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7/25/2019 Ailey, Arthur - Aeroporto http://slidepdf.com/reader/full/ailey-arthur-aeroporto 1/95 aeroporto Arthur Hailey AEROPORTO UMA CONDENSAÇÃO DA OBRA DE Arthur Hailey ILUSTRAÇÕES DE AL MUENCHEN A neve caía, obliterando a visão, e uma pista vital estava bloqueada, quando o voo d e luxo Golden Argosys partiu para Roma. Entre os passageiros do gigantesco jacto contavam-se um comandante sénior, uma hos pedeira sua namorada, uma velhinha que viajava clandestinamente e um homem com u ma pasta, que aparentava nervosismo. De repente, o avião retrocedeu. E então, no cam po de aviação obstruído pela neve, na torre de controle, no écran de radar e no ar, mãos h eis e cérebros treinados travam uma batalha para arrancar o enorme avião aos céus revo ltos pela tempestade. CAPÍTULO I  ÀS seis e meia da tarde de uma sexta-feira de Janeiro, o aeroporto internacional  de Lincoln, no Illinois, era varrido por um temporal- tal como toda a zona cent ral do Oeste dos Estados Unidos -, devido à mais violenta tempestade de Inverno do s últimos seis anos. A tormenta já durava há três dias, e agora começavam a surgir, consta ntemente, situações inquietantes no aeroporto. Um camião de cattering da United Air Lines, com uma carga de duzentas refeições, desap arecera, presumia-se que retido pela neve algures dentro do perímetro do aeroporto . O voo cento e onze da United - um DC-8 directo para Los Angeles, que o camião de  cattering iria abastecer - estava já várias horas atrasado em relação à tabela. O problem a do cattering atrasá-lo-ia ainda mais. Por razões à procura daquele camião de cattering  da United. Já deviam estar despachados. - Isso se tivéssemos encontrado o camião. - O quê, ainda não o localizaram? Que diabo estão vocês a fazer? - E será que vocês, aí empoleirados, fazem alguma ideia do que é estar cá fora no campo? Mel Bakersfeld estava ciente das precárias condições existentes. Ele próprio quase se perdera de caminho para uma inspecção do Centro de Manutenção da Divisão de Controle da Neve, no hangar dos camiões. Ali, o fatigado pessoal de limpeza da neve ia e vinha as suas fileiras engrossadas por carpinteiros, electricistas, canalizadores, fun cionários dos escritórios e polícias, retirados às suas funções habituais no aeroporto até que a emergência causada pela neve fosse ultrapassada. A remoção da neve da área operacional do aeroporto equivalia à desobstrução de mais de mil quilómetros de auto-estrada. O chefe de equipa dizia agora: - Também estamos preocupados com aquele camião de cat tering, Danny. O motorista pode morrer congelado lá fora. O camião partira da cozinha em direcção ao terminal principal há quase duas horas. O seu  trajecto levava geralmente quinze minutos a percorrer. O despachante da United Air Lines mandara um grupo de homens empreender uma busca, que resultara infrutífe ra, e em seguida depositara o assunto nas mãos da direcção do aeroporto. Mel disse: - O avião da United acabou por levantar voo sem as refeições, não foi? Farrow respondeu: - O comandante deixou a decisão aos passageiros. Disse que era p recisa uma hora para se arranjar outro camião, e que o sol brilhava na Califórnia. T odos votaram a favor da partida. Mel resistiu à tentação de assumir o comando e dirigir a busca ao camião desaparecido. A  acção teria um efeito terapêutico. O frio húmido causava-lhe dores no pé ferido durante a  guerra da Coreia, pelo que mudou de posição, apoiando o peso do corpo sobre o pé saudáv el. Danny estava a proceder correctamente - enviando para os caminhos de circulação do aeroporto homens e má uma

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aeroportoArthur Hailey

AEROPORTO

UMA CONDENSAÇÃO DA OBRA DE Arthur Hailey

ILUSTRAÇÕES DE AL MUENCHEN

A neve caía, obliterando a visão, e uma pista vital estava bloqueada, quando o voo de luxo Golden Argosys partiu para Roma.Entre os passageiros do gigantesco jacto contavam-se um comandante sénior, uma hospedeira sua namorada, uma velhinha que viajava clandestinamente e um homem com uma pasta, que aparentava nervosismo. De repente, o avião retrocedeu. E então, no campo de aviação obstruído pela neve, na torre de controle, no écran de radar e no ar, mãos heis e cérebros treinados travam uma batalha para arrancar o enorme avião aos céus revoltos pela tempestade.

CAPÍTULO I

  ÀS seis e meia da tarde de uma sexta-feira de Janeiro, o aeroporto internacional de Lincoln, no Illinois, era varrido por um temporal- tal como toda a zona central do Oeste dos Estados Unidos -, devido à mais violenta tempestade de Inverno dos últimos seis anos. A tormenta já durava há três dias, e agora começavam a surgir, constantemente, situações inquietantes no aeroporto.Um camião de cattering da United Air Lines, com uma carga de duzentas refeições, desaparecera, presumia-se que retido pela neve algures dentro do perímetro do aeroporto. O voo cento e onze da United - um DC-8 directo para Los Angeles, que o camião de cattering iria abastecer - estava já várias horas atrasado em relação à tabela. O problema do cattering atrasá-lo-ia ainda mais. Por razões à procura daquele camião de cattering da United. Já deviam estardespachados.

- Isso se tivéssemos encontrado o camião.- O quê, ainda não o localizaram? Que diabo estão vocês a fazer?- E será que vocês, aí empoleirados, fazem alguma ideia do que é estar cá fora no campo?Mel Bakersfeld estava ciente das precárias condições existentes.Ele próprio quase se perdera de caminho para uma inspecção doCentro de Manutenção da Divisão de Controle da Neve, no hangardos camiões. Ali, o fatigado pessoal de limpeza da neve ia e vinhaas suas fileiras engrossadas por carpinteiros, electricistas, canalizadores, funcionários dos escritórios e polícias, retirados às suas funçõeshabituais no aeroporto até que a emergência causada pela neve fosse

ultrapassada. A remoção da neve da área operacional do aeroporto

equivalia à desobstrução de mais de mil quilómetros de auto-estrada.O chefe de equipa dizia agora: - Também estamos preocupados com aquele camião de cattering, Danny. O motorista pode morrer congelado lá fora.O camião partira da cozinha em direcção ao terminal principal há quase duas horas. O seu trajecto levava geralmente quinze minutos a percorrer. O despachante da UnitedAir Lines mandara um grupo de homens empreender uma busca, que resultara infrutífera, e em seguida depositara o assunto nas mãos da direcção do aeroporto. Mel disse: -O avião da United acabou por levantar voo sem as refeições, não foi?Farrow respondeu: - O comandante deixou a decisão aos passageiros. Disse que era precisa uma hora para se arranjar outro camião, e que o sol brilhava na Califórnia. Todos votaram a favor da partida.Mel resistiu à tentação de assumir o comando e dirigir a busca ao camião desaparecido. A acção teria um efeito terapêutico. O frio húmido causava-lhe dores no pé ferido durante a

 guerra da Coreia, pelo que mudou de posição, apoiando o peso do corpo sobre o pé saudável. Danny estava a proceder correctamente - enviando para os caminhos de circulaçãodo aeroporto homens e má uma

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q s para remover a neve. Os parques de estacionamento ficariam por limpar, o que iria suscitar muitas queixas. Mas o motorista desaparecido tinha de ser salvo.

Danny utilizou o telefone vermelho para chamar o chefe de bombeiros de serviço no aeroporto. Fez-lhe um resumo da situação e e: - Quando localizarmos o camião, mandemuma ambulância ? lá. Mas não avancem enquanto eu não souber para onde. Não remos ter que vos desenterrar também. - O suor brilhava na eça calva de Danny. Pela linha telefónica

directa, Mel falou para o controle de tráfego :o e perguntou ao chefe da torre: -Que se passa com aquele 707 Intercontinental? - Nada de novo, ainda - respondeuo chefe da torre. O comandante do 707, na rolagem para a pista, por entre a neve, sara por engano à direita de uma luz azul de sinalização de igem, em vez de passar à esquerda. Num espaço de segundos o :o ficara profundamente atolado na pista três zero, e os desaponta- passageiros estavam a ser ajudados a atravessar a lama e a neve aos autocarros. - Temos uma quantidade de voos para partir - continuou o chefe da torre. - Dez para iniciar a rolagem e uma dúzia à espera. Era uma clara demonstração da urgência na construção de novas ias para o aeroporto. Há três anos que Mel vinha itindo na construção de uma pista paralela à pista três zero. Mas os membros Conselho deAdministração, sujeitos a pressões políticas, recusa- n a aprovação do seu projecto. O púb exigia mais zonas de estacionamento e não mais pistas. Entretanto, o chefe da tor

re dizia: - Com a três zero não ;racional, somos obrigados a encaminhar o tráfego quedescola ire Meadowood, e já começam a chegar queixas. Mel suspirou. Meadowood, que confinava com o limite sudoeste aeroporto, fora edificada muito depois da construçãodeste, mas seus habitantes queixavam-se incessante e amargamente do ruído ;jactos. A imprensa fazia eco dessas queixas, em azedas acusa- ;s contra o aeroporto. Aadministração deste concordara que se Kedesse apenas a aterragens e descolagens sobre Meadowood quando tal se tornasse inevitável, e que os jactos que levantassem ? na direcção de Meadowood seguissem os? procedimentos de lução de ruído. Embora os pilotos considerassem tais procedimen-perigosos, as companhias aéreas, conscientes da sua imagem 'porativa, haviam dadoordens para que os pilotos os adoptassem. i a vez de Mel perguntar: - Quantas chamadas já tivemos? - Talvez umas cinquenta que atendemos, fora as que não atendemos. E algumas foram feitas para os nossos números de

telefone que não estão registados nas listas. Sempre gostava de sabercomo é que eles conseguem obter esses números. Expliquei quetemos problemas devido à tempestade e que uma das nossas pistasnão está operacional, mas não ligaram. E esta noite os pilotos nãoestão a seguir os procedimentos de redução de ruído.- Eu faria o mesmo, se fosse piloto. - Como é que alguém, interrogava-se ele, podiaesperar que um piloto, com um temporal tão violento, reduzisse a potência imediatamente a seguir à descolagem e depois descrevesse uma volta apertada, tal como exigiam osprocedimentos de redução de ruído? - Há anos que aconselhamosas pessoas a não construírem casas em Meadowood - observou.- Um dos meus homens informou-me de que há uma reunião demoradores hoje à noite. Devem estar a preparar qualquer acção legal.- Bem, em breve o saberemos. O meu irmão está de serviçohoje à noite?- Afirmativo. Keith está de serviço no radar, nas aproximaçõesde leste.As aproximações de leste eram uma das funções mais difíceis natorre. Incluíam a supervisão de todos os voos que entravam pelo quadrante leste. Mel perguntou: - Keith revela sinais de esgotamento?Houve uma ligeira pausa. - Revela. Talvez mesmo mais do que é habitual.O irmão mais novo de Mel tornara-se ultimamente uma fonte de ansiedade para os dois homens. O chefe da torre observou: - Quem me dera conseguir que ele encarasseas coisas mais calmamente. Mas estamos com pouco pessoal e toda a gente está sob tensão.

- Eu sei. E agradeço-lhe o seu cuidado com Keith.- Neste ofício quase todos nós temos de enfrentar a fadiga de vez em quando, e quando isso acontece tentamos ajudar-nos uns aos outros.

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- Obrigado - respondeu Mel. - Talvez passe por aí mais tarde.- Sim, Sr. Director - e desligaram.

O ??Sr. Director., era uma cortesia. Mel não tinha qualquer autoridade sobre o controle de tráfego aéreo, que prestava contas apenas perante a Direcção-Geral da Aeronáutica, em Washington. Mas as relações entre os controladores e a direcção do aeroporto eram boas e Mel fazia os possíveis para que assim se mantivessem. Qualquer aeroporto era

 um intrincado complexo de autoridades, e um director de aeroporto tinha de sertambém um diplomata.Numa outra linha, Danny escutava o supervisor dos parques de estacionamento, que estava a receber queixas de donos de carros bloqueados. - Seria que quem mandava no aeroporto não sabia que estava a nevar? E se sabia, por que diabo não tomava medidas para que uma pessoa pudesse movimentar o seu carro, como era de seu direito?- Diga-lhes que instaurámos uma ditadura - retorquiu Danny. A seguir, o chefe da torre de controle telefonou a Danny. O último boletim meteorológico previa uma mudançade direcção de vento dentro de uma hora; como tal implicaria uma mudança de pistas, ofuncionário perguntava se seria possível acelerar a limpeza da pista um sete esquerda. Danny respondeu que ia falar com o supervisor da Conga, a companhia proprietári

a das máquinas de remoção da neve, e que em seguida informaria o chefe da torre.Esta permanente tensão durava desde que começara o nevão, três dias antes, e até àquele monto fora possível enfrentá-la, o que tornava ainda mais irritante um bilhete entregue a Mel por um mensageiro m. acho que devo avisar-te comité para a neve das companhias de transportes aéreos (pedido de vernon demerest. . . porque é que o teu cunhado te detesta?) aprovou relatório considerando ineficiente limpeza neve pistase caminhos de rolagem. relatório acusa aeroporto (ou seja tu) de atrasos aviões. . . também afirma 707 não teria atolado se caminho de rolagem limpo + cedo. . . estás a ver, e onde estás? no um? salta daí e compra-me 1 café.beijost.O ?.t,? correspondia a Tanya - Tanya Livingston, agente de relações públicas junto dos passageiros da Trans America e amiga íntima de Mel. Tanya tinha um preconceito co

ntra letras maiúsculas. Conseguira convencer o mecânico da Trans America a tirar asmaiúsculas da sua máquina de escrever. Houve protestos por parte de alguém nas altas esferas, falou-se em prejuízos premeditados aos bens da companhia, mas Tanya conseguira levar a melhor. Em geral,conseguia.O Vernon Demerest do bilhete era um dos comandantes senhoresda Trans America e, durante aquele período, membro do comité paraa neve das companhias de transportes aéreos no Lincoln International, que inspeccionava os caminhos de rolagem e as pistas.Vernon era casado com a irmã de Mel, Sarah, mas as relações entreMel e o cunhado, que aquele e outros consideravam vaidoso epresunçoso, não eram cordiais.Recentemente Mel e Demerest, este último em representação da 7?? ? Associação dos Pilotosde Linha Aérea, tinham-se confrontado.agressivamente durante uma reunião da Comissão da Administração do Aeroporto em que se discutia a venda de seguros nos aeroportos.

Mel suspeitava de que o relatório desfavorável era uma retaliação,mas não ficou muito preocupado. Não obstante, era uma situaçãodesagradável; todas as companhias receberiam cópias do relatório, eno dia seguinte haveria telefonemas inquisitivos e memorandos.Entretanto, o melhor que tinha a fazer era dirigir-se para o campo deaviação e observar o que se estava a passar. De caminho, ao passarno terminal, podia dar um salto à Trans America para ver Tanya.Mel usou o elevador privativo, accionado apenas com uma chave

mestra, para descer à sobreloja, onde se situavam os serviços ' administrativos. O seu escritório estava silencioso, com as secretáriaslimpas e as máquinas de escrever cobertas. Entrou no compartimento '; interior e v

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estiu o casaco de Inverno e as botas forradas de pêlo.Durante a maior parte dos últimos três dias de tempestade permanecera no aeroporto,disponível para todas as emergências. Não fosse atempestade e estaria em casa, com Cindy e as crianças.Mas estaria de facto? Ultimamente parecia que não estar em casase tornara o seu padrão de vida. O seu trabalho proporcionava-lhenumerosas justificações, mas possibilitava também uma fuga às

incessantes discussões com Cindy.Relanceou uma mensagem deixada pela secretária recordando-Lheque nessa noite a mulher organizava mais uma daquelas enfastidiosassessões de caridade. Relutantemente, Mel acedera a estar presente aum cocktail e a um jantar num hotel. Ignorava o que a mulherentendia por caridade. Na opinião de Cindy, o único padrão do valorde uma causa consistia na proeminência social dos membros dacomissão que a defendia.Podia ainda chegar a tempo à? festa depois de inspeccionar o campo, barbeando-se e mudando de fato no seu gabinete. Não obstante, era melhor avisar Cindy. Ligou para casa e foi Roberta, a sua filha mais velha, quem atendeu o telefone.- Olá - disse Mel. - É o teu velhote.

Chegou-lhe aos ouvidos a voz fria de Roberta. - Sim, já sei.- Mel suspirou. Aconteceria isto a todos os pais este abrupto corte de comunicação com as suas filhas de treze anos? Há menos de um ano pareciam um pai e uma filha profundamente ligados. E de facto o seu casamento sobrevivia ainda exclusivamente devido a Roberta e a Libby, sua irmã mais nova. Sempre imaginara que, como Teenager, Roberta criaria pólos de interesse que ele não poderia compartilhar; era a indiferença dela que ele não previra. Também calculava que o conflito entre ele e Cindy não ajudava à situação.- A mãe está em casa? - perguntou.- Saiu. O pai ficou de ir ter com ela à cidade.- Se ela telefonar, diz-lhe que estou atrasado. - Fez-se silêncio, e Mel perguntou: - Ouviste o que eu disse?- Ouvi. A Libby quer falar consigo.

A seguir, a voz ofegante de Libby: - Pai! Pai! Adivinhe!-Aos sete anos, Libby estava sempre ofegante.- Não consigo adivinhar. Tens que me dizer.- Miss Curson mandou-nos escrever como trabalho de casa todas as coisas boas que pensamos que vão acontecer no mês que vem. O pai ajuda-me? Quero um mapa de Fevereiro.Mel sorriu, ao ocorrer-lhe que também lhe faria jeito programar o mês de Fevereiro.- Há um calendário na minha secretária, no escritório - disse. Ouviu os pés dela a correr, o telefone já esquecido. Mel calculou quefora Roberta quem o desligara sem ruído.MEL saiu em direcção à sobreloja dos executivos e observou a apinhada sala de espera.Todos os lugares estavam ocupados e os quiosques de jornais e balcões de informação apresentavam-se cerca- dos por multidões. As bichas que se formavam em frente dos balcões de passageiros contornavam as esquinas e prolongavam-se a perder de vista. Os vendedores de bilhetes e os supervisores, coadjuvados por colegas retidos de turnos anteriores, tinham horários e cupões de bilhetes espalhados à sua frente como pautas de orquestra. Os atrasos e a reprogramação de rotas representavam um desafio ao planeamento de horários e à paciência humana.Mel desceu à sala de embarque principal e dirigiu-se ao terminal da Trans America. Um supervisor uniformizado veio ao seu encontro. - Boa tarde, Mr. Bakersfeld. Está à procura de Mrs. Livings- ton - O que quer dizer que já se fala, pensou ele.- Estou - respondeu.O supervisor apontou para uma porta onde se lia ??Admissão reservada ao pessoal da companhia". - Está lá dentro. Tivemos um pequeno problema.NUM gabinete privado, uma rapariga nova, envergando o uniforme de vendedor de bi

lhetes da Trans America, soluçava, histérica, enquanto Tanya a fazia sentar numa cadeira.- Esteja à vontade - disse Tanya. - Quando estiver mais calma falamos.

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Tanya sentou-se também. A jovem não parecia ter mais de vinte anos. Embora estivesse apenas no final dos triñta, ao observar a rapariga, Tanya sentiu que as separavauma diferença de idades superior à real. Talvez como resultado do seu breve casamento e devido ao facto de ter uma filha. Já era a segunda vez naquele dia que tomavaconsciência da sua idade. A primeira vez fora quando, ao pentear o cabelo de manhã,notara o aumento de fios cinzentos por entre o ruivo flamejante. O que Lhe lembr

ara que os quarenta anos, altura em que uma mulher já devia saber para onde ia estavam mais próximos do que ela gostaria. A jovem, de nome Patsy Smith, limpou os olhos congestiona- dos com um lenço que Tanya lhe fornecera e falou com dificuldade.- Lá na terra deles não eram tão mesquinhos e grosseiros.- Alguns são. Mas estou de acordo em que todos os homens se comportam como brutosquando os seus planos de viagem são alterados.- Eu estava a trabalhar com a melhor das boas vontades. Hoje, todo o dia, e ontem e anteontem. Mas aquele homem! Até esse momento não tive problemas. . .Mel Bakersfeld bateu à porta, entreabriu-a e disse a Tanya:- Posso voltar mais tarde.Ela soma. - Fica. Esta é Patsy Smith, este é Mel Bakersfeld. Não se importa, Patsy? -Patsy abanou a cabeça em sinal de concordância e Mel sentou-se. * ?

?3- Vamos lá ver, que foi que aconteceu ao certo? - perguntou Tanya.- Bem, aquele passageiro tinha um bilhete para o voo setenta e dois, que foi cancelado. Arranjámos-Lhe um lugar no cento e catorze e ele perdeu o voo. Alegou queestava na sala de jantar e não ouviu a chamada.- As chamadas para os voos não são feitas na sala de jantar- observou Tanya. - Há um grande cartaz de aviso, e também há avisos nos menus.- Eu expliquei-Lhe isso, mas ele estava irritado, como se fosse por minha culpaque tivesse perdido o voo. Arranjei-Lhe um lugar no dois mil cento e vinte e dois. Ele quis saber qual era o filme que iam passar, e quando eu o informei disseque já o tinha visto. Perguntou- -me se eu lhe podia arranjar um voo com outro filme. Nessa altura rebentei. Atirei-Lhe com o horário e disse-lhe que arranjasse ele o voo - concluiu Patsy, com ar contrito.

- Só espero que lhe tenha acertado com o horário - disse Tanya.A rapariga esboçou um sorriso. =,? ! Acertei ! E depois.- Já sei. Não aguentou mais, o que é perfeitamente natural. Porisso agora vai meter-se num táxi e vai para casa.- Quer dizer. . . só assim? Não me despede?- Podíamos ser obrigados a fazê-lo, Patsy, se você repetisse a ? graça. Mas como isso nãovai acontecer, ponto final no assunto.Talvez queira ouvir o que aconteceu depois de você sair. Umpassageiro que estava na bicha disse-nos que se o tipo tivesse faladocom uma filha dele como falara consigo lhe teria esmurrado a cara. E 5deixou-nos o nome e morada. - E Tanya prosseguiu, somndo:-Por isso, como vê, ainda há pessoas simpáticas. A nossa função étratar todos da mesma forma, com delicadeza, mesmo quando ospassageiros não o merecem.- Sim, Mrs. Livingston - respondeu Patsy. _ 

Tanya concluiu que Patsy ia recuperar do abalo. Parecia possuir a I resistência necessária para lidar com o público viajante. Na cidade ? nas reservas as pressões deviam ser ainda mais fortes. Os funcioná-rios já deviam ter feito milhares de telefonemas a avisar os passageiros das alterações nos voos, e estes eram invariavelmente desagradáveis, desabridos mesmo. Por qualquer razão, tal facto era notório nosvoos para Nova Iorque. Havia mesmo funcionários que se recusavama avisar por telefone os passageiros com destino àquela cidade de quehavia atrasos, tal era a certeza de ouvirem uma chuva de . impropérios.

Tanya preencheu um voucher e entregou-o a Patsy.- Entregue isto ao encarregado dos táxis, Patsy. Descanse estanoite, que amanhã cá a esperamos, feliz e contente.

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Quando a rapariga saiu, Mel levantou-se com um sorriso paraTanya. - Olá! Vim agradecer-te o bilhete. - Fez um gesto nadirecção de Patsy e acrescentou: - Eu também estou cansado. Quetal mandares-me para casa num táxi?Tanya fitou-o, numa interrogação. Os seus olhos - de um azul--claro e brilhante - eram directos.- Vou pensar nisso - respondeu. - Na condição de o táxi ir

para minha casa e de me deixares cozinhar-te o jantar!- Quem me dera! Mas temos problemas por aqui, e depoistenho que ir à Baixa. Vamos tomar um café. ? Abriu-Lhe a porta, afastou-se para a deixar passar e seguiu-a até à ?ala de espera transbordante de azáfama. Enquanto abriam caminho por entre a multidão, Tanya reparou que Mel coxeava mais do que habitualmente. Apeteceu-lhe dar-lhe o braço e ajudá-lo, mas considerou preferível reprimir o desejo. Viam-nos muitas vezes juntos, e Tanya tinha a certeza de que a máquina de boatos do aeroporto já tomara nota do facto. Dirigiram-se à Cloud's Captain Coffee shop. - Acerca desse jantar, não poderíamos marcá-lo para amanhã, por exemplo? - perguntouMel.O convite surpreendera-o. Haviam jantado juntos várias vezes, mas ela nunca sugerira um jantar em sua casa. Sentindo que a situação começava a evoluir, reagiu cautelosa

mente. Podia criar-se uma ligação afectiva que ele não se sentia preparado para enfrentar, em virtude dos seus problemas com Cindy. De qualquer modo, o convite era demasiado tentador para ser ignorado.- Depois de amanhã é domingo - fez ela notar. - Mas eu estou de folga, e se te der jeito, tenho mais tempo.. - Está bem. - De qualquer forma, teria de vir ao aeroporto. E Cindy saía muitas vezes sem explicar o motivo.Quando entraram no coffee shop, o chefe de mesa dirigiu-os à frente de outros para uma mesa com um dístico de ??Reservado?., frequentemente usada pelos funcionários do aeroporto.- Já viste maior multidão? - perguntou Tanya.- Espera até veres o que acontece quando a versão civil do C-5 A entrar em acção.

Tanya estremeceu. - Um milhar de passageiros a precipitarem- -se ao mesmo temposobre um balcão de check-in e a recolher a bagagem. Nem quero pensar nisso.- As pessoas que dirigem o aeroporto e o tráfego aéreo também não querem, e actuam comose os jactos de agora fossem eternos. Na sua maior parte as construções feitas nos aeroportos não passam de remendos, e não existe qualquer planeamento antecipa- do. É claro que há algumas excepções: Los Angeles, Tampa, Dallas- -Forth Worth, Kansas City, Houston. Mas em Nova Iorque a situa- ção é assustadora; não há, pura e simplesmente, espaçoeo suficiente. O National de Washington e o Dulles exemplificam bem a situação.- Estou a lembrar-me - retorquiu Tanya - da altura em que os primeiros jactos começaram a operar em aeroportos concebidos para os DC-4 é Constellations. Costumávamosdizer que era como s? estivéssemos a tentar meter o oceano numa cova de areia.- Na década de setenta a situação vai ser ainda mais grave. O cerne da questão, que a maior parte dos planeadores não conseguiu ainda captar, é que caminhamos para uma épocaem que os fretamentos aéreos se vão sobrepor ao tráfego de passageiros. E quando issoacontecer, muitos dos nossos aeroportos vão tornar-se obsoletos.Apareceu uma criada, a quem encomendaram café e torradas. Quando ela se afastou, Mel disse: - Parece que comecei a fazer um discurso. Desculpa.- Precisas de praticar. Não tens feito muitos ultimamente.- Não, já não sou presidente do Conselho de Operações do Aeroporto.A aproximação entre Mel e Tanya devia-se a um discurso que ele fizera numa reunião intercompanhias aéreas sobre os progressos que a aviação sofreria e o atraso da organização de terra; fora uma espécie de teste para um discurso que ele deveria fazer numa assembleia a nível nacional. Tanya, que fazia parte da delegação da Trans America, enviara-lhe no dia seguinte um bilhete: mr. b. belo disc. aplausos escravos terra pla sua admissão q políúcos aerop. ressonam seus gabinetes. aceita sugestão? maior eficien

c. se menos técnico mais humano. passageiros interessados si próprios não sistema.Ele revira o discurso à luz da sugestão de Tanya e o resultado fora a melhor conferência que até então proferira. Telefonara a agradecer-lhe e a partir de então tinham começa

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do a ver-se.Esta evocação fê-lo recordar-se do bilhete que ela Lhe enviara naquela tarde. - Obrigado pela informação sobre o relatório do comité para a neve.- Foi dactilografado nos nossos escritórios. Vi Demerest a soar enquanto o relia.A propósito, porque é que ele antipatiza contigo?Mel contorceu o rosto num esgar. - Penso que sabe que não gosto dele.

- Se quiseres podes dizer-lhe isso agora - sugeriu ela apontando para o balcão dacaixa, onde Demerest pagava a conta. Demerest ?'a alto, possuidor de uma figura atraente, e não obstante usar um casaco de tweed e calças de desporto conseguia transmitir uma sensação de autoridade - como um general do exército à civil. Enquanto se dirigia a um comandante de quatro estrelas em uniforme, o seu rosto mantinha-se fechado, sem um sorriso. Ao ver Mel e Tanya, dirigiu-lhes uma breve inclinação de cabeça e saiu.Tanya comentou: - Vai levar o voo dois, o Golden Argosy, para Roma, hoje à noite.O Golden Argosy era o aparelho querido da companhia, que aparecia anunciado portodo o país.- Segundo parece, é da opinião geral que Vernon é um dos melhores pilotos em funções - declarou Mel.

- Sem dúvida. - Tanya teve uma hesitação. - Mas não és o único que não gosta dele. Ouvi umnossos mecânicos lamentar que já não existissem hélices, porque gostaria de ver o comandante Demerest ser apanhado por um.Mel respondeu bruscamente: - Isso é que é selvajaria!A criada trouxe as torradas e o café pedidos. Tanya disse então: - Prefiro o que diz Mr. Youngenist, o nosso presidente: Conservem esse tipo longe da minha vista, mas arranjem-me lugar nos voos dele.??Mel soltou uma risada. Do outro lado da mesa, Tanya alisou a saia com um gesto simultaneamente rápido e feminino. Era uma das poucas mulheres que conservavam um ar feminino mesmo de uniforme. Como se lesse os pensamentos dele, declarou: - É possível que dentro em pouco deixe de usar uniforme. O nosso director distrital de tráfego vai ser transferido. O assistente dele vai ser promovido, e eu apresentei um requerimento para o substituir. Não tenho bem a certeza se quero ser uma executiv

a, mas, quando não se está satisfeito com o emprego, a única saída é para cima.- Estás a excluir o casamento?- Não há assim tantos candidatos aceitáveis que se disponham a receber uma mulher comuma criança. Os homens apreciam as mulheres disponíveis. Pergunta a Roy, o meu ex-marido. Isto no caso de o encontrares, coisa que eu nunca consegui.- Ele deixou-te depois do nascimento do bebé?- Que ideia! Se assim fosse, Roy teria tido seis meses de responsabilidades. Acabei por dizer-lhe que estava grávida numa quinta-feira, e na sexta-feira, quando cheguei a casa, a roupa dele desaparecera. Ele também. Pelo menos, simplificou o divórcio:por deserção. Mas sejamos justos - continuou com um sorriso-Roy não esvaziou a nossa conta conjunta no banco. Fiquei com amódica quantia de oitenta dólares só para mim.Numa mesa próxima, um homem disse em voz alta: - Olhem sóque horas são!Mel consultou o relógio. Já haviam passado três quartos de horadesde que deixara Danny na Divisão de Controle da Neve. Disseentão: - Espera enquanto faço uma chamada.Pagou a conta na caixa e depois ligou para a Divisão de Controle da Neve.A voz de Danny atendeu: - Aguenta aí = e depois tomou a falar. - Acabo de receberum relatório do 707 atolado. Ainda não conseguiram mover o avião, mas já mandaram chamar Joe Patroni.

Joe Patroni, chefe de manutenção da TWA no aeroporto, era um expedito nato, mas vivia em Glen Ellyn, a quarenta quilómetros do aeroporto, e mesmo em condições ideais o tr

ajecto demorava uns quarenta minutos.- Se alguém é capaz de remover esse avião esta noite, esse alguém é Joe - concordou Mel. - Entretanto, precisamos urgente- mente da pista três zero.

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- É isso que Lhes tenho estado a dizer. Ah uma notícia boa, encontrámos o camião de cattering da United. O motorista estava desmaiado debaixo da neve. O motor estava atrabalhar e havia monóxido de carbono, mas aplicaram um inalador ao tipo. Vai ficar fino.- Óptimo! Vou para o campo. Contacto contigo pelo rádio.Ao sair do coffee shop com Tanya, cruzou com um vendedor de bilhetes da Trans America que entrava. - Ah, Mrs. Livingston, o D.D.T. anda à sua procura. - O D.D.T.

era o director distrital de tráfego. - Tem um problema, uma clandestina no voo oitenta de Los Angeles. Diz que é uma canadiana e quer que a senhora resolva o assunto. - E afastou-se com um aceno amigável. ? Tanya acompanhou Mel até ao elevador queo conduziria à garagem na cave, onde ele tinha o automóvel. - Vou tentar passar porlá antes de me ir embora, para saber novas da nossa clandestina - disse ele. - É umbom pretexto para te ver de novo esta noite.As suas mãos tocaram-se, e Tanya disse suavemente: - É pre- co um pretexto? - Durante a descida no elevador, ele sentia ainda calor e a suavidade da mão dela e ouviaa sua voz.

  CAPÍTULO II

  ?OE Patroni, um homem entroncado e com ar confiante, saíra de éarro da sua casa estilo rancho uns vinte minutos antes. Naquele momento, o seu Buick Wildcat estava parado no meio de um monstruoso engarrafamento, que se estendia a perder de vista.À volta de Joe Patroni haviam-se tecido ?árias lendas. Já mecânico de aviões, estudara emescolas nocturnas. Depois tomara-se mecânico de primeira e por fim encarregado deequipa, e o seu pessoal conseguia mudar um motor mais rapidamente do que o construtor afirmava ser possível.Um dia, Joe saiu do trabalho e, sem dizer nada a ninguém, seguiu de avião para NovaIorque, levando consigo m embrulho. Dirigiu-se aos escritórios centrais da TWA e,sem se fazer anunciar, atravessou filas de secretárias e entrou no gabinete do presidente. Abriu o embrulho e depositou um carburador oleoso e desmontado sobre asecretária do apoplético presidente. E disse-lhe: - Se quiser perder alguns aviões em

voo, expulse-me daqui. Se não quer, oiça-me.O presidente ouvira-o, após o que mandara chamar o vice- -presidente da Secção Técnica,o qual deu ordem para que se procedesse a uma modificação mecânica no sistema de degelo do carburador em voo, modificação essa pela qual Patroni vinha a suplicar há meses sem qualquer êxito. Patroni foi promovido e, alguns anos mais tarde, tornou-se chefe de manutenção do Lincoln International. Sempre que surgia um trabalho difícil, passava-se palavra: ??Chamem o Joe Patroni."

Nesta altura, ao ser chamado ao aeroporto, sua mulher, Marie, uma ex-hospedeiraque ele amava profundamente, arranjara-lhe algumas sanduíches, uma das quais ele viera a mordiscar durante o acidentado trajecto. Consultou o relógio. Os automóveis à sua frente estavam parados há já vários minutos, e não havia tráfego em sentido contrário.e puxou para a cabeça o capuz da sua parka, pegou na sua lanterna, saiu do automóvel e avançou penosamente, lutandocontra a neve e o vento.À sua frente começou a vislumbrar luzes de faróis e silhuetas depessoas que ora se juntavam, ora se afastavam. Iluminada por luzesvermelhas intermitentes sobressaía uma sombra maior e mais escura.Era um tractor de reboque de dezoito rodas, virado de lado no meioda estrada. Dois carros da Polícia Estadual encontravam-se no locale os agentes interrogavam o condutor. Um camião de reboque, comum farol rotativo sobre o tejadilho a faiscar, parou do lado oposto, e o condutor saiu, abanando a cabeça ao ver as dimensões do tractor.Acotovelando os circunstantes, Joe avançou. Acendeu o seu charuto ritual e bateu levemente no ombro de um agente: - Oiça lá, amigo, com um reboque só não vai conseguir de

slocar esse monstro. São precisos mais dois: um aqui, para empurrar; dois à frente,para puxar. - Contornou o enorme veículo, fazendo incidir sobre ele a sua lanterna a fim de o inspeccionar sob vários ângulos. O charuto agitou-se na sua boca. - Os d

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ois camiões podem ser amarrados em três pontos. Puxam primeiro, e mais rapidamente,a cabina do condutor. Depois. . .- Aguente aí. - O agente da Polícia chamou outro oficial.- Está aqui um tipo que parece perceber do assunto.Dez minutos mais tarde, Joe dirigia a situação. Por meio do rádio tinham sido requisitados mais dois reboques, e o condutor do primeiro reboque, sob a direcção de Joe, estava a amarrar correntes aos eixos do tractor de reboque. A situação deixara de ser

um impasse para começar a ser resolvida, com a eficiência e rapidez que eram apanágiode Joe. Por meio do seu radiotelefone, Joe informou o aeroporto que estava atrasado e transmitiu as instruções que pôde sobre a pista três zero.No seu veículo de circulação interna do aeroporto, cor amarelo- -mostarda e equipado com rádio, Mel saiu da garagem da cave, e no mesmo instante foi envolvido por um turbilhão de vento e neve, que fustigou furiosamente o pára-brisas. Imediatamente à suafrente, os aviões aguardavam nos terminais, sobre a placa. Através da neve que caía, Mel via os interiores iluminados onde se sentavam os passageiros. Mais adiante distinguiam-se formas difusas e luzes de navegação de aviões chegados há pouco, estacionados nas raquettes de espera e prontos a avançar para os respectivos terminais logoque se verifica-se uma vaga. O emissor-receptor de Mel crepitou. - Eastern Dezassete, e - disse a voz de um controlador -. Está autorizado para a a dois cinco. Mu

de de frequência para obter a sua autorização deOuviu-se um ruído de estática: - Eastern Dezassete. Roger.

Ouviu-se uma voz mais forte e mais áspera: - Controle solo, pan America cinquentae quatro no caminho de rolagem exterior para e dois cinco. Está um Cessna particular à minha frente. Estou pendurado nos travões para me manter atrás.- Pan America cinquenta e quatro, stand by. - E após uma curta pausa: - Cessna setenta e três metro, controle solo. Entre na próxima intersecção à direita, espere e deixe passar o Pan Am.Surpreendentemente, foi uma voz feminina que respondeu:- Controle solo, Cessna setenta e três metro, Estou a voltar. Pode avançar, Pan Am; seu valentão.Seguiu-se uma risada. - Obrigado, amor. Pode pôr bâton enquanto espera.A voz do controlador soou ríspida: - Torre a todas as aeronaves. Limitem as vossas

 mensagens a assuntos de tráfego.Mel percebeu que o controlador estava irritado. Quem não estaria? Preocupado, lembrou-se de Keith, seu irmão. Quando a troca de mensagens terminou, premiu com uma pancada o botão do seu microfone: - Controle solo, móvel um. Prossigo para a pista três zero.- Móvel um, torre. Roger. Siga o DC-9 da Air Canada que está a sair do terminal à suafrente. Espere na proximidade da pista dois um.Seguindo atrás do avião da Air Canada, Mel observava os veículos com equipamento de degelo que rodeavam os aviões estacionados. Nessa noite viam-se inúmeras girafas - camiões com plataformas altas e manobráveis na extremidade de braços de aço. Sobre essas plataformas, o pessoal de serviço limpava a neve das asas dos aviões e aplicava-lhes um spray de glicol a fim de retardar a formação de gelo.As luzes da cauda do Air Canada moveram-se em frente de Mel, que pelo espelho retrovisor distinguia atrás de si a sombra de um jacto maior. O controlador avisou:- Air France quatro zero quatro, há um veículo de terra do aeroporto entre si e o Air Canada.Depois de conseguir afastar-se do resto dos aviões que rolavamMel demorou um quarto de hora a chegar à intersecção onde a pistatrês zero estava bloqueada. Parou, saiu do automóvel e viu umafigura que o chamava por entre o vento que uivava: - Mr. Patroni!Respondeu: - Não. Sou Mel Bakersfeld. Mas Joe está a chegar.- Ainda bem! Já tentámos tudo quanto podíamos. - Fez umgesto em direcção ao avião, uma sombra gigantesca atrás deles.-Está enterrado e bem enterrado. O meu nome é lngram, Sr. Director,sou o chefe de manutenção da Intercontinental.

Os dois homens abrigaram-se sob a asa do 707 atolado, onde uma lâmpada vermelha de sinalização piscava ritmicamente.

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Sobre a pista comprimiam-se escavadoras, um camião de combustível, dois autocarros de transporte de pessoal e um ruidoso gerador. Os passageiros haviam sido conduzidos ao terminal; apenas o comandante e o co-piloto haviam permanecido no aparelho. O chefe de equipa explicou: - Já pusemos os motores a trabalhar por duas vezes. O comandante deu-lhes a potência máxima que ousou, mas o avião pareceu enterrar-se ainda mais. Está a parecer-me que vamos precisar de guindastes pesados, macacos e talvez sacos pneumáticos para erguer as asas, e para isso vamos ter de esperar até que

 amanheça. Isto vai levar quase o dia todo de amanhã.Mel respondeu rispidamente: - Não pode sequer levar toda a noite de hoje. Esta pista tem de ser desimpedida..Interrompeu-se bruscamente percorrido por uma tremura tão intensa que ficou sobressaltado. Fora inesperado e arrepiante. ??Que se passa???, disse a si próprio, numa tentativa de se tranquilizar. ??Foi do tempo. ??Do lado oposto do campo ouvia o troar das turbinas. Elevavam- -se num crescendo, diminuindo em seguida quando o avião levantava. Seguia-se outro e mais outro. Daquele lado tudo parecia correr bem, mas por um brevíssimo instante ele tivera um pressentimento, a sensação de uma catástrofe iminente. Um director não pode deixar-se influenciar por pressentimentos, mas uma vez, há muito tempo, experimentara a mesma sensação de catástrofe. E lembrava-se bem dela.

- Vamos para o meu carro - disse a Ingram. - Vou ligar o rádio e ver o que se está a passar.Como deixara o aquecimento ligado, o automóvel permanecia confortavelmente quente. Mel ligou o rádio na frequência da manutenção do aeroporto.- Divisão de Neve, móvel um. Danny, estou na intersecção bloqueada da três zero. Vê o queobre Joe Patroni. Over.No receptor, a voz de Danny soou tensa: - Móvel um, Divisão de Neve. Assim farei. Atua mulher telefonou, Mel.- Divisão de Neve, móvel um. Liga para ela, Danny, se fazes favor, e diz-lhe que infelizmente estou atrasado. Mas verifica primeiro o que há sobre Patroni.- Entendido. Stand by. - O rádio calou-se.Ingram apontou para o cockpit iluminado do jacto enterrado.- Da próxima vez, aquele comandante vai estar mais atento às luzes de sinalização. Sabe para onde ia este voo

? Para Acapulco, imagine. Tudo pronto e de repente tudo cá para fora, com este tempo! Havia de ter ouvido os passageiros!O rádio crepitou de novo: - Móvel um, Divisão de Neve - era Danny. - Patroni está retido ?um engarrafamento. Demora pelo menos mais uma hora. Disse para não enterrarem oavião mais do que já está. Era melhor a Intercontinental interromper até ele chegar.Ingram acenou em concordância e Mel respondeu: - OK. Esperamos.- Estamos a reunir mais pessoal de terra para ajudar. E, Mel, a tua mulher voltou a telefonar. - Danny hesitou, ciente de que havia mais pessoas a ouvir. - Eramelhor telefonares-lhe logo que possas. - O que significava, pensou Mel, que Cindy fora mais desagradável do que habitualmente.Ingram apertava o casaco. - Obrigado pelo calorzinho - e saiu para o vento e para a neve, fechando rapidamente a porta. Mel comunicou a Danny que ia dirigir-se àconga, na pista um sete esquerda. la verificar pessoalmente se o conteúdo do relatório de Demerest era verdadeiro ou apenas fruto do rancor.

O comandante Vernon Demerest dirigia o seu Mercedes para um grupo de blocos de apartamentos onde residiam muitas das hospedeiras do Lincoln. Os apartamentos, conhecidos pelo nome de ??ninhos de hospedeiras?? e em geral compartilhados por duas ou três raparigas, eram frequentemente palco de festas animadas entre hospedeiras e os seus colegas de aviação. As hospedeiras, bem como os pilotos, haviam conseguido os ambicionados postos por serem os melhores e os mais inteligentes; saboreavam a vida com avidez e apreciavam a companhia uns dos outros.Demerest dirigia-se para o apartamento de Gwen Meighen, uma atraente morena de origem inglesa que viera para os Estados Unidos dez anos antes com a idade de dezoito anos. Mais tarde, nessa mesma noite, Gwen seria a chefe de cabina do Golden

 Argosy. No termo da viagem, a tripulação faria uma escala de três dias, enquanto umaoutra tripulação já em Itália, traria o avião de regresso ao Lincoln. Vernon e Gwen iriamfazer umas férias de dois dias em Nápoles.

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Demerest chegara cedo ao aeroporto depois de se ter despedido de sua mulher, Sarah, que lhe desejara calmamente uma boa viagem. Sabia que, apenas ele saísse, elamergulharia nos seus clubes e no seu bridge. A serenidade de Sarah era uma qualidade que com o decorrer dos tempos ele passara a aceitar e até a valorizar. Tinhaa certeza de que, embora suspeitasse das suas aventuras, ela preferia ignorá-las.Demerest conduziu o Mercedes para o parque de estacionamento. Enquanto entrava no edifício e chamava o elevador, cantarolava O Sole Mio. Nápoles!. . Uma noite quent

e, a vista sobre a baía, à luz das estrelas, e Gwen a seu lado. . .E o voo para Roma não apresentava dificuldades. Embora fosse a comandar o Golden Argosy, pouco trabalho teria que executar, uma vez que ia fazer o voo como verificador. Um outro comandante de quatro estrelas, Anson Hams, que possuía quase a mesma antiguidade de Demerest, ocuparia o lugar de comandante, à esquerda. Demerest sentar-se-ia do lado direito - no lugar do co-piloto -, de onde fiscalizava a actuação de Hams. Este pedira a transferência dos voos domésticos da Trans America para osinternacionais, para o que deveria efectuar dois voos transatlânticos com um comandante de linha de longo curso que possuísse qualificação de instrutor. Seguidamente, e antes de ser aceite como comandante de linhas internacionais, seria submetido a uma verificação final perante um instrutor sénior.Tais verificações, bem como as periódicas verificações semestrais, eram verdadeiras sessõe

de precisão, o que correspondia às exigências dos próprios pilotos, uma vez que estavamem causa a segurança do publico e o seu nível de profissionalismo. Não obstante, os comandantes seniores em voos de verificação eram tcatadoslos seus colegas, à excepção de Demerest, com uma extrema cortesia. Este tratava-os como meninos de escola apanhados em falta e levados à presença do director. Era arrogante e condescendente. Os pilotos juravam entre si que, quando chegasse a vez deDemerest, o submeteriam à verificação mais dura e exigente da vida dele. Tal assim acontecia, mas o desempenho de Demerest era sempre impecável.

Naquela tarde, Demerest iniciara a sessão com um telefonema para casa do comandante Hams: - Vai estar uma noite má para Conduzir - dissera. - Gosto que a minha tripulação seja pontual, Portanto sugiro-lhe que saia de casa com tempo suficiente paraChegar ao aeroporto a horas.

Harns, que durante vinte e dois anos na Trans America nunca chegara atrasado a um voo, ficara indignado. Ainda furioso, chegara ao aeroporto com três horas de antecedência sobre a hora do voo, em vez de uma hora, como era do regulamento. Quando Demerest o encontrara no coffee shop, Hams já estava de uniforme.- Olá, Anson. - Demerest sentara-se no lugar ao lado. - Vejo que seguiu o meu conselho. - Hams apertara com mais força a chávena de café. - Vamos fazer o briefing antes do voo vinte minutos mais cedo do que o costume - continuara Demerest.- Quero examinar os seus manuais.Graças a Deus, pensara Harns, que na véspera a sua mulher passara revista aos manuais e inserira neles as últimas emendas publicadas; não obstante, era talvez preferívelir verificar se na sua caixa de correio não haveria mais alguma publicação.Quando a criada trouxera o café, acendera o cachimbo, consciente de que Demerest o observava com ar crítico.- Você não traz a camisa do regulamento - criticara Demerest.Por alguns momentos o comandante pensara que o colega gracejava. Em seguida, o rosto ruborizara-se-lhe. As camisas do regula- mento eram uma fonte de irritação para os pilotos. Custavam nove dólares cada uma através da companhia e em geral não caíam bem e eram de qualidade duvidosa. Havia camisas muito semelhantes de qualidade muito superior e de preço bastante mais acessível. A maior parte dos pilotos, entre osquais o próprio Demerest, usava camisas não regulamentares.Demerest continuara: - Não vou comunicar que você não estava com a camisa do regulamento no coffee shop, desde que a vista antes de entrar no meu voo.??Meu Deus, a?uda-me a não explodir", implorara Hams para consigo mesmo. .?E provavelmente isso que ele quer". Dominara-se e decidira trocar de camisa com qualquer outro piloto.

- Eh! - dissera Demerest. - Você trincou a ponta do seu cachimbo !Ao recordar este pormenor, Demerest soltou uma risada. Fez soar vários toques de campainha na porta de Gwen, as suas iniciais em Morse, e entrou usando a sua própri

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a chave.Gwen, que estava no chuveiro, chamou-o: - Vernon! -Possuía uma voz límpida e melodiosa, uma das razões do sucesso que obtinha junto dos passageiros. - Ainda bem que chegaste cedo, porque queria conversar contigo antes de sairmos. Podias fazer chá para os dois! - acrescentou.Como a maioria dos pilotos, Demerest não bebia álcool durante as vinte e quatro horas que antecediam o voo, e Gwen convertera-o ao hábito inglês do chá. Demerest encaminh

ou-se para a minúscula cozinha e colocou ao lume uma chaleira com água enquanto recomeçava a cantarolar O Sole Mio.MEL Bakersfeld tremia ao dirigir-se para a pista um sete esquerda. Perguntou a si próprio se estaria a tremer devido às recordações desencadeadas pelo pressentimento de perigo que tivera minutos antes.

Mel fora piloto da Marinha durante a guerra da Coreia, desempenhando missões de combate a partir do porta-aviões Essex. Uma noite tivera o pressentimento de que qualquer acontecimento fatídico se aproximava dele inexoravelmente. No dia seguinte,durante um combate aéreo, o avião que ele pilotava fora atingido sobre o mar. Conseguira fazer uma amaragem controlada, mas o seu pé esquerdo ficara entalado num pedal de leme torcido. Com o avião a afundar- -se, Mel usara a faca de mato do estojo

de sobrevivência e esfaqueára desesperadamente o pé e o pedal. Já imerso, e sem saber como, conseguira libertar o pé. Viera à superfície, sofrendo dores agudas devido aos ligamentos despedaçados, e fora recolhido. Os médicos da Marinha tinham-lhe tratado o pé, mas Mel nunca mais pilotara um avião e de vez em quando a dor voltava, fazendo-orecordar a justeza do seu pressentimento.Estava a aproximar-se da pista um sete esquerda. Desde o início da tempestade queas pistas eram ininterruptamente percorridas por limpa-neves, aspiradores de neve e máquinas-varredoras, ruidosos veículos Diesel avaliados em vários milhões de dólares.Um centímetro e meio de lama ou sete e meio de neve macia eram o máximo permitido em pistas para jactos - uma profundidade superior seria sugada pelos motores, pondo em perigo as operações.Lamentavelmente, pensou Mel, as equipas de neve não trabalhavam à vista do público, porque produziam um efeito impressionante, como constatava naquele momento. Ilumin

adas pelos holofotes dos veículos, colunas gigantescas de neve caíam em cascata para a direita, descrevendo arcos de cerca de cinco metros, e reflectiam, tremeluzindo, as cores dos vinte faróis rotativos que giravam nos tejadilhos dos veículos. O grupo era chamado bicha da conga em calão do aeroporto - e de facto avançava ao longo da pista com precisão coreográfica. O chefe do comboio, um encarregado sénior num carro amarelo brilhante do aeroporto, seguia à frente. Era ele quem marcava o andamento, rápido em geral. Tinha dois rádios e permanecia em contacto tanto com a Divisão de Neve como com ocontrole de tráfego aéreo. Por meio de um sistema de luzes, transmitia sinais aos condutores que o seguiam: ?.verde", para aumentarem avelocidade; ?,âmbar", para manterem o andamento; ??vermelho?., parareduzirem a velocidade, e.?vermelho intermitente", para pararem.Atrás do chefe de equipa vinha a monstruosa máquina limpa-

-neves n." 1, rebocada por um Oshkosh, com duas pás. Atrás, à direita, uma segunda máquina recebia a carga que a primeira lançava para o lado, e juntando-lhe mais neve, atirava para mais longe as duas cargas. Seguia-se um Snowblast, uma bisarma troante de seiscentos cavalos, que com jactos poderosos sorvia a neve amontoa- da pelos limpa-neves e a expelia num arco para lá dos limites da pista. Num segundo grupo, mais à direita, avançavam mais dois limpa-neves e outro Snowblasr. Vinham a seguir as niveladoras, cinco máquinas avançando em paralelo, com as pás baixas puxando escovas rolantes movidas a Diesel com quase cinco metros de largura, que limpavam asuperfície da pista. Seguiam-se as máquinas de areia, cujos reservatórios tinham uma capacidade aproximada de quatro metros cúbicos cada um. Nos acessos e zonas públicasdo aeroporto espalhava-se sal para derreter o gelo, mas nas zonas aeronáuticas o p

rocedimento era diferente porque o sal corroía o metal e os aviões eram tratados com mais respeito do que os automóveis. A bicha da conga terminava com o chamado,?Fim de Fila,? um carro em que um segundo encarregado encarreirava os veículos tresmal

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hados. A bicha era acompanhada pelo seu séquito: um limpa-neves de socorro, um camião de assistência com mecânicos, carros de reabastecimento, uma carrinha com café e donnuts.Mel acelerou, ultrapassou este séquito e alinhou o seu automóvel com o do segundo-encarregado. A equipa movia-se rapidamente- sessenta quilómetros por hora em vez dos habituais quarenta, uma vez que, dada a previsão da mudança de vento, aquela pistaia ser necessária.

Sintonizando o rádio para a frequência de terra do controle de tráfego aéreo, Mel ouviuo chefe de equipa pedir autorização para atravessar a intersecção entre a pista um setee a pista dois cinco. Da torre, uma voz respondeu em tom pesaroso. Sabiam que era difícil fazer parar uma bicha da conga em andamento e repô-la seguida- mente em marcha, mas aproximava-se um avião prestes a aterrar. À frente de Mel as luzes vermelhas faiscaram numa ordem. A bicha da _nga abrandou e parou. O segundo-encarregado, um negro aindavem e bem disposto, saltou do carro e dirigiu-se a Mel. - Mr. Ba- ersfeld, não lhe apetece juntar-se a nós? Um dos rapazes podemar conta do seu carro!Mel sorriu. O prazer que experimentava na condução de equipamento pesado era conhecido de todo ó pessoal. Gritou: - OK, vou

m o segundo Snowblast. ;? O segundo-encarregado, que empunhava um holofote, conduziu-o ao longo da fila de niveladoras e máquinas de areia estacionadas. Na retaguarda, alguém saltou do camião de assistência e precipitou-se ?para o automóvel de Mel. É -melhor apressar-se, Mr. Bakersfeld. A paragem vai ser curta. - O jovem negro iluminou com a sua lanterna a cabina do Snowblast para a qual Mel trepava. À frente,as luzes vermelhas ??intermitentes haviam sido substituídas pelo verde; provavelmente o ?avião já aterrara. A bicha da conga devia agora apressar-se, a fim de ?atravessar a pista antes da aterragem seguinte. Olhando para a ;retaguarda, Mel viu osegundo-encarregado correr para o seu carro.O Snowblast, cujos motores atroavam os ares, estava já a ganhar velocidade quandoMel e o condutor se cumprimentaram. Mel reconheceu o funcionário que, quando não havia emergências devi- das à neve, era um empregado dos escritórios do aeroporto.A cabina do Snowblast parecia a ponte de comando de um navio. O condutor segurav

a o volante do controle principal como se fosse um homem do leme. Um sem-número de mostradores e alavancas brilhava na escuridão. Um limpa-pára-brisas circular, de alta velocidade, tal como num navio, proporcionava ao condutor uma visãoampla e nítida, enquanto o pára-brisas do passageiro era aquecido.Mel observou a formação exacta da bicha da conga. Alguns anosantes, com uma tempestade daquelas o aeroporto teria sido fechado.

O condutor comentou: - Isto sempre é uma mudança no meu trabalho com uma máquina de calcular. Não sou obrigado a fazer isto, sabe? Sou voluntário. Mas gosto de estar cá fora. - Riu e continuou: - Dou-me bem com a neve, se calhar.- Não, Will, não acredito - respondeu Mel. O que acontecia era que no campo existiauma sensação de proximidade com a aviação real, do homem contra os elementos. Era uma sensação que se perdia quando se ficava tempo demais nas aerogares. ??Talvez todos nós,da direcção do aeroporto,? pensou Mel, .?devêssemos uma vez por outra, ú até ao fundo daspistas e sentir o vento à fustigar-nos o rosto.?,foi Á menos de cinco anos, o aeroporto internacional de Lincoln fora considerado um dos melhores aeroportos do Mundo. Os terminais de passageiros, com os seus vidros e cromados resplandecentes, mantinham ainda uma aparência espectacular, com seis restaurantes; bares, lojas e serviços de hotelaria.Porém, tal como uma quantidade impressionante de outros aeroportos. Lincoln estava prestes a transformar-se num sepulcro caiado. As suas deficiências afectavam essencialmente as áreas operacionais. Dos oitenta mil passageiros que diariamente entravam e saíam, poucos eram os que tinham consciência de quão arriscado se tornava aterrar nas pistas sobrecarregadas. Em dias de tráfego normal, havia uma descolagem ouaterragem? em cada trinta segundos nas duas pistas principais. Devido às reclamações d

e Meadowood, em períodos de ponta utilizava-se uma pista alternativa que interceptava uma das outras duas. Quando tal sucedia, as aeronaves levantavam ou aterravam em rotas convergentes, e havia momentos em que os controladores de tráfego rezav

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am, sustendo a respiração. Keith, o irmão de Mel, predissera com ar sinistro: - Muitobem, continua- mos a andar na corda bamba, e até agora conseguimos evitar colisões naquela intersecção. Mas qualquer dia um de nós, num segundo de distracção, ainda vai provocar uma colisão. E, nessa altura, vai ser de novo o desastre do Grand Canyon.A bicha da conga acabara de atravessar a intersecção. Mel olhou para trás - viam-se luzes de navegação sobre a outra pista, deslocando-se rapidamente quando o avião descolava. Por inconcebível que parecesse, distinguiam-se, apenas alguns metros atrás, as l

uzes dos aviões que acabavam de aterrar. O condutor do Snowblast assobiou: - Estafoi mesmo à justa! - Mel acenou. Sentira um arrepio de medo. Aquele controlador estava a raiar demasiado perto as margens de segurança. Como habitualmente, o controlador avaliara a situação com precisão e exactidão, mas tais processos eram de tal modoarriscados que representavam um risco permanente.Como porta-voz nacional sobre assuntos de logística de aviação ligado a círculos que frequentavam a Casa Branca durante os anos do mandato presidencial de Kennedy, Melassinalara frequentementes riscos. Há muito tempo que vinha pedindo, além da construção _ mais pistas, a compra imediata de mais terreno para desenvolvinento a longo prazo. Mas era difícil convencer o Conselho de

administração do Aeroporto e os membros da Câmara Municipal da cidade de que um portode jactos construído no final dos anos cinquenta se estava a tornar inadequado. ?.Talvez Keith tenha razão, pensou Mel. ??Talvez seja necessário um desastre para acordar a consciência pública, tal como o desastre do Grand Canyon forçou o insidente Eisenhower e o 84.o Congresso a reformar as companhiasaéreas nacionais. "- Já chegámos ao fim da pista, Mr. Bakersfeld. Volta para trás connosco? - perguntou o condutor do Snowblast, arrancando Melsuas divagações.À frente deles brilhavam luzes de aviso. A bicha da conga, ?__pois de ter desobstruído metade da largura da pista, seguiria agoratrajecto em sentido inverso, a fim de limpar a outra metade.- Não, fico aqui - respondeu Mel.

- Muito bem, Mr. Bakersfeld. - Momentos depois, o condutor ?fez um sinal luminoso ao veículo do segundo-encarregado e Mel "desceu e encontrou o carro à sua espera.Enquanto se dirigia para o ;terminal, enviou pelo rádio uma mensagem à Divisão de Neve, comunicando que a pista um sete esquerda estaria em condições de ser usada em breve. Sintonizando para o controle de terra do controle de tráfego aéreo, baixou o volume do som, e o ruído de vozes assim atenuado era um pano de fundo para os seus pensamentos. Recordava-se da sua ligação com o presidente Kennedy, com quem travara amizade subsequentemente a um discurso que fizera em Washington, na qualidade de presidente do Conselho de Operações de Aeroportos - o mais jovem presidente até à data. Falara sobre a importância crescente do comércio aéreo e sobre a falta de planeamento relativamente aos aeroportos. ??Já quebrámos a barreira do som", afirmara Mel, ?.mas ainda não quebrámos a barreira do solo,?.No dia seguinte fora convidado para a Casa Branca. Constatara que o presidente partilhava de muitas das suas próprias ideias, o que dera origem a outros encontros. Um ano depois, aproximadamente, o presidente sondara-o sobre a possibilidade de vir a dirigir a Direcção- -Geral da Aeronáutica. Pouco tempo depois, porém, John F. Kennedy realizara a sua fatídica viagem ao Texas.A administração Johnson trouxera os seus próprios conselheiros? e quando Mel terminara o seu segundo período como presidente dó Conselho de Operações de Aeroportos as viagens a Washington haviam cessado. Agora, a menos que algo de dramático acontecesse; asua carreira terminaria no ponto exacto em que se encontrava.- Móvel um, torre. Qual é a sua posição? - O rádio inter- rompeu-lhe o curso dos pensamentos. Comunicou que se aproximava do terminal de passageiros principal. - Móvel um,deixe passar o Nord da Lake Central e depois siga-o.Minutos mais tarde Mel deixava o automóvel na garagem da cave e chamava a Divisão de

 Neve. Danny informou-o de que não havianovidades, à excepção de mais reclamações de Meadowood.Mel respondeu, irritado: - Meadowood vai ter que suportar. Entretanto fico por a

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qui até que Patroni tome conta da pista três zero. - Aquela estranha sensação de mau presságio ainda não o abandonara.- Bem, nesse caso telefona à tua mulher. Vou dar-te o número.

Mel apontou o número do telefone, esperou um pouco e fez a ligação. Pediu para falar com Cindy, e após uma curta pausa ouviu-a interpelá-lo com aspereza: - Mel, porque é que ainda não vieste?

- Têm surgido problemas no aeroporto. É. . .- Mel, anda já para cá.Por vezes Mel tentava associar a voz verrinosa da Cindy actual com a da Cindy que ele recordava dos primeiros tempos do seu casamento. A doçura de Cindy fora um dos factores que mais haviam atraído Mel no seu primeiro encontro, em S. Francisco. Mel estava de licença, vindo da Coreia. Cindy, uma actriz de segunda categoria, não conseguira levar a bom êxito a carreira que ambicionara. Como ela própria o admitira, num momento de franqueza, o casamento constituira um escape acolhido de bom grado.Agora à medida que aumentavam as suas aspirações de ascensão social, ela não gostava que o seu passado de actriz fosse mencionado.- Vou logo que possa - respondeu Mel.

- Sabias perfeitamente que esta noite era importante para mim - ripostou Cindy bruscamente. - Prometeste-me.Mel estava a imaginá-la, um metro e meio de energia voluntariosa os olhos azuis afaiscar, a cabeça loira lançada para trás.Respondeu bruscamente: - Tenho acedido aos teus pedidos a maior parte das vezes, Cindy. Tenho isso anotado. No ano passado disseste que fosse a cinquenta e sete dessas tuas festinhas de dade. Compareci a quarenta e cinco. Por isso, agora pedes culpa por mim e explicas por que razão estou atrasado. Já agora, 1 é o pretexto desta vez? - É um jantar de publicidade para promoção do baile para o ido de Auxílio às Crianças. Está cá a imprensa e estão a tirar " Percebia agora por que razão Cindy exigia a sua presença. Com ?lel ao lado teria muito mais hipóteses de ver publicada uma fotografia sua. Entretanto, ela explodia: - Se não vens, está tudo acabado. Entendes?- Não sei se entendo muito bem! - respondeu Mel serena- mente. O instinto avisava-

o de que aquele momento era importante para ambos. - Talvez seja melhor explicares-te.- Descobre tu - respondeu ela, e desligou.Já no seu gabinete, Mel despiu a pesada roupa de Inverno e deixou-a cair no chão. Sentou-se à secretária e descansou a cabeça nas mãos. E então, no gabinete silencioso, na mesa ao lado da secretária, o telefone vermelho retiniu.Respondeu: - Fala Bakersfeld.- Aqui controle de tráfego aéreo - anunciou o chefe datorre. - Temos uma emergência aérea de categoria três.  CAPÍTULO III IfEITH Bakersfeld já fizera mais de metade do seu turno diário de oito horas na sala de radar, imediatamente abaixo da cúpula envidraçada de onde o controle de tráfego aéreo dirigia o tráfego das ?aeronaves em terra e os voos locais. A jurisdição da secção de radar abrangia um sector mais vasto, estabelecendo ligações entrecontrole local e o centro regional de controle de tráfego aéreo mais próximo. Estes centros, habitualmente situados a alguns quilómetros de qualquer aeroporto, controlavam os pontos de cruzamento das rotas.

A sala de radar não tinha janelas. Dia e noite, dez controladores trabalhavam à luzdifusa de lâmpadas de néon. O equipamento revestia completamente as paredes e em geral os controladores trabalhavam em mangas de camisa, uma vez que a temperatura era mantida a vinte graus para proteger os delicados instrumentos electrónicos. O tom dominante naquele local era a calma, mas sob essa aparência reinava uma permanente tensão nervosa. A tensão elevara- -se com a intempérie, sobretudo naquele momento, quando um sinal especial no écran dó radar fez cintilar uma luz vermelha e soar umdispositivo de alarme na sala de controle.

O dispositivo e a luz vermelha foram desligados, mas o sinal de radar conhecidocomo duplo blip surgiu no écran semiobscuro como uma trémula borboleta verde. Indicava que havia um aparelho em perigo. No meio da tempestade, bem acima do aeroport

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o, um KC-135 da Força Aérea dos EUA, que se dirigia para a base da Força Aérea de Andrews, solicitava autorização para uma aterragem de emergência devido a problemas no sistema eléctrico.Febrilmente, o pessoal da sala de radar começou a trabalhar paca desimpedir uma área para o avião, que a dez mil pés iniciava uma aproximação por instrumentos. Abaixo dele, aguardando a sua vez de aterrar, sobrevoavam cinco aviões comerciais, colocados a inter- valos de mil pés e descrevendo órbitas em espaço limitado. Mais abaixo ainda,

três aviões de passageiros efectuavam aproximações. Fosse como fosse, era necessário abrir caminho para o voo da Força Aérea através daquele labirinto de aviões. Normalmente, esta opera- ção punha à prova os nervos mais resistentes, mas naquela altura a situação complicava-se por ter falhado o sistema de rádio do avião. O contacto oral com o piloto desaparecera.Keith trabalhava no écran liso onde aparecera o sinal, e o supervisor juntara-se a ele. Os dois homens transmitiam decisões urgentes, pelo interfone, aos controladores em posições contíguas, e por rádio aos outros aparelhos. O chefe da torre de controle fora informado da ocorrência e alertara os serviços de terra.O écran de radar era um vidro circular horizontal com as dimensões de um pneu de bicicleta inserido no tampo de uma mesa de consola. Na superfície, verde-escura, cintilavam pontos verdes brilhantes que assinalavam os movimentos de todo o tráfego aére

o num raio de sessenta e cinco quilómetros. Ao lado de cada ponto luminoso havia um marcador de plástico, conhecido pelo nome de ??silhueta", que os controladores deslocavam à mão de acordo com o movimento dos aviões. Naquela noite havia um extraordinário número de aviões no écran.Keith, sentado numa cadeira metálica, o corpo magro debruçadoa a frente, estava colado ao écran. Em tempos, Keith fora uma pessoa que irradiava simpatia, serenidade e bom humor; actualmente, seu rosto encovado denotava tensão. Embora seis anos mais novoe Mel, aparentava ser mais velho.Wayne Tevis, o supervisor, observava-o discretamente e via com apreensão aumentarem os sinais de esgotamento.; Tevis um texano to e desengonçado, sentara-se num banco alto com rodas, do qualia espreitar, por sobre o ombro dos operadores, os vários écrans. deslocava-se no ba

nco como se estivesse a montar a cavalo,

pulsionando-se até aos locais onde era necessário através de pancadas que desferia nosolo com as suas botas de texano. Nos últimos minutos não se afastara muito de Keith, pronto, se necessário, a substituí-lo. Detestaria tomar semelhante decisão, sabendoquão profundamente esta iria afectar Keith, mas se a situação o exigisse fá-lo-ia sem hesitação.Dirigiu-se a Keith, na sua voz arrastada: - Keith meu velho, ?sse voo da Braniff está a aproximar-se do Eastern. Se voltares o ?raniff para a direita, podes manter o Eastern na mesma rota.- Keith deveria ter apreendido a situação e tê-la solucionado sozinho.Keith premiu o microfone com uma pancada. - Braniff oito vinte e nove, efectue imediatamente uma volta à direita, rumo zero nove zero. - Embora em momentos como aquele a voz do controla- ?dor devesse aparentar calma, a voz de Keith soou estridente e Tevis olhou-o atentamente. Mas os blips no écran do radar, ainda há pouco perigosamente próximos, começaram a afastar-se, logo que o comandante do Braniff obedeceu às instruções. Os controladores de tráfego aéreo nunca deixavam de dar graças a Deus pas reacções rápidas dos pilotos de aviação. Estes podiam protestar quando eram obriga- dos a efectuar voltas súbitas, que sacudiam os passageiros, mas quando a ordem dizia: ??Imediatamente?, obedeciam.Dentro de um ou dois minutos o voo da Braniff teria de efectuar nova volta, talcomo o da Eastern, ao mesmo nível. Antes, porém era preciso traçar novas rotas para dois voos da TWA - um mais alto, outro mais baixo -, um Convair da Lake Central, um Vanguard da Air Canada e ainda um Swissair acabado de entrar no radar. Todos teriam de efectuar curtos percursos em ziguezague. Era um intricado jogo de xadre

z, com a diferença que as peças se encontravamníveis diferentes, se moviam a centenas de milhas por hora e não podiam aproximar-se entre si mais de três milhas lateralmente e m?

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pés na vertical.Keith perguntava a si próprio que sensação experimentaria a piloto da Força Aérea. Provavelmente, solidão. Também Keith s? sentia isolado, embora rodeado de presenças físicas - sozinho num compartimento interior do seu espírito, com as suas recordações, a sua consciência, o seu medo. Só; agora e para sempre.Indicou novos rumos ao Swissair, a um dos TWA, ao Lake Central e ao Eastern. Ouvia Tevis, que tentava estabelecer de novo contacto radiofónico com o KC-135 e não ob

tinha resposta, mas no radar o duplo blip, accionado pelo piloto, ainda brilhava, e a sua posição indicava que o piloto estava a seguir as instruções que recebera antes de o rádio falhar. Assim, o controle de tráfego aéreo podia antecipar-lhe os movimentos.Um calmo fluxo de ordens jorrava da sala de radar, com o objectivo de manter osvoos que chegavam fora da área de perigo. Em voz baixa mas com uma nota de urgência, um controlador

chamava: - Chuck tenho um bico-de-obra! Podes tomar conta do Delta setenta e três? - Outra voz respondeu: - Estou até aos cabe- los também. . . Aguenta. . . Afirmativo. Já o apanhei. Delta setenta e três, aproximação de Lincoln. Volte à esquerda, rumo um dois zero. Mantenha a altitude, quatro mil. Aquela descolagem da Lufthansa está for

a do rumo. Tirem-no da área de aproximação!Uma vez terminada a emergência, seria necessária uma hora ou mais para deslindar o engarrafamento. Keith tentava arduamente reter uma imagem mental do seu sector ede todos os aparelhos que nele se encontravam. O maior pesadelo de um controlador era ??perder a imagem", o que sucedia quando o cérebro sobrecarregado se rebelava e de repente parecia ficar vazio. Acontecia aos melhores. E até ao ano anteriorKeith fora o melhor.Tevis fez rolar o seu banco pela sala a fim de verificar outro controlador. O cérebro de Keith continuou a emitir decisões rápidas. Virar o Braniff à esquerda, o Air Canada à direita, o Eastern a cento e oitenta graus. O Convair da Lake Central, mais lento, podia aguardar mais um minuto. O jacto da Swissair estava a convergir para o Eastern e precisava de novo rumo, mas qual? Quarenta e cinco graus à direitadurante um minuto, depois de novo à direita. ? m novo voo surgia de leste a alta

velocidade -.?concentra-te, concentra-te??. Keith decidiu sombriamente: ??Esta noite, sobretudo ?ta noite, não vou perder a imagem." Só ele sabia que era a última vez que se sentava em frente de um écran de radar. Era o seu último dia de vida.- Faz um intervalo, Keith. - Era o chefe da torre, que entrara sem se fazer notar e que estivera a falar com Tevis.Keith sabia por que razão estava a ser substituído, embora ainda não tivesse chegado a altura de fazer um intervalo. A situação era de crise; não confiavam nele. Para um controlador sénior com quinze attos de experiência, era uma humilhação.Tevis inclinou-se para ele. - Lee toma conta disso, Keith.- Fez sinal a um controlador que acabava de chegar depois de um intervalo. Keith acenou em sinal de concordância, mas continuou a transmitir instruções aos aviões. Eram necessários vários minus para se passar o controle, um? vez que o novo controlador tinha de estudar o radar e deixar que no seu espírito se formasse a imagem mental da situação até ficar integrado. O ficar integrado faz parte do trabalho - ??afiar a lâmina,?, no calão dos controladores.Juntamente com a agudeza mental exigia-se uma calma aparente. E o esforço para manter estes dois requisitos era exaustivo - e cobrava o seu preço. Muitos dos controladores sofriam de úlceras, que ocultavam com receio de perder os seus empregos. Consultavam médicos particulares, abstendo-se da assistência clínica gratuita que Lhesera fornecida, e escondiam frascos de Maalox - ?,para o alívio da hiperacidez gástrica" - nos seus cacifos. Alguns controladores sofriam acessos de cólera em casa como resultado das tensões acumuladas. A taxa de divórcios entre os controladores era bastante elevada.- OK. - disse o novo controlador. - Tenho a imagem.Keith deslizou da sua cadeira e desligou os auscultadores. Quando saiu, o recém-ch

egado começara já a transmitir instruções ao TWA que voava a mais baixa altitude.Em qualquer aeroporto movimentado ocorriam diariamente várias emergências. Habitualmente, poucas pessoas se apercebiam do facto,

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dado que quase todas essas situações eram resolvidas; mesmo os pilotos só raramente eram informados dos motivos por que haviam recebido instruções repentinas para executarem voltas. No entanto, o pessoal de emergência de terra e a direcção do aeroporto eram sempre alertados. A sua actuação dependia da categoria das emergências; a mais grave, de categoria um, assinalava uma colisão; acategoria dois indicava perigo de vida ou lesões graves iminentes?

durante uma emergência de categoria três alertava-se o pessoal deemergência para que estivesse a postos.Keith entrou nós vestiários dos controladores, naquele momentovazios. Abriu o seu cacifo, do qual retirou o farnel que Natalie, suamulher, lhe preparara naquela tarde. Enquanto vertia café de um termo, indagava-se se Natalie teria juntado à refeição um bilhete ou recorte de uma revista. Ela fazia-o frequentemente, para o ajudar a distrair-se do seu problema. Natalie esforçava-se tremendamente para que a família voltasse a ser o que fora. Mas nos últimos temposo número de bilhetes e recortes diminuíra; dir-se-ia que ela acabara porperder a esperança. Pelos seus olhos congestionados ele percebia queultimamente ela chorava. Keith quisera ajudá-la, mas comoconsegui-lo, se não conseguia sequer ajudar-se a si próprio?

Na parte interior da porta do armário colara uma fotografiacolorida de Natalie em bikini, sentada num rochedo ao pé de umlago, rindo, a mão esguia sobre os olhos, a protegê-los do sol. Acâmara conseguira captar simultaneamente o seu aspecto etéreo e a sua vontade firme. Tinham ido acampar no Canadá, deixando osfilhos, Brian e Theo, com Mel e Cindy. Fora uma das épocas mais felizes das suas vidas.Agora, porém, Keith não experimentava qualquer emoção; nem ternura, nem amor, nem mesmoira. Sabia que Natalie já tomara consciência da sua incapacidade para o ajudar. Melainda não desistira por completo, mas Keith esperava que ele não aparecesse naqueledia. Não se sentia com coragem para o enfrentar, muito embora tivessem sido dois irmãos extraordinariamente unidos.

Retirou o farnel da caixa, ainda com a esperança de encontrar um bilhete de Natalie. Havia sanduíches de presunto e agrião, uma embalagem de queijo e uma pêra. Mais nada. Desejou desesperada- mente ter encontrado uma mensagem, qualquer que fosse. Lembrou- -se então de que não houvera tempo. Como precisara de ultimar uns preparativos, saíra de casa mais cedo do que habitualmente e Natalie tivera que se apressar. Sentia-se aliviado por ela não o ter interroga- do sobre o motivo que o obrigavaa sair mais cedo. Não gostaria que as últimas palavras entre ambos fossem uma mentira. Dirigira-se à Estalagem O'Hagan, próximo do aeroporto, onde reservara um quarto antes de seguir para a torre de controle. Dentro em breve, nas acabasse o seu turno, regressaria à estalagem. Tinha a chave quarto no bolso. _ A reunião dos habitantes de Meadowood, no hall da escoladominical da Primeira Igreja Baptista - a quinze segundos da extremidade da pista dois cinco, à velocidade de jacto -, já se desenrola-há meia hora. Apesar da neve, estavam presentes umas seiscentas pessoas, entre homens e mulheres, e vários jornalistas. A irritação que grassava em Meadowood contra o ruído dos jactos, que jáva há muito, aumentara naquela noite devido à impossibilidademuitos dos presentes ouvirem o que era dito. De facto, com a pista três zero bloqueada, um número de aviões superior ao habitual restava a pista dois cinco, orientada na direcção de Meadowood.oyd Zanetta, o presidente, um sexagenário calvo, aproveitou um silêncio momentâneo para gritar através do sistema de altifalantes portátil da igreja: - Há anos que vimos adizer à direcção do aeroporto e às companhias aéreas que somos obrigados a suportar um ruí tal que a nossa saúde mental corre perigo. - Bateu com a mão ?na estante à sua frente. - E tanto o aeroporto como as companhias :fazem promessas que não têm a menor inte

nção de cumprir. São mentirosos e. . .A palavra ?.mentirosos,? perdeu-se num monstruoso crescendo de som, que fez estremecer o edifício e depois diminuiu até se extinguir.

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Já a várias milhas de distância, o voo cinquenta e oito da Pan America elevava-se no céu por entre a tempestade e a escuridão, rumo a Frankfurt, na Alemanha. Entretanto,outro avião, com destino a Denver, rolava já, no fundo da pista dois cinco, autorizado a descolar sobre Meadowood.Zanetta prosseguiu rapidamente: - Afirmei que são mentirosos. A partir de agora, devemos preparar-nos para lutar em tribunal e. . . - Mais uma vez um troar ensurdecedor. O presidente ergueu a mão num gesto de desespero. Por fim, entre os altos

e baixos do ruído, conseguiu apresentar à assembleia um homem novo com uma pasta que estava sentado a seu lado. - Mr. Elliot Freemantle, conceituado advogado - disse -, fez um estudo sobre as decisões legais sobre poluição sonora.Elliot Freemantle ergueu-se. Apresentava-se impecavelmente cuidado, desde o cabelo, entremeado com alguns fios brancos, recente? mente cortado, aos sapatos de pele de crocodilo de duzentos dólares: Freemantle descobrira que contrariamente aoque se passava com o? médicos, os clientes atendiam ao aspecto dos advogados, cujo ?- próspero ligavam a uma carreira de êxitos profissionais.

Para Freemantle, possuidor de um instinto teatral, a situação de Meadowood representava uma verdadeira oportunidade. Conseguir que o seu nome fosse sugerido a váriosresidentes como sendo o advogado mais indicado para os ajudar. Consequentemente,

 fora consultado por uma comissão. Embora tivesse realizado apenas um estudo superficial sobre as decisões dos tribunais sobre casos similares, dirigiu-se à assembleia com o à-vontade de um perito. - Se estão à espera da minha comiseração - pronunciou numtom deliberadamente áspero - não vale a pena continuarem. Não sou fornece- dor de lenços para limpar lágrimas. Eu trabalho com a lei, e apenas com a lei! - Os lápis dos jornalistas corriam velozes. A colaboração com a imprensa ocupava lugar de destaque nalista de prioridades de Freemantle, e a melhor forma de a conseguir consistia em fornecer aos jornalistas uma história animada.Num tom menos agressivo continuou: - Estou convencido de que têm direito a uma indemnização legal. Se trabalharmos juntos, prometo-vos que não se arrependerão de me ter a vosso lado.- Teve um sorriso breve: - Há quem diga que sou um homem mesquinho e desagradável. Pessoalmente, se alguma vez precisar de um advogado, hei-de escolherum homem mesquinho, desagradável e duro.

Hauve acenos e sorrisos de aprovação e a multidão inclinou-se para a frente, com ar atento, enquanto Freemantle continuava a falar nos intervalos das descolagens dosaviões. De acordo com as decisões dos tribunais, continuou, estava a consolidar-se a ideia de que o excesso de ruído podia ser considerado atentado contra a privacidade e uma violação do direito de propriedade. Além disso, os tribunais estavam inclinados a conceder embargos judiciais e indemnizações financeiras desde que fosse possívelprovar a intromissão dos aviões. Citou uma decisão do Supremo Tribunal dos EUA contraCausby, que abrira um precedente na concessão de indemnizações pelos prejuízos causadospor excessivo ruído das aeronaves e mencionou casos que estavam a correr rios tribunais.Eximiu-se a mencionar as regras que desresponsabilizavam os iportos pelo ruído, porque queria angariar como clientes os dentes de Meadowood e receber deles honorários exorbitantes. ?ulava que conseguiria persuadir uns duzentos e cinquenta destes ntes em perspectiva a concederem-Lhe avenças de cem dólares cada ?, para o que trazia na sua pasta uma quantidade de impressos. A garantia de vinte e cinco mil dólares parecia ao seu alcance. - Já vos expus o panorama legal - terminou. - Agora vou -vos um conselho. Não fiquem à espera! Comecem a actuar já, i noite ! Um homem levantou-se. - Muito bem! Diga-nos com devemos - Contratando-me como vosso consultor jurídico. Ouviu-se um coro de várias centenas de vozes e aplausos. Resultara, e eles iam receber o valor do seu dinheiro: um belo ec?áculo com fogo-de-artifício nos tribunais e onde quer que se. No primeiro acto daquele drama os actores seriam os habitantes de Meadowood; o local, o aeroporto, e o tempo, aquela noite.Ao mesmo tempo que Freemantle saboreava o seu momento de tciunfo, um amarguradoempreiteiro da construção civil, de nome D. O. Guerrero, sucumbia a um sentimento de fracasso. Estava fechado num quarto de um miserável apartamento situado num edifíci

o sem elevador na zona sul da cidade. D. O. Guerrero era um homem magro, curvado, com as faces encovadas, óculos e um pequeno bigode. Uma série de desaires comerciais reduzira Guerrero e a família de um relativo bem-estar à miséria, forçando-os por fim

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 a mudarem-se para aquele apartamento infestado de baratas.Talvez Inês Guerrero tivesse conseguido salvar a situação se o temperamento do maridonão se tivesse tornado tão violento; sema- nas atrás, durante uma explosão de fúria, ele batera-lhe, pelo que ela mandara as crianças passar um tempo com a irmã, em Cleveland, e arranjara emprego como criada. Pelo menos, o ordenado assegurava- -lhes o sustento. Mas D. O. parecia nem notar a ausência dos filhos.

Naquele momento Inês estava no emprego e Guerrero encontrava-se sozinho. Em brevepartiria para o aeroporto. No bolso do seu sobretudo, colocado sobre uma cadeira semidesconjuntada, tinha uma passagem para o Golden Argosy. Era um bilhete de ida e volta para uma excursão a Roma que custava quatrocentos e setenta e quatro dólares. Guerrero conseguira pagar quarenta e sete dólares empenhando secretamente o último objecto de valor da mulher - Qanel da mãe. Prometera saldar a dívida e os juros, pagando prestações durante os dois anos seguintes. Nenhuma companhia financeiraou banco teria emprestado a Guerrero o dinheiro para uma viagem deautocarro até à povoação mais próxima, pois uma investigação teriarevelado o longo passado de insolvência de Guerrero. As suas empreitadas tinham falido. Usando o nome de Inês, tentara arranja capital para um negócio envolvendo a co

mpra de terrenos, que resultara num aumento de dívidas. Devido a declarações fraudulentas, estava sujeito a ser julgado e inclusivamente a ser preso. Mas as companhias de aviação eram menos exigentes na concessão de crédito, uma vez que ao longo dos anos se provara que os passageiros dos aviões eram invulgarmente honestos. Casos esporádicos como o de Guerrero não as preocupavam demasiado.Este apresentara uma ??carta de referência da entidade patronal.,, que ele próprio dactilografara num papel timbrado de uma companhia extinta, na qual em tempos trabalhara, e mudara a letra inicial do seu nome de G para B. Uma rotineira pesquisa sobre o crédito deMr. Guerrero não forneceria qualquer informação. A sua assinatura nocontrato de pagamento a prazo era indecifrável. O agente de vendas passara-Lhe o bilhete em nome de Guerrero. Quando, nessa noite, fizesse o check-in, pediria que escrevessem o seu nome correctamente no cartão de embarque, bem como no bilhete.

Seria importante que mais tarde não surgissem confusões sobre a sua identidade. Guerrero planeara fazer explodir o Golden Argosy, e ele próprio com o aparelho. Fariaum seguro de voo nomeando a mulher e as crianças seus beneficiários. Nos últimos tempos pouco fizera por eles, mas o seu acto derradeiro seria um gesto transcendentede amor e sacrifício. Com o espírito deformado pelo desespero, não concedera um único pensamento aos restantes passageiros que viajariam no voo dois.

Guerrero estudara vários casos de aviões destruídos por pessoas cujo objectivo era receberem o prémio do seguro. Quando, subsequentemente às investigações conduzidas após a colisão, se provavam os motivos, as apólices dos futuros beneficiários eram invalidadas.Mas era impossível saber ao certo quantos desastres eram resultado de sabotagem. Quando os salvados eram recuperados, os investigadores conseguiam habitualmente averiguar a verdade, mas Guerrero tencionava fazer explodir o voo dois a meio doAtlântico. Os destroços ficariam guardados para todo o sempre. ? Fechado no quarto, Guerrero acabou de montar o dispositivo Éxplosivo que construíra com dinamite que Lhe sobrara dos seus tempos de empreiteiro. A bomba, adaptada a uma pasta pequena e achatada, era instantaneamente detonável pela simples tracção de um ?o que passavaatravés de um orifício sob a pega e ligado a um detonador. Apesar de estar familiarizado com explosivos, Guerrero suava enquanto fazia passar o fio pelo buraco. Deixou bastante fio dentro da pasta, deu-lhe um nó da parte de fora para impedir quedeslizasse para dentro e fez um laço à medida de um dedo na extremidade. Agora já nada podia impedir a detonação da bomba quando ele puxasse o fio. Colocou alguns papéis sobre a bomba e fechou a pasta à chave.Viu as horas no despertador ao lado da cama. Acabavam de bater as oito horas, faltava um pouco menos de duas horas para a partida do avião. Eram horas. Tinha ? di

nheiro estritamente necessário para o autocarro que o conduziria ao aeroporto e para o seguro de voo. Vestiu o casaco, abriu a porta e saiu para a sala de estar decrépita, segurando cuidadosamente a pasta. Procurou um papel e um lápis e escreveu:

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 ??Vou estar fora durante uns dias. Espero em breve ter boas notícias que te vão surpreender. D. O.?? CAPÍ'TULO IV O tractor de reboque que sofrera o acidente estava completamente coberto de neve, e com todas as rodas no ar assemelhava-se a um dinossauro morto. Iluminavam a cena os holofotes dos dois reboques que Patroni mandara vir e faróis vermelhos colocados pela Polícia Estadual. Patroni estudaracuidadosamente a colocação dos camiões a fim de obter o maior efeito possível com as alavancas.

- Oiça - dizia ansiosamente o tenente da Polícia -, ainda pensa que vamos ter de o arrastar? Tem a certeza de que não conseguimos endireitá-lo?- Só se quiserem que a estrada continue bloqueada até amanhã de manhã.- Bom, nesse caso preocupamo-nos mais tarde com os prejuízos.Decorridos dez minutos, o último pino do braço do reboque for? colocado. Patroni acocorou-se, a fim de se certificar de que os cabo? e correias estavam suficientemente esticados. Avisou: - Devagar e com jeito. Façam deslizar primeiro a cabina domotorista. - A secção anterior do transporte rangeu num protesto e deslocou-se trinta centímetros, enquanto o condutor do camião resmungava e depois parava. Patroni gesticulou violentamente: - Continuem! E ponham o tractor a mexer.As rodas dos três camiões de reboque derrapavam sobre a camada de neve compacta. Depois, lenta e pesadamente, o veículo virado deslizou para o lado oposto da estrada,

 ao som dos aplausos dos circunstantes. Agora, apenas uma faixa da auto-estradaestava obstruída, e a sua desobstrução constituiria tarefa fácil para os reboques.Um carro-patrulha até então estacionado dirigiu-se para a auto- -estrada. O tenenteda Polícia disse a Patroni: - Era melhor tirar o seu carro da bicha e colocar-se à frente. Quer uma escolta? Mantenha-se atrás daquele carro. Eles têm ordens para o levar rapidamente para o aeroporto. E. . . muito obrigado.

GwElv entrou na cozinha já de uniforme. Como sempre, Deme- rest sentiu-se tocado pelo seu aspecto encantador. O rosto expressivo, com malares altos erguia-se para ele, e à luz das lâmpadas da cozinha a sua farta cabeleira negra brilhava. - Podesbeijar-me com força - disse ela. - Ainda não estou maquilhada. - Abraçaram- -se estreitamente, os lábios dela respondendo ardentemente aos dele. Depois ela afastou-se.- Vernon, meu querido, agora preciso de falar contigo.

- Paciência - resmungou ele. - Espero até Nápoles. Durante a viagem até à Europa podes imaginar-me lá em cima, no cockpit, em ponto de ebulição.Gwen riu-se. Sentaram-se e ela serviu o chá. Ele reparou, divertido, que as chávenas tinham a insígnia da Trans America. Todas as hospedeiras levavam para os aviões malas de mão parcial- mente vazias, que enchiam com artigos que sobravam. Além disso, nunca se procedia a qualquer inventário do equipamento transportável no final de cada voo. As companhias, pura e simplesmente, não tinham tempo para o fazerem e era mais económico aceitar as perdas do que controlar o processo. Muitas hospedeiras adquiriam assim cobertores, almofadas, toalhas, guardanapos, copos, talheres e pequenas garrafas de bebidas alcoólicas recusadas pelos passageiros de I.a classe. Tais desvios eram estritamente proibidos, mas as hospedeiras consideravam as ??aquisições?, uma espécie de bónus bem merecido.Gwen interrompeu o curso dos pensamentos de Demerest. - O que te queria dizer, Vernon, é que estou grávida - disse calmamente.Inicialmente, ele não conseguiu apreender o significado destas palavras. Depois disse: - Tens a certeza?- Claro que tenho.Seguiu-se um silêncio, e depois ele disse, pouco à vontade:- Se calhar não devia perguntar-te isto. . .- Tens direito a perguntar. - Os olhos escuros de Gwen fitaram-no com honestidade. -Queres saber se houve mais alguém. - Estendeu a mão e tocou na dele. - Não precisas de ter vergonha de perguntar. Eu quero dizer-te. Não houve mais ninguém' nem podia haver. É que, sabes, eu amo-te. E estou feliz, porque se deve amar a pessoa de quem se vai ter um bebé. Não achas?- Ouve, Gwen. - Cobriu as mãos dela com as suas. - Temos de fazer alguns planos. -

 Ele não alimentava quaisquer dúvidas sobre o que era necessário fazer.- Não tens de planear nada - respondeu Gwen. - Não tenciono causar-te qualquer complicação. Tinha que to dizer porque o bebé é teu, mas não precisas de te preocupar. Eu arran

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jo-me sozinha.- Mas eu quero ajudar. - O essencial era a rapidez. Teria Gwen escrúpulos de natureza religiosa em desembaraçar-se de uma gravidez não desejada? Em caso negativo, uma viagem rápida ao sítio certo resolveria o assunto. É claro que ele pagaria os honorários do médico. Levantou-se. - Continuas a querer vir a Nápoles comigo?- Claro, Vernon. Amas-me?Aproximou-se dele e ele beijou-a, murmurando: - Amo-te, sim! - Naquele momento e

ra verdade.Gwen libertou-se e relanceou o relógio; eram oito horas e vinte minutos. - São horas, meu comandante. É melhor irmos.

- NA verdade, Gwen, não tens que te preocupar - disse Vernon já a caminho do aeroporto. - As companhias de aviação já estão habituadas a que as hospedeiras fiquem grávidas. - Esperou que ela pronunciasse algum comentário, mas como tal não acontecesse, prosseguiu, ao mesmo tempo que conduzia cuidadosamente o Mercedes pelas ruas revestidas de uma espessa camada de neve.- Lembra-te de que as hospedeiras são, na sua maioria, oriundas de lares modestos com uma educação tradicional; de repente passam a ter empregos fascinantes; viajam, conhecem pessoas interessantes, hospedam-se nosmelhores hotéis. Saboreiam pela primeira vez la dolce vita.

Os olhos de Gwen faiscaram, coléricos. - Se estás a juntar-me ao lote dessas jovensoriundas de lares modestos, fica sabendo que não acho graça nenhuma.- Desculpa. - Demerest parou junto de um semáforo que resplandecia em mil reflexos vermelhos através da neve que caía.- Não era minha intenção misturar-te com ninguém, GwenTu és uma excepção. - A ira de Gwen desvaneceu-se. - É só que eu sou eu e i sou mais ningu. Durante algum tempo mantiveram-se em silêncio, enquanto ele conduzia. Depois Gwen disse, com ar pensativo: - Se fosse um az, podíamos chamar-lhe Vernon Demerest Junior, como os americanos fazem. Ele nunca gostara especialmente do seu nome. Começou a dizer: - Não gostava que o meu filho. . . - mas interrompeu-se. estava a pisar terreno perigoso. - O que eu estava a dizer, Gwen, é ; tu, com certeza, conheces as três regras preconizadas pela companhia referentes a eventuais gravidezes. Ela respondeu, concisamente: - Conheço. O programa era prático e simples. Nenhuma companhia de aviação gostava de perder hospedeiras, cujo treino era dispendioso. Quando

a hospedeira engravidava g não pensava casar-se, recebia uma tença oficial, que protegia a sua posição. Os departamentos de pessoal ajudavam a tratar dos preparativos médicos necessários, e vezes conseguia-se mesmo um empréstimo. Depois, se a hospedeirase mostrava relutante em regressar à sua base de origem, era transferida para outra. em contrapartida, a companhia exigia três garantias: primeiro, a jovem deveriamanter o departamento de pessoal informado sobre a sua localização; segundo, o bebé deveria ser imediatamente entregue para adopção, e a mãe não deveria nunca tenttar saber o nome dos pais adoptivos do seu filho. A companhia garantia a correcção do processode adopção. Em terceiro lugar, a hospedeira devia comunicar à companhia o nome do paida criança, que era então procurado por um representante do departamento de pessoal, que tentava obter dele um compromisso escrito que o obrigava a despender uma quantia suficiente para cobrir as despesas médicas e o total ou parte dos vencimentos não recebidos pela hospedeira. Quando necessário, as companhias mostravam-se bastante duras, exercendo forte pressão sobre os progenitores pouco colaborantes. Tal raramente era necessário quando o pai era um membro da tripulação. A persuasão da companhia, aliada ao desejo do pai da criamça em manter o assunto secreto, costumava sersuficiente. - O mais importante neste programa - disse Demerest -, é que não ficas sozinha e recebes toda a espécie de ajudas. - Deme- t virou o carro em direcção ao aeroporto e penetrou na via de sso à área principal de hangares da Trans America, onde deixariam o automóvel e tomariam o autocarro do pessoal até ao terminal.Gwen estendeu a mão e tocou a dele, colocada sobre o volante. Vai correr tudo bem- disse.NoS vestiários, Keith percebeu que contemplava há vários minuto? a chave do quarto duzentos e vinte e quatro da Estalagem O'Hagan; ? teriam sido segundos? Sentia-se mentalmente exausto. O cérebno

uárdião da memória e da consciência podia tomar-se um factortormento tormento que só a morte podia terminar. Morte. Esquecimento. O descanso tão

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 almejado.-Agora, porém, devia regressar à sala de radar para acabar o seu turno. Depois, à meia-noite, dirigir-se-ia para a Estalagem O'Hagan e tomaria as quarenta cápsulas de Nembutal que tinha num frasco que guardava no bolso. Há meses que as conservava consigo. Depoisrecordou aquele dia, um ano e meio antes, gravado a fogo na suamemória.

Vinte e quatro de Junho. Em Leesburg, Virgínia, o céu amanhe= cera límpido - CavoK informavam os boletins meteorológicos no calão de aviação para ??tecto e visibilidade ilimitada (ceiling and visibility OK),?. O sol estava quente; uma brisa suave que soprava da cordilheira das Montanhas Azuis trazia um aroma a madressilva. Era um dia para poetas, apaixonados e para os aficionados da fotografia a cores um dia que se conserva na lembrança e anos mais tarde se recorda.Keith seguira de automóvel de Adamstown, Maryland, onde os Bakersfelds tinham umacasa agradável, até ao Centro de Coordena- ção de Controle de Tráfego Aéreo de Washington,m I.eesburg. Mesmo no interior da divisão de operações - de paredes grossas e desprovida de janelas -, Keith sentia o esplendor daquele dia de Verão lá fora. Entre os setenta controladores reinava um ambiente leve. Devido ao bom tempo, o volume de tráfego era menor do que o usual. Muitos voos não comerciais e mesmo algumas carreiras

 regulares voavam em contacto (V. F. R. - visualflighr rules), sem necessidade de comunicar com os controladores.Todo o tráfego aéreo sobre os seis estados da orla marítima era dirigido a partir da sala de operações do Centro de Controle de Tráfego Aéreo de Washington. A área de controleabrangia mais de duzentos e sessenta mil quilómetros quadrados, incluindo o términosul do ??corredor nordeste?,, onde diariamente se acumulava a maior concentração detráfego aéreo do Mundo. O sector de Keith era um segmento da área Pillsburg-Baltimore, monitorizada por uma equipa constituída por três funcionários, de que Keith era o controlador.dois controladores assistentes trabalhavam com as condições de voocomunicações; um supervisor coordenava as actividades. Naquele ?a tinham um controlador estagiário, George Wallace, que Keith vinha treinando há várias semanas.O tráfego era normal para aquela hora do dia. No écran, uns

uinze pontos minúsculos de uma brilhante luz verde - alvos, como eram denominadospelos homens do radar - indicavam aeronaveso ar. A Allegheny tinha um Convair 440 a oito mil pés, que se aproximava de Pittsburg. Atrás do Allegheny, a altitudes diversas,

guiam um DC-8 da National, um 727 da American, dois aviões particulares - um Learjet e um Fairchild F 27 - e outro da National, um Electra. Vários outros voos eramesperados e deviam estar a ?parecer no écran a qualquer momento, depois de terem descolado do aeroporto de Friendship, ?em Baltimore. Havia um Delta DC-9 a caminho de Baltimore, cujo controle seria em breve transferido para n aeroporto de Friendship; atrás dele seguiam mais cinco aviões com destino a Baltimore.A troca de palavras entre Keith e os pilotos era gravada em fita magnética, que, caso necessário, seria passada numa sala em baixo da sala de controle, onde se sucediam as filas de gravadores cujas fitas rodavam lentamente. Periodicamente, algumas fitas eram passa- das e ouvidas pelos supervisores, que as criticavam. Numadas portas da sala um cartaz avisava, com um certo humor negro: o cHEr'E Esrñ A OUVIR-NOS.O supervisor de Keith, um negro alto e magro chamado Perry Yount, colocou os auscultadores e avaliou rapidamente a situação. Em momentos difíceis era reconfortante sentir a presença de Peny, homem dotado de uma enorme capacidade de memorização. Perry tocou no ombro de Keith. - Keith, estamos com uma pessoa a menos. Podes aguentarum pouco?- OK. - Keith transmitiu pela rádio uma correcção de rumo a um 727 da Eastern, após o que apontou para o estagiário George Wallace, que se postara a seu lado. - Tenho George para olhar por mim.

Peny afastou-se em direcção a uma consola adjacente, enquanto Keith ordenava ao estagiário: - George, começa a apanhar a imagem.Wallace aproximou-se do écran do radar. Era estagiário há dois anos; anteriormente ser

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vira na Força Aérea. Mais uma semana eseria um controlador qualificado.Deliberadamente Keith permitiu que a distância entre um BAC- 400 da American Air Lines e um 727 da National se reduzisse, ultrapassando os limites normais; imediatamente Wallace detectou a situação. Este tipo de exercícios práticos era a única forma segura que permitia aferir a competência de um novo controlador. E quando se deparavam situações difíceis, um estagiário devia ter a oportunidade de resolver o problema sem

 ajuda. Esses momentos eram particularmente difíceis para o instrutor. Se este assumisse o controle da situação, podia destruir a confiança do estagiário; se não o fizesse, podia verificar-se uma colisão. Muitos controladores se recusavam a suportar estas tensões. A tarefa de ensinar não implicava reconhecimento oficial nem recompensa monetária extra. Então, para quê sofrer tal tensão? Keith, porém, executava esta tarefa, que considerava um dever, e sentia-se orgulhoso com a evolução de Wallace.Às dez e trinta da manhã, Keith e George Wallace trocaram de posições. Pelo que verificara, Keith não via necessidade de intervir. Wallace era competente e mantinha-se atento. Às dez para as onze Keith teve de ir à casa de banho e fez um sinal a Peny Yount.O supervisor perguntou: - George está a funcionar bem?- Como um veterano - respondeu Keith em voz alta, para que George o ouvisse.

- Eu encarrego-me da situação - disse Peny. - Podes ir.Keith assinou a folha de serviço do sector, anotando a hora. Perry traçou rapidamente as suas iniciais, aceitando a responsabilidade de vigiar Wallace. Quando Keith saiu da sala, o supervisor estava a inspeccionar o écran, com a mão levemente apoiada no ombro de Wallace.

Na casa de banho, a vidraça coberta de geada filtrava parte da claridade do dia. Quando terminou, Keith abriu a janela. Contemplou prados verdes, árvores e flores silvestres e teve consciência da sua relutância em abandonar aquele dia esplendorosoe regressar à obscuridade da sala de controle. Já várias vezes experimentara essa sensação; não era só a obscuridade que o afectava, era também a pressão mental. Nos últimos te tivera que se forçar a enfrentar ambas. Enquanto Keith olhava pela janela, um jacto 727 da Northwest ent, que seguia de Minneapolis para St. Paul, aproximava-se

 de Washington D. C. Na cabina, uma hospedeira debruçava-se sobre passageiro idoso, de rosto térreo, que aparentemente estava a ter um ataque cardíaco. Ela precipitou-se para o cockpit afim de informar o comandante do ocorrido. Momentos depois ojacto pedia centro de controle de Washington prioridade na aproximação ao nacional Airport. . . Keith interrogava-se por vezes, tal como agora, sobre quantos ios mais conseguiria aguentar. Tinha trinta e oito anos e era controlador há quinze. Naquela profissão era fácil ser-se velho com taxenta e cinco anos, a quinze anos ainda de uma reforma honrosa. A Direcção=Geral da Aeronáutica apresentara ao Congresso umaoposta de reforma dos controladores aos cinquenta anos ou após vinte anos de serviço, que, segundo os médicos da companhia, equivaliam a quarenta anos na maioria dasrestantes profissões. Mas Congresso recusara. Uma comissão presidencial vetara igualmente na reforma prematura para os controladores. Oficialmente, a Direcção-Geral daAeronáutica desistira. Particularmente, os seus funcionários eram de opinião que o problema surgiria de novo, embora só ;pois de ocorrer um desastre causado por controladores exaustos. Keith desejou ardentemente sair do edifício e dormitar ao sol. :as tal não seria possível, e o melhor que tinha a fazer era regressar sala de controle. Iria já. Só mais um instante.Todos os voos estavam a ser rapidamente desviados do 727 da Northwest Orient oudirigidos para posições de espera a distâncias seguras. Por entre o tráfego crescente do meio-dia abria-se um espaço sinuoso pelo qual o Northwest continuaria a descer. O controle de aproximação no National de Washington fora alertado. Mas naquele momento toda a responsabilidade recaia sobre o sector ,de Perry, Yount. O avião tinha de ser conduzido por entre quinze aparelhos que executavam malabarismos num espaço aéreo limitado.Perry, Yount, calmo e com voz serena, coordenava os procedimentos de emergência. O

 voo da Northwest descia mantendo o rumo. Dentro de poucos minutos a emergência teria terminado. Perry, conseguiu mesmo arranjar tempo para se deslocar até ao lugar a seu lado - que normalmente mereceria a sua atenção -para verificar o trabalho de

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George Wallace. parecia estar a correr bem, embora Perry ficasse mais desca logo que Keith regressasse.Keith permanecia à janela, pensando em Natalie. Ultimamente a trabalho dele provocara alguns desentendimentos entre ambos. Nata- lie, que estava preocupada com Keith, queria que este abandonasse a controle de tráfego aéreo e escolhesse outra ocupação enquanto era ainda novo e saudável. Keith considerava um erro confiar-lhe as suas próprias dúvidas, pois era difícil fazer tábua rasa de anos de treino e experiência.

Sobre Martinsburgh, West Virginia, a umas trinta milhas a noroeste do Centro deCoordenação de Controle de Tráfego de Washington, um Beech Bonanza particular, a uma altitude de sete mil pés deixava o corredor V 166 e entrava no V 44. O pequeno Beech Bonanza, identificável pela sua cauda em forma de borboleta, voava a uma velocidade de cruzeiro de cento e setenta e cinco milhas/hora com destino a Baltimore.Levava como passageiros a família Redfern: Irving Redfern, engenheiro, sua mulher, Merry, e seus filhos - Jeremy,, de dez anos, e Valerie, de nove.Irving Redfern era um homem cuidadoso. Preenchera um plano de voo por instrumentos no seu aeroporto de Charleston, West Virginia, e mantivera-se em contacto com o controle de tráfego. Seguindo as instruções do Centro de Washington, entrara no corre- dor V 44. Os Redferns dirigiam-se a Baltimore em parte por exigências profissi

onais de Irving, em parte por prazer, e nesta perspectiva haviam planeado uma ida ao teatro naquela noite.O controlador que transmitira a Redfern a última instrução fora George Wallace, que identificara correctamente no écran o Beech- craft de Redfern - um brilhante ponto verde, menor e mais lento que o restante tráfego. Parecia dispor de amplo espaço aéreopara se movimentar. Periodicamente, Perry, relanceava George e perguntava: - Tudo OK? - e George confirmava com um aceno, embora começasse a transpirar um pouco.Sem o conhecimento de Wallace, Yount ou Redfern, um T-33 da Guarda Aérea Nacionaldescrevia círculos vagarosos a escassas milhas a norte do corredor V 44. O T-33, proveniente de Baltimore, l pilotado por Hank Neel, um vendedor de automóveis queestava cumprir o seu serviço militar em part-time. Como só podia efectuar voos locais numa zona autorizada a noroeste de Baltimore, o fora preenchido qualquer plano de voo no Centro de Controle Washington. Em principio, tal não teria importância se

 Neel não fosse um piloto descuidado. Casualmente, ao olhar para fora enquanto mantinha o avião a descrever círculos lentos, constatou que afastara demasiado para sul. Há alguns minutos Que entrara na área de controle do radar de Wallace, e agora aparecia no écran um nto verde, de dimensões ligeiramente superiores às do Beech ?nanza de Redfern. Um controlador experiente teria reconhecido o quanto instantaneamente. George, ocupado com outro tráfego, não parara ainda no sinal não identificado. A quinze mil pés de altitude, Neel decidiu terminar o seu voo de treino com acrobacia - dois loopings e dois toneaux -, após o ?e regressaria à base. Fez o T-33 descreveruma volta apertada, rculando mais perto ainda do corredor V 44 e do Beechcraft.O que a mulher não conseguia perceber, pensava Keith, era que ele tinha uma famíliapara sustentar, filhos a educar - e a especialidade adquirida naquele emprego nãoo preparara para mais nada. A um jovem, o nível de ordenado da função pública recebido pelos controladores de tráfego aéreo parecia razoável. Só mais tarde se verificava que ?ãocompensava a terrível responsabilidade do posto. As duas especialidades mais técnicas relacionadas com o tráfego aéreo eram a dos pilotos e a dos controladores. E enquanto os pilotos ganhavam trinta mil dólares por ano, um controlador sénior atingia otopo da escala com dez mil dólares.

Keith consultou o relógio e constatou com um sentimento de culpa que demorara quase quinze minutos. Fechou a janela e dirigiu- -se apressadamente para a sala de controle.Muito acima de Frederick County, Maryland, Neel nivelou o seu T-33 da Guarda Aérea Nacional, aliviando o manche. Inspeccionou rapidamente os céus e não viu nenhum avião nas imediações. Iniciando um looping e um tonneau lento, colocou o avião em posição de picar.

Ao entrar na sala de controle, Keith sentiu um aumento do ritmo de trabalho. O zumbido das vozes soava mais alto. Assinou rapidamente um interruptor e premiu com uma pancada um botão de issão: - Beech Bonanza NC-403, Centro de Washington. à direi

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ta imediatamente. Há tráfego não identificado à suaO T-33 da Guarda Aérea Nacional terminava a picada. Neelpuxou o manche e iniciou uma rápida subida. Imediatamente acima dele encontrava-se o minúsculo Beech Bonanza de Redfern.Em silêncio, rezando fervorosamente, os controladores observavam os pontos verdese brilhantes cada vez mais próximos. O rádiopitou: - Centro de Washington, Beech. . . - A transmissão foi abruptamente interro

mpida. mente a folha de serviço do sector, marcou as horas e colocou-se atrás de Wallace, a fim de apanhar a imagem. George murmurou:- Olá - e continuou a transmitir instruções radiofónicas.Keith estudou o écran de radar e os pontos de luz em movimento, alvos que George assinalara com silhuetas móveis. Um ponto verde brilhante não identificado chamou-lhe a atenção. Interrogou rispidamente George: - Que tráfego é este ao pé daquele Beech Bonanza ?Neel subiu de novo até à altitude de quinze mil pés, ainda sobre Frederick County, embora mais para sul. Nivelou o jacto, inclinou acentuadamente o nariz do avião e iniciou uma picada para um segundo looping.- Que tráfego?. . . - George, cujos olhos seguiram os de Keith ao longo do écran, teve um sobressalto. Com um gesto rápido, Keith arrancou os auscultadores de George

e empurrou-o para o lado.Irving Redfern era um competente piloto amador. Um piloto de linha aérea teria descrito instantaneamente com o avião uma pronunciada volta à direita sem esperar paraconfirmar a recepção dá mensagem ou para fazer perguntas. Dai talvez resultassem prejuizos menores e talvez a Comissão de Aeronáutica Civil instaurasse um inquérito. Mas ter-se-iam poupado vidas. Uma acção rápida teria salvo a família Redfern.Mas Irving Redfern, habituado a cumprir os procedimentos correctos, acusou a recepção da mensagem de Keith, para o que gastou dois ou três segundos - todo o tempo que Lhe restava. O T-33 de Neel, numa subida rápida que se iniciara na base do seu looping, arrancou a asa esquerda do Beech Bonanza, que se desprendeu com um arrepiante estilhaçar. O T-33 continuou a subir por breves instantes, enquanto a sua secçãodianteira se desintegrava. Sem perceber o que se passara, Neel ejectou-se e abriu o pára-quedas. Muito em baixo, descontrolado, o Beechcraft Bonanza despenhava-se

 em direcção ao solo. Sentado no assento do piloto do avião, que caia descrevendo espirais, Irving Redfern - talvez num último gesto de desespero - carregou no botão de transmissão do seu microfone e manteve-o premido. O rádio funcionou.

As mãos de Keith tremiam-lhe quando ele tentou de novo comunicar com o aparelho: - Beech Bonanza NC-403, Centro de Washington. Está a ouvir-me?Ao lado de Keith, de rosto exangue, George Wallace movia silenciosamente os lábios. Sob os seus olhares horrorizados, pontos no écran convergiram, fundiram-se e desvaneceram-se. Pe Yount, percebendo que algo de grave se passava, aproximou- deles. - Que há?Com a boca seca, Keith respondeu: - Penso que tivemos uxn? colisão.E então aconteceu: aquele som de pesadelo, que todos desejara? ardentemente nuncater ouvido e que nunca mais era possível apagai da memória. A transmissão foi ouvida no altifalante da consola que Keith ligara quando começara a transmissão da emergência. Ouviu- -se primeiro um ruído de estática, depois uma sucessão de gritos lancinantes,histéricos, arrepiantes. Na sala de controle, os controla- dores, os rostos pálidos, baixavam a cabeça. George soluçava. I)e outras secções acorriam supervisores seniores.De súbito, uma voz sobrepôs-se aos gritos, uma voz aterrorizada, desesperada, suplicante. As palavras não se perceberam todas. Só mais tarde, quando a gravação da última transmissão foi ouvida uma e muitas vezes, é que as palavras adquiriram sentido. Era a voz de Valerie Redfern, de nove anos: - Mãe! Pai! Façam qualquer coisa, não quero morrer. . . Meu Menino Jesus, eu tenho sido boa! Por favor, não quero. .Misericordiosamente, a transmissão parava ali.O Beech Bonanza esmagou-se no solo e ardeu, perto de Lisbon, Maryland. O que restou dos quatro corpos foi enterrado num caixão comum.

Neel aterrou ileso, com o pára-quedas, a oito quilómetros de distância.WALLACE, Bakersfeld e Yount foram suspensos do serviço enquanto decorria o inquérito. Wallace foi considerado tecnicamente não responsável, uma vez que não era ainda qual

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ificado, mas foi-lhe vedado qualquer emprego no controle de tráfego aéreo. Foi Perry Yount que acabou por ser considerado responsável. A comissão de inquérito decidiu que ele devia ter perdido menos tempo com a emergência do Northwest Orient, dedicando mais atenção à supervisão de Wallace durante a ausência de Keith. O facto de Perry estara acumular serviço que podia ter recusado foi considerado irrelevante. Foi oficialmente censurado e baixou de posto.Keith foi ilibado. A comissão de inquérito fez notar que ele pedira para ser tempora

riamente substituído no seu serviço que o pedido era razoável e que ele cumprira o regulamento. Foi louvado ela sua rápida avaliação da situação e actuação ao regressar ao servuando percebeu o rumo que o assunto estava a tomar em relação a Perry, Keith tentoulevantar o problema do tempo que permanecera ausente e arcou com a maior parte das culpas. A ?missão considerou esta atitude um gesto cavalheiresco e, consequentemente, não tomou em consideração o seu depoimento.

Um inquérito da Guarda Aérea Nacional provou que o tenente fenry Neel fora culpado de negligência por ter permitido que o seu '-33 se aproximasse do corredor V 44. Contudo, não foi proferida qualquer sentença contra ele, que continuou a voar aos fins-de- ? Perry Yount sucumbiu a um colapso nervoso e foi internado num hospital psiquiátrico. Quando teve alta, foi trabalhar num bar de ?Baltimore. Keith ouvira di

zer que bebia muito. = Quando a suspensão de Keith foi levantada, os colegas mostraram-se simpáticos e compreensivos, e inicialmente o trabalho correu bastante bem. Após a sua tentativa abortada de colocar o problema perante a comissão de inquérito,Keith não confiara a ninguém - nem mesmo a Natalie - que, naquele dia fatídico, permanecera algum tempo na casa de banho a divagar. Natalie, porém, que sabia que ele sofrera um choque traumático, era compreensiva e teria, como sempre, tentado ajudá-loaE talvez o tivesse conseguido se não fosse o facto de Keith passar a sofrer de insónias e por vezes passar noites completa- mente acordado. Quando dormia, sonhava sempre com a sala de controle - os pontos de luz que se fundiam. . . a sua última mensagem desesperada. . . os gritos. . . a voz de Valerie Redfern. . . Em sonhos, sábia que era possível salvar o avião, mas ou não conseguia mexer-se para agarrar os auscultadores de rádio de Wallace ou a voz não lhe saía. Permanecia acordado a desejar o

 impossível - alterar a forma do passado. E resistia ao sono, não podendo suportar de novo a tortura do sonho.Keith sabia que a verdadeira responsabilidade da tragédia dos Redferns era dele. Perry Yount confiara em que Keith regressaria à sala de controle logo que pudesse.E ele, não obstante saber que o amigo estava a acumular o seu serviço, traíra a confiança neladepositada.A família Redfern morrera devido à indolência e ao egoísmo de Keith durante aqueles minutos cruciais. Mesmo durante o dia, a lembrança dos Redferns perseguia-o. Os seus próprios filhos, vivos e saudáveis, eram uma acusação.A mente torturada de Keith, abalada pela dor, não cessava de reflectir e especular sobre a situação. As noites insones e o turbilhão mental começaram a afectar o seu trabalho. As reacções eram mais lentas, as decisões menos rápidas. Já por duas vezes ??perdera a imagem" e tivera de ser auxiliado.Tinham-se seguido conversas amigáveis nos gabinetes dos seus superiores. Com o seu consentimento, Keith fora transferido para o Lincoln International. Pensava-seque uma mudança de ambiente teria efeito terapêutico. Além disso, a influência de Mel poderia contribuir para a estabilização mental de Keith.Mas nada resultara. O sentimento de culpa persistia e ele só dormia com a ajuda de barbitúricos. Mel pedira-lhe que consultasse um psiquiatra, mas Keith recusara. A sua culpa era real. Não havia nada, no céu, na terra ou nas clínicas psiquiátricas quepudesse alterar esse facto.Por fim, até Natalie se revoltou coma a depressão do marido. Um dia, zangada e impaciente, perguntou-lhe:

- Vamos ter de penar o resto das nossas vidas? Nunca mais vamos ter alegria, nunca mais vamos poder rir? Não vou permitir que Brian e Theo cresçam neste ambiente de desgraça! As nossas vidas são mais importantes que o teu trabalho. Sai, arranja out

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ro emprego! Sei que isso implica desistir da reforma, mas havemos de nos arranjar. Eu suporto tudo o que for preciso, Keith, tudo menos a vida que estamos a viver agora. - As lágrimas assomavam-Lhe aos olhos, mas, dominando-se, conseguiu acabar. -Queria avisar-te que não consigo aguentar muito mais. Se continuas assim, vais acabar por ficar sozinho.Era a primeira vez que Natalie sugeria a hipótese de divórcio. Foi também a primeira vez que Keith encarou a hipótese de suicídio. A porta dos escuros vestiários abriu-se.

Outro controlador fizera um intervalo no seu trabalho e entrava. Keith guardou de novo as sanduíches, nas quais não tocara, fechou o armário e regressou à sala de radar. CAPÍTULO V pequeno gabinete, Tanya enfrentava a idosa passageira clandestina de San Diego, de nome Ada Quonsett. - A senhora já fez isto mais vezes, não fez? - perguntou-- Claro, minha querida. Várias vezes. - Ada estava confortá- ?el e descontraidamente sentada, as mãos cruzadas no colo, deixando entrever a ponta de um lenço de renda. Pela aparência dir-se-ia que ?e dirigia para a igreja. Em vez disso, fora apanhada a viajar sem bilhete entre Los Angeles e Nova Iorque.Declarara-se uma epidemia de clandestinos desde que os aviões a jacto haviam passado a realizar mais frequentemente o transporte de passageiros. Ada teria chegado a Nova Iorque sem ser detectada se não tivesse confidenciado a sua situação a um comp

anheiro de viagem, que informara do facto uma hospedeira, a qual por sua vez o comunicara ao comandante. Este enviara uma mensagem radiofónica antes de aterrar, pelo que à chegada ao Lincoln International Ada era esperada por um vendedor e um guarda da segurança.Tanya continuou: - É melhor contar-me tudo.- Bom, sou viúva e tenho uma filha casada em Nova Iorque. Quando me sinto sozinhae a quero visitar, vou até Los Angeles e apanho um avião para Nova Iorque. Mas não tenho dinheiro para pagar o bilhete. Vivo do que me dá a Segurança Social e de uma pequena pensão. Só consigo pagar o bilhete de autocarro de San Diego para Los Angeles.- A senhora paga o autocarro?- Claro! O pessoal da Greyhound é muito rigoroso!- E porque é que não utiliza o aeroporto de San Diego?- Sabe, minha querida, é que receio que já me conheçam.

Tanya estava a fazer um grande esforço para manter um ar severo, o que não era fácil.- Já viajou clandestinamente noutras companhias?- Já, já. Mas a minha preferida é a Trans America: são pessoas muito compreensivas. Quando resolvo voltar para casa, basta dizer- -lhes que viajei clandestinamente para Nova Iorque. Perguntam-me a data e o número do voo, que eu aponto sempre para não me esquecer. Então eles olham para o manifesto de passageiros e acabam por me mandar para casa. - Mrs. Quonsett sorriu simpaticamente. - Claro que às vezes apanho um raspanete. Dizemque me portei mal e que não devo repetir a graça.O mais incrível, pensou Tanya, era que desde que um passageiraclandestino já se encontrasse a bordo na turística, era pouco provávelque fosse descoberto, a menos que a lotação do avião estivesseesgotada. É certo que as hospedeiras contavam o número de cabeças,

e se o seu total não condizia com a contagem feita pelo funcionário junto à porta de embarque suspeitava-se de um clandestino, mas essasituação obrigava o supervisor de embarque a tomar uma decisão:deixar seguir o avião ou verificar todos os bilhetes, o que representa- ria um atraso de quase meia hora. Entretanto, o custo da manutenção do jacto em terra subiriavertiginosamente e os passageiros reclama- riam. A perda de dólares e de clientela excederia consideravelmente o custo de uma viagem grátis. Assim, a companhia deixava o avião seguir e no termo da viagem o clandestino saía calmamente.- A señhora é simpática - disse Ada. - E muito mais nova do que as outras senhoras dacompanhia que tenho conhecido. Não lhe dou mais de vinte e oito anos.- Deixe-se disso - interrompeu Tanya rispidamente. - O que

a senhora fez não é honesto. Defraudou a companhia. Podia serprocessada.Um relâmpago de triunfo cintilou no rosto de Ada. - Mas não

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vou ser, pois não? Eles nunca processam ninguém.Como era inútil discutir, Tanya respondeu: - Mrs. Quonsett, já que usufruiu tantas vezes gratuitamente dos nossos serviços, podia agora dar-nos uma ajuda. Gostava desaber como é que embarca nos nossos aviões.Ada sorriu. - Bem, minha querida, há vários processos. A maior parte das vezes faço por estar no aeroporto cedo para conseguir um cartão de embarque. Como actualmente as companhias usam os envelopes dos bilhetes como cartões de embarque, dirijo-me a

um balcão, digo que perdi o meu envelope e peço outro. Escolho sempre um balcão onde os funcionários estejam assoberbados de trabalho e arranjo sempre um envelope. O envelope está em branco, mas eu preencho-o de forma que pareça um cartão de embarque, na casa de banho das senhoras. Como trago sempre comigo alguns cartões de embarque antigos, sei o que hei-de escrever. Depois vou para a sala de embarque e espero até que o controlador de embarque esteja ocupado com uma quantidade de pessoas. Passo por ele e sigo em direcção ao avião. As hospedeiras são amigas novas, minha querida, sempre entretidas a conversar umas i as outras ou interessadas apenas em homens. Limitam-se a olhar i o número do voo, e eu escrevo sempre o número certo. - E se não chega a tempo de arranjar um envelope? - Oh, nessas alturas recorro a uma mentira inocente. Digo que quero assistir à partida de minha filha ou, se o avião chega de outro ? qualquer, digo que estou a voltar para o meu lugar mas que rei o bilhe

te a bordo. Ou então digo que o meu filho acabou de ?arcar, mas que deixou cair acarteira e que Lha quero entregar. E ? uma carteira na mão. Esta resulta sempre. - Não duvido - comentou Tanya. Reunira uma quantidade de material, reflectia, paraincluir numa nota interna dirigida ao pessoal embarque e às hospedeiras a bordo. - O meu falecido marido, que era professor de Geometria, costumava dizer que se devia tentar encarar todos os ângulos. Tanya fitou Mrs. Quonsett com um olhar severo. Estaria a serNo outro lado da sala tocou um telefone, e Tanya levantou-se para atender.

- Precisa de ajuda para enfrentar essa prenda? - Era a voz do director distrital de tráfego, em geral bem humorada, mas naqueledia irascível. Três dias e três noites a reencaminhar passageirosdescontentes e a ser pressionado pelos superiores começavam a surtir

os seus efeitos.- Preciso - respondeu Tanya. - Quero um bilhete de ida paraLos Angeles hoje à noite, em nome de Mrs. Ada Quonsett, aexpensas da companhia.O director distrital de tráfego declarou, numa voz imtada:- Detesto pô-la à frente depassageiros que pagaram os seus bilhetes e que estão há horas à espera. Mas o melhor é vermo-nos livres dela. ç Vou deferir o pedido e pode ir buscar o bilhete ao balcão de passagens. Avise Los Angeles, para que a polícia do aeroporto escolte essa velhachata até ela sair do aeroporto.Tanya disse baixinho: - Espero que ela não seja da família de um VIP.O director distrital de tráfego resmungou: - Então o VIP que lhe compre um bilhete.Tanya sorriu e desligou. Virando-se para Mrs. Quonsett, disse:- Vamos enviá-la devolta a Los Angeles.Um brilho imperceptível iluminou os olhos cinzentos. -pois sim, minha querida. Mas gostava de tomar uma chávena de chá. S? puder ir andando, a senhora diz-me a que horas devo estar cá:Tanya abanou a cabeça. - Pode tomar o seu chá com um dos nossos funcionários. Vou mandar chamar um que vai acompanhá-la até embarcar.Mrs. Quonsett dardejou-lhe um olhar hostil.Decomdos dez minutos fora reservado um lugar no voo cento e tnê? directo para LosAngeles, que partia dali a hora e meia, e Ada foi entregue aos cuidados de um jovem funcionário da Trans America, de nome Peter Coakley, recentemente recrutado ecom idade para ser neto dela, a quem Tanya deu instruções. - Não largue de vista Mrs.Quonsett até à hora de embarque. Ela quer tomar chá, portanto leve-a ao coffee shop. Se ela precisar de ir à casa de banho, espere à porta. Na altura de embarcar suba a b

ordo com ela e entregue-a a uma hospedeira.Ada deu o braço a Peter. - Espero que não se importe, meu rapaz. Uma velha como eu precisa de apoio. Você lembra-me tanto o meu querido genro! Parece que o pessoal da

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 vossa companhia. é tudo gente bonita. - E lançando a Tanya um olhar carregado de censura continuou: - Pelo menos a maioria- Não se esqueça - insistiu Tanya - que ela é capaz de enganar qualquer um.Não tinha qualquer hipótese de ir à festa, decidiu Mel. A pista três zero continuava bloqueada pelo jacto atolado e os atrasos do tráfego aumentavam. Era muito possível que dentro de poucas horas tivesse que fechar o aeroporto. O KC- da Força Aérea aterrara incólume, mas Mel continuava preocupado pelo pressentimento de perigo que lhe so

breviera no campo de aviação.

Entretanto, Cindy continuava à espera dele na festa de caridade. Era preferível informá-la já da sua impossibilidade de comparecer e não pensar mais no assunto. Ela atendeu o telefone, ouviu-o num silêncio gelado e depois disse: - Não admira. Percebi que estavas a mentir quando disseste que vinhas. Tenho estado a pensar. Quanto tempo ainda vais ficar no aeroporto?- Até à meia-noite; talvez toda a noite.- Então eu vou aí falar contigo.- Ouve, Cindy, não vale a pena. Não é nem a altura nem o local próprios. - Para o que eu tenho para te dizer qualquer lugar serve.- quando ele começou a protestar, ela desligou.

O que acontecerá de facto é que Cindy tomara uma decisão a _ peito de Lionel Urquhart, um homem que pairara na vida de Sndy como um ponto de interrogação até àquela noite. Curiosa- ente, fora Mel quem aproximara Cindy e Lionel, durante umoço em que este, arquitecto de profissão, estivera presente como autor do projecto de um edifício da cidade. Depois, Lionel telefonaraCindy. Tinham-se encontrado algumas vezes para almoçar oujantar, depois tinham intensificado os encontros e finalmente a sua relação transformara-se num affair amoroso. Cindy calculava queel suspeitava do facto.Ao contrário de muitos homens, Lionel encarava a situação com ?tOda a seriedade. Estava separado da mulher há muitos anos, embora ?ão divorciado, e vivia sozinho. E agora queria divorciar-se e queria que Cindy se divorciasse também para poderem casar.Constituiria

a ele uma felicidade profunda proporcionar um lar a Roberta e aby e faria o seu melhor para ser um bom padrasto.O casamento com Lionel elevaria o nível social de Cindy. Os Urqùharts eram uma antiga e respeitável família daquela cidade e a mãe de Lionel ainda dominava uma mansão em decadência onde um mordomo digno de figurar num museu escoltava as visitas e uma criada dobrada pela artrose servia o chá numa salva de prata. Cindy resolveu tomar agrande decisão: aceitaria a proposta de Lionel.DE?t7lS de desligar o telefone, Mel saiu do gabinete silencioso e desceu até à sobreloja, de onde observou a tremenda actividade da sala de embarque. Tornavam-se urgentes novas medidas que facilitassem o embarque e desembarque dos passageiros,que se processavam tão lenta e ineficientemente. Com o rolar dos anos, o preço dos aviões aumentava e elevava-se o custo de os manter inactivos em terra. Os técnicos de planeamento das companhias aéreas esforçavam-se por que diminuísse o número de horas que cada avião permanecia em terra.

Já havia planos para ??contentores humanos" paca passageiros- _baseados nos igloos da American Airlines. Os igloos eram contentores de fretes aéreos pré-carregados, cuja configuração lhes permitia adaptarem-se à fuselagem de um avião a jacto. Os contentores humanos seriam pequenas e confortáveis secções de cabina c lugares nos quais os passageiros entrariam nos locais de check-?` Os contentores seriam então transportados por meio de tapetes rolantes para posições de embarque e seriam encaixados no aviá? que podia ter acabado de descarregar contentores humanos de ctr? gada. Uma vezos contentores colocados, as suas janelas corresponderiam às da fuselagem do avião.As portas nas extremidades doa contentores seriam de correr, para permitirem a passagem para outras secções.

O sky Iounge era uma concepção relacionada com a anterior j? em estudo em Los Angeles. O compartimento, com capacidade par? quarenta passageiros, seria uma misturade autocarro e helicóptero, Poderia circular nas ruas com energia própria até ao helip

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orto local, onde se transformaria num contentor sob um helicóptero maior, que o transportaria para ou de um aeroporto.A velocidade a que esses sonhos se transformavam em realidade era fascinante, reflectiu Mel. Desceu para a sala de espera principal; onde uma multidão se comprimia junto de dois balcões da Trans America onde se lia:CHECK-IN ESPECIAL VOO DOIS - O ??GOLDEN ARl:;OSY.,DIRECTO PARA ROMA

Viu Tanya, que falava com um grupo de passageiros. Decorrido um momento, ela reuniu-se-lhe. - Não posso demorar-me; isto parece uma casa de doidos. Estamos a tentar que o Golden Argosy, saia à tabela. Penso que o comandante Demerest não gosta deesperar.Mel teve um sorriso irónico. - Estás a ser tendenciosa.Tanya apontou para o quiosque de venda de seguros, onde duas atraentes vendedoras, uma das quais uma espectacular e voluptuosa loura, se atarefavam a preencheras apólices. - É por causa disto que Demerest entrou em conflito contigo, não é?- É - confirmou Mel. - Vernon acha que devíamos abolir a venda de seguros no aeroporto. Eu não concordo.- Alguns de nós dão razão ao comandante Demerest - respondeu Tanya.Mel abanou a cabeça. - Os argumentos de Vernon não são lógicos.

DE facto não eram lógicos, pensou Mel, há um mês, durante umaunião da comissão de administração do aeroporto. Demerest declararque a venda de apólices de seguros de voo punha em risco a vidapassageiros e tripulações. Segundo ele, os seguros podiam ser adquiridos através de corretores ou agências de viagens. O sistema ?e aeroporto era um convite aliciante aos maníacos e criminosos para ?e dedicarem a assassínios em massa e obterem prémios para os seus beneficiários. Demerest comunicara ainda que a Associação dos pilotos de Linha Aérea fizera uma petição ao Congresso no sentido de tornar ilegal a venda de seguros nos aeroportos.O ponto de vista de Mel era exactamente o oposto. Embora estivesse provado que o avião era o meio de transporte mais seguro, segundo [Vlel, a maior parte das pessoas experimentava um medo intrínseco de realizar uma viagem aérea, pelo que se sentia mais confiante ao adquirir seguros de viagens no aeroporto, facto comprovado p

elo enorme volume de vendas das máquinas. E enquanto na sua maioria os passageiros não se lembravam de fazer os seguros com antecedência, quem quer que planeasse sabotar um avião podia fazer o seguro em qualquer lugar. Além disso, se os seguros de voos não fossem vendidos no aeroporto, perder-se-ia um volume razoável de receitas.

É claro que neste último argumento residia o cerne do problema. O Lincoln International recebia vinte e cinco cêntimos por cada dólar de prémio. Os seguros representavama quarta maior concessão, e só os parques de estacionamento, os restaurantes e o aluguer de carros forneciam receitas mais avultadas para os cofres do aeroporto. Os administradores concordaram em que os passageiros não deveriam ser privados de um serviço que obviamente desejavam.Após a reunião, Mel encontrou Demerest à sua espera no corre- dor. - Olá - disse-lhe rapidamente -, espero que não sintas ressentimentos.- É claro que sinto - respondeu-lhe Demerest, em tom irado. - As pessoas como tu não passam de mangas de alpaca com cérebros de minhoca. Se voasses tantas vezes comoeu, encaravas o problema sob outro ângulo.Mel retorquiu asperamente: - Nem sempre fui piloto de secretá- tia. - Não me venhascom essa conversa de herói veterano. Agora estás em terra. Vê-se bem, pela forma comopensas. Um dia ainda hás-de lamentar a posição que tomaste. E quando isso acontecer, se eu estiver perto, hei-de te lembrar o dia de hoje..Recordando a cena Mel interrogava-se se não poderia ter lida com Demerest mais diplomaticamente. Mais tarde ou mais cedo teriam de resolver as suas desavenças, ou pelo menos tentar esquecê-las.- Se calculasse que a simples menção dos seguros te ia levar para tão longe de mim nem teria tocado no assunto - disse Tanya:

Nunca até então alguém tivera a capacidade de Tanya de adivinhar os seus pensamentos,pensou Mel. Ela observava-o, com um olhar terno e compreensivo. - Não me levaste para longe- respondeu Mel. - Trouxeste-me para mais perto de ti. Tanya, amo-te...

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Tanya era naturalmente franca. - Também eu te amo. Já há muito tempo.- Não vás para casa sem mim - disse=lhe ele.Ela estendeu a mão e as pontas dos seus dedos tocaram ao de leve a mão dele. O contacto foi electrizante. - Eu espero por ti- respondeu Tanya.ÀS nove e um quarto da noite, quarenta e cinco minutos antes doseu horário de partida, o voo dois da Trans America, o Golden Argos)-,, ultimava os preparativos para a sua viagem de cinco mil milhas até Roma. O avião era um Boeing

 707 de sete milhões de dólares, com motores de reacção que lhe permitiam uma velocidade de cruzeiro de seiscentas e cinco milhas horárias. Tinha uma autonomia de seis mil milhas e uma capacidade de cento e oitenta passageiros e noventa e cinco mil litros de combustível - o suficiente para encher uma piscina de dimensões razoáveis.

Dois dias antes, num voo de Duesseldorf, um dos motores tivera de ser desligadopor estar a aquecer demasiado (nenhum dos passageiros percebera que estavam a voar com três motores; aliás, o avião podia voar com um só motor). A manutenção da Trans Ameca no Lincoln International substituíra o motor. Seguidamente, e dada a probabílidade de ar superaquecido se ter introduzido na nacelle do motor causando estragos,substituíra os cento e oito pares de ligações eléctricas do avião. A tarefa representava um esforço contínuo, dia e noite, uma vez que no espaço confinado da nacélle só podiam trab

alhar dois homens de cada vez.Ao contrário do que geralmente se pensa, os mecânicos dos aviões interessam-se profundamente pelos aparelhos que reparam. rr vezes, meses decorridos após uma tarefa complicada, comentam entre si, ao observarem um avião a percorrer o caminho de descolagem: - Olha o velho 842! Lembras-te do problema que tivemos ?m ele daquela vez? Parece que ficou bom. . .Três horas antes da partida do voo dois, foram ligados os últimos is. Foi necessária ainda uma hora para colocar a cobertura do motor e ensaiá-lo em terra. Depois, o piloto-chefe da Trans America i base, que acompanhara as operações, fez um voo de experiência certificou a sua operacionalidade.Agora, na porta de embarque para o voo dois, os mecânicos ádigavam-se dentro e forado Boeing como um bando de gnomos atarefados. Um dos principais artigos a embarcar eram as refeições. ?mo sempre, a I.a classe tinha refeições especiais; era possível ped

ir segunda dose, e mesmo para os passageiros de última hora havia sempre uma refeição. Havia refeições de reserva - inclusive refei- ies kosher - em armários junto da porta de saída, que seriam embarcadas em caso de chegadas inesperadas.Os carregamentos de álcool, que exigiam um recibo assinado ;la hospedeira, foram igualmente embarcados. Para os passageiros ; l.a classe as bebidas alcoólicas eramgratuitas. Os passageiros da torística pagavam um dólar por bebida - a não ser que percebessem que as hospedeiras tinham esgotado os trocos. Quando tal acontecia, passageiro bebia sem pagar. Alguns passageiros bebiam há anos de graça, porque entregavam sempre notas de vinte ou cinquenta dólares, insistindo em que não tinham outro dinheiro de valor inferior.Várias centenas de artigos para serem distribuídos a bordo foram comferidos e repostos, desde fraldas de bebé a bíblias de Gedeão e contentores de bebidas. Tratava-se deartigos não recuperáveis. quando faltava algum, era substituído e os passageiros que desembarcavam levando algum objecto raramente eram detidos. Nos artigos a serem distribuídos a bordo incluíam-se jornais e revistas, embora na Trans America, tal como na maior parte das companhias, : obedecesse a uma regra rígida - se um jornal ou uma revista apresentasse uma reportagem sobre um desastre aéreo, não entrava a

À medida que os passageiros faziam o check-in, a bagagem era transportada para bordo. As malas que desapareciam por detrás do balcão do check-in eram transportadas, por meio de corredores rolantes, para uma sala bastante abaixo das portas de embarque, chamada a.?cova dos leões?? -de facto, só os corajosos ou _ inocentes permitiriam que uma mala com os seus haveres fosse p a tal local. À medida que as malas chegavam, um funcionário manejava uma alavanca, de acordo com o destino indicado etiqueta, e um braço automático estendia-se para colocar a mal? junto às outras a serem e

mbarcadas no mesmo avião. Em seguida, o? carregadores transportavam as malas paraos respectivos aviões. Tratava-se de um excelente sistema, quando funcionava, maspela menos uma mala em cada cem era transviada.

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O manuseamento da bagagem era o aspecto menos eficiente das viagens aéreas, concordavam oficiosamente as companhias. Os sistemas de distribuição e embarque de bagagens aéreas eram periodicamente examinados por peritos, mas até à data ninguém apresentaraum sistema que garantisse uma infalibilidade quase absoluta. Naquela noite duasmalas com destino a Roma estavam a ser embarcadas num voo para Milwaukee, porque um funcionário assoberbado de trabalho lhes colara etiquetas indevidas.O voo dois transportaria nove mil quilos de correio em sacos de ni?lon coloridos

, alguns para cidades italianas e outros para serem transportados para o Médio e Extremo Oriente. O correio ??mais pesado do que o normal,? era um bónus para a Trans America. Um voo da BOAC, que deveria partir antes do voo dois, anunciara um atraso de três horas, e consequentemente o supervisor de placa ordenara que este fosse transferido para o avião da Trans America. Além de o transporte de correio ser altamente rentável, havia uma regra inflexível: o correio seguia sempre pela rota mais rápida.Entretanto na Divisão de Carregamento e Centragem da Trans America, um homem novo, de barba, com o incrível nome de Fred Phirmphoot fazia complicados cálculos sobre a carga do voo dois. O peso tinha de ser correctamente distribuído com vista à estabilidade do voo, e o avião devia levar o máximo de carga possível. Nem o correio nem a carga eram entregues no avião sem o ámen de Fred, que manejava cartas, folhas de carg

a, tabelas, uma máquina de calcular, um walkie-tolkie e três telefones com um instinto infalível. As companhias estimavam um peso médio máximo de trinta e dois quilos noInverno e vinte e oito no Verão por cada passageiro. Quando uma equipa de futebolviajava, os despachantes de carga aumentavam o peso de acordo com o seu próprio conhecimento da equipa.Nessa noite, Fred enfrentava o problema de novecentos e oitenta quilos de combustível extra para o voo dois, uma vez que todos os voos estavam a sofrer grandes atrasos e se mantinham com os motores a trabalhar antes da descolagem. Um jacto afuncionar ao nível do solo bebe combustível como um elefante sequioso. Fred tinha de calcular a quantidade de combustível extra que estava a ser transportada por meio de bombas para os depósitos das asas que seria consumida antes da descolagem. Osseus dedos dançavam sobre a máquina de calcular, fazendo cálculos apressados.A decisão de levar ou não combustível extra era uma das muitas que o comandante Demere

st deixara à discrição do comandante Harns, embora sujeita à sua própria aprovação. Demerestava a apreciar o seu papel essa noite - ter alguém que realizasse o trabalho sem no entanto ceder qualquer parcela da sua autoridade.Harris sentia-se ainda irritado quando se encontraram na sala de apresentação no hangar, mas decorridos alguns minutos conseguiu adquirir uma certa calma. Profissional íntegro e já com madeixas grisalhas, sabia bem que nenhuma tripulação era eficientequando reinava um ambiente hostil no cockpit. Divertido, Demerest notou que Hams trazia uma camisa regulamentar de um tamanho pequeno. Harns trocara de camisa com um co-piloto prestável.

Na sala de apresentação, os dois comandantes inspeccionaram o correio, que incluía notas informativas da companhia que deviam ser lidas antes do voo dessa noite. O mecânico de voo, Cy Jordan, reuniu-se-lhes. Jordan era um técnico de voo e um piloto qualificado, magro, anguloso e com um rosto encovado e melancólico. Ele e Demerestrealizariam o trabalho do co-piloto, enquanto Hams se ocuparia da maior parte da pilotagem.- Muito bem - disse Demerest aos outros dois. - Vamos andando.O autocarro da tripulação, coberto de neve, que esperava à. porta do hangar com a tripulação da cabina, levou-os até à ala do terminal da Trans America, onde desembarcaram. As cinco hospedeiras saíram para realizar a inspecção da cabina, enquanto os pilotos se dirigiam à sala de operações de voo. Como sempre, o despachante de tráfego preparara um dossier com a complexa informação de que a tripulação de voo necessitaria. Pousou-o sobre o balcão e os três pilotos debruçaram-se atentamente sobre ele.O meteorologista da companhia, um homem novo, pálido, de aspecto intelectual, reuniu-se a eles e abriu várias cartas. - Receia ' que o tempo só melhore quando estiver

em a meio do Atlântico ??disse ele. - Esta tempestade estende-se para lá da Terra Nova. ODetroit Metropolitan e o aeroporto de Toronto fecharam. - Um

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funcionário entregou-Lhe uma folha dactilografada. - E o de Otawatambém - acrescentou. - Vai fechar agora. Mas para lá do meiodo Atlântico parece estar bom tempo. Em Roma o céu está limpo e `j há sol.A esferográfica de ouro de Anson Harris voava enquanto estepreenchia um plano de voo que entregaria ao ATC, o qual o informa-ria então se as altitudes pedidas estavam disponíveis ou, casocontrário, que altitudes deveria utilizar. Demerest relanceou o plano

e assinou-o. Tudo parecia correr bem. O Golden Argosy ia partir àtabela.Quando, porém, os três pilotos embarcaram, Gwen veio ao seuencontro e informou-os: - Temos um atraso de uma hora. O funcionário da porta acaba de ser informado. Uma quantidade de passageiros nossos foi detida pela neve. O controle de partidas decidiudar-lhes algum tempo extra. Se quiserem, levo-Lhes café ao cockpit.- Vou tomar café no terminal - respondeu Demerest. E acenou para Gwen: - Porque nãovens comigo?- Vão vocês - disse Harris. - Uma das outras hospedeiras

pode trazer-me um café - e dirigiu-se para o cockpit. CAPÍ'I'I.TLO VI AS mãos de

 D. O. Guerrero tremiam ao acender outro cigarro. O tempo escoava-se e a via rápida estava de tal forma obliterada pelo tráfego que o autocarro avançava com uma lentidão enervante. A dúzia de passageiros com destino ao voo fora avisada de que a partida fora atrasada uma hora, e o condutor comentara: - Talvez consigamos chegar ahoras. - Mas para Guerrero o ?.talvez?, não bastava. Precisava de dez ou quinze minutos para comprar o seguro de voo. Parecera-lhe preferível adquirir o seguro no último instante, minimizando assim as probabilidades de um inquérito. Mas se insistisse demasiado na necessidade de tempo para efectuar a compra ;s da partida do avião iria atrair as atenções, e já se fizera notar. No balcão de check-in da cidade o vendedor de bilhetes apontara ? algumas malas e perguntara: - É esta a sua bagagem? - Não. - Guerrero levantara a pasta. - Só tenho isto. - Não leva bagagem numa viagem para Roma? - O funcioná- levantara os sobrolhos. - O senhor é de facto um passageiro Esem dúvida que durante o inquérito que inevitavelmente se seguiria à perda do avião o fa

cto seria recordado. Tranquilizou-se ao pensar que sem destroços nada podia serprovado. Nada! seguro seria obrigado a pagar. E o autocarro que nunca mais chegava ao aeroporto!INÊS Guerrero chegou a casa cansada do trabalho, descalçou os sapatos e despiu o casaco, ambos encharcados, e viu então sobre a mesa da sala de estar o bilhete em que D. O. lhe participava a suá decisão de se ausentar e lhe comunicava que esperava em breve ter boas notícias. Onde teria ele ido?, interrogou-se ela. E com que dinheiro?Duas noites antes tinham reunido e dividido os seus últimos trinta e seis dólares ealguns cêntimos. Ela gastara dezoito dólares em alimentação e num pagamento quase simbólico de renda de casa e guardara dez dólares para emergências e vira o desespero no rosto de D. O. quando este guardara no bolso os restantes oito dólares e os trocos.Mas sentia-se demasiado cansada para se preocupar. Despiu o casaco, apagou a luz da sala de estar e entrou no quarto atravancado.Não conseguiu encontrar uma camisa de noite na cómoda desconjuntada. Os objectos pareciam ter sido remexidos. Acabou por encontrar uma camisa de dormir numa gaveta, juntamente com as camisas de D. O. Sob uma das camisas viu uma folha de papel amarelo dobrada que lhe chamou a atenção. Abriu-a.Era uma cópia a papel químico de um contrato de pagamento diferido preenchido por D. O. para compra de um bilhete de ida e volta a Roma. Verificou que a entrada para o pagamento fora de quarenta e sete dólares. Inês observou, estupefacta, o impresso: Por que razão teria D. O. comprado uma passagem de avião para Roma? E de onde tinham surgido aqueles quarenta e sete dólares?Numa inspiração, lembrou-se do anel de diamantes da mãe.Como ultimamente as mãos lhe inchavam, guardara o anel numa pequena caixa. Mais um

a vez revolveu a cómoda e encontrou ? caixa - vazia. O que significava que D. O. empenhara o anel - ? seu último elo com o passado, o seu último recurso para mais uns dias de sobrevivência.

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D. O. devia encontrar-se em sérias dificuldades. Duas considerações levavam-na a essaconclusão: a recente conduta absurda de D. O. e a extensão da viagem. Não podia abandoná-lo e deixá-lo cometer mais uma loucura. Dezoito anos antes aceitara-o para o melhor e para o pior, e não obstante o pior se ter sobre- posto ao melhor, não rejeitava a sua responsabilidade como mulher dele.Enfiou de novo o casaco e os sapatos molhados e dirigiu-se a um

drugstore próximo a fim de telefonar. Quando ligou para a TransAmerica, uma fita gravada informou-a de que todas as linhas para asreservas estavam ocupadas e pediu-lhe que aguardasse um momento.Por fim respondeu-lhe uma voz feminina que se identificou como Miss Young e se propôs servi-la no necessário.- Por favor, queria uma informação sobre os voos para Ròma. Há algum voo esta noite? - perguntou Inês.- Há, sim, minha senhora, é o voo dois, o Golden Argosy; a partida estava prevista para as dez horas locais, mas foi atrasada uma hora.Inês relanceou o relógio do drugstore e constatou que eram dez horas e cinco minutos. - Por favor. . . preciso de saber se o meu marido vai nesse voo. O nome é Guerrero.

- Peço desculpa, minha senhora, mas não estamos autorizados a fornecer essa informação - disse Miss Young. - Experimente na sala de embarque do aeroporto.Inês, que não imaginava sequer como chegar lá em menos de uma hora, exclamou: - Oh, meu Deus! Tenho mesmo que tentar. É tão importante !Percebendo a aflição na voz dela, Miss Young disse: - Eu não devia fazer isto, mas vou dar-Lhe uma sugestão. Quando chegar à sala de embarque, diga que sabe que o seu marido se encontra a bordo e que precisa de falar com ele. Se ele não estiver no aviãoeles dizem-lhe.- Obrigada - respondeu Inês. - Muito obrigada.Ao desligar o telefone viu um motorista de táxi com um boné amarelo junto do bar. Foi ter com ele e tocou-lhe no braço.- Desculpe. Quanto é até ao aeroporto?O motorista olhou-a de alto a baixo. - Nove ou dez dólares.Inês afastou-se. Era demasiado.

- Eh, espere - chamou o taxista. - Levo-a por sete dólares.Inês hesitou e acabou por concordar. O motorista disfarçou um sorriso irónico. Vivia perto do aeroporto e preparava-se para seguir para casa. Na realidade, a tarifa pelo contador, era menos de sete dólares e ele tencionava levar a bandeira baixa. Era pouco provável que, com aquela noite de vento e neve, um polícia reparasse nele.Trinta e cinco minutos mais tarde, enquanto o táxi avançava lentamente pela via rápida, o autocarro de D. O. Guerrero virou para a entrada da rampa de partida do Lincoln International. Guerrero foi o primeiro a descer.NA entrada principal do aeroporto o farol vermelho intermitente do carro-patrulha da Polícia Estadual extinguiu-se quando o oficial parou junto ao passeio e fez sinal a Patroni para seguir. Embora a última etapa da viagem tivesse sido rápida, nototal Joe demorara mais de três horas de casa até ao aeroporto.

Na manutenção da TWA um camião com motorista aguardava Patroni. Este, ao sair do carro, deteve-se o tempo suficiente para reacender o charuto, fazendo tábua rasa de todos os avisos de ??proibido fumar,?, após o que subiu para a cabina do camião que partiu a toda a velocidade, enquanto Patroni, pela rádio, obtinha da torre autorização de circulação. O controle de solo autorizou-os a atravessar uma pista e depois acrescentou uma mensagem de Mel:- Joe, ofereço-Lhe uma caixa de charutos se conseguir arrancar o avião da três zero esta noite. Terminado.Joe soltou uma risada. - Controle de solo, Patroni. Diga-lhe que aceito a aposta. - Colocou o microfone no descanso e apressou o condutor: - Vamos lá, amigo, pise-me esse pedal a fundo. Agora tenho um incentivo.Junto do jacto atolado, Ingram, o encarregado da manutenção da Intercontinental, fez a Patroni o relatório do acontecimento, incluindo a segunda tentativa frustrada d

e remover o avião pela força dos seus próprios motores a jacto. As asas e a fuselagemdo Boeing imobilizado pairavam, gigantescas, sobre eles. Na barriga do avião, umaluz vermelha ainda piscava ritmicamente.

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Mascando um novo charuto em vez de o fumar- uma rard é necessário ficarmos abalados. Não precisamos de ter filhos, aconcessão da sua parte às precauções contra incêndio, uma vez que o menos que os queiramos.cheiro a combustível era muito intenso -, Patroni inspeccionou a Com ar natural, Gwen respondeu: - Estava a perguntar a mimsituação. Um homem da equipa ligou os holofotes colocados em :

mesma quando é que tocarias esse ponto. Tens estado a pensar quesemicírculo à frente do nariz do avião. As duas tentativas para ' eu devia pôr fim a isto desde que te disse que estou grávida, nãoremover o avião tinham-no enterrado ainda mais profundamente na tens?lama sob a neve. O aparelho encontrava-se a poucos metros da pista, - Tenho - respondeu, relutante. - Mas não tinha a?certeza da próximo do local onde um caminho de rolagem a intersectava. Havia = tua reacção. ainda uma hipótese de remover o avião utilizando a sua própria ? - Nem eu - respondeu Gwen, olhando para os dedos, longos epotência, decidiu Patroni. _ esguios. - Ainda não sei.E prosseguiu em voz alta: - Temos de cavar. Quero duas valas Pelo menos, não era uma recusa terminante, pensou Demerest. com dois metros de largura de paredes íngre

mes e a nivelar à altura ' Disse: - É a única atitude sensata. É rápido, e se for feito como das rodas. Depois damos-lhe a potência máxima com os quatro deve ser não é perigoso.motores. Vamos colocar pranchas grandes em frente das rodas. Estou - Eu sei - disse Gwen. - É tremendamente simples. Num a ver aí algumas. Mande o motorista arranjar quantas puder. momento, o filho está lá, e no minuto seguinte, já não está.-Os mecânicos de terra que se encontrava

m junto de Patroni Olhando-o de frente, perguntou: - Não é assim? chamaram outros, que saltaram do autocarro com pás e outras - É. - Talvez fosse mais fácil do que esperara. ferramentas. Patroni apontou para o cockpit: - Os ??pássaros" ainda ? - Vernon - disse Gwen suavemente -, já pensaste que isto é estão a bordo?um ser humano vivo, uma pessoa? É um pouco de ti e de mim, fazIngram resmungou: - Estão, estão. Pedi ao diabo do comandante parte de nós dois. - Os

olhos dela, perturbados, perscrutavam-lhe o dante para usar a potência máxima. Se ele tivesse seguido o meu rosto. conselho logo à primeira vez, o avião tinha saído do buraco, mas o tipo Ele respondeu, em tom deliberadamente áspero: ? Isso não é não teve coragem, e agora enterrou-se ainda mais. Ele sabe que fez verdade. Ainda não é um ser humano, não respira nem sente. Não é grossa asneira hoje. E agora está apavorado que o avião caia de nariz. a mesma coisa do que tirar uma vida.Patroni riu. - Chame-o e diga-lhe que daqui a pouco vou subir. Gwen reagiu rapidamente, tal como sucedera no automóvel.-- Está bem. - Ingram aproximou-se do interfone e gritou para Queres dizer que seria pior matar o bebé quando estivesse completa- os mecânicos: - Vá lá, rapazes, vamos começar a cavar. mente formado? É isso que queres dizer, Vernon?Patroni agarrou numa pá e o trabalho começou. Eram dez e Demerest abanou a cabeça. - Estás a distorcer as minhas trinta. Com um pouco de sorte, calculou Joe, talvez conseguisse palavras. estar em casa com Marie pouco depois da meia-noite. Gwen suspirou. - Estou a ser mulher. Eu amo-te, Vernon, de' verdade.NO coffee shop, Demerest bebia café e Gwen uma chávena de - Eu sei - respondeu. - É por isso que é difícil para ambos. chá.Os olhos de Gwen estavam húmidos. - O problema é que, até- Estás muito calado - disse Gwen, fixando Demerest com os conceber, uma mulher nunca sabe se é ou não capaz de o fazer. E seus olhos escuros e expressivos. quando concebe, recebe um presente maravilhoso. Depois, de repen-- Não é nada, tenho estado a pensar. te, em situações como a nossa, é preciso enfrentar ahipótese deSob a mesa ela procurou a mão dele. - Creio que a notícia que terminar tudo, de desp

erdiçar o que nos fói oferecido. Estás a te dei nos abalou um pouco a ambos. perceber, Vernon?Era a deixa pela qual Demerest estivera à espera. Disse: - Não , Respondeu-Lhe com t

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ernura: - Penso que sim.- Mas tu já tiveste uma criança, disseste-me uma vez. Umafilha de uma hospedeira que foi adoptada. E-agora, aconteça o queacontecer, há sempre alguém, algures, que é a tua continuação, Pensas nela alguma vez? Nãoerguntas a ti próprio onde está ela com quem se pareceNão havia razão para mentir. - Penso - respondeu. - Penso sim. 'Gwen recuperara a sua compostura. Humedeceu os lábios, sem pôr bâton, pois os regulame

ntos das companhias aéreas proibiam severamente que as hospedeiras se maquilhassem em público, e comentou: - Estou a causar-te sérias complicações!- As complicações não interessam. Interessa o que é melhor para ti.- Bem, suponho que no fim vou acabar por fazer o que é...

sensato. Mas primeiro tenho de reflectir no assunto. Vou tomar umadecisão durante a viagem.Levantaram-se, porque Gwen tinha que estar no avião. Quandose separaram, ela disse-lhe: - Ainda bem que tu és como és. Alguns homens ter-me-iam pura e simplesmente abandonado.Ele acariciou-lhe o braço, mas no seu íntimo sabia que acabaria por abandoná-la. Dentro de algumas semanas terminaria a ligação com Gwen tão delicadamente quanto possível. O

rompimento não seria fácil, e a tentação de alterar esta decisão seria grande, porque nunca apreciara tanto a companhia de uma mulher como a de Gwen. Mas o prolongamentodo affair causar-lhe-ia uma tremenda perturbação - conjugal, emocional e financeira-, que ele estava decidido a evitar. Dez anos atrás, talvez se decidisse, mas não agora.Na apinhada sala de espera central, o tenente Ned Ordway, o simpático e eficientenegro que comandava o destacamento de polícia do aeroporto, conversava com Mel. -Estão a chegar visitantes de Meadowood. Várias centenas. Não sei se não vamos ter sarilho.- Diga-lhes que falarei com uma delegação de meia dúzia. E mesmo que os seus homens tenham que aguentar uns safanões, faça o possível por que não reajam. Não quero dar origem a mártires.- Já avisei os meus homens - respondeu Ordway. - Vão contentar-se com umas piadas e

abster-se do judo.- Óptimo! À parte Meadowood, como têm corrido as coisas?- Mais bêbados do que é costume! Algumas lutas nos bares!Mel riu. - Não deitem os bares abaixo. O aeroporto recebe uma percentagem por cada bebida e bem precisamos do dinheiro!- E as companhias também precisam, a julgar pelo número de passageiros que estão a tentar pôr sóbrios para poderem embarcar. As relações públicas estão a encharcá-los com café,vão conseguir fazer deles bêbados excitados.Os bêbados do aeroporto eram em geral negociantes de fora exaustos após uma semana de trabalho intenso e nos quais o álcool produzia reacções fortes. Os comandantes raramente permitiam que embarcassem, pelo que eram em geral detidos pela Polícia até ficarem sóbrios.- Ah, outra coisa - acrescentou Ordway. - Temos mais carros abandonados.Automóveis velhos abandonados nos parques de estacionamento constituíam uma praga que afectava todos os grandes aeroportos. Tornara-se extraordinariamente difícil a qualquer pessoa livrar-se de um carro velho, porque os negociantes de sucata tinham as suas instalações esgotadas e exigiam pagamento aos proprietários de automóveis. Consequentemente, os carros velhos eram abandonados nos parques de estacionamentodos aeroportos sem placas de matrícula ou qualquer indicação da identificação do proprietáo. Estava a tornar-se extraordinariamente caro desfazer-se de carros velhos.- À parte isso, estamos com óptima disposição para receber os seus ??convidados?, de Meadowood - gracejou Ned. E com um aceno amigável, afastou-se.. . . Todos os passageiros com reservas confirmadas para o voo dois, Golden Argosy, com destino a Roma, é favor dirigirem-se à porta de embarque. . .

Quase todos os anúncios de voo provinham de um gravador implantado numa consola no controle de informações de voo. Premindo os botões respectivos, um empregado activava três fitas pré- -gravadas. A primeira fita anunciava a companhia aérea e o voo; a seg

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unda, a situação de carga - preliminar, de embarque, final; a terceira, o número da porta e a sala de espera. Como se sucediam ininterruptamente, as gravações pareciam ser contínuas, como aliás se pretendia.Todos os passageiros com reservas confirmadas é favor dirigirem-se à porta número quarenta e sete, sala azul, D.NA sala de espera Ada Quonsett, acompanhada pelo funcionáriada companhia Peter Coakley, ouvira o anúncio. Estavam sentado?

num banco e Ada não cessava de descrever as virtudes do falecidomarido. - Era tão inteligente, tão elegante. Conheci-o já com certa idade, mas quandoera novo devia ter sido muito parecidoconsigo.Peter sorriu timidamente. Desde que haviam deixado TanyaLivingston, vira-se frequentemente comparado ao falecido RobenQuonsett, e o assunto começava a cansá-lo; sentia-se ridículo, atomar conta de uma velhota faladora. Não percebia que era exacta-mente essa a intenção de Ada.- Imaginem! - dizia Mrs. Quonsett naquela altura. - Um voopara Roma! O meu querido marido tanto queria que visitássemosRoma! - Apertou nas mãos o lenço de renda e suspirou. - Mas

nunca chegámos a ir.O espírito de Ada trabalhava como um relógio bem afinado.Aparentemente, nem o enfado afastaria este jovem de uniforme. later de criar uma situação diferente. Qualquer alternativa seria preferível a regressar essa noite a Los Angeles, até mesmo embarcarnaquele voo para Roma. Mesmo que não passasse do aeroporto deRoma pelo menos sempre teria conseguido estar lá. Quando chegas-se a Nova Iorque causaria sensação a Blanche quando Lhe contasseque estivera finalmente em Roma.Ada agitou as mãos frágeis. - Ah, meu Deus! - exclamou.Limpou a boca com o lenço e deixou escapar um gemido surdo.Coakley ficou assustado. - Que tem, Mrs. Quonsett?Fechou os olhos e depois abriu-os, com uma respiração ofegante. - Não me sinto bem. Vo

u à casa de banho. Espero quepasse :O jovem agente pareceu preocupado. Não queria que a velhota

Lhe morresse nos braços. Perguntou, embaraçado: - Quer que chame um médico?- Não, obrigada, isto já passa. Já tive uma vez um ataquedestes. Ajude-me, por favor. Obrigada... importa-se de me dar oseu braço?. . .À porta da casa de banho, ela disse-lhe: - Espere aqui por mim.Abriu a porta e entrou.Lá dentro encontravam-se mais de vinte mulheres. Ada, queprecisava de uma cúmplice, examinou-as cuidadosamente antes de escolher uma mulher relativamente jovem, com um ar profissional, que não parecia apressada. Dirigiu-se a ela: - Desculpe-me, não me sinto muito bem. Posso pedir-lhe um favor? - Agitou as mãos, fechou e abriu os olhos, tal como fizera anteriormente perante Peter Coakley.A mulher mostrou-se preocupada e respondeu: . - Claro, quer que a leve. . .- Não. . . por favor - Ada apoiou-se a um lavatório como se não conseguisse manter-seem pé. - Queria que me desse um recado. Está ali fora um funcionário da companhia, deuniforme. É Mr. Coakley. Se não se importa, diga-lhe que afinal sempre quero um médico.- Digo, com certeza. Pode ficar aqui sozinha até eu voltar?Mrs. Quonsett acenou afirmativamente com a cabeça. Em menos de um minuto, a mulher estava de volta. - Ele já foi buscar um médico. Ada precisava agora de se ver livre da mulher. - Eu sei que é um abuso mas a minha filha está à minha espera na porta pri

ncipal, perto da United Air Lines. Agradecia-lhe tanto se a trouxesse aqui! Seique lhe estou a dar um grande incómodo.- A senhora faria o mesmo por mim. Como é que posso reconhecer a sua filha?

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- Tem um casaco cor de malva e um poodle francês.A mulher sorri. - Então é fácil. Não demora.Depois de aguardar um breve instante após a saída da mulher, Ada, sorrindo, saiu dacasa de banho e encaminhou-se decididamente para o voo dois da Trans America.QUAN?o soou o anúncio para o voo dois, Guerrero era ainda o quinto na bicha do balcão dos seguros. As duas primeiras pessoas da bicha estavam a ser atendidas pelasduas empregadas, com lentidão exasperante. Uma delas, uma loira de busto imponente

 e blusa decotada, mantinha uma conversa longa com uma mulher de meia- -idade,aparentemente tentando convencê-la a comprar uma apólice maior. Guerrero levaria pelo menos vinte minutos a chegar ao balcão e nessa altura o voo dois provavelmente játeria partido. Tremia ao abrir bruscamente caminho até ao balcão, indiferente ao facto de estar a chamar sobre si as atenções. Um homem protestou: - Eh, camarada, nós também estamos à espera!Guerrero dirigiu-se à rapariga loira. - Por favor. . . o meu voo para Roma já foi anunciado. Preciso de fazer o seguro, e não posso esperar.Para sua surpresa, a rapariga loira sorriu-lhe atenciosamente.- Disse Roma. E ovoo dois da Trans America. - Sem deixar de sorrir, voltou-se para os restantes passageiros que esperavam: - Este senhor de facto não tem tempo. Tenho a certeza de que não se importam que eu o atenda primeiro.

Guerrero nem acreditava na sorte que o bafejava. Ouviram-se alguns protestos nabicha, mas a jovem entregou-lhe um impresso de proposta de seguro, ao mesmo tempo que se dirigia aos outros clientes: - Não demora nada. - Sorriu de novo a Guerrero, que percebeu a razão de tão poucas reclamações. Quando ela o fitou directamente, Guerrero, que raramente era sensível às mulheres, experimentou uma sensação de embevecimento. - Chamo-me Bunnie - disse ela. - Qual é o seu nome? - A caneta dela estava a postos.BUNNIE Vorobioff chegara aos Estados Unidos procedente da Alemanha Oriental, via Muro de Berlim, que atravessara uma noite, com dois companheiros. Os dois jovens haviam sido detectados pelos holofotes e mortos a tiro. Bunnie, que possuía um instinto de sobrevivência inato, conseguira evitar os holofotes e as pequenas armas de fogo.

Nos Estados Unidos trabalhara duramente num hospital e passara muitas noites a pé, servindo como criada, antes de se qualificar para o trabalho que desempenhava agora. Frequentava as aulas de dança de Arthur Murray, era assinante do Reader's Digest e da TV Guia, estava a comprar a World Book Encyclopedia a prestações, tinha uma peruca e um Volkswagen e fazia colecção de selos.Bunnie adorava concursos com prémios bem concretos; naquela noite terminaria um desses concursos, e ela precisava de mais quarenta pontos para ganhar uma escova de dentes eléctrica. ?apólices que vendera, na sua maior parte para voos domésticosrepresentavam poucos pontos. Se conseguisse vender uma apólice devalor máximo para um voo transatlântico, o prémio estaria ao seualcance. Assim, perguntou: - Que tipo de apólice pretende?Guerrero engoliu em seCo. - Um seguro de vida simples: setenta e cinco mil dólares. - Quis acender um cigarro, mas a mãotremia-lhe tanto que teve dificuldade em aproximar o fósforo docigarro.- São dois dólares e cinquenta cêntimos. Mas é um seguromuito baixo - observou Bunnie.- Baixo? Eu pensava que. . . Pensei que era o maior.O nervosismo do homem era evidente, mesmo para Bunnie, que atribuiu o facto à perspectiva de uma viagem aérea. Dirigiu-Lhe o seusorriso mais provocante. - Não é de todo. É o maior nas máquinasde venda. O senhor pode comprar uma apólice no valor de trezentosmil dólares por apenas dez dólares. É um preço acessível para umasegurança tão grande, não acha?

Ansiosamente Guerrero respondeu: - Está bem. . . então eucompro essa. - E nesse momento, enquanto Bunnie lhe dirigia umolhar radioso, ocorreu-lhe que talvez não tivesse dez dólares.

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- Espere, Miss - pediu-lhe, começando a rebuscar os bolsos.Os passageiros que permaneciam na bicha revelavam sinais deimpaciência. O homem que protestara reclamou: - Disse que era só um minuto.Guerrero já encontrara quatro dólares e setenta cêntimos. - Se não tiver dinheiro consigo - esclareceu Bunnie -, pode pagar em cheque ou em moeda italiana, Mr. Guerrero.

- Deixei o livro de cheques em casa e não trago dinheiro italiano comigo. - Interrompeu-se, censurando-se intimamente. Ninguém empreenderia uma viagem transatlânticasem um tostão a não ser que soubesse que o avião não chegaria ao seu destino. Continuoua procurar e encontrou mais uns trocos. Depois, milagrosamente, descobriu num bolso interior uma nota de cinco dólares.Exclamou: - Cá está! Já chega! - Restava-lhe um dólar em trocos.Agora até mesmo Bunnie tinha dúvidas. Observara o rosto do homem enquanto este vasculhava os bolsos. Era estranho que um homem partisse para uma viagem sem dinheiro, mas podia haver os motivos que explicassem o facto. O que a preocupava eram os ?s dele, que reflectiam uma nota de ânsia, de desespero. Bunnie conhecia essa expressão, que Lhe evocava o seu passado. A companhia de seguros tinha uma regra importante: se um operador de seguro de voo tivesse um procedimento anormal, se mos

trasse excessivamente excitado ou estivesse bêbado, o facto deveria ser comunicado à companhia aérea. Deveria aplicar o regulamento neste caso? Bunnie não tinha a certeza. Nunca participara de passageiro excitado, embora conhecesse uma rapariga que o :ra; acabara por se descobrir que o passageiro era um vice-presidente de umacompanhia aérea, enervado porque a mulher estava prestes a dar à luz. O incidente provocara uma série dePor fim, o passado de Bunnie acabou por influenciar a sua decisão. Os anos fundamentais da sua vida, passados na Europa ocupada, haviam-na condicionado a conter a curiosidade e a não formular perguntas desnecessárias. As perguntas implicavam sempre um comprometimento e o comprometimento nos problemas de outras pessoas deviaser evitado quando já se tinham problemas.Ao passar uma apólice de seguro de voo de trezentos mil dólares pela vida de D. O. Guerrero, Bunnie resolvia o seu problema de como ganhar uma escova de dentes eléctr

ica. A caminho da porta quarenta e sete, Guerrero enviou pelo correio a apólice aInês, sua mulher. CAPÍTULO VII O inspector Harry Standish, das alfândegas dos Estados Unidos, preparava-se para, decorridos alguns minutos, se dirigir à porta quarenta e sete a fim de se despedir de sua sobrinha Judy, uma jovem simpática e independente de dezoito anos que ia estudar um ano na Europa. Standish prometera à irmã que assistiria à partida de Judy. Entretanto, tinha de resolver um enfastiante problema antes de dar por findo um dia excepcionalmente exaustivo.- Minha senhora - disse calmamente a uma mulher angulosa, de ar altivo, cujas malas se encontravam abertas sobre o balcão de inspecção dá alfândega que os separava. - Tem a certeza de q?

não quer alterar a sua história?Ela retorquiu, irritada: - Já Lhe disse a verdade! Os senhores s?de facto tão burocráticos, tão incrédulos! Por vezes pergunto a mim mesma se não estaremos a viver num estado policial!Os oficiais da alfândega estavam treinados a ignorar os inúmeros insultos que recebiam. Standish respondeu delicadamente: - Minha senhora, eu apenas perguntei se queria modificar as suas declaraçõe sobre os vestidos, as camisolas e o casaco de peles.De acordo com o passaporte, a mulher era Mrs. Hamet DuBarry Mossman, com residência em Evanston, que acabava de regressar r)? um mês de viagem pela Inglaterra Françae Dinamarca. Replicou em tom ácido: - Não, não quero. Além disso, quando o meu advogadasouber deste interrogatório..- Está bem, minha senhora - retorquiu Standish. - Nesse ca- so talvez não se importe de assinar este impresso. Se quiser eu explico-lhe do que se trata.

Os vestidos, as camisolas e o casaco de arminho estavam espalhados sobre as malas. Mrs. Mossman conservara o casaco vestido até há alguns minutos, altura em que o inspector Standish entrara no posto n.o 7 da alfândega e lhe pedira que o despisse,

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 afim de poder observá-lo melhor. Standish fora chamado por meio de uma luz vermelha que se acendera num painel de parede perto do centro da enorme sala da alfândega. As luzes - uma para cada posto- indicavam que o oficial de inspecção enfrentava um problema e precisava da ajuda de um superior. O jovem oficial da alfândega que atendera primeiro Mrs. Mossman encontrava-se agora ao lado de Standish. Os restantes passageiros chegados de Copenhaga já tinham passado a alfândega e saído. Mas estamulher elegante- mente vestida constituía um problema, insistindo em que apenas co

mprara na Europa alguns perfumes, jóias de fantasia e sapatos. O valor total declarado representava noventa dólares - exacta- mente dez dólares menos que o valor quepodia trazer com isenção de direitos.- E porque é que tenho de assinar esse impresso? - perguntava agora Mrs. Mossman.Standish relanceou o relógio suspenso na parede. Onze menos um quarto. Ainda tinha tempo para despachar este assunto e chegar a tempo ao voo dois. Respondeu pacientemente: - Só estamos a ir-lhe que confirme por escrito o que já nos declarou. Disse que vestidos foram comprados.. - Quantas vezes preciso de dizer a mesma coisa? Foram com- dos em Chicago e Nova Iorque antes de partir para a Europa. E as camisolas também! O casaco foi um presente, comprado nos Estados

Qual a razão deste comportamento?, pensava Harry Standish. Não duvidava de que todas

 as declarações que acabara de ouvir eram falsas. Para começar, nenhum dos vestidos -seis, todos de boa qualidade - tinha etiqueta. Ninguém retiraria as etiquetas inocente- mente, até porque as mulheres se orgulhavam das etiquetas em vestidos de alta costura. Mais ainda - a confecção dos vestidos era indubitavelmente francesa. O mesmo acontecia com o corte do casaco de peles - embora lhe tivessem costurado noforro, sem grande habilidade, uma etiqueta dos Saks da 5.a Avenida. As pessoas não sabiam que um oficial aduaneiro treinado não precisava de ver uma etiqueta para adivinhar a origem da peça de vestuário. O corte, a forma de coser, até a maneira de pregar um fecho éclair eram tão característicos como uma caligrafia familiar. O mesmo acontecia relativamente às camisolas. Também não tinham etiquetas e provinham sem dúvida da Escócia.Mrs. Mossman perguntou: - E se eu me recusar a assinar esse papel?- Nesse caso seremos obrigados a detê-la para investigações.

Após uma breve hesitação, a mulher acedeu: - Muito bem. O .senhor preenche o impresso, que eu assino.- Não, minha senhora, a senhora preenche. Faça, por favor, uma lista dos artigos e dos nomes das lojas onde foram adquiridos. Escreva também o nome da pessoa que lheofereceu o casaco de peles.Já eram dez para as onze, e Standish não queria chegar ao voo dois depois de as portas estarem fechadas. Mas tinha um palpite. Esperou que Mrs. Mossman acabasse depreencher e assinar o impresso. No dia seguinte, um funcionário da alfândega requisitaria os vestidos e as camisolas e levá-los-ia às lojas onde ela afirmava tê-los comprado. O casaco de peles seria levado aos Saks da 5.a Avenida, que sem dúvida negariam tê-lo vendido. Embora o ignoras- se, Mrs. Mossman estava envolvida numa situação embaraçosa, inclusivamente sujeita a uma pesada multa. - Minha senhora - disse por fim Standish -, há mais alguma coisa que deseje declarar- Claro que não - afirmou indignada Mrs. Mossman. ?- Tem a certeza? - Fazia parte da política do gabinete aduaneiro proporcionar aosviajantes todas as oportunidades de prestaremdeclarações voluntárias. Só era apanhado quem não colaborava:Sem se dignar responder Mrs. Mossman baixou a cabeça.- Nesse caso, minha senhora, importa-se de abrir a sua carteira?Pela primeira vez, Mrs. Mossman deixou transparecer uma certainsegurança. - Mas as carteiras nunca são inspeccionadas, pois não.- Normalmente, não. Mas temos direito a fazê-lo.Relutantemente, ela abriu o fecho da carteira. Standish observou um bâton e uma caixa de pó-de-arroz de ouro. Ao revistar o pó-de- -arroz, descobriu um anel de rubis. Havia também um tubo de creme para as mãos semiusado. Desenrolou-o e constatou que

o fundo do tubo fora aberto. Apertou-o junto da extremidade superior e sentiu alga duro no interior. Comentou para si mesmo que seria interessante que estes contrabandistas ineficazes inventassem métodos originais. Todos estes truques eram já tão

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 velhos!Mrs. Mossman estava agora visivelmente pálida.- Minha senhora - disse o inspector Standish -, tenho de sair por momentos, masvolto já. Em qualquer caso, isto ainda vai levar algum tempo. - Deu algumas instruções ao jovem oficial da alfândega. - Inspeccione tudo cuidadosamente. Veja bem o forro da mala e das caixas, as costuras e as bainhas de todo o vestuário. Faça uma lista. Você sabe como é.

Já ia a sair quando Mrs. Mossman o chamou. - Sr. Inspector.. acerca do casaco e dos vestidos. . . Talvez eu me tenha de facto enganado. . . Estava confusa. Comprei-os, e há outras. .Standish abanou a cabeça. Era demasiado tarde para tentar cooperar. Viu que o jovem oficial encontrara mais qualquer coisa; e quando se voltou para sair, o rostoda mulher estava branco e abatido.Enquanto se encaminhava apressadamente para a porta quarenta e sete, reflectia na insensatez de Mrs. Mossman e de outros como ela. Se tivesse sido honesta em relação ao vestuário, a taxa alfandegária não teria sido onerosa. Embora reparasse nas camisolas, o jovem oficial provavelmente não se teria preocupado com elas; e a carteira não teria sido com certeza revistada. Quando solicitados, os homens da alfândega de

ixavam mesmo passar artigos sujeitos a direitos alfandegários elevados como se estivessem isentos, aplicando as taxas a artigos sujeitos a direitos mais baixos. Os insaciáveis como Mrs. Mossman eram invariavelmente apanhados, e o inspector Standish sentia-se deprimido ao constatar que eram muitos.Experimentou um sentimento de alívio ao ver que havia ainda alguns passageiros que faziam o check-in para seguir para o voo dois. O uniforme da alfândega era um passaporte de livre trânsito por todo o aeroporto, e o atarefado funcionário da porta quase nem ergueu os olhos quando ele a transpôs. Standish reparou que Mrs. Livingston, a ruiva encarregada das relações públicas, ajudava o funcionário.O inspector entrou no corredor que conduzia à turística. Sorriu à hospedeira que se encontrava à porta da cauda do avião: - Não me demoro nada. Não descolem comigo a bordo.Descobriu Judy sentada na coxia de um conjunto de três lugares, ocupada a entreter um bebé que pertencia a um jovem casal sentado a seu lado. Como acontecia em toda

s as classes turísticas, também esta parecia limitada e apinhada. Standish não invejava aos passageiros a viagem de dez horas que os esperava.- Tio Harry - exclamou Judy. - Já estava a pensar que não chegava a tempo! - Entregou o bebé à mãe.- Só vim dizer-te adeus - respondeu-lhe. - Que o ano te corra bem, e quando voltares não tentes passar contrabando.Ela riu e ergueu o rosto, que ele beijou com ternura. Sentia um verdadeiro carinho por Judy.Ao deixar o avião, depois de um aceno amigável à hospedeira, o inspector da alfândega deteve-se junto da porta da sala de espera. Fascinavam-no os últimos instantes que precediam a partida de um avião, especialmente quando se tratava de um voo de longo curso. Através dos altifalantes ressoava a última chamada: - A Trans America anuncia a partida imediata do seu voo dois, o Golden Argosy.Apenas duas pessoas esperavam a sua vez para embarcar. Tanya Livingston reunia os seus papéis enquanto um funcionário da porta despachava o último passageiro - um homem alto e loiro com um casaco de pêlo de camelo. Quando este subiu a manga de embarque para a turística, Tanya retirou-se também.Quase subconscientemente, Standish reparou numa figura perto dele, de costas para a porta de saída. Quando a figura se voltou

constatou que se tratava de uma senhora idosa, de baixa estatura.com ar reservado e frágil. Parecia precisar de alguém que tomasseconta dela. Avançando com surpreendente agilidade, dirigiu-se aofuncionário da Trans America que despachava o último passageiro:As suas palavras eram abafadas pelo ruído dos motores do avião, que

estavam a ser postos em marcha: - Desculpe. . . O meu filho. .cabelo loiro casaco de pêlo de camelo. . esqueceu-se dodinheiro. - Standish reparou que ela tinha na mão uma carteira de

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homem.? ?iSuiiic a u?ud nospeaelra - disse. A velhota sorriu, acenou e entrou na manga de embarque.Imediatamente a seguir Standish viu um homem magro, de rosto encovado e ombros descaídos, dirigir-se apressadamente para a porta quarenta e sete com uma pequena pasta na mão. A forma como ohomem agarrava a pasta apertando-a de encontro a si com ar

protector, atraiu a atenção de Standish. Este já vira, vezes sem contanumerosos viajantes sobraçarem do mesmo modo carteiras e pastasao passarem a alfândega. Era um indício de que dentro delaslevavam qualquer coisa que pretendiam ocultar. Se aquele homemviesse do estrangeiro, Standish obrigá-lo-ia a abrir a pasta. Mas ohomem preparava-se para sair dos Estados Unidos.Estritamente falando, o assunto não dizia respeito a Hany Standish. Não obstante, havia qualquer coisa. . instinto um sexto sentido que os funcionários das alfândegas têm desenvolvido, além de um interesse mais pessoal pelo voo dois, no qual seguia Judy.. qualquer coisa que mantinha Standish atento, de olhos fixos na pasta que aquele homem magro sobraçava..Guerrero recuperara a confiança. Na porta fez notar a discrepância entre o nome ??Gu

errero,?, escrito no bilhete, e ??Guerrero.,, no seu passaporte. O agente corrigiu o bilhete e a sua lista de passageiros e desculpou-se. - Peço imensa desculpa, às vezes os nossos computadores de reserva são descuidados. - Guerrero tinha agora o nome correctamente registado; não haveria qualquer dúvida acerca da sua identificação.Quando entrou a bordo, os motores da direita já estavam a trabalhar. Uma hospedeira conduziu-o a um lugar situado junto à janela num conjunto de três lugares. Um passageiro, que estava sentado na coxia, soergueu-se para o deixar passar. O lugar do meio encontrava-se vago.

Guerrero equilibrou cuidadosamente a pasta sobre os joelhos enquanto apertava ocinto de segurança. O seu lugar situava-se mais ou menos a meio da classe turística, à esquerda. Outros passageiros instalavam-se, arrumando a bagagem de mão e o vestuário- alguns ainda obstruíam a coxia. Uma hospedeira que movia os lábios em silêncio, com

 ar de quem gostava que todos se mantivessem quietos, contava as cabeças.Guerrero recostou-se e fechou os olhos. As mãos dele, agora mais firmes, seguravam resolutamente a pasta. Os dedos tactearam a pega sob a qual encontraram o laço do cordel, o que o fez experimentar uma sensação de segurança. Decidiu manter-se sentado exacta- mente na posição em que se encontrava durante as próximas quatro horas, findas as quais puxaria o fio. Haveria um instante, pensou, uma parcela de segundo, em que saborearia, vitoriosamente sucesso. Depois, misericordiosamente, tudo terminaria.através de uma frincha da porta da casa de banho onde seocultara, Ada Quonsett estivera a observar as duas hospedeiras quese encontravam na cabina da turística. Sabia que corria o risco de serdetectada quando contassem os passageiros. Uma vez esta faseultrapassada, provavelmente não seria descoberta, ou sê-lo-ia apenasmuito mais tarde.Repetira a história da carteira à hospedeira que se encontrava à porta do avião. Esta, a quem vários passageiros formulavam simultaneamente diversas perguntas, declinou a responsabilidade de receber a carteira ao saber que esta continha ?.muito dinheiro?, - reacção com que Mrs. Quonsett contara. Foi-lhe dito que, se não se demoras- se, podia ir entregar a carteira ao filho.O homem loiro de elevada estatura que, na mais completa ignorância, fora o ?.filho?, de Ada, estava a sentar-se num lugar na parte anterior da cabina. Mrs. Quonsett encaminhou-se na sua direcção enquanto esperava que a atenção da hospedeira da portafosse desviada, o que aconteceu no momento seguinte. De repente, por entre os passageiros que se agitavam, abriu caminho até uma das casas de banho. Quando, ainda a contar, a segunda hospedeira se aproximou do fundo do avião, Ada saiu da casa d

e banho e passou por ela murmurando um ??com licença". Ouviu a rapariga soltar com a língua um sinal de impaciência e pressentiu que fora incluída na contagem.Algumas filas à frente estava vago o assento central de um conjunto de três lugares.

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 Ada aprendera a utilizar esses lugares, que a maioria dos passageiros rejeitava e que, quando o avião não tinha a lotação esgotada, ficavam em geral desocupados.

Já instalada, manteve a cabeça baixa, tentando passar despercebi- da. É claro que em Roma haveria todas as formalidades da imigração e da alfândega, o que a impediria de sair sem entraves, como era seu hábito após as viagens ilegais para Nova Iorque. Mas com alguma sorte haveria a excitação de ter estado em Itália, seguida de uma deliciosa

viagem de regresso. Entretanto, durante aquele voo, saborearia uma boa refeição, assistiria a um filme e eventualmente travaria uma conversa agradável com os companheiros de viagem que se sentavam a seu lado. Sabia que ambos eram homens, mas deo evitou olhar para o que se encontrava à sua direita, o que a a a voltar o rostopaca a coxia, que as duas hospedeiras am de um extremo ao outro, refazendo a contagem. Discreta- Mrs. Quonsett observou o passageiro à sua esquerda, um de óculos, magro e pálido, recostado para trás, de olhos s, que agarrava firmemente uma pasta que tinha sobre os As hospedeiras terminaram a contagem. Da l.a classe, à frente viu uma terceira hospedeira, e as três raparigas pareceram confeiar apressadamente.DE regresso à sala de alfândega, Harry $tandish pensava ainda no homem da pasta. Fora do recinto da alfândega, um funcionário aduaneiro não tinha direito de interrogar ninguém que não fosse suspeito de evasão aduaneira. É claro que Standish poderia telegrafa

r à alfândega italiana descrevendo o homem e avisando que este poderia transportar contrabando. Mas duvidava que viesse a fazê-lo. Internacionalmente, havia pouca colaboração entre os departamentos alfandegários, divididos por uma profunda rivalidade profissional.Não obstante, Standish decidiu comunicar à Tcans America as suas dúvidas. Viu à sua frente Mrs. Livingston, que conversava com um piloto. Quando este se retirou ela cumprimentou-o: - Como está, Mr. Standish? Espero que as coisas na alfândega estejam mais calmas do que por aqui.- Não estão, não - respondeu-lhe, e após uma hesitação continuou: - Estive a observar o emrque do vosso voo dois, e houve uma coisa que me preocupou. - Descreveu o homemde ombros descaídos e o modo suspeito como agarrava a pasta. - Há qualquer coisa naquela pasta que ele quer ocultar - disse a finalizar.Com ar pensativo, Tanya respondeu: - Não sei muito bem o que poderei fazer. - Mesm

o que o homem transportasse de facto contrabando, o problema não dizia respeito à companhia.- Provavelmente não pode fazer nada. Mas pareceu-me preferível transmitir a informação.- De qualquer forma, obrigada, Mr. Standish. Vou comunicar o assunto ao nosso director distrital de tráfego.Quando o inspector se afastou, Tanya dirigiu-se à administração da Trans America, na sobreloja. Se o director distrital de tráfego considerasse a informação importante, enviaria pela rádio uma mensagem â Demerest, enquanto o avião ainda estava em terra.Consequentemente, apressou-se.O director distrital de tráfego não estava no seu gabinete, ondeem contrapartida, se encontrava Peter Coakle. que é que vocêestá aqui a fazer? - explodiu Tanya.Envergonhado, o jovem agente descreveu o que sucedera. Já foradescomposto por um irado médico chamado por lapso à casa debanho das senhoras. Já esperava a ira de Tanya, que de factoexplodiu: - Eu bem o avisei dos truques dela! Agora ponha-se aotelefone e avise os funcionários de todas as nossas portas para queestejam atentos! Se a localizarem, detenham-na e liguem para aqui.Eu vou telefonar para as outras companhias.

Peter agarrou num telefone e Tanya noutro. De momento esquecera-se da sua conversa com o inspector Standish e da sua intenção de localizar o director distrital de tráfego.A bordo do voo dois, o comandante Demerest vociferava: - I)? que diabo estamos à espera? - Os motores três e quatro do lado direito, estavam já ligados. O pulsar dos

seus jactos, abafado mas potente, sentia-se no cockpit.Continuavam à espera da autorização do supervisor de embarque para ligarem os motoresum e dois, do lado esquerdo, que só eram postos em marcha depois de todas as porta

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s estarem fechadas. No ? painel, uma luz vermelha apagara-se, indicando que a porta da cauda já fora fechada, mas uma outra luz vermelha indicava que a porta da frente permanecia ainda aberta e que a manga de embarque não fora ainda retirada. Voltando-se na cadeira, Demerest ordenou a Jordan que abrisse a porta do cockpit. Cy obedeceu. Na zona anterior da cabina viam-se meia dúzia de figuras envergandoo uniforme da Trans America, entre as quais Gwen.Demerest chamou-a: - Gwen - e ela dirigiu-se para o cockpit. - Que se passa?

Gwen parecia preocupada. - A contagem da turística não bate certo. Já contámos duas vezes, e o número não confere com o da folha de carga nem com o dos bilhetes. O supervisor de embarque está a verificar.- Quero falar com ele.Embora nominalmente naquela fase o comandante fosse já a autoridade máxima do avião, não podia ligar os motores nem iniciar a rolagem sem o OK do supervisor de embarque. Tanto o comandante como o supervisor de embarque pretendiam que a partida se efectuasse à tabela, mas por vezes a disparidade das suas funções dava origem a conflitos.Decorrido um momento apareceu o supervisor de embarque, de uniforme, com um únicogalão prateado a indicar o seu r--- Oiça, amigo - começou Demerest. - Eu sei que você tem problemas, mas nós também os temos

. Quanto tempo mais vamos continuar aqui?- Acabei de mandar verificar de novo os bilhetes, Sr. Comandante. Há um passageiro a mais na turística.- Muito bem - disse Demerest. - Agora vou dizer-lhe uma coisa. Por cada segundoque passa estamos a queimar gasolina no três e no quatro, que você autorizou que fossem liga- ?os, gasolina essa de que vamos precisar durante esta noite. E se o avião não parte já, mando desligar tudo e chamo o pessoal de reabastecimento para encher de novo os depósitos, embora o controle de tráfego nos tenha acabado de comunicar que têm uma aberta momentânea. Se formos já, descolamos num instante. Daqui a dez minutos pode ser diferente. A decisão é sua.O supervisor hesitou. Parar os motores e encher os depósitos significaria mais uma meia hora de dispendioso atraso do voo dois, a acumular-se ao atraso de uma hora em relação à tabela. Se houvesse um passageiro clandestino a bordo que fosse encontr

ado e retirado do avião, o supervisor teria uma justificação para a retenção do voo. Mas se acabasse por se verificar que a diferença dos números não era mais do que um erro dos escritórios, como podia acontecer, teria de enfrentar a cólera do director distrital de tráfego. Assim, ordenou, através da porta do cockpit: - Cancelem a verificação dos bilhetes. O avião vai partir já.

ERalvt onze horas da noite. Uma figura correndo aos tropeções chegou à porta quarentae sete. Mas as mangas de embarque estavam fechadas e o avião saía do terminal e iniciava a rolagem. Desalentada, Inês Guerrero ficou a ver as luzes do avião a afastarem-se. CAPÍTULO VIII COMO acontecia com todas as tripulações no início de um voo, Gwen experimentou uma sensação de alívio quando a porta da cabina se fechou e o avião começou adeslocar-se. Era neste ambiente familiar e auto-suficiente que a tripulação trabalhava com perícia e independência. A camaradagem do ar - intangível mas real - fazia de novo sentir-se.Enquanto as outras quatro hospedeiras preparavam as galleys Gwen, servindo-se do seu manual, desejou as boas-vindas aos passageiros através dos intercomunicadores.O comandante Demerest e a sua tripulação. . . desejam-vos sincera-mente uma viagem agradável e repousante. . . dentro de momentosteremos o prazer de vos servir. . . estamos à vossa disposição para queeste voo decorra tão aprazivelmente quanto. . .Gwen perguntou a si própria quando perceberiam as companhias aéreas que a maioria dos passageiros considerava tais anúncios irritantes e enfadonhos. Mas as instruções sobre saídas de emergência, máscaras de oxigénio, etc., eram essenciais. Enquanto duas hospedeiras procediam à demonstração, Gwen terminou rapidamente a leitura.

Havia mais um anúncio a fazer, obrigatório antes das descolagens em aeroportos contíguos a zonas residenciais.Pouco depois da descolagem notarão uma acentuada diminuição do ruído dos motores devido

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a uma redução da potência. Tal medida, perfeitamente normal, é seguida por razões de defercia para com as pessoas que vivem perto do aeroporto,A segunda declaração era falsa. A redução da potência não era normal nem mesmo desejável.um procedimento diplomático, que implicava um risco para a segurança do aparelho. Os pilotos opunham-se declaradamente à restrição de potência. Havia mesmo muitos que, pondo em risco as suas próprias carreiras, se recusavam a observar esta norma.Gwen ouvira já Demerest a parodiar o anúncio: - Minhas senhoras e meus senhores, no

momento mais crítico da descolagem, quando precisamos do máximo de potência, reduzimo-la drasticamente e depois iniciamos uma volta a subir com um peso bruto elevado e a uma velocidade mínima. Com uma manobra destas qualquer aluno piloto seria imediatamente chumbado. Por isso, agarrem-se bem! Cruzem os dedos e por favor, comecem a rezar!Gwen sorriu, recordando o episódio. Apreciava o carácter ardente e impulsivo de Vernon, a forma como ele se entregava a qualquer actividade que lhe interessasse. Atéos seus defeitos, as suas atitudes cáusticas, a sua vaidade - eram másculos e atraíam. E simultaneamente ele sabia ser terno, e era-o a fazer amor.Por uma janela, Gwen via, exactamente à sua frente, as luzes de um avião que alinhava numa pista; seguir-se-ia o voo dois. Baixou um assento e apertou o cinto de segurança.

A potência dos motores aumentava. Já estavam a rolar; dentro de segundos estariam no ar. E sempre a mesma pergunta, que não deixaria de a atormentar. O bebé. . . sim ou não? Deixá-lo-ia viver ou condená-lo-ia à morte? Entre o amor e o bem-estar, por qual optar?Gw EN não precisava de ter feito o aviso sobre a redução do ruído dos motores. Enquantorolavam, Hams declarou a Demerest: - Es- ta noite tenciono ignorar os procedimentos de redução de ruído.Demerest concordou. - Acho bem! Eu faria o mesmo. - Puxou para si o relatório de voo e anotou na coluna ??Observações,?: ?PR R. Procedimento de redução de ruídos não observo. Razão: tempo, segurança." Mais tarde, aquela anotação poderia dar origem a dissabores, mas Demerest apreciava esse tipo de problemas.As luzes do cockpit foram reduzidas e completados os procedimentos pré-descolagem.

 Tinham tido sorte com a diminuição temporária do tráfego. Atrás do voo dois formava-se agora uma bicha de aviões que esperavam, e uma procissão de outros que abandonavam osterminais.Os rádios de Demerest e Hams estavam sintonizados para a torre de controle. Imediatamente à frente do Trans America, um VC-10 da BOAC foi autorizado a descolar. Avançou, inicialmente com uma lentidão entorpecedora e depois rapidamente. As cores dacompanhia - azul, branco e dourado - cintilaram brevemente sob as luzes dos outros aparelhos e desapareceram num redemoinho de neve turbilhonante e de fumo negro dos escapes dos reactores. Soou então a voz do controlador: - Trans America dois, autorizado a alinhar na pista dois cinco, e aguarde; tráfego a aterrar na pistaum seteesquerda.Esta pista cruzava a dois cinco. Embora o uso simultâneo dasduas pistas implicasse risco, os controladores tinham adquiridoprática em intervalar as partidas e chegadas dos aparelhos, a fim deevitar perda de tempo e de fonrIa que nunea dois aviões se encontrassem na intersecção das pistas. Com gestos rápidos e hábeis Harris rolou em direcção à pista dois cinco.vés da neve Demerest distinguia as luzes de um avião prestes a tocar o solo na pista um sete. Mesmo antes de este aparelho ter atravessado a pista dois cinco a vozdo controlador fez-se ouvir: - Trans America dois, autorizado a descolar. Mexa-se, homem! - Embora as duas últimas palavras não fizessem parte do vocabulário regulamentar de controle de tráfego aéreo, tinham o mesmo significado para os pilotos e para os controladores:.?Avance! Já está outro voo para aterrar depois deste último ! " Defacto, um novo conjunto de luzes - aflitivamente perto do campo - fazia a aproximação à pista um sete.

Hams empurrou até ao limite as quatro manettes de potência. Depois ordenou: - Acerte a potência! - E durante um curto espaço de tempo pisou os pedais de travão, deixandoo motor desenvolver potência enquanto Demerest acertava a potência dos quatro motore

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s. O som dos reactores intensificou-se até se transformar num estrondo ensurdecedor, e o avião precipitou-se em direcção à pista.

Demerest comunicou à torre: - Trans America dois, iniciei a descolagem. - A velocidade aumentou. Demerest chamou de no- vo: - Oitenta nós. - As luzes da pista passavam por ele, velozes, por entre a neve que redemoinhava.Quando atingiu a velocidade de cento e trinta e dois nós, Demerest comunicou: - V-

um. - Tinham alcançado a velocidade de decisão, à qual o avião ainda podia travar no solo. Imediatamente a seguir ultrapassaram a V-um. Ainda a ganhar velocidade, através- saram a intersecção, vislumbrando à sua direita, como um relâmpago, as luzes do avião que se preparava para aterrar; dentro de segundos outro avião atravessava a intersecçãoque o voo dois acabara de transpor. Mais uma manobra arriscada - habilmente calculada- que resultara; só os pessimistas acreditavam que um dia essa manobra podiafalhar. Quando atingiram a velocidade de cento e cinquenta nós, Hams puxou bruscamente o manche. A roda do nariz elevou-se da superfície da pista e um momento depois estavam no ar.Em voz calma, Harris comandou: - Trem em cima. - Demerest levantou uma alavancano painel central de instrumentos. O ruído do trem de aterragem a ser recolhido ecoou pelo aparelho e depois extinguiu-se com um baque quando as portas dos porões d

o trem se fecharam.Subiam agora rapidamente. - Flaps vinte! - disse Harns; De- merest actuou a alavanca dos flaps, provocando uma leve sensação de afundamento quando os flaps, que durante a descolagem haviam fornecido uma sustentação extra, se ergueram parcialmente.- Flaps zero. - Os jlaps foram totalmente recolhidos. Àquela altitude, por entre nuvens, havia bastante turbulência; os passageiros que ocupavam a cauda do avião deviam estar a ser desconfortavelmente sacudidos. Demerest desligou os indicadores de PROIBIDO FU- MAR; permaneceria aceso o sinal ordenando que fossem mantidos oscintos de segurança até que o voo dois atingisse uma zona mais estável.Demerest chamou o controle: - Voo dois voltando à esquerda rumo um oito zero; abandonando mil e quinhentos pés. - Pouco depois, o voo dois foi autorizado a subir atéaos vinte e cinco mil pés. Decorridos alguns minutos encontrar-se-iam em céu calmo e límpido, sobre as nuvens de tempestade e sob as estrelas.

WaYNE Tevis fez deslizar o seu banco de rodas até junto de Keith Bakersfeld. - Tens cinco minutos, menino - disse em voz arrastada. - Chegou o mano mais velho.Quando desligou os auscultadores e se voltou, Keith distinguiu na sombra a figura de Mel atrás de si. Receara não aguentar emocionalmente um encontro com Mel, mas agora sentia-se satisfeito por o irmão ter vindo. Sempre os unira uma verdadeira amizade e devia despedir-se dele, ainda que Mel não devesse sabê-lo.- Passei por aqui. Como estão as coisas a correr? - perguntou Mel.Keith encolheu os ombros. - Bem.Mel trouxera dois cafés e deu um a Keith.- Obrigado. - Keith sentia-se grato pelo café, bem como pela interrupção. A mão que segurava a chávena não estava muito f Irme.Cuidadosamente, Mel evitava fitar o rosto do irmão, naquele momento mais tenso e sombrio do que nunca. Indicando com um gesto de cabeça a profusão de equipamento de radar, Mel comentou: - Sempre gostava de saber o que é que o velhote

pensaria de tudo isto.O ??velhote.? era o seu pai, Wally ??Wild Blue" Bakersfeld,pára-quedista e aviador de óculos e capacete, que efectuara vooscomo duplo de cinema e fazendo pulverizações de colheitas. WildBlue, amigo íntimo de Orville Wright, voara até ao fim dos seusdias, que haviam acabado com os filhos ainda teenagers, durante afilmagem de uma cena em Hollywood em que fazia de duplo e durante a qual a colisão simulada de um avião se tornara uma realidade. Por influência de Wild Blue, ambos os seus filhos aceitaram a aviação como o seu natural modus vivendi, embora Mel considerasse que essa situação se revelara prejudicial em relação a Keith.

Em voz baixa, observou: - Keith, tu não estás bem. Tanto eu como tu o sabemos; paraquê fugir? Não queres falar sobre o que te preocupa? Sempre fomos sinceros um com ooutro.

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- E verdade - respondeu Keith. - Sempre. - A referência ao pai comovera-o. Wild Blue fora um pai extraordinário. E no entanto a figura paternal para Keith acabara por ser Mel, que possuía o bom senso e a estabilidade que o pai nunca tivera. Durante toda a vida Mel olhara por Keith, embora nunca o superprotegesse, como acontecia com muitos irmãos mais velhos que retiravam a dignidade aos mais novos.Mel fez um gesto com a cabeça e ambos saíram da sala de radar para o corredor. - Ouve, meu velho - disse Mel. - Precisas de te afastar disto por algum tempo. Talvez

 precises de te afastar de vez.Keith sorri. - Estiveste a falar com Natalie?- Natalie tem capacidade para avaliar situações com sensatez.E ainda há outra coisa - prosseguiu Mel -, acho que nunca me contaste exactamenteo que aconteceu em Leesburg.Após uma breve hesitação, Keith respondeu: - Pois não.

- Pensei que não me tinhas dito tudo. - Mel escolhia cuidadosamente as palavras, pois sabia que aquele momento podia revestir- -se de importância crucial. - Mas também pensei que se tivesses querido que eu soubesse já me tinhas contado; como não disseste nada, não quis intrometer-me. Mas às vezes, quando se gosta de alguém, temos queassumir os seus problemas. Neste momento o teu problema é também meu. Aquele dia em

Leesburg, a parte que não contaste, tem a ver com o que se passa agora contigo, não tem? Keith abanou a cabeça. - É melhor não falarmos nisso, Mel. A voz de Mel era umasúplica. - Não podes viver com isso guardado dentro de ti o resto da tua vida. E quem melhor do que eu a desabafares? Eu compreenderia. - Queres dizer, contar-te tudo aqui? Agora? Mel insistiu: - Porque não? Alguma coisa despertou em Keith, a vontade de aliviar o seu io como num confessionário, à procura de expiação de um pecado ? reconhecimento e arrependimento. No seu espírito, uma porta então fechada começava a entreabrir-se. - Penso que não há motivo para não te contar tudo - declarou lentamente.Mel manteve-se em silêncio, receando pronunciar uma palavra ada que demovesse Keith da sua resolução. - Conheces a maior parte do que aconteceu - começou Keith. - O que tu não sabes, e que não foi revelado durante o inquérito. . - E descreveu aquela manhãem Leesburg, a imagem tráfego quando ele saíra para se dirigir à casa de banho, o controlador estagiário que deixara a substituí-lo. À medida que as palavras irrompiam, com

o uma catarata longo tempo contida, experimentava uma sensação de inexprimível alívio. De repente, a porta do fundo do corredor abriu-se. O chefe da re chamou: - Mr. Bakersfeld! O tenente Ordway anda à sua Mel teve vontade de gritar-lhe, de pedir-lhe que o deixasse a sós i Keith durante mais alguns minutos. Mas não valia a pena. Ao ir a voz do chefe da torre, Keith interrompeu-se como se um interruptor tivesse sido desligado. Para que iniciara aquela conversa?, perguntava-se. Nenhuma profissão conseguiria exorcizar as recordações. Limitara-se a agarrar-se àquilo que lhe parecera uma esperança. Mais uma vez a tina espessa da solidão se cerrou em torno dele;e por detrás a havia uma câmara de tortura que nem Mel conseguia - Acho que você é preciso lá dentro, Keith - declarou o chefe torre. Keith acenou em anuência. Desanimado, Mel viu o irmão regressar à sala de radar. Ouvira o suficiente para saber que era extraordinariamente importante que visse o resto. Mas conseguiria alguma vez mais vencer a reserva de Keith? Esta dúvida desesperava-o. Entretanto, as suas ocupação chamavam-no.Chamou o tenente Ordway, que o informou que um dos se homens encontrara uma mulher que chorava e vagueava sem objectivo no terminal principal.- Não percebemos nada do que ela disse, mas como não está a fazer nada de mal não a levei para a estação. E como não há assim tantos lugares calmos por aqui, deixei-a na antecâmara do si gabinete. - Acrescentou que os habitantes de Meadowood estava a chegar, mas que não haviam causado ainda qualquer problema- Vou já para o gabinete - disse Mel. - Conseguiu saber nome da mulher?- Guerrero. Inês Guerrero - respondeu Ordway.TANYA perguntou, numa voz que denotava incredulidade:- Quer dizer que Ada Quonsett embarcou no voo dois?- Receio que sim, Mrs. Livingston. Havia uma velha cuja descrição correspondia à que d

escreveu no seu aviso às portas de embarque. - O funcionário da porta que superintendera no embarque do Golden Argosv encontrava-se no gabinete do director distrital de tráfego juntamente com Tanya e Peter Coaekley. - Deixámos. entrar: outros visit

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antes a bordo e todos eles saíram. Além disso- acrescentou, numa atitude de defesa -, eu estava a fazer o servi de duas pessoas, a senhora sabe.- Sei, sei - aquiesceu Tanya. Se alguém era responsável pela ocorrência, esse alguém era ela própria.Pouco depois de Coackley e de o agente da porta saírem, o director distrital de tráfego, Bert Weatherby, regressou ao seu gabinete. Era um executivo enérgico, que começara a sua vida profissional com dificuldades, como carregador, e ascendera a um

cargo elevado pelo seu esforço e naquela noite sentia-se cansado e irritado. Ouviu com impaciência o relatório de Tanya, em que esta aceitava a responsabilidade do sucedido.

O director distrital de tráfego interpelou-a rispidamente: - A senhora é que nos meteu nesta alhada; agora desenrasque-se. Peça ? secção de operações que informe o comandante do voo dois do que se passa. Avise-o de que ela não deve sair do avião em Roma semescolta. E se as autoridades italianas a enf?rem numa cadeia, tanto melhor. Depois envie uma mensagem ao nosso chefe de escala em ma. Quando o avião aterrar o problema passa a ser dele, e espero ? tenha funcionários mais competentes do que osque eu tenho. - Muito bem, Mr. Weatherby. - Comunicou-lhe então que utdish vira um homem de aparência suspeita a embarcar no voo 15, mas o director distrital de tráf

ego interrompeu-a. - Esqueça o assunto! Nem pense que vou pedir à alfândega liana para verificar seja o que for! Não posso permitir que um passageiro que paga o seu bilhete seja submetido a interrogatórios e ; a ofensas por qualquer coisa que não nos diz respeito. Tanya hesitou. Havia qualquer coisa na descrição do homem que preocupava. Sugeriu: - Talvez não seja contrabando. O director distrital de tráfego interrompeu-a bruscamente: - Já sse para esquecer o assunto! CINDY Bakersfeld pagou o táxi à porta do terminal principal entrou precipitadamente no aeroporto. Abriu caminho através da multidão que se comprimia na sala de espera principal e contornou grupo bastante numeroso que parecia preparar-se para qualquer manifestação, pois alguns dosseus componentes montavam um tema de altifalantes portátil. Sem grande curiosidade, continuou a andar em direcção ao gabinete de Mel. Viu sentada na antecâmara uma mulher de meia-idade, de aspecto abatido, que fitava com uma expressão ausente um ponto perdido espaço e não reparou em Cindy. Esta relanceou-a com uma certa curiosidade

antes de entrar no gabinete vazio de Mel, onde se sentou ma cadeira e esperou. Mel entrou com ar apressado decorridos dez minutos. - Oh!- clamou ao ver Cindy. - Não pensei que viesses e não vejo utilidade na tua vinda. Cindy retrucou: - Diz-meo que te parece serem as minhas intenções. - Tenho a impressão de que queres discutir. Já bastam as discussões que temos em casa, não é preciso arranjar outra aqui. ?- Talvez tenhamos de arranjar qualquer coisa aqui, uma vez que raramente estás em casa - sublinhou Cindy, causticamente. Fez na pausa. - Mel, terminou tudo, não achas? Entre ti e mim. Mel não respondeu de imediato; embora sem querer precipitar-se, compreendia que, uma vez o assunto abordado, seria insensato evitar verdade. - Penso que sim - respondeu por fim. - Receio que sim. Tentei adaptar-me às circunstâncias; penso que tu também. N sei quem terá feito o esforço maior; naturalmente eu penso que fui e? e tu pensas que foste tu. O que importa é o seguinte: tivemos tempo suficiente para tentar, mas não resultou.- Quero o divórcio, Mel - declarou Cindy.- Tens a certeza? - perguntou Mel. - É um passo importante.- Tenho a certeza - respondeu Cindy.Mel disse calmamente: - Então penso que é uma decisão acertada para ambos.A ausência de argumentação pareceu contrariar Cindy, que perguntou:- Então é um facto consumado?Mel avançou um passo na sua direcção. - Tenho pena, Cindy.

- Também eu lamento, mas é a única coisa sensata que pode- mos fazer, não é? - retorquiu,deixando-se ficar onde estava.Ele concordou: - É.Terminara, e ambos o sabiam. Cindy estava já a fazer planos.- Fico com a custódia de

 Roberta e de Libby, claro, mas tu podes ir vê-las sempre que quiseres. Nunca te hei-de criar dificuldades relativamente às crianças.-Eu sei.

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Era natural, reflectiu Mel, que as filhas fossem com a mãe; mas ia ter saudades delas, em especial de Libby. Por muito frequentes que fossem, os encontros com ascrianças não substituiriam uma vida em comum na mesma casa. Recordou a conversa havida com Libby, horas antes, pelo telefone; que é que ela queria? Um mapa de Fevereiro. Quanto a ele, o mês de Fevereiro já fora programado, e com circunstâncias inesperadas.- Vou ter de arranjar um advogado - continuou Cindy. - De- pois digo-te quem é. -

Parecia ter recuperado totalmente e inspeccionava o rosto no espelho da caixa de pó. Mel tinha mesmo a impressão de que o curso dos pensamentos dela já estava longe dali; nos cantos da sua boca esboçava-se um sorriso. De facto, ela preparava-se para falar a Mel a respeito do seu plano de casar com Lionel Urquhart, mas interrompeu-se. Ele descobriria mais tarde.Ouviu-se uma pancada na porta e Mel respondeu: - Entre.Era o tenente Ordway, que exclamou ao ver Cindy: - Oh, desculpe, Mrs. Bakersfeld. - Cindy ergueu os olhos para ele e ?pois desviou-os sem responder. Ordway, sensível ao ambiente, hesitou: - Talvez seja melhor eu voltar mais tarde.Mas hle1 atalhou: - Não, não, diga lá. Que se passa, Ned?- É aquela gente de Meadowood. Estão uns duzentos na sala de espera principal, e há mais a chegar. Todos queriam falar consigo, mas consegui convencê-los a enviar uma d

elegação. E também há I?ês jornalistas. Estão todos à sua espera ali fora.Mel sabia que teria de atender a delegação. - Cindy- pediu. - Isto não demora nada. Esperas um pouco por favor?Ela ignorou-os e Mel virou-se para Ordway : - E melhor mandá-los entrar. Ah, e ainda não falei com a tal mulher, Mrs. Guerrero.- Não é preciso. Ela vai-se embora.Fez entrar a delegação de Meadowood - quatro homens e duas mulheres, seguidos pelo trio de jornalistas. Um dos repórteres pertencia ao Tribune - era um rapaz novo deaspecto observador chamado Tomlinson, que cobria para o seu jornal os temas relaciona- dos com a aviação; Mel conhecia-o bem e respeitava a exactidão e a imparcialidade dos seus artigos. Através da porta aberta via Ordway a falar com Mrs. Guerrero, que apertava o casaco.Mel apresentou-se à delegação e convidou: - Sentem-se, por favor.

Um dos elementos da delegação, um homem bem vestido com o cabelo entremeado de fiosbrancos meticulosamente penteado, disse: - Vamos sentar-nos, mas convém que saibaque não estamos aqui à procura de conforto. Temos coisas graves para lhe dizer e queremos obter respostas, não paliativos. O meu nome é Elliot Freemantle. Sou advogadoe estou aqui em representação destas pessoas e de todas as outras que se encontram láem baixo.

- Muito bem, Mr. Freemantle - disse Mel. - Pode começar.Com um sobressalto, experimentando um sentimento de culpa por não ter notado o facto, constatou, ao sentar-se, que Cindy se retirara. CAPÍTULO IX O voo dois encontrava-se a vinte minutos de distância do Lincoln International e mantinha a subida que terminaria à altitude de trinta e três mil pés, perto de Detroit, cerca de onze minutos mais tarde. ?avião seguia uma ortodrómica para Roma, em ar calmo, muito acim?da turbulência. A Lua, em quarto crescente, brilhava acima deles eas estrelas cintilavam com nitidez.No cockpit, os três pilotos instalavam-se para desempenhar ? tarefas rotineiras daquela viagem de longo curso.Sob a mesa do mecânico ouviu-se uma campainha e num painel de rádio à frente das manettes uma luz âmbar começou a piscar, Ambas indicavam uma chamada pelo SELCAL, através do qual a maior parte dos aviões, cada um dos quais com o seu código próprio, podia ser contactada como se por telefone privado. Hams passou àescuta do terceiro rádio e transmitiu: - Trans America dois naescuta.- Voo dois, secção de despacho da Trans America, de Cleve-

land. Tenho uma mensagem do DDT do Lincoln International para ocomandante. Está pronto a copiar?Demerest, que também passara à escuta do terceiro rádio, pegou

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num bloco-notas, enquanto Harris respondia: - Transmita, Cleveland.Era a mensagem de Tanya Livingston acerca de Ada Quonsett. Ao ouvirem a descrição da velha, Demerest e Harris sorriram. A mensagem terminava pedindo confirmação de queMrs. Quonsett seguia a bordo.- Vamos verificar e informamos. - Hams passou de novo à escuta do controle.Jordan, que ouvira a mensagem por meio do altifalante do painel superior, ria. - Não acredito! - disse.

- Pois eu acredito - disse Demerest, com um riso sardónico. - Conseguiu enganar todos aqueles patetas de terra.- Premiu o botão de chamada para o telefone da galley da 1. a classe e chamou Gwen ao cockpit. Ainda a rir, leu-lhe a mensagem SELCAL. -1á a viste?Gwen abanou a cabeça. - Esta noite quase não pus os pés na turística.- Então vai lá e vê se ela lá está. Não deve ser difícil encontrá-la. Depois vem cá informGwen demorou-se apenas uns minutos; quando voltou, também ela ria.

- Está no lugar 14-B. Tem pelo menos setenta e cinco a?os e prece avó de qualquer um de nós. É por isso que há bocado a contagem não dava certa. Vou pedir-Lhe o bilhete. -Não - atalhou Demerest. - Deixa estar. Os outros olharam-no, curiosos. - Só nos pediram para ver se a velhota estava a bordo. Está! ?m certeza eles vão mandar alguém espe

rá-la em Roma, e contra so não podemos fazer nada. Mas já que ela conseguiu chegar até ?ui, para quê estragar-lhe o resto da viagem? Quando estivermos quase a chegar a Roma, dizemos-lhe que estamos a par do assunto, ?a ela não ter um ehoque muito grande à chegada ao aeroporto. ara já, deixemo-la gozar a viagem. Dá à avozinha um bom jantar e deixa-a ver o filme em paz e sossego.- Às vezes - comentou Gwen com ar pensativo - gosto mesmo de ti - e saiu do cockpit.Hams, que acendera o cachimbo e estava a verificar o piloto automático, ergueu osolhos para Demerest e comentou secamente: - Não conhecia essa sua preferência por velhasDemerest, a quem o assunto da passageira clandestina pusera de bom humor, sorriu: - Prefiro as novas. Mas olhe que em breve você e eu teremos de nos contentar com senhoras de meia-idade.

- Eu já me contento. - Harris lançou uma fumaça pelo cachimbo. - E já há bastante tempo. - Ambos os pilotos tinham um dos earphones dos auscultadores levantado para cima, o que lhes permitia conversar sem deixar de ouvir alguma mensagem de rádio que chegasse; o nível de ruído no cockpit era suficiente para lhes permitir uma certa privacidade.- Já sei que você e a sua mulher sempre se deram bem - respondeu Demerest. - Tenho-o visto a ocupar o tempo a ler, durante os layovers.- A minha mulher era assistente de bordo, e foi assim que nos conhecemos. Ela estava a par do que se passava. Por isso quando casámos fiz-lhe uma promessa, a promessa óbvia. Sempre a cumpri.Enquanto conversavam, os dois pilotos não deixavam de percorrer com o olhar os painéis de instrumentos iluminados.- Deduzo que todos os filhos que vocês têm devem terajudado - disse Demerest. - Quantos são? Seis?- Sete. - Harns sorriu. - Quatro foram planeados, os outros. . .bem. . . tudo se arranjou.- Esses que vocês não planearam, alguma vez pensaram emfazer qualquer coisa, quero dizer, antes de eles nascerem?Anson Harris respondeu secamente: - Não. - Depoisacrescentou, em tom menos brusco: - Sobre esse assunto tenhoideias bastante firmes.Entretanto, ouviam pelo rádio uma troca de palavras entre o ' controle e um voo da TWA com destino a Paris, que descolaraimediatamente a seguir ao voo dois da Trans America e que seencontrava cerca de dez milhas atrás e vários milhares de pés abaixo

deste. Escutando as transmissões de outros aparelhos, os pilotosatentos conseguiam, na sua maior parte, formar nos seus espíritosuma imagem mental parcial do tráfego à sua volta. Demerest e Hams

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acrescentaram este novo dado a outros já memorizados.Depois de verificar o rumo e a altitude, Hams continuou:-

Tenho estudado bastante História, Vernon e há uma coisa que' aprendi. Todos os passos do progresso da humanidade resultam de uma única e simples causa: a elevação do estatuto do ser humano ?cmo indivíduo. De cada vez que a civilização progrediu foi porque %s pessoas se preocuparam um pouco mais com as outras

e as ?respeitaram como indivíduos. Eu respeito a vida humana ainda mais quando setrata de um nascituro, porque é fácil matar uma criança indefesa. E mesmo nos primeiros estádios da vida o embrião é já um ser humano. Oito semanas depois da concepção já tem t os elementos de um bebé completamente formado.Era altura de nova comunicação com o controle e Demerest encarregou-se de a fazer. Estavam naquele momento a trinta e dois mil pés, a atingir o tecto de subida, prestes a cruzar a fronteira com o Canadá. As cidades fronteiriças gémeas de Detroit e Windsor, Ontário, habitualmente manchas de luz visíveis a milhas de distância, naquela noite encontravam-se envoltas em escuridão, à medida que a tempestade avançava para leste.- Você devia ter sido advogado em vez de piloto - comentou Demerest.- Eu bem lhe disse que tinha ideias firmes sobre esse assunto.

- Quer você dizer ideias disparatadas. - A irritabilidade. de Demerest, sempre à flor da pele, começava a transparecer à lembrança de Gwen. - Há imensos argumentos lógicos afavor de não deixar nascer uma criança no meio da pobreza, ou em resultado de um crime ou se ameaça a vida da mãe.- Isso é a mesma coisa que dizer: ??Muito bem, permitimos um pequeno assassínio desde que vocês apresentem um argumento convincente." - Harns abanou a cabeça. - Não matamos os deficientes mentais, nem os doentes incuráveis, nem eliminamos as pessoas velhas e inúteis, como se faz em algumas civilizações. Podem-se evitar crianças não desejadas através do controle de nascimento, e toda a gente, a todos os níveis económicos, tem oportunidade de o utilizar.Os altímetros marcavam os trinta e três mil pés. Hams nivelou o aparelho, enquanto CyJordan ajustava a potência.Demerest, que gostaria de não ter abordado aquele assunto com Harris, para finaliz

ar a conversa premiu o botão de chamada das assistentes: - É melhor comermos algunshors d'oeuvres antes que os passageiros se atirem a eles.NA cabina da turística, Ada Quonsett estava entretida em animada conversa com o simpático passageiro de meia-idade sentado à sua direita, que, conforme ela descobrira, tocava oboé na OrquestraSinfónica de Chicago. - Que maravilha! - exclamou ela. - O meufalecido marido adorava música clássica. Tocava um bocadinho deviolino, embora, é claro, não fosse profissional.Mrs. Quonsett sentia-se reconfortada pelo xerez que Lhe oferecerao seu amigo oboísta. Naquela altura este perguntava-lhe se ela não

gostaria de tomar outro, ao que ela respondeu, com um sorrisoresplandecente: - Meu Deus, é muito amável da sua parte, e secalhar não devia aceitar, mas acho que não vou recusar.O passageiro à esquerda de Ada constituíra para ela uma desilusão. As suas diversas tentativas de entabular uma conversa haviam sido repelidas por respostas monossilábicas. O homem permanecia sentado, com uma expressão vazia, agarrado à pasta que tinha sobre os joelhos. Pedira um whisky, que pagara com trocos e que depois engolira quase de um trago. ??Pobre homem, deve ter problemas", pensou Mrs. Quonsett.Reparou, no entanto, que a atenção do seu sisudo companheiro fora de repente despertada no momento em que o comandante comunicara a velocidade, destino, altitude, duração de voo e outros pormenores a que Ada raramente prestava atenção. O sorumbático passageiro rabiscara notas nas costas de um envelope, e, retirando um dos mapas fornecidos pela companhia, onde cada passageiro podia assinalar a posição do avião, abrira-o sobre a pasta. Estudava agora o mapa, onde assinalava pontos com um lápis, cons

ultando de vez em quando o relógio. Mrs. Quònsett, que não duvidava de que havia um navegador que se ocupava de todos esses problemas, considerou aquela atitude pueril.

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Voltou a dedicar a sua atenção ao seu vizinho oboísta, que lhe explicava que só muito recentemente, ao sentar-se na plateia durante um concerto de uma sinfonia de Bruckner, percebera que enquanto a sua secção da orquestra tocava ?.pom titi - pomponN, os violoncelos soavam ??tidli-a-da ?.- A sério? Que interessante! - exclamou Ada. Estava a divertir-se imenso. Escolhera de facto um voo agradável: as assistentes eram prestáveis é os passageiros encantadores, à excepção do homem sentado à sua esquerda, que de qualquer forma não lhe interessava

 muito. Em breve serviriam o jantar, a que se seguiria um filme com Michael Caine, um dos seus actores favoritos. Que mais poderia desejar?AO julgar que havia um navegador no cockpit, Mrs. Quonsett enganara-se. Como aliás acontecia na maior parte das grandes companhias de aviação, e devido aos aperfeiçoados sistemas de rádio e ?dar, a Trans America já não utilizava navegadores mesmo em voos transatlânticos. Os próprios pilotos, com a colaboração do controle de tráfego aéreo, fazm a pouca navegação que era necessária.Contudo, se seguisse um navegador a bordo, teria assinalado uma posição do avião notavelmente semelhante àquela que Guerrero traçara a partir de cálculos aproximados. Váriosminutos antes Guerrero calculara que se aproximavam de Detroit. A rota do avião fá-los-ia sobrevoar Montreal, Fredericton, New Brunswick e St. John's, Terra Nova. Sobrevoariam a costa oriental da Terra Nova dentro de duas ou três horas, segundo e

stimava. E depois de deixarem para trás a Terra Nova, qualquer altura lhe serviria. Agora que o seu objectivo estava tão perto, ansiava por que esse momento chegasse rapidamente.

O whiskey, relaxara-o. Embora ao entrar a bordo a maior parte da sua anterior tensão se tivesse desvanecido, começara a enervar-se de novo após a descolagem, sobretudo quando a velha irritante a seu lado tentara entabular conversa. Guerrero não queria mais conversas nesta vida. Queria apenas permanecer sentado a sonhar nos trezentos mil dólares que Inês e as crianças iriam receber, segundo calculava, dentro depoucos dias. Fechando os olhos, imaginou como reagiriam ao que iria suceder - tinham obrigação de chorar por ele pelo que ia fazer, mesmo que não soubessem que ele ia sacrificar a vida por eles. E daí, talvez adivinhassem, e nesse caso ele esperava ser devidamente apreciado.

Provavelmente adormecera, porque ao abrir os olhos viu uma hospedeira debruçar-sesobre ele e dirigir-se-Lhe com sotaque inglês: - O senhor já quer jantar? Nesse caso, talvez queira que eu lhe guarde a pasta.MEL Bakersfeld sentiu uma instintiva antipatia por Elliot Free- mantle quase desde o primeiro momento do encontro. Dez minutos depois de o grupo de Meadowood ter entrado no seu gabinete, a antipatia aprofundara-se, transformando-se em aversão. O advogado parecia estar a ser deliberadamente ofensivo, acolhendo cada resposta de Mel com rudeza e cepticismo. O instinto de Mel avisava-o de que Freemantle estava deliberadamente a tentar provocá-lo, a fim de o irritar e obrigá-lo a fazerdeclarações impensadas. Mel, porém, não? tinha a menor intenção de colaborar nesta estraté Com alguma dificuldade, manteve a sua sensatez e delicadeza.- E o que aconteceu hoje aos vossos pretensos procedimentos de redução de ruído? - inquiriu Freemantle, sarcástico.Mel suspirou. - Há três dias que lutamos contra uma tempestade que nos criou situações de emergência. - Explicou que, dado o bloqueamento da pista três?zero, se tomava temporariamente necessário efectuar descolagens na pista dois cinco, pelo que inevitavelmente Meadowood se ressentia. Voltando-se para a delegação, Mel continuou: - Há algumas coisas acerca de aeroportos e ruídos em geral que gostaria de lhes dizer.- Não é necessário - declarou Freemantle. - O passo seguinte.Mel interrompeu-o, pondo de lado a delicadeza: - Quer o senhor dizer que, depois de eu ter ouvido o que tem a dizer, não vai ter para comigo a mesma delicadeza?Zanetta que presidira à reunião, opinou: - Acho que devíamos ouvir Mr. Bakersfeld. - Freemantle encolheu os ombros.

Mel disse: - Os senhores talvez não gostem de ouvir o que vou dizer e nem toda a g

ente cá dentro o admite, mas a verdade é que não há muitas medidas que os aeroportos possam tomar com vista à redução de ruído. É pura e simplesmente impossível fazer com que umauina de quase cento e quarenta mil quilos de peso se desloque no ar silenciosame

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nte. E por consequência quem vive junto dos aeroportos terá de escolher entre suportar o ruído ou mudar- -se. - Os lápis dos jornalistas percorriam velozmente os papéis.Mel continuou: - É certo que os construtores de aviões estão a tentar construir mecanismos de redução de ruídos; estes, porém, na melhor das hipóteses, não vão passar de paliat. E não se esqueçam de que em breve entrarão em vigor motores mais potentes e mais ruidosos, monstros como o Lockheed 500 e os transportes supersónicos, que além de um potente motor têm ainda o estampido sónico. Possivelmente já leram relatórios optimistas s

egundo os quais o estampido sónico se verifica a altitudes elevadas, o que minoraráo efeito no solo. . . Não acreditem ! Todos nós enfrentamos um grave problema. Ainda virá o tempo em que teremos saudades dos ruídos sobre os quais estamos hoje a falar. Muito francamente, penso que os senhores acabarão por ter de se mudar. Provavelmente, os aeroportos serão obrigados a adquirir por muitos biliões de dólares as áreas residenciais à sua volta, que poderão transformar-se em zonas industriais não afectadas pelo ruído. E evidentemente que as pessoas que habitem nessas zonas e sejam forçadas a mudarem-se serão devida- mente indemnizadas.Elliot Freemantle ergueu-se e fez sinal à delegação para o imitar. - Talvez essas indemnizações comecem a ser pagas mais cedo do que imagina; e também talvez sejam mais avultadas. Terá notícias nossas, Mr. Bakersfeld.E saiu, seguido pelos restantes.

Através da porta que dava paca a antecâmara Mel ouviu uma das duas mulheres da delegação exclamar: - O senhor foi magnífico, Mr. Freemantle, vou contar a toda a gente e.. .Tomlinson, do Tribune, entrou de novo no gabinete. - Mr. Bakersfeld, pode dar-me um momento de atenção? - perguntou.Mel respondeu numa voz cansada: - Que se passa?- Pensei que Lhe interessasse ver isto - respondeu o jornalista, entregando a Mel um dos impressos de avença por serviços legais que Elliot Freemantle distribuíra nareunião de Meadowood.Enquanto lia, Mel perguntou: - Onde é que arranjou isto?- Na reunião de Meadowood. Estavam presentes umas seiscentas pessoas e calculo que tenham sido assinados e entregues uns cento e cinquenta impressos. E vai havermais, porque ninguém chamou a atenção para o facto de o total dos honorários legais de F

reemantle poder ultrapassar os quinze mil dólares.Mel devolveu-lhe o impresso. - Se as pessoas são crédulas e querem que os advogadosenriqueçam facilmente, o problema é delas. Esta minha afirmação não é para ser publicada,aro. Esse impresso pode ser pouco ético, mas não é ilegal.- Tem razão. Agora o grupo de Freemantle está a preparar ? qualquer coisa lá em baixo. Vou-me deixar ficar por aí. - E saiu.Um pouco por todo o lado, pensou Mel, havia advogados sem escrúpulos como Freemantle, que procuravam reunir assinaturas degrupos para em seguida ??perseguir?? os aeroportos, as companhias deaviação e os pilotos. Em muitos casos os habitantes de zonasresidenciais próximas dos aeroportos eram induzidos em falsas esperanças por receberem informações parciais e unilaterais sobre asdecisões dos tribunais. Ultimamente estes vinham a sofrer uma verdadeira afluência de acções onerosas e prolongadas, na suamaioria condenadas ao fracasso.Alguém bateu à porta, e Mel respondeu, irritado: - Quem é?A porta abriu-se. - Sou só eu - respondeu TanyaLivingston. - Mel, preciso de um conselho sobre o voo dois para

Roma. - Transmitiu a Mel as conversas que travara com Standish e mais tarde como director distrital de tráfego. - Pode ser idiota, mas como não conseguia deixar de pensar no assunto comecei a investigar. Standish disse-me que o tal homem foi quase o último a embarcar. Fui falar com o funcionário da porta e juntos investigámos a folha de embarque e os bilhetes; apesar de ele não se lembrar do homem limitámos as hipóteses a cinco nomes. Telefonei para os nossos balcões de check-in a ver se alguém

 se lembrava do passageiro e de facto um dos funcionários lembrava-se do homem dapasta porque ele não tinha mais bagagem para além da dita pasta e parecia extremamente nervoso.

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- Mas há imensa gente que fica nervosa quando. . . - Mel interrompeu-se de cenho franzido. - Não levava bagagem numaviagem para Roma? Não faz sentido!- Foi o que eu pensei. Não faz sentido, a não ser. . . a não ser que se tenha a certeza de que o avião não vai chegar ao seu destino.- Tanya - perguntou Mel calmamente. - Que é que estás a querer dizer-me?- Não tenho a certeza; sei que parece melodramático, mas.. imagina que o homem não está

a passar contrabando. Imagina que o motivo que o levou a não transportar bagagem,a estar nervoso, a segurar a pasta de forma a despertar suspeitas em Standish é. . . é uma bomba !Durante ?m momento olharam-se fixamente. Mel estudava as probabilidades. A hipótese que aventavam era possível, mas também era possível, e provável, que o homem da pastaestivesse inocente. Era necessária uma razão mais forte do que uma mera possibilidade para se actuar drasticamente. Seria possível confirmar tal suspeita? Mel consultou a sua agenda de bolso telefónica e ligou para o balcão de venda de seguros, na sala de espera principal. Reconhecendo a voz que o atendeu, identificou-se e perguntou:- Marj, venderam-se hoje muitas apólices para o voo dois da Trans America?- Mais do que habitualmente, Mr. Bakersfeld. Acontece sempre quando o tempo está

assim. Eu vendi cerca de uma dúzia para o voo dois. Bunnie também vendeu.- Gostava que me lesse os nomes e valores das apólices vendidas a passageiros do voo dois. - Ao perceber a sua hesitação, sossegou-a. - Eu podia telefonar ao vosso director distrital a pedir essa autorização. Mas você sabe bem que ele ma dava; dou-Lhea minha palavra de honra que o assunto é importante.- Está bem, Mr. Bakersfeld. É só um minuto enquanto vou buscar as apólices.- Eu espero.Mel ouviu a jovem pousar o telefone, desculpar-se perante alguém ao balcão e um restolhar de papéis.Tapando o bocal do telefone, perguntou: - Qual é o nome do homem?Tanya consultou uma folha de papel. - D. O. Guerrero, ou possivelmente Guerrero, temos as duas formas.Mel sentiu um sobressalto, porque a mulher encontrada a chorar que Ordway trouxe

ra ao seu gabinete chamava-se Guerrero.

- Tanya - disse em voz calma -, há uns vinte minutos estava ali na antecâmara uma tal Mrs. Guerrero, encharcada, de meia-idade, pobremente vestida e lavada em lágrimas. Tencionava falar com ela, mas ela foi-se embora quando vieram outras pessoas. Se ela estiver no aeroporto, trá-la cá e não a deixes ir embora.Tanya saiu e a vendedora de seguros reapareceu na linha telefónica. - Já aqui tenhotodas as apólices que passámos, Mr. Bakers- feld. Posso começar a ler?- Pode, Marj.Escutou atentamente - e ouviu o nome ?.Guerrero".Pela primeira vez a sua voz denotou urgência: - O que há quanto a essa apólice?- Foi Bunnie quem a vendeu. Eu passo-lhe o telefone.Ouviu o que Bunnie tinha a dizer, fez-lhe algumas perguntas concisas e desligou. Estava a ligar outro número quanto Tanya regressou, informando: - Na sobreloja nãoestá, e lá em baixo há tanta gente que é impossível encontrar seja quem for. Achas que devemos chamar pelos altifalantes?- Podemos tentar. - Empurrou para junto de Tanya o microfone colocado sobre a sua secretária. De acordo com o que ouvira, Mel concluíra que a tal Mrs. Guerrero não estava em condições de entender grande coisa, pelo que seria pouco provável que ouvisseuma chamada pelo sistema de altifalantes. Podia até já ter saído doaeroporto. Tornou a censurar-se por não ter falado com ela.Entretanto responderam-lhe do posto de polícia do aeroporto; para onde ligara. - Quero falar urgentemente com o tenente Ord way. . . Eu espero. E qual era o nome de uma tal Mrs. Guerrero que vocês apanharam hoje à noite?- Só um instante, Mr. Bakersfeld. - Uma pausa. - Inês. Já chamámos o tenente através do wa

lkie-talkie.Depois de transmitir algumas instruções a Tanya, Mel premiu o botão que ligava o seu microfone, o qual tinha prioridade sobre todos os outros dentro do terminal. Atra

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vés das portas abertas que davam acesso à sobreloja ouviu uma chamada de partida deum voo da American Airlines ser interrompida a meio de uma frase. Durante os oito anos no cargo que actualmente ocupava, Mel utilizara apenas duas vezes o microfone e o botão de prioridade. A primeira para anunciar a morte do presidente Kennedy; a segunda quando uma criança perdida, lavada em lágrimas, entrara no seu gabinete e ele usara o microfone para localizar os angustiados pais.Fez sinal a Tanya para começar o aviso: - Atenção, por favor - anunciou ela na sua voz

 límpida. - Agradece-se a Mrs. Inês Guerrero, ou Guerrero o favor de comparecer urgentemente no gabinete do director-geral do aeroporto, situado na sobreloja administrativa no edifício do terminal principal. Peça a qualquer representante de uma companhia aérea ou do aeroporto que lhe indique o caminho. Vamos repetir. . .Enquanto Tanya chamava Mrs. Guerrero, ouviu-se um clic no telefone de Mel e o tenente Ordway apareceu na linha, respondendo ao aviso do walkie-talkie. Também eleouvira a mensagem de Tanya.

- Precisamos urgentemente de encontrar Inês Guerrero - disse- -lhe Mel. - Depois explico-Lhe. Ponha todos os seus homens em campo e quer a descubram quer não, venha você cá acima depressa.- OK. - E Ordway desligou.

Tanya acabara o seu aviso e desligou o botão do microfone. Lá fora ouvia-se outro aviso.- Atenção, Mr. Lester Mainwaring. Agradece-se a Mr. Mainwaring e a todos os membrosdo seu grupo o favor de comparecerem imediatamente à entrada do terminal principal..?Lester Mainwaring" era um nome de código para chamar agentes da Polícia sem o conhecimento do público. ??Todos os membros do grupo?, significava todos os agentes que se encontrassem no terminal. Mel voltou-se para Tanya: - Liga para o teu director distrital de tráfego e pede-lhe para vir ao meu gabinete logo que possa. Diz-lhe que é importante. Tanya fez a chamada e disse: - Ele já aí vem. - A voz i traía nervosismo. - Ainda não me disseste o que descobriste. Mel fechou a porta do gabinete. - O nosso homem, o Guerrero, comprou uma apólice de seguro de voo de trezentos mil dólares, e a beneficiária é Inês Guerrero. Pagou-a aparentemente com o último dinheiro q

ue lhe restava. Tanya empalideceu. - Oh, não - murmurou. - Não pode ser. CAPÍTULO X HAVIA alturas, e aquela noite era uma delas, em que Joe Patroni dava graças aDeus por trabalhar na manutenção aérea e não no sector administrativo. Em sua opinião, o pessoal dos escritórios de venda e os seus executivos comportavam-se como crianças birrentas, conspirando entre si, enquanto os funcionários dos departamentos de engenharia e manutenção agiam como adultos, mesmo quando trabalhavam para companhias concorrentes - partilhando informações, experiências e até segredos, desde que tal se revelasse útil para o bem comum.Na sua maior parte as grandes companhias de aviação realizavam diariamente sessões telefónicas durante as quais todas as sedes regionais, bases e estações externas eram ligadas por meio de um circuito fechado de rádio à escala do continente. Durante essassessões trocavam-se críticas e informações sobre a forma como a companhia operara durante as últimas vinte e quatro horas. Após cada sessão oficial, os colegas da manutenção dascompanhias concorrentes, em geral sem conhecimento dos directores, trocavam telefonemas transmitindo informações sobre defeitos de equipamento ou qualquer outro assunto que Lhes parecesse importante. Quando o assunto era urgente, a informação era passada em poucas horas. Se, por exemplo, a Delta descobrisse uma avaria ou falha na pá de uma turbina de um DC-9, todos os departamentos de manutenção d? companhias que operassem com DC-9 eram imediatamente alertados seguindo-se mais tarde um relatório técnico. E quando um departamento de manutenção tinha dificuldades, havia outrosque o ajudavam na medida das suas possibilidades.Naquela noite, Joe Patroni estava a receber esse tipo de ajuda. Durante aquela hora e meia de trabalho em que se preparavam p? uma última tentativa para remover o avião, Patroni vira duplicar o número de ajudantes. Iniciara o trabalho com a pequena equipa da Intercontinental, assistida por algum do seu próprio pessoal da TWA.

Entretanto, a notícia de que Patroni enfrentava problemas divulgara- -se rapidamente, e, sem esperar que tal lhes fosse pedido, aparecera pessoal de terra da Braniff, Pan American, American e da Eastern, o que criava em Joe uma sensação de confor

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to.

Não obstante toda a colaboração, a estimativa feita por Patroni de uma hora de trabalhos preparatórios já fora ultrapassada. A escava- ção de trincheiras à frente do avião procsara-se com lentidão porque os homens precisavam de se recolher periodicamente aos autocarros a fim de se reaquecerem. No caminho de rolagem, para além dos autocarros, apinhavam-se camiões, equipamento para limpeza de neve, um carro de reabasteci

mento, viaturas de assistência e um ruidoso gerador - nos tejadilhos da maior parte dos quais cintilavam faróis rotativos. Os holofotes inundavam de luz o cenário, criando assim um oásis luminoso na imensidão da neve escura.As grandes valas, bem como outra de menores dimensões destinada à roda do nariz, estendiam-se agora desde as rodas do avião, atoladas na lama até terreno mais firme. Uma vez aqui, o aparelho poderia ser manobrado até à superfície sólida do caminho de rolagem contíguo. E o êxito da manobra ia depender dos pilotos do 707.Durante a maior parte do tempo Joe manejara uma pá com o resto dos homens, enquanto os exortava: - Se continuas encostado a essa pá, Jack, ainda acabas congelado como a mulher de Lot. . . Vamos rapazes, vamos tirar depressa o raio do avião. . . Até então Patroni ainda não falara com os pilotos. Neste momento, endireitou- -se, atirou a pá a Ingram e disse: - Mais cinco minutos devem chegar. Quando acabar, mande

retirar os homens e os carros.- Apontou para o avião coberto de neve. - Enquanto vocês acabam, vou ter uma conversazinha com os ??pássaros".Subiu a escada de embarque e entrou na cabina da frente. acendeu o seu inevitável charuto e avançou para o cockpit. no cockpit, confortável e calmo, encontravam-se apenas o comandante co-piloto. Um dos rádios emitia música suave. Ao ver Patron entrar, o co-piloto, que estava em mangas de camisa, desligou o fio com uma pancada e a música terminou. - Não se preocupe. - Joe sacudiu-se como um buldogue espargindoa neve da roupa. - Não vale a pena afligirem-se! De qualquer ?do, não estávamos à espera que viessem ajudar a cavar. O comandante, um homem entroncado, virou-se na cadeira e disse formalmente: - Nós temos o nosso trabalho. O senhor tem o- Só que existem pessoas que estragam o nosso trabalho- declarou Joe.- Madre de Dios! - exclamou o comandante. - O senhor não imagina, com certeza, que enfiei o avião na lama de propósito?

- Não imagino, não! Mas se não o tiramos desta vez, o avião vai ficar bastante mais enterrado, e você também. Que acham se for eu a guiar o avião? Sei que é complicado, mas já ofiz outras vezes.O comandante enrubesceu. Nem toda a gente falava tão à vontade com um comandante dequatro estrelas e além disso sentia- -se extremamente embaraçado pela situação desagradável em que se encontrava. No dia seguinte teria de aguentar uma arrasante sessão com o piloto-chefe.- Mr. Patroni - disse -, disseram-me que o senhor pode tirar-nos daqui, coisa que mais ninguém conseguiu. Não duvido que o senhor seja qualificado para rolar aviões.Mas deixe-me lembrar- -lhe de que nós dois estamos qualificados para os fazer voar. Por isso, vamos continuar nos controles.

Patroni encolheu os ombros: - Como queira. Mas quando eu der ordem, metam essasmanettes a fundo. Não sejam maricas! - E saiu do cockpit, ignorando os olhares irados dos dois pilotos.Lá fora, todas as viaturas, à excepção do gerador, necessário para ligar os motores, estavam a afastar-se das proximidades do aparelho. Ingram informou-o: - Está tudo pronto.Patroni deixou cair o charuto sobre a neve e apontou para os motores: - OK, vamos pôr os quatro a trabalhar.A placa ao lado do avião estava desobstruída, e Ingram gritou:- . Preparem-se para pôr os motores em marcha. - Um homem com auscultadores de interfone ligados na fuselagem postou-se junto do gerador. Um segundo homem com lanternas de sinais avançou para a frente do avião, onde podia ser visto pelos pilotos. Joe, que pedira emprestados uns protectores de ouvidos contra o ruído, aproximou-se do homem que se enc

ontrava junto do gerador, enquanto o restante pessoal saltava dos autocarros para observar a cena.O homem com os auscultadores deu início ao ritual: - Pode ligar os motores.

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Uma pausa, e depois a voz do comandante: - Pronto para o arranque e pressurize a conduta. - Um jacto de ar comprimido escapou-se do carro de -arranque e accionou a turbina de arranque do motor n." 3. As pás das turbinas moveram-se, começaram agirar rapidamente e chiaram. O co-piloto ligou o combustível, e quando este sofreu a ignição o avião vomitou uma nuvem de fumo e o motor arrancou com um rugido ensurdecedor.- Pronto para o quatro.

O motor n." 4 seguiu o mesmo procedimento do n." 3. A voz do comandante soou: -Desliguem o carro de terra. Vamos utilizar os geradores do avião.O gerador exterior foi desligado. - Pronto para o dois. - O n." 2 foi ligado, epor fim o n." I.- Retire o equipamento.- Equipamento retirado. - A umbilical mangueira de ar deslizou para o chão e o encarregado afastou o carro de arranque. Os holofotes à frente do aparelho haviam sido retirados para o lado. Patroni trocou os auscultadores de protecção pelos interfones de um dos funcionários e comunicou com os pilotos.- Quando estiverem prontos deixem-no rolar. - O funcionário levantou ás lanternas de sinalização, pronto a guiar o avião até ao caminho de rolagem e preparado para fugir se o aparelho avançasse mais rapidamente do que era suposto. Patroni acocorou-se jun

to ao nariz do avião, observando o trem de aterragem principal e procurando descobrir nele algum indício de movimento para a frente.A voz do comandante soou de novo: - Vou meter potência. - O ruído dos jactos aumentou, assemelhando-se a um troar contínuo. O avião estremeceu, o solo sob ele tremeu, mas as rodas permaneceram imóveis.Patroni gritou pelo microfone: - Mais potência! Empurrem as manettes.

O ruído do motor aumentou ligeiramente. As rodas ergueram-se imperceptivelmente, mas recusaram-se a mover-se. - Raios partam! Tem de sair, digo eu! Potência toda!Tudo! Porém, o ruído do motor decresceu. A voz do comandante soou através do interfone: - Patroni, se eu empurrar as manettes para a frente o avião cai de nariz, e em vez de um 707 enterrado, passamos ter um 707 desfeito. Vou cortar os motores. Joe berrou através do interfone: - Deixe-os ao ralenti! Vou b?. - Gesticulou para que

 colocassem a escada de embarque, as entretanto os quatro motores pararam. Quando chegou ao cockpit, já os pilotos desapertavam os cintos de segurança. Patroni interpelou-os em tom de acusação: - Seus maricas! Surpreendentemente, a reacção do comandante foi calma:- talvez tenha sido a única coisa inteligente que fiz esta noite. A manutenção aceita a responsabilidade deste avião? Patroni concordou. - Aceitamos. - E sem dúvida que quando se desenvencilharem disto, a vossa companhia entra em contacto comigo - fez notar o comandante. O co-piloto relanceou o relógio e registou uma anotação no diário ; navegação. Enquanto os pilotos se dirigiam para um autocarro do pessoal, Patroni fez uma verificação de rotina aos instrumentos e painéis de controle, após oque desceu pela escada exterior. Ingram, que o esperava, informou-o com ar sombrio: - Agora está ainda mais enterrado.Era exactamente o que Joe receara. Inspeccionou as rodas do em de aterragem"queIngram iluminava com uma lanterna, e ?constatou que estavam cerca de trinta centímetros mais enterradas do que anteriormente.- Agora só com um guindaste do céu conseguimos removê- o - comentou Ingram.Patroni abanou a cabeça: - Ainda temos uma hipótese. Cavamos mais um bocado, prolongamos as trincheiras até às rodas e depois tornamos a ligar os motores. E desta vez guio eu.Fez um cálculo rápido. Necessitariam de mais uma hora de trabalho até poderem realizar nova tentativa, pelo que a pista três zero teria de permanecer não operacional. Dirigiu-se à sua viatura ara comunicar com o controle de tráfego aéreo. O espírito de Inês,tal como um circuito em saturação, desligara- pura e simplesmente. A mulher esquecera temporariamente o u onde se encontrava e por que razão.O motorista do táxi que a trouxera ao aeroporto não constitui grande auxílio. Concordara que cobraria sete dólares pela corrida; Inês entregara-lhe uma nota de dez dólares,

 quase o último dinheiro que possuía. Resmungando que não tinha troco e que o ia arranjar, d taxista afastou-se. Durante dez intermináveis minutos Inês espera por ele, observando ansiosamente no relógio do terminal os ponteiro e a aproximarem-se das on

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ze horas da noite, até que percebeu que a taxista não fazia a menor tenção de voltar. Eela não reparara nem no número do táxi nem do motorista - facto em que este apostara:Ao chegar à porta quarenta e sete, a tempo de ver o avião percorrer o caminho de rolagem, conseguiu ter a presença de espírito necessária para se dirigir a um funcionário uniformizado que se afastava do local. Seguindo o conselho dado ao telefone pelafuncionária das informações disse: - O meu marido vai naquele avião que acabou de sair.- Acrescentou que não conseguira chegar a tempo de se despedir dele e gostaria de

confirmar se ele embarcara são e salvo. O funcionário consultou os papéis que tinha na mão e confirmou-lhe que havia de facto um D. O. Guerrero a bordo do voo dois.

Depois de o funcionário se ter retirado, Inês constatou que, não obstante a multidão que se comprimia à sua volta, se encontrava totalmente sozinha. Começou a chorar, o corpo sacudido por soluços convulsivos. Chorava pelo passado e pelo presente; pelo lar que já tivera e que perdera; pelas crianças que já não podia ter a seu lado e por D. O. , apesar de todos os seus defeitos. Agora este abandonara-a. Chorou por não terdinheiro, não ter para onde ir, à excepção dos quartos miseráveis dos quais seria expulsano dia seguinte. E chorou porque perdera toda a esperança. Ainda a chorar, começou a vaguear sem destino pelo terminal. E pouco depois, Ordway, que casual- mente se encontrava nas proximidades, ordenava que a conduzissem para a antecâmara do gabi

nete de Mel.Aí, decorrido algum tempo, a capacidade de resistência de Inês - ou a força do espírito humano, de que até os mais humildes são dotados - obrigou-a a constatar que a vida tinha de continuar, por muito amargurada que se apresentasse. Ergueu-se, ainda semsaber bem onde estava. Depois de conduzir a delegação de Meado- wood ao gabinete deMel, Ordway regressou junto dela, interrogou-a serenamente e percebeu que ela tinha de regressar à cidade e não tinha dinheiro suficiente. Delicadamente meteu-Lhe três notas de ;ir na mão e acompanhou-a até à sobreloja, onde lhe indicou o caminho para a paragem do autocarro. Inês desceu as escadas e deparou-se-Lhe um quiosque decachorros quentes. Esfomeada e sedenta, comprou um cachorro e um café, sentou-se ao balcão e sentiu-se mais reconfortada. Em breve perdeu novo a consciência da realidade, mas desta vez sem angústia. também a multidão, o ruído, as chamadas pelos altifalan

tes eram ?confortantes. Por duas vezes julgou ter ouvido o seu próprio nome, s obviamente pensou tratar-se de imaginação, pois ninguém podia saber onde ela estava. E, de qualquer modo, quem a iria chamar? decidiu permanecer mais algum tempo calmamente ali sentada. O funcionário da porta que se ocupara do voo dois fora-se bora, mas as restantes pessoas convocadas ao gabinete de Mel o director distrital de tráfego, Bert Weatherby, o tenente Ordway, inspector Standish e Bunnie Vorobioff - chegaram rapidamente. ;atherby inquiriu bruscamente: - Mel, de que se trata? Melfez um resumo do que apurara sobre o caso Guerrero. À medida que tomava consciênciada gravidade do que ouvia, Bunnie - Chamei todas as pessoas relacionadas com ocaso - continuou Mel -, porque temos de decidir, e a decisão é essencialmente Bert,como director distrital de tráfego, se os elementos de que dispomos são suficientespara avisarmos o comandante do voo dois possibilidade de levar uma bomba a bordo. Com uma expressão sombria, o director distrital de tráfego dirigiu-se para Tanya e disse: - Quero as operações metidas nisto. descubra-me se Joyce Kettering ainda cá está. Se estiver mande-mo i. - O comandante Joyce Kettering era o piloto-chefe da Trans ierica no Lincoln International. Enquanto Tanya chamava Kettering por um telefone, outró to- i. Mel atendeu. Era o chefe da torre de controle. - Já tenho o relatório do voo dois da Trans America. Descola- n às onze e treze, hora local. - Os olhos de Mel fitaram o ígio de parede. Já passavam dez minutos da meia-noite. - Cle- and passou o controle a Toronto há sete minutos, e o Centro de Turonto informou queneste momento o avião está perto de London, Ontário. Ah, mais uma coisa, Mr. Bakersfeld, Joe Patroni comunica que a pista três zero ainda vai continuar inoperacional durante o menos mais uma hora.Naquele momento outros problemas ocupavam a atenção de Me Este desligou e transmitiu a Weatherby a informação sobre o v dois.

Tanya informou: - O comandante Kettering já aí vem.O director distrital de tráfego perguntou: - Onde está a mulher do tal passageiro?Ned Ordway explicou que estava a ser procurada pelos seus agentes, que o quartel

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 da Polícia na cidade já fora alertado e que todos os autocarros que saíam do aeroporto em direcção à cidade estavam a ser revistados à chegada.Mel acrescentou: - Quando ela esteve aqui não fazíamos amínima ideia. . .O director distrital de tráfego resmungou: - Fomos todos de compreensão lenta - e lançou um olhar rápido a Tanya. Esta sabia que ele se recordava, contrito, das suas próprias ordens: ?.Esqueça o assunto. " Mas o director distrital de tráfego continuou: -

 Vamos ter de dizer qualquer coisa ao comandante do avião. Ele tem o direito de saber tanto quanto nós, mesmo que estejamos apenas a especular.Tanya perguntou: - Não seria de enviar uma descrição de Guerrero? Há aqui quem o tenha visto.- Acho que sim - aprovou o director distrital de tráfego.- Diga às operações que há uma mensagem importante a chegar daqui a pouco e que preparem uma frequência operável em SELCAL com o voo dois. Quero isto confidencial.Quando Tanya regressou ao telefone, Mel perguntou a Bunnie: - Você é que é Miss Vorobioff? - Ela acenou, nervosa, e Mel continuou: - O homem de quem estamos a falar é D. O. Guerrero, a quem você vendeu hoje à noite uma apólice de seguro. Agora responda-me: enquanto preenchia a apólice, olhou para o homem?Ela abanou a cabeça. - Quase não olhei. Havia muita gente.

- Mas você disse-me há pouco que se lembrava deste passageiro.Bunnie passou a língua pelos lábios. - Afinal era outra pessoa.Mel ficou desconcertado e Ordway intrometeu-se: - Deixe-me tratar eu do assunto, Mr. Bakersfeld. - Adiantou-se e com o rosto muito perto do da rapariga perguntou, em tom áspero: - Você está com medo de se meter nisto, não está?!Bunnie estremeceu, mas não respondeu. Ordway insistiu:- Está, não está? Responda à minha pergunta.- Não sei.- Sabe, sim, sabe. Receia ajudar com medo do que lhe possa acontecer. Conheço o género. - Ordway cuspia as palavras com desprezo. Nunca até então Mel presenciara tal demonstração de violência da sua parte. - Agora oiça-me bem! Se está com medo de ter problemas fique sabendo que assim é que os vai arranjar. E a única forma de se safar é responder às perguntas. E depressa! Já quase não temos tempo.

Bunnie tremia. A severa escola da Europa Oriental ensinara-lhe o medo da Polícia,e Ordway reconhecera os sintomas.

- Miss Vorobioff - recomeçou Mel -, há quase duzentas pessoas a bordo daquele avião que podem estar em perigo de vida. Pergunto-lhe mais uma vez: olhou para Guerrero?Lentamente, Bunnie acenou com a cabeça: - Olhei.- Então descreva-o, por favor.Ela obedeceu, inicialmente com hesitação e depois mais segura, revelando-se uma boaobservadora.O director distrital de tráfego, agora sentado à secretária de Mel, acrescentava a descrição à mensagem para o voo dois. Quando Bunnie mencionou que Guerrero não tinha dinheiro e se revelara extremamente nervoso ao vasculhar os bolsos à procura de moedas,Weatherby ergueu os olhos simultaneamente incrédulo e horroriza-do: - E apesar de tudo passou-lhe a apólice? Vocês são doidos?- Eu pensei. . . - começou Bunnie.- Pensou! Mas não fez nada, pois não? - Bunnie, o rosto exangue, abanou a cabeça, e odirector distrital de tráfego voltou-se para Mel. - A culpa não é só dela nem das pessoas que a empregam. Somos nós, as companhias de aviação, que temos`a culpa. A maioria de todos nós concorda com os pilotos; sobre a venda de seguros de voo no aeroporto,mas não tem coragem para o dizer.Ignorando a explosão de Weatherby, Mel perguntou a Standish:? - Harry, quer acrescentar mais alguma coisa à descrição de _ Guerrero?- Não, mas avise que ninguém tente tirar-lhe a pasta à força- disse Standish sombriamente. - Tem de se recorrer a subterfúgios, porque se for de facto uma bomba tem com certeza um detonador rapidamente accionável. Se alguém tentar tirar-lhe a pasta, ele

percebe que foi descoberto e acha que não tem nada a perder, e,como sabem, um dedo no gatilho é um perigo.- Claro que também pode acontecer que o homem não passe de um excêntrico e só leve na pa

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sta o pijama e a escova de dentes- sugeriu Mel.Standish discordou: - Não me parece. Quem me dera que assim fosse; tenho uma sobrinha a bordo desse avião. - Ao evocar Judy, aquela jovem por quem experimentava tanta ternura que brincava com o bebé do lado, desejou desesperadamente ter actuado com mais responsabilidade. Pelo menos desta vez ia ser categórico, pensou. E continuou: - Não temos tempo para especulações. Sei avaliar bem as pessoas à primeira vista. E um instinto que alguns de nós desenvolvem na nossa profissão. E sei que Guerrero é pe

rigoso.- Standish fitou o director distrital de tráfego. - Mr. Weatherby, mencione a palavra.?perigoso?, na comunicação que vai enviar ao pessoal do avião.- Tenciono fazê-lo, Sr. Inspector - respondeu o director distrital de tráfego.Tanya continuava ao telefone, falando com as operações da Trans America em Nova Iorque por linha directa. - A mensagem é extensa - disse ela. - Por favor, destaque alguém para a receber.Bateram à porta do escritório e da antecâmara surgiu um homem alto, de rosto vincado e penetrantes olhos azuis, que cumprimentou Mel.

O director distrital de tráfego dirigiu-se-lhe: - Joyce obrigado por ter vindo tão depressa. Parece que temos um problema - e estendeu-lhe o bloco em que estivera a escrever.

Como única reacção à mensagem que lera, o comandante Kettering limitou-se a comprimir os lábios. O segundo telefone tocou, Mel atendeu é passou a chamada a Ordway, que pegou no auscultador.O director distrital de tráfego perguntou a Kettering: - Concorda que se mande esta mensagem?Kettering assentiu: - Concordo, mas gostava que acrescentasse: ??sugere-se regresso ou aterragem alternativa, à discrição do comandante,. .- Claro. - O director distrital de tráfego registou as palavras e passou o bloco a Tanya, que começou a ditar a mensagem.O tenente Ordway, que desligara o telefone, comunicou: - Já encontrámos a mulher deGuerrero. A mensagem do director distrital de tráfego rezava assim:Ao comandante do Trans America dois. Existe possibilidade não confirmada de que passageiro da turística D. O. Guerrero, a bordo do seu voo, tenha mecanismo explosiv

o em seu poder. Passageiro sem bagagem e aparentemente sem dinheiro fez seguro elevado antes da partida. Foi observado comportamento suspeito com pasta transportada como bagagem de mão. Segue descrição.Desde que a primeira chamada SELCAL referente a Ada Quonsett fora enviada ao voo dois, o avião já saíra da área de operações de Cleveland da Trans America e entrara na zo de Nova Iorque. À medida que Tanya a ditava, a mensagem era dactilografada por um empregado. Ao lado deste, um membro das operações da Trans America comunicou por linha telefónica directa com um operador da Arinc, rede de comunicações privadas mantida conjuntamente pelas linhas aéreas mais importantes. O operador da Arinc estabeleceu um circuito entre ele próprio e as operações da Trans America e marcou num tecladode transmissão um código de quatro letras, AGFC, atribuído especificamente ao voo dois.Poucos momentos depois a voz de Demerest, que sobrevoava o Ontário, fez-se ouvir em Nova Iorque. - Estação chamando Trans America dois, transmita.- Trans America dois, operações de Nova Iorque. Temos mensagem importante para transmitir. Avise pronto a copiar.Utx?a breve pausa, e depois: - OK, Nova Iorque. Transmita.- Ao comandante do voo dois - começou o membro das ope- rações. - Existe possibilidade não confirmada. . .INÊS permanecia ainda calmamente sentada ao balcão do quiosque dos cachorros quandosentiu que alguém Lhe abanava o ombro.- A senhora é Mrs. Inês Guerrero? - Inês ergueu os olhos e viu um polícia a seu lado.Necessitou de alguns segundos para ordenar as ideias. O polícia abanou-lhe de novo o ombro e repetiu a pergunta. Desta vez ela conseguiu acenar afirmativamente com a cabeça. - Venha comigo, minha senhora. - Fê-la levantar-se. - Está toda a gente a

berrar por si lá em cima.

Minutos depois estava sentada no gabinete de Mel e era interrogada por Ned Ordwa

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y. - Mrs. Guerrero - perguntou Ordway -, que é que o seu marido vai fazer a Roma?- Inês fitou-o com um olhar inexpressivo e não respondeu. A voz de Ordway tornou-semais áspera, sem deixar de ser deferente. - Mrs. Guerrero, ouça- -me com atenção, por favor. Existem alguns pontos importantes acerca de seu marido que é necessário esclarecer e preciso que me ajude respondendo às minhas perguntas. Posso contar com a sua colaboração?- Não, não tenho a certeza - respondeu Inês.

O director distrital de tráfego interrompeu-o. - Tenente Ordway, o voo dois está a afastar-se a seiscentas milhas à hora. Se for preciso aperte-a.- Deixe-me tratar disto, Mr. Weatherby - respondeu Ordway, brusco. - Se começamosa gritar levamos muito mais tempo para conseguir muito menos informações. - Virou-se de novo para Inês. - Inês, porque é que o seu marido vai para Roma? Tem parentes lá?A voz dela não passava de um murmúrio. - Temos um primo afastado em Milão.- Ocorreu-lhe alguma razão plausível que explique esta decisão súbita de o seu marido ir visitar o primo a Itália?- Não, não há razão nenhuma.- O seu marido tem negócios em Itália? - Ela abanou a cabeça. - Qual é a profissão de seumarido?Gradualmente, Inês readquiria a consciência da realidade.- Quer dizer. . . era um em

preiteiro da construção civil. Depois as coisas começaram a correr mal do ponto de vista financeiro. Mas. . . porque é que me está a fazer essas perguntas?- Acredite em mim, Inês - respondeu Ordway. - Acredite que tenho boas razões para isso. Está em causa a segurança do seu marido e a de outras pessoas também. Diga-me, o seu marido tem neste momento problemas financeiros? - Após uma breve hesita- ção, ela acenou afirmativamente. - Está falido? Tem dívidas?Um sussurro: - Está.- Então, onde é que ele arranjou dinheiro para pagar a passagem para Roma?

Inês retirou da carteira o contrato de pagamento a prestações e entregou-o a Ordway, que o percorreu rapidamente com os olhos. O director distrital de tráfego aproximou-se dele. - Está passado nome de Buerrero - reparou. Ordway respondeu: - É um truque muito usado quando se tem ia de pouco crédito. Troca-se a primeira letra, e numa

 primeira fase a investigação não acusa nada. - Voltou-se de novo para s. - Porque é que este papel está nas suas mãos? Indecisa, ela contou como o encontrara e como vieraaté ao ?porto na esperança de deter o marido antes da partida. - O seu marido costuma ter um comportamento absurdo? Inês hesitou. - Às vezes... ultimamente murmurou. - Inês, o seu marido alguma vez utilizou explosivos no Não obstante ser formulada com ar casual, a pergunta provocou sala uma tensão súbita. - Utilizou. Muitas vezes! Gostava bastante de os usar. s. . . - Bruscamente interrompeu-se. - Por favor, diga-me o é que se passa. Ordway respondeu calmamente: - Inês, você tem uma ideia, ? tem? - Como ela não respondesse, continuou: - Onde é que em agora? - Extremamente assustada, Inês deu a direcção do apartamento a Ordway, que, depois de a anotar, pediu a Tanya:- arranje-me, se faz favor, uma linha para a sede da Polícia na cidade, a esta extensão - e rabiscou um número num bloco. Enquanto Tanya se dirigia para a secretária, Ordway virou-se de novo para Inês: - O seu marido tinha alguns explosivos em a? - Ao senti-la indecisa, insistiu: - Até aqui tem-me dito a verdade; agora não minta. Tinha ou não? - Tinha. Dinamite e umas cápsulas de fulminantes que lhe tinham sobrado do trabalho. Estavam numa gaveta da cómoda. - De comandante, pelo rosto perpassou-Lhe uma expressão de sobressalto. - Lembrou-se de qualquer coisa. Do que foi?- Não foi nada. - Os olhos e a voz dela denotavam pânico. - Foi, foi! - Ordway inclinou-se para ela e gritou: - Não me minta! Não vale a pena! Diga-me! - Hoje à noite. .. não tinha pensado nisso. . . a. . . dinamite e as cápsulas tinham desaparecido! Tanya disse calmamente: - Tenho aqui a sua chamada. Estão à Ordway acenou, os olhos fixos em Inês: - Sabia que o s? marido fez um seguro de vida muito elevado em seu nome? - E] sacudiu a cabeça numa negativa. - Acredito - afirmou Ordway. - Inês, oiça-meagora com atenção. Estamos convencidos d que o seu marido levou com ele explosivos a bordo do voo p? Roma e que tenciona fazer explodir o avião. Antes de responder mi

nha última pergunta, lembre-se de todas as outras pessoas, inclusivamente crianças,que seguem também nesse avião... Inês, voa conhece o seu marido. Acha que. . . pelo dinheiro do seguro, por si. . acha que ele seria capaz de fazer o que eu disse?

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As lágrimas corriam livremente pelo rosto de Inês, mas ela assentiu.Ordway pegou no telefone que Tanya segurava e começou a fala em voz baixa. A determinada altura interrompeu-se e virou-se par? Inês: - O vosso apartamento tem de ser revistado. Se for necessário, arranjamos um mandado de busca, mas seria mais fácil se você consentisse. Consente? - Inês anuiu num gesto automático.- OK - disse Ordwaypelo telefone antes de desligar. - Vamos recolher todas as provas que existiremno apartamento, mas além disso não há muito mais que possamos fazer.

O director distrital de tráfego, o rosto tenso e pálido, começou a escrever uma nova mensagem para o voo dois. CanírtrLo xi OS hors d'oeuvres que o comandante Demerest pedira haviam sido servidos no cockpit e estavam deliciosos. As companhias raramente recebiam queixas sobre a alimentação e a maior parte dos passageiros saboreava com prazer as refeições que lhes serviam. Enquanto Demerest engolia o último bocado de uma tartelette de lagosta, a campainha do SELCAL soou, estridente, enquanto as luzes do sELCaL começavam a piscar.Hams ergueu o sobrolho. Duas chamadas SELCAL em menos de uma hora constituíam umaocorrência invulgar. Cy Jordan, o mecânico de voo, disse do assento da retaguarda:

- Do que nós precisamos é de um número que não esteja na lista. Demerest ligou o rádio. - Eu atendo. Após a troca de indicativos começou a escrever num bloco: existe possibi

lidade não confirmada. . . .? À medida que a mensagem i transmitida, as suas feições endureciam. A mensagem terminava: 'sugere-se regresso ou aterragem alternativa, à discrição do comandante.,? Demerest confirmou a recepção da mensagem, desligou e entregou-a a Hams, o qual, depois de a ler, assobiou baixinho e a passou sobre o ombro a Cy Jordan. Havia que estabelecer a qual dos comandantes competia a decisão. EmboraHams estivesse a voar como comandante, a autoridade ; Demerest sobrepunha-se à dele. Em resposta ao olhar interrogador de Hams, Demerest disse-lhe bruscamente: -Você é que está à esquerda. De que estamos à espera? Hams reflectiu por um momento. Afastou rapidamente a ideia de efectuar uma aterragem alternativa. Os aeroportos de Otawa, Toronto Detroit estavam fechados. Além disso precisavam de algum tempo para neutralizar o homem, o que talvez conseguissem enquanto retrocediam em direcção ao Lincoln. Disse então: - Vamos regressar, com uma volta suave para que os passageiros não notem nada. Depois pedimos a Gwen para localizar o tipo, e logo resolvemos.

- Está bem. Eu trato da cabina.Demerest utilizou um código de três toques no botão de chamada a hospedeira para chamar Gwen.Hams entretanto chamava o controle de Toronto.- Trans America dois. Parece que temos um problema. Autorização para regressar ao Lincoln, vectores radar da presente posição ara o Lincoln.Do Controle de Toronto, seis milhas abaixo, a voz do controlador - Trans America dois, comece uma volta pela esquerda, rumo s sete zero. Aguarde mudança de nível.- Entendido, Toronto. Gostaríamos de fazer uma volta com um grande gradiente. - Trans America dois: Volta suave aprovada. Embora a troca de mensagens se efectuasse em voz calma, o controlador de terra apercebera-se da emergência. Os aviões a jacto ? realizavam inversões de rumo súbitas sem uma razão de força maior. O controlador que recebera a transmissão do voo dois solicitara a presença de um supervisor que em ligação com ouú? sectores abria um corredor à frente do voo dois e desobstruia ; altitudes imediatamente abaixo. Os Centros de Cleveland, que passara o controle do voo dois para Toronto, e de Chicago já tinham sido alertados.Hams recebeu outra mensagem do controle:- Comece a descer para um nível dois oito zero. Repor? abandonando o nível três três zero.Hams informou que iniciara a descida. Cy comunicava às operações da Trans America a decisão de regressar.Quando Gwen entrou no cockpit, Demerest, imitando o se? sotaque inglês, disse-lhe:- Gwen, parece que vamos ter um pequeno aborrecimentoNão obstante a sua serenidade estudada, os três homens que integravam a tripulação do Golden Argosy eram agora unicamente profissionais, as mentes a trabalhar com a máxim

a acuidade. Vom não era uma tarefa excessivamente difícil - os elevados ordenados pagos aos pilotos de linhas comerciais eram o preço da sua capacidade de entrever soluções, dos seus conhecimentos e sensatez. Assim, quando surgia uma crise, a tripulação

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estava preparada para a enfrentar.- Quero que me localizes um passageiro - disse então Demerest -, sem que ele dê porisso - e entregou-lhe a mensagem? recebida.

Como o avião se voltava ligeiramente, a mão de Gwen que segurava a mensagem tocou no ombro de Demerest. Olhando-a de lado, ele via-lhe o perfil na semiescuridão - tinha uma expressão séria mas não demonstrava medo. Era o que ele tanto admirava naquela

mulher: uma força que de modo algum lhe diminuía a feminilidade. Sabia que naquele momento o sentimento que nutria por Gwen era de amor, mais intenso do que jamaispoderia sentir por alguém. Sentiu uma fúria selvagem por aquele atraso que os seus planos de estada em Nápoles sofreriam. Depois assumiu uma atitude de profissionalismo rígido. A seu tempo o voo retomaria o seu curso. . . Não lhe ocorreu sequer que aquela ameaça de bomba pudesse não terminar tão pacificamente como tantas outras.Hams mantinha ainda o avião numa volta suave, usando apenas uma ligeiríssima inclinação. Começava igualmente a perder altitude, Kando o nariz do avião e com a potência minimamente reduzida, a de que o ruído dos motores não sofresse alterações diferentes das habituais durante o voo. Gwen devolveu a Demerest o bloco com a mensagem. O comandante disse-lhe: - Quero que localizes este homem, tentes descobrir a pasta e as se haverá alguma hipótese de se lha tirar. Gwen respondeu: - Já sei onde ele está. Lugar

14-A, junto da janela. Explicou então que, depois de ter servido os jantares na l.a sse, se dirigira à turística para ajudar as companheiras. Um dos passageiros sentado num lugar junto da janela tinha uma pasta sobre joelhos. Gwen sugerira-lhe que lhe entregasse a pasta enquanto pilotava, mas ele recusara, e em vez de baixar a mesa de recolher utilizara a própria pasta como suporte para o tabuleiro. Habituada às excentricidades de alguns passageiros, Gwen não tornara a pensar no unto, mas a descrição incluída na mensagem adaptava-se perfeitamente àquele passageiro. - Está sentado ao lado da velhota clandestina - acrescentou - Vai ser complicado deitar a mão à pasta e tirá-la - dissemerest, recordando a mensagem do director distrital de ego. = ??Tem de se usar de extrema precaução ao tentar agarrar a ta. ?, Pela primeira vez experimentava um sentimento não de medo, s de dúvida. Hams já efectuara a volta.A campainha do SELCAL soou, e nerest fez sinal a Cy, que atendeu e começou a escrever uma mensagem enquanto Hams comunicava de novo com Toronto. - Estou a pensar

- disse Demerest - se não haverá alguma hipótese de fazermos sair dos lugares os doispassageiros sentados ao lado de Guerrero. Nessa altura um de nós podia ir por detrás, debruçar-se e agarrar a pasta. - Ele suspeitava - atalhou Gwen. - Agora está tenso. No mento em que fizéssemos sair os outros dois passageiros, desconfiava de qualquer coisa. Cy passou a mensagem SEtCAL, proveniente do Lincoln. Gwen, merest e Cy leram-na juntos. ?.Nova informação indica forte probabilidade de Guerrero possuirmecanismo explosivo. Pensamos tratar-se de um indivíduo mentalmente desequilibrado. Repetimos aviso de máxima precaução. Boa sorte."- Gosto dessa última frase a desejar-nos boa sorte - comentou Cy.De repente, Demerest disse:- Calem-se.Durante alguns segundos conservaram-se os quatro em silêncio. Por fim, Demerest disse:- Se houvesse algum processo de lhe tirar a pasta ? surpresa. - Considerou os prós e os contras de várias hipóteses disse por fim: - Tenho uma ideia. Pode não resultar, mas é melhor que temos. Ora oiçam. . .NA turística, as hospedeiras retiravam os tabuleiros do jantar. Mrs. Quonsett conversava ainda com o oboísta quando uma hospedeira loura, de ar desembaraçado, perguntou:- Já terminaram os vossos jantares?- Já, minha senhora - respondeu o oboísta.

Ada sorriu, calorosa.- Já, obrigada. Estava óptimo!O passageiro sisudo à esquerda de Ada entregou o tabuleiro sem comentários. Foi então

que Ada reparou noutra hospedeira de pé na coxia. Já a notara anteriormente: cabelopreto, aspecto atraente, maçãs do rosto altas e olhos escuros, naquele momento fixos em Ada.

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- Desculpe, minha senhora, posso ver o seu bilhete?- Pode, com certeza. - Ada Quonsett simulou surpresa. Abriu a carteira e fingiuprocurar o bilhete. - Eu sei que o tinha aqui, minha querida. Mas se o homem dos bilhetes ficou com ele. . .- Se era um bilhete de ida e volta deve ter o cupão para o voo de regresso - interrompeu Gwen. - E se era só de ida deve ter a cópia e a capa do bilhete. Deixa-me procurar?

Ada respondeu-Lhe:- Minha querida, tenho aqui documentos particulares. A senhora, sendo inglesa, deve respeitar a privacidade alheia. É inglesa, não é?- Neste momento estamos a falar do seu bilhete. Isto no caso de ter de facto umbilhete.A voz de Gwen ouviu-se vários lugares mais à frente e já havia pessoas que voltavam as cabeças. - É só uma questão de saber onde é que está - disse Ada com sorriso cativante. E a propósito de ser inglesa, eu. . . - Isso não me interessa. O seu bilhete? Relutantemente, Gwen obrigava-se a importunar uma mulher já idade, pois as instruções de Vernon tinham sido bem explícitas. Ada pareceu chocada. - Fique sabendo, Sr.a Assistente, que logo que eu descubra o u bilhete vai ter que ouvir umas coisas a respeito da sua atitude.

- Ah vou, Ada Quonsett? - Gwen viu-a sobressaltar-se ao ouvi-la pronunciar o seu nome. - A senhora é Ada Quonsett, não é ?A velha suspirou.- Então sabem quem eu sou?- A senhora já tem uma longa ficha, Mrs. Quonsett.O oboísta agitou-se no lugar, embaraçado.- Se há algum mal-entendido, talvez eu possa ajudar.Gwen respondeu:- Uma vez que não viaja com esta senhora, o senhor não tem que se preocupar.Embora tivesse evitado olhar para o passageiro que sabia ser Guerrero, Gwen tinha a certeza de que ele seguia atentamente o diálogo, com a pasta firmemente agarrada sobre os joelhos. Um pavor súbito e gelado percorreu-a. Dominou-a a vontade defugir, regressar ao cockpit e dizer a Vemon que tratasse ele do assunto. Mas não o

 fez, e aquele momento de fraqueza passou.- Sabemos tudo acerca de si - afirmou. - A senhora foi apanhada hoje por ser clandestina, mas conseguiu escapar-se. Depois; através de uma mentira, conseguiu embarcar neste avião.Ada respondeu-lhe com perfeito à-vontade:- Se já sabe tanto, não vale a pena discutir. - Pelo menos já saboreara o jantar. -Vamos voltar para trás?- Não. Mas quando chegarmos a Itália vai ser entregue às autoridades. Agora venha comigo. O comandante quer falar consigo.

Pela primeira vez, Ada pareceu nervosa. Com ar hesitante, desapertou o cinto desegurança. Com uma expressão de pesar o oboísta afastou-se para a deixar passar e Adasaiu com passos inseguros para a coxia. Gwen empurrou-a para a frente, consciente de numerosos olhares hostis por parte dos passageiros.- Sou o comandante Demerest - disse Vernon. - Faça favor de entrar. Gwen, fecha aporta.Dirigiu um sorriso a Ada Quonsett. A velha senhora semicerrou os olhos para o ver melhor ainda não adaptada à penumbra do cockpit. Mas a voz era indubitavelmente amistosa.Delicadamente, Gwen conduziu Ada a um dos lugares vagos.- Mrs: Quonsett - disse Demerest -, esqueça o que acabou de se passar lá fora. Precisávamos de uma razão plausível para a trazer aqui.Ada começava agora a distinguir com mais clareza o enorme vulto. Parecia amável. Percorreu o cockpit com os olhos e pensou que já tinha algo de interessante para contar à filha em Nova Iorque.

- Avozinha - perguntou o comandante -, a senhora assusta- -se facilmente?Era sem dúvida uma pergunta estranha.- Facilmente não -respondeu Ada. - À medida que se envelhece vão diminuindo os motivos

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 para se ter medo.Os olhos do comandante não se afastavam do seu rosto.- Precisamos da sua ajuda. Reparou no passageiro sentado a seu lado junto à janela?- Reparei - respondeu ela. - É um homem estranho. Não fala com ninguém e tem uma pasta que não larga por nada deste mundo. Acho que ele está preocupado com qualquer coisa.

- Também nós estamos preocupados - declarou Demerest calmamente. - Estamos convencidos de que naquela pasta há uma bomba. E é por isso que precisamos da sua ajuda.Que excitante parecia um policial na TV. Um pouco assustador, talvez, mas Ada decidiu não pensar nisso. O importante é que ela estava a participar na acção, conversando informalmente com o comandante.Ouviu uma mensagem que soava através do altifalante do painel superior.- Trans America dois, Centro de Toronto. A sua posição é de quinze milhas a leste do rádio-farol de Kleinburg. Quais a sua altitude e intenções.O homem que ocupava o assento dianteiro à esquerda respondeu:

- Toronto, Trans America dois. Autorização para continuar uma descida lenta. - Entendido, Trans America dois. Estamos a retirar todo o tráfego à sua frente. Um terceir

o homem à direita de Ada, sentado em frente de numerosos mostradores, disse: - Acho que fazemos isto numa hora e dezassete minutos. - Estamos a voltar para trás, nãoestamos? - perguntou Ada. - Estamos. Mas é segredo. Sobretudo o homem da pasta não ?e descobrir. Diga lá, podemos contar consigo? - Claro. Querem que tente tirar-lhea pasta? - Não! Não deve sequer olhar para ela. Ora bem, quando voltar cabina da turística. . . Depois de ouvir a explicação, Ada sorriu: - Oh, posso fazer isso! - Avozinha - prometeu Demerest. - Se conseguirmos safar- os desta alhada, a companhia oferece-lhe um bilhete de ida e volta Nova Iorque em l.a classe. Ada Quonsett quase chorou de comoção: - Oh, obrigada. Muito obrigada.E pensou: ?.Que homem simpático e amável!??A emoção que Ada sentia ao abandonar o cockpit ajudou-a a percorrer a classe turística desempenhando o papel que lhe fora atribuído. Gwen empurrava-a para a frente e avelha enxugava os olhos com o lenço de renda, simulando na perfeição aflição e angústia.

Quando entraram na cabina da turística, Gwen correu a cortina que separava as duas classes. Demerest postar-se-ia por detrás dela, observando a cena por uma frincha. Quando chegasse o momento exacto, abriria a cortina e precipitar-se-ia para aturística.Um pressentimento gelado assaltou Gwen ao pensar no que se passaria nos minutosseguintes. Dominou-se, porém, e escoltou firmemente Ada até ao lugar.Guerrero lançou-lhe uma olhadela rápida e depois desviou o olhar. O oboísta ergueu-see saiu para a coxia a fim de deixar Ada entrar, e Gwen, sub-repticiamente, deslocou-se de forma a impedir que ele regressasse ao lugar.- Por favor - Ada, ainda de pé na coxia, virou-se para Gwen lacrimejante. - Por favor não me entreguem à polícia italiana.Gwen respondeu rispidamente:- Pensasse nisso antes. E agora sente-se, já lhe disse.O oboísta protestou:- Não vê que a senhora está incomodada?- Não se meta nisto - respondeu Gwen secamente. - Ela é uma clandestina. - EmpurrouAda e disse-Lhe: - Sente-se e esteja quieta.Ada deixou-se cair no assento, gritando:- Está a magoar-me.Alguns passageiros ergueram-se, protestando. Guerrero continuava a olhar em frente, as mãos pousadas sobre a pasta. Ada começou a gemer. E então Gwen disse-lhe friamente:- Você está histérica - e, odiando o que era obrigada a fazer, inclinou-se para a frente e esbofeteou Ada, perante a indignação dos restantes passageiros.O que se passou a seguir sucedeu tão rapidamente que mesmo os passageiros que se e

ncontravam nas proximidades não conseguiram reconstituir a sequência dos acontecimentos. Ada virou-se para Guerrero e suplicou-lhe:-Por favor, ajude-me. Ajude-me!

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o outro lado alguém exercia e receou não conseguir manter a porta fechada. Procurouo fio sob a pega da pasta que accionaria o detonador. Quando o puxou perguntou a si próprio se também a bomba que construíra seria um fracasso.E na última fracção de segundo da sua vida D. O. Guerrero soube que a bomba fora um êxito.A explosão a bordo do Golden Argosy foi monstruosa e ensurdecedora. Foi como o ribombar de milhares de trovões, uma enorme língua de fogo e o choque de um martelo gig

antesco. Guerrero morreu instantaneamente. O seu corpo desintegrou-se. E na cauda do aparelho abriu-se um rombo.No momento em que a fenda se abriu, a cabina entrou em descompressão. Com um novorugido, o ar no interior do avião, até essa altura mantido à pressão normal, precipitou-se velozmente pela abertura e dissipou-se no exterior, onde o vácuo era quase perfeito. Uma escura nuvem de poeira alastrou pela cabina e desapareceu no exterior. Levou com ela, como detritos arrastados por um ciclone, papéis, tabuleiros, malas, cafeteiras e vestuário, que redemoinhavam como se sugados por um aspirador ciclópico. As cortinas rasgaram- -se e foram varridas com tudo o resto.Os passageiros que não tinham os cintos de segurança apertados agarravam-se ao primeiro suporte que se lhes deparava, tentando resistir à sucção que os puxava para trás. Os compartimentos das máscaras de oxigénio, situados sobre os assentos, abriram-se de

repente, deixando cair as máscaras amarelas, cada uma das quais ligada por um curto tubo plástico a um depósito central de oxigénio.Abruptamente a sucção diminuiu. O nevoeiro penetrava no interior do aparelho, onde o frio era agora cortante. O ruído dos motores e o assobio do vento eram ensurdecedores. Demerest, ainda na coxia da turística, onde se agarrara às costas de um assento, trovejou:-Peguem no oxigénio - e agarrou numa máscara.Há muito que aqueles que conheciam os riscos da descompressão vinham a pedir às companhias aéreas que tornassem mais convincentes os anúncios de pré-voo sobre o equipamento do oxigénio. Devia-se avisar os passageiros: ??No momento em que uma máscara de oxigénio aparecer à sua frente, agarre nela, coloque-a sobre o rosto e deixe as perguntas para depois. Se se tratar de um falso ?alarme, mais tarde poderá retirar a máscara; e entretanto do facto de a ter usado não lhe advém mal nenhum.?,

Durante os testes de descompressão era demonstrado aos pilotos como a falta do oxigénio afectava o cérebro. Num tanque de descompressão, com máscaras colocadas, era-lhespedido que escrevessem as suas assinaturas; a determinada altura era-lhes retirada a máscara: as assinaturas tornavam-se ininteligíveis. Quando as máscaras eram repostas, antes que sobreviesse a inconsciência, os pilotos quase não acreditavam nos seus olhos quando contemplavam as assinaturas que haviam feito.

No entanto, como as companhias aéreas estavam convencidas de que avisos mais sériossobre a utilização das máscaras de oxigénio alarmariam os passageiros, sorridentes hospedeiras continuavam ' demonstrar, em tom ligeiro, como usar o equipamento, enquanto uma voz sublinhava a improbabilidade da ocorrência de qualquer acidente que tornasse necessária a sua utilização. Consequentemente quando os compartimentos das máscaras de oxigénio se abria? acidentalmente e as máscaras caíam à frente dos passageiros, a maio? parte deles ficava a olhá-las com curiosidade. Era exactamente essa ? reacção quase geral a bordo do voo dois.Num acesso de fúria, Demerest recordou-se dos múltiplos avisos que fizera acerca dapouca convicção com que eram feitos os anúncios sobre a utilização das máscaras. Naquele mento, porém, uma preocupação se sobrepunha a tudo o resto - devia regressar ao cockpit e, se possível, salvar o avião. Sobre cada grupo de assento? da turística haviam caídoquatro máscaras de oxigénio - uma para cada passageiro e uma extra. Demerest encaminhou-se para o cockpit usando sucessivamente as máscaras extras. Sabia que num comparti- mento situado junto à divisória com a l.a classe estavam guardadas duas botijas de oxigénio. Acabava de chegar à l.a classe quando sentiu o avião voltar bruscamente para a direita e iniciar uma picada.O que se ia passar a seguir dependia da extensão dos estragos causados pela explosão

 e da perícia de Anson Hams.NO cockpit, Hams e Cy Jordan ignoravam o que se passava na cabina de passageiros até a explosão da dinamite abalar o avião. Nessa altura o cockpit ficou submerso por

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uma espessa nuvem obscura de poeira, imediatamente sugada quando a porta do cockpit foi arrancada dos gonzos e arrastada na voragem, juntamente com dezenas de outros objectos redemoinhantes.Sob a mesa do mecânico de voo uma buzina de alarme começou a soar e sobre ambos os assentos da frente piscaram brilhantes luzes amarelas indicadoras de uma diminuição de pressão na cabina. Hams sentiu uma dor aguda nos ouvidos. Imediatamente antes, porém, graças ao treino e experiência adquiridos, reagira automaticamente.

Durante o longo e árduo percurso até chegarem a comandantes, os pilotos passam horas extenuantes em salas de aulas e simuladores, onde se criam situações possíveis de suceder no ar, a fim de automatizarem reacções correctas e rápidas. Um simulador assemelha-se ao nariz de um avião sem fuselagem, e o seu interior produz integralmente umcockpit normal. Os pilotos permanecem simuladores horas a fio, nas condições de umaviagem de longo o. Uma vez fechada a porta para o exterior, o movimento e o o criam a sensação física de que se está no ar. Num écran colocado à frente das janelas passamrojecções de aeroportos e ts que aumentam ou diminuem numa simulação de descolagens e??D-" ???OS pilotos estabelecem comunicação com uma sala de controle como se estivessem de facto a voar. Na sala de controle controlado- res especializados duplicam os procedimentos de controle de tráfego aéreo e criam situações de emergência inesperadas: falhas múltiplas aos motores, incêndios, intempéries, problemas no sistema eléctrico

e de combustível, descompressões explosivas, deficiências no funcionamento de instrumentos e outros problemas. É inclusivamente possível simular um acidente que é por vezes reproduzido em sentido inverso, o que permite demonstrar o que o causara.

Ocasionalmente simulam-se várias emergências simultâneas, alturas em que os pilotos emergem dos simuladores exaustos e encharcados em suor. Na sua maior parte os pilotos conseguem passar esses testes; os poucos que falham são reexaminados e depoiscuidadosamente observados. As sessões com os simuladores repetem-se, várias vezes por ano, durante todas as fases da carreira de um piloto até à reforma.Consequentemente, quando ocorra de facto uma emergência verdadeira os pilotos sabiam exactamente o que fazer, e faziam-no sem desperdiçar um tempo precioso: Era este um dos factores que tornavam os aviões das companhias aéreas regulares os meios de transporte mais seguros da História. E era também este facto que condicionara Anson

 Hams a reagir instantaneamente, com o objectivo de salvar o voo dois.Nos treinos de descompressão explosiva há uma regra fundamental: antes de mais nada, a tripulação deve proteger-se a si própria. Depois, assegurada a plena capacidade das suas faculdades mentais, podem tomar-se decisões. Por detrás do assento da cada umdos pilotos baloiçava uma máscara de oxigénio semelhante ao capacete de um guarda-redes de basebol. Automaticamente, Hams arrancou os auscultadores, estendeu a mão sobre o ombro para agarrar a máscara e colocou-a sobre o rosto. Esta, ligada ao abastecimento de oxigénio do avião, tinha um microfone embutido. Sem auscultadores, Harris, com uma mudança de selector, fez accionar um altifalante no painel superior; atrás dele Cy Jordan fez o mesmo.Noutro movimento reflexo, Harris cuidou dos passageiros. ?sistemas de oxigénio nas cabinas dos passageiros actuavam automaticamente em casode falha de pressão; mas por precaução, e prevenidauma eventual avaria, havia um botão de sobreposição que asseguravaa libertação das máscaras e o fluxo do oxigénio. Harris accionou acomutador.Com a mão direita, reduziu completamente a potência. A velocidade do aparelho diminuiu; teria de diminuir mais ainda. Activou aalavanca dos travões aerodinâmicos. Ao longo da superfície superiordas asas, os spoilers ergueram-se, opondo resistência ao ar. Cysilenciou a buzina de alarme.Agora tornava-se essencial fazer o avião descer da altitude a quese encontrava, de vinte e oito mil pés, para um nível onde o ar fossemais denso, o que permitiria aos passageiros e à tripulação sobreviver sem oxigénio. Hams tinha de decidir entre duas alternativas:

efectuar uma descida lenta ou picar a alta velocidade.Até há um ou dois anos antes, as instruções dos pilotos em casode descompressão explosiva eram picar imediatamente. Mas o resultado fora que um a

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vião se desfizera, quando uma descida mais lenta

poderia tê-lo salvo. Actualmente os pilotos eram aconselhados averificar previamente se a estrutura do avião sofrera estragos graves?e, em caso afirmativo, a descer devagar. Mas também esta directivaimplicava riscos.O voo dois sofrera sem dúvida estragos estruturais, mas Hams

não podia mandar Cy Jordan à cauda do aparelho para avaliar aextensão dos danos enquanto Demerest não regressasse. E haviaainda outro problema. A temperatura exterior era de cinquenta grauscentígrados abaixo de zero, e, a julgar pelo frio paralisante que sefazia sentir, a temperatura interior não devia exceder a exterior. Numfrio tão intenso ninguém conseguiria sobreviver mais do que algunsminutos sem os agasalhos necessários. Qual seria a decisão menosarriscada: morrer de frio ou descer rapidamente, arriscando a possibilidade de o avião se desfazer?Tomando uma decisão que só em face dos acontecimentosposteriores se poderia qualificar de acertada ou não, Hams chamouCy pelo intercomunicador:

- Avise o controle de tráfego aéreo. Vamos picar. Inclinou o avião acentuadamente para a direita e baixou o trem de aterragem a fim de reduzir a velocidade de descida e tomá-la mais ?ida. A inclinação antes da descida teria dois efeitos: os passageiros que não estivessem seguros pelos cintos de segurança conservar- :-iam nos lugares por efeito da força centrífuga, enquanto uma descida em frente os projectaria de encontro ao tecto do avião; além disso a inclinação afastaria o voo dois do corredor aéreo que estivera usar e, Hams esperava-o, do tráfego aéreo que eventualmente se encontrasse abaixo dele. Pelo altifalante do painel superior, Harns ouvia Cy a repetir a chamada de emergência: - Mayday, Mayday. Trans America dois. Descompressão explosiva.Estamos a descer, repito, a descer..Hams empurrou o manche com força para a frente e gritou: - Pede dez.Cy acrescentou:- Solicito dez mil pés.

Harris ligou o transponder para setenta e sete, o código de descida de emergência. Agora em todos os radares em terra observar- e-ia um duplo blip.Desciam velozmente; o altímetro girava como os ponteiros de um relógio cuja corda tivesse enlouquecido, passando rapidamente os vinte e seis mil pés, vinte e quatro,vinte e três. . . O variómetro indicava que a descida se processava a oito mil pés por minuto.

O Centro de Toronto ouvia-se através do altifalante do painel - Todas as altitudes abaixo de si estão livres. Reportem as instruções quando puderem. Aguardamos. Hams tornara a inclinação menos acentuada e descia agora em ite. Se conseguissem descer omáximo num tempo mínimo talvez vivessem, caso o avião aguentasse. Mas já havia indícios de rias - o leme movia-se com rigidez e o compensador do estabilizador de profundidade não respondia. Vinte e um mil pés, vinte, dezanove. Pelas respostas dos instrumentos de controle Hams deduzia que a explosão provocara estragos cauda; qual a extensão desses estragos, sabê-lo-iam logo que :asse sair da descida - o momento de maior tensão para o avião. qualquer instrumento de importância crítica não resistisse, despenhar-se-iam.Harns teria recebido com alívio ajuda por parte de um ocupantedo lugar da direita mas Cy era necessário onde se encontrava - ?fechar as válvulas de entrada de ar, fazendo entrar todo o ar quentepossível, atento a possíveis estragos no sistema de combustível e ao?alarmes de incêndio. Dezoito mil pés. . . Dezassete. . Quandoatingissem os catorze mil pés, decidiu Harris, iniciaria a saída d?descida, esperando nivelar aos dez mil... Passaram os quinze mi]pés, catorze. Diminuir a razão de descida, agora!

Os comandos estavam mais duros, mas respondiam. Han-is puxou o manche com força para trás. A descida tornava-se menospronunciada, o avião estava a conseguir sair. Doze mil pés; a descida

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processava-se agora mais lentamente. ?Onze mil pés, dez mil equinhentos. . . Dez !Estavam nivelados e até ao momento o avião aguentara. A estaaltitude o ar era respirável. O termómetro de temperatura exteriorindicava cinco graus abaixo do ponto de congelação; estava frio, masjá não era aquele frio mortal. A picada durara apenas dois minutos emeio.

Os altifalantes deram sinal de vida.- Trans America dois, Centro de Toronto. Como vão as coisas?Hams confirmou a recepção da mensagem e informou:- Nivelados a dez mil pés, voltando para rumo dois sete zero.Temos estragos estruturais devidos a explosão, cuja extensão ignora-mos. Solicito informação de tempo e pistas de Toronto, DetroitMetropolitan e Lincoln.Qualquer destes aeroportos era suficientemente grande para terpistas capazes de receber um 707.Demerest passou sobre os escombros da porta do cockpit esentou-se no lugar.

- Sentimos a sua falta - disse Harris. - Se a cauda não cair,talvez nos consigamos safar.Informou o companheiro da dureza do leme de direcção e dainoperância do compensador do estabilizador.- Alguém deitou estalinhos lá atrás?- Foi mais ou menos isso. Fez um raio de um buraco!A sua ligeireza era apenas aparente. Delicadamente, Harriscomentou:- O esquema era bom, Vernon; podia ter resultado.- Mas não resultou. - Demerest virou-se para Cy. - Vá à turística. Veja os estragos e informe pelo interfone. Faça o que puder ?elos passageiros. Precisamos de saber o número de sinistrados e a gravidade dos ferimentos.Pela primeira vez permitiu-se um pensamento angustiado: - E veja o que se passa

com Gwen.Estavam a chegar os dados de aterragem solicitados. Toronto estava fechado; o Detroit Metropolitan estava fechado para tráfego regular, mas se necessário limpar-se-ia a pista três esquerda, com uma espessura de neve de doze centímetros e meio a quinze sobre gelo, para uma aproximação e aterragem de emergência; quanto ao Lincoln International, tinha todas as pistas limpas e operacionais, à excepção da pista três zero, temporariamente fechada devido a uma obstrução. A visibilidade no Lincoln era de umamilha, vento ?noroeste a trinta nós, com rajadas.Harris comunicou a Demerest:- Não tenciono alijar combustível. - Demerest concordou com um aceno de cabeça. Devido à enorme carga de combustível, a aterragem seria sempre perigosa e dura; mas alijar o combustível representava um risco ainda maior. A explosão na cauda podia ter provocado curtos-circuitos eléctricos ou fricção de metal que estives- sem a produzir faíscas. Se alijassem o combustível em voo uma simples faísca podia converter o avião num holocausto de fogo.Contudo esta decisão implicava que uma aterragem em Detroit, o aeroporto de grandes dimensões mais próximo, só deveria ser efectuada em desespero de causa. Devido ao peso que transportavam, teriam de efectuar uma aterragem. a alta velocidade, que exigiria uma pista comprida e a máxima capacidade de travagem. Ora a pista mais longa de Detroit estava coberta de neve sobre gelo, o que implicava um grave risconestas condições.O Lincoln International oferecia melhores condições, mas encontrava-se a, pelos menos, uma hora de voo. De momento a sua velocidade era apenas de duzentos e cinquenta nós, porque Hams pretendia evitar mais estragos estruturais. Infelizmente, àquela altitude havia bastante turbulência devida à tempestade, no seio da qual se encontr

avam agora. Poderiam manter-se no ar durante ainda mais uma hora? A explosão verificara-se há menos de cinco minutos.O controle chamava-os:

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- Trans America dois, reporte suas intenções.Em resposta, Demerest pediu um rumo directo para Detroit enquanto verificavam os estragos. A decisão sobre a aterragem seriacomunicada dentro dos próximos minutos.

- Entendido, Trans America dois. Detroit informou que se estãoa preparar para uma aterragem de emergência. ; A campainha do intercomunicador ret

iniu. Demerest atendeu. EraCy, que telefonava da cauda do avião, gritando para se fazer ouvir ' acima do ruídodo vento.- Comandante, há um buraco de quase dois metros de largurapor detrás da porta da cauda. Isto aqui está um caos. Mas pelo quevejo a coisa aguenta-se. O comando hidráulico do leme foi-se, masos cabos de controle parecem estar a funcionar.- E as superfícies de controle?- O revestimento enfiou-se no estabilizador e encravou-o.À parte isso só vejo uns buracos e uns rasgões. Não há nada solto.Creio que a explosão saiu de lado.Assim, D. O. Guerrero falhara também a explosão. Não percebera que, no momento em que

a fuselagem de um aparelho pressurizado fosse rasgada, a deslocação do ar se processaria para o exteriore se dissiparia, nem atendera sequer à sólida construção de um aviãoa jacto. Os sistemas estruturais e mecânicos eram duplicados, o queimpedia que uma avaria ou falha num circuito provocasse a destrui-ção do conjunto.Demerest perguntou a Cy:- Dá para mais uma hora no ar?- Penso que sim.Demerest ordenou então:- Faça o que puder. - Hesitou, receando a resposta, e depoisperguntou: - Viu Gwen?Não sabia sequer se ela fora sugada para o exterior com a

explosão; de qualquer forma era ela quem mais próximo se encontrava da bomba detonada.Cy respondeu-lhe:- Não está muito bem está a ser examinada por um médico.Temos três médicos a bordo.Demerest repôs o interfone no descanso. Continuava a negar a sipróprio qualquer emoção pessoal. A segurança do avião estava emprimeiro lugar. Fez a Harris uma súmula do relatório de Cy? deixando-Lhe a decisão do local de aterragem. No apogeu de umacrise, Demerest continuava a comportar-se como um verificador.- Vamos tentar o Lincoln - optou Hams.A segurança do avião e consequentemente de quantos nele se encontravam era o objectivo primordial. Faziam votos para que os passageiros se aguentassem.

Demerest informou o Centro de Toronto, o qual em breve passaria o controle do avião para o Centro de Cleveland. O Lincoln International tinha de ser avisado de que o voo dois ia pedir uma aproximação directa de emergência. Seguiu-se uma mudança de rumo. Aproximavam-se da margem ocidental do lago Huron.Sabiam que em terra o voo dois era agora o pólo para onde convergiam todas as atenções. Os controladores e os supervisores em centros de rotas aéreas contíguos trabalhavam intensamente na coordenação da remoção do tráfego da rota do voo dois. Todos os 'sectores à sua frente seriam alertados da aproximação do avião danificado e o espaço aéreo seriasobstruído. Qualquer pedido que fizessem seria atendido com prioridade.Quando atravessaram a fronteira, o Centro de Toronto despediu- -se com um ??boanoite e boa sorte??. No momento seguinte era o controle de Cleveland que respond

ia à sua chamada.Começaram a planear a aterragem no Lincoln International. Necessitariam da pista mais comprida e mais larga, directamente alinhada ao vento - e só a pista três zero c

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orrespondia a esses requisitos.Harris comentou:- Segundo a última informação, a pista estava temporariamente fechada devido a uma obstrução.Demerest rosnou:- Já está obstruída há horas. É só um jacto atolado. Têm de o tirar de lá!E pre"ou à coluna do manche a carta de aproximação do Lincoln. cnrírtrLo xn ELLIo'I

T Freemantle, no terminal principal do Lincoln International, sentia-se perplexo. Quando anteriormente, naquela tarde, pedira permissão ao tenente da Polícia, um negro, para realizar uma manifestação pública, recebera uma recusa categórica. E no entantoali estava ele, com uma multidão de quinhentas pessoas; rodeadospor uma quantidade de curiosos, e nem um polícia à vista. Nãodeixava de ser estranho.Freemantle acabara de desempenhar brilhantemente o seu papelperante as câmaras de televisão e os jornalistas, dirigindo um ataquecerrado contra Mel Bakersfeld e o aeroporto.Soube que a primeira entrevista se destinava a um show popular prime time que procurava a controvérsia, a animação e até o

escândalo. O entrevistador da TV, um homem jovem e simpático,perguntou-lhe:- Mr. Freemantle, qual a razão da sua vinda aqui?- Estou aqui porque este aeroporto é um ninho de ladrões. Os residentes de Meadowood estão a ser roubados: roubam-lhes a paz, o direito à privacidade, o descanso bem merecido e até o sono!O entrevistador sorriu, revelando duas fiadas de dentes perfeitos.- Sr. Doutor, essas palavras são agressivas!

- Porque os meus clientes e eu estamos agressivos. O director deste aeroporto confessou-me que hoje à noite nem sequer estão a ser observadas aquelas miseráveis regras a que dão o nome pomposo de ??procedimentos de redução de ruído??.E continuaram no mesmo tom.

Mais tarde, Freemantle perguntou a si mesmo se não deveria ter mencionado as condições excepcionais que vigoravam naquela noite, devido à tempestade quando se referiraaos ??procedimentos de redução de ruído?,. Mas a forma como expusera o assunto era defacto mais incisiva, e duvidava que alguém contestasse o que afirmara. Precisava agora de uma intervenção policial, no meio de um inflamado discurso, de forma a ser entronizado como mártir de Meadowood e, subsequentemente, proporcionar às câmaras de TV e aos jornais do dia seguinte uma história ainda mais viva. Sobretudo os residentes de Meadowood ficariam convencidos de que ele valia o seu preço.Alguns residentes de Meadowood tinham montado um sistema de altifalantes portátil, que haviam trazido da escola dominical. Um dos homens entregou o microfone a Freemantle, que se dirigiu ao público.- Amigos, lamento ter de vos informar que a vossa delegação foi recebida com hostilidade e com a garantia cínica, dada pelo director do aeroporto, de que o ruído sobre os vossos lares vai aumentar. - Ouviu-se um clamor de indignação. Freemantle ergueu uma mão. - Perguntem aos que me acompanharam. Eles esclarecer-vos-ão.Apontando para as pessoas colocadas à frente da multidão, perguntou:- Não é verdade que o director do aeroporto nos informou de que tempos piores se avizinham?Após uma certa relutância inicial, a delegação acabou por acenar afirmativamente com ardecidido. Freemantle fez uma pausa. Onde diabo se esconderia a polícia do aeroporto? Não podia deixar de intervir!O que ele ignorava era que, enquanto os residentes de Meadowood chegavam em número progressivamente mais elevado a direcção do aeroporto começava a preocupar-se com o voo dois da Trans America e todos os agentes da polícia do aeroporto procuravam naquele momento Inês Guerrero. E mesmo depois de a encontrarem, o seu interrogatório ma

nteve o tenente Ordway ocupado durante algum tempo. Quando o assunto ficou esclarecido e Inês saiu com a polícia da cidade, Mel e Ordway saíram juntos da sobreloja.Ordway foi o primeiro a ver a manifestação de Meadowood.

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- Eu disse àquele advogado que não o autorizava a fazer manifestações aqui.Precipitou-se em direcção à sala de espera, abrindo caminho por entre a multidão, enquanto Freemantle proclamava:- Quem está em primeiro lugar: os aviões ou as pessoas? Devemos banir. . .Ordway interrompeu-o bruscamente:- Vamos acabar com isto!??Finalmente!?,, pensou Freemantle, enquanto os flashes dos fotógrafos relampejava

m e as câmaras de televisão se fixavam nele e nopolícia. _ Junto à multidão, Mel conversava com Tomlinson, do Tribune.O repórter consultava os seus apontamentos e lia uma passagem da

diatribe do advogado. Quando a ouviu, Mel enrubesceu de raiva.Ordway entretanto gritava a Freemantle:- Ou manda retirar daqui este grupo ou é preso!De entre a multidão alguém gritou:- Não podem prender-nos a todos!- Não. - Freemantle ergueu uma mão justiceira. - Não ha-verá desobediências. Este agente da Polícia ordenou-nos que destroçássemos, numa clara inf

racção à liberdade de expressão. Que não sepossa dizer que desobedecemos à lei! Tenho uma declaração aapresentar à imprensa. . .- Um momento. - Mel abriu caminho por entre a multidão.-Freemantle, estou interessado em saber o que contém essa declaraçãopara a imprensa. Será mais uma deturpação da verdade? Outra dosede falseamento das decisões judiciais, a fim de enganar as pessoasnão informadas? Ou apenas uma invenção pura e simples, daquelasem que você é perito?Mel falava em voz alta de forma a poder ser ouvido pelos que seencontravam nas proximidades. Houve um sussurro de interesse ealguns dos presentes que tinham começado a afastar-se detiveram-se.Elliott Freemantle reagiu automaticamente:

- Isso constitui uma afirmação injuriosa e difamatória. - Nominuto a seguir, porém, pressentindo que a mesma linha de argumentação era perigosa, encolheu os ombros e acrescentou: - Masvou ignorá-la - e prosseguiu em tom altivo: - Já foi dito mais doque o suficiente. - Passou o microfone a um dos homens deMeadowood e, indicando os altifalantes, disse: - Vamos desmanchar isto e sair daqui.- Dê cá isso. - Mel estendeu a mão, agarrou no microfone e ?* enfrentou a multidão. - Hoje à noite - começou - tive um encontro com uma delegação vossa durante o qual pude explicar alguns.problemas do aeroporto, ao mesmo tempo que tornei claro quecompreendíamos e lamentávamos os vossos problemas. Agoraconstato que as minhas palavras foram desvirtuadas e que os senhores foram enganados.Elliott Freemantle exclamou raivosamente:- Isso é mentira!Mel tinha agora à sua frente, além do microfone manual, ummicrofone de emissão. As luzes da TV estavam acesas. A par com osentimento de hostilidade, claramente demonstrado pela audiência,despertava o interesse.

- Houve duas coisas que não mencionei à vossa delegação-disse Mel -, mas tenciono fazê-lo agora. - A voz endureceu-se--lhe. - Não tenho dúvidas de que não vão gostar de as ouvir. Hádoze anos atrás a vossa comunidade não existia e Meadowood não passava de um terreno

baldio e sem valor. Até que a construção do aeroporto valorizou extraordinariamente os lotes, tal como aconteceu com milhares de outras comunidades que pululam agora àvolta dos aeroportos.

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Uma mulher gritou:- Mas quando viemos viver para cá, não sabíamos nada sobre aviões a jacto.- Mas sabíamos nós - respondeu Mel, apontando um dedo na sua direcção. - E avisámos as pessoas, e as comissões de planeamento urbano, e pedimos-lhes, como pedimos a tantosoutros Meadowoods, que não construíssem casas de habitação. Este aeroporto colocou avisos: ??Os aviões aterram e descolam neste rumo." Outros aeroportos fizeram o mesmo.E onde apareciam os cartazes, os agentes de propriedades imobiliárias destruíam-nos.

 Depois venderam os lotes e as casas a pessoas como os senhores. Acabaram por nos enganar a todos.Mel verificava que as suas palavras haviam produzido efeito. Contemplava agora os rostos perplexos com um sentimento de pesar. Tratava-se de pessoas honestas que enfrentavam um grave problema; vizinhos pelos quais desejava poder fazer mais.Elliott Freemantle bradou:- Não acreditem nele! Isto é só um paliativo! Se se unirem a mim garanto-vos que vencemos de vez esta gente do aeroporto!- Caso não tenham ouvido bem - disse Mel ao microfone -, Mr. Freemantle estava a aconselhar-vos a unirem-se a ele. E acerca desse assunto tenho também algo a dizer. Não só à medida que aumenta o ruído dos aviões decresce o valor dos vossos terrenos e das vossas casas, como se prepara um novo esquema para vos extorquir mais dinheiro.

 Por todo o país proliferam advogados que assediam as zonas residenciais junto dos aeroportos porque consideram o ruído dos jactos uma verdadeira mina de ouro.Com o rosto rubro de raiva e descomposto, Freemantle gritou em voz estridente:- Mais uma palavra sua. . . e ponho-lhe um processo.Mel ripostou:- Já adivinhou o que vou dizer?Sentia recrudescer a sua velha temeridade; diria o que tinha a dizer, indiferente às consequências que daí adviriam.- Em muitas comunidades como a vossa - disse à audiência atenta - fazem-se promessas aos moradores, aliciando-os com perspectivas de indemnizações vultosas a serem pagas pelos aeroportos. Basta para tal apresentar uma lista pouco objectiva de precedentes. Esta noite ouvi serem mencionadas meia dúzia de decisões legais. Se quiserem, posso mostrar-vos o reverso da medalha.

Um homem que se encontrava à frente da multidão disse:- Conte-nos então a sua versão.

- Os casos legais que vos foram apresentados em tom tão categórico são triviais para as pessoas que dirigem aeroportos. Por exemplo, o caso que Freemantle mencionou acerca de um criador de galinhas e de aviões militares. Os aviões voavam baixo sobrea casa do homem é algumas galinhas morreram de medo. O caso foi levado ao SupremoTribunal de Justiça dos EUA e o total da indemnização concedida foi inferior a quatrocentos dólares, o valor das galinhas mortas. Há ainda um caso que Mr. Freemantle preferiu não mencionar: Batten contra Batten. É um caso importante, em que também se recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, e bem conhecido. Sobre ele o Tribunal decretou que só a ??invasão física?? dá origem a uma obrigação. O ruído por si só não é suficioutro caso em que a American Air Lines estava implicada o Supremo Tribunal de Justiça da Califórnia decidiu que os residentes não tinham o direito de impedir que as suas casas fossem sobrevoadas, uma vez que o prosseguimento das viagens aéreas erade interesse público. Não pretendo dizer que não é possível vencer uma causa contra um aeroporto nem que não existam bons advogados que têm litígios contra aeroportos. Mas aviso-os que também há muitos outros da espécie que referi há pouco!Elliott Freemantle gritou:/-- o senhor não percebe nada desta matéria! o senhor não é advogado. é uma autoridade neste aeroporto.Mel respondeu:- Mr. Freemantle sublinhou, e correctamente, que não sou advogado; portanto; deixem-me dar-vos um conselho de homem de negócios. Os contratos que assinaram esta noite podem ser cumpridos? mas em minha opinião, desde que sejam imediatamente denunciados não constituirão problema. Não vos foi prestado qualquer serviço e cada um dos sen

hores teria de ser processado individualmente. Além disso, não acredito que algum tribunal encarasse favoravelmente honorários no valor aproximado de quinze mil dólares por

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serviços jurídicos que podem ser considerados no mínimo obscuros.Um dos circunstantes perguntou:-- Então o que fazemos?- Se mudarem de opinião, sugiro que amanhã escrevam uma carta a Mr. Freemantle declarando que já não estão interessados em ser legalmente representados e expondo o motivo da decisão. Fiquem com uma cópia. Em minha opinião não voltarão a ser incomodados.Mel fora mais ousado do que tencionara, fora mesmo irreverente.Elliott Freemantl

e poderia causar-lhe alguns aborrecimentos. Mel intrometera-se entre um advogado e os seus clientes, levantando dúvidas sobre a probidade daquele. Não obstante sabia instintivamente que a última coisa que Freemantle desejaria seria a divulgação dos seus métodos de recrutamento de clientes. Elliott Freemantle chegara à mesma conclusão. Já tivera um pequeno atrito com a comissão de inquérito da Ordem dos Advogados e não tinha a menor intenção de provocar outro. Adissertação inflamada de Mel fizera diminuir a tensão do comício de Meadowood. Talvez restassem ainda alguns ânimos exaltados, mas a violência e a hostilidade haviam desaparecido.

Ordway e outros polícias dispersavam agora a multidão, e Mel notou que Tanya abria caminho na sua direcção. Nessa altura uma das residentes de Meadowood dirigiu-se a Me

l. Tinha um rosto inteligente e decidido, e cabelos castanhos que lhe tocavam os ombros.- Mr. Bakersfeld - disse ela calmamente. - O que o senhordisse ajudou-me a compreender algumas coisas, mas ainda ninguém me explicou o quehei-de dizer aos meus filhos quando eles choram e me perguntam por que razão não acaba o barulho para eles poderem dormir.Mel abanou a cabeça, pesaroso. Em meia dúzia de palavras a mulher revelara a futilidade de tudo o que sucedera durante essa noite. Sabia que não tinha resposta para Lhe dar, e duvidava que, enquanto os aeroportos e as habitações permanecessem lado alado, chegasse a haver resposta.Reflectia ainda sobre a resposta a dar quando Tanya lhe entregou uma folha de papel dobrada. Abriu-a e leu a mensagem, claramente dactilografada à pressa: Voo dois sofreu explosão no ar. Estragos estruturais e feridos. Dirige-se para cá para ater

ragem emergência. Hora estimada de chegada 0.30. Com.ie avisóu precisa pista três zero. Torre informa pista ainda bloqueada. No meio dos destroços ensanguentados que era agora a cauda dacabina da turística do voo dois o Dr. Milton Compagno, médico declínica geral, punha à prova toda a sua perícia para salvar a vida deGwen Meighen.Duas razões tinham impedido que Gwen tivesse morrido instantaneamente aquando da deflagração da bomba. Separavam-na docentro da explosão a porta da casa de banho e o corpo de Guerrero,que interceptaram e atrasaram por uma fracção de segundo a forçainicial da explosão. Durante essa fracção de segundo o revestimentodo avião rasgou-se e ocorreu uma segunda deflagração, causada peladescompressão. A força da explosão da dinamite, que arremessou Gwen violentamente para trás, foi no mesmo instante contrariada por uma força oposta - a corrente de ar que se precipitava para o exterior pelo rombo aberto na cauda do aparelho. Foi como se dois tornados se chocassem de frente. Triunfou a descompressão, que arrastou com ela, para os confins da noite, a violência inicial da explosão.

Não obstante a intensidade da explosão e da descompressão havia poucos sinistrados. Gwen, a ferida de maior gravidade, jazia desmaiada na coxia. O homem de óculos que saíra da casa de banho e assustara Guerrero estava ferido e atordoado, mas mantinha-se de pé. Meia dúzia de passageiros tinham sofrido golpes e contusões devidos a estilhaços da bomba; outros haviam sido atingidos por objectos que a descompressão lançaraem direcção à cauda do avião, mas nenhum deles fora gravemente ferido. Inicialmente, tod

os quantos não tinham os cintos de segurança apertados haviam sido sugados em direcção ao rombo na retaguarda. Porém, um braço de Gwen, quando esta caíra, enrolara-se em torno da base de um assento, o que a impedira de ser arrastada, e o seu corpo servir

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a de obstáculo aos outros passageiros.Quando a sucção diminuiu, o maior perigo imediato passou a ser a falta de oxigénio. Embora as máscaras tivessem caído instantaneamente dos seus compartimentos, apenas umpunhado de passageiros as agarrou e colocou de imediato. As assistentes de bordo, reagindo de acordo com o treino que haviam recebido, agarraram-nas e indicaram por meio de gestos aos passageiros que as colocassem também. Três médicos, que viajavam com as mulheres num cruzeiro, colocaram as máscaras e deram instruções rápidas aos s

eus companheiros de viagem mais próximos. Judy, a expedita sobrinha de dezoito anos do inspector-da alfândega Standish, colocou uma máscara sobre o rosto do bebé a seulado e outra sobre o seu próprioMrs. Quonsett, que durante os seus voos ilegais assistira frequentemente a demonstrações sobre a utilização das máscaras, colocou uma máscara de oxigénio e deu outra ao smigo oboísta. Não sabia se iria ou não morrer, mas percebeu que o problema não a preocupava sobremaneira; acontecesse o que acontecesse, tencionava manter-se a par da situação até ao último instante.Porém, decorridos quinze segundos, apenas metade dos passageiros colocara as máscaras de oxigénio. Os restantes começaram a ser dominados pelo entorpecimento; e quinzesegundos mais tarde a maioria estava inconsciente.Ao tomar a perigosa decisão de picar a alta velocidade, Hams salvou essas pessoas

de graves danos cerebrais, e até de morrerem asfixiadas nos escassos segundos quelhes restavam. A descida dos vinte e oito mil pés de altitude para os dez mil pés demorou dois minutos e meio; o cérebro humano pode sobreviver sem oxigénio três ou quatro minutos sem sofrer lesões. Aos doze mil pés já era possível respirar normalmente; aosdez mil pés todos os que haviam perdido a consciência voltaram a si. Só Gwen continuava desmaiada, em virtude das lesões que sofrera.Passado o choque inicial, passageiros e hospedeiras fizeram uma avaliação da situação. Uma hospedeira loira, a mais qualificada a seguir a Gwen, de rosto lívido, precipitou-se para a sinistrada, na retaguarda do avião, perguntando com ansiedade:- Há algum médico a bordo?O Dr. Compagno já se erguera. Compagno, um homem de baixa estatura, feições angulosase gestos bruscos, que falava rapidamente, fez uma análise imediata da situação, consciente do frio cortante que já se fazia sentir. Através do rombo, o vento penetrava vi

olentamente na fuselagem. Onde anteriormente se encontravam a casa de banho e agalley da turística via-se agora um amontoado caótico de metal retorcido, carbonizado e ensanguentado. A retaguarda da fuselagem, até à cauda, estava aberta, revelandocabos de comando e estruturasexpostas. Compagno ergueu a voz, sobrepondo-se ao ruído do ventoe dos motores.- Transportem para a frente todas as pessoas que puderem.Mantenham-nas tão quentes quanto possível. Vamos precisar decobertores.A assistente respondeu, duvidosa:

- Vou ver se encontro alguns.Muitos dos cobertores guardados nas prateleiras haviam sido arrastados para fora.Os dois outros médicos do grupo juntaram-se ao Dr. Compagno. Um deles pediu a umahospedeira que trouxesse todo o equipamento de primeiros socorros que pudesse arranjar, uma vez que Compagno - nessa altura já de joelhos ao lado de Gwen - era o único que tinha consigo a maleta de instrumentos médicos. De facto Compagno nunca se considerava completamente de folga; apreciava ser útil e, tal como a mulher comentava, só não exercia medicina enquanto dormia.Olhando por sobre o ombro, Compagno disse aos dois colegas:- Tratem das outras pessoas.E então, na estreita coxia, virou Gwen, deitando-a de costas. A respiração dela era débil e pouco profunda. O médico pediu à hospedeira loira:- Preciso de oxigénio.

A jovem trouxe uma botija portátil e uma máscara, que ele colocou na vítima. Decorridos um ou dois minutos, uma leve coloração tingiu o rosto de Gwen, até então assustadoramente lívido.

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O médico começou então a estancar o sangue que corria pelo rosto e pelo peito de Gv,en. Aplicou rapidamente um hemostático para estancar uma hemorragia grave numa artéria facial e fez pensos compressivos noutros locais. Detectou uma possível fractura no braço esquerdo, que podia ser posto entre talas mais tarde. Preocupavam-no os estilhaços da bomba que haviam atingido o olho esquerdo de Gwen.Cy Jordan, auxiliado pelas restantes hospedeiras, removeu para a I. classe tantos passageiros da turística quantos conseguiu. Alguns sentaram-se dois a dois no me

smo lugar, outros instalaram-se no pequeno hall circular. Todo o vestuário que não desaparecera foi distribuído pelos que dele mais necessitavam, sem preocupações de saber a quem pertencia. Como sempre acontece em situações semelhantes, as pessoas entreajudavam-se com a maior das boas vontades ; surgiam mesmo momentos de humor.Os outros dois médicos faziam pensos aos passageiros que ?haviam sofrido cortes eoutras feridas. Tanto os cuidados médicos como a movimentação dos passageiros eram dificultados pela forte ?turbulência devida à tempestade que àquela baixa altitude se fazia sentir no avião e em consequência da qual os passageiros eram arremessados para a frente ou para os lados.Cy Jordan comunicou com o cockpit e depois aproximou-se do Dr. Compagno.- Sr. Doutor, o comandante Demerest pede-me para Lhe agradecer em nome dele tudo quanto o senhor e os seus colegas estão a fazer. Pede-lhe ainda que, logo que ten

ha um momento livre, vá ao cockpit informá-lo sobre as instruções que ele deve transmitir acerca dos feridos.O Dr. Compagno limitou-se a dizer:

- Agarre aqui neste penso, por favor. Aperte com força. . . Agora ajude-me a colocar esta tala. Uma daquelas capas de couro para revistas com uma toalha por baixo deve servir. Dê-me aí á capa maior que encontrar e deixe a revista lá dentro. - Jordancumpriu as instruções e, quando acabaram, Compagno respondeu: - Diga ao comandante que vou logo que possa. Mas acho que ele devia dizer qualquer coisa aos passageiros logo que pudesse. Eles precisam de ser tranquilizados.- Está bem, Sr. Doutor. - Preocupado, Cy olhou a figura de Gwen, ainda inconsciente: - Acha que ela tem alguma hipótese?- Tem, meu rapaz. Depende muito da resistência dela.

- Vou transmitir ao comandante a sua mensagem, Sr. Doutor.E com um ar ainda mais lúgubre do que habitualmente, Cy dirigiu-se ao cockpit.Momentos depois, a voz calma e límpida de Vernon Demerest soou através do altifalante.- Minhas senhoras e meus senhores, fala o comandante Demerest. Como todos sabemestivemos em perigo, em grave perigo. Passámos todos por uma experiência difícil, inédita para os membros desta tripulação. Mas a verdade é que conseguimos sair dela. O avião está sob controle, estamos a regressar e esperamos aterrar no Lincoln Intérnational dentro de aproximadamente três quartos d?hora.Demerest interrompeu-se, perguntando a si próprio até que ponta deveria ser específico e honesto. Durante os seus voos regulares limitava ao mínimo possível as suas comunicações aos passageiros. Discordava dos longos discursos usados por alguns comandantesque bombardeavam o seu público encurralado com comentários variados, desde o início atéao final do voo. Desta vez, contudo decidiu que devia ser mais prolixo e disse,através do microfone:- O avião sofreu avarias, as quais, contudo podiam ter sido consideravelmente mais graves. Não quero esconder-vos que ainda temos de enfrentar alguns problemas. A aterragem vai ser necessária- mente dura. Imediatamente a seguir a esta comunicação, atripulação dar-vos-á instruções sobre a forma como deverão sentar-se e segurar- -se imediamente antes da aterragem. Ser-vos-á ensinado como sair do avião numa emergência, se tal for necessário, após a aterragem. Caso tal aconteça, por favor ajam com calma mas com rapidez e obedeçam às instruções da tripulação. Quero ainda assegurar-vos que em terra e a ser envidados todos os esforços com vista a facilitar-nos a situação e a prestar-vo

s assistência.Lembrando-se da necessidade vital que representava a pista três zero, Demerest desejou que as suas últimas palavras correspondes- sem à verdade. Decidiu ainda não entra

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r em pormenores acerca da inoperância do compensador do estabilizador; de qualquer modo, poucos seriam os passageiros a perceber o problema. Num tom mais ligeiro, continuou:- De certa forma pode dizer-se que os Srs. Passageiros esta noite tiveram sorte, porque em vez de um comandante experiente têm dois: o comandante Anson Hams e eupróprio. Somos um par de pilotos velhos, com mais anos de voo do que gostamos de admitir. . . excepto agora, em que a nossa experiência conjunta se revela extraordi

nariamente útil. Continuaremos a ajudar-nos e a colaborar. Por favor, ajudem-nos também, e prometo-vos que, todos juntos, venceremos este momento difícil. . . sãos e salvos - e colocou o microfone no descanso.

Sem desviar os olhos dos instrumentos de voo, Harris comentou:- Falou muito bem. Devia ter entrado na política.Demerest respondeu com ar sombrio: ? - Ninguém votava em mim. Em geral as pessoas não gostam de ouvir a verdade.Recordou a reunião da Comissão de Administração do Aeroporto, durante a qual insistira no cancelamento da venda de seguros no aeroporto. Percebera então que a expressão livre e clara da sua opinião fora desastrosa. Perguntava-se qual teria sido a reacção dopresumido do seu cunhado ao ter conhecimento da explosão causada por esse maníaco do

 Guerrero. Uma coisa era certa: se conseguissem aterrar em segurança, Demerest iafazer ressurgir a discussão, e desta vez teria bastante mais audiência. Os tipos das relações públicas da Trans America iam tentar evitar que ele fizesse declarações ??no interesse da política da companhia". Eles que tentassem!O rádio crepitou:- Trans America dois, Centro de Cleveland. O Lincoln informa pista três zero ainda obstruída. Estão a tentar desbloqueá-la. Se não o conseguirem, aterragem prevista na pista dois cinco.O rosto de Hams reflectia preocupação quando Demerest confirmou a recepção da mensagem.A pista dois cinco era cerca de seiscentos e vinte metros mais curta que a três zero, além de ser mais estreita, e nesse momento era batida por vento cruzado.Demerest virou-se para o mecânico de voo:- Cy, vá outra vez ver como estão os passageiros. Veja se as raparigas fazem a demon

stração para a aterragem de emergência e certifique-se de que toda essa gente percebe. Escolha depois algumas pessoas que pareçam de confiança. Assegure-se de que sabem onde são as saídas de emergência e como devem ser usadas. Se sairmos da pista, o que é certo se tivermos que usar a dois cinco, o avião desfaz-se num instante.- Está bem, comandante.Jordan levantou-se e saiu.Nessa altura entrou o Dr. Compagno, que se apresentou a Demerest:- Sr. Comandante, tenho aqui a relação dos sinistrados que pediu.- Estamos-Lhe muito gratos, Sr. Doutor. Se não estivesse aqui. .Compagno interrompeu-o com um gesto.- Guarde as palavras para depois. - Abriu um bloco de notas. Com a sua meticulosidade característica, registara já o nome dos feridos, o tipo de lesões e respectivo tratamento. - A vossa chefede cabina, Miss Meighen - disse -, é a pessoa mais gravemente ferida, mas tem bastantes hipóteses de recuperação. Sofreu múltiplaslacerações e perdeu muito sangue. Tem uma fractura no braço esquerdo, e, claro, está emestado de choque. Além disso, é preciso dizer ao aeroporto que necessita da assistência imediata de um oftalmologista.

Vernon Demerest, que, mais pálido do que habitualmente, se obrigara a anotar impassivelmente as informações no relatório de bordo, ao ouvir a última frase interrompeu-se, abalado.- Quer dizer. . . Os olhos dela. .- O olho direito não foi atingido, mas o esquerdo tem estilhaços e é preciso um especialista para ver se a retina foi afectada.

- Oh, meu Deus, não!Dominado pela angústia, Demerest levou uma mão ao rosto.O Dr. Compagno meneou a cabeça:

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- A cirurgia oftálmica opera milagres. Mas neste caso o tempo é vital.- Vamos transmitir imediatamente - disse Hams. - Eles tratam do que for necessário.- Então vou acabar de Lhe ler a relação.Mecanicamente Demerest continuava a tomar nota do relatório do médico. Este disse por fim:- Bom, vou andando lá para trás.

Demerest pediu:- Espere, Sr. Doutor. Gwen. . . quero dizer, Miss Meighen. . . - Até ele sentia atensão na sua voz. - Ela está. . . grávida. Isso constitui problema?Viu Harris olhá-lo de lado, surpreendido.- A gravidez não está com certeza muito adiantada - comentou Compagno.- Não, não está.Demerest evitou o olhar do seu interlocutor.Compagno respondeu:- Não lhe afecta a capacidade de recuperação. Quanto à criança, a mãe não foi privada de oo tempo suficiente para que ela seja afectada. Não há lesões abdominais. Desde que consiga sobreviver - e com tratamento hospitalar rápido, as hipóteses são razoáveis, mesmopositivas -, o bebé deverá nascer normalmente. Sem uma palavra, Demerest acenou com

 a cabeça. Automaticamente, acabou de anotar o relatório do médico, que saiu então do-r - Harris quebrou o silêncio que se estabelecera entre os dois- Vernon, gostava de descansar antes da aterragem. Não se importa de tomar o comando durante um bocado?Demerest anuiu, e os pés e as mãos moveram-se-lhe automaticamente para os comandos.Sentia-se extremamente grato pela ausência de comentários sobre Gwen. Qualquer que fosse a sua opinião ou curiosidade sobre o assunto, Hams tinha a decência de a guardar para si próprio.Hams agarrou no bloco do relatório de bordo com as informações do Dr. Compagno.- Eu transmito isto - disse, e seleccionou a frequência das operações da Trans America.Para Demerest, pilotar constituía um alívio físico após o choque sofrido ao receber as notícias sobre Gwen. Provavelmente Hams sabia-o. De qualquer modo era lógico que quem

 quer que estivesse aos comandos durante a aterragem poupasse todas as suas energias. Obviamente Hams assumira que seria ele quem realizaria essa tarefa, e Demerest não via qualquer razão para o impedir.

Tentou concentrar-se na pilotagem, mas Gwen não lhe saía do pensamento. Gwen, cujasprobabilidades de sobrevivência eram razoáveis, mesmo positivas??; Gwen, que, uma ou duas horas antes, Lhe dissera, com a sua pronúncia inglesa límpida e doce: ??É que, sabes, eu amo-te??; Gwen, que ele amava, mau grado ele próprio; porque não enfrentaro facto?Angustiado, imaginou-a ferida, inconsciente, transportando no ventre um filho seu. . . um filho que ele a aconselhara a matar. Ela dissera-lhe: ??Quando uma mulher concebe, recebe um presente maravilhoso. E depois, de repente, em situações como a nossa, é preciso enfrentar a hipótese de destruir, de desperdiçar tudo o que nos foi oferecido. . . .,Agora a criança não seria destruída. Em qualquer hospital para onde Gwen fosse transportada, tal não seria permitido, senão perante uma alternativa entre salvar a mãe ou acriança por nascer. Não era provável que essa situação surgisse. Se Gwen sobrevivesse, a criança nasceria. Sentia-se aliviado ou penalizado?Lembrou-se das palavras de Gwen: ??Mas tu já tiveste uma criança. Aconteça o que acontecer, há sempre alguém, algures, que é a tua continuação. . . ?,Ela falara da criança que ele nunca conhecera, do sexo feminino nascida no ??limbo,? do programa das hospedeiras e que imediata- mente desaparecera da sua vida. Admitira que por vezes se interrogava acerca do seu paradeiro, mas não admitira que pensava nela mais frequentemente do que gostava de confessar.Ele e Sarah não tinham tido filhos, embora os tivessem desejado. Onde estaria a su

a filha, agora com onze anos? Demerest sabia o dia do seu aniversário, tentava esquecê-lo, mas recordava-o sempre, etodos os anos desejava poder manifestar-se de qualquer modo -nem

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que fosse mandar um simples postal de parabéns. . .Por vezes olhava as crianças nas ruas, e quando as idades condiziam especulava se, por mero acaso. . . e repreendia-se a si próprio por essa insensatez. De vez em quando sentia-se obcecado pela ideia de que a sua filha podia ser maltratada. Asmãos de Demerest apertaram mais firmemente o manche. Pela primeira vez percebeu que nunca mais poderia aguentar essa incerteza.O rádio interrompeu o curso dos seus pensamentos:

- Trans America dois, Centro de Cleveland. Volte à esquerda, rumo dois quatro zero. Quando pronto inicie a descida para seis mil pés. Reporte abandonando dez. . .A mão de Demerest reduziu as quatro manettes de potência e o avião começou a perder altitude. Reajustou a silhueta do horizonte artificial e iniciou a volta.- Trans America dois no rumo dois quatro zero - comunicava Hams ao Centro de Cleveland. - Estamos a abandonar dez mil.A turbulência intensificava-se à medida que desciam, mas cada minuto que passava aumentava a esperança de salvação. Aproximavam-se também da fronteira aérea em que Clevelandos passaria ao Centro de Controle de Chicago. Seguidamente, decorridos trinta minutos, entrariam no controle do Lincoln International.- Cruzando oito mil - informou Hams o Centro de Controle.

Demerest mantinha o avião numa descida regular. Enquanto não desviava os olhos dos instrumentos de voo, o pensamento da filha não o abandonava. Durante semanas antesdo nascimento debatera consigo próprio se deveria confessar a Sarah a sua infidelidade e sugerir-Lhe que adoptassem a criança. Acabara por não ter coragem ?ara o fazer. Receara a reacção da mulher e temera que esta considerasse a criança uma censura permanente.Muito tempo depois percebera que fora injusto para com Sarah. Evidentemente queela teria ficado chocada e magoada. Mas teria conseguido assumir rapidamente a situação e colaborar. Sarah era mentalmente saudável e equilibrada. Era esse o motivo por que continuavam casados e por que nem mesmo agora ventilava sequer a hipótese de se divorciar. Ela teria arranjado uma forma de solucionar o problema. Durantealgum tempo tê-lo-ia irritado e feito sofrer, mas teria concordado com a adopção, e acriança não teria sofrido. A própria Sarah teria sido a garantia do seu bem-estar. Se

ao menos. . .Nivelou o avião a seis mil pés, fazendo avançar as manettes de potência para manter a velocidade. O ruído dos motores intensificou- -se. Hams estivera ocupado a mudar asfrequências de rádio. Tinham mudado de zona de controle, de Cleveland para Chicago.- Trans America dois, tenho-o no radar - ouviu-se uma nova voz de Chicago.Demerest raciocinava: no que dizia respeito a Gwen, podia perfeitamente tomar uma decisão naquele momento. Enfrentaria as lágrimas e a ira de Sarah e contar-lhe-iao que se passara com Gwen. E quando a crise tivesse passado, conseguiriam uma solução. Por ?estranho que parecesse, não tinha a mínima dúvida de que assim aconteceria, oque, pensava ele, demonstrava a confiança que depositava em Sarah. Muita coisa iadepender de Gwen. Não obstante o que o médico acabara de dizer sobre a gravidade das lesões que ela sofrera, Demerest estava profundamente convencido de que ela recuperaria. Gwen tinha energia e coragem, lutaria pela vida. E agora que tomara umadecisão, sentia que talvez todos eles auferissem vantagem da situação.O altímetro, que girava, mostrava que estavam a passar os cinco mil pés. Começava já a pensar na criança de uma forma nova e diferente. Que é que Gwen lhe dissera no carronessa mesma noite a caminho do aeroporto? ??Se fosse um rapaz, podemos chamar-lheVemon Demerest Júnior como os Americanos fazem. ,? Talvez a ideianão fosse de rejeitar. Tratava-se do seu filho. Disse então a Hams:- Pegue nisto outra vez, e deixe-me falar com esses idiotas deterra.Hams fez deslizar a sua cadeira para a frente e acenou:- Já está.Demerest agarrou o microfone. Sentia-se melhor depois de ter

tomado a decisão. Já podia enfrentar problemas mais imediatos.A sua voz soou asperamente:- Centro de Chicago. Comandante Demerest do Trans America

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dois. Vocês aí em baixo ainda estão à escuta ou já desandaram todos?- Centro de Chicago. Estamos à escuta e ninguém desandou.- Então por que diabo não fazem nada? Este voo está em perigo. Precisamos de ajuda.

- Aguarde, por favor. - Surgiu uma voz nova. - Supervisor do Centro de Chicago.Comandante Trans America dois, estamos a fazer tudo o que nos é possível. Temos umadúzia de pessoas a afastar o tráfego. Estamos a dar-lhe prioridade, uma frequência de

rádio privada e uma aproximação directa.Demerest explodiu:- Não chega. Uma aproximação directa ao Lincoln não serve de nada se vai acabar em qualquer outra pista que não seja a três zero. Não me digam que a três zero não está operaciona já sei. Escreva o que vou dizer, e veja se o Lincoln percebe. Este avião está muito pesado' vamos aterrar a alta velocidade. Temos avarias estruturais, incluindo umcompensador do estabilizador fora de serviço e o leme direccional muito duvidoso.Se aterrarmos na dois cinco, o avião desfar-se-á e haverá mortes. Por isso, meu caro senhor, ligue para o Lincoln e aperte-os bem. Não quero saber se têm de fazer explodir o que quer que seja que está a bloquear a três zero. Precisamos dessa pista. Percebe?- Percebemos sim, Trans America dois, percebemos muito bem. - A voz do superviso

r era um pouco mais humana. - A sua mensagem está já a ser transmitida ao Lincoln.- Óptimo. Tenho outra mensagem, pessoal, dirigida a Mel Bakersfeld, director do aeroporto: ??Ajudaste a arranjar este sarilho, meu palhaço, por não me teres dado ouvidos acerca dos seguros de voo no aeroporto. Agora tens uma dívida para comigo e para com os passageiros deste avião; por isso salta do teu poleiro e limpa-me essa pista. "Desta vez a voz do supervisor denotava dúvidas:- Trans America dois, a sua mensagem foi copiada. Tem a certeza de que quer queusemos mesmo essas palavras?- Centro de Chicago - ripostou a voz de Demerest -, podem ter a certeza de quequero que usem exactamente essas palavras Estou a ordenar que enviem essa mensagem, rápida e claramente caPrr<n,o xrn NO seu automóvel a alta velocidade Mel ouvia, pelo rádio sintonizado ao controle de solo, os veículos de emergência do aeropor

to a serem chamados a fim de tomarem posição. Depois ouviu:- Cidade vinte e cinco, controle de solo. - Cidade vinte e cinco era o indicativo de chamada do chefe de bombeiros do aeroporto.- Informação adicional. Emergência decategoria dois dentro de trinta e cinco minutos, aproximadamente. O avião em questão está danificado e vai aterrar na pista três zero, se operacional. Se a pista continuar não operacional, usará a pista dois cinco.Os controladores do aeroporto evitavam mencionar pela rádio a companhia exacta a que pertencia um avião que sofresse qualquer acidente. As companhias consideravam preferível, nesse contexto, evitar o mais possível serem referidas.- Controle de solo, cidade vinte e cinco: o piloto pediu espuma na pista?-- Espuma negativo. Repito, negativo.

A ausência de espuma significava que o trem de aterragem do avião estava operacional, pelo que não seria necessário efectuar uma aterragem de barriga. Mel sabia que todas as viaturas de emergência - tanques, camiões de reboque e ambulâncias - se- guiam neste momento o chefe de bombeiros, que tinha uma frequência privativa que lhe permitia comunicar com cada um deles individualmente. O pessoal de emergência colocar-se-ia entre as duas pistas, pronto a avançar para uma ou para outra.Durante uma pausa entre as transmissões, Mel premiu com uma pancada o botão do seu próprio microfone e perguntou ao controle de solo se Joe Patroni fora informado sobre a situação de emergência.- Afirmativo. Pensa poder remover o avião dentro de vinte minutos.- Ele deu a certeza?- Negativo - respondeu o controle de solo.Momentos antes, quando Tanya lhe entregara a mensagem sobre a explosão a bordo do

voo dois e a decisão do comandante de atem? no Lincoln International, Mel desenvencilhara-se instantaneamente da multidão de Meadowood e dirigira-se para os elevadores acompanhado por Tanya. Avistara Tomlinson e chamara-o: ??Venha comigo", porq

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ue sentia que devia um favor ao repórter do Tribune pela informação que dele receberasobre Freemantle. E agora, acompanhado de Tanya e Tomlinson, Mel conduzia o automóvel através do campo, uma das mãos no volante e outra no microfone, tão rapidamente quanto ousava por entre a neve rodopiante, guiando-se na escuridão circundante pelas luzes dos caminhos de rolagens e pistas que cintilavam a seu lado.- Vamos ver se percebo - disse Tomlinson. - Há só uma pista com o comprimento necessário e na direcção ideal?

Mel respondeu sombriamente:- Exactamente. Devia haver duas.Reeordou amargamente as propostas que apresentara para a construção de uma pista adicional. A administração do aeroporto prometera-lhe o seu apoio, mas mais tarde retirara as promessas. Os administradores do aeroporto deviam ao presidente da Câmara os seus cargos, e se o pressionassem no sentido de fazer atrasar uma emissão de títulos do aeroporto em favor de outros projectos que Lhe proporcionassem maior númerode votos era natural que a pressão resultasse. Em vez de uma nova pista, fora aprovada a construção de parques de estacionamento no aeroporto com três andares. Mel descreveu a situação a Tomlinson.- Gostava de usar esse material citando o seu nome - disse Tomlinson. - Posso?Mel imaginou os telefonemas indignados da Câmara Municipal, mas decidiu que o públic

o devia ser informado da gravidade da situação.- Use à vontade - respondeu. - Estou em maré de prestar declarações.Mel estivera a aguardar nova interrupção nas comunicações de solo; quando esta se verificou, perguntou qual o grau de necessidade do voo dois em relação à pista três zero.- Móvel um. Cremos que a necessidade é imperiosa. Aguarde um momento, Mr. Bakersfeld.Mel mantinha os olhos fixos no caminho de rolagem à sua frente, esperando que passasse um DC-8 da Eastern que estava a voltar à esquerda. Mas reflectia na mensagemde rádio - a comunicação seguinte seria determinante para a prossecução ou não da soluçãoque ele estava a considerar.

- Móvel um, controle de solo. Mensagem recebida agora, via Centro de Chicago. Início de mensagem. .?Aproximação directa ao Lincoln não serve de nada se vai acabar em qual

quer outra pista que não seja a três zero. . . ?,As três pessoas que se encontravam no automóvel ouviam expectantes a mensagem de Demerest. Às palavras ??se aterrarmos na dois cinco o avião desfar-se-á e haverá mortes?,,Tanya susteve a respiração.Mas o controle de solo continuou a transmissão.- Móvel um. Mr. Bakersfeld, há uma outra mensagem do comandante Demerest, pessoal, para si. É muito pessoal. Pode atender numa cabina telefónica?- Negativo - respondeu Mel. - Transmita já, por favor.- Início de mensagem. ?? Ajudaste a arranjar este sarilho. . . "Com os maxilares contraídos, Mel ouviu e confirmou a recepção da mensagem sem comentários. Sabia que Vernon sentira prazer ao enviar aquela mensagem. Entretanto o DC-8descreveu a volta e Mel acelerou ao longo da pista três zero. Avistaram então o círculo de holofotes e veículos que rodeavam o jacto atolado da Transcontinental e Mel reparou, satisfeito, que à excepção da zona obstruída, toda a pista fora conservada limpa de neve.Ligou o rádio para a frequência de manutenção do aeroporto:- Divisão de Neve, móvel um.Ouviu-se a voz cansada de Danny Farrow:- Aqui Divisão de Neve. Prossiga.- Danny - disse Mel -, envia os limpa-neves Oshkosh e as niveladoras para o aviãoenterrado na três zero. Eles que aguardem aí instruções. Põe-nos a andar e depois liga-mede novo.- Entendido. Assim farei.Mel parou o automóvel sobre a pista, a curta distância do círculo de luzes que envolvia o enorme jacto 707. Por baixo e aos lados da fuselagem vários homens cavavam feb

rilmente, enquanto Patroni dirigia as operações.

Tomlinson inclinou-se para a frente.

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- Aquela mensagem de Demerest. . . O que aconteceu hoje ?*QUANDO Mel se aproximou dele, Patroni batia com os pés no/ noite fê-lo mudar de ideias acerca dos seguros de voo? *chão para se aquecer; desde que chegara, há mais detrês horas,/- Ainda não. Mas acho, sim, que precisamos de mais medidas. *permanecera quase continuamente exposto à tempestade. Sentia-se/ de protecção. *exausto e gelado e o seu fracasso em remover o jacto aumentava-Lhe/

O rádio, sintonizado ainda para a frequência de manutenção, ' *a irritabilidade. Quase tivera uma explosão de fúria quando Mel o/ estivera ocupado com comunicações entre as diversas viaturas. No ?*informara de que tencionava utilizar as máquinas de neve. Com/ momento transmitia: ? *qualquer outra pessoa, Joe teria reagido destemperadamente mas/- Móvel um, Divisão de Neve. Estão a caminho do avião ? *como considerava Mel um amigo,limitou-se a retirar da boca o/ atolado quatro limpa-neves e três niveladoras, com um chefe de

' *charuto apagado que estivera a mascar e a perguntar com uma/ grupo. Quais são as ordens, por favor? ? *expressão de incredulidade:/Mel pesou cuidadosamente as palavras. Algures, no emaranhado ?

*- Você não tem juízo?/ electrónico sob a torre de controle, as comunicações estavam a ser*- Não tenho é pistas - respondeu Mel./ gravadas, e ele queria assegurar-se de que não haveria mal- : *Sentia-se deprimido. Mais ninguém, além de ele próprio, parecia/ -entendidos. *perceber que era urgente desobstruir a três zero, a qualquer preço./- Divisão de Neve, móvel um. Todos os limpa-neves e nivela-*E se o voo dois aterrasse são e salvo haveria muita gente, incluindo/ doras devem parar perto do aparelho. Os veículos não devem, repito,*altos funcionários da Transcontinental, que iriam afirmar que afinal o/ não devem,causar obstáculo ao avião, que vai tentar deslocar-se ? *avião poderia perfeitamente ter aterrado na pista dois cinco. A sua/ pelos seus próprios meios. Se a tentativafalhar, os limpa-neves e as ? *decisão era uma decisão unilateral./ niveladoras receberão ordens para empurrar o avião para o lado e*Já se viam os limpa-neves e as niveladoras, sobre cujos tejadilhos/ desobstruir a

 pista. Esta operação deverá realizar-se a todo o custo e*giravam faróis, rolando rapidamente sobre a pista. Quando se aperce-/ rapidamente. A pista três zero tem de estar aberta ao tráfego dentro*beu da sua aproximação, Patroni deixou cair o charuto:/ de aproximadamente trinta minutos. A decisão de utilizar os limpa-*- Vou salvá-lo da sua própria loucura Mel - rosnou. - Esses/ -neves, se necessário,será tomada por mim em coordenação com o *seus dinky toys que se mantenham afastados do avião. Vou tirá-lo/ Centro de Controle. Confirme. *dali em quinze minutos, talvezmenos./Mel gritou, para se fazer ouvir acima do rugido do vento e dos*Fez-se silêncio durante alguns segundos. Depois Danny declarou:/ motores:*- É melhor eu certificar-me. - Repetiu o essêncial da mensa-/- Joe, vamos assentar num ponto. Quando a torre nos disser que *gem, e Mel calculou que ele estivesse a transpirar./ - Mel - era Danny -, calculo que saibas o que aquele equipamento vai fazer ao ? **//*o tempo se escoou, acabou-se e não há mais discussões. Estão em 7?7. causa vidas humanas. Nessa altura os seus homens que se afastem- Vai retirá-lo - respondeu Mel concisamente, e desligou.imediatamente; veja se eles percebem isso. Quando eu der ordens, asTomlinson disse incredulamente: máquinas avançam imediatamente.- Você vai despedaçar o avião! E a si acontece-lhe o mesmo, Patroni anuiu com ar sombrio. Mel notou que não obstante

aquela explosão de fúria, a habitual confiança do chefe de manuten- quando os proprietários e os tipos dos seguros soubere ção em si próprio parecia abalada.

- Não me espantava nada - respondeu Mel. - Mas se osRegressando ao automóvel, Mel chamou o chefe da torre. Quando proprietários e os homens dos seguros estivessem a bordo do apace- respondeu, Mel pediu lho talvez apl

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audissem a minha decisão! este uma estimativa do tempo que poderiaesperar antes de dar ordem de avanço aos limpa-neves e àsA mão de Tanya procurou e encontrou a sua mão. E ela disse-Lhe niveladoras. baixinho:- Eu estou a aplaudir-te pelo que estás a fazer agora.- O voo chega mais cedo do que pensávamos - respondeu o chefe da torre. - O Centro de Chicago calcula poder passar-nos o controle dentro de dezassete minutos. Nós v

amos controlar o voo durante uns oito a dez minutos antes da aterragem, que portanto se verificará o mais tardar à uma e vinte e oito.Mel consultou o relógio: passava um minuto da uma da madruga- da. Restavam-lhe vinte e sete minutos. O chefe da toire continuou:- É preciso escolher a pista pelo menos cinco minutos antes da aterragem. Depois é irreversível; não podemos desviá-los.Consequentemente, Mel dispunha de dezassete minutos para tomar uma decisão, menostempo do que concedera a Joe Patroni. Começava a transpirar. Deveria infonnar Joeda redução do tempo de que disporia? Decidiu não o fazer. Joe estava a dirigir as operações o mais velozmente possível.- Controle de solo, móvel um - transmitiu. - Preciso de ser mantido informado sobre a situação exacta da aproximação do voo. Pode conservar esta frequência livre?

- Afirmativo - respondeu o chefe da torre. - Já passámos o tráfego regular para outrafrequência.Ao lado de Mel, Tanya indagou:- E agora?- Agora esperamos.Mel consultou de novo o relógio. Passou um minuto. Depois outro. Via a figura atacracada de Joe evolucionar constantemente de um lado para o outro, transmitindo instruções, animando os ho- mens. Via os homens que cavavam freneticamente à frente e aos lados do avião, enquanto os limpa-neves e as niveladoras espera- vam pacientemente, quais abutres. Chegou outro cainião de faróis faiscantes, do qual saltaram mais homens, que se reuniram aos primeiros.No ïnterior do automóvel, Tomlinson quebrou o silêncio:- Quando eu era pequeno a maior pacte deste aeródromo eram campos, com vacas e mil

ho no Verão. Havia um pequeno campo de aviação de relva. Ninguém imaginava que se viriaa transformar r? que é agora. E afinal, não foi assim há tanto tempo.Tanya comentou:- Alguém me disse um dia que trabalhar na aviação faz a vida parecer mais longa porque tudo muda rapidamente.Tomlinson contestou:- Mas nos aeroportos parece que as mudanças não são sufi- cientemente rápidas, pois não, Mr. Bakersfeld?Com esforço, Mel desviou o espírito do avião atolado e respondeu:

- O progresso no ar tem andado sempre à frente do progresso em terra. Todos os nossos primitivos aeroportos não passavam de imitações das estações de caminho de ferro, e ainda não conseguimos libertar-nos da mentalidade ??caminho de ferro?.. Por isso é que temos tantos aeroportos construídos em extensão, onde os passageiros são obrigados aandar quilómetros.- E essa situação não está a mudar actualmente ? - pergun?ou Tomlinson.- Está, mas muito devagar. Estão a construir-se em altura alguns aeroportos circulares com parques de estacionamento inte- riores e transportadores que funcionam na horizontal a alta veloci- dade. Los Angeles propôs um ??marédromo.? de grandes dimensões ao largo da costa; Chicago, uma ilha-aeroporto artifcial construída no lago Michigan. A American Airlines está a planear um gigantesco elevador hidráulico para empilhar os aviões uns sobre os outros para carga e descarga. Mas estas alterações não são coordenadas. É como se os assinantes dos telefones concebessem e fabricassem os seus próprios telefones e os ligassem depois à rede mundial.

O rádio interrompeu-o.- Móvel um e cidade vinte e cinco, controle de solo. O Centro de Chicago estima passagem de controle do voo em questão ao controle de aproximação do Lincoln para a uma

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e dezassete.O relógio de Mel marcava uma e seis. O voo dois estava pois adiantado um minuto em relação à última previsão. Um minuto a menos para Patroni e onze minutos para a decisão dMel.- Móvel um - continuou a voz -, há alguma alteração na situação da pista três zero?- Negativo; nenhuma alteração.Estaria a correr riscos excessivos?, perguntou Mel a si próprio. Sentiu a tentação de

 mandar avançar imediatamente os limpa-neves e niveladoras, mas refreou o impulso. Havia ainda a hipótese de Joe conseguir. Da frente do 707, veículos holofotes e outro equipamento estavam a afastar-se, mas os motores do avião ainda não tinham sido ligados. Patroni estava a subir a escada de embarque. Já no cimo voltou-se e gesticulou. Depois abriu a porta da frente da fuselagem e entrou. Seguiu-o outra figura mais delgada. A porta do avião fechou-se com estrondo. Cá em baixo, alguns homensretiraram a escada.- Olhem - exclamou Tanya. - Os motores.Atrás do motor n.o 3 do 707 apareceu uma baforada de fumo acinzentada, que se intensificou e desapareceu quando o motor pegou. O jacto que saía do escape do reactor impelia a neve violentamente para trás. Uma segunda baforada de fumo apareceu atrás do motor n." 4.

- Móvel um, controle? de solo. - A voz do rádio foi tão inesperada que Mel sentiu o sobressalto de Tanya. - O Centro de Chicago informa que o tempo previsto para a passagem do controle do avião em questão é uma e dezasseis. Daqui a sete minutos.Mais um minuto perdido.No terreno mole do lado oposto da pista, Patroni já ligara os dois motores. Em frente do avião atolado uma figura com lanternas de sinalização manuais avançou até onde pudesse ser vista do cockpit. Segurou as lanternas acima da cabeça, indicando: ?.Área livre." Mel ouvia e sentia o pulsar dos motores a jacto. Mas ainda não lhes haviam dado toda a potência. . . Faltavam seis minutos. Por que diabo não acelerava Patronia fundo?Tanya comentou, tensa:- Não sei se consigo aguentar a expectativa.Patroni acelerava agora a fundo.

- Agora sim!Mel ouvia, sentia o troar dos motores, que envolvia tudo e todos. Por detrás do avião, enormes rabanadas de neve voavam, enlouque- cidas através da escuridão.Mel consultou o relógio e calculou que Patroni dispunha de três minutos.- O aparelho ainda está enterrado - disse Tanya, que obser- vava atentamente a cena. - Eslão a usar os quatro motores, mas ele não se mexe.

Não obstante a potência dos quatro motores, o avião, tal como Tanya afirmara, não se movia. O grupo compacto dos limpa-neves e niveladoras aproximava-se mais, e os seus faróis rotativos lançavam clarões sucessivos sobre a cena.- Móvel um - perguntou através do rádio uma voz áspera.- Há alguma aÌteração na situação d zero?- Aguente aí ! - respondeu Mel. - Aguente ! Não mande o voo dois para a pista dois cinco. Vai haver alteração na situação da três zero a qualquer momento.Sintonizou o rádio para a frequência da Divisão de Neve pronto a mandar avançar os limpa-neves.GERALMENTE depois da meia-noite a pressão no Centro de Controle de Tráfego Aéreo diminuía ligeiramente. Tal não acontecia nessa noite. Em virtude da tempestade, as companhias continuavam a despachar e a receber voos com muitas horas de atraso. A maior parte dos componentes do tumo de oito horas anterior terminara o serviço à meia-noite e saíra exausta para casa, mas devido à falta de pessoal alguns controladores tinham sido destacados para serviço extrãordinário até às duas da manhã. Entre estes encontram-se o chefe da tone, Wayne Tevis, o supervisor de radar, e Keith Bakersfeld.Após a conversa que tivera com o irmão, hora e meia antes, Keith procurara alívio concentcando-se intensamente no écran de radar. Continuou a orientar as chegadas de le

ste, com a ajuda de um assistente. Wayne Tevis continuava a superintender, deslizando no seu banco de rodízios pela sala de controle, impulsionado pelas suas botas texanas, embora a sua energia decrescesse à medida que se aproximava o termo do

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seu tumo.Keith conseguira concentrar-se, mas o seu espírito encontrava-se repartido em dois níveis. A um nível dirigia o tráfego sem proble- mas; no outro o pensamento era puramente pessoal. Tudo parecia agora claro e decidido. Quando acabasse o seu tumo, abandonaáa aquele lugar e em breve toda a angústiã desapareceria. Já não pertência à famílira pertência aos mortos - aos Redfems, vítimas do desastre do Beech Bonanza. Era exactamente isso! A sua morte era a dívida que devia aos Redfems. Friamente, Keith pe

rgun- tou a si próprio se não teria enlouquecido; mas mesmo essa resposta lhe era indiferente. A opção que se Lhe punha era entre o tomzento e a paz; e antes que amanhecesse, viria a paz. . . Entretanto, no outro nível mental continuava a controlaras chegadas de leste.Só gradualmente Keith consciêncializou que o voo dois estava em perigo. Há meia hora Wayne Tevis fora informado pelo chefe da torre das condições em que se encontrava o voo dois, da sua intenção de regressac e do problema da pista. Estabelecera-se contacto, por meio de uma determinada frequência, entre a torre de controle e o cockpitdo jacto atolado, de forma que, quando Joe estivesse aos comandos, ambos pudessem de repente comunicar entre si, se necessário.Ao ouvir as notícias do chefe da torre, Tevis lançou um olhar rápido a ?eith. A não serque trocasse de lugar com outro controla- dor, competiria a Keith aceitar o cont

role do voo dois a partir do Centro de Chicago e dirigi-lo na aproximação. Tevis perguntou em voz baixa ao chefe da tone:- Acha que devemos substituir Keith?

O chefe da torre, um homem mais velho, hesitou. Durante a emergência anterior como KC-l35 da Força Aérea forjara um pretexto para retirar Keith do seu trabalho e mais tarde pusera em causa a sensatez dessa sua atitude. Quando um homem vacila entre a segurança em si mesmo e a perda dela é fácil tomar a decisão errada. Além disso, o chefe da torre tinha a desagradável sensação de se ter intrometido numa conversa privada entre Mel e Keith quando os encontrara no corredor.E também ele estava cansado, o que o solidarizava com aqueles que, tal como Keith, abatido, pálido e tenso, eram incontestavel- mente vítimas do sistema. Em voz baixa respondeu a Tevis:

- Deixe fcar Keith, mas mantenha-se perto dele.Vendo as duas cabeças juntas, Keith suspeitou de alguma situa- ção grave. Os sinais de perigo iminente eram-lhe familiares e não duvidava de que em breve seria retirado do serviço ou transferido para uma posição menos vital. Surpreendido, constatou que Tevis, sem alterar as posições dos controladores, começava a avisar todos os postos deescuta da chegada esperada do voo dois da Trans America, em perigo, e da sua prioridade sobre os restantes apare- lhos. O controle de partida recebeu uma recomendação:- Dirijam todas as partidas para longe da rota prevista de chegada do voo dois.Depois Tevis expôs a Keith o problema com a pista.- Faz o teu plano, menino - terminou no seu arrastado sotaque do Texas. - E depois da passagem do controle, não o largues. Vamos aliviar-te do resto.Keith assentiu: Automaticamente, começou a calcular o tipo de aproximação que iria utilizar. Tais planos eram sempre elaborados mentalmente, porque nunca havia tempode os registar por escrito. Além disso, vulgarmente tomava-se necessário improvisaralterações sobre a hora.Apenas recebesse de Chicago o voo dois, Keith dirigi-lo-ia para a pista três zero, mas dando-lhe um rumo tal que o avião poderia derivar para a esquerda sem voltasapertadas, caso fossem forçados a usar a pista dois cinco. O voo entraria no controle de aproximação dentro de cerca de dez minutos. Provavelmente só nos últimos cinco minutos estaciam de posse da informação definitiva sobre a pista. A situação era bastanteamseada e os controladores que se encontravam na sala de radar iriam passar momentos tão tensos e angustiantes como os pilotos do aparelho.Mas era possível levac a cabo a operação - à justa.Pouco depois começaram a aparecer, vindos da torre e transmiti- dos oficiosamente,

 relatórios mais precisos. Os eontroladores passa- vam galavra entre si sempre que uma interrupção no trabalho o permitia: a explosão no ar, estragos estruturais, sinistrados e controle do avião danificado. Os pilotos precisavam da pista mais longa,

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caso contrário. o avião desfazer-se-ia e haveria mortes. . . O próprio director encontrava-se lá fora, na três zero, tentando desobstruí-la.A apreensão de Keith aumentava. Ele não queria ver-se envol- vido nesta situação. Não queria provar coisa alguma, não tinha nada a recuperar, mesmo que controlasse a situacão eom êxito. E se cometesse algum erro, podia, mais uma vez, ser a causa da morte de todos os passageiros de um avião.Tevis atendeu uma chamada e depois impeliu a sua cadeira para junto de Keith.

- O velhote acaba de ser informado de que dentro de três minutos o Centro de Chicago nos passa o Trans America dois.

Decorreram dois minutos. Ao lado de Keith, o assistente infor- mou calmamente:- Estão a aparecer no écran.Nos limites do écran, Keith viu o duplo blip do código de emergência no radar, o Trans America dois.Keith desejou desesperadamente sair dali! Não ia ser capaz! Alguém tinha de vir substituí-lo. Virou-se de repente, procurando Tevis com o olhar. Mas o supervisor encontrava-se junto do controle de pattida, de costas para ele.Keith abriu a boca para chamar Tevis. Para seu horror não emitiu qualquer som. Tentou de novo, e com o mesmo resultado. O pesadelo que o perseguia tornara-se real

idade: a voz não lhe saía, mas neste momento não sonhava, a situação era real. O pânico apsou-se dele.Num painel sobre o écran faiscou uma luz branca, assinalando a chamada do Centro de Chicago. O assistente agarrou num telefone directo e atendeu.- Transmita, Chicago.Ligou um selector a fim de permitir a Keith ouvir a mensagem através de um altifalante acima deles.- Lincoln, o Trans America dois está a trinta milhas sudeste do aeroporto, rumo dois quatro zero.- Entendido, Chicago. Já o temos no radar. Passe-o para a nossa frequência.A frequência de rádio das chegadas de leste deu sinal de vida, e ouviu-se a voz áspera de Demerest:- Controle de aproximação do Lincoln, Trans America dois, mantendo seis mil pés rumo d

ois quatro zero.O assistente aguardava ansioso que Keith respondesse. Tevis continuava de costas paca eles.- Controle de aproximação do Lincoln. - A voz do Trans America dois era desagradável.- Onde diabo se meteram?Keith sentiu-se possuído por uma raiva súbita. ??Raios partam Tevis! Raios partam ocontrole de tráfego aéreo! Raios partam Mel mais a sua eficiência! Raios partam tudo!. . ? O assistente fitava-o com curiosidade. Keith percebeu que não tinha altemativa. Perguntando a si próprio se a voz lhe obedeceria, ligou o mi- crofone.- Trans America dois, controle de aproximação do Lincoln. Desculpe a democa. Ainda temos esperança de poder usar a pista três zero; dentro de três minutos sabê-lo-emos.- Entendido, Lincoln. Mantenham-nos informados - confir- maram numa voz seca.Keith estava agora concentrado, o segundo nível do seu espírito fechara-se, excluindo da sua mente qualquer outra preocupação que não a do voo dois.O controlador transmitiu, em voz clara e serena:- Trans America dois. Estão agora a vinte e cinco milhas a leste da baliza exterior. Iniciem a descida quando entenderem. Iniciem uma volta pela direita rumo dois seis zero. . .Ulvt piso acima de Keith, na cabina envidraçada da torre, o controlador de solo avisara Mel de que já se efectuara a passagem de controle do Centro de Chicago. Melrespondeu:

- Os limpa-neves e as niveladoras já têm ordens para retirar da pista o aparelho daTranscontinental. Dê instruções a Patroni para desligar imediatamente os motores. Diga-lhe que saia dali e que, se não puder, se agarre bem. - Numa outra frequência, o ch

efe da torre transmitia já as instruções a Joe Patroni. CAPÍTULO XIV AN'rES mesmode receber as ordens do chefe da torre, Joe Patroni já sabia que o tempo se lhe esgotara. Deliberadamente, só no último momento ligara os motores do 707 da Interconti

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nental, a fim de deixar avançar quanto possível o trabalho de desobstrução. Quando percebeu que não podia esperar mais, realizou uma inspecção final.E o que viu suscitou-lhe graves dúvidas. O trem de aterragem não estava ainda sufcientemente desenterrado da terra, lama e neve, e as valas inclinadas que se estendiam a partir das rodas principais até ao caminho de rolagem não estavam tão largas nem tão fundas quanto ele desejara. Se pudesse dispor de mais quinze minutos. . . mas não podia.

Subiu relutantemente a escada de embarque e gritou ao encarre- gado da Intercontinental, Ingram:- Afaste toda a gente. - Quando os vultos começaram a sair de sob o avião, Patroni gritou de novo: -Preciso de alguém no cockpit, mas não quero aumentar o peso. Mande-me um tipo magro qualificado para trabalhar no cockpit.E entrou no avião. Pelas janelas do cockpit distinguia o carro de aeroporto de Mel, de um amarelo-brilhante. A decisão de Mel de remover o avião pela força, se necessário, abalara-o profundamente. A ideia de reduzir um avião intacto a um montão de ferro-velho era-lhe inaceitável. A seus olhos, um avião representava perícia, técnica, esforçoduo e por vezes amor. Se pudesse, salvaria o avião.Atrás dele, a porta da fuselagem abriu-se e tornou a fechar-se. Um jovem mecânico, baixo e esguio, avançou em direcção ao cockpit, onde Patroni já se encontrava, sentado no

 lugar da esquerda, a apertar os cintos de segurança.- Como te chamas, meu filho?- Rolling, Mr. Patroni.- Muito bem, Rolling - declarou Patroni. - Vamos pôr isto a andar.Enquanto o mecânico se instalava no lugar da direita, Patroni olhou para o exterior através da janela da esquerda. A escada de embarque estava a ser retirada. O interfone soou:- Quando quiser - informou Ingram.- Estás preparado, filho? - perguntou Joe.O mecânico acenou afumativamente.- Arranque do três ligado.O mecânico accionou um comutador.Patroni falou pelo interfone:

- Pressurize as tubagens.O ar sob pressão silvou ao sair do carro compressor que se encontrava no solo. O chefe de manutenção actuou a manette de ignição. Rolling, que verificava os instrumentos, informou:- O n.o 3 pegou.O ruído do motor transformou-se num troar contínuo. Numa sucessão regular, os restantes motores foram ligados.A voz de Ingram, abafada pelo vento e pelo silvo do jacto, soou pelo interfone:- Carro compressor retúado.- OK. - gritou Patroni. - Desligue o interfone e afaste-se também. - E para ?Rolling: - Agarra-te bem, filho.

Depois moveu o charuto, aceso contra todas as regras, que ficou petulantemente espetado num dos cantos da boca. A seguir, com os dedos rechonchudos estendidos,empurrou para a frente as quatro manettes. A meio da potência, o rugido dos quatro motores aumentou. À frente do aparelho via-se o homem com as lanternas dé sinalização levantadas. Patroni teve um somso irónico:- Se arrancarmos com velocidade, espero que aquele tipo saiba correr!O avião estava destravado, os flaps em baixo para aumentar a sustentação. O mecânico mantinha o manche puxado para trás. Patroni actuou o leme de direcção alternadamente para i.lm lado e para outro, esperando que essa manobra impelisse o avião para a frente. Lançando um olhar rápido à esquerda, viu o automóvel de Mel na mesma posição. Sabia quehe restavam apenas alguns minutos, talvez menos de um minuto. A potência excedia agora os três quartos. Normalmente nesta fase o avião rolaria já velozmente pela pista. Como tal não acontecia, trepidava violentamente: toda a sua área superior era impel

ida para a frente, enquanto as rodas de baixo resistiam, como se fossem âncoras; a sua inclinação era tal que ameaçava cair de nariz. O mecânico lançou um olhar receosó a Proni, que resmungou:

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- Se o raio do avião não sai agora, está tramado.Obstinadamente, o aparelho permanecia preso. Na esperança de libertar as rodas, Patroni diminuiu a potência dos motores para logo a aumentar. Mas as rodas continuavam a não ceder. O charuto apagara-se. Joe atirou-o para o chão e procurou outro. O bolso estava vazio, fumara o último charuto. Vociferando uma praga, levou de novo a mão direita às manettes. Impeliu-as ainda mais para a frente, rosnando:- Mexe-te, filho da mãe.

- Mr. Patroni! Olhe que ele não aguenta muito mais - avisou Rolling.Subitamente, através dos altifalantes do painel superior, soou a voz do chefe da torre:- Joe Patroni, a bordo do Intercontinental, controle de solo. Mensagem de Mr. Bakersfeld. ??Já não há tempo. Desligue todos os motores. Repito, desligue todos os motores."Lançando um olhar rápido para o exterior, Joe viu os limpa-neves e niveladoras a avançarem; mas sabia que só se aproximariam do avião quando os motores estivessem desligados. Recordou o aviso de Mel: ??Quando a torre nos disser que o tempo se escoou, acabou-se e não há mais discussões.?, Pensou: ??Mas quem é gue está a discutir?,? Atravéso rádio ouviu-se de novo uma voz ansiosa:- Joe Patroni, está a ouvir-me? Confirme recepção.

Rolling gritou:- Não está a ouvir? Temos que desligar.- Não oiço nada, filho! Está muito barulho! - gritou Patroni.Como qualquer funcionário experiente da manutenção, Joe sabia que havia sempre mais um minuto para além do tempo determinado por aqueles tipos dos escritórios, sempre prontos a entrar em pânico.Precisava desesperadamente de um charuto. Lembrou-se de que, horas antes, Mel apostara uma caixa de charutos em como ele não conseguiria remover o avião nessa noite. Dirigiu-se a Rolling. . - Tenho um interesse especial nisto. Vamos dar tudo por tudo!

Num único e rápido movimento, empurrou as manettes até ao fundo. O ruído estridente e avibração eram'insuportáveis. Patroni accionou de novo várias vezes os pedais do leme. Po

r todo o cockpit faiscavam luzes de aviso. Mais tarde, Rolling descreveria o efeito como ??uma máquina de jogo de Las Vegas,?.Alarmado, o mecânico gritou:- Temperatura de gás de escape nos setecentos graus.Os altifalantes ordenavam a Patroni e Rolling que saíssem do aparelho. Era o que teriam de fazer, decidiu Joe. Estendeu a mão -para puxar as manettes para trás. E, de repente, o avião moveu-se para a frente, primeiro lentamente e depois com uma assustadora velocidade, precipitando-se para o caminho de rolagem. Rolling gritou um aviso. Patroni puxou violentamente para trás as quatro manettes e ordenou:- Flaps para cima.À sua frente, os dois homens viam vagamente vultos difusos que corriam.A cerca de quinze metros dó caminho de rolagem, o avião rolava ainda a uma velocidade elevada. 5e não voltassem rapidamente, o aparelho atravessaria a superfície dura e iria enfiar-se na neve empilhada do lado oposto. Logo que sentiu que os pneus haviam atingido o pavimento, Patroni aplicou a fundo os travões do lado esquerdo eacelerou as duas manettes da direita. Tanto os travões como os motores responderam, e o avião voltou bruscamente para a esquerda, descrevendo um arco de noventa graus. A meio da volta, Joe reduziu as duas manettes e aplicou os travões. O 707 deslizou um pouco para a frente, abrandou e por fim parou.Patroni sorriu. O avião encontrava-se devidamente estacionado no centro do caminho de rolagem e paralelo à pista três zero, sessenta metros de distância, agora desobstruída.ENQUANTo Tanya gritava: ?.Ele conseguiu ! Conseguiu ! ", Mel transmitia já instruções, através do rádio, à Divisão de Neve, para que mandassem retirar os limpa-neves e as niveladoras. Sentia-se ainda dominado pela cólera contra Patroni, a quem podia causar

 sérios embaraços por desobediência a uma ordem da direcção dó aeroporto num assunto de uria. Mas Mel sabia que não actuaria. Patroni conseguira o objectivo que se propusera. Naquela noite escrevera-se mais um capítulo da lenda de Patroni.

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Os limpa-neves e as niveladoras afastavam-se já. Mel sintonizou o seu rádio para a frequência da torre.- Controle de solo, móvel um. O avião que obstruía a pista três zero foi removido. Seguem veículos. Vou inspeccionar a pista, para verificar se há detritos.Com um holofote do automóvel, Mel iluminou a superfície da pista. Por vezes as equipas de trabalho deixavam no local ferramen- tas e outros objectos, que constituíamum perigo para os aviões que aterravam ou descolavam. Mas à luz do holofote viu apen

as a superfície irregular da neve.O último limpa-neves virava na intersecção mais próxima. Mel acelerou o automóvel e seguiu-o; quando descreveram uma curva para a esquerda, Mel informou pela rádio:- Pista três zero desimpedida e limpa.O voo dois da Trans America, o Golden Argosy, encontrava-se a dez milhas de distância, entre nuvens, a mil e quinhentos pés. Após outro breve descanso, Hams retomaraos comandos.

O controlador de aproximação do Lincoln - cuja voz parecia vagamente familiar a Demerest - guiara-os ao longo de uma série de rumos com voltas suaves durante a descida. Os dois pilotos compreendiam agora que tinham sido habilmente colocados de forma que após a decisão final pudessem entrar em qualquer das duas pistas sem necessi

dade de manobras especiais. Mas a decisão tinha de ser tomada a qualquer momento.A sua tensão aumentava.Cy Jordan regressara ao cockpit a fim de calcular o peso na aterragem, tendo emconta o combustível remanescente. Agora dirigira-se de novo para o seu posto de aterragem de emergência, nos bancos de aterragem junto à porta. Hams e Demerest realizaram os procedimentos de emergência para compensador fora de serviço, como preparação para uma aterragem com o estabilizador danificado.Quando os terminaram, apareceu o Dr. Compagno.- Pensei que gostariam de saber, Miss Meighen está a aguentar- -se. Se for hospitalizada logo a seguir à aterragem, recupera.Demerest, a quem era difícil ocultar a emoção, não respondeu. Foi Hams quem se voltou erespondeu:- Obrigado, Sr. Doutor. Chegamos dentro de minutos!

Nas duas cabinas de passageiros tinham-se tomado todas as precauções possíveis. À excepçãoe Gwen, todos os feridos estavam sentados, com os cintos de segurança apertados. Dois médicos haviam-se postado ao lado de Gwen para a segurarem durante a aterragem. Fora demonstrado aos restantes passageiros como se segurarem durante a aterragem excepcionalmente dura. Ada Quon- sett, agora um pouco assustada, agarrava-se àmão do oboísta.Judy, que conservara o bebé ao colo, entregou-o à mãe. O bebé - o passageiro menos preocupado - dormia.No cockpit, Demerest, a partir da informação sobre o peso que Cy Jordan lhe transmitira, calculou a velocidade de aproximação. Anunciou:- Velocidade de referência, cento e cinquenta nós.Era essa a velocidade a que deveriam transpor a cabeceira da pista, tendo em consideração o peso e o estabilizador danificado. Com uma expressão preocupada, Hams colocou o marcador no velocímetro. Demerest imitou-o. Mesmo na pista mais longa, a velocidade - cerca de duzentos e oitenta quilómetros por hora- era arnscadamente elevada para uma aterragem. Significava que, após a aterragem, teriam de percorrer umtrajecto excepcionalmente longo com uma desaceleração lenta devido à inércia. Mas fazera aproximação a uma velocidade inferior à calculada seria puro suicí- dio - o avião entraria em perda e precipitar-se-ia, descontrolado, em direcção ao solo.Antes que pudesse transmitir, a voz de Keith Bakersfeld anun- ciou:- Trans America dois, volte à direita, rumo dois oito cinco. Apista três zero está livre.Demerest soltou uma praga.- Já não era sem tempo!Confirmou a recepção da mensagem e conjuntamente com Ham$ realizaram os procedimento

s de aterragem.Ouviu-se um estrondo no avião quando o trem de aterragem baixou.

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- Estou a fazer uma aproximação baixa - disse Hams.- Vamos tocar no início da pista, porque precisamos dela toda.Demerest rosnou uma anuência. Perscrutava o exterior à sua frente, tentando avistaras luzes do aeropórto. . . Ainda não conhe- ciam exactamente a extensão dos estragos do avião, nem até que ponto aquele voo difícil afectara o aparelho. Todo o conjunto dacauda podia desabar... ??Se tal acontecer, a cento e cinquenta nós, estamos fritos?,, pensou Demerest.

Hams, que efectuava a aproximação por instrumentos, aumentou a velocidade de descida de setecentós para oitocentos pés por minuto. Demerest desejava desesperadamente estar ele próprio aos comandos. Com qualquer outro piloto que não Hams, teria assumido o comando. O pensamento levou-o à cabina dos passageiros. ??Gwen, estamos quase ! Não morras ! rrA voz de Keith informou:- Trans America dois, está no rumo, razão de descida OK. A pista tem uma cobertura de neve de média a pouco espessa. Vento de norõeste, trinta nós. Está em número um para aterrar.Segundos depois emergiram das nuvens e viram as luzes de aproximação da pista exactamente à sua frente.- Controle de aproximação do Lincoln - transmitiu Demerest. - Temos a pista à vista.

- Entendido, voo dois. - A voz do controlador reflectia indu- bitavelmente um profundo alívio. - A torre autoriza-o a aterrar; logo que possível passe à frequência de torre. Boa sorte. Terminado.Demerest premiu duas vezes o botão do microfone, o sinal de ??obrigado?, dos aviadores.Harris ordenou resolutamente:- Luzes. Flaps cinquenta.Demerest obedeceu; estavam a descer velozmente. Hams avisou-o:- Posso precisar de ajuda no leme.- Está bem.Demerest colocou os pés sobre os pedais do leme. Quando a velocidadé diminuísse, o leme, devido à destruição do mecanismo hidráulico, estaria rígido como o volante de um automól com a

? ?x o ? 7 y? f ?y,'?,?.?'?' s ?t ?& r?jrr???? ry r ),? H? ? Y£ ??4, , ,1 kr ' direcção estragada - em grau muito maior. Após a aterragem, os pilotospoderiam ter de exercer conjuntamente toda a sua força para manter o controle da direcção.

Sobrevoaram os limites da pista, vendo as suas luzes de aproxi- mação a desenrolarem-se à sua frente como colares de pérolas conver- gentes. De ambos os lados da pistaacumulavam-se montões de neve; para lá deles, a escuridão. Hams realizara a aproximação tãbaixo quanto ousara; a proximidade do solo revelava a sua excepcional velocidade. A pista de três quilómetros que se estendia à sua frente nunca parecera tão curta.Hams arredondou, nivelou o avião e reduziu a potência. O troar dos jactos diminuiu e foi substituído por um silvo penetrante. Quando atravessaram a cabeceira da pista, Demerest vislumbrou o grupo cerrado de veículos de emergência, que os seguiriam.Pensou: ?tTalvez venhamos a precisar deles. Gwen, aguenta-te.r? E então o avião tocou no solo. Pesadamente. A alta velocidade. Com um gesto rápido, Hams levantou os spoilers das asas e actuou violentamente as manettes de inversão de potência. Com umrugido, os motores do jacto fizeram contravapor, passando a actuar como travões. T

inham percorrido três quartos da pista e a velocidade diminuía, mas não o suficiente.O avião estava a desviar-se para a esquerda e Harris gritou:- Leme direito.

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Com um esforço combinado, os dois pilotos conseguiram manter a direcção. Mas o limiteda pista, um montão de neve numa caverna de escuridão, avançava velozmente na sua direcção.Harris aplicava a fundo os travões. O metal rangia, a borracha chiava. A escuridão aproximava-se. E então a velocidade começóu a diminuir gradualmente. . . cada vez mais. . .O voo dois deteve-se a menos de um metro do limite da pista.

PELo relógio da sala de radar, Keith Bakersfeld verificou que faltava ainda meia hora para o termo do seu turno. Ignorando o facto, puxou a cadeira para trás, afastando-se da consola de radar, desligou os auscultadores e levantou-se. Olhou pela última vez a sala de controle.- Eh! - interpelou-o Wayne Tevis. - Que se passa?- Venha cá - disse-lhe Keith -, pegue nisto, que alguém pode precisar. - Atirou os auscultadores a Tevis e saiu.Sabia que devia ter feito aquilo há anos. Ao percorrer o corredor, perguntava a si próprio qual a razão do profundo alívio que sentia.Não era por ter orientado o voo dois - qualquer outro dos controladores o teria feito com igual sucesso. Nada do que fizera durante essa noite apagara ou compensara o que lhe acontecera com o desastre da família Redfern.

Mas talvez, pensou Keith, a sua raiva súbita minutos antes tivesse sido uma catarse pela admissão -com quinze anos de atraso e nunca antes enfrentada do seu ódio presente e passado pela aviação.

Entrou nos vestiários dos controladores, com os seus bancos de madeira e um quadro cheio de mensagens. Abriu o seu cacifo, do qual retirou a sua roupa. Havia alguns objectos pessoais nas pratelei- ras. Apenas guardou a fotografia colorida deNatalie, que descolou cuidadosamente da face interior da porta metálica. . . Natalie em bikini, a rir; o rosto etéreo, o cabelo a escorrer. Com vontade de chorar, guardou a fotografia no bolso. De repente interrompeu-se. Ficou imóvel, constatando que, invo- luntariamente, chegara a uma nova decisão. Não sabia se poderia aguentá-la, nem sequer como a encararia no dia seguinte. Se não conseguisse suportá-la, porém, poderia sempre recorrer aos compri- midos que conservava no bolso. Naquela noite,

 contudo, o maisimportante é que não ia para a Estalagem O'Hagan. Ia para casa.E agora tinha uma certeza: se houvesse futuro, fosse ele qualfosse, seria bem longe da aviação. Como acontecera a outros que ,haviam abandonado a profissão de controlador, talvez essa decisãofosse o fardo mais duro de suportar. E era preciso encará-la de frenteagora, disse Keith a si mesmo. Recordar-se-ia sempre do LincolnInternational e de Leesburg - e do que acontecera nesses lugares.As recordações não seriam uma forma de escape. A lembrança dafamília Redfern que morrera nunca o abandonaria.Não obstante, porém, a memória poderia adaptar-se - poderia,de facto? - ao tempo, às circunstâncias e à realidade da vida. A Bíblia dizia: ??Deixemque os mortos enterrem os seus mortos.,? O que acontecera, acontecera.Keith perguntava a si próprio se alguma vez conseguiria, não obstante recordar os Redferns com tristeza, centrar nos vivos - Na- talie e os filhos - as suas principais preocupações. Não tinha a certeza de possuir a necessária energia moral e física, maspodia tentar.Desceu pelo elevador da torre. No exterior, quando se dirigia para o parque de estacionamento, deteve-se. Num impulso, retirou a caixa de comprimidos do bolso e esvaziou-a sobre a neve.Do seu automóvel. estacionado no caminho de rolagem perto da pista três zero, Mel verificou que os pilotos do voo dois não perdiam tempo e rolavam já para o terminal. As luzes do avião, naquele momento a meio do campo, moviam-se rapidamente. Pelo rádio, sintonizado para o controle de solo, Mel ouvia as instruções transmi- tidas a outros voos que eram detidos nas intersecções de caminhos de rolagem e pistas, a fim de

deixarem passar o avião danificado.O voo dois recebera instruções para se dirigir à porta quarenta e sete, onde o esperavam ambulâncias, médicos e pessoal da compa- nhia. As luzes do avião confundiam-se agor

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a com a miríade das luzes do terminal.Os veículos de emergência afastavam-se da área da pista. Tanya e Tomlinson regressavam ao terminaI com Joe Patroni, que entregarao 707 a outro mecânico, que o conduziria ao hangar. Tanya seguiaem direcção à porta quarenta e sete, onde provavelmente a suapresença seria necessária.Antes de o deixar, perguntara calmamente a Mel:

- Sempre vens cear comigo?- Se não for muito tarde para ti - respondeu Mel -, gostavamuito.Olhou-a enquanto ela afastava do rosto uma madeixa ruiva. Tanya fitou-o com os seus olhos límpidos e directos e sorriu:

- Não é tarde.Tomlinson pretendia entrevistar a tripulação do Golden Argosy. Decomdas algumas horas seriam todos heróis. Mel calculava que a sua dramática história eclipsaria as suas próprias declarações, consi- deravelmente menos excitantes, sobre as necessidades do aeroporto. Embora talvez não totalmente, Tomlinson era um repórter conscien- cioso, que talvez decidisse estabelecer uma ligação entre o drama daquela noite e uma perspec

tiva séria e a longo prazo dos problemas em causa.Mel reparou que o 707 estava a ser conduzido pelo caminho de rolagém. Parecia intacto, mas seria cuidadosamente inspeccionado antes de retomar o voo interrompidopara Acapulco. Seguiam-no os diversos veículos de assistência que haviam permanecido junto do aparelho durante a operação de desobstrução da pista.Não havia agora qualquer razão que impedisse Mel de se ir embora. Mas pela segunda vez naquela noite o director do aeroporto sentiu que a solidão do aeródromo e a proximidade com a parte fundamental da aviação constituíam um estímulo à reflexão. Aqui tiverapressentimento da iminência de um perigo. E de facto verificara-se um desastre, embora por sorte todos, à excepção de Guerrero, tivessem sobrevivido e os serviços do aeroporto não tivessem sido responsáveis pelo acidente.Mas o desastre pódia ter envolvido o aeroporto; e o próprio aeroporto podia ter sido a causa de uma catástrofe total, devido à deficiência que Mel previra e tentara em vão

corrigir. Porque o Lincoln era obsoleto, não obstante os vidros e os cromados reluzen- tes; não obstante bater o recorde em volume de passageiros e não obstante o seu título pomposo:.?Encruzilhada do Mundo.,. Era obsoleto porque o progresso da aviaçãoultrapassara as previsões. Uma vez mais os ??peritos" haviam errado, e os ??sonhadores" haviam acertado.Por toda a nação, por todo o mundo, a situação repetia-se. Falava-se muito acerca dos progressos da aviação, que proporciona- riam os mais baixos custos de transporte de passageiros e mercado- rias em toda a história da humanidade; mas em terra pouco sefizera. Uma voz isolada não conseguiria alterar todos os aspectos da situação, mas cada voz que falasse com conhecimentos e convicção prestaria um contributo positivo. Mel tencionava continuar a falar com a clareza e a temeridade dessa noite. Começaria por convocar uma reunião de emergência da administração do aeroporto, durante a qual insistiria de novo na aprovação imediata da construção de uma nova pista paralela à pista tr zero.A experiência daquela noite viera reforçar, com um peso irrefutá- vel, os seus argumentos. Desta vez não pediria, exigiria. E faria o necessário para conquistar a opinião pública - era o tipo de pressão que os políticos compreendiam.

Após as pistás, seguir-se-iam outros projectos, até agora apenas ventilados: um terminal inteiramente novo e um complexo de pistas; um fluxo em terra de pessoas e defretes mais engenhoso? campos de aviação satélites de menores dimensões para aparelhos de descola- gem rápida e vertical, que em breve estariam em uso. Uma vez que o Lincoln International existia na idade do jacto, teria de acompanhar o ritmo do progresso. E o facto é que os aeroportos não eram umacessório nem um luxo das cidades, pensou Mel. Quase todos eram

auto-suficientes, promoviam a riqueza e elevavam a taxa de empregodas cidades que serviam.Esta batalha pelo progresso terra-ar talvez o ajudasse a suportar os

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seus problemas pessoais, mantendo-lhe o espírito ocupado. Este pensamento fê-lo lembrar-se de que teria de telefonar a Cindy a fim de retirar de casa os seus pertences. Seria um processo penoso, e esperava qúe Roberta e Libby não o presênciassem. Pensou em instalar-se num hotel até ter tempo para arranjar um apartamento. Mas melhor do que nunca compreendia que a decisão que Cindy e ele haviam tomado de se divorciarem era inevitável. O adiamento desta decisão não se teria revelado vantajoso nem para eles nem para as crianças.

E Tanya? Não chegara ainda a altura de uma ligação, mas Mel ânsiava pela eamaradagem, pelo calor e pela ternura que ela lhe poderia dar. O futuro podia ainda reservar-lhes muito.Mel ligou o automóvel e dirigiu-se para o caminho de circulação em direcção ao terminal, tendo a pista três zero à sua direita. Outros aviões, que chegavam num flúxo regular, começavam a utilizá-la. Um Convair 880 da TWA passou por ele e aterrou. Atrás, a pouco mais de quinhentos metros de distância, distinguiam-se as luzes de aterragem de outro avião que se aproximava. Atrás deste surgia um terceiro avião.Constatando que conseguia distinguir as luzes de um terceiro avião, Mel percebeu que as nuvens haviam levantado. O vento cessara; a sul, o céu revelava abertas límpidas.A tempestade afastava-se. ARTHUR HAlT.EY Tempos houve em que A

rthur Hailey constituía uma fonte de embaraço para os filhos. Embora se levan- tasse a umas respeitáveis sete horas da manhã, desse um mergulho e fizesse um cross rápidoantes do pequeno-almoço, passava o resto do dia em casa, fechado num quarto no andar de cima. Kporque é que ele não sai e trabalha como os outros pais?n, perguntavamaos pequenos Haileys os colegas na escola. ?O que é que ele fa2?H Mas dizer que opai era um escritor não constituía resposta satisfatória - pois toda a gente sabe queescrever não é propriamente um ?.trabalho?; responder com ar distraído, como Jane Hailey nespondeu: KOra, fica sentado lá em cima a escrever dinheiroH - tinha sem dúvidaum certo impacte, mas não deixava de emprestar ao pai um certo ar de falsificadorprofissional.

Contudo, hoje em dia as crianças sentem-se felizes por terem um pai escritor; e na verdade cada livro de Hailey é, até certo ponto, uma prodúção familiar. Sheila, a sua atr

aente mulher, de origem inglesa, está sempre pronta a deixar a sua casa, na Califórnia, para realizar as pesquisas necessárias; Jane, que tem agora 14 anos, limpa o pódo escritório do pai antes de ir para a escola; Steven, de l2 anos, trabalha com a máquina de fotocópias; e em tomo da mesa, à hora de jantar, toda a família discute o andamento do livro em curso. Um livro obriga por vezes Acthur Hailey a percorrer meio mundo. A l.a fase consiste na escolha do tema, que, em sua opinião, deve centrar-se naquilo a que ele chama.?o aqui e o agora??, porque, segundo crê, vivemos a época mais fascinante da História. A 2.a fase é um programa de pesquisa .intensiva. Para escrever AEROPORTO, Hailey visitou os Aeroportos Kenne- dy, de Nova Iorque, O'Hare, em Chicago, Tampa, Los Angeles, o Centro de Controle de Tráfego Aéreo de Washington, além de vários aeroportos na Europa e no Canadá, viajando sempre de avião. .?Andar de avião é ainda a forma mais segura de viajar., , afirma. ??O que me apavora é andar de táxi. ??