irineópolis - SC)

Fotógrafo: Marco SokolProjeto gráfico e diagramação I Graficci

Impressão SRGTiragem: 2.500

A AS-PTA estimula que os leitores circulem livremente os artigos aquipublicados. Sempre que for necessária a reprodução total ou parcial de

algum desses artigos, solicitamos que a Revista Agriculturas: experiênciasem agroecologia seja citada como fonte.

ISSN: 1807-491X

edito

rial

mbora pouco visíveis no conjunto dos agro-ecossistemas, os pequenos animais neles exer-cem múltiplas funções econômicas, ecológi-cas e sócio-culturais. Não é sem razão que ações

orientadas para revalorizar os pequenos criatórios têm serevelado como importantes “portas de entrada” de pro-cessos de transição agroecológica nos mais diversificadoscontextos socioambientais. Em geral, essas ações incre-mentam os níveis de integração entre os subsistemas pro-dutivos nas unidades familiares, o que permite o alcancede maior autonomia técnica e econômica pela via da recicla-gem interna e do enriquecimento biológico de materiaisorgânicos localmente disponíveis.

Possuindo geralmente proles numerosas, rápidocrescimento e reduzidos intervalos de tempo entre as gera-ções, os pequenos animais demandam menos energia porunidade reprodutora do que os de grande porte. Essa eleva-da capacidade reprodutiva confere aos pequenos animaisgrande eficiência no processo de conversão dos alimentosdisponíveis em produtos de alta qualidade protéica. Emrazão de seu pequeno porte, suas carnes podem ser total-mente consumidas após o abate, fato esse de fundamentalimportância em locais nos quais as condições para a conser-vação de alimentos perecíveis não estão disponíveis.

De grande aceitação nos mercados locais, os pe-quenos animais constituem-se também em poupanças vivasque podem ser acionadas a qualquer momento pelas famíliasprodutoras, sobretudo pelas mulheres e jovens, aqueles que,via de regra, se responsabilizam mais diretamente pelos cui-dados com a manutenção desse criatório. Quando orientadapara o mercado, é uma atividade que não exige infra-estrutu-ras caras e sofisticadas e pode ser realizada em áreas muitopequenas, como os quintais domésticos. Em razão dessas ede outras características, a criação de pequenos animais apre-senta-se como atividade de baixo risco econômico e de altarentabilidade para a agricultura familiar.

Esta edição da Revista Agriculturas: experiên-cias em agroecologia tem o propósito de ressaltar o cará-ter multifuncional da criação de pequenos animais e, porconseguinte, sua importância estratégica na promoçãoda sustentabilidade ecológico-econômica da produção debase familiar. Os artigos aqui publicados revelam comoolhares atentos sobre essa atividade podem descortinarpistas importantes para a elaboração de estratégias de tran-sição agroecológica. Ao evidenciar esse aspecto, algunsdos autores procuram simultaneamente chamar a atençãopara o acentuado grau de insustentabilidade dos moder-nos sistemas zootécnicos que têm sido difundidos pela viada “integração vertical”. Neles, os animais são concebi-dos como meras matérias-primas de processos agro-industriais. Orientados exclusivamente pela lógica produ-tivista maximizadora de lucros, esses “sistemas fabris” deprodução animal impõem alta vulnerabilidade técnica efinanceira aos produtores familiares. Trata-se, além disso,de sistemas de manejo destituídos de quaisquer princípioséticos, seja pela despreocupação com o bem-estar dos pró-prios animais, seja pela negligência com a saúde dos con-sumidores de seus produtos.

O editor

E

Um olhar sobreos pequenos animais

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Índi

ce

Artigos

Eventos pág. 35

Páginas na internet pág. 34

Publicações pág. 32

Editor convidado Marcia Neves Guelber Sales pág. 4

Abelhas sem-ferrão: a biodiversidade invisível pág. 7Marcio Lopes, João Batista Ferreira e Gilberto dos Santos

Manejo comunitário de camarões de água doce pág. 10por ribeirinhos na AmazôniaJorge Pinto

Cabrito ecológico da caatinga: um projeto em movimento pág. 14Evandro Vasconcelos Holanda Júnior

Melhorando o desempenho de raças locais de ovelhas pág. 16Bernardo Fulcrand Terrisse

No arredor de casa, os animais de terreiro pág. 20Adriana Galvão Freire, Marilene Nascimento Melo,Fabiana dos Santos Silva e Elenice da Silva

Avicultura agroecológica no planalto sul catarinense pág. 24Nelton Antônio Menezes

Revalorizando as pequenas criações na pág. 28agricultura familiar capixabaMarcia Neves Guelber Sales, Ricardo Bezerra Hoffmann,Rogério Durães de Oliveira e Eduardo Ferreira Sales

pág. 7

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edito

ra c

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dada

equenas criações e agricultura familiar são temas intimamente relacio-nados. A diversidade de produtos oferecida e as funções exercidas pelospequenos criatórios jogam um papel fundamental no reforço da racio-

nalidade técnico-econômica da agricultura familiar, que se expressa como uma unidade de produçãovoltada para o mercado e para o consumo doméstico. É justamente essa lógica produtiva bifocadaque explica a presença generalizada dos pequenos animais nas propriedades familiares.

A alimentação das próprias famílias agricultoras é, sem dúvida, uma das funções primordiaisdos pequenos criatórios. Provenientes de diferentes espécies animais e das mais variadas composiçõese sabores, produtos como méis, carnes, peixes, mariscos, miúdos, gorduras, ovos e leites possuemalta qualidade nutricional e nutracêutica – presença de substâncias com propriedades terapêuticas epreventivas contra doenças. Sob esse aspecto, são fundamentais para a segurança alimentar dasfamílias e particularmente importantes para a agricultura urbana que, em geral, dispõe de espaçosreduzidos, mas capazes de suportar criações em pequena escala destinadas a fornecer alimentos paraas famílias com limitado acesso a produtos de origem animal, cujo custo é relativamente elevado.

As pequenas criações contribuem também com outros produtos, como sebo, peles, penas,fios, fibras, ossos e várias substâncias que são empregadas de forma industrial ou artesanal na fabrica-ção de peças do vestuário, medicamentos e utensílios diversos, com importante contribuição naeconomia familiar. O esterco, por sua vez, concorre para a continuidade dos ciclos de nutrientes dossolos, cuja reprodução da fertilidade é a base para uma agricultura sustentável. Além disso, os peque-nos animais se constituem numa poupança estratégica, que pode ser mobilizada em ocasiões de criseou de eventos importantes na vida da família.

Os animais são parte essencial da cultura brasileira, especialmente na culinária e nas festas.É nítida sua influência na construção de identidades regionais. O pato ao tucupi e as caldeiradas depeixe, na Amazônia; a carne e a buchada de bode no Nordeste; a galinhada no cerrado; a feijoada e ofrango com quiabo no Sudeste; o charque de ovelha no Sul são bons exemplos dessa marcantepresença dos pequenos animais na vida rural e nos costumes urbanos.

Portanto, é compreensível que os agricultores valorizem as pequenas criações como com-ponentes importantes em suas estratégias de convivência e de reprodução familiar nos mais diferentesecossistemas.

Tradicionalmente, essa parceria com a natureza vem sendo feita a partir dos conhecimen-tos dos agricultores sobre o meio ambiente e da aplicação desse saber na gestão dos recursos locais:espaço, alimentação e adaptação dos animais ao meio, principalmente. A diversidade de espéciescriadas e o dimensionamento dos plantéis são definidos com base em critérios que levam em conta adinâmica do conjunto do sistema produtivo, em particular a relação de equilíbrio entre os policultivose as criações.

Na agricultura moderna, o animal é visto como mera matéria-prima para a produção indus-trial. E, como tal, o importante é a simplificação do processo e a maximização do lucro, desconsiderandoquestões éticas, como o bem-estar animal e o respeito a sua natureza e à saúde do consumidor. Todasorte de práticas antiecológicas e extremamente agressivas ao animal é então difundida em nome daescala de produção e da máxima produtividade. A retirada parcial da cauda nos suínos, do bico nas

P

Pequenas criaçõesnos sistemas produtivosfamiliares: a diversidade na unidade

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galinhas, a reversão sexual em algumas espécies de peixes com uso de hormônios, a interferência nofotoperíodo com o emprego de iluminação artificial em aviários, a muda forçada nas aves, o confinamentoe o adensamento excessivo de animais são alguns dos inúmeros exemplos dessas práticas.

Suas tecnologias são alicerçadas em rígidos programas sanitários (vacinação, isolamentodas instalações e desinfecção do ambiente, principalmente) e no uso sistemático de antibióticos eoutras drogas, as principais armas desses sistemas para conter as doenças. Contrariando o esperado,a cada dia, doenças emergentes e outras já conhecidas reaparecem mais patogênicas, ameaçando asaúde dos animais e de toda a população. Um exemplo atual é o da influenza aviária, ou “gripeaviária”. Em vários países, milhões de aves já foram sacrificadas ou morreram dos seus efeitos. Háainda registros de vítimas na população e a ameaça de uma pandemia de gripe humana.

Com isso, os olhares da avicultura mundial voltam-se para os criatórios extensivos pratica-dos a céu aberto, que, na epidemiologia dessa virose, podem oferecer riscos se tiverem contato comaves migratórias portadoras da doença. No Brasil, as grandes empresas e entidades de setor avícolaapontam a criação de base familiar como atividade que coloca em risco o sucesso do plano nacional decontingência da gripe aviária. A atual pressão exercida por esse setor sobre o Ministério da Agricultu-ra, Pecuária e Abastecimento (Mapa) repete um antigo procedimento que, em grandes traços, expli-ca a razão pela qual as legislações para registro da produção animal impõem normas e procedimentosem geral inatingíveis para estabelecimentos que produzem em pequenas escalas, como os da agricul-tura familiar, favorecendo a criação de reservas de mercado para o setor empresarial.

No entanto, as maiores ameaças à avicultura industrial são intrínsecas ao próprio modelode criação, que artificializa ao máximo as condições ambientais, concentra milhares de aves e ascoloca em situação de vulnerabilidade extrema. O conceito de saúde animal na agroecologia estárelacionado à saúde de todo o sistema. As causas das doenças, portanto, não se restringem àsinterações entre o agente etiológico e o animal, mas estão enraizadas no desequilíbrio sistêmicogerado pela extrema artificialização do meio ao qual os animais são submetidos.

Plantéis cada vez maiores inviabilizam o cultivo de alimentos nos próprios sistemas deprodução, gerando total dependência de insumos externos e alto custo energético, com gravesconseqüências ambientais. Uma delas é a redução dos tipos de alimentos que compõem as dietasanimais, com a universalização do emprego de milho e soja na fabricação das rações para as criaçõesindustriais. Ainda mais grave é a abertura de fronteiras para a expansão dessas culturas, que ocorresem levar em conta os riscos da produção e utilização de soja e milho transgênicos e a destruição deecossistemas frágeis, como o cerrado e as florestas tropicais.

No sul do país, a ação dos complexos agroindustriais de “exploração” de aves e suínos,principalmente dos grandes frigoríficos e das empresas de genética, ilustra exemplarmente as trans-formações ocorridas nos sistemas tradicionais dessas criações. Os efeitos devastadores sobre a agri-cultura familiar ocorrem via integração vertical, com a total subordinação do agricultor a uma empre-sa e ao seu pacote tecnológico.

Esta edição da Revista Agriculturas tem seu foco nas experiências de pequenas criaçõesnos sistemas produtivos familiares, a partir de uma perspectiva agroecológica. Essa abordagemextrapola a ótica produtivista que norteia as políticas de fomento de pequenas criações para a agricul-tura familiar.

Abelhas sem-ferrão, camarões de água doce, cabritos ecológicos, ovelhas crioulas, suínose galinhas em diferentes ecossistemas e culturas são uma pequena amostra da diversidade de espéciestrabalhadas nos sistemas produtivos familiares.

Diversidade também de biomas, de culturas, de modos de viver e de criar. À frente dessascriações estão meliponicultores do Norte e Nordeste, ribeirinhos, pescadores da Amazônia, sertane-jos do São Francisco, mulheres do agreste paraibano, agricultores e agricultoras de Santa Catarina,do Espírito Santo e certamente de todo o Brasil.

Diversidade, sim, mas na unidade. As experiências destacadas mostram que é possível aretomada da lógica de integração e complementaridade vegetal-animal, princípio fundamental dossistemas produtivos de base ecológica.

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Marcia Neves Guelber Sales:médica veterinária homeopata, MSc, pesquisadora do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência

Técnica e Extensão Rural (Incaper), vice-presidente da Associação Brasileira de Agroecologia(ABA – Agroecologia)/região sudeste.

[email protected]

Um elemento dessa unidade é o ajuste das experiências ao seu contexto ecogeográfico esociocultural, revelando a vocação dos agricultores para a criação de animais no meio onde vivem.

Unidade na incorporação das espécies aos diferentes sistemas produtivos, de distintasmaneiras, cumprindo as mais importantes funções: segurança alimentar; melhoria da qualidade devida; elevação da renda; aumento do rendimento das culturas, melhorando o suporte para a produçãode mais alimentos; conquista da cidadania por mulheres agricultoras; e preservação ambiental.

Unidade na transição agroecológica que, mesmo apresentando níveis diferenciados, semanifesta não apenas como sinônimo de transformações físicas e biológicas na base dos sistemasprodutivos, mas como processo de profundas mudanças sociais e de valores individuais. As experiên-cias mostram a organização dos agricultores, o resgate do seu protagonismo na produção e a utiliza-ção de conhecimentos úteis à gestão dos sistemas de criação como elementos-chave dessas transfor-mações. Ao contrário do modelo industrial, que conduz a intensivos processos de erosão genética, osexemplos aqui apresentados se fundamentam na valorização da biodiversidade, por meio do manejoe da extração consciente dos seus produtos (mel, crustáceos), ou contribuindo para o seu resgate emanejo racional. Esse é o caso do melhoramento genético de ovelhas crioulas no Peru, do porcosorocaba no Espírito Santo, das raças locais de galinhas na Paraíba, das forrageiras nativas da caatin-ga e de outras plantas empregadas na alimentação e prevenção de doenças dos animais. São recursoslocais, que formam a base para a autonomia produtiva.

A unidade se expressa também na valorização dos produtos obtida pela qualidade doprocesso de produção. As experiências mostram como as opções de comercialização e agregação devalor se ampliam quando os alimentos são produzidos ecologicamente, conquistando o consumidorpor atributos como autenticidade de sabor, cor e aparência; valor biológico e nutricional; e, sobretu-do, maior segurança pela ausência de resíduos de agrotóxicos, medicamentos e organismos genetica-mente modificados.

Outro aspecto recorrente nessas experiências está relacionado à metodologia de trabalho,que prioriza o enfoque sistêmico, a ação coletiva e a participação dos agricultores como atoresresponsáveis pelo desenvolvimento de tecnologias e de soluções locais para os problemas encontra-dos. Soluções muitas vezes simples, mas com forte eficácia e poder de disseminação. O manejoinovador na captura e estocagem do camarão de água doce pelas populações ribeirinhas no Pará é umexemplo de tecnologia de amplo alcance social, com impactos que se irradiam para além das fronteiraslocais. Para a falta de crédito, fator de exclusão de muitos agricultores ao acesso às inovações, ofomento por intermédio de fundos rotativos, empregados para a revitalização dos arredores das casaspelas agricultoras experimentadoras da Paraíba ou para a reprodução do porco sorocaba por famíliascapixabas, demonstra a força da união e da solidariedade na construção de novas fórmulas econômi-cas para o desenvolvimento local.

Por último, ainda que os exemplos não se esgotem, é importante ressaltar o valor dasexperiências como fonte de inspiração para a inovação nas políticas e nas ações em favor do fortaleci-mento da agricultura familiar. Raramente as pequenas criações são incluídas ou priorizadas comoinstrumento de promoção dos sistemas produtivos E, quando o são, o foco em geral é colocadoexclusivamente sobre a geração de renda monetária, desconsiderando ou deixando num segundoplano as múltiplas funções que elas exercem no sistema. Ainda que atualmente a opção pela produçãode “alimentos de origem animal ecologicamente produzidos” seja de fácil apelo entre os formuladoresde políticas públicas, é necessário que ela esteja conectada aos demais componentes dos sistemasprodutivos e compreendida dentro de um contexto mais amplo de desenvolvimento local sustentá-vel. Portanto, uma conduta desejável é a ênfase no crédito e no incentivo à pesquisa, extensão eeducação rural diferenciadas e adaptadas às necessidades da agricultura familiar.

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uando se fala emabelhas, o que nor-malmente vem à

cabeça são as produtoras de mel daespécie Apis mellifera L., intro-duzidas no Brasil a partir da Europae África e que, atualmente, respon-dem pela maior parte do mel produ-zido no país.

No entanto, o mundo das abelhas é bem maisvasto. Há espécies solitárias como as mangangavas(Xylocopa sp), muito vistas nas flores de maracujá, quese destacam pelo importante papel na polinização dasplantas. Outras vivem em colônias e, além de serem vi-tais na polinização de várias plantas, produzem mel apartir da extração do néctar das flores. Entre as abelhassociais, além da conhecida A. mellifera, estão as da triboMeliponini, que agrupa vários gêneros de abelhas sem-ferrão.

As abelhas sem-ferrão foram as únicas espéciesprodutoras de mel empregadas até 1838, antes da intro-dução da abelha européia (Kerr et al, 2005). Como o fer-

rão dessas abelhas é atrofiado, elas não ferroam. Daí onome “abelha sem-ferrão”. Por ser tradicionalmente ma-nejada por povos indígenas, também é chamada de “abe-lha indígena”.

Existem no Brasil inúmeras espécies de abelhassem-ferrão e ainda há muito trabalho de pesquisa a serfeito para conhecer essa diversidade. Há aquelas que pro-duzem mel só para o consumo da colméia. Outras produ-zem excedentes que podem ser aproveitados para o con-sumo humano. Entre as mais conhecidas, estão as abelhasmandaçaia (Melipona quadrifasciata Lep.), jataí(Tetragonisca angustula Latreielle), jandaíra (Meliponasubnitida Ducke), mirim (Plebeia sp), rajada (Meliponaasilvae), canudo (Scaptotrigona sp) e uruçu (Meliponasp). Algumas, como a jataí, são amplamente distribuídas.Outras são específicas de determinados ambientes, comoa jandaíra, que habita a caatinga (Figura 1).

Porém, as abelhas sem-ferrão encontram-se emprocesso acelerado de desaparecimento, provocado prin-cipalmente pelo desmatamento de florestas nativas, am-biente preferencial dessas espécies. Como produzem umaquantidade de mel menor do que a A. mellifera, os produto-res para o mercado não se interessam pelo manejo racionalde abelhas sem-ferrão – a meliponicultura –, o que explicaa limitada oferta desse produto. Conseqüentemente, em

algumas regiões, como o Sudeste e Sul, pou-cos conhecem os sabores do mel das nossasabelhas nativas, o que faz desse produto umaverdadeira iguaria, apresentando cores, gos-tos e aromas incomparáveis. Quem já pro-vou sabe. Hoje em dia, apenas as pessoasmais velhas reconhecem seu grande valor me-dicinal.

A importância doconhecimento tradicionalno desenvolvimento dameliponicultura

Embora sejam poucos os que sededicam comercialmente à meliponicultura,o uso e manejo dessas abelhas ainda é práti-

Abelhas sem-ferrão:a biodiversidade invisível

Marcio Lopes, João Batista Ferreira e Gilberto dos Santos*

Q

Figura 1: Distribuição de algumas espécies de abelhassem-ferrão nas regiões do Brasil

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8 Agriculturas - v. 2 - no 4 - dezembro de 2005

ca corrente entre povos indígenas, comunidades tradicio-nais e camponesas, em particular nas regiões Norte e Nor-deste.

O meliponicultor João Batista Ferreira, do mu-nicípio de Belterra, Pará, é um testemunho vivo da impor-tância do conhecimento tradicional para o uso e conserva-ção dessas espécies (Ferreira et al, 2005). Desde os 14 anosde idade, ele fazia capturas de abelhas na mata e transferiapara o bambu. Posteriormente, passou a transferi-las para achamada “caixa cabocla”, confeccionada com recursos lo-cais. O amor pelas abelhinhas, além de uma boa dose decuriosidade e criatividade, levou esse agricultor a aprimoraras caixas, desenvolvendo tecnologias de manejo específi-cas para as diferentes espécies que trabalha.

Hoje, com 30 anos de meliponicultura, o sr.João é procurado por pesquisadores, estudantes e outrosagricultores interessados em aprender os mistérios das abe-lhas sem-ferrão. Em 2004, orientou a implantação de umprojeto de meliponicultura voltado para a população tra-dicional residente na Floresta Nacional do Tapajós,Unidade de Conservação Federal.

O Dr. Gabriel Melo, taxonomista de abelhas daUniversidade Federal do Paraná (UFPR), já identificou seisdiferentes gêneros de abelhas (Tabela 1). Atualmente, osr. João maneja 23 espécies de abelhas sem-ferrão comprodução média, entre elas, variando de 0,5 kg a 5 kg porcaixa/ano. (Fig.2). A meliponicultura contribui com par-te significativa da renda de sua família e essa contribuição

só não é maior devido a limitações de acesso ao mercado.De qualquer maneira, a experiência do sr. João demonstrao grande potencial das abelhas sem-ferrão para o uso emanejo sustentado do ambiente florestal.

No semi-árido brasileiro, o extrativismo de melde abelha nativa é uma prática tradicional dos sertanejos.O agricultor Gilberto dos Santos, de Jandaíra, Rio Grandedo Norte, é um experiente “caçador” de mel. Andandocom ele pela caatinga, pode-se observar sua técnica apu-rada de localização de enxames e seu grande conhecimen-to sobre os hábitos de cada espécie de abelha, incluindoas árvores preferidas por elas para moradia. A sua habilida-de em abrir um oco de árvore com machado é tal queconsegue fazê-lo sem danificar as colméias. Infelizmente,esse não é o caso de extrativistas ocasionais, que extraemo mel às custas do sacrifício dos enxames.

Depois de um período vivendo do extrativismode mel, aos poucos o sr. Gilberto tem se estruturado parainstalar um meliponário. A expectativa dele é não precisarmais caçar enxames e consolidar uma criação racional emcaixas padronizadas perto de casa (Figura 3), o que vaipermitir o abastecimento de mel para a família e um exce-dente para a comercialização. Além disso, o fortalecimen-to de uma associação local é uma das estratégias que o sr.Gilberto vislumbra para vencer os obstáculos da comer-cialização e ter nas abelhas sem-ferrão uma fonte de rendagarantida.

O sr. Gilberto maneja as espécies jandaíra, raja-da, mosquitinha e cupira, mas tem carinho especial pela

Figura 2: sr. João e o filho Jacson colhendo mel da uruçu-de-canudo

Figura 3:sr. Gilberto dosSantos transferindoabelha do tocopara a caixa

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Tabela 1: Classificação de alguns tipos de abelhas sem-ferrão manejadas pelo meliponicultor sr. João Ferreira(Belterra-PA)

Nome comum Gênero Espécie

Abelha-esperta Trigona Cilipes

Arapuá-vermelha Trigona dallatorreana

Cacho-de-uva Frisiomelitta Cfr. longipes

Canudo Scaptotrigona Sp.3

Canudo-preto Scaptotrigona Sp.1

Cu-de-vaca preta Partamona gregaria

Jandaíra-loira Melipona flavolineata

Jandaíra-rajadona Melipona compressipes

Lombo-de-porco Tetragona Goettei

Moça-branca Tetragona clavipes

Mosquitão Trigona Williana

Pinto-caído Scaptotrigona Sp.2

Uruçu-boi Trigona truculenta

Uruçu-de-canudo Melipona pernigra

Uruçu-sem-canudo Melipona melanoventer

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Agriculturas - v. 2 - no 4 - dezembro de 2005 9

Referências:EVANGELISTA-RODRIGUES, A. et al. Análisefísico-química dos méis das abelhas Apis melliferae Melipona scutellaris produzidos em duas regiõesno estado da Paraíba. Ciência Rural, v. 35, n.5,p.1166-1171, 2005.

FERREIRA, J.B.; REBELLO, J.F.S. Belterra: oparaíso das abelhas indígenas sem-ferrão. Mensa-gem Doce, v. 83, n.23, 2005.

KERR, W.E. et al. Aspectos pouco mencionadosda biodiversidade amazônica. Mensagem Doce, n.80, 2005.

SOUZA, R.C.S. et al. Valor nutricional do mel epólen de abelhas sem-ferrão da região amazônica.Acta Amazônica, v. 34, n. 2, p. 333-336, 2004.

* Marcio Lopes:técnico em apicultura e meliponicultura

[email protected]

João Batista Ferreira e Gilberto dos Santos:agricultores e meliponicultores

última (Partamona sp), abelha que dá na caatinga emcupinzeiro de terra vermelha. Ele atribui grande podermedicinal ao mel dessa espécie, usada localmente para“problemas na vista”. O desenvolvimento de manejo ade-quado da cupira é um dos desafios que o sr. Gilberto espe-ra superar em breve.

DesafiosAs experiências do sr. João na Amazônia e do

sr. Gilberto na caatinga são apenas exemplos do potencialdas abelhas sem-ferrão para o manejo sustentado dabiodiversidade e para a geração de renda. Com certeza, háinúmeros casos semelhantes protagonizados por outrosJoões, Gilbertos, Josés, Marias, Glorinhas, guardiões dasabelhas sem-ferrão nos diversos ecossistemas brasileirosque, infelizmente, permanecem invisíveis como as própriasabelhinhas.

A criação de abelhas sem-ferrão, ao contráriodo que ocorre no caso da A. mellifera, sofre de um vaziolegal, particularmente na parte sanitária, o que dificulta aampliação do mercado desse produto. As normas sanitá-rias exigem que, para ser comercializado, o mel deve ter nomáximo 18% de umidade, valor inferior ao normalmenteencontrado no mel produzido por abelhas sem-ferrão.Analisando a composição do mel de cinco espécies de abe-lhas sem-ferrão do gênero Melipona produzido na regiãode Itacoatira e Manaus, no Amazonas, Souza (2004) en-controu umidade média de 28,6%, variando entre 23,9%para a uruçu boca-de-ralo (Melipona rufiventris paraensisDucke) e 34,6% para jupará (Melipona compressipesFab.). No sertão paraibano, Evangelista Rodrigues (2005)identificou teor de umidade em torno de 25% no mel daabelha uruçu (Melipona scutellaris Lat.). Esses dados res-saltam a necessidade do desenvolvimento de normas es-pecíficas para as abelhas sem-ferrão.

A parte de manejo e criadouros vem sendo obje-to de discussão de órgãos da área ambiental. Em agosto de2004, o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama)aprovou a Resolução 346, definindo normas para o mane-jo de abelhas sem-ferrão, enquanto o Instituto Brasileirode Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis(Ibama) atua na regulamentação da criação e do comérciode abelhas nativas. As normas são importantes para evitara depredação dos enxames na natureza e coibir práticascriminosas, como o transporte de enxames entre diferen-tes ecossistemas. Todavia, é importante estar atento paraque a regulamentação não venha impor procedimentosexcludentes aos pequenos produtores.

Indagado sobre o que acredita ser necessáriopara melhorar a atividade, o sr. Gilberto ressalta que afalta de apoio financeiro é um obstáculo para que ameliponicultura se consolide como uma alternativa de ren-da no semi-árido. Em suas palavras: “Se tivesse condi-ções, todo mundo passaria os enxames do toco para cai-xas padronizadas para extrair mel com mais sucesso.” Em

muitos casos, o extrativismo e a venda de enxames ainda éa única opção para que as famílias possam levantar algumdinheiro para comprar comida, especialmente nos anosem que a seca é mais severa. O sr. João lá da Amazôniaalerta para a necessidade de ter “governantes mais inte-ressados em apoiar os meliponicultores e que reconheçamestas abelhas como um patrimônio do país”.

As normas são importantes para evitara depredação dos enxames na

natureza e coibir práticas criminosas,como o transporte de enxames entre

diferentes ecossistemas. Todavia, éimportante estar atento para que a

regulamentação não venha imporprocedimentos excludentes aos

pequenos produtores.

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10 Agriculturas - v. 2 - no 4 - dezembro de 2005

o estuário do rioAmazonas, conhe-cido como região

das ilhas, as comunidades rurais seencontram em elevado grau de iso-lamento. O trânsito entre uma co-munidade e outra é realizado de bar-co e dura pelo menos três horas. Énessa região, mais particularmenteno município de Gurupá (PA), queestá localizada a Ilha das Cinzas. Acidade mais próxima, Santana (AP),está a cerca de cinco horas de bar-

co. Uma viagem da ilha até a cidadede Gurupá demanda entre 15 e 18horas. A população do município éde 26 mil habitantes (em torno deduas mil famílias) e é constituídamajoritariamente por ribeirinhos.Em razão dos fluxos da maré, que na região

tem dois ciclos diários, o nível da água pode sofrer umavariação de até quatro metros entre a baixa-mar e a prea-mar. Por esse motivo, as casas são construídas sobre pala-fitas e a agricultura não é realizada. As principais ativida-des econômicas são o extrativismo florestal, principalmen-te do fruto, da madeira e do palmito do açaí (Euterpeoleraceae Mart.), e o extrativismo aquático, sobretudo a

Manejo comunitário decamarões de água doce

por ribeirinhos na AmazôniaJorge Pinto*

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pesca de camarão. Esta atividade contribui com cerca dametade da renda das famílias ribeirinhas.

Estudos socioambientais no município deGurupá, encomendados em 1997 pela Federação de Ór-gãos para Assistência Social e Educacional (Fase), res-saltaram limitações e oportunidades para o desenvolvi-mento das práticas de pesca pelas comunidades ribeiri-nhas. O projeto voltado para o aprimoramento dessaspráticas, em particular da pesca do camarão de águadoce (Macrobrachium amazonicum), foi um desdobra-mento direto desses estudos. Entre outros aspectos,foram identificadas iniciativas inovadoras dos própriospescadores que poderiam ser desenvolvidas e dissemi-nadas. Dentre elas, destaca-se o “armazenamento” doscamarões em pequenos viveiros flutuantes, com a fina-lidade de “esperar o comprador” do produto in natura eminimizar as perdas advindas da excessiva mortandadedecorrente do precário acondicionamento nos viveirostradicionais1, da superpopulação e da falta de oxigenaçãona água.

Durante o seminário de restituição dosresultados dos estudos, foi definido umexperimento voltado para a estocagemdos camarões vivos capturados no fi-nal da safra (dezembro), visando o al-cance de melhores preços na entres-safra (fevereiro a maio). A experiênciafoi realizada durante o ano de 1998 eenvolveu diretamente seis famílias. Pormotivos que hoje nos parecem óbvios,o experimento não foi bem-sucedido.Ao invés de aumentar, o peso total doscamarões armazenados nos viveiros sereduziu. Após algum tempo de obser-vações, concluiu-se que o principal mo-

1 O tamanho dos viveiros tradicionais era muito pequeno (em torno de 1 m3). Osviveiros inovadores têm um volume maior (6,5 m3).

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tivo foi a autofagia que ocorreu no pe-ríodo da ecdise (troca do exoesqueletodos crustáceos). Verificou-se tambémque não ocorreu perdas significativasde peso quando os camarões ficam atéoito dias no cativeiro.

Diante disso, e sendo o baixo preço pago umdos principais gargalos da atividade, foi elaborada, junta-mente com a comunidade, uma estratégia que em essên-cia estava voltada para a melhoria da qualidade e da pa-dronização da produção local. Afinal, animais grandes ebem apresentados são mais valorizados nos mercados. Paraimplementar essa estratégia, a partir de dezembro de 1998foi realizado um trabalho de ajuste dos instrumentos decaptura (matapi) e de estocagem (viveiros). Simultanea-mente, deu-se início a um processo sistemático de capa-citação voltado para qualificar as práticas de processa-mento do camarão, de gestão financeira, de implantaçãode unidades de beneficiamento mais adequadas, decomercialização conjunta através da cooperativa, entreoutras atividades de educação ambiental. Assim nasceu oprojeto de manejo de camarão.

Princípios do manejo inovador

O manejo inovador fundamenta-se na idéia deque mais vale capturar um camarão grande do que umpunhado de camarões pequenos. Ele consiste nas seguin-tes etapas:

1. Captura com matapis – O matapi é uma arma-dilha feita de fibras vegetais. É como uma gaio-la de formato cilíndrico, com 40 cm de compri-mento e 25 cm de diâmetro. Nas extremidades,apresenta uma espécie de funil que facilita aentrada dos camarões e dificulta a saída. Paraatrair os camarões, é empregada a “poqueca”,uma isca elaborada com farelo de babaçu ououtro farelo vegetal (milho ou arroz) e “embru-lhada” em folhas de cupuçurana (Matisia

Grupo de mulheres em atividade de capacitaçãoPesca do camarão

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paraensis Huber) ou plástico (Fig. 1). Pelo sis-tema tradicional de captura, os espaços entreas “talas” do matapi são bastante estreitos,impedindo que os camarões de menores dimen-sões passem por eles. Já nos matapis adapta-dos, os espaços são alargados de forma a reterapenas os camarões maiores. Esse trabalho deadaptação é realizado pelas mulheres das co-munidades (Fig. 2).

2. Estocagem em viveiros flutuantes – Após a cap-tura, os camarões são colocados em viveiros,onde permanecem por até oito dias (Fig. 3).

Em seguida, são beneficiados ou comercia-lizados in natura. Esse tempo de envivei-ramento é o prazo ideal para que seja feita a“apuração” do tamanho e da aparência da pro-dução. Os camarões menores têm tempo sufi-ciente para escapar. Já os maiores, que per-manecem no viveiro, têm seus estômagos es-vaziados, fato esse que confere ao produtomelhor aparência depois de processado. Du-rante esses oito dias, o pescador tem a possi-bilidade de reunir bons volumes de produçãoantes do processamento e/ou da comer-cialização, o que racionaliza seus esforços nes-sas atividades, uma vez que não necessita maisrealizá-las diariamente.

3. Beneficiamento – Consiste no cozimento, du-rante 20 minutos, em uma mistura de água esal (utiliza-se a relação 10 kg de camarão/1 kgde sal). Há outras formas de processamento,mas não são aplicadas pelas comunidades lo-cais.

4. Comercialização – Pode ser feita na pró-pria comunidade ou mesmo nos centros ur-banos mais próximos, para comerciantes inter-mediários (Fig. 5).

Figura 2: Preparo do matapiFigura 1: Poqueca

Figura 4: Coleta do dia Figura 5: Produto pronto para comercialização

Figura 3: “Despesca” do viveiro

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Uma proposta de muitosimpactos e que se irradiapela região

Os benefícios desse manejopara o meio ambiente e para a populaçãoenvolvida são evidentes. Do ponto de vis-ta ambiental, verificou-se a redução donúmero de armadilhas utilizadas por fa-mília e a diminuição da produção total porfamília por safra, mas sem comprometeros ganhos econômicos. O aumento do ta-manho do camarão comercializado éindicativo de que os camarões pequenosnão foram capturados, favorecendo, por-tanto, a manutenção dos estoques natu-rais. Outra contribuição foi a preservaçãoda vegetação ciliar, que protege as margens dos “furos”,cursos d’água que separam as ilhas locais que servem deabrigo para peixes e camarões.

No que se refere ao impacto econômico, iden-tificou-se um preço maior por quilo de camarão vendido.Apesar da diminuição significativa do número de animaiscapturados entre 1997 e 2004, o incremento no valor doproduto tem resultado no aumento sistemático da rendaprovinda da pesca de camarões por parte das famílias en-volvidas (Quadro 1).

Contudo, os benefícios sociais vão alémda elevação da renda. Inserido em umtrabalho mais abrangente de desenvolvi-mento comunitário, o projeto proporcio-nou melhorias mais amplas na qualida-de de vida da população. Dentre elas,destacam-se o fortalecimento dos proces-sos organizativos, a participação em sin-dicatos e na colônia de pescadores, oacesso a serviços públicos, ao transpor-te, à comunicação, à educação etc.

Inicialmente, o projeto foi desenvolvido emparceria com a Associação dos Trabalhadores Agro-extrativistas da Ilha das Cinzas (Ataic) e com o Grupo deMulheres em Ação da Ilha das Cinzas, envolvendo direta-mente 40 famílias. Posteriormente, o manejo foi adotadopor outras oito comunidades e, espontaneamente, estásendo difundido. Atualmente, envolve cerca de 200 famí-lias pescadoras só no município de Gurupá.

O sistema já vem sendo implantado em outrostrês municípios da região do baixo Tocantins (Abaetetuba,Igarapé Mirim e Cametá), no baixo Amazonas (Santarém)e no estado do Amazonas (Parintins). A produção de umacartilha e de um documentário em vídeo (em fase de edi-ção) sobre a iniciativa contribuirá para a ampla divulgaçãodessa experiência.

INDICADORES 1997* 2000 2002 2004

Período (dias) 150 150 150 150

Nº de matapis/família (média) 150 75 74 75

Nº de camarões/kg 400 230 195 210

Tamanho do camarão (cm) 4,5 8,7 8,9 10,4

Produção/família/safra (kg) 800 562 592 620

Preço médio recebido/kg 0,8 1,35 1,6 2,5

Renda mensal/família (R$) 128 152 189 310

*Dados coletados no estudo inicial

Quadro 1 – Indicadores da evolução do manejo comunitário de camarõesde água doce no período entre 1997 e 2004.

*Jorge Pinto:engenheiro agrônomo da Fase

[email protected]

O governo do estado do Pará tem reconhecidoa importância desse trabalho e pretende transformá-lo empolítica de governo, inserindo-o no programa Pará Rural,financiado pelo Banco Mundial. A iniciativa concorreucom 658 experiências e ganhou o Prêmio Tecnologia So-cial 2005, categoria Região Norte, promovido pela Fun-dação Banco do Brasil.

O desafio da comercialização

De forma geral, a etapa da comercialização apre-senta-se como um dos principais desafios para a susten-tabilidade econômica das populações amazônicas, quebaseiam seus meios de vida em sistemas extrativistas. Apresença de forte cultura do aviamento, na qual o “pa-trão” financia o extrator, desvalorizando seu produto, éum dos principais obstáculos a serem superados.

Mesmo com os resultados já demonstrados peloprojeto, algumas pessoas se mantêm desconfiadas comrelação aos potenciais benefícios financeiros do manejoinovador e continuam vendendo sua produção a atraves-sadores, que pagam o mesmo preço pelos camarões, inde-pendentemente do tamanho. Já aquelas que vêm partici-pando das dinâmicas locais de inovação estão tranqüilas,despreocupadas, aproveitando as vantagens que o siste-ma oferece, inclusive o ganho nas horas trabalhadas.

Há pessoas nas comunidades que recebem me-lhor por suas produções porque desenvolveram a práticade barganha com os atravessadores, mas a comercializaçãoem conjunto é ainda um grande desafio. Além de exigircapital de giro para o pagamento à vista, envolve a neces-sidade de alterações de práticas já bastante enraizadas nacultura regional.

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istoricamente, nosemi-árido brasi-leiro, a combina-

ção de policultivos e criação animalcontribuiu para a produção e a re-produção social da agricultura fami-liar. A redução da renda provenien-te da agricultura e das áreas depastoreio coletivo e a implantaçãode monoculturas de palma forra-geira (Opuntia fícus-indica Mill) ecapim buffel (Cenchrus sp.) geraramprocessos de degradação dos solose dos recursos forrageiros da caa-tinga, estabelecendo um círculo vi-cioso de insustentabilidade ambi-ental, econômica, social e política.

Para contribuir com o enfrentamento dessa rea-lidade, a Embrapa Semi-árido, em Petrolina (PE), deu iní-cio a um projeto de pesquisa e desenvolvimento de umsistema tecnológico e de uma cadeia produtiva piloto paraa criação e comercialização do “Cabrito Ecológico da Ca-atinga”1. A iniciativa visa promover a economia do siste-ma familiar com base no uso sustentado dos recursos na-turais, na conservação da riqueza cultural das comunida-

des locais e no aumento da quantidade e da qualidade dosalimentos consumidos pela população do sertão baiano epernambucano do São Francisco.

Referências para a produção do“Cabrito Ecológico da Caatinga”

A criação de caprinos é uma alternativa produ-tiva ajustada à agricultura familiar do semi-árido do Nor-deste brasileiro. Além de se adequar às condições am-bientais e socioculturais da região, não exige grandes in-vestimentos para ser estabelecida e permite a geração se-gura de renda mesmo quando praticada em pequena esca-la, já que oferece produtos cada vez mais valorizados nosmercados. Para tirar partido dessas potencialidades, ossistemas inovadores de produção de caprinos devem pre-zar pela biodiversidade e saber aproveitar os espaços pro-dutivos nas propriedades de forma a aumentar a estabili-dade e a resistência dos agroecossistemas e minimizar osimpactos dos períodos de seca.

O projeto original previa a implementação deum modelo de produção orgânica de caprinos no Cam-po Experimental da Embrapa Semi-árido. Instalado noinício de 2003, esse modelo reunia práticas já adotadaspelos produtores e tecnologias geradas pelo SistemaNacional de Pesquisa Agropecuária. Com essa combi-nação, pretendia-se estabelecer um sistema inovadorque estivesse ajustado às condições socioeconômicas eagrícolas da maioria dos agricultores da região. Emboraa reprodução da realidade dos agricultores seja uma ta-refa impossível em uma estação experimental, o mode-lo permitiu gerar referências técnicas para a produção

Cabrito ecológicoda caatinga:

um projeto emmovimento

Evandro Vasconcelos Holanda Júnior*

1 O projeto conta com apoio financeiro do Fundo de Desenvolvimento Científico eTecnológico (Fundeci)/Banco do Nordeste.

H

Agricultor participante do projeto em umcampo de forragem de guandu (Cajanuscajan (L.) Millsp.)

Rebanho caprino de um agricultor partici-pante do projeto

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agroecológica de caprinos no semi-árido. Entre outrosfatores, demonstrou potencial para aumentar de formaconsiderável a produção de caprinos pelos agricultoresfamiliares, já que prepara animais para a venda a umataxa anual de 1,43 cabritos por matriz exposta contra os0,12 cabritos por matriz exposta nos sistemas tradicio-nais da região.

De unidades de validação aespaços de desenvolvimentoparticipativo de tecnologias

Além da unidade instalada na área experimen-tal da Embrapa, o projeto previa a implantação de duasunidades de validação em propriedades da região. Aescolha dos locais para a instalação dessas unidades foirealizada juntamente com as organizações de produto-res e contou com apoio do Instituto Regional da Pe-quena Agropecuária Apropriada (IRPAA). Corroboran-do com Hecht (2002), as disparidades entre as condi-ções físicas e socioeconômicas da estação experimentale as das famílias agricultoras inviabilizaram a reprodu-ção integral do modelo nas unidades produtivasselecionadas.

Diante dessa constatação, foram realizadosajustes metodológicos no projeto, com o objetivo deincrementar a efetiva participação dos agricultores na aná-lise da realidade, na seleção das alternativas tecnológicas,na execução das ações, na construção de novos conheci-mentos e na disseminação das inovações. Assim, as unida-des de validação passaram a representar espaços físicospara o desenvolvimento participativo de tecnologias agro-ecológicas, propiciando a apropriação das tecnologiaspelos produtores, a caracterização funcional dos sistemasde produção, a validação técnico-econômica e social dastecnologias e o registro da evolução dos sistemas de pro-dução.

Antes da implantação dessas unidades, fo-ram realizadas visitas técnicas e ministrados cursos so-bre diversos temas: tecnologias para o aproveitamentosustentável dos recursos naturais da caatinga; reservaestratégica de forrageiras tolerantes à seca; conserva-ção de forragens; conservação e manejo de solos; e usode fitoterápicos, de produtos homeopáticos e de méto-dos e práticas ecológicas no tratamento e prevençãodas doenças dos animais, assim como no manejo geraldo rebanho.

Três aspectos puderam ser percebidos logo noprimeiro ano da adoção dessa metodologia. Em primeirolugar, a revalorização, por parte dos produtores, das forra-geiras nativas da caatinga, o que tem contribuído para oaproveitamento racional desses recursos e, por conseguin-te, para sua preservação. Nota-se também o efeito dessaprática sobre o aumento do estoque forrageiro nas propri-edades. Finalmente, ressalta-se uma maior confiança dos

produtores quanto à eficiência da fitoterapia e da homeo-patia para controle das verminoses.

Próximos passos

O processo de desenvolvimento participativode tecnologias agroecológicas, que se iniciou em 2004 emduas unidades produtivas de Pernambuco, será ampliado,em 2006, para outros estados do Nordeste. Isso permitiráa instalação de uma rede de referências e de acúmulo deexperiências sobre a criação agroecológica de caprinos nosemi-árido brasileiro.

Até o momento, as experiências acumuladasdemonstram que as múltiplas e complexas realidades dossistemas de produção do semi-árido exigem inovaçõestecnológicas que privilegiem a diversificação produtiva e acomplementaridade das criações animais e dos cultivos,bem como promovam a revalorização da biodiversidadecomo instrumento para a construção da sustentabilidadeambiental, social, econômica, cultural e política. São es-ses caminhos que esperamos seguir...

Referência:HECHT, S. B. A evolução do pensamentoagroecológico. In: ALTIERI, M. Agroecologia:bases científicas para uma agricultura sustentá-vel. Guaíba: Editora Agropecuária, Rio de Janei-ro: AS-PTA, 2002. p. 47-51.

*Evandro Vasconcelos Holanda Júnior:pesquisador da Embrapa - Sistema de Produção Animal

[email protected] [email protected]

(...) as unidades de validaçãopassaram a representar espaços

físicos para o desenvolvimento parti-cipativo de tecnologias agroeco-

lógicas, propiciando a apropriaçãodas tecnologias pelos produtores, a

caracterização funcional dossistemas de produção, a validação

técnico-econômica e social dastecnologias e o registro da evolução

dos sistemas de produção.

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as regiões semi-áridas dos Andes,no Peru, na Bolí-

via e no norte do Chile, sistemasantigos de manejo pastoril ainda fa-zem parte do cotidiano das famílias.Na região Inka, situada no leste dacordilheira andina, no Peru, a cria-ção de ovinos faz parte de uma cul-tura tradicional caracterizada porlaços familiares e estruturas comu-nitárias fortes. A população vive emcomunidades camponesas que têmsuas próprias organizações. A terrapertence às comunidades, que sãoresponsáveis pelo manejo dos recur-sos comuns, incluindo o solo e aágua. O acesso à terra por parte das

famílias se dá sob a forma de usu-fruto e todas têm acesso aos pastoscomunitários. O trabalho coletivo ébaseado nos princípios da reciproci-dade, da cooperação e da solidarie-dade.

Sendo uma área montanhosa situada em lati-tudes tropicais, a região Inka exibe diversas paisagens emdiferentes altitudes. Existem duas ecorregiões distintasentre os 3 mil e os 4.500 metros de altitude. A Qheswacaracteriza-se pelo clima temperado, onde se planta mi-lho, batata, feijão e outros grãos. Há também alguma cria-ção de gado. Na área mais alta e fria de Puna, a populaçãosobrevive da pecuária extensiva de ovelhas, alpacas oulhamas. As raças locais de ovinos são as mais empregadas.Geralmente são as mulheres e as crianças que cuidam dosanimais, sempre acompanhando os rebanhos em busca depastagens. As mulheres são muito apegadas a suas ove-lhas: “As ovelhas ajudam em tudo”, dizem. Elas fornecemcarne, lã e esterco. A lã é utilizada na produção de peças

Melhorando o desempenho

de raças locaisde ovelhas

Bernardo Fulcrand Terrisse*

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de artesanato (tecidos, ponchos etc.). As ovelhas rendemdinheiro à família em tempos difíceis, já que podem servendidas em qualquer época do ano. A venda de carne, delã e de artesanato também representa uma importantefonte de renda e ajuda a reduzir os riscos inerentes à agri-cultura.

Uma combinação perfeitaAs raças locais de animais têm grande valor para

milhões de agricultores familiares pelo mundo afora. Emgeral, apresentam um desempenho produtivo muito supe-rior ao das raças “melhoradas” por se adaptarem bem aambientes naturais e sociais específicos. Nos Andes, as ra-ças locais de ovinos não fogem a essa regra, pois são muitorústicas e resistentes. Elas são adaptadas a climas extremosporque possuem boa capacidade termorreguladora. Supor-tam longas e cansativas caminhadas e estão acostumadas aterrenos íngremes e irregulares. Têm a capacidade de sobre-viver a períodos de escassez de alimento, pois se valem dasreservas acumuladas no corpo durante os períodos de abun-dância alimentar. Uma vez normalizada a oferta de alimen-tos, rapidamente recuperam as forças. Seu comportamen-to de forrageamento é muito eficiente, pois são capazes deencontrar alimento suficiente mesmo em áreas com vegeta-ção escassa, já que seus sistemas digestivos são adaptadosa diferentes tipos de vegetação local. Além disso, são resis-tentes a doenças infecciosas e parasitárias comuns na re-gião, como a Fasciola hepatica, e a problemas intestinaiscausados pelos vermes.

Raças locais de ovelhas têm boa capacidadereprodutiva, em parte porque as fêmeas entram no cio emqualquer estação do ano. Além disso, têm um instintomaternal bem desenvolvido. Podem ser ordenhadas facil-mente e possuem grande longevidade.

Essas extraordinárias característicasfísicas é o que torna essas raças impor-tantes economicamente para os agri-cultores. Com um mínimo de uso deinsumos externos, elas geram riquezasao se desenvolverem nas extensas áre-as que margeiam os altos dos Andes.Aproveitam-se dos restos de cultivo,como o restolho, as palhadas e as fo-lhagens verdes. Nessas condições, aovinocultura é uma atividade de fácilacesso às famílias, pois não demandamuito investimento.

Algumas tentativas de introdução de raças“melhoradas” de ovinos (Corriedale ou Hampshire Down)foram feitas sem sucesso na região. Era previsível que es-sas raças não se adaptariam às condições locais, entre asquais as práticas tradicionais de manejo animal. Além dis-so, a carne dessas raças introduzidas não foi bem aceita

por ter um gosto mais forte e por ser mais gordurosa doque a das raças locais.

Superando a negligência

No Peru, as raças locais das espécies criadastêm sido constantemente negligenciadas pelas políticaspúblicas e pelos técnicos de campo. Isso também se aplicaàs ovelhas crioulas, apesar delas responderem pela princi-pal atividade pecuária no país. Essa negligência, expressana ausência de pesquisas e de programas de extensão orien-tados para a melhoria das práticas de manejo das raçaslocais, é responsável pela baixa produtividade dos reba-nhos ovinos. Altos níveis de consangüinidade são verifica-dos nos rebanhos em razão da ausência de medidas demanejo voltadas para a seleção e o melhoramento da espé-cie. Além disso, os agricultores tradicionalmente vêem suasovelhas como uma forma de poupança e não como ani-mais para fins de produção. Procedendo assim, no mo-mento da venda se desfazem dos animais maiores, geran-do, com o tempo, um processo de seleção negativa, o quetermina por reduzir a qualidade genética dos rebanhos e,por conseqüência, o seu potencial produtivo.

O programa de melhoramento gera cordeiros fortes e saudáveis

As raças locais de animais têmgrande valor para milhões de

agricultores familiares pelomundo afora. Em geral,

apresentam um desempenhoprodutivo muito superior ao das

raças “melhoradas” por seadaptarem bem a ambientesnaturais e sociais específicos.

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18 Agriculturas - v. 2 - no 4 - dezembro de 2005

Esse quadro começou a se alterar quando dife-rentes atores, entre eles os próprios agricultores, seconscientizaram da situação e iniciaram um trabalho vol-tado para o melhoramento das raças locais. Uma dessasiniciativas partiu da ONG Asociación Arariwa del Cusco eda Associação de Criadores de Ovinos Crioulos (Acoc).Juntas, as duas instituições identificaram três principaislinhas de trabalho: seleção e melhoramento de ovinos criou-los; capacitação de criadores; e acesso a nichos específi-cos de mercado. A partir daí, desenvolveram um programapara o melhoramento das raças locais nas regiões deQheswa e de Puna. Além das duas organizações, que as-sumiram a frente do processo, a Universidade Agrícola, oMinistério da Agricultura e outras ONGs também acaba-ram se envolvendo.

Melhoramento

As raças locais de ovelhas têm um grande po-tencial genético ainda inexplorado. Esse po-tencial se manifesta na alta variabilidade obser-vada nos rebanhos no que se refere à capacida-de leiteira, à fertilidade e às taxas de ganho depeso. Os membros da Acoc perceberam queera necessário implementar um sistema de tro-cas entre diferentes rebanhos para o melhora-mento das raças. Isso eliminaria o alto nível deconsangüinidade nos rebanhos, fator respon-sável pela redução da produtividade e pela gran-de incidência de defeitos genéticos. Estabele-ceu-se uma série de critérios para orientar o pro-

grama de melhoramento e torná-lo efetivo, en-tre eles:

• Eliminação dos defeitos genéticos mais comuns.• Seleção de fêmeas nos rebanhos com base na

produção de leite, peso vivo, na fertilidade eno peso total dos cordeiros desmamados pormatriz.

•Seleção de reprodutores com base no ganho depeso, no desenvolvimento e na conformaçãocorporal.

Nesse processo de seleção, especial cuidado foitomado no sentido de evitar a perda de traçosde rusticidade das raças locais.

Capacitação

O segundo objetivo da associação é promoveratividades de educação e capacitação para oscriadores, tanto homens quanto mulheres.Eles devem deixar de ser “donos de ovelhas”para se tornarem “criadores de ovelhas”. Essatransformação na percepção não ocorre do diapara noite e exige uma tomada de consciênciagradual e incremento de conhecimentos e téc-nicas por parte dos criadores. Esse processoprecisa ser facilitado por técnicos que possamcoletar e processar informações, para entãorepassá-las aos criadores. Estes, por sua vez,precisam aprender a perceber as mudanças einterpretá-las, para assim aprimorar seus co-nhecimentos. É um processo em que o criadore o animal se desenvolvem de forma conjunta.O técnico também interfere no processo demudança sociocultural, em que as práticas demanejo se adaptam e a relação com o mercadose estabelece.

As raças locais de ovelhastêm um grande potencial

genético ainda inexplorado.Esse potencial se manifesta na

alta variabilidade observada nosrebanhos no que se refere à

capacidade leiteira, à fertilidadee às taxas de ganho de peso.

Seleção de reprodutores

Seleção de reprodutores

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Comercialização

Outro objetivo da Acoc é obter melhores con-dições de venda de seus produtos. Para isso,procura obter melhor qualidade (animais paracorte ou reprodução) visando o alcance demelhores preços. O acesso aos mercados temcrescido por meio da participação em feiras lo-cais e regionais, onde os agricultores associa-dos podem oferecer produtos de boa qualida-de e mostrar que são bons criadores. Ao mes-mo tempo, a Acoc está tentando desenvolvercertos nichos de mercado. A carne de ovinoscrioulos apresenta diversas vantagens sobre acarne das ovelhas de raças introduzidas pro-duzidas nas fazendas modernizadas: é mais sa-borosa, é produzida na região e pode ser ven-dida como “ecologicamente produzida”.A ONG Arariwa permanece apoiando as ativi-dades da Acoc ao colocar um técnico à dispo-sição para monitorar e assessorar o programade seleção e melhoramento. Atua também nacapacitação técnica dos agricultores em temasrelacionados à saúde animal, alimentação, emanejo zootécnico em geral. Por fim, a enti-dade também presta assessoria ao programade comercialização.

Progressos e planos

A Acoc representa atualmente um total de 132criadores e utiliza 24 rebanhos para a seleção de animais.Durante os últimos dez anos de reprodução seletiva, a

média de peso dos cordeiros que nascem dessesrebanhos aumentou de 2,5 kg para 3,9 kg e o pesomédio das ovelhas (adultas) aumentou de 29,7 kgpara 37,3 kg. Além disso, o ganho diário de pesodos cordeiros passou de 97 g para 123 g.

Dez anos de seleção já resultaram numamelhora de diversas características re-lacionadas à produção e à fertilidadedas raças locais de ovinos. Na prática,isso significou um aumento na produti-vidade dos rebanhos e o incremento dolucro com a venda de reprodutores oude animais abatidos. Os membros daAcoc receberam capacitação na área dereprodução e em técnicas avançadas demanejo animal, ligadas à alimentaçãoe à sanidade. Atualmente, dominam osconhecimentos para realizar aperfeiço-amentos no manejo de seus rebanhos,tais como a seleção e a troca apropria-das de animais de reprodução, a elimi-nação de animais pouco produtivos e oscuidados veterinários elementares (con-trole de parasitas e dosagem adequadade medicamentos).

O primeiro passo foi dado no sentido de explo-rar o nicho de mercado relacionado ao fornecimento decarne “ecologicamente produzida” para restaurantes dealta-classe e para a indústria do turismo. Embora aindaexista muito progresso a ser feito nesse campo, a Acoc ea Arariwa acreditam que existe um potencial a ser apro-veitado. A carne ovina pode ser incluída no menu dosrestaurantes freqüentados pelos turistas. Para tanto, umobstáculo a ser superado é a implementação de uma ca-deia de produção que atenda às exigências sanitárias des-se mercado. Isso requer abatedouros adequadamenteprojetados e equipados para garantir a higiene; o uso detécnicas apropriadas de abate e corte; a secagem adequa-da e a conservação em ambientes refrigerados; e a adoçãode um sistema de distribuição e venda eficiente para osrestaurantes. Alguns avanços já foram alcançados nessesentido: chefs de restaurantes prestigiados da cidade deCusco receberam carne de cordeiros de três idades dife-rentes e a acharam excelente. Com isso, os restaurantestêm demonstrado interesse em apoiar o desenvolvimentode uma cadeia de produção que atenda aos seus critériosde higiene e qualidade.

*Bernardo Fulcrand Terrisse:Associação Arariwa

Av. Los Incas 1606, Cusco, [email protected]

Ovelhas crioulas pastejando

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arredor de casa éum espaço múlti-plo de grande im-

portância para todos os membrosdas famílias agricultoras do agresteda Paraíba. É lá que se fazem as ex-periências de plantio após as primei-ras chuvas e onde novas tecnologiassão testadas. É também o lugar de-dicado ao cultivo de plantas medi-cinais, da horta, de frutíferas, e àcriação de animais de terreiro. Nele,gera-se renda, recebem-se os vizi-nhos e educam-se os filhos e as fi-lhas. É, enfim, um grande laboratórioda vida para a agricultura familiar.

Foi valendo-se desse laboratório, resgatando evalorizando as práticas de manejo culturalmente empre-gadas pelas famílias, que a Comissão de Saú-de e Alimentação do Pólo Sindical e das Or-ganizações da Agricultura Familiar da Borbo-rema1 se estruturou para experimentar e dis-seminar conhecimentos inovadores voltadospara a promoção da segurança alimentar ehídrica na região.

Em Lagoa Seca, um dos municí-pios integrantes do Pólo da Borborema, osarredores das casas não se distinguem emessência dos de outros municípios da região.Entretanto, ao lançar um olhar mais atentoà evolução desses espaços, percebeu-se ocrescente comprometimento da criação de

aves, atividade fundamental para a dinâmica produtiva eeconômica das famílias agricultoras.

Para entender melhor as limitações e as poten-cialidades dessa atividade para a família e, principalmente,seus significados para o trabalho das mulheres, uma pesqui-sa sobre o manejo da criação de galinhas foi realizada, noinício de 2003. O estudo, conduzido pela AS-PTA, partiude uma demanda específica da Comissão de Mulheres doSindicato dos Trabalhadores Rurais de Lagoa Seca e serviupara orientar suas estratégias de ação no sentido darevalorização dos animais de terreiro no arredor de casa.

A criação de galinhas noarredor de casa

O dia começa muito cedo para a família agri-cultora de Lagoa Seca. Logo ao alvorecer, o galinheiro évarrido, os vasilhames são limpos e a água é renovada.Como prática corriqueira, coloca-se na água nova um pe-daço de casca de aroeira, um dente de alho ou sumo delimão para prevenir doenças.

No arredor de casa,os animais de terreiro

1 Fórum de Sindicatos de Trabalhadores Rurais, catequeses eassociações comunitárias de 16 municípios do agreste da Paraíba.

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Dona Ritinha e a instalação utilizada para criação de galinhas

Adriana Galvão Freire, Marilene Nascimento Melo,Fabiana dos Santos Silva e Elenice da Silva*

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Durante o período do “verão” – estação maisseca –, só as galinhas com pintos novos é que ficam presasno galinheiro. As outras são soltas de dia e aos poucos vãoocupando todo o terreno da família em busca de alimen-tos: do terreiro chegam até o roçado. Nessa época, prati-camente não se tem despesa com ração e o trabalho dimi-nui consideravelmente. À noite, as aves são presas e étambém o momento em que são observadas para saber seestão doentes, se já se alimentaram ou se estão entrandono choco.

Já no “inverno” – o período das chu-vas –, é preciso que a família diminuao número de animais. No galinheiro,deixam algumas poucas para “semen-te”. Aquelas mais bonitas, maiores,boas poedeiras e cuidadosas com seuspintinhos é que darão origem aos no-vos plantéis ao final da última colhei-ta. Em geral, essas “sementes” sãocolocadas em um pequeno espaço cer-cado por varas cruzadas, obrigando osanimais a ficar quase sem ar e luz. Éuma época de trabalho redobrado. Asagricultoras somam a busca de alimen-tação para as galinhas à rotina de suasatividades. Saem para pegar algumasplantas nativas, como olho-de-santa-luzia (Zebrina pendula Schum), erva-moura (Solanum nigrum L.), bredo(Amarantus hypocondriacus L.), majorgomes (Talinum paniculatum) e outrastantas. Mais recentemente, algumasfamílias também passaram a comprarmilho em grão ou em farelo para ali-mentar os seus plantéis.

Limitações da criação de galinhas

Os estabelecimentos familiares em Lagoa Secasão em geral bastante reduzidos. As terras das famíliasentrevistadas encontram-se na faixa entre 0,5 a 1 hectaree, sob essas condições, o roçado e o terreiro quase que seconfundem, comprometendo a estruturação e a organiza-ção das atividades do arredor da casa. Embora o terreironão desapareça por completo, suas potencialidades sãoextremamente limitadas por essa “disputa” por espaçocom os roçados.

Diante desse quadro, as aves são as primeirasespécies a serem eliminadas do sistema produtivo. O roça-do, sendo percebido como principal atividade produtiva,sobretudo pelos homens, acaba por se sobrepor nessa dis-puta implícita. Quando o roçado chega até a porta decasa, as galinhas deixam de ser reconhecidas como ativi-dade produtiva e econômica e passam a ser consideradasum estorvo. No “brejo”, região mais úmida do município,não é raro encontrarmos famílias que criam somente umaou duas galinhas amarradas pelos pés no terreiro de casa.Existem inclusive aquelas que já há alguns anos abando-naram por definitivo essa criação.

Embora seja um espaço no qual as agricultorasfazem o “dinheiro pequeno” ou de onde obtêm rendas não-monetárias que asseguram maiores níveis de autonomia ali-mentar para a família, o arredor de casa raramente é percebi-do e valorizado por sua importância econômica, tornando-se, por isso, vulnerável em face da pressão exercida pelanecessidade de terras para o plantio dos roçados.

Com a redução do espaço disponível para ocriatório das aves e para o plantio de culturas para alimen-tação das galinhas, aumentam as dificuldades de manejo.Torna-se dispendioso comprar complementação ou, àsvezes, a totalidade da alimentação, e agravam-se os pro-blemas de saúde das aves devido às precárias condiçõesdas instalações ou à inexistência delas.

A mudança nos padrões alimentares das famíliasé outro fator agravante desse quadro. A crescente facili-dade de consumir o frango de granja tem influenciadonegativamente no valor do criatório doméstico, na dinâ-mica produtiva familiar e, sobretudo, colocado em riscoos conhecimentos associados ao manejo das galinhas nosterreiros. Na medida em que se torna mais fácil a comprados galetos, considerados inclusive mais saborosos poralguns, as novas gerações têm se desinteressado de umaatividade que antes permitia, sobretudo às mulheres, acompra de objetos de desejo, de vaidade e, até, o financi-amento de estudos e viagens.

As bolsas distribuídas pelo Governo Federal,bem como os vencimentos provenientes da aposentado-ria, têm substituído o papel econômico antes desempe-

Embora seja um espaço no qual asagricultoras fazem o “dinheiropequeno” ou de onde obtêm rendasnão-monetárias que assegurammaiores níveis de autonomia alimentarpara a família, o arredor de casararamente é percebido e valorizadopor sua importância econômica,tornando-se vulnerável em face dapressão exercida pela necessidade deterras para o plantio dos roçados.

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nhado pela criação de galinhas. Os ovos,os frangos e as galinhas produzidas gera-vam um dinheiro líquido e certo, queatendia às demandas emergenciais e deconsumo da família, agora concedidopelos benefícios sociais. Eliminar essa ati-vidade significa também contribuir parareduzir a autonomia da mulher, subme-tendo-a à incerteza e, sobretudo, à lógi-ca de uso do recurso familiar agora admi-nistrado pelo homem.

O arredor de casa: umlaboratório da vida

A partir da análise coletiva dosresultados da pesquisa, as integrantes daComissão de Mulheres foram capazes depropor e promover transformações nascondições de produção e reprodução da vida material esocial das famílias agricultoras de Lagoa Seca.

Na medida em que os roçados avança-ram sobre os terreiros, foi preciso reor-ganizar e otimizar esse espaço. Nessesentido, a Comissão de Mulheres doSTR de Lagoa Seca passou a estimularações estruturadoras como o FundoRotativo de Telas. Reunidos em grupos,agricultores e agricultoras aprenderama confeccionar telas de arame galvani-zado e se organizaram para gerir coleti-vamente os recursos financeiros capta-dos para a construção dos cercados. Arestituição gradual dos recursos aos fun-dos se faz de acordo com as regrasestabelecidas por cada um dos grupos.

As telas de arame atendem às necessidades dasfamílias de forma diferenciada. Algumas utilizam as cercaspara organizarem uma horta de plantas medicinais, outraspara isolar o plantio de verduras, outras para separar áreasde pasto. Entretanto, a melhoria das instalações para ocriatório das aves foi a destinação preferencial dada aoscercados financiados por esses fundos rotativos solidários.Com um espaço isolado, as agricultoras puderam refazer eaumentar seus plantéis e melhorar a qualidade de seusanimais, minimizando muitas das dificuldades de manejosanitário e reprodutivo.

O resgate e a revalorização das raças locais, maisadaptadas às condições ambientais da região, foi outrotema incorporado aos debates da Comissão. Com o tem-po, os fundos rotativos passaram a incentivar o fomento

dessas raças mediante o repasse às famílias que se compro-metessem a devolver animais jovens para serem distribuí-dos a outras famílias.

A preocupação com a alimentação dos plantéistambém foi um assunto discutido. Além do resgate e davalorização do uso das plantas nativas, o grupo passou aestimular o plantio do guandu (Cajanus cajan, L.), do sorgo(Sorghum vulgare, L.) do girassol (Helianthus annuus L.),e de outras espécies com potencial para suprir as deman-das alimentares e eliminar as eventuais compras de raçãonos períodos secos do ano.

Um fundo rotativo de gansos foi também insti-tuído com o objetivo de viabilizar a posse desses animais,aumentando a segurança de seus plantéis. Repetindo o pro-cedimento antes colocado em prática com sucesso, para adisseminação das raças locais de galinhas, cada família con-templada por um casal de gansos assumiu o compromissode repor ao fundo outro casal jovem.

Para tratar dos temas relacionados à sanidadedas aves, o grupo de agricultoras promove reuniões e en-contros para o resgate e troca de plantas medicinais e dereceitas de remédios caseiros de uso veterinário, comohortelã (Mentha sativa) ou alho (Allium sativum L.) paravermes, limão (Citrus limonum), urucum (Bixa orellana)ou aroeira (Myracroduon urundeuva, Allemão) para gogo,mastruz (Chenopodium ambrosioides) para cicatrização e asfolhas de melão-de-são-caetano (Momordica charantia L.)ou fumo (Nicotiana tabacum L.), postas no ninho paraevitar o piolho.

A Comissão de Mulheres foi, assim, estruturandoum conjunto de ações visando à melhoria das condições decriação. O resultado mais visível foi o aumento da produçãode ovos e de carne de mais de 60 famílias do município.

A agricultora Lúcia alimentando suas galinhas

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Do arredor de casa para outrosespaços

Todo esse trabalho orientado para a valoriza-ção do arredor de casa favoreceu a intensificação das rela-ções das mulheres, seja em suas famílias ou nos espaçospúblicos. Ao assumirem o papel de agentes ativas nos pro-cessos de geração e disseminação de conhecimentos, elasforam se afirmando como experimentadoras e tendo suascapacidades enquanto agentes de desenvolvimento localreconhecidas pela família, por suas comunidades e organi-zações.

Pouco a pouco o quintal foi saindo da invisi-bilidade e passando a ser reconhecido como elemento im-portante no sistema de produção. Não são raros os relatos

*Adriana Galvão Freire:assessora técnica da AS-PTA

[email protected]

Marilene Nascimento Melo:assessora técnica da AS-PTA

[email protected]

Fabiana dos Santos Silva e Elenice da Silva:estagiárias da AS-PTA, estudantes do curso de

Zootecnia da Universidade Federal da Paraíba, CampusAreia, e do curso técnico da Universidade Federal da

Paraíba, Campus Bananeiras

de maridos que passaram a ajudar a tomarconta desse espaço: cuidam da tela e dosanimais, buscam água, molham as plan-tas medicinais, ajudam a viabilizar novosexperimentos etc. Observa-se assim umrearranjo do trabalho familiar e o estabe-lecimento de relações mais solidárias en-tre os membros da família.

A melhoria dos criatórios per-mitiu que algumas agricultoras orientas-sem sua produção para a comercializaçãode ovos e carnes na Feira AgroecológicaMunicipal e, mais tarde, na Feira Agro-ecológica Regional. Tendo o domínio daprodução, assumem também a responsa-bilidade pela venda e asseguram sua auto-nomia no que se refere à decisão sobre odestino do dinheiro resultante do frutode seu trabalho.

Os resultados da pesquisa e, sobretu-do, as propostas inovadoras desenca-deadas em Lagoa Seca foram tambémdebatidas e construídas nas reuniõesrealizadas pela Comissão de Saúde eAlimentação do Pólo da Borborema.Ao lado de cada conquista individual,foram percebidas conquistas coletivas.Multiplicaram-se não só as práticas demanejo e melhoria dos arredores dacasa, mas também experiências organi-zativas semelhantes nos outros muni-cípios da região, fortalecendo um mo-vimento crescente do reconhecimentopúblico do papel estratégico da agri-cultora-experimentadora na agricultu-ra familiar.

As agricultoras Marlene, Donga e Vera apresentam os resultadosda pesquisa em reunião da Comissão de Saúde e Alimentação

Além do resgate e da valorização douso das plantas nativas, o grupopassou a estimular o plantio doguandu (Cajanus cajan, L.), do sorgo(Sorghum vulgare, Pers.), do girassol(Helianthus annuus, L.) e de outrasespécies com potencial para suprir asdemandas alimentares e eliminar aseventuais compras de ração nosperíodos secos do ano.

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competitividadedo mercado in-ternacional de ali-

mentos tem estimulado a intensifi-cação dos sistemas de produçãoanimal de grande escala, gerandocontrapartidas negativas no que serefere à qualidade nutricional e bio-lógica dos alimentos, aos custosenergéticos, sociais e ambientais,ao bem-estar animal e à estabilida-de das relações comerciais, fre-qüentemente expostas a embargoseconômicos e sanitários. Foi nessecontexto que a “avicultura indus-trial” tornou-se a maior fonte deproteína animal para o homem.

A avicultura brasileira se destaca mundialmen-te pelo emprego de tecnologias modernas e pelo volumede produção, sendo o estado de Santa Catarina o princi-pal produtor nacional. Organizada em sistema deintegração, a cadeia avícola industrial demanda a “parce-ria” de muitas famílias agricultoras e gera alta dependên-

cia de insumos externos às propriedades. Em defesa do“status” sanitário e do aumento de produtividade, essesistema tem exigido do produtor integrado freqüentesinvestimentos em melhorias tecnológicas: galpõesclimatizados ou automatizados, por exemplo, e o cum-primento de algumas normas de ordem restritiva, como aproibição da criação de animais de estimação e para con-sumo doméstico e o “controle” de visitas entre agricul-tores.

Apesar do preço popular dos produtos avícolasindustriais, o consumidor tem apresentado sinais de cres-cente rejeição a eles em razão da menor qualidade da car-ne e dos ovos, percebida no sabor, na consistência e nacoloração. Com efeito, se tratam de produtos que apre-sentam excesso de água e resíduos de antimicrobianosresultantes da extrema artificialização do sistema produti-vo. Com exceção do mito da utilização de hormônios naprodução de frango de corte, a imagem negativa que oconsumidor tem desses produtos é procedente.

Avicultura familiar agroecológica

Mesmo diante das questões assinaladas acima,a avicultura desponta no cenário como alternativa de ren-da e diversificação de atividades para agricultores familia-res excluídos do processo vertical de produção. Quando

*Nelton Antônio Menezes

Aviculturaagroecológica

no planalto sulcatarinense

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Unidade de avicultura agroecológica daestação experimental da Epagri em Cam-pos Novos-SC

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produzida em bases agroecológicas, a atividade possibili-ta, direta e indiretamente, maior valorização dos seus pro-dutos, atendendo a uma demanda crescente por alimen-tos saudáveis, produzidos regionalmente e com respeitoao ambiente e ao bem-estar animal. A aviculturaagroecológica representa ainda um importante resgatecultural, caracterizando-se como uma atividade prazerosae fundamental para a conservação da biodiversidade napequena propriedade rural. Embora encontrem dificulda-des para operar em grandes escalas, os estabelecimentosfamiliares apresentam requisitos necessários para o de-senvolvimento dessa atividade. Tanto é assim que estetem sido o principal segmento responsável pelo abaste-cimento do crescente mercado de produtos avícolas di-ferenciados.

Diversas iniciativas de produção ecomercialização de frango e ovos, pelaagricultura familiar, vêm se estrutu-rando em todo o Brasil. Atualmente,enquanto as normas da produção or-gânica ainda estão em fase de regula-mentação, apenas os produtos avícolas“tipo caipira/colonial” são oficialmen-te registrados. Outras denominaçõesregionais, como “natural, diferenciado,biológico, misto, verde e ecológico”,ainda não são reconhecidas pelo Minis-tério da Agricultura, Pecuária e Abas-tecimento (Mapa). Assim, a expansãoe a consolidação desse mercado depen-dem da superação de importantes de-safios, além da complexidade inerenteao processamento, legalização e co-mércio dos alimentos de origem ani-mal. Os principais obstáculos para aviabilização dessa cadeia avícola alter-nativa são:

• redução dos custos de produção, industrializa-ção e distribuição;

• adequação das agroindústrias de pequeno por-te às exigências dos serviços de inspeção esta-dual e federal;

• falta de fiscalização sobre o cumprimento dasnormas da Divisão de Inspeção de Produtos deOrigem Animal (Dipoa/Mapa) para a produ-ção de frango e ovos “tipo caipira/colonial”;

• falta de fiscalização e/ou normatização sobreos produtos indevidamente registrados (comoo caso das aves de descarte das granjas produ-toras de ovos e de reprodução);

• desconhecimento do consumidor sobre as parti-cularidades dos diferentes produtos, como nor-mas de criação, características organolépticas(sabor, aroma, cor e consistência), qualidadenutricional e benefícios sociais e ambientais.

Algumas iniciativas emSanta Catarina

Levantamentos realizados em Santa Catarinapor pesquisadores e extensionistas da Empresa de Pesqui-sa Agropecuária e Extensão Rural (Epagri), junto a pro-dutores e consumidores de diversos municípios, prio-rizaram as seguintes necessidades de pesquisa em avicul-tura agroecológica para corte e postura:

• avaliação de desempenho de linhagens “tipocaipira” comercializadas no estado;

• melhor aproveitamento de pastagens, piquetese áreas não-agricultáveis;

• viabilidade para instalações de baixo custo;

• alimentação alternativa, reduzindo custos e adependência de ração;

• utilização de fitoterapia e homeopatia no ma-nejo sanitário;

• resgate e melhoramento de matrizes “crioulas”e produção de pintos para consumo familiar;

• integração com outras criações e/ou culturas.

A Epagri, a partir do seu projeto AviculturaAgroecológica, desenvolve atividades de pesquisa e ex-tensão no sentido de contribuir com o atendimento des-

O consumidor, por sua vez, temapresentado sinais de crescente

rejeição aos produtos avícolasindustriais em razão da menorqualidade da carne e dos ovos,

percebida no sabor, naconsistência e na coloração.

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sas demandas. Os estudos se concentram na Unidade dePesquisa da Estação Experimental de Campos Novos-SC,mas também são realizados em parceria com produtoresindividuais ou em grupos, tanto para produção em escalacomercial como para o consumo familiar.

Duas importantes ações de fomento e pesquisaem produção agroecológica de frango e ovos têm mostra-do resultados muito promissores. A primeira é a realizadana Cooperativa de Produção Agropecuária do Assenta-mento 30 de Outubro (Copagro) e a segunda no Assenta-mento Sepé Tiarajú, ambos no município de Campos No-vos, maior produtor estadual de grãos, situado no planal-to sul catarinense.

A experiência da Copagro

O Assentamento 30 de Outubro, localizadoàs margens da BR-282, é formado por 86 famílias, divi-didas em três comunidades, que ocupam 511 ha. Cin-qüenta e nove famílias trabalham de forma individual(em lotes de 17 ha), enquanto 27 outras trabalhamcoletivamente. Destas, 17 decidiram fundar a Coopera-tiva. A principal fonte de renda dos produtores “indivi-duais” é a comercialização de grãos e leite. Os produto-res cooperados canalizam a venda de seus produtos(frango colonial, hortaliças, queijos e mel) em dois pon-tos de venda: a feira municipal da agricultura familiar(duas vezes por semana) e um quiosque na beira darodovia.

Nos últimos cinco anos, a Copagrotêm evoluído na produção e comercia-lização de frangos, criados em siste-ma semi-extensivo e conforme as nor-mas do Mapa. Produz uma média dequatro lotes de 600 frangos por ano,sendo que 30% é para consumo fami-liar e o restante é comercializado nomunicípio. Durante esse período, o gru-

po adquiriu bastante experiência. Jácriou diversas linhagens comerciais“tipo caipira” e híbridos industriais.Também começou a empregar diferen-tes modelos de galpões e piquetes, umsistema de aproveitamento de sub-produtos (horta e laticínios) e o prepa-ro de ração sem aditivo de anti-microbianos (utilizando o núcleo vita-mínico-mineral “natural”).

Eventualmente, as aves são vendidas vivas di-retamente para os consumidores, ou abatidas em um pe-queno frigorífico particular com inspeção estadual, nomunicípio de Luzerna. No entanto, devido aos altos cus-tos do abate terceirizado, as aves acabaram sendo abati-das e comercializadas informalmente.

Com o objetivo de legalizar esse processo e aten-der à crescente demanda de frango colonial, a Copagroestá em fase de organização técnica e gerencial paraviabilizar economicamente a produção, o processamentoe a comercialização. Para tanto, valendo-se de recursosdo Programa Nacional de Fortalecimento da AgriculturaFamiliar (Pronaf) e da Prefeitura Municipal de CamposNovos, construiu um abatedouro com capacidade inicialde 500 aves por dia. Todo esse processo organizacionaltem sido desenvolvido de forma participativa, com o apoioda Epagri, da Prefeitura e da equipe técnica da Cooperati-va de Trabalhadores da Reforma Agrária (Coptrasc).

A primeira meta é estruturar-se regionalmente,com uma produção mensal de quatro toneladas de frangocriado em consonância com as normas de produção do“frango caipira/colonial”, explorando o potencial e acei-tação da marca “Terra Viva” (representando diversos pro-dutos da Reforma Agrária de Santa Catarina). Após a es-tabilidade nesse mercado, e com a melhoria das capacida-des gerenciais e organizativas das cadeias produtivas e deprocessamento, o objetivo é atingir o mercado da capitalcatarinense, onde existe um excelente canal de venda, aFeira dos Produtos da Reforma Agrária.

Abatedouro deaves da Copagro

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A experiência no AssentamentoSepé Tiarajú

No Assentamento Sepé Tiarajú, os agriculto-res trabalham coletivamente na produção agroecológicade hortaliças, grãos, leite em pastoreio rotacionado (emprocesso de conversão), suínos para consumo e tambémem sistema de integração convencional, este na produçãode biogás. O trabalho visa o abastecimento de 20 famíliascom carne de frango e ovos (40 aves e 70 dúzias de ovos/mês).

Há dois anos foi iniciada a reestruturação dacriação avícola, priorizando melhorias das condições higiê-nico-sanitárias, organizando manejo de piquetes, sepa-rando aves por idade e espécie e investindo na produçãode pintos em incubadora artificial de pequeno porte. Asmatrizes e os reprodutores são selecionados do próprioplantel de híbridos comerciais “tipo colonial”, compradosuma vez ao ano para o abastecimento do sistema. A utili-zação de plantas para prevenção e controle de algumasenfermidades é rotina e tem se mostrado bastante eficien-te. Verificou-se, por exemplo, a redução de cerca de 70%na infestação de piolhos com o uso do alho (Allium sativum)na água, e da erva-de-santa-maria (Chenopodiumambrosioides), colocada na cama e ninhos.

A alimentação das aves é asseguradacom a produção local de milho e dehortaliças orgânicos. Apenas o farelode soja e o núcleo vitamínico-mineralnatural são adquiridos no mercado.Apesar de produzirem soja “orgâni-ca”, o processo térmico “caseiro” (for-no a gás ou a lenha) para desnaturaçãodos fatores anti-nutricionais é muitoinstável, comprometendo os níveisprotéicos da alimentação, principal-mente das aves jovens.

O grupo do Sepé nunca demonstrou interesseem produzir frango e ovos com objetivos comerciais, mas

*Nelton Antônio Menezes:médico veterinário,

Msc e pesquisador da Estação Experimentalda Epagri Campos Novos/SC

[email protected] - (49) 3541.0748

possui viabilidade técnica para tanto. Esse potencial po-derá ser explorado após a estruturação de um projeto deparceria que está iniciando com a Copagro.

Riscos para o avanço da atividade

O risco iminente de introdução do vírus dainfluenza aviária no país (entre outras enfermidades, comoa Newcastle) pode comprometer o status sanitário da avi-cultura e, portanto, provoca um grande questionamento:qual é o impacto potencial na produção agroecológicaque pode ser causado pelas medidas que vêm sendo pro-postas pelos setores industrial e de vigilância sanitária?

É fundamental que todos os segmentos (pro-dutores, defesa sanitária, instituições de pesquisa e ex-tensão – governamentais ou não –, indústrias e consumi-dores) participem efetivamente dessa discussão, para queo Plano Nacional de Sanidade Avícola/Mapa não descon-sidere esse importante setor produtivo em emergência nopaís. A produção de frangos de corte e ovos agroecológicosem escala comercial, ou para o auto-consumo das famílias,deve ser fomentada e administrada com seriedade, respei-tando principalmente sua viabilidade econômica e os pre-ceitos de biossegurança, visando a preservação do equilí-brio ambiental, a sanidade avícola e a qualidade de vida dafamília rural.

O risco iminente de introdução dovírus da influenza aviária no país

(entre outras enfermidades, como aNewcastle) pode comprometer o

status sanitário da avicultura e,portanto, provoca um grande

questionamento: qual é o impactopotencial na produção agroecológicaque pode ser causado pelas medidas

que vêm sendo propostas pelossetores industrial e de

vigilância sanitária?

Criatório noassentamentoSepé Tiarajú

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criação de peque-nos animais pelosagricultores fami-

liares do estado do Espírito Santo éuma atividade tradicional. Eles aconduzem de forma a adaptá-la es-trategicamente às flutuações ine-rentes aos ciclos da natureza e àsdiferenças entre os agroecossis-temas. Um exemplo dessas práticasde ajuste do manejo às condiçõesde conjuntura é a redução do núme-ro de animais e de espécies criadasnos períodos de escassez, principal-mente em ciclos de anos secos, e aposterior recomposição dos plantéisnas épocas de abundância. A flexi-bilidade no sistema de criação depequenos animais é o que o assegu-ra como elemento estrutural perma-nente nos agroecossistemas, por sercapaz de cumprir diferenciadas fun-ções em diferentes momentos. Emalguns locais ou em períodos de res-trição, atende fundamentalmente àsnecessidades de autoconsumo dasfamílias. Já em épocas do ano maisfavoráveis, constitui-se numa im-portante atividade geradora de ren-da monetária.

Para apresentar o contexto no qual a pequenacriação se insere nos sistemas produtivos do estado, des-tacaremos dois momentos recentes na trajetória da agri-cultura familiar capixaba.

O primeiro compreende as décadas de 1980 e1990. Foi caracterizado pelas intensas transformações dossistemas produtivos familiares, orientadas segundo osmoldes da lógica econômica empresarial, ou seja, pela ten-dência à especialização produtiva por meio de mono-cultivos, o que conduziu ao estreitamento da agrobio-diversidade, até então preservada e manejada nos agro-ecossistemas.

A criação de animais nos sistemas produtivosfoi a atividade mais afetada nos períodos em que amonocultura do café, a principal cultura do estado, pre-dominou mais fortemente, provocando uma redução dasáreas de plantio de gêneros voltados para o autoconsumodas famílias, como o milho e a mandioca, que também têmgrande importância na base alimentar das criações. Comesse processo, a manutenção de criações na propriedadefoi comprometida, levando muitas famílias, sobretudo ados meeiros, a adquirirem os produtos de origem animalno mercado.

Foi nesse contexto que os Centros EstaduaisIntegrados de Educação Rural (Ceier) e as Escolas FamíliaAgrícola (EFA) se inseriram. Ambos correspondem a mo-delos de educação rural diferenciada, já que se orientam apartir das necessidades efetivas da agricultura familiar,tendo como referência o desenvolvimento de uma agricul-tura alternativa ao padrão agroquímico, monocultor e so-cialmente excludente.

Desde 1982, com a implantação do primeiroCeier, a criação de pequenos animais mostrou ser umaprática essencial para a integração das atividades agríco-

Revalorizandoas pequenascriações naagriculturafamiliarcapixabaMarcia Neves Guelber Sales, Ricardo Bezerra

Hoffmann, Rogério Durães de Oliveira eEduardo Ferreira Sales*

Agricultor Lourival Ramlow distribuindo rami às galinhas

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las desenvolvidas nos Centros. Consolidou-se tambémcomo importante estratégia para a apropriação de práti-cas agroecológicas pelos agricultores, como os quebra-ventos, emprego de leguminosas como adubos verdes e acompostagem, que são fundamentais na conservação erecuperação dos solos já depauperados da região. Muitasespécies empregadas como adubos verdes e quebra-ven-tos também fazem parte das opções para a alimentaçãoanimal, o que contribuiu bastante para a sua melhor acei-tação. Além disso, a visibilidade dos efeitos dessas práti-cas se dá em prazo mais longo do que a criação de peque-nos animais, que proporciona retornos mais imediatos econstantes para a alimentação da família e para a geraçãode renda.

Nas escolas, a criação de pequenos animais in-tegra a experimentação de várias práticas agroecológicas,como o processamento de alimentos para a fabricação derações caseiras, a zoofitoterapia e o uso da cerca elétricano manejo dos animais em campo. Ao envolver a partici-pação direta de alunos, professores, estagiários e pais, es-sas criações podem ser analisadas a partir das múltiplasfunções que cumprem nos sistemas de produção, o quefavorece o exercício da interdisciplinaridade e do enfoquesistêmico no processo educacional. Além da função quedesempenha no processo de formação dos alunos, a ma-nutenção desses criatórios vem se revelando como o meiomais econômico e saudável para fornecer carne, ovos, lei-te e mel para as cerca de 150 crianças que estudam emcada Centro anualmente.

O papel dos Centros no estímulo à criação depequenos animais talvez tenha sido mais efetivo quandoas comunidades do entorno eram diretamente envolvidas.As principais ações desenvolvidas para esse fim foram osrepasses de matrizes e reprodutores, de ovos galados epintos de um dia mediante a venda a preços acessíveis ouà base de troca com as famílias interessadas. Outro impor-tante meio adotado foi a formação dos agricultores – ho-mens, mulheres e jovens – por meio de palestras, oficinas,cartilhas, cursos e mutirões. Esses processos de capacitaçãoforneceram informações fundamentais que, junto com osrepasses de animais, se constituíram em um grande apoioàs famílias na condução da criação de forma sustentável eeconômica.

Pólos de reprodução daraça sorocaba

Desde o princípio de seus trabalhos nesse cam-po, as escolas tinham claro que a estratégia, orientada paraa revalorização da criação de pequenos animais pelas famí-lias agricultoras, deveria ir além da disseminação de práticasinovadoras de manejo alimentar e sanitário. A adoção deraças puras, rústicas e produtivas seria também um compo-nente essencial para que as famílias obtivessem maior auto-nomia tecnológica, com a possibilidade de reproduzirem

seus próprios animais e de aproveitarem resíduos de outrossubsistemas para o suprimento alimentar dos plantéis.

Introduzido pelos Centros em 1987, o porcosorocaba vem sendo mantido e repassado aos agricultorese a outras instituições, que vêem em suas característicasde rusticidade, prolificidade, qualidade de carne e facilida-de de manejo as condições ideais para a criação de suínoscom base nos recursos da propriedade.

O interesse dos agricultores pela raça motivoua Associação Escola Comunidade do Ceier de Boa Espe-rança a desenvolver, em 1993, o projeto “Pólos de Repro-dução da Raça Sorocaba”. Os Pólos, que a princípio fo-ram três, eram constituídos por grupos de seis a dez famí-lias. Para cada uma delas era repassada uma matriz. Oreprodutor atendia ao grupo de matrizes e as despesascom sua manutenção eram divididas pelas famílias. Osplantéis dos Pólos eram formados evitando-se relações deparentesco entre as matrizes e o reprodutor. Para tanto,os descendentes eram marcados de forma a orientar omonitoramento dos futuros acasalamentos.

Os Pólos permitiram que as famílias que delesparticipavam iniciassem a criação de suínos ou aperfeiçoas-sem o sistema de produção já existente. Além da melhoriada qualidade da alimentação das próprias famílias, essaestratégia contribuiu para o repasse de leitões para a for-mação de novos Pólos, já que cada beneficiário inicial as-sumia o compromisso de devolver ao projeto quatro lei-tões, sendo dois em cada cria. Com a qualidade genéticagarantida, as famílias aumentaram a rentabilidade da cria-ção de suínos, na medida em que reprodutores e matrizespuros alcançam preços bastante superiores aos dos leitõesdestinados ao abate. Com o passar do tempo, esse proces-so favoreceu a disseminação da raça em outros municípiosdo estado. No final de 1996, havia seis pólos implantadose 52 famílias participando, cada qual com uma matriz.Destas, 36 já haviam reproduzido e desmamado 668 lei-tões (Guelber Sales, 1996).

Os Pólos permitiram que as famíliasque deles participavam iniciassem a

criação de suínos ou aperfeiçoassem osistema de produção já existente.

Além da melhoria da qualidade daalimentação das próprias famílias, essaestratégia contribuiu para o repasse de

leitões para a formação de novosPólos, já que cada beneficiário inicial

assumia o compromisso de devolver aoprojeto quatro leitões, sendo

dois em cada cria.

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Avicultura agroecológica:redescobrindo funções

No final da década de 1990, verificou-se umprocesso de revalorização da agricultura familiar e do seumodo de produção. Com isso, houve um despertar para anecessidade de alteração nos rumos da condução dos sis-temas agrícolas e da concepção das políticas voltadas paraesse setor. A partir daí, torna-se crescente o número deagricultores que promovem a transição de seus agro-ecossistemas para padrões da agricultura de base ecológi-ca. A diversificação de atividades para a geração de rendapassa a ser uma busca contínua, sobretudo como formade garantir rendimentos mais distribuídos ao longo do ano.Exemplo disso, é a produção orgânica, mais valorizadapela sociedade.

Foi nesse contexto que um projeto voltado parao desenvolvimento da criação de galinhas em sistemas sus-tentáveis foi implementado pelo Instituto Capixaba dePesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper),pelos Ceier e pela Associação de Programas em Tecno-logias Alternativas (APTA).

O município de Vila Pavão foi onde as ações doprojeto tiveram maior visibilidade. O Grupo Cocoricó, for-mado por nove famílias assessoradas pela Secretaria Muni-cipal de Agricultura e Meio Ambiente, em parceria comentidades governamentais e da sociedade civil1, se organi-zou e se capacitou, em 2003, para a implantação de siste-mas de produção comercial de ovos do tipo caipira. Atual-mente, cada família cria em média mil galinhas da linha-gem Isa Brown.

Desde então, a avicultura de base ecológicapassou a ser percebida como opção viável para a diversifi-cação da renda na agricultura familiar. Além da demandacrescente por frangos e ovos do tipo caipira ou orgânico

nos mercados, a atividade é facilmente assimilada pelamaioria das famílias agricultoras, inclusive por aquelas quetêm restrições em termos de área ou de oferta alimentarpara sustentar criações de espécies de maior porte, como,por exemplo, de suínos.

A atividade proporcionou melhoria efetiva naqualidade de vida e na renda das famílias envolvidas. Se-gundo a agricultora Neuvina Tressmann Ramlow, “o tra-balho com galinhas está sendo bom porque a gente podetrabalhar na sombra”. Ela, o esposo Lourival e boa partedos moradores de Vila Pavão são descendentes depomeranos, um grupo altamente suscetível ao câncer depele devido aos efeitos do sol inclemente na região.

O bem-sucedido trabalho dessas famílias de VilaPavão vem estimulando em todo o estado o desenvolvi-mento da atividade por outras famílias, individualmenteou reunidas em grupos.

Outro fator favorável à criação de aves tem sidoo reconhecimento das múltiplas funções que a galinhadesempenha nos sistemas em processo de reconversãoagroecológica. A avicultura caipira e orgânica se integrabastante bem a outras importantes atividades produtivasnas propriedades da agricultura familiar no Espírito San-to, tais como a fruticultura, a olericultura e a cafeicultura.Além de fornecer esterco aos cultivos, a avicultura é sub-sidiada pelo aproveitamento dos restos de plantios e dosrefugos de frutas e hortaliças comercializadas. Assim, aatividade que tradicionalmente é administrada pelas mu-lheres e jovens agricultores passa a ter o seu papel reco-nhecido na geração de renda e valorizada como forma deocupação.

Há ainda outras vantagens da associação degalinhas com lavouras que têm despertado o interesse dosagricultores. Ao adotarem o sistema “trator de galinhas”,as famílias tiram partido dos “serviços” ecológicos presta-dos pelas aves, seja por “capinarem” as roças ou por con-trolarem brocas, lesmas e outros insetos nas lavouras(Guelber Sales, 2005).

O “trator de galinhas” e sua grande aliada, acerca elétrica, empregados em cafezais, são práticas quevêm sendo apresentadas por meio de capacitações e ofici-nas realizadas em todo o estado pelo Incaper, em parceriacom prefeituras e organizações ligadas aos movimentossociais. Para o agricultor Ailton Manzolli, do Grupo deAgricultura Familiar Orgânica “Koomaya”, do municípiode Jaguaré, “se os frangos fizerem a capina do café, eu jáfico satisfeito”. Ailton reservou em sua propriedade umhectare de café para conduzir, juntamente com outroscompanheiros e companheiras, uma Unidade de Experi-mentação Participativa desse sistema. No momento, a áreaabriga o segundo lote de criação de frangos de corte.

Outro grupo que vem desenvolvendo experiên-cias com a criação de galinhas é o dos agricultores orgâni-cos de Santa Maria de Jetibá, na região serrana. O agricul-tor Admir Rossmann, membro da Associação deCertificação de Produtos Orgânicos Chão Vivo, mais uma

1A parceria é composta pelo Incaper, o Ceier de Vila Pavão, a Fundação LuteranaSementes, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e o Conselho Municipal de Desen-volvimento Rural Sustentável.

Casal Ramlow, integrante do Grupo Cocoricó com frangas dacriação

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parceira do Incaper na realização desse trabalho, utiliza acerca elétrica e outras práticas agroecológicas voltadaspara a alimentação de 250 aves de postura em conversãopara o sistema orgânico. Admir já obteve a certificaçãoorgânica da cultura do café, atividade que também de-senvolve em sua propriedade de 17,1 hectares. Agora,busca a certificação da criação animal, atividade de gran-de importância para sua estratégia de diversificação darenda e de sustentabilidade econômica da propriedade.

Cumprindo etapas esuperando desafios

A cada etapa cumprida, são novos os desafioscolocados para o alcance de maiores níveis de susten-tabilidade dos sistemas de criação da agricultura familiarcapixaba. A alimentação apresenta-se como um dos prin-cipais desafios para a criação de pequenos animais. Nocaso das aves e dos suínos, a questão é particularmentedifícil nas regiões do estado que enfrentam adversidadesclimáticas mais agudas. Para lidar com o problema, o ta-manho dos plantéis é um dos fatores a ser considerado.Embora a atividade seja lucrativa, ela não deve permane-cer dependente de insumos externos. Portanto, o (re)di-mensionamento da criação deve levar em conta a capaci-dade dos sistemas produtivos de proporcionar a alimenta-ção necessária, se quisermos caminhar na direção dasustentabilidade.

Outro desafio a ser enfrentado está relaciona-do ao acesso das famílias a recursos genéticos de animaisadaptados, produtivos e de baixo custo. Apesar dos esfor-ços que vêm sendo realizados pelos Ceier e outras institui-ções, como o Centro de Ciências Agrárias da UniversidadeFederal do Espírito Santo (CAA-UFES) e o Grupo de Agri-cultura Ecológica Kapi’xawa, e do crescente interesse dos

agricultores, expresso nas listas de espera por leitões nosCeier, perdura o risco de desaparição da raça sorocaba emrazão das limitadas taxas de renovação de reprodutores ematrizes (Siqueira, 2005).

No caso da avicultura, tanto de corte como depostura, a questão é mais complexa. As linhagens adotadasnos sistemas agroecológicos, embora adaptadas a esseenfoque de produção, são híbridas e, como tal, devem seradquiridas a cada renovação de plantel. Esse fato geratotal dependência dos agricultores, que atualmente pa-gam entre R$ 1,50 a R$ 2,00 pelo pinto de um dia.

Como podemos observar, as experiências oraapresentadas não são estanques, mas seguem uma dinâ-mica própria. Os diferentes níveis dessa transição exigemreflexão e avaliação contínuas dos agricultores e das insti-tuições que os acompanham nessa caminhada. De certomodo, esta reflexão tem sido feita e conduz a novos pas-sos, mesmo que sejam para a correção de rumos.

A despeito da importante contribuição que asinstituições aqui referenciadas vêm dando para o desen-volvimento sustentável da criação de pequenos animaisno estado, acreditamos que a existência de uma educaçãorural diferenciada e de qualidade foi e será decisiva paraque as pequenas criações estejam sempre presentes natrajetória dos agricultores familiares.

*Marcia Neves Guelber Sales :pesquisadora do Incaper

[email protected]

Ricardo Bezerra Hoffmann:professor de zootecnia do Ceier de Boa Esperança

[email protected]

Rogério Durães de Oliveira:extensionista do Incaper

[email protected]

Eduardo Ferreira Sales:pesquisador do Incaper

[email protected]

O agricultor Ailton Manzolli com frango do primeirolote criado em seu cafezal

ReferênciasGUELBER SALES, M.N. Sistematização das ex-periências dos PRRS - Pólos de reprodução da raçaSorocaba. Vitória: Incaper, 1996. 18 p.Mimeografado

. Criação de galinhas em sis-temas agroecológicos. Vitória: Incaper, 2005.287 p.

SIQUEIRA, H.M. et al. Sustentabilidade da agri-cultura familiar e formação profissional no CCA-UFES. In: III CONGRESSO BRASILEIRO DEAGROECOLOGIA, 2005, Florianópolis, SC.

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Publicações

Criação de galinhas emsistemas agroecoló-gicos.

GUELBER SALES, M.Vitória, ES: Incaper,2005. 284 p.

O livro traz uma abor-dagem sistêmica da cria-ção de galinhas, remon-

tando às suas origens e história e enfocando as-pectos conceituais, tecnológicos e ético-sociaisda avicultura de base ecológica.

The chicken book.

SMITH, P.; DANIEL, C. Athens: University ofGeorgia Press, 2000 (1975). 380p.

A galinha, personagem central deste livro, é abor-dada de forma sistêmica e interdisciplinar, nosaspectos culturais, históricos, religiosos, biológi-cos e técnicos de sua criação. Do ponto de vistahistórico, os autores dão ênfase ao processo demodernização da avicultura americana, descre-vendo em detalhes as mudanças técnicas e astransformações dos sistemas produtivos até adécada de 1970. A progressiva perda de impor-tância (status) da galinha reflete também as con-seqüências sociais desse modelo de desenvolvi-mento, que levou ao desaparecimento de milhõesde criadores em pequena escala. Não é um ma-nual de criação, mas, antes, resgata a maneira depensar e de abordar diferentes pontos de vista dosnaturalistas pré-cartesianos, mantendo a consciên-cia da unidade no estudo das partes.

Queridos animais:relação humanos eanimais, novas áreasprofissionais sob en-foque ecológico.

ESCOSTEGUY, A.(coord.) Porto Ale-gre: L & PM, 1997.202p.

Coletânea de artigosque abordam a pro-dução animal sob

uma perspectiva ecológica. Trata de temas comobiotecnologia e bioética, biodiversidade e animaisem extinção, agropecuária ecológica, homeopatiana medicina veterinária, acupuntura, quiropráticae plantas medicinais, bem-estar animal e produ-ção de alimentos ecológicos, além de abordar osaspectos jurídicos relacionados a estes temas.

Vida e criação de abelhas indígenas sem-ferrão.

NOGUEIRA NETO, P. São Paulo: Nogueirapis,1997. 446 p.

Relata, com linguagem acessível, os aspectosmais importantes da vida dos Meliponíneos, asabelhas sem-ferrão tropicais e subtropicais. Indi-ca métodos de criação e apresenta informaçõessobre conservação e pasteurização do mel. Infor-mações detalhadas sobre a construção de colméiasracionais são apresentadas.

Aqüicultura e desenvolvimento sustentável.

ARANA, L.V. Florianópolis: UFSC. 310p.

Apresenta informações importantes sobre a aqüi-cultura, fornecendo subsídios para orientar polí-ticas de desenvolvimento dessa atividade em fun-ção de realidades sociais, econômicas e ambien-tais. Estudos de casos envolvendo cultivos demexilhões e de carcinocultura marinha convenci-onal e não-convencional são apresentados.

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Revista Agroeco-logia Hoje.

Ano III, nº 18, Janei-ro/Fevereiro 2003.Criação Orgânica deAves.

Esse número do pe-riódico é dedicado àcriação orgânica deaves. Traz diversos ar-tigos e informações

sobre a criação natural de frango, instalações emanejo dos plantéis, principais raças para a pro-dução familiar, homeopatia, fitoterapia e o mer-cado para frangos e ovos.

Os animais na agricultura sustentável.

KHATOUNIAN, Carlos Armênio. (disponível nosite www.guiabioagri.com.br/content/view/62/2/)

Enfoca os animais no agroecossistema a partir desuas funções ecológicas, em particular na manu-tenção de sua fertilidade. A integração lavoura-criação é defendida como medida para o aprovei-tamento econômico da biomassa vegetal produ-zida nas unidades de produção.

Gracias a los ani-males. Análisis de lacrianza pecuaria fa-miliar en Latino-america, con estu-dios de caso en losvalles y el altiplanode Bolivia.HOOFT, K. van’t.C o c h a b a m b a :AGRUCO/CIGAC,2004. 480p

Coletânea de textos sobre experiências de famílias,técnicos e organizações nos vales e altiplanos daBolívia com criação de diversas espécies de ani-mais. Faz uma diferenciação entre o mundo oci-dental e o andino sobre a tecnologia utilizada e omodo de vida da população. Apresenta estudosde caso sobre a pequena criação animal familiarde vacas leiteiras, gado de corte, aves, ovelhas,cabras, lhamas, alpacas, porquinhos-da-índia, coe-lhos angorá, abelhas e peixes.

Forragens fartas na seca.

GOMES, P. São Paulo: Nobel, 1977. 4. ed. 236p.

Enfatiza as espécies forrageiras arbustivas, abor-dando aspectos como o manejo dos pastosarbóreos nativos e a implantação de pastagensarbóreas. São descritas a composição broma-tológica e formas de cultivo e utilização de maisde 30 espécies de plantas nativas ou introduzidas,que se caracterizam pela rusticidade e resistênciaà seca. Entre elas estão leguminosas arbustivas,palmáceas, cactáceas e gramíneas.

Armazenamento de forragens para a agricultu-ra familiar.

Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Gran-de do Norte – EMPARN, Natal. 40p.

Trata-se de uma coletânea de tecnologias de bai-xo custo para o armazenamento de forragens e aalimentação animal. Destacam-se o emprego doxique-xique e do feno da flor de seda, a ensilagemem silo cincho e silo de superfície e as instala-ções e equipamentos rústicos para caprino-vinocultura.

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Páginas na internet

www.webbee.org.br/

www.cpatu.embrapa.br/paginas/meliponicultura.htm

Página da Embrapa Amazônia Oriental que trata da cria-ção de abelhas indígenas sem ferrão. Apresenta uma sín-tese das espécies, a morfologia, comportamento e nichodas abelhas. Além disso, oferece ao visitante um guia comas principais espécies de plantas que são visitadas por abe-lhas, métodos de criação, um resumo com as principaisleis que regulamentam a criação de abelhas silvestres e umálbum com fotografias das principais espécies. Fornecetambém informações sobre cursos de meliponicultura eoutros links sobre o tema.

A WebBee é uma rede de informações sobre a bio-diversidade brasileira em abelhas. Ela se propõe a ser umlocal de integração das informações sobre a biologia e acriação das diversas espécies de abelhas e sobre seushabitats, englobando textos, imagens e vídeos voltadospara diversos públicos. Além de um banco de dados sobreas espécies conhecidas, disponibiliza material didático paraeducação à distância, visando atender à demanda por con-teúdos em português e também em outras línguas. Pelasua página, a WebBee pretende estimular a implemen-tação de uma rede virtual, aberta a pesquisadores e espe-cialistas em criação de abelhas, para a geração e aplicaçãodesses conteúdos digitais, disponibilizando-os numa mes-ma plataforma de software na internet.

www.vsfe.org

Veterinários Sem Fronteiras é uma organização internaci-onal sem fins lucrativos que acredita que a soberania ali-mentar da maioria das populações carentes pode seralcançada através da criação doméstica de animais. Tra-balha nas áreas de capacitação agropecuária, controle dedoenças animais, incremento sustentável da produçãoanimal, tração animal, comercialização pecuária e de sub-produtos, produção e conservação de forragem e gestãode recursos naturais. A página está disponível em seis lín-guas, entre elas inglês e espanhol.

lead.virtualcentre.org

O Lead (Livestok, Environment and Development – cria-ção animal, meio ambiente e desenvolvimento) é um pro-jeto multi-institucional orientado para promover sistemasde produção animal ecologicamente sustentáveis. Lidera-do pela Organização para a Agricultura e Alimentação dasNações Unidas (FAO), o projeto procura evidenciar asconseqüências ambientais e sociais negativas das práticasde pastoreio intensivo e dos sistemas agropecuários in-dustriais. A página está disponível em cinco línguas, entreelas inglês, francês e espanhol. É possível ter acesso a umagaleria de fotos sobre o tema, a uma biblioteca virtual comdiversas publicações e a um boletim eletrônico.

www.ethnovetweb.com/

Página dedicada à medicina etnoveterinária. Enfatiza omodo como as pessoas no mundo mantêm seus animaisprodutivos e saudáveis. Contém uma introdução aos prin-cípios da etnoveterinária e disponibiliza publicações e in-formações sobre projetos na área.

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EventosJa

neiro

Mar

ço

Fórum Social Mundial – FSMData: janeiro a março de 2006Local: Caracas, Venezuela; Bamako, Mali; Karachi, PaquistãoInformações: www.forosocialmundial.org.veA sexta edição do Fórum Social Mundial será policêntrica, ou seja, ocorrerá de forma descentralizada, em diferenteslugares do mundo: de 24 a 29 de janeiro de 2006 acontecerá o capítulo Américas e o II Fórum Social Américas, emCaracas, Venezuela; nos dias 19 a 23 de janeiro em Bamako (Mali/África); e, no mês de março, em Karachi(Paquistão/Ásia). O Fórum Social Mundial é um espaço de debate democrático de idéias, de formulação depropostas, troca de experiências e articulação de movimentos sociais, redes, ONGs e outras organizações dasociedade civil que se opõem ao domínio do mundo pelo capital. Caracteriza-se também pela pluralidade e peladiversidade, tendo um caráter não-confessional, não-governamental e não-partidário. Propõe facilitar a articula-ção, de forma descentralizada e em rede, de entidades e movimentos engajados em ações concretas, em nível localou internacional, para a construção de um outro mundo.

Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento RuralData: 7 e 10 de março de 2006Local: Porto Alegre (RS)O Brasil sediará a Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural promovida pelaOrganização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), reunindo representantes de mais de198 países. Após 26 anos da realização da primeira Conferência, a proposta desse encontro é discutir reformaagrária e desenvolvimento rural como políticas de redução da pobreza, principalmente nos países mais pobres, erealizar um debate aprofundado sobre uma agenda da reforma agrária, considerando-a como meio indispensávelpara o combate à fome e para o desenvolvimento rural.

COP 8 e MOP3 – 8a Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológi-ca e 3a Reunião dos Países Membros do Protocolo de Cartagena sobre BiossegurançaData: 13 e 30 de março de 2006Local: CuritibaInformações: www.biodiv.orghttp://www.wwf.org.br/wwf/opencms/site/list_news.jsp?channelId=1080&newsChannelId=1081O Brasil sediará a 8ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP 8) e a 3ª Reuniãodos Países Membros do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (MOP 3). Esses eventos, promovidos pelaONU, buscam a sensibilização e o comprometimento das nações para a implementação de medidas que diminuamo ritmo da perda de diversidade biológica e promovam a proteção do patrimônio genético natural. O Brasil integraa Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) desde 1994. Pretende-se reunir cerca de três mil pessoas de 200países.

Chamada para participação em Fórum da Sociedade Civil Durante a COP 8 emCuritibaLocal: CuritibaInformações: http://www.fboms.org.br/gtsocio/socio_COP8chamada.htmO Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (FBOMS) estáconclamando as organizações da sociedade civil e movimentos sociais e populares para participar do Fórum daSociedade Civil durante a MOP 3 e a COP 8. Esse Fórum será um espaço de articulação de ONGs e movimentossociais de todo mundo, destinado a incidir politicamente nas negociações e nas posições dos países no sentido defortalecer a Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB) e o Protocolo de Cartagena. Para tanto, elaborarápropostas e estratégias, bem como intervenções efetivas na realização da MOP e COP, visando dar voz aosmovimentos sociais e reforçar a importância da agenda do uso sustentável dos recursos, do direito de acesso arecursos genéticos e da garantia do conhecimento tradicional sobre a agenda do livre comércio e do neoliberalismo.Esse será também um momento para articulação, mobilização e criação de campanhas de sensibilização.

Associação Brasileira de Agroecologia cria Comissão Temática de PecuáriaEcológiaPor ocasião do III Congresso Brasileiro de Agroecologia, realizado em outubro último, em Florianópolis, a ABA-Agroecologia criou um espaço próprio destinado a estimular a participação e melhorar a articulação dos profissio-nais que já vêm atuando ou que tenham interesse em atuar na promoção da pecuária ecológica, a CT-Animal. Oobjetivo da Comissão é identificar, discutir, compartilhar e propor ações relacionadas à inserção de sua temáticaespecífica nas políticas públicas, especialmente na pauta das instituições de ensino e de fomento à ciência e àtecnologia. A comissão está dando os seus primeiros passos no sentido de se estruturar e, provisoriamente, poderáser contatada por intermédio de Angela Escosteguy pelo e-mail [email protected].

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1. Os artigos deverão descrever e analisar experiências con-cretas, procurando extrair delas ensinamentos que pos-sam servir de inspiração para outros grupos envolvidoscom a promoção da Agroecologia. Solicita-se que os arti-gos não sejam elaborados em formato de relatórioinstitucional.

2. Os artigos devem ter uma extensão de 1, 2 ou 3 laudasde 2.100 toques (30 linhas x 70 toques por linha). Artigosque extrapolem essas dimensões não serão analisados.

3. Os artigos deverão vir acompanhados de duas ou trêsilustrações (fotos, desenhos, gráficos), com indicação dosseus autores (fotógrafo, artista gráfico etc) e com as res-pectivas legendas. Todo material gráfico será devolvidoaos autores(as) após a edição da Revista. Se o materialgráfico for enviado em formato digital, solicitamos que osarquivos estejam com extensão JPEG de, no mínimo, 350

Instruções para a elaboração dos artigos dpis para uma ilustração escaneada e uma dimensão late-ral de, no mínimo, 15 cm.4. A citação de nomes comuns de plantas e/ou animaisdeve vir acompanhada do respectivo nome científico. Si-glas devem vir acompanhadas de seu significado.5. Caso julgue necessário, o editor da revista poderá proporuma edição do artigo ou uma solicitação de informaçõescomplementares aos autores(as). Quaisquer alterações pro-postas serão submetidas à aprovação dos autores(as) antesda publicação.6. Os autores(as) deverão informar seu endereço (postal e/oueletrônico) de forma a facilitar eventuais contatos diretos deleitores interessados em conhecer mais a respeito das experiênci-as apresentadas.7. As citações bibliográficas não deverão exceder ao núme-ro de 4 (quatro).8. Os editores se reservam o direito de decidir pela publi-cação ou não do artigo enviado.

Divulgue suas experiências nas revistas Leisa

Convidamos pessoas e organizações do campo agroecológico brasileiro a divulgarem suas experiências na RevistaAgriculturas: experiências em agroecologia (edição brasileira da revista Leisa), na Leisa Latino-Americana (editadano Peru) e na Leisa Global (editada na Holanda).

Próximo número (v. 3, nº 1)Tema: Das experiências às políticas públicas. Relaçõesentre sociedade e Estado na promoção do desenvolvi-mento agroecológico.

As políticas públicas tiveram e ainda mantêm um papelessencial na definição dos rumos da agricultura. As ori-entações adotadas nas legislações e pelos sucessivosgovernos, em várias instâncias, moldaram, por ação ouomissão, os padrões dominantes de acesso e de manejodos recursos produtivos.Ao longo do último século, políticas de pesquisa, cré-dito, ensino, assistência técnica, de reforma agrária,comercialização, preços e agroindustrialização, dentreoutras, deram a cara atual do modelo dominante naagricultura. Outras políticas, relacionadas à sanidadedos alimentos e ao meio ambiente também foramestabelecidas, muito embora nem sempre tenham tidoefeitos práticos.A expansão das práticas agroecológicas nos últimos 10anos tem resultado fundamentalmente da capacidadede iniciativa das organizações dos produtores e da soci-edade civil. Em que pese algumas medidas governa-

mentais pontuais muito recentes de fomento, a inten-sificação dessas práticas no nível nacional tem se efeti-vado apesar das políticas do Estado. Mais ainda, orga-nizações e redes de produtores e da sociedade civil,nos níveis local, estadual e nacional, têm conseguidovalorizar as experiências em curso nas distintas regiõesdo País, para influenciar as políticas públicas. Pelomenos em parte, elas têm alcançado resultados positi-vos. Ao mesmo tempo, acumulam um tipo novo deexperiência de relações da sociedade civil com o Esta-do, ao aparecerem na cena política como portadoresde propostas e como agentes de políticas públicas depromoção da agroecologia.Esse número da revista Agriculturas será dedicado àapresentação e análise de casos concretos dessas expe-riências de relação – de conflito ou de cooperação –entre sociedade e Estado, visando à formulação e àexecução de políticas públicas favorecedoras do de-senvolvimento da agroecologia e da produção familiar.

Datas-limite para envio dos artigos:15 de fevereiro (Revista Agriculturas)

30 de janeiro (Revista Latino-americana)